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n. 1 2018
REVISTA DIGITAL FACESPI
INDICE
A INCLUSÃO DO DEFICIENTE INTELECTUAL - PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO
Carolina Marcondes Silva, Págs 03 – 21...................................................................03 ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Evelin Tatiane Silva Zan, Págs. 22 – 61...................................................................22
AA GGEESSTTÃÃOO DDEEMMOOCCRRÁÁTTIICCAA NNOO EESSPPAAÇÇOO EESSCCOOLLAARR EE NNAA FFOORRMMAAÇÇÃÃOO DDOO DDIISSCCEENNTTEE
Antunes, Maria Paula Ferreira. Págs. 62 – 77...........................................................62
MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL.
SAAD, Mel Pessoa. Págs. 79 – 129..........................................................................79
BRINQUEDOTECA
Pinto, Michele Bertoli Cunha, Págs. 131 – 145........................................................131
A ARTE DE EDUCAR NA GRÉCIA ANTIGA E SUA IMPORTÂNCIA PARA A
ATUALIDADE.
Sidinei Aparecido Oliveira Vieira, Págs. 146 – 160...................................................146
A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL.
Talita Moreira Barreiras Melo, Págs 161 – 189........................................................161
COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL.
Tatiane de Jesus Santos. Págs 190 – 205...............................................................190
3
DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO
ALUNO COM TEA
Silva, Carolina Marcondes1
RESUMO
Este trabalho está voltado ao estudo sobre o desenvolvimento e
aprendizagem de alunos com deficiência intelectual dentro do ambiente
escolar. A primeira parte constituirá de um breve histórico da educação
inclusiva no Brasil, mais adiante o assunto será aprofundado na inclusão de
alunos com deficiência intelectual na rede regular de ensino e na maneira
como ocorre a aprendizagem dessas crianças, lembrando sempre que cada
ser humano é único e deve ser respeitado em sua maneira de aprender.
PALAVRAS CHAVE: Inclusão. Aprendizagem. Alunos com deficiência
intelectual.
INTRODUÇÃO
A inclusão de crianças com deficiência na rede regular de ensino é fator
marcante nos dias atuais. Influenciada por diretrizes internacionais, a
inclusão escolar de pessoas com deficiência, seja esta qual for, vem se
constituindo como prioridade na legislação brasileira desde a década de
noventa, com base nos princípios da Declaração de Salamanca (UNESCO,
1994).
A temática da inclusão é não deixar ninguém fora do ensino regular, desta
forma, as escolas inclusivas propõem um modo de organização do sistema
educacional que considere as necessidades de todos os alunos e que se
estruture em função dessas necessidades à fim de atende-las.
1 Aluna do curso de Atendimento Educacional Especializado – [email protected]
4 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
Não podemos admitir o acesso de todos às escolas, sem garantir o
prosseguimento da escolaridade até o nível que cada aluno for capaz de
atingir. Ao contrário do que alguns ainda pensam, não há inclusão, quando
a inserção de um aluno é condicionada à matrícula em uma escola ou classe
especial. A inclusão deriva de sistemas educativos que não são recortados
nas modalidades regulares e especiais, pois ambas se destinam a receber
alunos aos quais impomos uma identidade, uma capacidade de aprender,
de acordo com suas características pessoais. MOANTOAN, 2003, p. 31).
Para considerarmos uma escola inclusiva de fato, alguns procedimentos
deverão ser adotados, dentre esses, a criação de um plano específico que
garanta o avanço de “todos” os alunos, baseado nas diversidades de cada
um, desta forma, um ensinar para todos.
O contato coma família e instituições que o aluno deficiente frequenta
também será fator crucial no processo de aprendizagem do mesmo, pois o
trabalho precisa ser conjunto.
A elaboração de uma rotina que promova a inclusão da criança com
deficiência e ainda adequações no ambiente físico da escola, sempre que
esta se fizer necessária.
Será importante também a abertura de espaços onde a cooperação, o
diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito crítico sejam exercitados
por todos os envolvidos, professores, administradores, funcionários e
alunos, pois estas são habilidades mínimas para o exercício da verdadeira
cidadania e o respeito ao tempo de aprendizagem de cada indivíduo,
respeitando suas dificuldades.
A elaboração e aplicação de atividades acessíveis que proporcionem o
avanço do aluno com deficiência.
Pensando nesta escola inclusiva, o presente trabalho estará voltado ao
desenvolvimento e aprendizagem de alunos com deficiência intelectual
dentro do ambiente escolar.
5 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
PERCURSO HISTÓRICO
Analisando o perfil do período histórico da Educação Inclusiva no Brasil, nos
séculos XVII e XVIII, é possível notar teorias e práticas sociais de
discriminação que promoviam infinitas situações de exclusão.
Podemos dizer que esse período foi então caracterizado pela ignorância e
rejeição do indivíduo com deficiência. A família, a escola e a sociedade
condenavam esses indivíduos de uma forma extremamente preconceituosa,
chegando à excluí-los do estado social.
Os deficientes mentais eram internados em orfanatos, manicômios, prisões
dentre outros tipos de instituições que os julgavam como seres anormais,
“[...] na antiguidade as pessoas com deficiência mental, física e sensorial
eram apresentadas como aleijadas, mal constituídas, débeis, anormais ou
deformadas” (BRASIL, 2001, p.25). Contudo, no decorrer da história da
humanidade, observa-se que as concepções sobre as deficiências foram
evoluindo “conforme a mudança das crenças e dos valores culturais.
