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Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos),
Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X
MULHERES, RESISTÊNCIAS E HISTORIOGRAFIA EM LOS NACIMIENTOS, DE
EDUARDO GALEANO
Francielly Baliana1
Resumo: Em Los nacimientos, de 1982, primeiro volume da trilogia Memória del Fuego, o escritor
Eduardo Galeano se propõe a escrever a história da América Latina a partir de memórias e vozes
historicamente silenciadas. Por meio de relatos, elaborados em cima de uma base rigorosa de
documentos, Galeano traz à tona diversos fatos sobre a formação da região, que vão desde os mitos
pré-colombianos até o ano de 1700, passando pela colonização e a escravização de indígenas e
negras/os. O livro propõe um olhar para a historiografia da América Latina a partir de vozes
marginalizadas, ressaltando o papel de mulheres na formação do continente. Neste sentido, a
presente proposta de trabalho visa analisar textos da obra Los nacimientos que tenham como foco a
resistência de mulheres diante das múltiplas opressões vivenciadas nos primeiros períodos de
colonização, principalmente aquelas relacionadas a gênero, classe e raça. Nosso objetivo é
compreender em que medida essas estratégias de luta contra um status quo de dominância
masculina podem contribuir para a constante transformação da historiografia sobre o continente,
que coloque mulheres e suas memórias em papéis de protagonismo. Mulheres que viviam em
comunidades sem homens, no século XVI, e mulheres como Maria del Castillo, atriz que desafiou
as regras do teatro em Lima, no século XVII, são alguns dos exemplos sobre os quais queremos nos
aprofundar, a fim de refletir sobre a importância da memória de mulheres na escrita da história da
região.
Palavras-chave: Eduardo Galeano, Mulheres, Memória, Resistência, Historiografia.
Ainda que os grupos nativos existentes na América pré-colombiana vivenciassem conflitos
em nome da formação de seus territórios e das fronteiras que intercalavam seus modos de vida e de
subsistência, a chegada dos europeus - e a consequente colonização -, além de se utilizar dessas
prévias relações conflituosas para se estabelecer na região, teve como principal estratégia de
dominação a violência e a subjugação. Especialmente por considerarem os povos do chamado
“Novo Mundo”, com seus costumes e práticas distintas, como “bárbaros” e “sem alma”, indignos de
um território tão vasto e rico, os europeus empreenderam uma colonização basicamente
exploratória, de matéria-prima e de indivíduos, o que se apresentou como crucial à sustentação
econômica de seus estados nacionais.
A obra Los nacimientos, de 1982, do escritor uruguaio Eduardo Galeano, se apresenta
como uma das diversas tentativas da literatura latino-americana de situar a história de sua formação
em um curso de tempo distinto da tradição europeia de historiografia. A versão altamente
messiânica apresentada pelos espanhóis, portugueses, ingleses, franceses, holandeses e por outros
1 Mestranda em Letras pela Universidade Federal de São Paulo (Guarulhos - SP, Brasil)
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diversos grupos expedicionários que se utilizaram da região para se fortalecer e para nutrir as bases
do que viria a ser o capitalismo é questionada por diversos autores, que se importam em tecer
críticas ao modo como os fatos se sucederam, às intenções e atitudes manifestadas pelos
colonizadores e, principalmente, à resistência a diversos desses processos protagonizadas por
indivíduos e coletividades altamente subjugadas, como as indígenas e negras.
