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SESSÕES PARALELAS SESSÃO 3 - HISTÓRIA DA CONTABILIDADE CONTEMPORÂNEA Comunicação 2 MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO: EM PORTUGAL A MULHER CONTABILISTA Matilde Estevens/ Maria Teresa Neto

MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO: EM PORTUGAL A … · Quanto a 1) refere-se que após o casamento se presumia a morte da mulher para a sua própria família. A esposa nascia para

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SESSÕES PARALELAS

SESSÃO 3 - HISTÓRIA DA CONTABILIDADE CONTEMPORÂNEA

Comunicação 2

MULHERES NO MERCADO DE TRABALHO:

EM PORTUGAL A MULHER CONTABILISTA

Matilde Estevens/ Maria Teresa Neto

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Mulheres no Mercado de Trabalho: A mulher contabilista em Portugal

(A mulher de hoje e a do futuro estará sendo cada vez mais chamada

à responsabilidade profissional, familiar e social, sem perder as suas

características fundamentais de carinho, dedicação e ternura)

Matilde Estevens

(Professora Jubilada do Ensino Politécnico). Doutoranda Estudos Feministas – Faculdade de Letras Universidade de

Coimbra. Mestre em Auditoria Contabilística Económica e Financeira (UAL). Licenciada em Economia Internacional

(ISEG). Equiparada a bacharel em Contabilidade (ISCAL). Licenciada em Ciência das Religiões (UAL).

Maria Teresa Neto

Membro do CEHC da APOTEC. Vice-Presidente da APOTEC

Membro da Comissão Executiva da Comissão de Normalização Contabilística (2002/2004 e 2008)

Membro do Conselho Geral da Comissão de Normalização Contabilística desde 2013

Licenciada em Contabilidade e Administração Financeira. Curso de Estudos Superiores Especializados em

Contabilidade e Administração Financeira. Curso de Contabilista (Equiparada a bacharel em Contabilidade) (ISCAL)

ÍNDICE

RESUMO

ABSTRACT

1.INTRODUÇÃO

2.A LEGISLAÇÃO CIVIL PORTUGUESA

2.1.As Ordenações

2.2.O Código Civil de 1867

2.3.A Legislação Republicana

2.4.O Estado Novo

2.5.O Código Civil de 1966

2.6.O pos 25 de Abril

3. EDUCAÇÃO/INSTRUÇÃO DAS MULHERES

4.O EXERCÍCIO PROFISSIONAL

5.A AULA DO COMÉRCIO

6.A IMPORTÂNCIA DA ESCRITURAÇÃO PELO MÉTODO DAS PARTIDAS

DOBRADAS (Luca Pacioli)

7.O PRESTÍGIO DA PROFISSÃO DE CONTABILISTA

8.CONCLUSÕES

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RESUMO

Situar a profissão contabilística no Portugal de hoje não garante, ainda que relativizando, a

entrada num universo profissional socialmente prestigiado e prestigiante.

Em regra, qualquer que seja a profissão escolhida, ela é estigmatizada. Os seus e as suas

agentes são considerados (as) pessoas limitadas, com pouca abertura intelectual. Não são

ninguém. São “meros … contabilistas”.

Paradoxalmente, ousamos dizer, o desenvolvimento de um país pode medir-se pela sua

representação contabilística. A contabilidade, indispensável à gestão do quotidiano e à

preparação do futuro é obrigada a adaptar-se às circunstâncias para responder, com qualidade,

à exigência das instituições/entidades que a aplicam, qualquer que seja a natureza. Privada ou

pública.

Estuda-se em diversos ramos, para ser aplicada consoante a informação pretendida, Daí a sua

diversidade. Financeira, de Custos e de Gestão, Pública, de Seguros, Bancária, Ambiental… e

etc…

Atendendo a que o exercício profissional é realizado por homens e por mulheres, e no

pressuposto de que na sociedade portuguesa existe diferenciação/discriminação entre os

universos masculino e feminino ainda que com iguais competências e desempenho, procurar-

se-ão as suas razões explicativas. Trabalhar-se-á para o efeito um enquadramento abrangente:

A Legislação Portuguesa; Educação/ Instrução/ das mulheres; As profissões e os motores que

as suportam e consolidam - o desenvolvimento económico e, consequentemente, o ensino

profissional de Contabilidade e suas correlações. Este, das origens (Aula do Comércio), à

atualidade (ensino universitário); A sua identificação genética, o Método das Partidas Dobradas

e Luca Pacioli, o seu difusor. Também o prestígio profissional do (a) contabilista.

Concluir-se-á que o (não) prestígio da profissão se deve a tradições culturais negativas ligadas

ao fraco desenvolvimento económico do país. Atinge consequentemente mais as mulheres,

porquanto as leis e os costumes as têm considerado inferiores, limitando-as. A questão tem

sido dirimida ao longo do tempo. Não eliminada. Apesar da mudança das leis e dos costumes.

Aceitamos pois ter respondido à “afirmação/pergunta”:

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Ora se sendo a profissão já difícil para o homem, como (é) foi sendo mulher? Num país

fortemente marcado por uma cultura social que diminui o feminino?

Palavras-chave: Mulher contabilista, responsabilidade, discriminação, profissão contabilística,

igualdade.

ABSTRACT Locate the accounting profession in Portugal today does not guarantee, although relativizing, entry into a socially prestigious and dignifying professional universe. General, whatever the chosen profession, it is stigmatized. Their agents are considered (as) limited people with little intellectual openness. There are none. They are "mere accountants ...” Paradoxically, dare we say, the development of a country can be measured by its accounting representation. Accounting, essential to everyday management and the future preparation is required to adapt to circumstances to respond with quality, the requirement of institutions / entities that apply, whatever the nature. Private or public. Hence its diversity. Studies in various fields, to be applied depending on the desired information. Financial, Cost and Management, Public, Insurance, Banking, Environmental ... and etc ... Since the professional exercise is performed by men and women, and on the assumption that in Portuguese society there is diversity / discrimination between them although with equal skills and performance, it will be necessary to look for their explanatory reasons. For this purpose it will work a comprehensive framework. The Portuguese legislation; Instruction / Women's Education; The professions and the engines supporting and consolidating them - economic development and consequently the vocational Accounting and their correlations. This one, originally (School of Commerce), currently (Higher Education); its genetic identification, the Double-entry bookkeeping and Luca Pacioli, its diffuser. Also the professional prestige of the accounting officer, either man or woman. We may conclude that the (non) prestige of the profession is due to negative cultural traditions linked to weak economic development of the Country. Consequently it affects more the women because the laws and customs have considered them inferior to the men, limiting them. The issue (question) has been resolved over time. Not eliminated. Despite the change of the laws and the customs. We accept as having responded (answered) to the "statement / question": Now being a profession already difficult for the man, as it was being a woman? In a country strongly marked by a social culture that diminishes the feminine?

