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YOLANDA PEREIRA: “GLORIFICAÇÃO DA BELEZA1” E A CONSTRUÇÃO DA
MULHER BRASILEIRA ENQUANTO ATRATIVO TURÍSTICO.
Dalila Rosa Hallal
Dalila Müller
Introdução
Durante nossas pesquisas sobre a história do Turismo e da Hotelaria em Pelotas nos
deparamos com dados sobre Yolanda Pereira e os questionamentos ficaram adormecidos, até
que decidimos nos aproximar da História das Mulheres e julgamos interessante nos questionar
o porquê do silêncio acadêmico sobre concursos de beleza tão relacionados a questões do
turismo, assim, abraçamos a possibilidade de trazer o tema como objeto de nosso estudo.
Nas Ciências Humanas e na historiografia tais inquietações emergem com a abertura
da história para “outras histórias”, focalizando novos objetos, sujeitos e abordagens,
culminando com o advento da Nova História Cultural. Deste modo, abriram-se espaços para a
discussão e escrita das mais variadas histórias, problematizando temas pouco trabalhados pela
historiografia tradicional, dando visibilidade aos “personagens ocultos” e permitindo
trabalhos como este, que estuda Yolanda Pereira - Miss Universo -, amparado numa
perspectiva de História cultural que:
apresenta riscos e põe exigências: é preciso teoria, sem dúvida, ela exige o
uso desses óculos, conceituais e epistemológicos para enxergar o mundo. A
Hist. Cultural pressupõe um método, trabalhoso e minucioso para fazer
revelar os significados perdidos do passado. Pressupõe ainda uma carga de
leitura ou bagagem acumulada, para potencializar a interpretação por meio
da construção do maior número de relações possível entre os dados. Como
resultado, propõe versões possíveis para o acontecido, e certezas provisórias.
(PESAVENTO, 2008:119)
1 O compositor Zequinha de Abreu compôs a valsa "Glorificação da Beleza" em homenagem à primeira
brasileira eleita Miss Universo, em 1930, Yolanda Pereira.
Neste artigo temos como objetivo analisar historicamente a construção da mulher
brasileira enquanto atrativo turístico brasileiro a partir do título de Miss Universo obtido por
Yolanda Pereira no ano de 1930, pois, “As histórias sobre os concursos, os detalhes sobre
suas decorações, prêmios, figurinos, pessoas envolvidas etc., transformavam o evento de
diversão em algo de dimensão social, cultural e mesmo política, de maior envergadura”. (O
Cruzeiro, 11.06.1960:4)
Abordamos a problemática postulada por meio de pesquisa histórica, adota métodos de
pesquisa documental e bibliográfica. Grande parte do acesso às fontes, principalmente às
primárias, se deu através de acervos digitalizados, como jornais e de revistas. Os acervos
pesquisados foram a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, o acervo da revista do
Globo, entre outros.
Yolanda Pereira: “Glorificação da Beleza” e a construção da mulher brasileira
enquanto atrativo turístico
Inicialmente, abordaremos alguns aspectos que influenciaram o período estudado.
Em 1929, com a quebra da Bolsa de Nova Iorque, iniciou-se uma crise econômica
mundial. Em março de 1930 foi realizada a eleição presidencial no Brasil. Júlio Prestes,
candidato da situação política, foi eleito, mas não tomou posse, em virtude do golpe de estado
desencadeado a 3 de outubro de 1930, a partir do qual Getúlio Vargas assumiu a chefia
do "Governo Provisório" em 3 de novembro de 1930.
Em meio a um período de turbulência política no Brasil e no mundo, em setembro de
1930, Yolanda Pereira (1910/2001), gaúcha, natural de Pelotas, foi a primeira brasileira ser
eleita “Miss Universo”.
Yolanda nasceu em 16 de outubro de 1910 em Pelotas, e vivenciou a juventude em
meio à chamada belle époque local. Yolanda se definia como uma pessoa modesta, de hábitos
e sentimentos religiosos arraigados. Estudou no Colégio São Francisco e estudou piano no
Conservatório de Música de Pelotas. Moça de classe média, participou dos ritos sociais
habituais, debutando pelo Clube Caixeiral. Desde então, foi sendo levada a participar de
outros eventos, como os incipientes concursos de beleza.