O início do desenvolvimento da Educação Especial no Brasil se dá no século
XIX, quando os serviços dedicados a esse segmento, baseado em
experiências norte-americanas e europeias, foram trazidos por alguns
brasileiros que se propunham a organizar e a implementar ações isoladas e
particulares para atender a pessoas com deficiências físicas, mentais e
sensoriais.
Tais métodos se não se integravam às Políticas Públicas de Educação e foi
necessário praticamente um século, para que a educação especial fosse um
dos componentes de nosso sistema educacional.
No início dos anos 60 é que essa modalidade de ensino foi instituída
oficialmente, com a denominação de "educação dos excepcionais".
Desta maneira, podemos afirmar que a história da educação de indivíduos
com deficiência no Brasil está dividida entre três grandes períodos:
• 1º Período - 1854 a 1956: Marcado por iniciativas de caráter privado;
6 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
• 2º Período - 1957 a 1993: Definido por ações oficiais de âmbito
nacional;
• 1º Período - 1993 até os dias de hoje: Caracterizado pelos
movimentos a favor da inclusão escolar.
No primeiro período destacou-se o atendimento clínico especializado,
incluindo a educação escolar e nessa época foram fundadas as instituições
mais tradicionais de assistência às pessoas com deficiências mental, física
e sensorial que seguiram o exemplo e o pioneirismo do Instituto dos
Meninos Cegos, fundado na cidade do Rio de Janeiro.
Entre a fundação desse Instituto e os dias de hoje, a história da Educação
Especial no Brasil foi se estruturando, baseando-se em modelos que
priorizam o assistencialismo, pela visão segregativa e por uma
segmentação das deficiências, fato este que contribui para que a formação
escolar e a vida social das crianças e jovens com deficiência aconteçam em
um mundo separado dos demais.
A Educação Especial foi assumida e aprimorada pelo poder público em 1957,
com a criação das "Campanhas", que eram destinadas à atender cada uma
das deficiências.
Nesse período, instituiu-se a Campanha para a Educação do Surdo Brasileiro
– CESB, seguida da instalação do Instituto Nacional de Educação de Surdos
– INES, que está em funcionamento até os dias de hoje, no Rio de Janeiro.
O Ministério de Educação e Cultura – MEC instituiu em 1972, o Grupo-Tarefa
de Educação Especial e juntamente com o especialista James Gallagher, foi
apresentada a primeira proposta de estruturação de Educação Especial
Brasileira, criando assim um órgão central para gerenciá-la. Atualmente,
esse centro é a Secretaria de Educação Especial - SEESP, que manteve
basicamente as mesmas competências e estrutura organizacional de seu
antecessor, no MEC.
Muitas pessoas se interessaram em apoiar a Educação Especial, dentre elas
haviam políticos, educadores, pais, personalidades brasileiras que se
identificaram com a educação de pessoas com deficiência.
7 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
Todos tiveram papéis importantes no decorrer do período em que se
estabeleceu o processo evolutivo da Educação Especial.
Os pais dos indivíduos com deficiência estão entre os que compõem essa
liderança e representam grande força para manter o atendimento clínico e
escolar de seus filhos.
Também não podemos desconsiderar as iniciativas de caráter privado e
beneficente lideradas por pais no atendimento Clínico e Escolar de pessoas
com deficiência, assim como na formação para o trabalho protegido, apesar
de suas intenções serem na maioria das vezes, asseguradas pela
discriminação e pelo forte protecionismo.
Dentre os interessados pela Educação Especial, destacam-se o grupo dos
pais de crianças com deficiência mental, que são os mais numerosos e que
fundaram mais de mil APAEs em todo país.
Os responsáveis legais acabam organizando-se em associações
especializadas, gerenciadas por eles mesmos, que buscam parcerias com a
sociedade civil e o governo para atingirem as suas metas. Essas
organizações são basicamente financiadas pelos poderes públicos
municipal, estadual e federal.
Diferentemente de outros países, os pais brasileiros, na sua maioria, ainda
não se posicionaram em relação à inclusão escolar de seus filhos. Apesar
de mostrarem essa preferência na Constituição Federal, observa-se uma
tendência de os pais se organizarem em Associações Especializadas para
garantir o direito à educação de seus filhos com deficiência.
A partir da década de 80 e início dos anos 90 que as pessoas com
deficiência, começaram a se organizar por elas mesmas, participando de
Comissões, Coordenações, Fóruns e Movimentos, visando assegurar os
direitos que conquistaram através do tempo, de serem reconhecidos e
respeitados em suas necessidades básicas de convívio com os demais
indivíduos.
8 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
Tais movimentos estão ganhando espaço em todos os ambientes, sendo no
trabalho, transporte, arquitetura, urbanismo, segurança, previdência social
e acessibilidade em geral.
As pessoas buscam afirmação e querem ser ouvidas assim como outras
vozes das minorias, que precisam ser consideradas em uma sociedade
democrática. Infelizmente, apesar de estarem presentes e terem mostrado
suas atuações em vários aspectos da vida social, os referidos movimentos
não são ainda fortes no que diz respeito às prerrogativas educacionais, aos
processos escolares, notadamente os inclusivos.
