88
e outros poemas

Musica na rua 2ª ed - uesc.br · para Ivana e Rebeca, irmãs, pela útil amizade ... pobre de valores éticos e que ameaça destruir a ... Na preta só festa só roda magia

  • Upload
    lynga

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

e outros poemas

Música na ruae outros poemas

Universidade Estadual de Santa Cruz

GOVERNO DO ESTADO DA BAHIAJAQUES WAGNER - GOVERNADOR

SECRETARIA DE EDUCAÇÃOOSVALDO BARRETO FILHO - SECRETÁRIO

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZADÉLIA MARIA CARVALHO DE MELO PINHEIRO - REITORA

EVANDRO SENA FREIRE - VICE-REITOR

DIRETORA DA EDITUSRITA VIRGINIA ALVES SANTOS ARGOLLO

Conselho Editorial:Rita Virginia Alves Santos Argollo – Presidente

Andréa de Azevedo MorégulaAndré Luiz Rosa Ribeiro

Adriana dos Santos Reis LemosDorival de Freitas

Evandro Sena FreireFrancisco Mendes Costa

José Montival Alencar JuniorLurdes Bertol Rocha

Maria Laura de Oliveira GomesMarileide dos Santos de Oliveira

Raimunda Alves Moreira de AssisRoseanne Montargil Rocha

Silvia Maria Santos Carvalho

Ilhéus - Bahia

2014

Música na ruae outros poemas

Samuel Mattos

2ª EDIÇÃOrevista e ampliada

M435 Mattos, Samuel Leandro Oliveira de. Música na rua e outros poemas / Samuel Leandro Oliveira de Mattos. – 2. ed. rev. e ampl. – Ilhéus : Editus, 2014. 95p. ISBN : 978-85-7455-347-4

1.Poesia brasileira – Coletânea. I.Título. CDD – 869.91

Copyright ©2008 by Samuel Leandro Oliveira de Mattos2ª EDIÇÃO REVISTA E AMPLIADA 2014

Direitos desta edição reservados àEDITUS - EDITORA DA UESC

A reprodução não autorizada desta publicação, por qualquer meio, seja total ou parcial, constitui violação da Lei nº 9.610/98.

Depósito legal na Biblioteca Nacional, conforme Lei nº 10.994, de 14 de dezembro de 2004.

PROJETO GRÁFICO E CAPAGeorge Pellegrini

ILUSTRAÇÃOVioliniste bleu, Marc Chagall, 1947Retoques e efeitos em Photoshop

REVISÃOAline Nascimento

EDITORA FILIADA À

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

EDITUS - EDITORA DA UESCUniversidade Estadual de Santa Cruz

Rodovia Jorge Amado, km 16 - 45662-900 - Ilhéus, Bahia, BrasilTel.: (73) 3680-5028www.uesc.br/editora

[email protected]

Dedicatória

Para Ana Cândida, filha, cuja vida simples e complexa me veio trazer amadurecimento,

mais compreensão do mundo e de mimpróprio,

para Isis, esposa, pela parceria grandiosa e graciosa que muito me alegra e alenta,

para Damares, mãe, que por mim tudo fez, a quem devo o fôlego de vida e um grande

investimento de amor

para Guilherme (in memoriam), pai, peloexemplo de profissionalismo

e trabalho humanitário

para Ivana e Rebeca, irmãs, pela útil amizade com que sempre contei

para todos que me reconhecem como amigo.

Agradecimentos

À Universidade Estadual de Santa CruzA Guilherme Lamounier Vieira

mNota do Autor

Música na rua e outros poemas abriga o verso como tentativa de expressar o sentimento múltiplo e cotidiano do ser humano diante de si mesmo, do outro e da sociedade em que vive.

A poesia procura aqui chamar atenção da de-licadeza e da inteligência para a necessidade do autoconhecimento e da refl exão. Os versos, dessa forma, tentam-se apresentar como sinal ou apelo ao bom senso e à ética civil - sem contudo pres-cindir do humor e da ironia, que por certo pro-longam a vida e minimizam a dor.

Como cenário, tem-se uma sociedade recém--saída de um regime arbitrário e de uma irreal si-tuação econômica, buscando agora, com os pés no chão (e através de tentativas de estabilização da sua moeda) compreensão mais exata de si pró-pria, e do seu passado. Porém, um antigo e es-trutural sistema de enriquecimento de poucos e empobrecimento de muitos insiste em avultar o desemprego e a miséria social. A violência urba-na, então, torna-se uma perceptível consequência e simultaneamente um confronto de classes.

Paulatinamente, surge uma geração jovem, he-donista e politicamente ausente, perdida em si, pobre de valores éticos e que ameaça destruir a escola e a já debilitada e disfuncional família.

A televisão mediocriza as massas, a tecnologia e a idiotice se multiplicam velozmente. Banaliza--se o sexo e o eu prevalece sobre o coletivo.

Contudo, cresce lentamente uma consciência ecológica e cosmopolita. O país, assim como no ciclo do açúcar ou do ouro, ora pela sua biodiver-sidade e abundância de água, torna-se objeto de cobiça internacional, que se traveste de “preocu-pação” com a preservação do planeta.

Em paralelo, percebe-se, contemporaneamente, a antiga mentalidade de povos autodenominados “desenvolvidos” de manter aos seus pés os povos por aqueles chamados de “subdesenvolvidos”.

Após as comemorações dos 500 do Brasil, no mapa europeu, ignorando-se os 50.000 anos de cultura indígena, vive-se a ansiedade de um novo século, como se o tempo terminasse e recome-çasse com um novo número.

Todavia, a sensação que se tem é aquela apre-goada pelo Eclesiastes, de que nada há de novo debaixo do sol, pois, há milênios, os homens cul-tivam a cobiça, o amor e a paixão, matam e mor-rem pelos mesmos motivos.

aA obra Música na Rua e outros poemas, de autoria do Professor Samuel Leandro Oliveira de Mattos, é uma coletânea de poemas, dividida em três par-tes, que correspondem a três grandes grupos te-máticos: a primeira, “Sociais”; a segunda, “Exis-tenciais”; a terceira, “Amorosos”.