Em 14 de abril de 1930 foi eleita Miss Pelotas, título conquistado através do sufrágio
popular, tendo ela sido a candidata mais votada; em Porto Alegre, concorrendo com as demais
candidatas, sagrou-se Miss Rio Grande do Sul (18 de Maio), em concurso patrocinado pelo
extinto jornal Diário de Notícias; na então capital federal, o Rio de Janeiro, ela foi escolhida
como a Miss Brasil (15 de julho); e, finalmente, Miss Universo (08 de setembro).
Figura 1 – Yolanda Pereira – Miss Universo
Fonte: http://www.mulhersingular.com.br/2011/06/voce-conhece-todas-as-misses-do-brasil/
O promotor do concurso era o vespertino carioca “A Noite”, do Rio de Janeiro.
Importante retomar que nas eleições presidenciais de 1930, depois de ensaiar possível
neutralidade, o jornal, ainda sob o comando de Geraldo Rocha, aderiu à candidatura
governista de Júlio Prestes. Com a vitória do movimento liderado por Getúlio Vargas, os
revolucionários empastelaram o jornal e prenderam Rocha. A sede foi depredada e
incendiada, e o jornal deixou de ser editado por alguns dias.
O concurso aconteceu no dia 7 de Setembro, na pérgula da piscina do Copacabana
Palace, no Rio de Janeiro, num dia de muito sol. As candidatas ao titulo de Miss Universo de
1930 se hospedaram no Hotel Glória. Elas desfilaram a bordo de carros abertos que saíram da
sede do jornal O Dia, na Praça Mauá, chegando no Copacabana Palace, onde aconteceu a
escolha da Miss Universo de 1930 (MACHADO, 2015).
Figura 2 – A Chegada das Misses no Copacabana Palace, 1930.
Fonte: http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=003581&pagfis=3423
Na figura e na documentação verifica-se que esse evento teve uma grande participação
do público, todas as imagens dos jornais mostram uma multidão assistindo e acompanhando
às eleições das misses, fato que transforma as candidatas anônimas em tema de múltiplas e
acaloradas discussões, referências de beleza e comportamento.
No início da década de 1920, intelectuais, artistas, escritores e personalidades
estadunidenses divulgavam a cultura francesa, popularizando a modalidade de evento no país.
A partir desse momento, começaram a surgir vários concursos, mas o primeiro deles com o
formato de desfile e eleição aconteceu nos Estados Unidos em 1921, o Miss América, sediado
em Atlantic City (MACEDO, 2019).
Cinco anos depois surgiu um concurso em Galveston, Texas, chamado International
Pageant of Pulchritude (Desfile Internacional de Beleza). Era um concurso de trajes de
banho, que atribuía o título de "Miss Universo" à vencedora. Sua primeira edição aconteceu
em 17 de maio de 1926, com a participação de 37 norte-americanas e duas estrangeiras. A
texana Catherine Moylan, Miss Dallas, foi a primeira a receber este título. Quatro anos mais
tarde, a gaúcha Yolanda Pereira foi a primeira e única brasileira a conquistar o título dessa
antiga versão do concurso (NOGUEIRA, 2016).
Figura 3 – Capa da Revista do Globo
Fonte: Revista do Globo, 1930.
Esta edição de 1930 foi realizada paralelamente no Brasil, criada por brasileiros, ao
mesmo tempo da edição norte-americana, que era realizada em Galveston, no Texas.
Os jurados eram escritores, artistas, cronistas sociais, pintores, escultores, todos
homens, do Brasil e do exterior. O parecer da comissão julgadora levou em conta quesitos
como beleza, graça, equilíbrio, proporção, formas e distinção. Os jurados também estiveram
atentos ao tipo étnico e à visão do conjunto (RECANTO DA LETRAS, 2020).