A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
A educação inclusiva se trata de uma das grandes preocupações da
sociedade contemporânea, pois apresenta desafios que envolvem o
discurso e a ação de todos os envolvidos nessa questão, porém grande
parte dos profissionais que atuam na educação não estão aptos a assumi-
la e exercê-la. As preocupações em torno da perspectiva de educação
especial estão gerando infinitas discussões nos diversos setores da
sociedade: educadores, familiares, especialistas, gestores de políticas
públicas entre outros.
A ideia de Educação Inclusiva baseia-se na defesa de valores éticos, nos
princípios de justiça e cidadania, para todos sem distinção. Olhando por
este ângulo, pode-se dizer que inclusão é: “Um processo pelo qual a
sociedade se adapta para poder incluir em seus sistemas sociais gerais
pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se
preparam para assumir seus papéis na sociedade. Incluir é trocar, entender,
respeitar, valorizar, lutar contra a exclusão, transpor barreiras que a
sociedade criou para as pessoas. É oferecer o desenvolvimento de
autonomia, por meio da colaboração, de pensamentos e formulação de juízo
de valor, de modo a poder decidir, por si mesmo, como agir nas diferentes
circunstâncias da vida” (SASSAKI, 1997, p.123).
Partindo desse princípio, a inclusão é um movimento mais amplo que
engloba toda a sociedade, visando adaptar os espaços escolares em
9 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
ambientes que atendam a todos os alunos, sem confrontar as suas
diferenças, respeitando seu ritmo e o seu direito a uma adequação
metodológica, bem como o uso de suas múltiplas inteligências, favorecendo
assim a integração social.
O processo de inclusão é recente, já que só a partir do século XIX percebeu-
se que o “deficiente também poderia aprender”.
DEFICIÊNCIA
Deficiência é o termo usado para definir a ausência ou a disfunção de
uma estrutura psíquica, fisiológica ou anatômica. Diz respeito à atividade
exercida pela biologia da pessoa, este conceito foi definido pela Organização
Mundial de Saúde.
A expressão pessoa com deficiência pode ser aplicada referindo-se a
qualquer pessoa que vivencie uma deficiência continuamente, porém há
que se observar que em contextos legais ela é utilizada de uma forma mais
restrita e refere-se a pessoas que estão sob o amparo de uma determinada
legislação.
A convenção da Guatemala, internalizada à Constituição Brasileira pelo
Decreto nº 3.956/2001, no seu artigo 1º define deficiência como [... ] “uma
restrição física, mental ou sensorial, de natureza permanente ou transitória,
que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da
vida diária, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social”. Essa
definição ratifica a deficiência como uma situação. (SEESP/ SEED/ MEC, AEE
Deficiência Mental, 2007).
Segundo o CIDID (Classificação Internacional de Deficiências,
Incapacidades e Desvantagens), 1989 Deficiência - Perda ou irregularidade
de estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou
permanente. Incluem-se nestas, a ocorrência de uma anomalia, defeito ou
perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo,
inclusive das funções mentais. Representa a exteriorização de uma condição
patológica, refletindo um distúrbio orgânico ou uma perturbação no órgão.
Incapacidade/restrição, resultante de uma deficiência, da habilidade para
10 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
desempenhar uma atividade avaliada como normal para o ser humano.
Representa a objetivação da deficiência e reflete os distúrbios da própria
pessoa, em atividades e comportamentos da vida diária.
Desvantagens - Prejuízo para o indivíduo, resultante de uma deficiência ou
de uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de funções de
acordo com a idade, sexo, fatores sociais e culturais. É uma discordância
entre a capacidade individual de realização e as expectativas do indivíduo
ou do seu grupo social. Representa a socialização da deficiência e relaciona-
se às dificuldades nas habilidades de sobrevivência.
Segundo a Unicef, as principais causas das deficiências no Brasil são:
nutrição inadequada de mães e crianças; doenças infecciosas e ocorrências
de acontecimentos anormais nas fases pré-natais e pós-natais, além
destes, problemas sociais que são responsáveis por deficiências como
violência, acidentes, baixo nível socioeconômico, falta de conhecimentos,
uso de drogas, exclusão e abandono social.
A Organização Mundial de Saúde avalia que pelo menos 10% da população
mundial possuí algum tipo de deficiência, entre elas, visuais, auditivas,
físicas, mentais, múltiplas, transtornos globais do desenvolvimento e
superlotação/altas habilidade.
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
De acordo com o Decreto nº 5.296, a deficiência mental, atualmente
denominada como deficiência intelectual, refere-se ao "funcionamento
intelectual significativamente inferior à média, com manifestação antes dos
dezoito anos e limitações associadas a duas ou mais áreas de habilidades
adaptativas. ”. (BRASIL, 2004)
Segundo Rodrigues, 2010, as principais características da pessoa com
deficiência são: falta de concentração; entraves na comunicação e na
interação; menor capacidade para entender a lógica de funcionamento das
línguas, por não compreender a representação escrita ou necessitar de um
sistema de aprendizado diferente.
11 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
Podemos dividir os sinais apresentados pelas pessoas com deficiência
intelectual em quatro áreas:
• Área motora: se a deficiência intelectual for leve, o aluno apresentará
apenas algumas alterações na motricidade fina; já em casos mais graves,
pode apresentar dificuldades no equilíbrio, coordenação, locomoção e em
manipular objetos.