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Keywords: Female accountant liability, discrimination, accounting profession,

equality.

1.INTRODUÇÃO

Hábitos ancestrais, em todas as sociedades conhecidas, confinaram a atividade das mulheres

ao espaço do lar, com diferentes funções. Cuidadora, educadora, gerente/administradora de

orçamentos e executora/responsável pelas tarefas domésticas imprescindíveis à vida. Ainda

que pudesse trabalhar noutras áreas, nomeadamente na agricultura.

A mulher cuidava dos filhos, do marido e por vezes dos parentes idosos. Era sua a

responsabilidade da educação da prole. Cabia-lhe administrar/gerir o orçamento familiar. Ainda

todas as tarefas domésticas, executando-as na qualidade de doméstica, ou, como dona de

casa, zelando para que se cumprissem. Na generalidade, as leis e a cultura vedavam-lhe o

exercício de uma profissão remunerada. Por isso o acesso ao mercado de trabalho.

Socialmente o trabalho das mulheres fora de casa não era “ bem visto”. Condicionadas pelas

leis e pelos costumes, tidas por inferiores aos homens, não tinham autonomia. Dependiam

primeiro do pai, depois, se casadas do marido ou dos filhos homens.

Quanto à entrada das mulheres no mercado de trabalho regista-se no enquadramento do

mundo ocidental e para os países economicamente mais desenvolvidos, que a industrialização

iniciada no séc. XVIII conduziu à sua progressiva aceitação. Mais tarde foi acentuada pelo

ambiente das I e II guerras mundiais (1914-1918 e 1939-1945), porquanto a partida dos

homens para a frente de batalha esvaziando os seus postos de trabalho obrigou a que eles

fossem preenchidos por mulheres. As leis foram sendo adaptadas à nova realidade, ainda que

os preconceitos e a discriminação mantivessem o feminino em desvantagem (vg. menor

salário, maior dificuldade de integração e de ascensão profissional). O termo da guerra, obrigou

a rever a conquistada progressão feminina.

Em Portugal, país economicamente pouco desenvolvido, marcado pela religião, com elevado

analfabetismo e grandes preconceitos relativamente às mulheres, a sua emancipação (vg.

acesso ao ensino e ao mercado de trabalho) fez-se, se comparada com países da Europa e os

Estados Unidos, tardia e muito mais lentamente. Contudo o processo foi idêntico ao já relatado.

A par do desenvolvimento económico mais visível a partir de 960, que se refletiu no

alargamento do ensino à frequência feminina, é também com a guerra colonial (1961/1974) que

as mulheres começam a ser preferidas no mercado de trabalho. Entre outras vantagens, não

tinham o inconveniente de ser chamadas para a tropa. As portuguesas vão ter a oportunidade

de mostrar que também elas são capazes de desempenhar as mesmas funções que os

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homens, com igual competência, responsabilidade e perseverança. Apesar das suas

desvantagens. Só depois do 25 de Abril de 1974 é que passam, legalmente, a ter os mesmos

direitos dos homens. No entanto a discriminação (ainda) continua nos dias de hoje. O salário

da generalidade das mulheres nas diferentes profissões é inferior ao dos homens ainda que

com funções idênticas e igual desempenho.

Por toda a envolvente histórica relatada, no contexto deste trabalho e atendendo aos limites

temporais fixados, o feminino passa a ter acesso à profissão contabilística. O que aqui se

pretende identificar, quanto às mulheres é a dinâmica que se regista no sentido do progresso.

Para tal e com base em suporte bibliográfico, a análise dos seguintes domínios: Legislação civil

Portuguesa; Educação/ Instrução; O Exercício Profissional; A Aula do Comércio; A Importância

da escrituração pelo método das partidas dobradas (Luca Pacioli) e O Prestígio da profissão de

contabilista.

2. A LEGISLAÇÃO CIVIL PORTUGUESA

Referenciar-se-ão os conteúdos dos seguintes títulos: 1) «As ordenações», 2) «O Código Civil

de 1867», 3) “A legislação republicana»; 4). «O Estado Novo», 5) «O Código Civil de 1966»; e

6) «O post-25 de Abril».

O reconhecimento formal dos direitos femininos e a igualdade dos sexos na legislação

portuguesa ao longo dos tempos foi lenta, mas acabou por acontecer. No entanto a sua real

aplicabilidade no quotidiano é mais difícil. Ainda hoje existem situações desfavoráveis às

mulheres, sobretudo as casadas porque são preteridas relativamente aos homens. É sobretudo

uma questão cultural.

2.1. As Ordenações

A coberto deste tema está a legislação civil portuguesa produzida durante o regime monárquico

num tempo que se inicia no séc. XV e se conclui já em finais dos anos sessenta do séc. XIX.

Identificaram-se, a partir de Guimarães (1986) as Ordenações Afonsinas (Séc. XV) - da

iniciativa de D. João I e promulgadas por D. Afonso V; as Manuelinas (Séc. XVI) – ordenadas e

elaboradas por D. Manuel I, com edição definitiva em 1521; as Filipinas (Séc XVII - XIX) - da

responsabilidade de Filipe I, prontas em 1595 vigorando por lei de 11 de Janeiro de 1603 com

Filipe II, até ao CC de 1867. Nota-se que cada conjunto relativamente ao anterior nasce pela

insuficiência deste perante alterações sócio - económicas entretanto ocorridas.

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Segundo a autora as Ordenações são a compilação das leis vigentes sobre assuntos cíveis e

penais e caracterizam-se pelo seu pragmatismo. Não têm, como as leis modernas,

manifestação de princípios.