Yolanda concedeu a primeira entrevista ao vespertino carioca “A Noite”, promotor do
concurso, falando de sua surpresa pelo resultado. Disse que não esperava, que não alimentava
tal ambição, e que apenas se preocupava com o desejo de desempenhar da melhor
maneira possível o papel de Miss Brasil.
No dia 11 de Setembro de 1930, quinta-feira, o jornal “A Noite”, Rio de Janeiro, traz
como reportagem de capa: “A primeira entrevista de ‘Miss Universo’”. Na entrevista Yolanda
Pereira diz estar contente, mas surpresa com o desenlace do Concurso.
“Eu sou uma moça modesta, vivendo em um ambiente de grande recato, com
hábitos e sentimentos religiosos arraigados, e prezando multo a minha
condição de Filha de Maria. Quanto ao mais, eu não me considerava feia,
mas como não tinha pretensões a tipo de beleza, não pretendia nem queria
figurar no concurso, mas a pressão da sociedade pelotense foi tal que eu cedi
e fui para Porto Alegre apreensiva pela responsabilidade de cingir a faixa de
"Miss Pelotas" em competição com tanta gaúcha bonita. [...], mas tive de vir
para o Rio de Janeiro em nome do Rio Grande do Sul, para receber uma
nova surpresa: a de ser proclama- da "Miss Brasil". [...] Falando com
franqueza, desde o meu regresso do Rio Grande do Sul, e sobretudo desde a
chegada das "misses" estrangeiras, eu senti que o Rio de Janeiro, pelo seu
povo, pela sua sociedade, pela sua imprensa, se esmerava em cercar-me de
carinho, dando-me um grande prestigio, rendendo-me homenagens que eu
nunca esperei receber. Atribui isso a um nobre sentimento de delicadeza
patriótica: — o povo do Rio de Janeiro não queria que a representante do
Brasil se apagasse e desaparecesse com as gloriosas cores nacionais no meio
das grandes manifestações feitas, pelas respectivas colônias, com a adesão
de nossa gente, ás "misse" estrangeiras”. (A NOITE, 11.09.1930, capa)
Durante o evento, o Brasil realizou ações de “boa vizinhança” com o resto do mundo,
protagonizadas pelos jornalistas, inúmeros jantares, eventos paralelos que utilizaram-se do
concurso para divulgar o Brasil para o exterior e como forma de manter relações
internacionais.
Figura 4 – Uma festa de cordialidade
Fonte: Jornal A Noite, 10.09.1930
O Jornal do Brasil (9 de setembro de 1930), confirma o resultado do evento em que
além da brasileira, a Miss Portugal, Miss Grécia e Miss Estados Unidos estiveram melhores
classificadas. Neste mesmo jornal, o secretário do júri do concurso, Navarro da Costa (pintor;
se preparava para ser diplomata na Itália, mas logo falece em Livorno) depõe sobre a
vencedora Yolanda Pereira colocando-a como uma espécie de “amostra racial” do Brasil para
o mundo:
Este resultado dum júri, que não podia ser parcial, que foi rigorosíssimo,
honesto, me alegra, sobretudo, porque é uma esplendida resposta aos que
duvidam ainda das possibilidades da nossa raça ter uma mulher capaz de ser
“Miss Universo”, em competição com as mais formosas representantes de
vinte e seis nações. A mais bela, a “Miss Universo”, ela aí está confundindo
o esnobismo derrotista e alevantando em todo o mundo a gloria da mulher
brasileira. (JORNAL DO BRASIL, 09.09.1930, capa).
Yolanda Pereira era o exemplo de “nossa raça”. E, sua eleição tinha o objetivo de
demonstrar que o Brasil não estava derrotado, apesar de todos os problemas enfrentados,
sejam sociais, econômicos ou políticos. A sua vitória também era uma forma de inserção do
Brasil no cenário internacional, em um período marcado por dúvidas existenciais que giravam
em torno da identidade nacional. Evidentemente a raça dita brasileira era branca e da elite,
não representando a miscigenação do povo brasileiro.