• Área cognitiva: o aluno possui mais dificuldades para se concentrar,
para memorizar e para solucionar problemas. O processo de aprendizagem
será mais lento que os colegas sem deficiências, mas pode atingir os
mesmos objetivos escolares.
• Área da comunicação: apresenta dificuldades para falar e ser
compreendido, mas este fator pode ocorrer por falta de estímulos
ambientais.
• Área sócio educacional: a diferença entre idade mental e cronológica
faz com que a capacidade de interagir socialmente diminua. Esse fato piora
quando o aluno é colocado em turmas com igual idade mental, mas é por
meio da interação com pessoas com idade cronológica igual que se
desenvolverá mais, adquirindo valores, comportamentos e atitudes de seu
grupo.
O presente documento busca compreender a maneira como se dá o
processo de aprendizagem e aquisição do conhecimento de crianças com
deficiência intelectual leve à moderada, traçando metas e estratégias que
garantam o avanço dessas crianças, respeitando seus níveis intelectuais e
tempo de aprendizagem.
POSSIBILIDADES E LIMITES
A Declaração Universal dos Direitos Humanos explicita que todos têm o
direito de participar de situações de aprendizagem e de se desenvolver
como pessoa e como membro atuante em sua comunidade, porém na
maioria das vezes, essas condições não são disponibilizadas. Sendo assim,
se observa que devido ao preconceito, falta de conscientização e descaso,
12 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
pessoas com necessidades especiais vivem num constante processo de
exclusão.
Muito se fala de direitos e necessidades, porém os obstáculos têm servido
de barreiras para colocar essas pessoas em posições muito aquém de suas
potencialidades.
Segundo aos Parâmetros Curriculares Nacionais (2001), a atual política
Nacional de Educação Especial menciona prioridades naquilo que diz
respeito ao atendimento especializado que será oferecido nas escolas para
aqueles que dele necessitar.
Observa-se que a deficiência se constitui em um obstáculo para a escola de
ensino regular, pois isso significa receber um aluno fora dos padrões da
normalidade. Sendo assim, para esse aluno significa fazer parte de um
ambiente onde se sente discriminado, vivenciando situações com muitas
barreiras, dificultando assim o seu desenvolvimento. Essas barreiras
tornam-se mais intensas quando o quadro é de deficiência mental.
A deficiência intelectual apresenta certa complexidade em seu conceito o
que acaba deixando dúvidas sobre como lidar com ela e como tratar quem
a possui. É um tipo de deficiência que não poder ser definida, constitui-se
em um inesgotável objeto de questionamentos e investigação.
Além dos inúmeros conceitos, há também profissionais que se mantêm
resistentes, criando verdadeiros obstáculos que acabam prejudicando ou
impedindo a aceitação e o atendimento do indivíduo com deficiência
intelectual. A escola é entendida como um dos mais importantes ambientes
para o favorecimento da integração cultural dos indivíduos, portanto é neste
espaço que se estabelecem várias das relações entre o indivíduo deficiente
e o restante da sociedade.
Segundo Bourdieu (1979) grande parte das competências dos indivíduos
são reconhecidas pelo sistema escolar e muitas das técnicas empregadas
para mensurar essas competências, são escolares. Nessa perspectiva, as
práticas escolares devem permitir aos alunos com deficiência aprendam a
13 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
ter seus valores reconhecidos, para que desta forma possam se desenvolver
e produzir conhecimentos de acordo com suas capacidades.
Em relação ao aprendizado e desenvolvimento, Vygotsky, 1934 diz que é
em meio a interação social que o indivíduo se desenvolve e que a
aprendizagem de qualidade é aquela que antecede ao desenvolvimento,
estando inteiramente relacionado ao contexto sócio cultural em que o
indivíduo em questão esteja inserido.
Para Vygotky, se faz necessário entender o processo de aprendizagem e
ensino através do conceito da Zona de Desenvolvimento Proximal, um
conceito elaborado por ele, que é responsável por definir a distância entre
o nível de desenvolvimento real, que se tratada capacidade de se resolver
um problema sem receber ajuda, e o nível do desenvolvimento potencial
que é a capacidade de resolver o problema com a ajuda de adulto ou a
colaboração de um companheiro mais capaz.
A colaboração do “outro” nesse processo é muito importante, desta forma,
o ambiente escolar proporciona um contexto que possibilita atividades
coletivas, as quais geralmente não ocorrem fora da escola. Assim nota-se
a importância da escola no processo de interação e aprendizagem de todas
as crianças, com ou sem deficiência.
A iniciação da criança na escola irá proporcionar à ela grandes
transformações, isso porque é neste ambiente que lhe será imposta uma
rotina diária de atividades que não são exclusivamente lúdicas e que lhe
exigirão um esforço intelectual e certo nível desenvolvimento cognitivo que
antes nas suas interações sociais de aprendizagem não lhes era cobrado.
Toda atividade realizada no ambiente escolar tem seu foco intencional, ou
seja, é planejado e executado para que a aprendizagem ocorra
efetivamente, exigindo clareza quanto aos objetivos que se quer alcançar.
Para isso são elaboradas sequências de atividades e especificação dos
reforçadores que serão utilizados, assim como a promoção de um ambiente
facilitador da aprendizagem que estimule cada educando, valorizando as
14 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
potencialidades de cada uma das crianças, inclusive daquela com algum
tipo de deficiência.