Em “Sociais”, ouve-se com nitidez a infl uência dos anos sessenta, de sua política, de sua cultu-ra. O poeta põe no papel as dores da Ditadura e, com olhos bem críticos, vê como sua geração foi manipulada, a fi m de não perceber o que se pas-sava à sua volta. Essa fase da criação começa com um dos pontos altos do Trabalho Poético de Sa-muel Mattos, “Ato ‘Legal”, sobre a criança de rua e que remete o leitor ao clássico de Chico Buar-que “Pivete”, não pela forma, mas pelo olhar po-ético: “Tal resto sou tido/ Tal lixo danoso/ Feroz e nocivo/ Entulho da vida”. Destaco o poema de temática regional “Fluvial”, onde o eu-lírico se volta para a pobre realidade ribeirinha, trazendo as águas do Rio Cachoeira, e a dor da fome dos que dele dependem, para as páginas de seu livro: “Mas canto é o homem/ Da margem da beira/ Do Rio Cachoeira/ Do peixe que é pouco/ E da vida ligeira.”.

Na segunda parte, predomina a angústia hu-mana diante da vida, do divino e do material, o que se traduz em poemas com uma linguagem, de certa forma, barroca, como em “À Deriva”: “O que busco é o que bem sei/ Não sei bem porém se busco/ Sempre em mim nem sempre mundo/ Corro em luta é por vivê-lo”. Em alguns momen-tos, ressalta uma atitude de conformação religiosa perante o Divino: “Obrigado, grande Deus/ Pela vida que é triste / Pela arte que me deste/ No sentir que só existe/ A tristeza e o adeus/ Nessa noite que me veste” (Poema “Aurora”).

Há, em “Existenciais”, alguma metapoesia. Em “Como um Rio”, o eu-lírico compara o poema a um rio “Em meandros de linguagem”, rio este que carregaria a vida em seu leito, uma vida de prazer e dor. A temática se repete em “Poética”, e o fazer poético vem mais uma vez associado à tradução da dor e da mágoa. O poema “Fingin-do” traz uma quase explícita inspiração em Fer-nando Pessoa, “Autopsicografi a”, e, na mesma linha do poeta português, o próprio fi ngimento poético acaba relativizado.

Na terceira parte, “Amorosos”, o eu-lírico tra-duz, principalmente, uma visão erótica da mu-lher. Essa erotização, por vezes atenuada, vem organizada por intensa intertextualidade, a partir da qual ouvem-se as vozes de Camões (“Amo-ramigo”: “Oh, querida amada minha/ Que de

mal bem me fi zeste/ Que o corpo a ti só busca/ Que minh’alma aqui suspira/ Por te ver e tudo ser-te?”), com sua angústia pelo amor que mis-tura bem e mal, felicidade e dor; e Vinicius de Moraes (“Menu à Baiana”: “Se queres querida guardar no teu corpo/ Textura de quinze fi rme-za doçura/ Copie a receita do “maitre”calouro/ Que ama cozinha carinhos amores/ E mais teus amores que bolos e vinhos”), em sua associação erotizante entre a comida e o amor, a beleza femi-nina; além de um certo tom das cantigas medie-vais (“És tão linda, amiga, tão livre que te invejo as asas d’alma”, em “Proposta”). Há, também, em alguns poemas, uma linguagem neoclássica, que lembra o Dirceu que sente o tempo passar, afastando-o de sua Marília, como no texto “Fu-gaz”: “Porém o que és/ Pra teres porvir/ E seres a vida/ Sem pele tão bela?”.

Entendo que o Trabalho Poético de Samuel Mattos tem valor artístico-literário e dá conta de um olhar voltado não apenas para a sentimentali-dade humana, mas, principalmente, para a existên-cia do homem, e para a realidade social baiana.

Agradecendo a oportunidade de fazer tão agra-dável leitura,

Professora Doutora Patrícia Kátia da Costa Pina(Departamento de Letras e Artes da Universidade do Estado da Bahia)

“Tudo vale a penase a alma não é pequena”. Fernando Pessoa

Sumário

1. Sociais ..........................................................21Ato “Legal” ..................................................23Bahia ...........................................................25Chuva na Cidade .........................................27Ecologia da Globalização ............................28Encosta ........................................................30Fluvial .........................................................31Geração Coca-cola ......................................32“Intelectual” ................................................33Metropolitano .............................................34Milagre 1970 ...............................................35Música na Rua .............................................37O Lixo .........................................................39Samba da Vida ............................................40Pretexto Brasiliense .....................................41Sertão ..........................................................43Sincopado ...................................................44Sufrágio .......................................................45Vil ...............................................................47

2. Existenciais....................................................51À deriva ......................................................52Aurora .........................................................53Autobiografia...............................................54Caduco........................................................57Como um Rio ..............................................58Criar ............................................................59Engano ........................................................60Estar e ser ....................................................61Existência ....................................................62

Filosofia ......................................................63Fingindo ......................................................65Insegurança .................................................66Intemporal ...................................................67Lágrima .......................................................68Noite ...........................................................69Parto ...........................................................70Pensando ....................................................71Poética ........................................................72Revelação ....................................................73Risco ...........................................................74Sabedoria ....................................................75Sentir e Ver .................................................76

3. Amorosos ......................................................79Amoramigo .................................................80Confissão ....................................................82Fugaz ..........................................................83Menu à Baiana ............................................84Mergulho ....................................................86Atemporal ...................................................87Miss ............................................................88Prescrição ....................................................89Proposta ......................................................91Reflexo ........................................................93Saudade ......................................................94Silêncio .......................................................95

“Os teus príncipes são rebeldes e compa-nheiros de ladrões; cada um deles ama o suborno e corre atrás de presentes; não

fazem justiça ao órfão e perante eles não chega a causa da viúva”.

Isaías 1:23

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as211. Sociais

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as23

Ato “Legal” (Estatuto da Criança e do Adolescente)

Nasci não sei ondeDe mãe que não vejoDe pais em desejoNum parto de vida

Do nada surgindoNa rua morandoDo lixo vivendoMe crio na vida

Por todos olhadoPor outros temidoPra muitos: Que pena!Pra outros: A vida!