Los nacimientos, primeiro volume da trilogia Memória del Fuego, se propõe a contribuir
para o resgate de memórias pré-colombianas e latino-americanas sequestradas pelo tempo e pela
objetividade historiográfica que por um longo período preponderou.2 A obra, que em seu início é
marcada pela alusão aos modos de vida e aos mitos de formação incas, maias, astecas e de diversos
outros grupos nativos, carrega em sua introdução uma advertência do próprio autor ao modo como
concebe o projeto de escrita da história ali apresentado:
Eu não quis escrever uma obra objetiva. Nem quis e nem poderia. Nada tem de
neutro neste relato da história. Incapaz de distância, tomo partido: o confesso e não
me arrependo. Porém, cada fragmento deste vasto mosaico se apoia em uma sólida
base documental. O que eu conto aqui já aconteceu; ainda que eu conte a meu
modo e maneira. (GALEANO, 1991, p. 12)3
Ainda que Galeano se proponha a reescrever a história da América Latina, aqui é
importante destacar a utilização da palavra ‘história’ com ‘h’ minúsculo pelo autor, o que nos ajuda
a compreender seu questionamento diante da historiografia tradicional e sua intenção de contribuir
para uma proposta de história mais aberta e polifônica. O trabalho de Galeano, ainda que se baseie
em documentações e pesquisas, é um trabalho também de ficção. O autor dialoga com histórias
documentadas ou não e propõe um olhar mais subjetivo e temporalizado para cada uma delas, o que
2 Los nacimientos foi publicado em 1982, quando o autor Eduardo Galeano estava exilado na Espanha. O segundo
volume da trilogia, Las caras e las mascaras, foi publicado em 1984, e em 1986 saiu o terceiro volume, El siglo del
viento, que precedeu a volta do uruguaio para seu país de origem. O primeiro volume se pretende a contar a história da
América Latina a partir dos mitos pré-colombianos até o ano de 1700. O segundo, vai de 1701 até o fim do século XIX,
abarcando os processos de independência na América Latina. Já o terceiro volume é uma apresentação das histórias
silenciadas no século XX na região. Galeano também é autor de Las venas abiertas de América Latina, de 1970, onde o
autor faz uma análise crítica das consequências econômicas da colonização e de como isso tornou a região dependente
primeiramente da Europa e posteriormente dos Estados Unidos. 3 No original: Yo no quise escribir una obra objetiva. Ni quise ni podría. Nada tiene de neutral este relato de la
historia. Incapaz de distancia, tomo partido: lo confieso y no me arrepiento. Sin embargo, cada fragmento de este vasto
mosaico se apoya sobre una sólida base documental. Cuanto aquí cuento, ha ocurrido; aunque yo locuento a mi modo
y manera. (A tradução do trecho acima é minha. Todas as traduções de trecho do livro Los Nacimientos daqui em diante
serão de sua versão em português, publicada pela L&PM, em 2013, traduzida por Eric Nepomuceno. Como o trecho
acima não está contido nas edições nas versões traduzidas de que me utilizei, e o consideramos fundamental, optei por
realizar uma tradução livre. Cabe ressaltar que ambas as obras, original e tradução, foram utilizadas como suporte para
minha análise.)
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nos coloca diante de um mosaico de memórias e experiências de indivíduos e coletividades
importantes para a compreensão das dimensões sociais, econômicas e culturais da América Latina,
que por muito tempo foram colocadas em segundo plano pela historiografia tradicional. São
histórias de mulheres, indígenas, negras e negros que sofreram processos duros de silenciamento.
Muitas delas, ainda que não escutadas, nunca deixaram de dizer, e podem ser compreendidas como
processos ativos e autônomos de resistência, também aludidos por Galeano em diversos momentos
da obra. Diana Palaversich resume a trilogia na qual Los nacimientos está inserida da seguinte
forma: Memória del fuego também pode ser comparada a uma espécie de Bíblia dos
desafortunados, enquanto forja um novo Gênesis do continente, nomeando e criando um novo
mundo histórico a partir da perspectiva subalterna. (PALAVERSICH, 1995, p. 157)4
Muito embora os usos da memória em suas mais variadas concepções e subjetividades não
seja recente (passando pelas possibilidades trazidas pelas memórias orais desde as primeiras
interações sociais; pelas considerações de Aristóteles e Platão sobre a mnemosyne grega, como
aponta Paul Ricouer em sua análise fenomenológica realizada em A Memória, a História, o
Esquecimento, de 2000; pelo desenvolvimento de pesquisas psicanalíticas, especialmente as de Carl
Gustav Jung, expressas em Memórias, Sonhos e Reflexões, de 1961, sobre a permanência
inconsciente das experiências dos indivíduos em uma memória coletiva), sua utilização como
recurso e fonte historiográfica ainda é recente, com reconsiderações apenas a partir do início do
século XX. Especialmente a partir da Escola dos Annales, encabeçada por pesquisadores como
Marc Bloch e Lucian Febvre, o positivismo e a linearidade da História enquanto pesquisa e
disciplina passaram a ser amplamente questionados, o que abriu a possibilidade de uma maior
interdisciplinariedade dos conceitos, objetos e métodos com os quais os historiadores pretendiam
lidar. Nos anos 1960, uma geração de praticantes da História em diálogo com essa perspectiva dos
Annales, como Michele Perrot, Jacques Revel, Jacques Le Goff, Jean Delumeau, Arlete Farge e
Philippe Ariès, protagonizaram mais uma vez a utilização de metodologias de outras áreas em seus
trabalhos. Este movimento, a partir de uma perspectiva historiográfica que se apresentava contra
certos determinismos e a favor de construções de discursos ancorados em perspectivas mais
socioculturais, passou a incorporar teorias de outras áreas, como as de Lévi-Strauss, Michel
Foucault, Paul Ricoeur e Pierre Bourdieu.