A inclusão deve ser vista como um movimento que visa corrigir uma
tradição com práticas excludentes, desta forma precisa realizar uma
reestruturação escolar em seus diferentes aspectos: conceituais,
arquitetônicos, curriculares de forma a receber todas as crianças,
independente destas apresentarem ou não limitações. O que se espera de
fato, é o ajuste e adequação dos padrões escolares de acordo com o público
que recebe.
As escolas ainda encontram dificuldades em se ajustarem às novas
situações, não só das crianças com deficiência mental, como também das
crianças que não se enquadram nos padrões ditos como “normais” para a
educação. Isso ocorre porque muitos educadores ainda não estão
preparados para receber o aluno de inclusão, o que acaba, muitas vezes,
resultando em um trabalho com práticas excludentes.
Mas o que devemos fazer para que tais práticas não ocorram dentro das
escolas?
Ao pensarmos em uma escola inclusiva, é necessário pensarmos em uma
modificação na estrutura, no funcionamento e consequentemente na
resposta educativa, fazendo com que a escola dê lugar à todas as
diferenças.
Esse trabalho só será possível na medida em que a escola promova
mudanças em seu processo de ensinar e aprender, reconhecendo e
valorizando o potencial de cada criança e o seu ritmo de aprender,
reconhecendo que todos possuem potencialidades e que estas podem e
devem ser desenvolvidas.
A escola deverá desenvolver estratégias de ensino acessíveis que
possibilitem aos alunos aprenderem e se desenvolverem adequadamente.
Para isso outro fator primordial dentro da Educação Inclusiva é a formação
do professor.
15 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
Além da formação, é importante que se instituam lugares para a integração
dos profissionais para que estes discutam suas ações, seu modo de
preparar, avaliando sua técnica pedagógica. Isso irá ampliar o saber
específico, e consequentemente irá melhorar a qualidade do ensino
oferecido na escola inclusiva.
A observação da prática de muitos profissionais tem mostrado que na
maioria dos casos o que vem ocorrendo é a inserção física dos alunos na
sala de aula regular, porém sem incluí-los de fato.
É na prática reflexiva que o professor tem a possibilidade de compreender
sua responsabilidade em respeitar as especificidades, peculiaridades e
necessidades específicas de cada aluno.
A prática inclusiva exige a cooperação entre alunos e professor, sendo que
o educador é o agente determinante nessa transformação e tem a
possibilidade de realizá-la.
PRINCIPAIS CAUSAS DA DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
CAUSAS PRÉ-NATAIS
Também conhecidas como cromossomopatias
• Síndrome de Down
Também conhecida como mongolismo ou trissomia 21 é a sua causa
pré-natal mais frequente da Deficiência Mental. Seu fenótipo, possui como
traços principais, presentes na maioria dos casos, as fácies “mongoloide”,
caracterizado pelo epicanto interno, obliquidade dos olhos para baixo,
achatamento da base do nariz, protusão lingual, orelhas pequenas de
implantação baixa; mãos curtas e largas, com prega palmar única;
separação dohálux, hipoplasia da bacia; má formação cardíaca (CIV) em
40% dos casos. Do ponto de vista neurológico, a hipotonia é o sinal maior
presente ao nascimento e responsável pelo atraso motor.
O QI varia de 25 a 60. A maioria fala e se comunica bem, porém
poucos conseguem se alfabetizar. Quando atingem a idade adulta podem
16 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
desenvolver demência do tipo Alzheimer. Sua sobrevida após a terceira
década é excepcional.
• Síndrome do X frágil
Também conhecida como Síndrome de Martin-Bell, essa síndrome foi
reconhecida recentemente. Calcula-se que sua frequência em meninos de
idade escolar seja de 0,73 por mil, e, em meninas, de 0,48 por mil.
Clinicamente, são crianças com Deficiência Mental moderada ou leve, cuja
maioria apresenta alterações somáticas sugestivas caracterizadas por face
alongada e estreita, com hipoplasia malar e prognatismo, orelhas grandes
e em abano, lábios grossos, palato ogival.
Os distúrbios da linguagem são atrasados e preservativos, e os distúrbios
de conduta com hiperatividade e comportamento autístico são
proeminentes.
• Síndrome do miado do gato
A síndrome do Miado do Gato, também conhecida como Síndrome de Cri
Du Chat é um transtorno que afeta um de cada quinze milhões de nascidos.
Mais comum em meninas do que em meninos.
Identificada pela primeira vez na França, a alteração do cromossomo
5p (região 5p15.2) recebe este nome, pois os indivíduos que a apresentam,
possuem um choro semelhante ao miado de um gato.
Esta doença pode ser detectada durante a gravidez através de teste
genético.
Os sintomas variam e podem ser mais ou menos graves, afetando seus
portadores de forma física e intelectual.
• Síndrome de Rett
A Síndrome de Rett é definida como uma desordem do desenvolvimento
neurológico relativamente rara, foi reconhecida pelo mundo no início da
década de 1980. Desde então, diversos estudos já apontaram que pode
17 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
ocorrer em qualquer grupo étnico com aproximadamente a mesma
incidência.
A prevalência da Síndrome de Rett é de uma em cada dez mil pessoas do
sexo feminino.