Quanto à independência das mulheres, sublinha-se que particularmente no estado civil de

casada, é patente a subalternidade perante a lei e dela se relevando 1) A ligação à sua família

de origem; 2) a relação com o marido; 3) a administração dos seus bens e 4) o seu papel como

mãe.

Quanto a 1) refere-se que após o casamento se presumia a morte da mulher para a sua própria

família. A esposa nascia para a família do marido, sendo nela legalmente inscrita como filha.

Consequentemente os únicos parentes reconhecidos eram os da linha paterna. Esta situação

foi constante na legislação portuguesa e segundo Guimarães só desapareceria

verdadeiramente com a promulgação do CC de 1977. 2) A esposa continuava submissa ao

marido, a quem devia «reverência marital» e por quem podia ser corporalmente castigada

(identicamente ao que ele poderia fazer ao filho e ao escravo). Na dominante trabalho, não

poderia exercê-lo sem autorização do marido Quanto 3) nota-se que os seus bens próprios

eram administrados pelo marido, exceto os «bens de raiz», hoje designados imóveis, de que

ele não podia dispor sem autorização da esposa.

No tocante a 4) nota-se que o poder da paternidade pertencia exclusivamente ao pai. A mãe

apenas tinha direito à obediência e ao respeito do filho. Tinha quanto a ele, o dever de

alimentos. No entanto o pai podia pôr cobro aos direitos da mãe sobre os filhos emancipando-

os. Não carecia da autorização da mãe para o fazer.

Em caso de viuvez, a mãe ou o pai mantinham a plenitude do poder paternal. Todavia, o pai

tinha a faculdade de, por testamento, nomear conselheiros para os filhos, direito que não cabia

à mãe relativamente ao pai. A viúva que voltasse a casar não perdia os seus direitos pessoais

sobre os filhos, mas perdia a administração e o usufruto dos bens se o conselho de família lhos

não confirmasse. No caso de separação judicial de pessoas e bens, o destino dos filhos era

fixado por acordo entre os pais, ou, na falta dele, pelo conselho de família assistido pelo

tribunal.

2.2. O CÓDIGO CIVIL DE 1867

O CC de 1867 consagra no seu artº.7º. um princípio inovador da maior importância: “A lei civil é

igual para todos, não faz distinção de pessoa nem de sexo, salvos os casos expressamente

enumerados”.

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Individualizando o sujeito mulher verifica-se que apenas não tinha os direitos que a lei

proibisse. Os interditos, para as mulheres, resultam precisamente da natureza feminina e são

os já consagrados nas Ordenações. Não podia: prestar fiança, ser testemunha instrumentaria e

procuradora em juízo. Não podia também ser tutora ou vogal do conselho de família.

Nota-se que a figura conselho de família foi criada no início do século XIX, destinada a auxiliar

o tutor. Era formada por cinco membros varões. Três parentes da linha paterna do menor e

dois da materna. Assim sendo, quanto à sua representatividade neste órgão, há desproporção

entre os representantes das famílias materna e paterna. Esta sobrepõe-se.

2.3 - A LEGISLAÇÃO REPUBLICANA

Do programa da Liga das Mulheres Republicanas, parte integrante do Partido Republicano

Português, constava o objetivo de melhorar a situação das portuguesas.

Após a implantação da República tais propósitos foram concretizados embora realizados de

modo fragmentado e incompleto. Inicialmente mantiveram-se as restrições do CC de 1867. As

restrições em função do sexo viriam a ser abolidas por uma lei de 1917, ratificada em 1918.

Porém continuava interdita às mulheres a prestação de fiança, ser testemunha instrumentária,

tutora e vogal do conselho de família.

Regista-se na sociedade conjugal uma inovação baseada no direito de liberdade (igualdade).

Incumbia especialmente ao marido a obrigação de defender a pessoa e os bens da mulher e

dos filhos. À esposa cabia principalmente o governo doméstico e a assistência moral tendente

ao fortalecimento da unidade da família.

Do princípio de igualdade estabelecido resultaram para as mulheres consequências legais. A

mulher autora (esposa) poderia publicar livremente os seus escritos e estar em juízo em termos

idênticos aos do marido. O marido já não podia obrigar a mulher a regressar ao domicílio

conjugal. Ela podia exigir que o marido a recebesse em casa. Diz Guimarães que houve quem

julgasse tal disposição demasiado avançada do ponto de vista feminista. Contudo a esposa

não podia obrigar o marido a regressar ao domicílio conjugal nem negar-se a recebê-lo nele. A

esposa continuava a adotar a residência do marido e a segui-lo, salvo para as colónias ou para

o estrangeiro. Porém, terminara a degradante obrigação de a mulher dever obediência ao

marido e consequentemente, a humilhação da sua pessoa.

Sublinha-se que esta declaração de igualdade, por muito simbólica e teórica que fosse,

representou moralmente um grande avanço para as mulheres.

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2.4. O ESTADO NOVO

A Europa dos anos de 1930 defendeu e praticou o retorno ao sistema patriarcal, pelo que o

coletivo sobrepôs o indivíduo. No caso específico da família ela estava acima dos direitos dos

seus membros individualmente considerados. Portugal interiorizou o sistema, praticou-o e

conservou-o.

Do ponto de vista legal sublinha-se que o artigo.5º.da Constituição Política de 1933 estabelecia

a igualdade de todos os cidadãos perante a lei e a negação de quaisquer privilégios -

nascimento, nobreza, título nobiliárquico, sexo ou condição social, salvo, quanto à mulher, as

diferenças resultantes da sua natureza e do bem da família. Mantendo-se pois os interditos

legais já conhecidos, as mulheres continuaram a viver em situação de desigualdade

relativamente aos homens. Registaram-se no entanto algumas mudanças, consagradas no CC

de 1966.

2.5.O CÓDIGO CIVIL DE 1966

Sendo que vigorava o CC de 1867, mantinham-se para a esposa as situações de

interdição/capacidade em privilégio do marido. Relembra-se o poder excessivo que o marido

tinha como administrador dos bens, principalmente os móveis.

