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Multilateralismo e Governança da União Europeia quanto ao Tratado sobre Comércio de Armas (2013): o papel da Integração Regional no Desarmamento Tainá Estanislau Siman Alves 1 RESUMO A União Europeia tem apresentado um posicionamento relevante e ativo quanto ao Tratado sobre Comércio de Armas (2013). Com mais de 130 signatários atualmente, a adesão em massa da União Europeia se destaca ao ter sido a primeira região a assiná-lo e ratificá-lo. Tendo em mente as mudanças nas dinâmicas internacionais como um todo e o processo de descentralização do Estado na agenda de Segurança - ambas as condições dadas pós-fim da Guerra Fria- o presente artigo busca compreender como, na questão do desarmamento, a Integração Regional pode atuar como fator facilitador no nível regional e como encorajador no nível internacional. A conclusão apresenta um acompanhamento da implementação do Tratado até os dias de hoje e sua repercussão para a política externa da União Europeia desde sua entrada em vigor, em 34 de Dezembro de 2014. Para analisar o tema, optou-se por fazer uso da também recente importância da teoria da Escola Inglesa para a Segurança. Palavras-chave: União Europeia. Integração Regional. Sociedade Internacional. Segurança Regional. Desarmamento. ABSTRACT European Union has performed a relevant and active role on the Arms Trade Treaty (2014). With more than 130 member-countries, the European Union mass adherence outstands for being the first region to sign and ratify it. Having in mind the changes on international dynamics as a whole and the process of State decentralization at the Security agenda both conditions given after the end of Cold War- this article intends to understand how, on arms control, Regional Integration may act as a facilitator at the regional level and as encouraging actor at the international level. The also very recent importance of English School Theory for Security Studies is used to interpret this phenomenon. Key words: European Union. Regional Integration. International Society. Regional Security. Arms Control. 1 Estudante do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UERJ, [email protected]

Multilateralismo e Governança da União Europeia …...oportunidade para promover dois de seus valores na área de Política Externa e Segurança: o multilateralismo e o desarmamento

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Multilateralismo e Governança da União Europeia quanto ao Tratado

sobre Comércio de Armas (2013): o papel da Integração Regional no

Desarmamento

Tainá Estanislau Siman Alves1

RESUMO

A União Europeia tem apresentado um posicionamento relevante e ativo quanto ao Tratado

sobre Comércio de Armas (2013). Com mais de 130 signatários atualmente, a adesão em

massa da União Europeia se destaca ao ter sido a primeira região a assiná-lo e ratificá-lo.

Tendo em mente as mudanças nas dinâmicas internacionais como um todo e o processo de

descentralização do Estado na agenda de Segurança - ambas as condições dadas pós-fim da

Guerra Fria- o presente artigo busca compreender como, na questão do desarmamento, a

Integração Regional pode atuar como fator facilitador no nível regional e como encorajador

no nível internacional. A conclusão apresenta um acompanhamento da implementação do

Tratado até os dias de hoje e sua repercussão para a política externa da União Europeia desde

sua entrada em vigor, em 34 de Dezembro de 2014. Para analisar o tema, optou-se por fazer

uso da também recente importância da teoria da Escola Inglesa para a Segurança.

Palavras-chave: União Europeia. Integração Regional. Sociedade Internacional. Segurança

Regional. Desarmamento.

ABSTRACT

European Union has performed a relevant and active role on the Arms Trade Treaty (2014).

With more than 130 member-countries, the European Union mass adherence outstands for

being the first region to sign and ratify it. Having in mind the changes on international

dynamics as a whole and the process of State decentralization at the Security agenda –both

conditions given after the end of Cold War- this article intends to understand how, on arms

control, Regional Integration may act as a facilitator at the regional level and as encouraging

actor at the international level. The also very recent importance of English School Theory for

Security Studies is used to interpret this phenomenon.

Key words: European Union. Regional Integration. International Society. Regional Security.

Arms Control.