Durante os últimos 25 anos, os conhecimentos sobre as características
clínicas e a história natural da Síndrome de Rett evoluíram de maneira
surpreendente. Entretanto, ainda se trata de condição muito desconhecida
para segmentos sociais e científicos importantes: ainda há muitos médicos,
terapeutas e educadores que não fazem ideia do que seja a Síndrome de
Rett, e muitos dos que já ouviram falar sobre ela permanecem
relativamente desinformados sobre os avanços no conhecimento clínico e
terapêutico adquiridos especialmente nesta última década.
Síndromes biológicas poli malformativas
• Aicardi
• Miller-Dieker
• Sotos
• Prader-Willi
• Cronélia de Lange
• Rubinstein-Taybi
• Angerman (HappyPuppet)
• Neuroectodermoses
Infecções fetais
• Toxoplasmose
• Rubéola
• Sífilis
Radiações ionizantes
• Atômica
• Raios X
Intoxicações
• Álcool
• Drogas alucinógenas
18 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
• Anticonvulsionantes
Desnutrição, distúrbios hipóxicos e isquêmicos
• Síndrome da transfusão fetal
Hipotiroidismo - Proveniente da produção do hormônio T4 pela glândula
tireóide. Esse hormônio é um dos responsáveis pelo desenvolvimento do
cérebro e demais órgãos do corpo humano. Sua falta prejudica o
crescimento da criança e pode resultar em deficiência mental. Uma
reposição hormonal acompanhada por endocrinologistaà partir do 1 mês
de vida, consegue reverter esse quadro, evitando problemas desse tipo.
CAUSAS PERINATAIS
• Kienicterus
• Distúrbios hipóxico-isquêmicos - Circular de cordão, placenta prévia,
deslocamento precoce.
CAUSAS PÓS-NATAIS
• Meningites
• Encefalites
• Traumas
• Estado de mal-epiléptico
• Desidratação grave
• Fenilcetonuria -Proveniente da ausência ou diminuição da atividade
de uma enzima do fígado, responsável pelo processamento de alimentos
ricos em proteínas. Com isso os elementos que sobram intoxicam o cérebro,
provocando sérias lesões neurológicas.
CLASSIFICAÇÃO DA DEFICIÊNCIA
Há quatro níveis de deficiência intelectual. Esses níveis são classificados de
acordo com a variação do quociente de inteligência (Q.I.):
• DEFICIÊNCIA INTELECTUAL LEVE
19 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
A deficiência intelectual leve pode não ser diagnosticada até que os
indivíduos afetados ingressem na escola, pois suas aptidões sociais e
comunicativas podem ser adequadas aos anos pré-escolares.
Este grupo constitui a maior parte de pessoas com retardo mental –
aproximadamente 85%, porém à medida que crescem, os déficits
cognitivos podem diferenciá-las de outras crianças de sua idade. Embora os
indivíduos levemente deficientes sejam capazes de funções acadêmicas no
nível elementar superior e suas aptidões vocacionais sejam suficientes, para
que se sustentem, a assimilação social pode ser difícil. Dificuldades na
comunicação, baixa autoestima e dependência podem contribuir para sua
relativa falta de espontaneidade social. Na maioria dos casos, as pessoas
com deficiência intelectual leve podem atingir grau de sucesso social e
ocupacional desde que haja um ambiente de suporte.
• DEFICIÊNCIA INTELECTUAL MODERADA
A deficiência Intelectual moderada tende a ser diagnosticada mais
precocemente do que a deficiência intelectual leve, isso porque as aptidões
comunicativas se desenvolvem mais lentamente nestes indivíduos e seu
isolamento social pode se manifestar nos primeiros anos da educação do
primeiro grau.
Embora as conquistas acadêmicas, geralmente, sejam limitação ao nível
elementar mediano, as crianças moderadamente deficientes, beneficiam-se
de um atendimento individualizado. As crianças com deficiência Intelectual
moderada têm consciência de seus déficits e assim sentem-se afastadas de
seus pares e frustradas por suas limitações. Elas continuam necessitando
de um nível relativamente alto de supervisão, mas podem tornar-se
competentes em tarefas ocupacionais em ambientes de suporte. Elas
podem aprender a viajar sozinhos a locais familiares. Constitui
aproximadamente 10% da população com retardo.
• v
20 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
A deficiência intelectual severa, geralmente se evidencia nos anos da pré-
escola, já que a linguagem do indivíduo afetado é mínima e seu
desenvolvimento motor é baixo.
Algum desenvolvimento da linguagem pode ocorrer nos anos escolares, na
adolescência, se a linguagem for fraca, ocorre a evolução de formas não-
verbais de comunicação. Eles se beneficiam de apenas em uma extensão
limitada de treinamento em coisas como o alfabeto e contas simples. Eles
podem ser ensinados a identificar palavras como homens, mulheres, ônibus
e parada, por exemplo. A incapacidade de articularem plenamente suas
necessidades pode reforçar os meios corporais de comunicação. Os
enfoques comportamentais podem ajudar a promover algum grau de
cuidados pessoais, embora os indivíduos com retardo mental severo
geralmente necessitem de supervisão extensa. Este grupo constitui 3 a 4%
da população com retardo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inclusão exige uma transformação da cultura pedagógica à fim de
promover o desenvolvimento das potencialidades e a valorização das
diferenças dos alunos envolvidos no processo educativo.