O novo código, embora não revolucionário, a partir do conhecimento da realidade existente,

consagrou mudanças. Nelas se incluem a capacidade de a esposa poder exercer profissões

liberais, ser funcionária pública e dispor das suas obras literárias e artísticas, sem autorização

do marido. Desapareceu o direito de o marido obrigar pela força, a mulher a voltar ao domicílio

conjugal. Continuou a privilegiar-se a entidade família e nela o poder e a autoridade do chefe,

na situação de marido e de pai.

Portugal não acompanhou o observado por países europeus e americanos que admitiram

baseados no seu direito de família, a igualdade entre os sexos. Nem mais tarde a Declaração

sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres que a ONU publicou em 1967.

Segue-se1974.

2.6. O POST-25 DE ABRIL

O contexto político agora iniciado procurou construir a lei no sentido de eliminar princípios

obsoletos.

A Constituição de 1976 ao consagrar, sem restrições, o princípio da igualdade formaliza a

autonomia e a capacidade das mulheres relativamente aos homens qualquer que seja o seu

estado civil, e elimina a sua submissão à família, Quanto ao casal, consagra-se terem os

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cônjuges iguais direitos e capacidades. Têm ambos responsabilidade para a manutenção e

educação dos filhos.

No tocante à legislação civil propriamente dita, perante a sua obsolescência o CC de 1966 foi

revogado pelo CC de 1977.

Novidade neste é na vertente trabalho, dar-se valor económico ao desempenho da mulher no

lar. Quanto aos princípios de igualdade universalmente firmados regista-se em 1979, a adesão

à Convenção Internacional contra Todas as Discriminações contra a Mulher. Salienta-se, no

sentido de melhoria, que foram publicados diplomas sobre a igualdade de remuneração e de

oportunidades para o trabalho e emprego, respetivamente em 1979 e 1983.

Perante os referenciais elencados pronunciamo-nos no sentido de que ao longo dos anos, o

feminino tem caminhado lenta, mas seguramente, para uma situação de igualdade ou de

equivalência relativamente ao masculino. No fundo é justiça. Teoricamente, esses ideais foram

alcançados. Agora é preciso dar “ à lei força de vida” (Guimarães, p.577) referindo a escritora

francesa Françoise Parturier ou seja aplicar na vida real o que a lei determina. Sabe-se que

nem sempre assim é.

No campo concreto do objetivo que nos move, também no exercício da profissão contabilística

as mulheres passarão a ter mais protagonismo. Daí a mudança de percurso, justamente para

conhecer a essência da educação e instrução feminina.

3. EDUCAÇÃO E INSTRUÇÃO DAS MULHERES

Em Portugal, desde meninas as mulheres eram educadas com o objetivo de desempenhar

acertadamente os deveres de “ boa dona de casa”.

A “ boa dona de casa” integrava o papel de mãe exemplar – preocupando-se com o vestir, a

alimentação e a educação dos filhos. Simultaneamente, no papel de esposa também amor e

dádiva. A criação de um ambiente agradável para que o marido se sentisse bem. E a boa

gestão do lar, que obrigava ao equilíbrio das receitas com os gastos da família. Ou seja era

dever da mulher gerir o orçamento familiar.

Nota-se que as preocupações referenciadas, patentes na educação familiar se reflectiam

culturalmente na imprensa escrita que difundia obras sobre a questão.

Consultámos o Breviário da dona de casa (Baronesa X:1937). A sua análise releva que está

recheado de conselhos para uma “dona de casa” pôr em prática. Há capítulos dedicados ao

orçamento familiar e à escrituração pelo que se conclui necessitar a “dona de casa”, de

conhecimentos de contabilidade. Aconselha-se até (p.50 ) que entre outros livros haja um livro

de Caixa, com Deve e Haver para ser efetuado um controlo rigoroso do Orçamento.

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No que à instrução formal respeita, sublinha-se que durante o séc. XX se assistiu a

transformações extensivas a todos os níveis de ensino, do secundário ao universitário, sendo

que as mulheres lhes foram paulatinamente acedendo em paralelo com os homens.

Fazendo a resenha, num primeiro registo e expressamente destinado a futuras profissionais

sublinha-se a importância do Instituto de Odivelas, o primeiro colégio feminino português, cujo

processo de constituição iniciado em finais do século XIX foi concluído a 14 de Janeiro de

1900.

O Instituto Infante D. Afonso (Instituto de Odivelas), destina-se especialmente a instruir e

educar órfãs filhas de oficiais mortos em combate ou por doença. O Rei D. Carlos a 9 de março

de 1899, aprovou o Estatuto do Instituto Infante D. Afonso. Do seu artigo 2º transcreve-se: “Sob

a protecção de Suas Magestades e Altezas é criado um colégio para instrução e educação de

filhas (…) de oficiais combatentes e não combatentes da armada e dos exercitos do reyno e do

ultramar, com a finalidade, (…) de dar as alunas a necessaria educação moral e religiosa, uma

instrução geral e, alem disso, a instrução profissional que possa, de futuro, criar-lhes os

precisos meios de subsistência” (Jardim, Marian:2015 - http://portugaloitocentista.blogspot.pt).

O Conselheiro e General Luiz Augusto Pimentel Pinto foi o seu Diretor. O seu primeiro diretor,

até 14 de outubro de 1911 e Albertina Lopes de Assis Gonçalves foi a aluna nº 1.

Nos primeiros anos do século XX, foram ministrados nesta escola o Ensino Primário, os Cursos

Normal e o Complementar, assim como o do Magistério Primário. Em paralelo, foram criados

os de: Contabilidade, Escrituração Comercial, Elementos de Telegrafia, Modista e Lavores.

Faziam ainda parte do currículo o Francês, o Latim, a Higiene e a prática diária de Ginástica.

Um conjunto de aptidões para a entrada no mercado de trabalho, de que destacamos a

profissão contabilística.

Salienta-se ao nível do ensino médio a criação em 1918 dos Institutos Comercias (IC) de

Lisboa e Porto, destinados à formação de contabilistas.

No que ao ensino universitário toca regista-se (1911) a criação em Lisboa do Instituto Superior

de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), futuro Instituto Superior de Economia (ISE), o

actual Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). No Porto o Instituto Superior de

Comércio do Porto (ISCP), a futura Faculdade de Economia da Universidade do Porto.