Importante lembrar que no dia 15.07.1930, no jornal “A Noite”, quando Yolanda
Pereira foi proclamação de “Miss Brasil”, três membros do jury, os pintores Lucilio
Albuquerque, Miguel Capplonch e Abelardo Araújo apresentaram as justificações de votos:
“Voto na Senhorita Yolanda Pereira, “Miss Rio Grande do Sul”, para “Miss
Brasil”, por julga-la entre todas as concorrentes a que reuni melhores
qualidades plasticas de beleza e características do typo brasileiro.”
“É certo que as “Misses” Paraná e Espirito Santo são de incontestável
beleza, mas falta-lhes justamente essa brasilidade necessária a uma
representante do nosso paiz em um concurso internacional de Belleza”.
“[...] a minha individual seleção esthetico-plastica levo em conta, além da
brasilidade, os requisitos de graça, beleza, distinção e plástica, confiado
possa assim evidenciar-se o Brasil representado por um exemplar
harmonioso e tropical”.
Durante as décadas de 1920 e 1930 que o questionamento sobre a brasilidade ganha
sentido, sobretudo na reflexão sociológica e na vanguarda modernista. Gilberto Freyre, com a
obra Casa-grande e Senzala, teve amplo alcance na interpretação da brasilidade, contestando
parte significativa dos argumentos racistas da tese de Paulo Prado. “O pensamento social
brasileiro deste período recodificou o imaginário sobre a brasilidade a partir de uma demanda
historicamente contingente: a de fabricar uma identidade brasileira, capaz de impulsionar um
projeto viável para a nação.” (OLIVEIRA, 2014:1110). Desse modo, a criação de uma
brasilidade ajudaria o povo brasileiro a se conhecer, a mostrar o Brasil ao Brasil e também ao
exterior e Yolanda Pereira, enquanto um “exemplar” do “tipo brasileiro”, contribuía para esse
projeto.
Além disso, podemos identificar as inúmeras notícias sobre Yolanda Pereira, com
destaque para as imagens que exaltam a beleza física, como símbolo de representação da
“mulher brasileira”, que nos remetem à construção dos estereótipos “mulher branca”, ao
indicar o Concurso de Miss Brasil, pois as mulheres brancas foram associadas a concursos de
beleza e eventos de moda, conformando o papel social de reprodução e matrimônio. Papel
muito bem desempenhado por Yolanda Pereira. Esses estereótipos foram utilizados em
materiais de divulgação de produtos de beleza, equipamentos domésticos, como também na
divulgação do destino turístico brasileiro.
No Almanaque de Pelotas de 1931, foi localizada uma notícia, sem autoria, sobre a
verdadeira beleza feminina, intitulada “Os Prelios da Belleza, de como a ‘Princesa do Sul’
deu a mulher mais bella do Universo”. O tom do artigo se mostra opinativo em suas
descrições do que seria a verdadeira beleza do Brasil. Abaixo alguns trechos do texto, para
melhor ilustrar esta afirmação:
Os concursos de beleza não são, como muitos julgam, um passatempo
mundano, uma frivolidade apenas criada para o galanteio e para a graça.
Não; eles têm um fim mais elevado e distinto, mais nobre, qual o do
aperfeiçoamento, do apuro das raças. Assim, pois, o valor plástico desta ou
daquela representante mais estilizada nesses torneios é sempre uma
demonstração exponencial do tipo racial de sua própria gente. [...] seu
triunfo foi de todo justo, e os pelotenses, com sua preferência, demonstraram
não somente acerto, como um alto senso do que é a beleza. (ALMANAQUE
DE PELOTAS, 1931)
O autor, ao escrever que esses concursos aperfeiçoariam a “raça” e demonstrariam o
“exponencial do tipo racial de sua própria gente”, estabelece que o modelo de beleza é aquele
que predomina nas representações ali encontradas, ou seja, a “raça” e a “própria gente” seriam
os personagens brancos, os cidadãos pelotenses pertencentes à elite branca. Neste sentido, o
Almanaque se via representado através de Yolanda Pereira, “a mais bela entre todas”,
legitimada por um júri internacional. Através desse exemplo, fica evidenciado o ideal de
beleza que se pretendia alcançar por uma cidade que se queria progressista e moderna.
