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revista parênteses | edição especial #01distribuição on-line gratuita
M ULHER ES
Marília Garcia
4Lubi
Prates
9Ana
Rüsche
6
Virna Teixeira
11
Vanessa Rodrigues
17
Greta Benitez
15
Pilar Bu
19Priscila
Merizzio
21Editorial 3
Créditos e contato 21
Parênteses, primeira edição especial,
março: mulheres.
Embora seja fácil cair nessa fórmula, é difícil des-
viar do termo literatura feminina, muito usado pejora-
tivamente por aí. A literatura é mãe que não distingue
filhas de filhos.
Muitas escritoras maravilhosas ainda são menos-
prezadas apenas por serem mulheres (“livro de mu-
lherzinha? eca!”). O que podemos fazer para mudar
isso? Ler mais mulheres pode ser um bom começo.
Por isso, decidimos criar essa edição só com escri-
toras, mulheres que conquistam espaço nas Letras, fa-
lando sobre mulheres ou não.
Pegue uma xícara de café, ajeite-se na cadeira, con-
tinue conosco e #leiamulheres.
os editores
Marília Garcia
5
Uma mulher que se afogaruído da chuva
e uma lâmpada elétrica
acende a única janela do alto
naquela cidade destruída. na beira da cama,
de branco, esperou meses para abrir o livro de
notas achado num café. “quando acredita que
a chuva vai passar?”
(mas queria dizer em que
pensa? queria dizer até quando?
queria dizer outra coisa)
de dentro do quarto
gris, apenas o contorno
ao redor dos objetos que
desmaiam um de cada vez e trocam
de lugar enquanto você espera. a luz do poste
filtrada pelas cortinas tem a forma de um quadrado
radioativo (poderia ser um wet dream que
me faz trocar os dias da semana?)
devemos ir, foi a última coisa
que falou com sua capa-de-
chuva e um bote salva-
vidas.
Marília Garcia nasceu no Rio de Janeiro, em
1979. É autora dos livros 20 poemas para o seu
walkman (Cosac Naify, 2007), Engano geográfi-
co (7letras, 2012) e Um teste de resistores (7letras,
2014). Ganhou o Prêmio Icatu de Artes que lhe
concedeu uma residência na Cité International
des Arts, em Paris (2015).
Ana Rüsche
7
elucubrações da mula-sem-cabeçao anjo, mais uma vez, queixou-se
de dor nas asas
(a asa esquerda
tinha um nó e doía).
de minha parte, tentada
a ser prestativa,
me fiz a médica
: será que não é dor nos rins?
não, retorceu-se o anjo,
dói aqui, aponta a cervical,
e me fita com uns olhos imensos,
tão grandes quanto o fundo
de uma caçarola cheia de molho de tomate. fito um outro tanto.
mal tentei tocar nas asas e
me fui, maldição! e cavalguei a noite inteira, na agonia do consumo da própria chama.
quando consegui voltar pra ver o anjo doído,
ele já estava de partida.
8
Estreou com o livro de poesia Rasgada (Quinze & Trinta, São Paulo: 2005), que recebeu tradução ao espanhol (Ed. Limón Partido, Cidade do México: 2008,
tradução Alberto Trejo, rev. Alan Mills). Depois publicou Sarabanda (poesia, Selo Demônio Negro, São Paulo: 2007), que recebeu 2ª edição pela Editora
Patuá (2013) e, por fim, Nós que Adoramos um Documentário (poesia, Ed. Ourivesaria da Palavra, São Paulo: 2010, apoio ProAC - Secretaria de Estado da
Cultura). Em prosa, publicou o romance Acordados (Ed. Amauta, Brasil: 2007).
levantou-se em toda a extensão e tristeza
e diz
: vou dar um rolê. vem comigo?
balanço a cabeça, não vou nessa, meus cascos
tão altos e lastimados, já sem fogo nas ventas, não podia mais, um outro dia.
o anjo se foi em desalinho,
o anjo menos anjo.
e restei sozinha fumegando,
matutando
sobre a mesma punição
que lastimara a asa do anjo decaído e que me fazia cavalgar
a louca
naquelas noites erradas, errantes.
então segredo em brasa às paredes
- viu como não adianta nos destituir de sexo ou de cabeça?, no final, a vingança é
nossa única rua,
a resposta é clara
o desejo é nossa lua.
Lubi Prates
10
ela mesma, a Poesiaé despertar e enxergar além de o ou a
visão audição olfato tato paladar.
entregar-se para o sentir e perceber.
a Poesia é aprofundar-se
e procurar em si palavras
e substituí-las substituí-las substituí-las
perdê-las e insistir em
re e construir até que
perfeitamente.
e cuspir sem silêncio o que
a Poesia.
cuspir sem silêncio
e não implorar ouvintes
mas quando
seduzir e penetrar e abusar
porque a Poesia é
acariciar todo o sofrimento em
não esquecer a obrigação de
unir versos.
Nasceu em 86, em São Paulo. Estudante de
Psicologia, especializando-se em Psicoterapia
Reichiana. Tem publicado o livro coração na
boca e algumas participações em revistas literá-
rias nacionais. Escreve no blog coração na boca.
Edita a Revista Parênteses.
Virna Teixeira
12
Borda doceNatureza morta com células tronco
Uma menina: tocando formas orgânicas não-identificadas
Play-doh cor de pele
Brinca com um coelho verde que brilha no escuro
Acaricia o cãozinho recém-nascido sob raios ultravioleta
Crianças são atraídas pela estranheza dos híbridos
Pequenos ajudantes de elfos correndo em uma paisagem sintética
Gêmeos indivisíveis gestando na cera
Clones inférteis
propensos a
esta afeição por parahumanos
Como o confortador
aninhando
Virna Teixeira nasceu em Fortaleza em 1971.