O processo de inclusão dos alunos com deficiência desencadeou
importantes discussões sobre a qualidade do ensino ofertada, não só para
indivíduos deficientes, mas para todos os envolvidos no processo de
ensino/aprendizagem.
Para que haja inclusão de fato, é essencial que as práticas propiciem o
desenvolvimento cognitivo de todos dentro das suas competências e
habilidades.
A criança com deficiência intelectual encontra diversas barreiras no
processo de escolarização. Estas vão desde a aceitação, até a dificuldade
para realizar tarefas que para os demais são simples, desta forma cabe à
escola e seus membros (gestores, professores e funcionários) auxiliarem a
mesma no processo de inclusão. O sucesso do aluno com deficiência
intelectual dependerá do trabalho realizado pela escola.
21 Artigo: DIFICULDADE DE ACEITAÇÃO PELO PROFESSOR DO ALUNO COM TEA. Págs. 03 - 21 Silva, Carolina Marcondes
O indivíduo com deficiência deverá ser estimulado através de atividades
acessíveis, tendo o professor como mediador de suas aprendizagens, pois
apesar de levar mais tempo para aprender é capaz de adquirir habilidades
intelectuais e sociais.
A escola deverá estar preparada para receber este aluno, estimulando-o e
respeitando o seu ritmo de aprendizagem.
Diante de todo o estudo realizado, conclui-se que embora a inclusão tenha
um grande caminho a percorrer, muitas escolas têm procurado realizar um
trabalho com carinho e responsabilidade, valorizando as competências e
habilidades do indivíduo com deficiência.
REFERÊNCIAS
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FERREIRA, Windyz B. Educação Inclusiva: Será que sou a favor ou contra
uma escola de qualidade para todos? Revista da Educação Especial - Out/2005, Nº 40.
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para todos no século XXI. Revista da Educação Especial - Out/2005, Nº 07.
SASSAKI, Romeu Kazumi. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 3. ed. Rio de Janeiro: WVA, 1997.
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MANTOAN, Maria Tereza Égler; QUEVEDO, Antonio Augusto Fasolo e de
Oliveira; José Raimundo (Org.). Mobilidade, Comunicação e Educação: desafios à acessibilidade. Rio de Janeiro: WVA Editora, 1999.
MANTOAN, Maria Tereza Égler; MARQUES, Carlos Alberto. A integração de
pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre o tema. São Paulo: Ed. SENAC, 1997.
22 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Evelin Tatiane Silva Zan2
RESUMO
Alfabetização e o letramento na Educação Infantil: uma perspectiva de
aprendizagem. Embasando no método qualitativo dos professores que
atuam na área da Educação Infantil. Introduzir as práticas de alfabetização
e letramento no contexto infantil contribuirá para o desenvolvimento
integral da criança, facilitando também para seu aprendizado nas séries
iniciais do ensino fundamental. No que se referem à aprendizagem da
linguagem escrita, os quais pressupõem interação entre sujeitos de uma
cultura letrada e requerem uma ação intencional e planejada. Foi em função
disso que a sociedade delegou à escola o papel de ensiná-la e, hoje,
reconhece-se a possibilidade de trabalhar o processo de construção dessa
linguagem desde a Educação Infantil.
O processo de aprendizagem nessa etapa da Educação Básica se amplia, na
medida em que são trabalhados, de modo intencional, os processos de
produção e leitura de textos. Ao mesmo tempo em que constroem o sistema
alfabético de escrita, as crianças vão se apropriando dos aspectos gráficos
dessa linguagem, isto é, das letras, do uso de maiúsculas e minúsculas, da
pontuação, da segmentação e da orientação da escrita. Dessa forma, a
alfabetização e letramento são processos que caminham juntos, esse
trabalho, em específico, buscou um repensar da aquisição da língua escrita,
baseado no alfabetizar letrando.
Palavras chave: Alfabetização. Letramento. Educação Infantil.
INTRODUÇÃO
Os primeiros estudos sobre desenho das crianças datam do final do século
XIX e estão fundados nas concepções psicológicas e estéticas da
época. São os psicólogos e os artistas que descobrem a originalidade dos
desenhos infantis e publicam as primeiras 'notas' e 'observações' sobre o
2 Evelin Tatiane Silva Zan do Curso de Alfabetização e Letramento, [email protected]
23 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
assunto. Como escreveu o famoso pintor Pablo Picasso em relação às suas
observações sobre o desenho infantil: Quando criança, eu desenhava como
Rafael. À medida que fiquei mais velho, passei a desenhar como criança.
De certa forma eles transpuseram para o domínio do grafismo a descoberta
fundamental de Jean Jacques Rousseau sobre a maneira própria de ver e
de pensar da criança. As concepções relativas a infância modificaram-se
progressivamente. A descoberta de leis próprias da psique infantil, a
demonstração da originalidade de seu desenvolvimento, levaram a admitir
a especificidade desse universo.
Mesmo que a alfabetização seja um processo que só se inicia oficialmente
no primeiro ano do ensino fundamental, suas bases são lançadas bem antes
disso, pois desde que nasce a criança está exposta às práticas sociais da
leitura e escrita, grande contribuições em inserir esse processo desde cedo
na vida das crianças na faixa etária de 0 a 6 anos. De acordo com Magda
Soares (2009), a alfabetização e o letramento devem ter sua presença na
Educação Infantil. Os pequenos, antes mesmo do ensino fundamental,
devem ter acesso tanto a atividades de introdução ao sistema alfabético e
suas convenções – a alfabetização, como também práticas sociais de uso
da leitura e da escrita – o letramento.