Entretanto, em julho de 1930, o cronista Jorge Amado, anunciava a vitória da Miss Rio
Grande do Sul a Miss Brasil, fato que também desagradava milhares de brasileiros incluindo o
cronista.
Entre os meses de agosto e setembro de 1930, Jorge Amado dedicou atenção especial
aos concursos de Miss Brasil e Miss Universo que ocorreram no Rio de Janeiro. Opondo-se a
articulação do golpe pelos gaúchos que não aceitavam a derrota na eleição presidencial, o
cronista também estendeu sua oposição a vitória da miss gaúcha que, segundo o autor, não
representava a “estética brasileira” (BORGIA, 11.08.1930: 02).
Insatisfeito com a escolha da sulista Yolanda Pereira a miss nacional, Amado fez
campanha para a Miss Portugal no concurso internacional. Descreveu a satisfação da colônia
portuguesa no Brasil em ter uma miss tão bela e charmosa (BORGIA, 25.08.1930: 02) –
favorita, segundo a imprensa, para o concurso –, e o renascimento saudosista de “um amor
grande e sincero” entre Brasil e Portugal, graças a simpatia e apoio popular à candidata da
antiga metrópole.
Para o desgosto do cronista, a candidata brasileira vence o concurso, mas Amado não
menciona o resultado do evento e muito menos cita o nome da gaúcha de Pelotas em suas
crônicas. Prefere exaltar a candidata portuguesa, citar a beleza exótica da candidata grega,
debochar da ignorância cultural da estadunidense, do sofrimento da miss aristocrata russa que
vivia exilada, e da ausência de beleza oriental das miss Turquia e Líbano que mais pareciam
francesas. Para ridicularizar novamente os gaúchos, Amado reafirma que a “Revolução” não
ocorreu em setembro porque Lindolfo Collor esperava pelo resultado do concurso (BORGIA,
15.09.1930: 02).
O concurso foi realizado numa época em que o Brasil passava por uma crise
violentíssima. O crack financeiro dos EUA havia atingido especialmente São Paulo. A crise
social, o desemprego, as dificuldades cotidianas em São Paulo eram terríveis. Após a
realização do concurso, algumas misses estrangeiras foram para São Paulo, e lá o governo do
estado fazia ostentação na recepção a elas, com a realização de bailes no Municipal, recepções
nos grandes hotéis. Enfim, uma ostentação imensa e uma situação de miséria também infinita.
Durante o concurso também surge a possibilidade de demonstrar a insatisfação da
maioria da população brasileira com a situação do país, de pobreza, inexistência de
saneamento básico, etc... O exemplo das manifestações de protesto dos estudantes demonstra
isso. Em depoimento ao CPDOC, José Gomes Talarico, primeiro presidente da Confederação
Brasileira dos Desportos Universitários – CBDU, destaca:
No ano de 30 houve aqui no Rio de Janeiro o concurso Miss Mundo, em que
foi eleita a nossa Yolanda Pereira. Mas esse concurso foi realizado numa
época em que o Brasil passava por uma crise violentíssima. O crack
financeiro dos EUA havia atingido especialmente São Paulo. A crise social,
o desemprego, as dificuldades cotidianas em São Paulo eram terríveis. Após
a realização do concurso, as misses estrangeiras foram para São Paulo, e lá o
governo do estado fazia ostentação na recepção a elas, com a realização de
bailes no Municipal, recepções nos grandes hotéis... Enfim, uma ostentação
imensa e uma situação de miséria também infinita. Isso levou os estudantes a
fazerem um movimento de protesto, em que se concebeu uma passeata
quando as misses chagassem a São Paulo pelo trem da Central do Brasil.