1 Estudante do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da UERJ, [email protected]

INTRODUÇÃO

O Tratado de Comércio de Armas (TCA), assinado em 3 de junho de 2013, visa a

criação de uma regulamentação internacional e de alto-impacto sobre o comércio de armas,

com o objetivo de erradicar a exportação, importação, transferência e transporte de armas

ilegais. Dessa maneira, os governos nacionais são responsáveis pelo controle de entrada e

saída de armas convencionais, devendo ser feito de maneira responsável (accountable) e

transparente, inspirando assim a confiança mútua entre os signatários. Essa regulamentação

deve contribuir para a paz e segurança regional e internacional, prevenir infrações aos direitos

humanos, ações terroristas, crime transnacional organizado e acesso às armas aos grupos

armados não estatais. Atualmente2, 97 Estados já ratificaram o Tratado e cerca de 40 são

signatários (NAÇÕES UNIDAS, 2013).

Desde o início de sua elaboração, a União Europeia (UE) assumiu um papel ativo

quanto ao conteúdo do Tratado e adotou uma postura estratégica a fim da promoção da

universalidade de signatários e angariação de atores-chave para a questão, como China e

Rússia. Nesse primeiro momento, a União Europeia percebe a questão como uma

oportunidade para promover dois de seus valores na área de Política Externa e Segurança: o

multilateralismo e o desarmamento e prevenção de conflitos (UNIÃO EUROPEIA 2018).

O objetivo do artigo concentra-se em estabelecer um estudo de caso sobre como

Integrações Regionais podem facilitar processos de desarmamento ou outros acordos que

exigem convergência na área de segurança, a fim de estabelecer a segurança regional, e até

que ponto/qual seu papel como atores a fim da promoção dessas mesmas questões no

ambiente internacional. Assim, o presente artigo é estruturado da seguinte forma: a primeira

sessão busca estabelecer um comparativo a partir do conceito de Sociedade Internacional da

teoria da Escola Inglesa, segundo Buzan (2015) e como suas descrições interagem a fim de

garantir e construir a segurança regional dentro de um arranjo de integração como a União

Europeia.

A segunda sessão busca identificar como a ação da União Europeia se desenvolveu e

qual foi sua importância na promoção do Tratado, utilizando-se do princípio do

multilateralismo ao mesmo tempo em que observa-se uma amostra de como será desenvolvida

2 Dados de Agosto de 2018

a chamada Política Externa da União Europeia, estabelecida a partir do Tratado de Lisboa,

que entrou em vigor em 2009 (UNIÃO EUROPEIA, 2018).

1 A SEGURANÇA E A UNIÃO EUROPEIA COMO SOCIEDADE INTERNACIONAL

O fim da Guerra Fria é considerado um marco por vezes comparável ao Tratado de

Westphalia para o campo de estudo das Relações Internacionais no sentido de separar

cronologicamente as mudanças das dinâmicas do Sistema Internacional, fato observado por

diversas agendas. Até a Guerra Fria, as visões dos estudos de Segurança estavam mais

limitadas às questões levantadas pela corrente teórica realista, baseada na visão estatocêntrica

e com foco no poder militar, tendo a anarquia como ameaça à sobrevivência e soberania dos

Estados (BUZAN, 2015).

A crise sofrida pelo realismo no período da Guerra Fria fica clara ao se perceber que

no mundo globalizado -com altos fluxos de mercadorias, pessoas e informação- o self-help, a

maneira egoísta de se pensar em segurança e a estratégia militar baseada no máximo

armamento pode não ser a melhor estratégia para garantir a segurança em um mundo

interdependente no qual as ações dos estados afetam uns aos outros. O ponto principal não se

centra em descartar o realismo como teoria de segurança, ou afirmar que ele não é capaz de

explicar fenômenos do pós-Guerra Fria, mas sim em reconhecer a necessidade de se pensar

em novas teorias que complementem e abram espaço novas variáveis no sistema

internacional.

No caso da União Europeia, o desejo pelo fim das guerras veio devido ao violento

histórico presenciado no continente. O alto número de conflitos no século XIX, seguido da

Primeira e Segunda Guerra Mundial fez com que os Estados buscassem por formas de causar

convergência de ideias a fim de evitar conflitos. Apesar da criação da Comunidade

Econômica Europeia em 1957, a Guerra Fria na década de 70 provou que, para os fins de

aumentar as chances de evitar conflitos seria necessária uma integração cada vez maior entre

os Estados, contexto que se confirma na elaboração do Tratado da União Europeia3.