Sozinho me sintoAgrido, maltratoMe dopo, me firoÀ margem da vida

Se quero, rapinoSe mato, não ligoSe valho? Existo?Sou nada pra vida

Tal resto sou tidoTal lixo danosoFeroz e nocivoEntulho da vida

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as24

Sou vil execradoSou nó e sujeiraMe cospem me batemSou fez duma vida

Me furam projéteisQual bicho me matamNo mato me jogamMe tiram da vida

Sem dor ou remorsoAgora esquecidoFui nada, foi nada!Foi lenda da vida.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as25

Bahia(De Gregório de Matos a Carlinhos Brown, primazia e sorriso à civilização brasileira)

Sambando suando calor e foliaDançando na vida vivendo só diaBarrica cuíca timbau atabaqueNa preta só festa só roda magia

Gingado de Jeje caxixe cachaçaMulato malungo malandro sabidoLibido na rua terreiro cabocoNo toco na praça Nagô em chibata

Castanha paçoca moqueca d’arraiaNa praia domingo do bicho da missaDo Rasta do “reggae” do Bimba cabaçaD’Angola do golpe da perna que voa

Da broa cocada sacada sobradoDo Carmo d’oiteiro ladeira calçadaVelada rezada benzida pipocaDa prosa da tarde preguiça manhosa

Da Rosa mulata cabrocha mucamaNa cama do fundo da mesa da damaDa chama da lua Baía do SantoDo canto d’encanto sorriso da gente

Doente na fome na sede de festaModesta tal vida já vista dementeCarente pulando na rua no largoVadio molambo que ginga contente

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as26

No frio na chuva no sol e no morroPenoso moreno cafuzo garbosoPomposo famoso na arte batuqueNo truque no jogo na pinga saúde

Padrinho sobrinho vizinho cunhadoNa farra dos trios ao meio da praçaRessaca da cana talvez ameaçaMas vida se passa na graça belezaDeus queira que seja amanhã feriado.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as27

Chuva na Cidade(das encostas do Rioà Bolsa de São Paulo)

A chuva que molha bom teto vidraçaQue leva riqueza do campo pro bancoDo grande “plantation” pra casa de praiaDo fino colar té o voo a Miami,Brasília São Paulo com terno e gravataTal é como chuva que morro desmanchaQue cobre com terra barracos e gentesE bichos e mesas e telhas de zincoCom Pedros Antônios e outros da lamaQue nela já morrem com fé confiançaQue finde tal dano, que haja abastança.

Na chuva que cobre que mata que regaPorém há saber que o sol não o sabe:Que dura morada de morte do morro-se morte não leva seu resto de vida -Com vida de morte e de dor só ensinaQue vale viver essa vida com raçaPraquele que salta do tédio pra mortePor falta de dor ou excesso de sorte.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as28

Ecologia da Globalização(Conferência para o meio ambienteRio de Janeiro - 1992)

Hoje falam sobre o verdePor salvar a vida-terraFolha tronco galho relvaAmazônia, bicho n’água

Tudo ao Sul assim se voltaToda boca então labutaToda mão em gesto clamaTodo o mundo aqui discuteTodo rei por cá reclama

Mas por sob o grande verdeQue será que há de fato?Cobre prata ferro ouro,Manganês madeira zinco?

Que será que tanto ricoLá do Norte tão distantePor Brasil se faz amanteJá depois de ter roídoTodo chão em seu Estado?

Vêm de novo em nossa “ajuda”Ensinar como “guardar”?Vem trazer o que bem sabe,Rapinar em tom de amar?Vem sacola ou vem com sacoPra levar o quanto cabe?

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as29

Oh Tupino, quanto “amigo”Sempre há em teu pomarQuanto “auxílio” quanta mãoQuanta briga por teu viçoSó porque não és só beloSó porque não és só ricoMas também porque teu filhoVive cego... de rezarVive rico de vender-te,Vive pobre por não ter-te...mas alegre por sambar.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as30

Encosta

Criança brincando na terra tão sujaDa vida que passa não dá-se por contaRuína da casa tampouco lhe falaLembrança de nobre seu teto de hoje

De panos e trapo repleta a cordaAbertas e podres janelas e portaMadeira da Costa telhado de FrançaQue tudo já foram mas mofam n’agora

Seu coro de riso entoa meninoD’encosta vislumbra cidade que correDo morro do lixo do mato de vultoDo canto singelo que nunca ouvido

Tão doce cantando pureza do diaNem sente que magro será com’agoraQue mundo deveras não é o que pensaPois vida que corre não dá-lhe lugar.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as31

Fluvial

Sob o luar frioDeslizando nas águasSubindo o rioDe dores e mágoasSurge sombrio

Penumbra da noiteEncobre seu nomeE seu sobrenome(tal feito essa noite)No escuro já some

Não falo da ninfaDo leito do rioDo verso de linfaDo poeta vazioQue hoje inda sonha

Mas canto é o homemDa margem da beiraDo Rio CachoeiraDo peixe que é poucoE da vida ligeira.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as32

Geração Coca-cola

O país está em trevaPela mente não há luzGrito vário pela ruaTudo ócio, sem alento

Da TV se jorra sanguePra milhares sem caminhoNada visa esse BrasilQue só lixo vê na tela

No idoso não há forçaNo mais tenro não há causaNo marasmo assim caídoNão se dá que vale nada

Na escola o eu se sentaAula assiste e vai-se emboraSem comum sem coletivoSem porquê e sem melhora

Oca faz-se juventudeComo fruto duma messeQue por fortes semeadaFloresceu em eu distante

Todo verde fez-se “blue”“Blue” vestido “blue” faladoMente e corpo já imersosNos valores doutro mar

Sem razão sem movimentoSem raiz e sem pensarSem questão e sem TupiVai Brazil sem se achar.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as33

“Intelectual”(à erudição tupiniquin)

O saber que cá se buscaNada sabe desta genteQue padece numa lutaQue de letra não entende