Enquanto elas se apresentavam na Escola Normal Caetano de Campos, na
praça da República, os estudantes fizeram uma passeata de protesto no
triângulo do centro de São Paulo, ou seja, 15 de Novembro, Líbero Badaró e
rua Direita. Alguns estudantes iam caracterizados de misses (vestidos de
mulher) em cima de carros de lixo. Havia um serviço de limpeza pública no
parque d. Pedro II, e lá os estudantes conseguiram, à força, três carroças, que
levaram para o centro da cidade. Quatro ou cinco estudantes iam vestidos de
mulher, e entre eles estava eu, que era a misse Portugal, misse Fernanda.
(CPDOC- depoimento,1978/1979. Rio de Janeiro, 1982. 156 p.)
Entretanto, os jornais e revistas da época não publicaram essas manifestações,
destacando, normalmente em primeira página os desdobramentos do Concurso de Miss
Universo.
Se a decisão do júri não satisfez toda a gente, e é impossível contentar, não
pode deixar de reconhecer-se que, pelo interesse imenso que despertou, pela
sucessão de festas que deu lugar, pela sua repercussão universal, pelo muito
que chamou a atenção pelos esplendores de nossa terra, sobre a nossa
civilização e a nossa cultura, a eleição de miss universo atingiu eficazmente
as suas finalidades jornalísticas e patrióticas. [...] Como propaganda foi da
melhor e da mais inteligente [...]. (O CRUZEIRO, 20.09.1930)
No dia 9 de setembro de 1930, o jornal “A Noite” oferece uma grande festa de
encerramento do concurso internacional, a primeira festa à “Miss Universo” e realizou-se no
grande salão do 21º andar do edifício A NOITE.
Após cumprir os deveres impostos pelo concurso, Yolanda voltou a Pelotas, e
continuou a viver, como ela declarou, "com tanta modéstia quanto permitiu a evidência em
que a colocou no concurso".
Em Pelotas, é recebida com festas e torna-se muito prestigiadas na cidade. Poucos
anos depois do concurso, em 1936, Yolanda casou-se com o brigadeiro da Aeronáutica
Homero Souto de Oliveira, com quem teve quatro filhos, radicando-se no Rio de Janeiro.
Uma reportagem do Diário Popular destaca “A beleza da mulher Pelotense na Agenda
do Turismo Mundial”:
Desde Yolanda Pereira (Miss Universo 1930) até Vera Maria Brauner de
Menezes (Miss Beleza Internacional), quando era carinhosamente
recepcionada por seus conterrâneos - Pelotas tem figurado na agenda do
turismo internacional como a “terra das mulheres bonitas”. E os pelotenses
disso se orgulham e acrescentam: “Não é só de mulheres bonitas, mas
também de mulheres cultas e inteligentes”. E o bairrismo da Princesa do Sul
passa a ser exportado dessa forma para as mais longínquas regiões, trazendo
divisas de simpatia e apreço para o seu hospitaleiro, cavalheiresco e nobre
povo. Os concursos de beleza, ultimamente, não têm motivado as diversas
entidades locais, embora se saiba que suas concretizações promovem a
cidade sob o ponto de vista turístico. (DIÁRIO POPULAR, 18.05.1969:01)
E por ter Pelotas vencido inúmeros concursos de beleza, a cidade ficou reconhecida
internacionalmente como a Capital da Mulher Bonita, tal hodiernamente a Capital do Doce.
Esse título vem sendo utilizado, até os dias atuais, como forma de divulgar a cidade
turisticamente.
Yolanda Pereira morreu no dia 04 de setembro de 2001, aos 91 anos, em casa, no
Leblon, Rio de Janeiro.
Algumas Considerações
Em 1930, dois fatos distintos sacudiram os valores da nacionalidade: A revolução que
deu início ao governo de Vargas e a eleição de uma Miss Universo gaúcha, Yolanda Pereira,
conclamada por representar a beleza da mulher brasileira em esferas internacionais.