Num tempo já bem mais próximo, arrastado pelo desenvolvimento económico da década de

1960 regista-se pela sua abrangência a reforma geral do ensino promulgada pela Lei nº5/73 de

25 de Julho, para vigorar a partir de 1974. Efectivamente aconteceu, mas com algumas

alterações não previstas. Já no novo regime, dada a queda do Estado Novo.

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Não nos focando sobre as alterações curriculares, por não dispensarem o ensino da

contabilidade interligando os seus diferentes níveis, do secundário ao superior, notamos

contudo que produziram alterações sócio - profissionais mais prestigiantes.

A reforma conduziu à classificação das escolas de ensino médio em estabelecimentos de

ensino superior politécnico os Institutos Superiores de Contabilidade e Administração (ISCA).

Donde resultaram para Lisboa e Porto o ISCAL e o ISCAP. A partir da autonomia das escolas

de Aveiro e de Coimbra, ligadas ao ICP, nasceram respectivamente o ISCAA e o ISCAC.

No conjunto todas estas escolas (formam) formaram o capital humano para o exercício da

profissão.

4. O EXERCÍCIO PROFISSIONAL

A diversidade da profissão contabilística, justifica um historial.

Nota-se o primeiro registo como Guarda – Livros, o diplomado pela Aula do Comércio (1759).

Desempenhava cargos e funções diversas, nomeadamente de caixas e escriturários de navios,

escrivães da armada, e ofícios da administração e arrecadação da fazenda pública. A

designação de guarda – livros era ainda corrente nos anos 70 do séc. XX. (Estevens: 2002)

Os contabilistas eram, de acordo com a legislação que criou os IC, os seus diplomados. Segue-

se, a partir de 1963, a divulgação do termo Técnico de Contas (TC) oficializado com a

promulgação do Código da Contribuição Industrial (1963), ainda que alguns estudiosos opinem

utilizar-se desde inícios do séc. XX. De constituição mais próxima (Decº. Lei nº 265/95) é a

figura Técnico Oficial de Contas (TOC).

As profissões de Auditor e de Revisor Oficial de Contas (ROC) são relativamente recentes.

Nasceram em finais de 960 num tempo, como já mencionado, em que a economia portuguesa

registou uma certa modernização.

As competências e as responsabilidades de cada profissão estão apriori ligadas aos diplomas

que os diferentes graus académicos conferem. Passando pelos antigos cursos comerciais

(ensino secundário), que no séc. XX formavam os guarda – livros, aos de contabilista os

formados pelos IC (ensino médio) e aos licenciados em economia e finanças/economia/gestão

de empresas (ensino universitário).

Comum a todos os profissionais é, na área das suas competências, o conhecimento da

Contabilidade, nos seus diferentes ramos e de matérias correlacionadas. Os cursos

secundários restringem-se na dominante Contabilidade, normalmente à Financeira. Dos cursos

superiores sublinham-se, para as especialidades a Contabilidade Financeira, de Seguros,

Bancária, de Custos e Gestão e a Ambiental. Nas disciplinas afins na área das Matemáticas,

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incluem-se a Matemática, propriamente dita, o Cálculo Comercial e a Estatística. No ramo dos

Direitos, o Civil, o Comercial e o Fiscal.

No enquadramento dos deveres e obrigações dos e das profissionais de contabilidade,

sublinha-se do ponto de vista ético e deontológico, que são obrigados e obrigadas a cumprir o

estatutariamente consagrado pelas organizações a que pertencem. Nos casos referidos e

atualmente a OROC e OTOC, respetivamente Ordens dos Revisores Oficias de Contas e dos

Técnicos Oficiais de Contas (TOC). Também das associações profissionais de classe (inscrição

não obrigatória). O caso das Associações Portuguesa de Contabilistas (APC) e a dos Técnicos

Contas (APOTEC).

Em face do registado, e no âmbito deste trabalho, releva-se para o enquadramento da

instrução comercial em Portugal, a importância da Aula do Comércio (AC).

5. A AULA DO COMÉRCIO

A AC foi criada por alvará régio a 19 de Maio de 1759 assinado pelo Rei D. José I e seu

ministro Sebastião Carvalho e Melo. O alvará confirmou os Estatutos da Aula de Comércio

emitidos pela Junta do Comércio organização semi - oficial e sua principal financiadora.

Surgiu para suprir o atraso em que se encontravam a indústria e o comércio em Portugal,

perante uma Europa desenvolvida em que emergia o pensamento para a construção de um

homem novo baseado numa educação moderna.

Considerou-se que o atraso e a ruína de muitos negócios eram em grande parte causados pela

deficiente preparação técnico-profissional dos industriais e comerciantes, alguns dos quais não

sabiam ler nem escrever. Não havendo técnicos portugueses habilitados em matérias

comerciais e contabilísticas, existia pois a necessidade do ensino comercial.

De acordo com o Prof. Gonçalves da Silva (Machado:2009) esta foi a primeira escola de ensino

técnico-profissional oficialmente criada na Europa.

O curso tinha a duração de três anos e as matérias lecionadas aritmética, pesos, medidas e

moedas, câmbios, seguros fretamentos comissões e obrigações. E a escrituração,

obrigatoriamente pelo método das partidas dobradas.

Os estatutos da AC determinavam o número de alunos, os “aulistas” e preferiam os filhos e

netos de Homens de Negócios. Para serem admitidos a aulistas deviam saber ler e escrever e

ter no mínimo 14 anos de idade. Não existe qualquer alusão a aulistas mulheres.

Sublinha-se a importância da escola fundamentalmente a partir de 1761, quando se delibera

introduzir no Erário Régio obrigatoriamente o método da contabilidade por partidas dobradas.

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Diz Machado, A.J.C (2009), que “ através da Carta de Lei de 30 de Agosto de 1770, é tornada

obrigatória a posse do diploma da Aula do Comércio para guarda-livros, sobrecargas, caixas e

escriturários de navios, escrivães da armada, empregados das companhias privilegiadas e para

os ofícios da administração e arrecadação da Fazenda Pública”.

Mais tarde em 1777 a obrigatoriedade alarga-se ao escrivão da receita e despesa do

tesoureiro, bem como a posse da arte de bons guarda-livros para escriturarem por partidas

dobradas os livros da administração do terreiro.