Nada pensa de si mesmoNão possui sua questãoE se acha ainda cultoNo saber do estrangeiro

Como tolo é tal saberServirá só para nadaO pensar de outro povoSem o seu aqui pensar

Faz-se vão seu conhecerSem razão que seja suaPois anula o seu papelDe ser luz a quem não vê.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as34

Metropolitano

A cidade é um mar de ruídosUm mar sem luar e sem solUm grito de guerra sem causaDum lado pra outro a correrSem tempo de não ser em vão.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as35

Milagre 1970

Gasolina... era baratoDava até pra teto e chãoCarro e chão assim regadosPão à farta concessão

Esso sempre numa esquinaEu garoto ainda lembroDa fartura azul comumQue durava até dezembro

Mas também a gente lembraGás em bomba e explosãoTão brincando a morte vinhaMuito corpo teve à mão

Bem dizia o fardadinhoTão bonzinho e tão cabal“Cada qual que tome vinhoQue não sinta a bordoadaQue não morra à cacetadaQue apanhe só um pouquinhoMas confesse no final”

“Para o carro a gasolinamas pensar não se atura,mundo em crise não triturameu país que não declina”

Tanta coisa aqui haviaTé Tio Sam por cá andavaNos brasis do tudo tinhaNo futuro a que buscava

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as36

Milagreiro bom sambistaSe famou por mundo aforaNo pensante deu sumiçoSem jornal nem ver a hora

Mas durou o sonho poucoPois que foi-se já emboraSó deixando ao povo o trocoQue tornou país infladoQue fundou nação devendoE findando em hoje atadoSe pergunta em se doendo:- Que milagre salva agora?

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as37

Música na Rua

Vêm beijar-te doces cantosTernos sons nos ares teusBom batuque samba, rodasTudo enfim que faz-te ser

Vem de ti também cançõesDos coqueiros que balançamDos saveiros na baíaNum gingado sob a noite

Das estrelas vem-te brilhoNo teu mar beleza moraPele negra, dentes alvosFaz a graça do teu filho

Vem de ti porém tristezaQue insiste no seu cantoDos pequenos que da ruaFazem casa pais e vida

Dos pedintes na calçadaMolambentos sobre o lixoQue se amam na marquiseQue se matam na encosta

Da menina qual madame Com convite na esquinaAdestrada pela fomePro amor que chama arte

Sempre em ti o belo veemMas tristeza é teu haverTeu cantar de tão soturnoBusca em festa se esconder

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as38

Veem-te assim com alegriaQual vitrina sob o solMil folias mil encantosMil festejos na Bahia.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as39

O Lixo

O lixo estão revirandoProcurando o pão da vidaCarne e fruta apodrecidaDe restos se alimentando

O cão e o homemMulheres e gatosCrianças e ratosQue juntos já comem

Remexendo o lixo, animaisLixo burguês, egoístaLixo sujo, capitalistaQue os trata como iguais

O lixo consomem, destroemOs filhos das servidõese pródigas dominaçõesUsinas constroem

Estão revirando o lixoDos palácios, casarõesDas favelas, barracõesDo sistema... de lixo.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as40

Samba da Vida

Cá no morro um pinho roucoDe compasso firme e forteGeme ao canto que é poucoDum mulato já sem parteNesse mundo branco e oco

Logo ao pinho vem se unirUm pandeiro, um tamborimE atabaque em bom bramirContra a vida tão ruimQue ora castra sem ferir

Mas tristeza vai-se emboraO bom samba não suportaSamba a outra e a senhoraSamba a casa sem ter portaSamba a vida o grande agora

Cá a gente é uma famíliaDe cachaça pura e quenteDe criança que tem filhaE o samba em lua ardenteTorna dor em maravilha

Pois batuque é alegriaDesse povo que é tristeE que luta todo o diaContra a vida que insisteEm somente ser folia.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as41

Pretexto Brasiliense(a ritmo de zabumba e triângulo)

A AIDS ora mata e é sabidoEntre os povos lá do norteOnde o mal é difundidoQue é doença de má sorte

E o povo cá do morroSabe lá o que é isso?O doutor lhe dá socorro?O cura é feitiço

Cá se morre é de navalhaDe um bamba e de valenteSe mulher ciosa ralhaVê morte de repente

Morre muito é de cachaçaTiroteio com políciaCapoeira roda sem graçaMas é morte com perícia

De malária nem se falaMorre tanto que nem digoÉ mosquito em muita valaDe esgoto e de perigo

E essa febre amarelaDizimando o povo pobreZé do barro e da tramelaDando duro por um cobre

Mas maior de toda morteÉ a fome assassina

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as42

Mata o povo que sem sorteVai seguindo sua sina

Mata o velho e o anjinhoQue nem sabe o que é vidaQue não teve um carinhoJá nasceram na ferida

É assim que o povo morreNesta terra de mazelaE a AIDS já percorreNosso rádio nossa telaDivulgando nova açãoDum governo preocupadoPara o povo sem ter pãoQue já morre até calado.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as43

Sertão

Dois olhos miúdosNas trevas percorremPautados mundosDe letras que dormemSonos profundos

A letra não falaOs olhos não ouvemA boca se calaE a mente de nuvemSó traz chuva rala

Se letra fosse fumoQuem sabe cachaçaVeriam num rumoSeu gosto sem graçaO sentido e o prumo

Mas letra é letra sóNão lhe serve para nada“Isso é coisa de doutor”,Diria o camaradaDo roçado e do cipó.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as44

Sincopado

O samba em compasso binárioBatendo ora fraco ora forteÉ o grito latente e diárioDum povo na dor do seu corte

Tão belo porém é sambarContente ardente e festivoQue o mundo jamais saberáQue seu criador é cativoE samba pra se libertarOu samba mostrando estar vivo.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as45

Sufrágio(do Sertão à Zona da Mata)

Cê vote em meu filho, compadreMenino é tão bom que nem digoRapaz de vigor e coragemMancebo de garra e sabido

Só disso que o povo precisaCoragem pru’m tudo mudarSó nele cê vote, compadreFarinha te mando levar

Por bem que te digo, colegaPor todos aqui da seçãoVotar no menino é negócioSenão vai-se ver demissão