3 Entre as cláusulas preambulares, encontra-se: “RECORDANDO a importância histórica do fim da divisão do

continente europeu e a necessidade da criação de bases sólidas para a construção da futura Europa”, que faz

menção à Guerra Fria e outros conflitos anteriores, além da intenção da criação de uma futura Europa pacífica

(1992).

Sem a tensão de poder bipolar, especialmente vivida de maneira tão próxima no

continente europeu, é vista uma chance de integrar a região em questões políticas e

econômicas, além da prevenção de novos conflitos (BUZAN; WEAVER, 2003). Segundo

Haas (1970), a integração regional é um processo no qual os atores abrem mão de

determinada quantidade de soberania em determinadas áreas:

O estudo da integração regional está preocupado com a explicação de como e por

que Estados deixam de ser completamente soberanos, e como e porquê eles se

associam, fundem e mesclam com seus vizinhos assim como perdem seus atributos

factuais de soberania enquanto adquirem novas técnicas para resolverem conflitos

entre eles mesmos. (HAAS, 1970:610, tradução nossa4)

Um ponto de rompimento é inclusive estabelecido entre as teorias realistas e a

existência de regiões integradas. O próprio estudo da Integração Regional gira em torno da

importância das instituições, sua tarefas, percepções e transações. A principal preocupação se

dá em como são formados os níveis organizacionais da integração, deixando de lado variáveis

direcionadas à capacidade militar ou a balança de poder (HAAS, 1970).

A mudança das dinâmicas e o funcionamento de formas de pensamento que fogem à

lógica realista faz com que novas correntes teóricas surjam no momento pós-Guerra Fria.

Entre essas teorias, a importância da Escola Inglesa se destaca pelo seu conceito de Sociedade

Internacional, sendo capaz de fornecer explicação a fatos ignorados ou inexistentes

anteriormente.

A Sociedade Internacional é definida, assim como a integração regional, como uma

outra forma de se evitar conflitos. Ela parte do pressuposto de que assim que os Estados

compartilharem os mesmos valores, culturas e identidades, haverá convergência de interesses,

e assim, conflitos poderão evitados. Assim como a integração regional, a criação ou

desenvolvimento de uma Sociedade Internacional pode ser vista como uma resposta histórica

para as interações anteriores (BUZAN, 2007).

A perda da soberania acaba por agir também na visão que os Estados tem da anarquia.

No caso da integração regional, a anarquia deixa de assumir o papel de ameaça e competição

constante pelo poder para a se voltar à sustentação da diversidade, estabelecendo um diálogo

direto e reciprocamente causal com a perda ou compartilhamento de soberania (BUZAN,

2007).

4 The study of regional integration is concerned with explaining how and why states cease to be wholly

sovereign, how and why they voluntarily mingle, merge and mix with their neighbors so as to lose the factual

attributes of sovereignty while acquiring new techniques for resolving conflict between themselves

Do outro lado do espectro, uma anarquia extremamente madura teria se

desenvolvido como sociedade ao ponto no qual os benefícios da fragmentação

poderiam ser aproveitados sem os custos da contínua luta armada e da instabilidade.

O mecanismo por trás disso seria o desenvolvimento de critérios pelos quais os

estados poderiam ambos consolidar suas próprias identidade e legitimidade, e

reconhecer e aceitar a de uns aos outros. Em uma anarquia muito madura todos os

estados teriam que ser fortes como estados: em outras palavras, a ideia do estado,

seu território e suas instituições teriam que estar bem desenvolvidas e estáveis,

independentemente do seu relativo poder como um estado no sistema. Em base

disso, uma forte sociedade internacional pode ser construída na fundação de mútuo

reconhecimento a aceitação. O mútuo reconhecimento de igualdade em soberania e

limites territoriais por si só fariam uma modificação substancial aos riscos da

anarquia. (BUZAN, 2007:149, tradução nossa5)

O desenvolvimento da União Europeia, seja no formato da integração regional ou

como sociedade internacional, e além de outros aspectos já mencionados, como as mudanças

nos conceitos de soberania e anarquia fazem com que essas diversas variáveis se interajam e

se reafirmem sem estabelecerem relação de exclusão. Em outras palavras, a União Europeia

apresenta atualmente um formato no qual a integração regional, ligada ao compartilhamento

de soberania, dialoga diretamente com os valores em comum, relacionados ao sentimento de

sociedade, possibilitados e exemplificados a partir da nova visão de anarquia interpretada

pelos Estados.