A AC começa a perder a sua importância com o decréscimo do número de matrículas,

justificado, entre outras razões, pela diminuição da atividade mercantil concomitante à abertura

dos portos brasileiros a navios estrangeiros, à independência do Brasil (1822) e à extinção da

Real Junta do Comércio a sua financiadora. Ainda pelas consequências das invasões

francesas (1807, 1809, 1811) e da guerra civil / revolução liberal (1820-1834).

Funcionou até 1844 e acabou integrada no Liceu de Lisboa numa seção própria, chamada

Seção Comercial, ao nível do ensino secundário, em face do que o ensino da contabilidade

regrediu nos conteúdos programáticos e prestígio institucional.

Mais tarde já nos fins de 1869 o ensino comercial foi incorporado no Instituto Industrial e

Comercial de Lisboa. Para se cindir em 1911 nos Institutos Comerciais de Lisboa e do Porto

criados em 1918, de importância relevante para o ensino profissional e dirigido a homens e a

mulheres.

Relembrando a informação já dada (ponto 3) nota-se que em 1976 foram incluídas no ensino

superior politécnico, passando a designar-se Institutos Superiores de Contabilidade e

Administração. No Porto o ISCAP e em Lisboa o ISCAL. Este, para além do bacharelato em

Contabilidade e Administração, incluiu nas suas competências a partir de 1985 (Cursos de

Estudos Superiores Especializados) as licenciaturas em Contabilidade e Auditoria e

Administração Financeira.

No campo específico do método utilizado para o ensino da contabilidade, continua o das

Partidas Dobradas.

6 .A IMPORTÂNCIA DA ESCRITURAÇÃO PELO MÉTODO DAS PARTIDAS DO

DOBRADAS (Luca Pacioli)

A evolução da ciência contábil de acordo com o portal www.gesbanha.com (2015) pode ser

resumida da seguinte forma:

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CONTABILIDADE DO MUNDO ANTIGO - período que se inicia com as primeiras civilizações e

vai até 1202 da Era Cristã, registada pelo Liber Abaci , da autoria Leonardo Fibonaci, o Pisano.

CONTABILIDADE DO MUNDO MEDIEVAL – corresponde ao período limitado entre 1202 da

Era Cristã e 1494, com o registo do livro Tratactus de Computis et Scripturis (Contabilidade por

Partidas Dobradas), o Tratado sobre Contabilidade e Escrituração de Frei Luca Pacioli, incluido

na "Summa de Aritmética, Geometria, Proportioni et Proporcionalitá", impresso e publicado em

Veneza em 1494.

No seu tratado Pacioli enfatiza que à teoria contábil do débito e do crédito corresponde a teoria

dos números positivos e negativos. A obra contribuiu para inserir a contabilidade nos ramos do

conhecimento humano e é considerado o marcador do início da fase moderna da

Contabilidade.

Considerado como sendo o pai da Contabilidade, Pacioli não foi o criador do método das

Partidas Dobradas. Já era utilizado na Itália, principalmente na Toscana, desde o Século XIV.

No entanto a sistematização da contabilidade, conhecida a partir da escrita, abriu o precedente

para que novas obras sobre o assunto fossem escritas e publicadas.

Note-se que é compreensível que a formalização da Contabilidade tenha ocorrido na Itália,

visto nesta época se ter instaurado a mercantilização, sendo que as cidades italianas eram os

principais entrepostos do comércio mundial.

O Método das Partidas Dobradas, ou Método Veneziano ("el modo de Vinegia") impôs-se de tal

modo que ainda hoje é praticado.

CONTABILIDADE DO MUNDO MODERNO corresponde ao período que vai de 1494 até 1840,

com a publicação de "La Contabilità Applicatta alle Amministrazioni Private e Pubbliche", da

autoria de Franscesco Villa, premiada pelo governo da Áustria. Obra marcante na história da

Contabilidade. A Contabilidade tornou-se uma necessidade para se estabelecer o controlo das

inúmeras riquezas que o Novo Mundo (descoberta da América e do Brasil) representava.

CONTABILIDADE DO MUNDO CIENTÍFICO - período que se inicia em 1840 e continua até

aos dias de hoje. Dele salientamos o pensamento patrimonialista. Na Contabilidade implicava

conhecer a natureza, os detalhes, as normas, as leis e as práticas que regem as matérias

administradas, ou seja, o património.

A partir do explicitado, procurando a origem do vocábulo contabilidade, somos conduzidos a

Itália onde encontramos o termo contabilitá. A contabilitá, utilizando já o método das partidas

dobradas, teve grande desenvolvimento e importância na civilização romana.

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Sabe-se, porque estão estudados importantes documentos, que era correntemente utilizada

pelos romanos, tanto na administração pública e mercantil como na vida doméstica. Vários

livros eram utilizados na execução da contabilidade.

Alguns autores entendem que aqueles livros têm correspondência em alguns dos atualmente

usados. Opinião controversa, já que outros estudiosos defendem que o método das partidas

dobradas já antes era conhecido e praticado. As escritas governamentais da República

Romana (200 a.C.) traziam receitas de caixa classificadas em rendas e lucros, e as despesas

nos itens salários e perdas.

Com a descoberta do Novo Mundo o recurso à Contabilidade tornou-se uma necessidade para

se estabelecer o controlo da diversidade das suas inúmeras riquezas. Contudo a introdução da

técnica contábil nos negócios privados foi uma contribuição dos comerciantes italianos do séc.

XIII. Os empréstimos a empresas comerciais e os investimentos em dinheiro determinaram o

desenvolvimento de escritas especiais que refletissem os interesses dos credores e

investidores e, ao mesmo tempo, fossem úteis aos comerciantes, nas suas relações com os

consumidores e os empregados.

Em modo de síntese, para concluir, refere-se que o desenvolvimento económico mundial

provocou a difusão da Contabilidade. Nela o Método contabilístico das Partidas Dobradas é um

referencial. Considera-se que a condição financeira e os resultados das operações de uma

organização são melhor representadas por diversas variáveis, chamadas contas, em que cada

uma reflete um aspeto particular do negócio como um valor monetário. Cada transação

financeira é registada na forma de entradas em pelo menos duas contas (débitos e créditos),

nas quais o total de débitos deve ser igual ao total de créditos.