4 No original: Memória del fuego también se puede comparar com uma sorte de Biblia de los desposeídos, em cuanto
forja um noevo Génesis del continente, nombrando y creando um nuveo mundo histórico desde la perspectiva
subalterna. (Tradução minha)
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A utilização da memória como recurso e fonte da História tornou-se, então, uma
possibilidade latente, especialmente porque seu funcionamento está diretamente relacionado à
noção de micro história e de microfísica das relações, também desenvolvidas naqueles contextos.
Jacques Le Goff aponta que as perspectivas trazidas pela memória enquanto espaço de
acontecimentos é essencial para se compreender a formação de indivíduos, de grupos e de um
tempo que se propõe histórico:
A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar identidade,
individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos
indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e na angústia. Mas a memória
coletiva é não somente uma conquista, mas também um instrumento e um
objeto de poder. São as sociedades cuja memória social é sobretudo oral ou
que estão em vias de constituir uma memória coletiva escrita que melhor
permitem compreender esta luta pela dominação da recordação e da tradição,
esta manifestação da memória. (LE GOFF, 1990, p. 476)
Diante de toda essa reconsideração da História e de sua interação com diversas outras
experiências de formação social e cultural, diversos movimentos atrelados à recuperação de visões,
vozes e memórias silenciadas reivindicaram espaço nessa nova configuração. O modo como a
História interage com as mais distintas sociedades e seus modos de representação passou por
inúmeras modificações, encabeçadas principalmente pelos Estudos Culturais e suas propostas de
consideração de dinâmicas expressivas de cultura como reconhecidamente artísticas e necessárias
ao entendimento de sociedades especialmente em diáspora; pelo pós-colonialismo e suas análises
das diversas consequências e efeitos políticos, econômicos, culturais e sociais do colonialismo na
formação de sociedades por ele afetadas; e pela configuração de uma História das Mulheres, em
diálogo com os movimentos feministas da chamada segunda onda, como um campo amplo e
necessário de estudo, que atrelado às considerações sobre as noções de sexo, gênero e papeis sociais
se apresentou como importante e transformador.
Essas relações entre memória histórica, cultural e social parecem dialogar em toda a
obra de Galeano, quando o que o autor propõe é justamente abrir espaço para essa coletividade de
fatos e experiências por tanto tempo omitidas pela literatura e a própria História. Ao trazer à tona
histórias de mulheres indígenas, negras e até mesmo europeias, o autor se propõe a compreender os
quadros sociais de formação da América a partir da complexidade que o ser mulher implica. A
historiadora Michele Perrot, ao defender uma história das mulheres, acredita que
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as mulheres não são passivas nem submissas. A miséria, a opressão, a dominação,
por reais que sejam, não bastam para contar sua história. Elas estão presentes aqui e
além. Elas são diferentes. Elas se afirmam por outras palavras, outros gestos. Na
cidade, na própria fábrica, elas têm outras práticas cotidianas, formas concretas de
resistência – à hierarquia, à disciplina – que derrotam a racionalidade do poder,
enxertadas sobre uso próprio do tempo e do espaço. Elas traçam um caminho que é
preciso reencontrar. Uma história outra. Uma outra história. (PERROT, 2005, p.
152)
É a partir desse olhar para a resistência diante de um processo ativo de silenciamento e
de submissão, encabeçado por uma dominação essencialmente masculina no processo conflitivo que
foi a colonização da América Latina, que queremos compreender a obra Los nacimientos de
Galeano. Um dos textos que ilustra o olhar do autor para a ideia de representação das relações de
gênero é “Las amazonas”, história datada como de 1542, que apresenta a história de mulheres
indígenas que se colocavam à frente de batalhas como guerreiras protagonistas de um processo de
resistência, conforme se pode notar no trecho a seguir:
Mas aí, a bruxa deu as caras. Apareceram as mulheres guerreiras, tão belas e
ferozes que eram um escândalo, e então as canoas cobriram o rio e os navios
saíram correndo, rio acima, como porco-espinhos assustados, eriçados de flechas
de proa à popa e até no mastro-mor. As capitãs lutaram rindo. Se puseram à frente
dos homens, fêmeas garbosas, e já não houve medo na aldeia de Conlapayara.