Amados pastores amigosConselho que dou não de meu:Votai no menino dotadoCom todo que cá congregadoPois ele é o homem de Deus

Bem quero eleger o meninoMais nada pra mim levareiQue sinto no peito é a leiQue nada se muda ao acasoVotai no menino dotadoQue tudo rirá outra vez

Teu neto não quer o Senado?Teu genro mandar em soldado?Já sabes então o recado:Do gado lá do seu pasto

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as46

Me veja dez mil de votadoPro jovem chamado dotado

Depressa somai os folhetosRogai sim a Deus o SenhorSe eleja mancebo com honraQue seja pra sempre penhor

Que nada de fraude se vejaSe veja somente justiçaMas vindo porém o incertoQue põe o mancebo na riscaEnchei de pontinhos a folhaQue encho teu lar de comida

Mancebo destarte se elegeNa glória de todos afinsQue enfim reunidos em risoPor causa do povo sem sisoNa súcia-família-colégioCelebram por anos sem fim.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as47

Vil

Não exalto a minha terraNem canto no meu versoPois de que me serviriaO louvor a terra ricaSe seu filho envilecidoPela mão do Norte “amigo”Não a tem como deviaE nem tem como a ter?

O que canto é a revoltaDe um povo que nem sabeDa corrente que o prendeE é debalde seu trabalho

O que louvo é a sediçãoContra o jugo desigualPelo povo que não sonhaPor porvir no seu quintal.

“No dia da alegria, festeje. No dia da tristeza, medite. Deus fez tanto um como

outro, para que o homem não saiba o que lhe virá no amanhã”.

Eclesiastes 7:14

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as512. Existenciais

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as52

À deriva

O que busco é o que bem seiNão sei bem porém se buscoSempre em mim nem sempre mundoCorro em luta é por vivê-lo

No meu tempo eu não me vejoNo que vejo eu só me firoTransformar se faz precisoMas com que? Será com verso?

No opor-me bem me sintoConformando é que me negoMesmo sendo um só ruídoMesmo sendo um só quimera

Que será que busco mesmoSe fazer não sei já comoSe de tudo eu vou distanteSe o tempo é tão passivo...

Sei porém que urge a horaQue agir se faz a ordemQue não quero o que só vejoQue não quero a cega vidaTão sem hoje e sem outrora

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as53

Aurora

Obrigado grande DeusPela vida que é tristePela arte que me desteNo sentir que só existeA tristeza e o adeusNessa noite que me veste Pois manhã se chagaráDizimando toda noiteCom a luz do novo diaE a tristeza acabaráJá banida com açoitePelo reino da alegria.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as54

Autobiografia(apresentação de um desconhecido)

Nasci na Bahia do sambaTambém onde a Bossa nasceuNo Sul do Estado contudoCresci no cacau amareloQue Jorge tão bem descreveu

Surgi nesse ano de GolpeQue fora qual fase de trevaCegueira porém se nos veioQue vimos azul o cinzentoE assim nesse infante momentoBrinquei de soldado e de rei

Na Copa de 70 fui festaNação em fervor se achavaFardado de farsa mandavaLegando problema ao futuroMas sempre saltando do muroFugi da escola pra vidaCom muitos garotos na lidaVoltando com galos na testa

Corri com saberes de ruaVidraça quebrando com risoEnquanto um Brasil orgulhosoNa crise do óleo preciosoGastava qual pródigo filho

Piano me foi desistênciaLeitura gerava alergiaPreguiça me dava a escritaSeis anos custou o ginásio

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as55

Com tom de amor-paciênciaDe mãe, e é bom que se diga,Findei os estudos primáriosGerando inaudita alegria

Só "rock" importado ouviaPalavras estranhas do NorteTé quando o Brasil me despertaNa dor que o Chico cantavaFazendo-me ver descobertoQue sonho-país terminavaQue triste era o povo que ria

A dor que a gente exalavaMe veio ser dor já de meuMorri para o eu isoladoMe vi num poeta acanhadoVersando mal verso por Deus

Tentei um comércio de roupasBoutique de malhas e linhosSenti que não era lojistaQue nada de venda sabia

Mulheres-amores bem tiveMas tudo é segredo de EstadoUm dia porém num achadoEncontro essa fêmea queridaQue hoje comigo conviveNa cama na mesa no versoNa dor e na festa da vida

Amores também que abrigoSão samba e batuque cantadoBarzinho, conversa de amigoSilêncio porém no meu quarto

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as56

Depois bacharel me formei(em vez de poesia, turismo)De tanto viagem estudarIgualmente hotel e transporteRumei à América do NorteE lá resolvi foi ficar

Três anos mais tarde retornoPaís promissor encontravaCom plano Real que de fatoFuturo ao Brasil ofertava.

Então ao ensino me dava(conforme ao ensino me dou)Alunas, alunos qual filhosNa lida de ser professor

E enfim encerrando à baianaDiria que tudo é bobagemQue vida se vive é vivendoQue verso sem vida não agePortanto, pra luta, malungoDeixemos a prosa de lado.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as57

Caduco

Quem zela somente seu tempoDos tempos não tem o primorDa vida só vê um momentoQue traz a saudade em sabor

Porém o viver é um motoCom ele é preciso girarsomando vanguarda a remotoTal velho e tal jovem pensar

Quem pois é avesso a modernoSe fecha no tempo que é seuE velho sem cã e sem ternoSe há como quem já morreu.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as58

Como um Rio

O poema é como um rioEm meandros de linguagemCarregando no seu leitoUma vida num só fio,Espalhando pela margemO prazer e a dor do peito

Pra beber da sua águaÉ mister porém sentirA beleza em toda dor,Navegar em sua mágoaVendo a vida assim fluirPela letra em som e cor.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as59

Criar(a dor louvada)Se distante assim me vejoNesse mundo em que sou euSó por ser-me vivo muitoPenso o tudo enquanto meu

No pensar me tenho grandeFlor se faz a vida em mimTé que enfim me sai morosaFeita versos pro porvir