Dessa forma, o modelo da União Europeia é afirmado dentro da teoria da Escola

Inglesa segundo Buzan (2015) como uma sociedade internacional regional de segurança, do

tipo de convergência:

Convergência representa uma sociedade internacional na qual o desenvolvimento de

uma substancialmente suficiente variedade de valores compartilhados entre um

grupo de estados façam com que eles adotem similares regras e estruturas legais,

políticas e econômicas, e que aspirem ser mais parecidos, e que acabem em um

ponto mais integrados. Em outras palavras, estados começas a dividir identidade,

mas não o suficiente para desistirem completamente de sua independência. Nesse

modelo raison d’état se torna fraca, e raison de système se tona muito forte.

(BUZAN, 2015:8, tradução nossa6).

5 At the other end of the spectrum, an extremely mature anarchy would have developed as a society to the point

where the benefits of fragmentation could be enjoyed without the costs of continuous armed struggle and

instability. The mechanism behind this would be the development of criteria by which states could both

consolidate their own identity and legitimacy, and recognize and accept each other’s. In a very mature anarchy,

all states would have to be strong as states: in other words, the idea of the state, its territory and its institutions

would have to be well-developed and stable, regardless of its relative power as a state in the system. On this

basis, a strong international society could be built on the foundations of mutual recognition and acceptance.

Mutual recognition of sovereign equality and territorial boundaries alone would make a substantial modification

to the hazards of immature anarchy. 6 Convergence represents an international society in which the development of a substantial enough range of

shared values among a set of states makes them adopt similar political, legal, and economic rules and structures,

Nesse sentido, a nova categoria criada por Buzan permite a releitura da Escola Inglesa

fazendo com que ela ganhe uma ampla e delimitada relevância e interpretação para as

questões de Segurança, podendo explicar a existência de regimes de segurança regional não

só em ambientes de tensão entre estados para evitar conflitos, mas também entre estados que

compartilhem interesses em comum a fim de promover a paz e o desarmamento. Assim, o

conjunto de valores compartilhados criados dentro da União Europeia explica de que forma a

paz pode ser construída dentro de arranjos de integração, impedido assim a formação de

novos conflitos e promovendo a paz. Resta indagar sobre se o chamado compartilhamento de

ideia, normas e valores entre os atores discutidos nessa sessão se provam fortes e

convergentes o suficiente para soar em uníssono como a voz da União Europeia nas

negociações e promoção do Tratado sobre Comércio de Armas, fator que será analisado na

sessão a seguir.

2 A ATUAÇÃO DA UNIÃO EUROPEIA NO TRATADO SOBRE COMÉRCIO DE

ARMAS

A União Europeia, ao escolher se pronunciar como um único ator dentro das

negociações sobre o Comércio de Armas se coloca em uma posição peculiar: se por um lado

representar interesses conjuntos fortalece a imagem e o poder da União Europeia, além de

apresentar o início de sua Política Externa, a coloca também em uma posição vulnerável, já

que quaisquer divergências no comportamento dos atores pode dar visibilidade às suas

divergências e discordâncias entre os seus Estados Membros. Ainda assim, em 2006 a União

Europeia se pronunciou na Conferência do Desarmamento sobre Armas Convencionais,

convidado aos outros países para dialogarem a favor da regulamentação do comércio de

armas. A partir desse momento ela daria início ao processo que desencadearia na formação do

Tratado.

A declaração da União Europeia utilizou-se de argumentos que guiariam a necessidade

da formação do Tratado até a coerção de outros estados e organizações internacionais para

angariar novos signatários. Os principais pontos levantados envolvem a segurança dos estados

e da população, o desenvolvimento e os direitos humanos (EU PRESIDENCY, 2006).

and to aspire to be more alike, and end up to a point more integrated. In other words, states begin to share an

identity, but not sufficiently to want to give up entirely their independence. In this model raison d’état becomes

weak, and raison de système very strong

Já em 2012, em nota destinada ao Parlamento Europeu, é abordada a importância do

Tratado sobre o Comércio de Armas no ambiente regional, bem como de que forma se deve

dar a atuação dos estados membros e da União Europeia como um todo no processo de

negociação do Tratado. Para isso, é necessário se ter em mente que a segurança deve-se dar

primeiramente na esfera regional, e depois, no nível internacional.