Lutaram rindo e dançando e cantando, as tetas vibrantes ao ar, até que os espanhóis
se perderam para lá da boca do rio Tapajós, exaustos de tanto esforço e assombro.
(Op. Cit., p. 111)5
Na sequência, o autor conta que essas mulheres viviam em senhorios sem homens e quando
desejavam aumentar a tribo iam à guerra, aprisionavam guerreiros, deitavam-se com eles e os
devolviam na manhã seguinte. Se os filhos nascessem meninos, eram mortos afogados. O texto é
5 A fonte citada por Galeano, que embasou seu relato literário, é o livro do espanhol Frei Gaspar de Carvajal (1504-
1584), que acompanhou o espanhol Francisco de Orellana em suas expedições ao Rio Grande. A seguir, um trecho do
livro de Carvajal, que teve uma edição publicada em 1955, pelo Fundo de Cultura Econômica - Coleção Biblioteca
Americana, no México, que demonstra a presença das amazonas descritas por Galeano. Optamos por realizar uma
tradução livre: “Desta maneira íamos caminhando, buscando algum agradável assento para festejar e regozijar a festa do
glorioso e bem-aventurado São João Batista, e quis Deus que, ao dobrar uma ponta que o rio fazia, vimos na costa
adiante muitos e muito grandes povos [...]. Ali nos interessou a boa terra e senhorio das amazonas [...] Estas mulheres
são muito altas e brancas e têm o cabelo muito comprido e trançado e revolto pela cabeça: são muito fortes, [...] com
seus arcos e flechas nas mãos, lutando como dez índios, e em verdade que houve muitas destas que meteram um palmo
de flecha em um dos barcos [...] que pareciam nossos barcos porcos-espinhos. (CARVAJAL, 1955, p. 95-98)
No original: Pero peló los dientes la bruja. Aparecieron las mujeres guerreras, tan bellas y feroces que eran un
escándalo, y entonces las canoas cubrieron el río y los navios salieron disparados, río arriba, como puercoespines
asustados, erizados de flechas de proa a popa y hasta en el palo mayor. Las capitanas pelearon riendo. Se pusieron al
frente de los hombres, hembras de mucho garbo y trapío, y ya no hubo miedo en la aldea de Conlapayara. Pelearon
riendo y danzando y cantando, las tetas vibrantes al aire, hasta que los españoles se perdieron más allá de la boca del
río Tapajós, exhaustos de tanto esfuerzo y asombro.
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uma amostra de grupos de mulheres que viviam em uma sociedade distinta da patriarcal que por
muito tempo e em muitos lugares se apresentou como padrão. Ao se isolarem da convivência
cotidiana com homens, e da submissão aos mesmos, essas mulheres pareciam ter uma forma distinta
de compreensão de suas posições em sociedade, o pode demonstrar certa autonomia no que se
refere ao domínio de seus próprios corpos, comportamentos e modos de vida.
Na América, os europeus se depararam com mulheres cujos papeis e funções não se
apresentavam de acordo com os padrões do cristianismo institucionalizados e naturalizados para o
que se convencionou como “sexo feminino”, especialmente porque o modo como homens e
mulheres se relacionavam em determinadas tribos variava, o que produzia instabilidades e relações
de gênero incoerentes com o que estava prescrito numa cultura dita ocidental. A própria noção de
“feminino” veiculada nos discursos europeus acaba sendo posta em cheque com o contato entre
colonizadores e nativos, o que pode ter contribuído para um processo mais intenso de violência,
mas também para uma transformação dos discursos sobre resistência feminina na colonização. O
texto de Galeano dialoga com um real que precede a construção de sentido proposta pelo texto: as
sociedades patriarcais. Ao apresentar uma narrativa que demonstre a possibilidade de uma
sociedade matriarcal ou até mesmo uma sociedade sem definições de hierarquia, Galeano subverte
um real pré-concebido e cria um outro, capaz de demonstrar que outros modos de vida são
totalmente possíveis.