No porvir é pois amadaCada dor bem lhe lerãoVer-me-ão tal brio alado- não mais sonhos como então

Mas então não mais sereiNada a mim se me daráPois em sonho habitareiQual agora em meu sonhar.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as60

Engano

Mui pobre e vazio é o serQue ergue o riso e o peitoSem nunca cair ou sofrerSe olhando do alto perfeito

Pois anda à flor duma águaE a vida no fundo é que estáUm fundo de dores e mágoaQue fere mas faz transformar

E eleva e nutre enriqueceO homem em tudo enterneceDe grande que ela se faz

Enquanto que a vida sem dorSe engana no mundo de florE nem de se ver é capaz.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as61

Estar e ser(to be or not to be)

Quando saio sou inversoEm portar-me bem eu vouSendo tudo o que se pensaMas um vácuo do que sou

Em chegando é que porémSendo o mundo no pensarNão sou nada que convémE sou todo em meu criar

Em criando sou eu mesmoQue me venho esmigalharSobre a folha, pelo ermoQue sozinho quis formar

Onde a pena é uma amigaQue rabisca e me revelaE me sente sem que digaQue sem ela eu nada sou.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as62

Existência

Há um vácuo a entreterQue se diz ser amizadeE um amor a envolverMas não ama de verdade

Que viver o dessa vidaQue não para pra pensarEm ser tudo na investidaSendo um nada no falar!

É mister ser como a luaQue se mostra inteira nuaLogo após o dia ido

Sê sensível ao viverPois senão vais perecerSem deveras ter vivido

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as63

Filosofia

Pra bem viver e ser a vidaEm si não muito importa terE sim bem vivo estar atentoO bem vivê-la é todo haver

O que se diz que falta fazÀs vezes nada em si traduzSenão pra quem a venda trazAlgum trocado e luxo e luz

O teto-abrigo em tom silenteAmor-ternura à cor d'amadaArdor de peles flor do ventreAfeto doce e paz se veja

E mesmo parco o teto ditoEmbora forte em bom tijoloAli habite a rica rimaEm que se olhe a terna amigaEm que se cante a vida em coro

A dor também paixão e causaAté quem sabe à luta à morteEterno fato à vida sejaE tal razão produza a sorte

À mesa o nada falte ou sobreO tudo à mão porém se estendaA dar riqueza e bem sem tê-laEncher de graça a quem mais pobre

À farta seja a lida brutaEm sol suor até cansaço

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as64

A fim porém de ter-se largo(em vez luxo e fútil bem)Um bom saber que tudo escruta

À rua haver-se e ser o povoAmar-lhe sempre o que produzO belo o todo o dom do novoO livre estilo o ser verdadeEm meio a arte a vida sejaEm meio a cor ciência e luz

A Deus querer sem forma-formaAmigo tê-lo em prece e festaO choro o riso o nada e tudoEm si lhe sejam culto e norma

Enfim a vida assim vivê-laO mais virá n'aurora e noiteA cada passo um gosto um soproA cada sopro um nascimentoA cada alento um dia grandeA cada dor um riso fartoAté que finde em longo ocasoOu finde agora enquanto penso.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as65

Fingindo

O ente humanoNão é o que éE sim representaO que deve ele ser

No mar de fingirA dor vira risoE até o que senteVivido não é

E a vida se vaiFingindo que é boaEnquanto o fingirJá finge que é vida.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as66

Insegurança

Todo ser que necessitaAmiúde doutro alguémÉ também o que hesitaEm ficando sem ninguém

É aquele que sem vidaSó a tem em outro serLogo a sua tão queridaInda vai de si nascer

Não se dá que solidãoÉ a vida concentradaQue germina como grãoFlorejando té do nada

Multidão é o opostoPois só faz estagnarO sorriso pôr no rostoSem em nada meditar

E assim o que sozinhoÉ bem firme no andarMas o outro do vizinhoTudo espera sem pensar.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as67

Intemporal

Que é a vida senão um só fio?Dor e prazer a fiar é que vemCedo se vai carregando tambémTodo bom sonho já feito vazioPor se pensar e um nada fazer

Por se pensar e um nada fazerOco se esvai o viver e sonharLogo se finda a razão de amarTudo de belo que move o viverSer e fazer o que pode ficar

Ser e fazer o que pode ficar(como se tudo findasse no ora)é que já pode o viver alongarTorna tal fio que nada demoraN'algo morando no seu eternal.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as68

Lágrima

Feliz é aquele que choraPois sabe verter sua dorNa gota de sangue sem corTão logo provendo melhora

Quem sofre sem choro porémVertendo só versos que fiaNa dor tem demais agoniaQue faz-lhe penar qual ninguém

Seu pranto na folha cai lentoCom letras da dor que dizimaJuntando na poça da rimaTristeza, beleza e alento.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as69

Noite

Agora escureceA lua no marJá brilha cheiaE brilha belaComo ela só

Porém na noiteQue há em mimNão se vê luaE nem o brilhoDo alvorecer

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as70

Parto

Pensa a vida pensa o mundoVive o mundo sofre a vidaVê-se em dores vê-se parco

Vêm-lhe gritos da entranhaDa entranha vem-lhe algoLentamente corre e gritaCorre e grita mas silente

Toma a pena, risca doresRisca sangue, risca morteRisca choro e verte vida

Toca a vida com ternuraNos contornos do formatoDá-lhe corpo dá-lhe soproSuspirando pós o parto

Vai amá-lo, com certezaVão amá-lo, não se sabeMas enfim se faz alentoMas enfim se faz vivente- Vinte versos qual a vida,Vinte versos tão somente.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as71

Pensando

Viver comumente e pensarSão mundos distantes em lutaQual rir e chorar se opõemQual noite e o dia a raiar

Sorrisos, amigos colhendoEstados de vida implicamPorém é no só se ficandoNa dor que o mundo espreitaQue faz-se crescer em si sendo

Contudo qual dor que se mostraNa vida difícil seguindoBem gera prazer no pensandoQue cria viver mais divino

Tratados de como portar-se,Valores de grupo sufocamEsvai-se mui tempo de vidaE nada se faz de melhora