Segue-se, a partir do aduzido, refletir sobre o prestígio dos profissionais de contabilidade.

7.O PRESTÍGIO DA PROFISSÃO DE CONTABILISTA

As profissões de guarda-livros e de caixeiros são as mais importantes que os diplomas

atribuídos pela AC permitiram. A partir do que, genericamente falando, lhes foi atribuída

qualificação de prestígio. De entre as centenas de alunos que frequentaram a Aula, vários se

destacaram. Como homens de negócios, de Estado e até na literatura (vg. Joaquim José

Monteiro Torres ministro e secretário de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, e o

escritor Alexandre Herculano).

Entrada em declínio e extinta em meados do séc. XIX, a AC e as instituições que lhe

sucederam por si só não são geradoras do prestígio dos seus diplomados. Ainda que se possa

relativizar a partir dos títulos académicos que habilitam os diferentes profissionais.

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O clima vivido (ainda em tempos próximos) particularmente entre drs de mercearia (os

licenciados) e merceeiros, os contabilistas (Gonçalves:2006:93), quando confrontados no

desempenho das mesmas funções, evidencia que não (é) foi um clima de paz. Ainda que na

dominante contabilística se pudessem identificar os mais competentes. Em regra os

contabilistas. Eram preteridos em benefício dos licenciados. Contudo, a reforma do ensino de

meados dos anos oitenta ao instituir no ensino politécnico o grau de licenciatura tem, ao nível

superior, dirimido a injustiça, contribuindo para maior respeito e prestígio da profissão na sua

diversidade. Entre os seus e as suas profissionais.

Entendemos porém que culturalmente em Portugal, quando se fala de contabilista não se sabe

exatamente do que se está a falar. Guarda-livros (hoje em desuso), Técnico de Contas,

Técnico Oficial de Contas, Contabilista e em estudo a designação de Contabilista Certificado.

Auditor e Revisor Oficial de Contas. São todos contabilistas. Ainda que eventualmente com

diferentes competências e responsabilidades. Apesar dos deveres e obrigações a que os

respetivos Códigos de Ética e Deontologia Profissional obrigam.

No tocante às profissionais, o objeto central do nosso trabalho, pronunciamo-nos no sentido de

que sensivelmente até aos anos oitenta, elas ainda tenham sido mais discriminadas. Tanto por

parte de algumas entidades empregadoras, como pelo universo dos seus colaboradores e

colaboradoras. Também pela sociedade. Porém os tempos são outros e, numa situação normal

tenderia a desaparecer.

Consideramos no entanto que os recentes escândalos financeiros e os casos de corrupção

produzidos em Portugal, não abonam a favor da profissão, bem pelo contrário. Nos média, na

imprensa escrita, na rádio e na televisão contam-se anedotas jocosas. Os contabilistas são “os

maus da fita”. É de admitir por isso que a profissão saia desprestigiada. Nela há homens e

mulheres. Não se sabe ainda quem serão os (as) mais culpados (as).

8. CONCLUSÕES

Em face do relatado pronunciamo-nos no sentido da discriminação feminina, na sociedade

portuguesa, ainda que decrescente e mais visível a partir de meados de 960.

Percorreu-se o conteúdo da legislação portuguesa, das Ordenações (séc. XV a XIX), os

Códigos Civis (1867/1966/1977) e as suas matrizes, respetivamente as Constituições Politicas

de 1822, 1933 e 1976. A discriminação das mulheres é na legislação e até 1976 uma

constante.

Da interceção legal e económica, influenciada pelos costumes, resultou para o social uma

cultura (ainda hoje) renitente à prática do legalmente fixado. Não apenas em Portugal.

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Reputando estruturantes as Ordenações, pela sua permanência legal (séc.XV a XIX) com

posteriores condicionantes relevam-se, neste contexto, os seus aspetos fundamentais.

Ao fator determinante, a inferioridade das mulheres, a lei considera o seu estado civil (casada e

livre - solteira, viúva e divorciada), para fixação das interdições. Donde resulta, para as

mulheres casadas, mais impedimentos.

Comum a ambos os estados civis, dada a fraca natureza feminina, são no âmbito legal a

impossibilidade de serem fiadoras, testemunhas instrumentarias, procuradoras em juízo e

membros dos conselhos de família (instituídos no séc. XIX), com o CC de 1867.

O enquadramento profissional de então, a partir da economia, traduzia-se em poucas

profissões, de entre elas a de comerciante. As mulheres livres podiam sê-lo. As esposas só

com autorização do marido.

Situando-nos no casamento, sublinha-se que com ele a esposa era anulada. Perdia a sua

própria família, para ser, na qualidade de filha, integrada na família do marido. Subordinada ao

poder e autoridade do marido devia-lhe total obediência. Podia ser maltratada (até a morte).

Perdia todos os seus direitos. As prerrogativas do marido, extensivas a toda a família,

permitiam-lhe anular, sem conhecimento da esposa, o efeito legal de direitos que ela tinha (vg.

o caso da emancipação dos filhos e a nomeação de tutores). Precisavam de autorizações para

trabalhar. O marido era o administrador da sua fortuna (apenas precisando de autorização para

alienar bens imóveis) e dos rendimentos do seu trabalho.

O CC de 1867 irá consagrar ainda que simbolicamente o direito de liberdade (igualdade) da

sociedade conjugal a partir do que, sublinha-se, a mulher autora poderia publicar livremente as

suas obras.

Do tempo do Estado Novo salienta-se que a Constituição política de 1933, consagrou, com

restrições, o direito de igualdade entre ambos os sexos (artº5º). Tal como no passado as

mulheres são discriminadas pela sua biologia e estado civil.

No que ao trabalho respeita, nota-se o crescimento da população feminina, ainda que

condicionado, sobretudo às mulheres casadas. O desenvolvimento económico permitiu-o. Mais

acentuadamente a partir de finais dos anos cinquenta. Mais ainda com a guerra colonial (1961-

1974)

As diferenças traduziram-se, (no âmbito, da nossa profissão), em menor remuneração, ainda

que competências e realização iguais. E no preenchimento de lugares de maior

responsabilidade.