A historiografia tradicional, ao apresentar mulheres, acabou se fundamentando numa relação
binária e opositiva com base no sexo biológico, atrelando o feminino apenas ao casamento, à
maternidade e à ideia de lar. As experiências vividas pelas mulheres na América Latina e em
diversos outros lugares do mundo foram diminuídas a uma noção pré-concebida do que é “ser
mulher” em oposição e em relação de submissão ao que é “ser homem”. É dessa maneira que se
pode questionar quais foram as mulheres representadas pela história, como foram retratadas e em
que medida apresentar outras experiências dessas mesmas mulheres e histórias e atuações de outras
mulheres se apresenta como necessário para se repensar relações de classe, etnia, raça e gênero
dentro da formação da América Latina.
É nesse sentido que Silvia Salvatici concebe a importância da representação da memória de
mulheres como um movimento fundamental para o reconhecimento mútuo de experiências outras:
As pesquisas realizadas a partir da perspectiva de gênero ressaltaram a necessidade
de um discurso público capaz de admitir e acolher as narrativas de diferentes
sujeitos sociais, a necessidade de um arcabouço público no qual as memórias de
todos possam ser reconhecidas e, ao mesmo tempo, elas próprias possam se
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reconhecer. A História oral de mulheres tem destacado a urgência do “processo de
democratização da memória”, que é a condição básica para as democracias
contemporâneas”. (SALVATICI, 2005, p. 36)
A contribuição de Galeano para essa outra forma de se encarar a história revela o quanto as
mulheres sofreram de forma violenta com a marginalização, a violência sexual e o processo de
escravidão imposto pelos colonizadores na América Latina. Com a chegada dos europeus, houve
uma alteração expressiva no modo como as mulheres exerciam seus papeis dentro de suas próprias
organizações sociais. Assim como na Europa, com os processos da Inquisição, a imposição do
cristianismo na América combateu diversas práticas sagradas e místicas, muitas vezes encabeçadas
por mulheres. Os rituais eram encarados como de bruxaria e de feitiçaria, e as protagonistas eram
condenadas à morte. Galeano apresenta uma dessas histórias sob o ponto de vista da tortura sofrida
e da resistência empreendida por uma dessas mulheres. O texto, representado pelo trecho a seguir, é
intitulado como “Claudia, a feiticeira”, e se baseia numa história ocorrida em 1674:
Podia dar aos mudos a fala e tirá-la aos charlatães. Fazia amor à intempérie, com
um demónio mui negro, em pleno campo. A partir da meia-noite, voava. Tinha
nascido em Tucuman, e morreu, esta manhã, em Potosi. Em agonia chamou um
padre jesuíta e disse-lhe que tirasse da gavetinha certos vultos de cera e lhes tirasse
os alfinetes que tinham espetados, que assim se curariam cinco padres que ela tinha
feito adoecer. O sacerdote ofereceu-lhe confissão e misericórdia divina, mas ela
riu-se e a rir morreu. (Op. Cit., p. 208)6
O fato de Claudia rir diante do oferecimento de misericórdia cristã é de grande importância
para a compreensão e o teor do texto. A mulher é apresentada como mística, ligada à natureza e aos
movimentos sobrenaturais, e até o último instante de sua vida não nega suas crenças e práticas,
mostrando-se ela mesma misericordiosa para com os padres a quem submeteu a um ritual
semelhante ao vudu. O riso e o desdém rompem com a proposta de inferioridade, obscurantismo e
silenciamento que uma história sobre o misticismo feminino na colônia seria capaz de empreender.
O que se apresenta é uma mulher consciente de seus atos, autônoma em suas crenças, que
6 A obra documental que embasou o texto de Galeano é o trabalho literário e historiográfico do cronista Bartolomé
Arzáns de Orsúa y Vela, chamado Historia de la Villa Imperial de Potosí. Os relatos do manuscrito foram editados e
publicados pelo historiador Lewis Hanke, em 1965, pela Brown University Press, que também foi o responsável pela
transmissão dos escritos e denúncias do Frei Bartolomeu de Las Casas em oposição à colonização espanhola. Um dos
detalhes importantes do manuscrito de Orsúa y Vela, que dá tom ao texto de Galeano, é o fato de seus escritos não
terem sido encomendados pela Coroa Espanhola, o que daria certa autonomia para a composição de suas observações.