Vistos de baixo para cima, os complexos de segurança resultam da interação entre

estados individuais. Eles representam a forma com qual a esfera do interesse que

qualquer estado tenha sobre seu ambiente interage com a ligação entre a intensidade

de ameaças militares e políticas, e a falta de alcance com a qual ela é percebida.

Porque as ameaças são mais potentes entre curtas distâncias, a interação de

segurança com os vizinhos tende a ter prioridade predominante. (BUZAN,

2007:160-161, tradução nossa7)

Nessa nota, diversos pontos importantes são levantados. É dado principal destaque à

relação entre o mercado internacional e a falta de regulamentação do comércio de armas,

abrindo espaço para que os armamentos transitem facilmente no mercado ilegal. Esse fato

pode gerar diversas implicações como “o estímulo de conflitos, a violação de direitos

humanos, o crime internacional e o terrorismo, causando efeito devastador na paz regional.”

Além disso, a assinatura do Tratado irá garantir que o comércio de armas seja mais

“transparente, responsável (accountable) e prevenir a livre dispersão de armas” (ASHTON,

2012).

Em segundo lugar, o documento ressalta a importância de que o posicionamento dos

países esteja em acordo com a postura adotada pela União Europeia ao afirmar que se trata de

“um esforço coletivo, de forma que as negociações sejam o mais forte e robusta possível”,

além de instruções de como se deve dar o conteúdo do Tratado: “não apenas a exportação das

armas deve ser controlada, mas também o trânsito, baldeação e corretagem”; “todos tipos de

armas devem ser controladas, e não só grandes sistemas militares”(ASHTON, 2012). Além do

seu interesse em conduzir as regras de alto-impacto do tratado, outro de seus interesses é a

criação de uma cláusula que permita que Organizações Regionais Internacionais (RIO em

inglês, -tais como a União Europeia-) possam ser signatárias (ROMANYSHYN, 2012).

7 Looked at from bottom up, security complexes result from interactions between individual states. They

represent the way in which the sphere of concern that any state has about its environment, interacts with the

linkage between the intensity of military and political threats, and the shortness of the range over which they are

perceived. Because threats operate more potently over short distances, security interactions with neighbours will

tend to have first priority

A União Europeia emite um documento ao presidente da reunião para elaboração do

Tratado em 2012, explicitando a posição da região e os argumentos favoráveis à assinatura,

bem como as expectativas para o Tratado. Segundo Buzan (2007), um importante aspecto da

compreensão analítica da segurança é como o nível regional media as relações e interage com

o sistema internacional como um todo. Esse é outro ponto a ser tratado no documento ao

afirmar que “a unidade e coerência da UE como bloco será posta sobre pressão durante as

negociações, mas a união deve ser preservada” (ASHTON, 2012). Se alinham à posição da

União Europeia todos os países candidatos à aderência ao bloco, além da Ucrânia e Geórgia

(MAYR-HARTING, 2012).

Esse grau de convergência é existente graças à laços legais e institucionais já

existentes, tais como a Política Comum Externa e de Segurança, que regulamentava o

comércio de armas convencionais dentro da UE (DE RAMÓN ORTIZ, 2015), além do

Codigo de Conduta da União Europeia, que deixa a implementação e fiscalização das regras

de importação e exportação cargo de seus países membros (ROMANYSHYN, 2012).

Por outro lado, algumas incoerências puderam ser visualizadas. Ainda que a maior

parte dos Estados Membros tenham feito seu discurso em consonância, diferenças pontuais

foram observadas nos discursos da Alemanha e França, especialmente quanto à concordar ou

não com determinadas reservas por parte de outros países quanto à algum conteúdo do

Tratado. Além disso, o Reino Unido não endossou a inclusão da cláusula que permite regiões

como signatárias, além de ter apresentado um discurso não alinhado com a declaração oficial

da União Europeia (ROMANYSHYN, 2015).

Por fim, a cláusula que deveria permitir a adesão de blocos regionais não chega ao

documento final por objeção da China. Segundo Romanyshyn (2015), essa cláusula em

específico foi utilizada como barganha para pressionar a União Europeia a remover o

embargo de 24 anos com a China. Os países membros por fim acabam por ter que assinar e

ratificar o Comércio de Armas individualmente.