Mister é sonhar sem o sonoO mundo dos homens mudarPra tanto é preciso sofrerViver por fazer e pensar.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as72

Poética

O poeta é quem é sóE em solidão vastaTraduz sua alma

E em si debulhaA vida e o nóE vive o versoCom dor e mágoa.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as73

Revelação

Quando a vida faz-me bemE de todo estou sem dorMeu pensar se vai em corMas um vão é que contém

Se contudo vem a guerraDe em mim me ver aflito,Penso sempre o infinitoQue me eleva desta terra

Sendo assim o meu penarVem dizer que ser eu souPois na vida aonde estouConhecer na dor se faz.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as74

Risco

Em face do bem por fazerSe penso demais não o façoPensando me vou sem quererTemendo seu fim seja laço

Porém se não faço o que devo(o bem que aos olhos desponta)Não posso saber se apontaCaminhos de dor ou enlevo

Pensar é cautela de fatoMas muito pensar nada fazViver é somar cada atoQue a vida de novo não traz

Pois todo fazer que esquivoJamais o meu ser saberáMas dor ou prazer que bem vivoQual parte de mim me será.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as75

Sabedoria

Quem acho que sou se maldigo esta vidaPor simples estorvo no meu caminharSabendo que vem ao meu ser ensinarMostrando a razão que me foi escondida?

Gemendo gritando bem alto essa dorDe nada me serve senão pra sofrerSe penso porém no seu grande porquêDo fel já renasço pra doce sabor

Quem busca portanto viver a belezaFugindo da dor que a vida bem trazRepousa no leito do sonho da pazMas sem o saber que provem da tristeza.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as76

Sentir e Ver

O bonito quer ser beloNo portar e no sentirQual beleza fosse formaQue se pode bem medir

Se porém a forma fosse, Cujo fim é sempre o pó,Vida breve então teriaSem gerar prazer maior

Mas deveras na belezaNada tem de ver tocarPois somente no sentirVem seu brilho revelar

E por fim o brilho seuNo viver que agraciaÉ que faz o belo serIrisando feito o dia.

“Quão doce é o teu amor,minha irmã, noiva minha!

quanto melhor é o teu amordo que o vinho!

E o aroma dos teus ungüentos mais doque o de toda sorte de especiarias”.

Cantares 4:10

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as793. Amorosos

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as80

Amoramigo

Oh querida amada minhaQue de mal bem me fizesteQue o corpo a ti só buscaQue minh'alma aqui suspiraPor te ver e tudo ser-te?

Que magia tens contigoNessa carne doce escuraEncerrando a graça amigaDo teu ser que me habitaDa peçonha que me cura

Terna dança em mar d'amoresLuta agreste sem decoroTal me é teu fogo insanoTeu arfar em mim guardadoTeu ardor que tanto amo

Oh menina amiga minhaQue tão bom é ter-te ao ladoSer-te par ao teu cuidadoVer-te assim qual terna manaNo meu ror de eu sozinho

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as81

Que beleza tens no jeitoTão baiano tão trigueiroOh mulher criança adultaQuanta vida em ti avultaQuanto abrigo no teu peito

Quero em ti me ser a lidaSer-te dor amor encantoPaz que foge mal que duraGraça afeto mão ternuraNa paixão sorver a vidaPra contigo bem vivê-la.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as82

Confissão

De princípio eu bem te olheiDe mui longe em meu pensarSem notar que me houveraConhecendo um doce serQue em ti se fez brotar

No depois porém me viaJá me vendo em teu olharQue me trouxe do remotoToda cor que quis acharIrisando um novo dia

Que de claro fez-se beloMeu querer virou sentirEm te ter formou-se um eloComo as letras deste versoQue me enlaçam hoje a ti.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as83

Fugaz

Que pensas da vidaInsana e tenraMulher em florSenão no amar?

Tu és toda firmeE tens alma boaE gozas aindaDo alvor em tua carne

Porém o que ésPra teres porvirE seres a vidaSem pele tão bela?

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as84

Menu à Baiana

Se queres querida guardar no teu corpoTextura de quinze firmeza doçura,Copie a receita do "maitre" calouroQue ama cozinha carinhos amoresE mais teus amores que bolos e vinhos:

Primeiro é preciso se ter apetiteSem que não se vive a delícia da mesaPorém etiqueta e sabor não se rimePois sigo uma rima que tudo permite:- Bem mais que convir é preciso nutrir(tal como te amar é bem mais que viver)Portanto comamos com rito de risoSem jeito sem siso qual nossos afagos

A hora é bem cedo d'aveia, do leiteBranquinho que deixa a morena supimpaTão belo teu lábio na manga molhadoQue uvas e pêras também te receito

Mel puro e cenoura somado a cuidadoNa face te geram saúde e deleitePorém a ternura bem mais que meladoDeveras de unte qual finos azeites

Moquecas d'arraia ostrinhas e peixePra ti recomendo mas só com ressalva:- sorriso nos olhos, benzinho do ladoSem pressa sem data sem hora marcada

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as85

Também sob a mesa que pés se alisemSem pois esse mimo não dura o almoçoTampouco se atura viver numa criseSem beijo sem torta carinho e sem doce

Mas sempre depois dessa hora de gulaMister é sair pra uns passos, a doisN'aragem dos mares coqueiros d'areiaE até lua cheia subir às alturasFicar em silentes momentos a sós

Chuveiro na volta descanso beijinhoPreguiça dosada medida à baianaBatidas de coco vermutes e vinhoAmores à farta cansaço cochiloe até um sussurro se integre ao menu

Depois a conversa pudins e cocadasEm meio a resenhas e bolos e risosA noite dum salto se faça alvoradaTrazendo bom sono com ondas e brisasNem sempre dormida quão sempre feliz

Mas tudo é um nada se falta à receitaPetisco de amor e essência de amigoSem que não se vive o amor verdadeiroSem que não se nutre da vida perfeitaQue terna e gulosa se faz num sigiloQue ora prescrita só resta fazê-la.Portanto à vida, à saúde e beleza.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as86