O evento de Miss Universo estava permeado por uma série de relações sociais e
políticas. “O Brasil estava nos primeiros anos da "Era Vargas", e o presidente, também
gaúcho de São Borja, fez de Yolanda Pereira a sua musa para os eventos sociais”.
(MACEDO, 2007: s/p).
Um aspecto importante é o uso sistemático da imagem de Yolanda Pereira,
anunciando inúmeros produtos. A utilização da imagem da Miss Universo, uma pessoa bem
sucedida por sua beleza e saúde, é uma forte persuasão para a compra de remédios, e vários
produtos. Yolanda Pereira parece representar a mulher da elite brasileira vinculada, na
maioria das vezes, a uma postura submissa, recatada, ligada à família, sem voz ativa. Nos
jornais e revistas, aparecem apenas os atrativos físicos de Yolanda Pereira e sempre
reforçando o seu lado maternal, de bondade, jamais o seu pensamento sobre os
acontecimentos. Constata-se que a imagem de Yolanda Pereira foi utilizada para dar
visibilidade ao país a partir da invisibilidade dela.
Vale destacar que o Turismo começa a figurar no Brasil nesse período com o intuito
de atrair e receber visitantes estrangeiros da elite e os meios de comunicação se utiliza da
imagem da miss universo na década de 1930 para a construção da mulher brasileira enquanto
um atrativo turístico. Podemos identificar inúmeras notícias sobre Yolanda Pereira, com
destaque para as imagens que exaltam a beleza física, como símbolo de representação da
“mulher brasileira”.
Yolanda Pereira tornou-se elemento representativo do Brasil em vários materiais de
divulgação, inclusive de destinos turísticos brasileiros como é o caso do Copacabana Palace,
revelando ou reforçando a mulher brasileira como uma das atrações turísticas de interesse
para o turismo.
Constatamos a importância política do concurso Miss Universo de 1930 trazendo
outras possibilidades de leitura desse evento. Parece que o concurso e o título de Miss
Universo foram utilizados como uma política estratégica para a unidade política e divulgação
internacional da nação.
Bibliografia:
BORGIA, Alberto [pseudônimo de Jorge Amado]. [Miss]. O Momento, Salvador-BA, 15 set.
1930, p. 02.
______. [O Enterro do Presidente João Pessoa]. O Momento, Salvador-BA, 25 ago. 1930, p.
02.
______. [Política – Literatura – Teatro]. O Momento, Salvador-BA, 11 ago. 1930, p. 03.
BLOG PELOTAS CAPITAL CULTURAL. Yolanda Pereira, 100 anos de nossa eterna Miss
Universo. Ano IX. Domingo, 20 de junho de 2010. Disponível em:
MACEDO, Roberto. MISSNEWS. Yolanda Pereira, a primeira brasileira Miss Universo.
03/06/2007. Disponível em: http://www.missnews.com.br/rm-na-midia/yolanda-pereira-a-
primeira-brasileira-miss-universo Acesso:02.09.2020
MACHADO, Fernando (Blog). Yolanda Pereira: Miss Universo de 1930. 07/09/2015.
Disponível em: http://www.fernandomachado.blog.br/novo/?p=136274 Acesso: 12.01.2020.
NOGUEIRA, N. A. S. Um pouco de História da beleza e da mulher no Brasil: O Concurso
Internacional de beleza do Rio de Janeiro (1930). 2016. Disponível em:
http://historiadoensino.blogspot.com/2016/06/um-pouco-de-historia-da-beleza-e-da.html.
Acesso em: 18.08.2020.
OLIVEIRA, Cristiane. O discurso do excesso sexual como marca da brasilidade: revisitando o
pensamento social brasileiro das décadas de 1920 e 1930. História, Ciências, Saúde –
Manguinhos. Rio de Janeiro, v.21, n.4, out.-dez. 2014, p.1093-1112.
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. Belo Horizonte. Autêntica. 2008.
RECANTO DA LETRAS. Yolanda Pereira (90 anos) Miss Brasil. Disponível em:
https://www.recantodasletras.com.br/biografias/4734681. Acesso em: 06.01.2020.