O resultado da coerência de posicionamento e interesses dos países membros União

Europeia se torna pública a partir do momento em que o Tratado sobre Comércio de Armas é

aberto à assinatura. Além disso, a União Europeia afirma articulação com diversos outros

Estados, com ênfase nos chamados subdesenvolvidos, a fim de fornecer a eles as condições e

o apoio necessário para que o eles se tornem também atores capazes de se tornarem

signatários do Tratado, como meio de correção e promoção de seus interesses (ASHTON,

2014).

É possível observar o papel ativo da União Europeia desde o levantamento da pauta da

agenda em segurança, que levaria à formação do Tratado sobre o Comércio de Armas,

passando pela sua participação no conteúdo do Tratado, até a coesão entre seus países-

membros a fim de defender a união de interesses. Como conjunto, a União Europeia também

se transforma em um ator-chave para questão: mais de 30% da exportação mundial de armas

convencionais entre 2006 e 2010 provém da região (ROMANYSHYN,2013). A atuação

unitária da União Europeia não deve ser subestimada levando em conta a crescente

importância da pauta de Segurança para a região, principalmente levando em conta outra das

cláusulas preambulares do Tratado de Maastricht (1993):

RESOLVIDOS a executar uma política externa e de segurança que inclua a

definição, a longo prazo, de uma política de defesa comum que poderá conduzir, no

momento próprio, a uma defesa comum, fortalecendo assim a identidade europeia e

a sua independência, em ordem a promover a paz, a segurança e o progresso na

Europa e no mundo. (UNIÃO EUROPEIA, 1993:1)

Assim, é possível afirmar que o comportamento conjunto da União Europeia não

acontece unicamente em demonstração de que seus Países Membros compartilham dos

mesmos valores, mas sim a fim de definir uma estratégia na qual em determinados fóruns a

União Europeia comece a se posicionar e negociar com um ator no formato de bloco, tendo

assim sua própria Política Externa. A própria União Europeia relembra seus países membros

que o Tratado de Comércio de Armas é consoante com a formulação da Política Externa da

União Europeia e os valores por ela compreendidos: “Consequentemente, tanto o objeto como

o propósito do Tratado correspondem à ambição global da União em matéria de política

externa e de segurança, consagrada no artigo 21. o do Tratado da União Europeia e

especificada na Estratégia Europeia de Segurança.” (JORNAL OFICIAL DA UNIÃO

EUROPEIA, 2013:12)

De acordo com Romanyshyn (2015), parte dos seus objetivos, pelo menos segundo

pudemos perceber através de seu comportamento, não pode ser alcançado: trazer as

assinaturas da China e Rússia para o Tratado. Segundo o autor, os esforços ainda que

perceptíveis, não foram muito significativos ou incisivos. Nesse momento é importante

recordar não só a imaturidade, como também o processo de desenvolvimento da Política

Externa da União Europeia desde seu início até o momento. A proposta não é apenas recente,

como também não tem o seu perfil completamente definido. A estratégia parece ser a de

escolher questões pontuais e específicas, onde não só todos países membros compartilhem as

mesma ideias, como também que dêem, para a União Europeia, o perfil específico de atuação

em política Externa que ela deseja. Para além desse fator, compreendemos que mesmo com

uma política externa consolidada, a Rússia e a China seriam atores que ofereceriam

determinada resistência ao negociar o Tratado para Comércio de Armas.

É ainda cedo para se afirmar se a pretensão de criar uma defesa comum a toda região

europeia se concretizará, porém é possível dizer que a expansão das políticas de segurança do

meio regional para o internacional caminham nessa direção. Mesmo após a elaboração do

Tratado, a União Europeia continua a afirmar seu esforço em promover e apoiar o Tratado,

prometendo não descansar até que uma diferença no comércio de armas seja tangível

(ASHTON, 2014).