Mergulho

Em ti imergiBuscando o tesouroDe pedras-amoresMas nada encontrei

E nem me molhouTu'água em azul- não era senãoUm mar de palavras.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as87

Atemporal

Um sol se nos abre e a noite dissipaCom asa nos leva pra dentro de nósMuralhas caíram ruíram paredesNascemos de novo na vida que gritaQue grita alegria sem medo de dor

Sem medo de si vê-se bela somenteQual ave flutua no mar desse arQue dantes olhado jamais fora vistoQue dantes já visto jamais enxergadoNo prisma "pureza" que a nós foi legado

Agora vadios em nós nos amamosA vida adentramos em corpos que suamCom olhos que tocam nos vemos no outroCom livres palavras dizemos que somosQue somos a mente e o corpo do amor.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as88

Miss(parca aproximação do sentido de sau-dade)

Oh mulher amiga minhaBom te ter na mente vivaQual em mim te ver mais lindaNo sonhar tão desejada

Cá de longe és minha pertoPois te amo a cada instanteBem no que também me firoCom saudade e dor no peitoQue morosa vem cortante

Mas que doce a dor que tenhoQue suave o corte o prantoForma assim em que porquantoSinto a ti concretamenteNão na alma em si somenteMas em derme carne e sangue

Vida abrigo em ti alegreMesmo agora em triste cantoSonho a ti no meu poenteTé que venhas como encantoPr'amanhã em vez de prantoSer-te pele e corpo sempre.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as89

Prescrição(para solidão e mal-estar)

Se querem bem juntos viver esta vidaPreciso somente é que sejam amantesNem sempre sorrir ou amar como antesPorém no amor ser a paz e o prantoPorque sem o pranto o amor não rebrilhaTampouco sem a paz há lugar pro encanto

Mas sempre lhes vá o amor que labutaQue sua que cuida que zela e exortaQuem pois afinal por melhora só lutaPrecisa de bem que lhe seja conselhoBem sério maduro sisudo e ordeiroQue ame porém sem pudor e sem ordem

Com fritas, filé e comida a requinteBem como dispor os talheres na mesaDe nada conquista o amor-naturezaQue busca bem mais o arfar e delícia.Que mostre-se pois a querida querendoTambém amamente o seu bem já crescido

Sobrinhos, vizinhos, parentes, amigosEm si não são males, contudo cuidadoBom tempo vos levam de horas baralhoSalgados bebidas ruídos enfadosTé quando o amor se chateia caladoE assim enfadada já dorme de lado

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as90

Presentes e flores e roupas e joiasAmores alegram com cor e perfumeMas haja n'agenda do amor amiúdeBem mais um lhe dar-se de corpo e de alma(com dengos e gulas, ardores e calma)Que tudo que há na vitrine do mundo

No mais na fartura ou na falta de tudoTé falta de leite e de leito macioQue boca consuma o filé ou batataQue cama se faça n'areia no pisoMas sempre o amor seja veio do rioCom fogo com jogo e calor à exata.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as91

Proposta

És tão linda, amiga, tão livre que te invejo[as asas d'alma

Tens em ti a leveza e inconstância da[vida que vivemos

Ventos qu'entoam canções, temporais[que roubam calma

Aventuras de amores que tive, sonhos [do amor que anseio

Busco em ti porém só laço, e malha,[e corda que me prenda

Atar-me ao teu corpo liso, trigueiro...[acorrentar-me em ti

Mergulhar em teu mar de fogo insano,[prazenteiro, denso

Ver-me em ti como que em mim próprio,[cativo, prisioneiro

Não me sei se usurpo ou tenho-te[por direito... por fato

Teu sorriso todavia é-me doce,[justifica-me o ato, a posse

Enche-me de prazer como o tempo[que já nos ouviu segredos

Com'a febre que já nos roçou a pele [porosa, eriçada

Que fazer ou não fazer pra te ter[qual parte minha?

Como ter-te, perto e longe, feito dor[que bem me faz?

Como a pele vir tocar-te sem amar-te[a alma tenra?

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as92

Como assim em ti viver-te sem beber-te[a graça, a paz?

Que será que a mim fizeste?[Por querer-te pois te quero.

Deixa ser-te então sorriso, vida alegre[em ror de amores

Mares, cores, beijo doce, sol que[arde em noite clara.

No teu corpo assim silente, quando[em ti já teu me faço

Na tu'alma assim contente té que[enfim me venha a paz.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as93

Reflexo(amar ou amar-se?)

Não se ama um outro serNem se serve a ele amorPra lhe ser calor e vidaCompletá-lo e dar prazer

Pois se ama é por amar-seEm si mesmo em forte amorQue do outro busca apenasTernos meios de cuidar-se

Se por fim assim não fosse(esse amor se amando a si)Sempre o outro então queriaQuando até ferir lhe fosse

E se o outro assim se busca- mesmo sendo um mar de dor -Não se mostra o quanto o amaMas só mostra um não amar-seQue dizima o próprio amor.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as94

Saudade

Esperar-te contra o tempoNo pensar que só te buscaFaz-se paz em sonho doceFaz-se dor em ânsia lenta

Vem-me gozo no sentir-teNo viver-te cada instanteDo teu corpo embora longeDessa mágoa embora perto

No querer-te vivo poucoPor não ver-te morro muitoPois te vejo qual a vidaPois renasço só no ter-te

Na saudade assim me firoNo ardor por encontrar-tePra dizer-me que te queroque em ti me faço lassoDescansando dessas doresPara enfim sorver a paz.

Mús

ica

na ru

ae

outr

os p

oem

as95

Silêncio

Que segredo tens nos olhosQuando falam-me silentesCom mistérios e ternurasInvadindo a alma minha?

Que me vêm assim dizerSe me chegam com verdadesEntornando o que bem sentesSem em nada te esconder?

Donde sai seu meigo brilhoQue a mim se faz espelhoOnde vejo-me te vendoComo fôssemos um só?

Que será que são de fatoSe os vejo já tão belos?...e lhes quero como nuncaPor querer somente quero

Pois razão temor e medoHoje enfim não dizem nadaMas teus olhos e meu versoNo silêncio se enlaçam.