No original: dar a los mudos la palabra y quitarla a los charlatanes. Hacía el amor a la intemperie, con un demonio
muy negro, en pleno campo. A partir de medianoche, volaba. Había nacido en Tucumán, y murió, esta mañana, en
Potosí. En agonía llamó a un padre jesuita y le dijo que sacara de una gavetilla ciertos bultos de cera y les quitara los
alfileres que tenían clavados, que así sanarían cinco curas que ella había enfermado. El sacerdote le ofreció confesión
y misericordia divina, pero ella se rió y riendo murió.
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protagonizou uma experiência de resistência diante da imposição da fé cristã. Maria Madalena
Magnabosco apresenta o quanto, “mediante tal concepção ambígua da mulher (perigosa e frágil),
qualquer comportamento feminino que não se enquadrasse nas representações de gênero da época
(...) era lido pelos estigmas de degeneração, isto é, prostituta, desvairada, louca, histérica,
desnaturada” (MAGNABOSCO, 2003, p. 431), o que dialoga com a ideia de que “histérica é a
mulher que renega uma posição passiva de renúncia e submissão, procurando preservar sua
potência, que se exprime como um protesto contra essa dominação” (NUNES, 2000, p. 109).
O silenciamento de mulheres e seu enquadramento em espectros de histeria e loucura, ainda
que date de séculos mais recentes, é um produto de diversos tipos de dominação exercidas pelas
mais diversas instituições, por muito tempo dirigidas por homens. Galeano, nesse sentido, opera
com o fato de que “cada pessoa tem rosto e nome próprio, sua experiência é íntima e única, mas se
oferece como representação sinedóquica de uma experiência coletiva” (PALAVERSICH, 1995, p.
157-158)7, o que demonstra o quanto as histórias de mulheres apresentadas pelo autor representam
processos mais amplos de silenciamento e de opressão. Se apresentar como mulher e como
resistente a um processo de subalternização em um espaço de colonização territorial e de
pensamento como o que ocorreu na América Latina é se colocar à frente de um conflito baseado em
relações de poder, que definem e também são definidas por relações de sexualidade e de gênero,
como aponta Michel Foucault, em História da Sexualidade (1993).
Tendo em vista que “gênero é um elemento constitutivo de relações sociais baseado
nas diferenças percebidas entre os sexos e (...) uma maneira primordial de significar relações de
poder” (SCOTT, 1986, p. 1067), a concepção desse mesmo poder como microfísico por Foucault o
transforma em relações de força que se espalham por todos os indivíduos. Dessa forma, sexo e
gênero, mais que pré-existentes a um discurso operante, normativo e repressor, acabam por ser,
também, a própria produção do poder, o efeito dos poderes sobre o corpo.
Dessa maneira, compreender a história de mulheres ao longo da formação da América
Latina não faz sentido sem entender como as noções de sexo e gênero eram concebidas à luz
daquele momento, e como as próprias mulheres, ao se perceberem como mulheres ou não, como
femininas ou não, como submissas ou não alteraram os embates travados no campo dos discursos e
das relações de poder e dominação naqueles momentos. Ao mesmo tempo em que socialmente se
esperava que as mulheres apresentassem padrões físicos ditos femininos, como também
comportamentos de submissão e devoção aos homens e a suas representações institucionais vistas
7 No original: cada persona tiene rosto y nombre próprio, su experiencia es íntima y única, pero a la vez se oferece
como representación sinecdóquica de la experiencia colectiva. (Tradução minha)
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nos colonos e padres, por exemplo, o não enquadramento de diversas dessas mulheres, como
“sujeitos não-estáveis”, nos dizeres de Judith Butler (2003), também pode ter contribuído para que o
exercício da dominação se manifestasse de uma outra forma, talvez mais violenta.
É a partir disso que se faz importante, mais uma vez, compreender mais que apenas os
processos de silenciamento por parte dos europeus às mulheres latino-americanas, mas também e
principalmente os processos de resistência de indígenas, negras e até mesmo europeias a essas
imposições de papeis sociais e de gênero. O texto “Maria - Matrona da Farândula”, apresenta mais
uma vez um processo de resistência ativa de mulheres, e se baseia numa história ocorrida em 1630.