A União Europeia é feita de 28 Estados Membros que decidiram gradualmente ligar

suas expertises, recursos e destinos. Juntos, durante um período de alargamento de

50 anos, eles construíram uma zona de estabilidade, democracia e desenvolvimento

sustentável, enquanto mantém sua diversidade cultural, tolerância e liberdade

individual. A União Europeia está comprometida em dividir suas conquistas e seus

valores com outros países e povos para além de suas fronteiras (EUROPEAN

EXTERNAL ACTION SERVICE 2014:8, tradução nossa8)

Sendo assim, é possível afirmar que a União Europeia deixou de ser um ator voltado

apenas para a convergência regional, com o fim de evitar conflitos entre seus países membros,

e volta-se cada vez mais para o ambiente internacional, posicionando-se como um ator

disposto a interferir nas relações internacionais a fim de promover a Segurança em nível

internacional. Ela deixa de ser um ator voltado unicamente para o a criação da ideia de

interesses em comum, que age a favor dos Estados para o próprio bem dos Estados que

configuram essa determinada região, e passa a se voltar para a propagação de suas ideias no

ambiente internacional, a fim de promover os interesses dos estados membros e da própria

União Europeia para o bem da região e do sistema como um todo.

8 The European Union is made up of 28 Member States who have decided to gradually link together their know-

how, resources and destinies. Together, during a period of enlargement of 50 years, they have built a zone of

stability, democracy and sustainable development whilst maintaining cultural diversity, tolerance and individual

freedoms. The European Union is committed to sharing its achievements and its values with countries and

peoples beyond its borders.

CONSIIDERAÇÕES FINAIS

É importante pensar na mudança das dinâmicas do desarmamento e controle de armas

no período pós-Guerra Fria levando em conta diversas condições. Além de se pensar sobre

porque ou como os atores devem regulamentar o comércio de armas, é necessário pensar em

quais são as condições necessárias para que isso aconteça, e quais as consequências do

desarmamento dentro dessas condições.

O fluxo livre e intenso de mercadorias e pessoas entre países requer um cuidado extra

na questão da Segurança. Quando esse fluxo se dá dentro de uma mesma região, ou seja, em

uma situação na qual os países apresentam proximidade geográfica, a regulamentação de

comércio de armamentos entre estados se torna necessária para que a segurança regional

como um todo seja garantida. Na visão específica do comércio de armas, a convergência de

interesses dentro da integração regional se dá de forma especial devido ao sentido de uma

economia e política comum aos Estados-membros.

No entanto, essa convergência a favor do Tratado só se torna possível para o Estado

racional a partir do momento em que ele não se vê ameaçado por esse controle, isto é, no

momento no qual o ator não vê a anarquia como ameaça e no qual a sua soberania (entre os

aspectos da soberania, podendo ser destacado o direito de cada Estado de se armar) não é

ameaçada. A releitura que a integração regional proporciona aos conceitos da anarquia e

soberania não só permitem a esses Estados o se desarmarem ou se submeterem ao controle de

armas, como também tornam o desarmamento um fator necessário para que a segurança da

região seja garantida.

Para além da interpretação regional, a União Europeia, ao agir como um ator unitário

acaba por se tornar o defensor e o principal interessado em que outros países também assinem

ao Tratado. É um cenário inédito no ambiente de Segurança das Relações Internacionais, em

que, um grupo de Estados, por se reconhecerem membros de uma região, optam em conjunto

por uma questão dentro do âmbito de Segurança, e, mais que isso, agem como um ator

unitário para promovê-la a outros países, escalando sua atuação para além do nível regional.

Atualmente, compreendemos que a ação da União Europeia se estendeu de maneira

efetiva à outro atores. Importância foi continua a ser dada para potências emergentes e fóruns

regionais, aos quais à União Europeia utilizou de seus fundos para promover, que encorajam e

informam sobre a importância da adesão ao Tratado, além de prestar consultorias sobre como

acelerar o processo burocrático da ratificação (BROMLEY, HOLTON, 2014). Um dos

exemplos mais recentes diz respeito à ratificação do Brasil ao Tratado, fato que foi saudado e

parabenizado pela União Europeia no último mês de Agosto (2018), sem deixar de citar a

atuação e envolvimento da União Europeia na IV Conferência dos Países membros do tratado

de Comércio de Armas Convencionais, onde declara que continuará trabalhando para sua

universalização (2018). No entanto, se a estratégia multilateralista em áreas de desarmamento,

manutenção de paz, prevenção de conflitos e resgate humanitário se consolidarão como a

maneira que outros atores percebem a União Europeia no meio internacional é uma questão

que por enquanto precisa de um maior número do estudos de caso.

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