É neurologista, mora em Londres, e faz pós-
graduação em Medical Humanities no King’s
College. Publicou quatro livros de poemas:
Visita (7 Letras), Distância (7 Letras), Trânsitos
(Lumme Editor) e A Terra do Nunca é Muito
Longe (Não Edições, Portugal). Tem três títulos de
tradução de poesia escocesa publicados, e edita
plaquetes de poesia e tradução pela Arqueria
(www.arqueriaeditorial.net).
Greta Benitez
foto
: P
aula
Sal
azar
14
AmigasEstamos perdidas
No meio do desfile de fantasias
Eu de chapéu
– mafiosa –
Você de baiana furiosa
Brincos grandes de argola
Trincos herméticos de mulher confusa
As duas desfilando por uma grande avenida de prédios muito
Muito muito muito muito muito muito muito altos
Amigas íntimas dos santos e dos asfaltos.
Dizem “caindo, do chão não se passa”
O asfalto ri:
“Ah ah, a melhor piada que eu já ouvi.
Meninas: o inferno é logo aqui.”
Greta Benitez nasceu em Curitiba. Lançou
os livros “Rosas (Edição do Autor, 1999), “Café
Expresso Blackbird” (Landy, 2006) e Canção
Antiqüe” (Patuá, 2013). Foi publicada em revistas
como “Oroboro” e “Continuum”. Recebeu diver-
sos prêmios e participou de várias antologias.
Vanessa Rodrigues
16
Vanessa C. Rodrigues é escritora e
ensaísta. Autora do livro de poe-
mas Noturno e cinza (2014, Medusa).
Publicou também alguns contos em
revistas, como Arte e Letra: Estórias,
integrou a antologia de poemas
Fantasma Civil, parte da programação
literária da XX Bienal Internacional
de Curitiba e publicou ensaios no
Jornal Rascunho. Atualmente vive
em São Paulo, onde trabalha como
preparadora de texto. Mantém o blog:
vanrodrigues.wordpress.com.
Taxidermistaà Polly Morgan
Pássaros vermelhos preenchem um bicho oco
O cervo vazio é o céu de pássaros mortos
O tempo é mutilado na mesa da taxidermista
E um balão de festa enforca cadáveres delicados
Que ora habitam o oco do cervo
Como a um céu cenográfico
A morte é exposta na sala de vidro
A morte é matéria da taxidermista
Olhos de peixes azuis
Um colar na paisagem cinza
Há pássaros vermelhos no teto
Presos mortos a balões de hélio
E o tempo só corre aqui fora
Onde a morte é sentida mais de perto
Eis o cervo
E seu corpo empalhado envolto a outros corpos miúdos
Um rosário de pequenos pássaros vermelhos
Instantâneo de um voo encenado
Pilar Bu
18
cinco furos
no braço
formam
constelação
por baixo
da carne
da terra
do verme
do verso
doía.
Pilar Bu é poeta, salgueirense, beerlover, catlo-
ver, feminista e triplo fogo no zodíaco. Descobriu
na sororidade uma forma de ser livre e escreve
para aplacar as dores do dia-a-dia.
Priscila Merizzio
20
a forçaOlhar as aves do deserto antes de os olhos ficarem leitosos
pelo glaucoma. Recusar-se a calçar sapatos se os pés são bugres.
Esfoliar a pele com cactos e beijar de língua os dromedários.
Trançar nos cabelos plantas venenosas e mastigá-las; porque
alguns corpos não são feitos de matéria humana. Provocar ma-
remotos nas prateleiras dos psiquiatras e ancorar salvações na
rosa dos ventos. Ignorar advertências e deixar-se engolir aos
furacões do alto-mar. Na areia do fundo do oceano descobrir
diamantes e gentilezas. Viajante marítimo fenecendo debaixo
d’água. Os sonhos organizando o caos da carne adoecida. A rea-
lidade é tormenta fumegante. Descortina teatro pantagruélico
Priscila Merizzio é curitibana e nascida no Ano do Búfalo. Editora con-
vidada da Germina - Revista de Literatura & Arte, integra o time das
Escritoras Suicidas e eventualmente colabora à Zunái - Revista de Poesia
& Debates. Também tem textos publicados na CULT, Eutomia, Cronópios,
Mallarmagens. Participou da Bienal Internacional de Curitiba de 2013.
Minimoabismo (ed. Patuá, 2014) é seu livro de estreia.
de homo automaticus. Ler o futuro nas constelações e nas bar-
batanas das raias. Emprestar suas sardas coloridas à beleza do
próprio rosto. Transformar-se em ser marinho, difundir-se à
anatomia dos tubarões brancos e jogar focas ao ar sem devo-
rá-las. Dedo divino abrindo o corpo de necrotério e recheando
com antepasto de maná, mirra e mel. A cura crescendo e flo-
rescendo desbravadora como trepadeira teimosa pelos buracos
do nariz, orelhas, ânus e vagina. Traumas neutralizados na quí-
mica do tempo. Felicidade lilás rastejando os poros de polvo no
cimento urbano. Espontaneidade no cataclismo momentâneo
das flores de cerejeiras sorvendo as águas da eternidade caiada.
Texto publicado originalmente na Revista CULT de março/2015.
A Parênteses tem distribuição livre e gratuita, sinta-se à vontade para compartilhar.
Não encorajamos, porém, nenhum tipo de adaptação e/ou de uso comercial dos materiais. Nesses casos, os autores devem ser consultados.
Todos os textos aqui reunidos são, e sempre serão, de propriedade de suas autoras, cuja gentileza agradecemos.
Novas contribuições são sempre bem-vindas, fale conosco!
Edição Bruno Palma e Silva
Lubi Prates
Projeto gráfico Bruno Palma e Silva
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