O trecho a seguir mostra como Maria del Castillo se negou a mudar as regras do teatro em Lima
impostas pelo vice-rei a pedido da Igreja Católica:
Manda o vice-rei, conde de Chinchón, que uma parede de pau-a-pique separe as
mulheres dos homens no teatro, sob pena de cárcere e multa a quem invada o
território do outro sexo. Também dispõe que acabem as comédias mais cedo, ao
repicarem os sinos de oração, e que entrem e saiam homens e mulheres por portas
diferentes, para que não continuem as graves ofensas contra Deus Nosso Senhor na
escuridão dos becos. E se isso fosse pouco, o vice-rei decidiu que baixem os preços
das entradas. – Nunca me terá! – clama Maria. – Por muita guerra que me declare,
nunca me terá! Maria del Castillo, grande chefe dos cômicos de Lima, leva intactos
o ar e a beleza que a fizeram célebre, e aos sessenta longos anos ainda ri das
tapadas, que com um xale cobrem um olho: como ela tem belos os dois, a cara
descoberta olha, seduz e assusta. Era quase menina quando escolheu este ofício de
maga; e faz meio século que enfeitiça multidões nos palcos de Lima. Mesmo que
queira, explica, já não poderia mudar o teatro pelo convento, pois não gostaria
Deus de tê-la como esposa, depois de três matrimônios tão desfrutados.
(GALEANO, 1991, p. 176)8
Ao se conceber como indigna do próprio Deus após três casamentos frustrados, Maria se apresenta
como consciente de sua não adequação a um padrão esperado e exigido às mulheres. Galeano dá destaque à
força e à imponência de Maria ao chefiar um grupo de teatro e ao mesmo tempo resistir a ordens impostas
por instituições da colônia. A apresentação de memórias de resistências como essa, ainda que distantes do
momento do fato, se apresenta como essencial para se compreender a formação do território latino-
8 A fonte citada por Galeano para narrar o relato é a obra El arte dramático em Lima durante el Virreinato, do peruano
Guillermo Lohmann Villena, publicado pela Escola de Estudios Hispanoamericanos de Madrid, em 1945.
No original: Manda el virrey, conde de Chinchón, que una pared de adobe separe a las mujeres de los hombres en el
teatro, bajo pena de cárcel y multa a quien invada el territorio del otro sexo. También dispone que acaben las
comedias más temprano, a la campana de oración, y que entren y salgan hombres y mujeres por puertas diferentes,
para que no continúen las graves ofensas contra Dios Nuestro Señor em la oscuridad de los callejones. Y por si fuera
poco, el virrey ha decidido que se rebajen las entradas. —¡Nunca me tendrá! —clama María—. ¡Por mucha guerra que
me haga, nunca me tendrá! María del Castillo, gran jefa de los cómicos de Lima, lleva intactos el donaire y la belleza
que la han hecho célebre, y a los sesenta años largos se ríe todavía de las tapadas, que con el mantón se cubren un ojo:
como ella tiene hermosos los dos, a cara descubierta mira, seduce y asusta. Era casi niña cuando eligió este oficio de
maga; y hace medio siglo que hechiza gentíos desde los escenarios de Lima. Aunque quisiera, explica, ya no podría
cambiar el teatro por el convento, que no la querría Dios por esposa después de tres matrimonios tan disfrutados.
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americano e o modo como as relações de poder e suas suscitações contribuíram para o apagamento dessas
experiências individuais e coletivas, especialmente porque, como afirma Galeano em Nosotros decimos no:
A história oficial está contada a partir dos, pelos e para os ricos, os brancos, os
machos e os militares. A Europa é o Universo. Pouco ou nada aprendemos do
passado pré-colombiano da América e, quanto ao da África, melhor nem falar: o
conhecemos somente através dos velhos filmes de Tarzã. A história da América, a
verdadeira, a atraiçoada história da América, é uma história da dignidade
incessante. Não existe um só dia do passado no qual não haja ocorrido algum
ignorado episódio de resistência contra o poder e o dinheiro, mas a história oficial
não menciona as sublevações indígenas nem as rebeliões de escravos negros, ou as
menciona de esbarrão, quando as menciona, como episódios de mau
comportamento – e jamais diz que algumas foram encabeçadas por mulheres.
(GALEANO, 2006, p. 367, 368)9
De forma geral, conforme apresenta Ezbieta Sklodwska, pode-se afirmar que os grupos
sociais que nunca tiveram voz,
ainda que houvessem participado do acontecer histórico, da acumulação econômica
e do desenvolvimento cultural – não tiveram meios para assegurar no processo de
distribuição um lugar digno de seu esforço. A nível da historiografia, isto implica a
falta de uma imagem correspondente a seu papel no acontecer histórico.