Já com Abril, a Constituição Política de 1976 consagrando, sem restrições, o princípio de

igualdade entre ambos os sexos as mudanças verificam-se, em toda a sua extensão. Na

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relação entre os cônjuges, direito e obrigações sobre os filhos, contributo para o orçamento

familiar e ao acesso à profissão. O CC de 1977 explicitou-o mais especificamente.

Nota-se, quanto aos princípios da igualdade em 1979, a adesão à Convenção Internacional

contra Todas as Discriminações contra a Mulher e foram publicados diplomas sobre a

igualdade de remuneração e de oportunidades para o trabalho e emprego, respetivamente em

1979 e 1983.

Sublinha-se porém, que a discriminação das mulheres não foi totalmente eliminada. A

transformação das mentalidades é morosa. O preconceito ainda existe. Por isso “há que reter

que ainda é notícia o facto de uma mulher ser nomeada ou eleita para um cargo de gestão ou

liderança - o que nos indica que algo está errado” (Pereira, Linda: 2015).

Especificamente no tocante à discriminação profissional das contabilistas, o andamento é

semelhante. As suas responsabilidades são técnicas e, a sua instrução formal embora mais

tardia relativamente aos homens aconteceu.

No contexto da formação profissional, não é negligenciável a Aula do Comércio. Não porque a

tenham frequentado. Sim porque, ainda que tardia, a posterior instrução das mulheres na

vertente comercial, obrigou ao cumprimento curricular. Inicialmente quase só conhecimento

prático, apesar da teoria, até ao estudo científico da Contabilidade. Assim sendo, tal como os

homens, aprenderam a contabilidade e suas correlações desde as escolas comerciais

(inicialmente liceu), aos IC, Universidade e ISCA1. Dos mais elementares aos mais complexos

currículos. Adquiriram competências e desempenharam funções idênticas/iguais aos homens, a

partir do estudo do Método das Partidas Dobradas, para se conhecer e praticar Contabilidade.

Para justificar a importância da escrituração pelo Método das Partidas Dobradas (Luca

Pacioli) fez-se um percurso histórico.

Não se conhecendo exatamente o momento do nascimento, da sua prática, que se admite

anterior à Era Cristã, sabe-se ter constituído um marco para a passagem da Contabilidade do

Mundo Medieval, à do Mundo Moderno. Fixado em Veneza (1494) por Pacioli, no livro

Tratactus de Computis et Scripturis (Contabilidade por Partidas Dobradas) e incluido na

"Summa de Aritmética, Geometria, Proportioni et Proporcionalitá". Enfatizando que à teoria

contábil do débito e do crédito corresponde a teoria dos números positivos e negativos, terá

contribuído para inserir a contabilidade nos ramos do conhecimento humano, sucedendo-se a

publicação de outras obras e marcadores científicos.

Seguem-se que a Contabilidade do Mundo Moderno, se fixa entre 1494 e 1840, com a

publicação de "La Contabilità Applicatta alle Amministrazioni Private e Pubbliche", da autoria

1 Respeitou-se a ordem cronológica. A existência dos ISCA é posterior à Universidade.

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de Franscesco Villa (obra premiada num concurso promovido pelo governo da Áustria). O

enquadramento temporal da Contabilidade no Mundo Científico fixa-se a partir de 1840.Dele

salientamos o pensamento patrimonialista. Na Contabilidade implica conhecer a natureza, os

detalhes, as normas, as leis e as práticas que regem as matérias administradas, ou seja, o

património.

Em síntese, sublinha-se que o desenvolvimento económico provocou a difusão da

contabilidade e o método contabilístico das partidas dobradas um referencial estruturante.

Parte do principio de que cada operação é registada pelo menos em duas contas (débitos e

créditos), sendo que o total de débitos tem que igualar o dos créditos. Por se considerar que a

condição financeira e os resultados das operações de uma organização são melhor

representadas por variáveis, as contas, que individualmente refletem um aspeto particular do

negócio expresso com valor monetário.

Situando-nos na dominante Prestígio sublinha-se que inicialmente resultou da posse de

diplomas académicos a partir da constituição da Aula do Comércio (séc. XVIII), que instituiu a

profissão de Guarda-Livros. Elevado durante os primeiros anos, terá declinado por influência

das Invasões Francesas (1807, 1809, 1811), da independência do Brasil (1822) e da guerra

civil (Revolução Liberal) que desestabilizando a economia provocou a regressão económica.

Com a criação dos IC, ISC (e seus continuadores), terá crescido a partir da hierarquia dos

graus académicos e seus diplomas. Uma situação controversa. Particularmente (ainda) se em

presença de profissionais diplomados pelos IC (contabilistas), os merceeiros, e os drs de

mercearia (os licenciados pela universidade). Já que podendo ter iguais competências e

exercendo funções idênticas, a cultura laboral (ainda) privilegia os licenciados (vg.

preenchimento de lugares e níveis de remuneração).

Porém, arrisca-se a opinião de que a partir de meados de oitenta, após a consagração do grau

de licenciatura pelos ISCA o conflito entre os diplomados por essas escolas se tenha dirimido.

A questão subsistirá já não tanto ao nível dos diplomas das profissões que exercem. Sendo as

mais prestigiadas as de auditor e ROC.

Sublinha-se porém que a cultura portuguesa tende a subestimar a Contabilidade e os seus

profissionais. Tidos como pessoas limitadas, que apenas veem o “Deve e o “Haver”. São

Contabilistas. Meros contabilistas. Todos são contabilistas.

Receia-se que com os recentes escândalos financeiros a profissão de contabilista em Portugal

volte a ter um volte face caminhando para a sua desacreditação. Para o desprestígio.

Particularizando as mulheres sublinha-se que só recentemente se impõem. Visíveis a partir da

década de sessenta nas profissões menos qualificadas. Iniciada a ascensão, terão consolidado

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o seu posicionamento, talvez mais a partir dos anos oitenta. Estão longe, mas ainda não

totalmente eliminados, os (muitos) entraves que lhes foram postos devido a preconceitos

culturais e sociais existentes. Individualmente também por algumas mulheres.

Fundamentalmente, no passado, por alguns homens.

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