(SKLODOWSKA, 1983, p. 54)10
Entender que a historiografia também funciona a partir de relações de classe, gênero e raça é
dar abertura para as possibilidades que as memórias de indivíduos e grupos são capazes de trazer.
Diante desses quadros sociais de memória, conforme aponta Maurice Halbwachs, em “A Memória
Coletiva”, publicada em 1950, as relações a serem determinadas não se restringem mais ao campo
do indivíduo, mas afetam a realidade das relações e instituições sociais. Paul Ricouer, ao dizer que é
“a partir de uma análise sutil da experiência individual de pertencer a um grupo, e na base do ensino
recebido dos outros, que a memória individual toma posse de si mesma” (RICOEUR, 2007, p. 130),
também pensa a relevância da coletividade para esse constructo. A possibilidade espontânea e quase
onírica da memória não pode ser desconsiderada, e aponta para determinadas afluências e
influências dos sujeitos, mas, segundo Halbwachs (1999), ela ainda é excepcional diante da ideia de
9 No original: La historia oficial está contada desde, por y para los ricos los blancos, los machos y los militares.
Europa es el Universo. Poco o nada aprendemos del pasado pre-colombino de América (...) La historia de América, la
verdadera, la traicionada historia de América, es una historia de la dignidad incesante. No hay día del pasado en el
que no haya ocurrido algún ignorado episodio de resistencia contra el poder y el dinero, pero la historia oficial no
menciona las sublevaciones indígenas ni las rebeliones de esclavos negros, o las menciona al pasar, cuando las
menciona, como episodios de mala conducta - y jamás dice que algunas fueron encabezadas por mujeres. 10 No original: aunque habían participado en el acontecer histórico, en la acumulación económica y en desarrllo
cultural – no tuvieran médios para asegurarse em el processo de distribuición um lugar digno de su esfuerzo. A nível
de la historiografia esto implica la falta de uma imagen correspondiente a su papel en el acontecer histórico.
(Tradução minha)
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que relembrar não é reviver, mas refazer, repensar e reconstruir. Dessa forma, a partir de
Halbwachs, memória não seria apenas sonho ou imaginação, mas trabalho. E é diante desta
proposta ativa de trazer à tona as experiências individuais e em sinédoque de uma memória coletiva
que Galeano se propõe a escrever Los nacimientos e Memória del Fuego, porque, como nos alerta
Jeanne Marie Gagnebin, “somente a transmissão simbólica, assumida apesar e por causa do
sofrimento indizível, somente essa retomada reflexiva do passado pode nos ajudar a não repeti-lo
infinitamente, mas a ousar esboçar uma outra história, a inventar o presente” (GAGNEBIN, 2009,
p. 57). Em todos esses processos de resistências, como afirma Michelle Perrot, “os dominados
podem sempre esquivar-se, desviar as proibições, preencher os vazios do poder, as lacunas da
História. Imagina-se, sabe-se que as mulheres não deixaram de fazê-lo. Frequentemente, também,
elas fizeram de seu silêncio uma arma” (PERROT, 2005, p. 10) e de suas memórias a possibilidade
da construção de uma nova ou de uma outra história.
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Title: Women, resistances and historiography in “Genesis”, de Eduardo Galeano
Abstract: In “Genesis”, from 1982, first volume of the trilogy “Memory of Fire”, writer Eduardo
Galeano sets out to write Latin American history from historically silenced voices and memories.
Through accounts composed on a rigorous base of documents, Galeano elicits various facts about
the configuration of the region, from pre-Colombian myths until the 1700s, passing though the
colonization and enslavement of indigenous and black people. The book looks at Latin American
historiography from the point of marginalized voices, highlighting the role of women in the shaping
of the continent. The aim of this study is to analyze texts from “Genesis” which focus on the
resistance of women in the face of the multiple oppressions experienced during the first periods of
colonization, especially those related to gender, class and race. Our objective is to understand how
these strategies of resistance to the status quo of male dominance can contribute to the continuous
transformation of the continent’s historiography which places women and their memories as
protagonists. Women who lived in communities without men, in the XV century, and women such
as Maria del Castillo, an actress who challenged the rules of theater in Lima, in the XVI century, are
some examples upon which we aim to deepen our analysis, in order to think about the importance of
women’s memories in the writing of the region’s history.
Keywords: Eduardo Galeano, Women, Memory, Resistance, Historiography.