Durante muito tempo, a educação infantil restringiu o contato das crianças
com a escrita, acreditando que se tratava de uma atividade escolarizada,
mais pertinente às crianças maiores e não as pequenas que ainda
precisavam brincar.
Atualmente, já se reconhece que, assim como tudo que está em seu
entorno, as crianças notam a presença da escrita e se interessam por
desvendá-la. Cabe aos professores, cuidar para que o contato com a escrita
seja prazeroso, desafiador, encantador, mantendo aceso o desejo da
criança de aprender a escrever.
Até pouco tempo atrás, essa era uma tarefa difícil de realizar. Os antigos
métodos de alfabetização, baseados em práticas de prontidão em exercícios
repetitivos de coordenação motora estavam muito presentes nas
24 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
representações dos professores e, em muitos casos, eram os únicos
recursos conhecidos.
Ainda hoje, essa é uma realidade em muitas regiões do país. Tais métodos,
apesar de populares, são inconvenientes porque afastam as crianças de um
contato significativo com as manifestações socialmente aceitas da escrita,
e enfatizam a decodificação de escrito, mas não a significação, a
compreensão e fruição da linguagem que se usa para escrever.
Apesar das divergências metodológicas dos teóricos da área, existe certo
consenso sobre o fato de que a aprendizagem da linguagem escrita não
depende de um amadurecimento psicológico ou biológico, mas sim, de
complexos processos de construção de conhecimentos ancorados nas
oportunidades sociais que as crianças possam ter com a escrita.
Atualmente, não se defende qualquer método de alfabetização, mas sim
uma abordagem que trabalhe diversas práticas sociais de leitura e escrita,
que trate as manifestações de nossa língua em sua complexidade e não da
decodificação de sinais simples.
A alfabetização e o letramento são apresentados como etapa muito
importante na educação infantil, pois o processo de construção da base
alfabética durante o qual as crianças formulam e reformulam hipóteses,
construindo explicações sobre o que a escrita representa e como ela é
representada, elas vão se apropriando da dimensão sonora da escrita,
percebendo a relação entre o que falamos e o que escrevemos,
desenvolvendo passo a passo a capacidade de representação alfabética e
aproximando-se progressivamente das convenções ortográficas com suas
regularidades e irregularidades.
A importância de introduzir as práticas de alfabetização e letramento na
primeira fase da criança na escola, pois desde o seu nascimento a criança
interage com os signos, figuras, letras, números e tudo que possa ter um
significado para a linguagem escrita. E a educação infantil, apesar de ser
uma fase na qual predomina a oralidade, torna-se uma etapa fundamental
para a alfabetização e letramento, na qual as crianças possam vivenciar
25 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
práticas que integrem conhecimentos construídos por elas no âmbito da
oralidade e da escrita.
A EDUCAÇÃO NO BRASIL
Segundo Kuhlmann (2000), as primeiras instituições dedicadas às crianças
pequenas no Brasil, fossem elas destinadas a crianças das camadas
abastadas ou de famílias com poucos recursos financeiros, possuíam um
projeto educacional. Para as crianças das classes populares, concepção
formulada no início do século XX, previa-se um atendimento sem grandes
investimentos financeiros. Configurou-se, assim, para as crianças das
classes mais pobres, uma educação assistencialista, uma pedagogia da
submissão, para a qual o atendimento à criança era entendido como uma
dádiva, e não como um direito. A atenção à criança era vista como uma
estratégia para reduzir conflitos sociais ocasionados pelas precárias
condições de vida.
Essa concepção assistencialista predominou no atendimento oferecido
pelas instituições de Educação Infantil, relacionando-o à ideia de proteção,
higiene e saúde. O atendimento era realizado por órgãos do governo,
vinculados à Saúde ou à Assistência Social ou, em menor proporção, por
empresas que se propunham a atender os filhos das trabalhadoras e o
faziam desde o berçário, como em São Paulo, em 1920. Kramer (2006)
esclarece que a criação destas instituições foi constante, contudo, Saúde,
Assistência e Educação não se articularam ao longo da história, e nenhuma
destas esferas considerou-se responsável efetivamente pelo atendimento à
criança.
Além da diferença do atendimento de acordo com a classe social, Kuhlmann
(2000) ressalta que houve direcionamentos diferentes também para o
atendimento segundo a idade das crianças. Para aquelas de zero a três anos
de idade, o atendimento vinculava-se aos órgãos de Saúde e de Assistência,
cujas instituições eram denominadas creches. O atendimento das crianças
de quatro a seis anos estava ligado ao sistema educacional, sendo as
26 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
crianças atendidas nos Jardins de Infância, inspirados pela pedagogia de
Fröebel.
Estes atendimentos cresceram de forma lenta, tiveram nomenclaturas
diferentes (creche, maternal, jardim de infância, pré-escola) e aos poucos
se modificaram. Na trajetória histórica da Educação Infantil, no Brasil, é
possível constatar que esta lentidão no processo de expansão persistiu até
meados dos anos 70, quando, tendo como contexto histórico o Regime
Militar, a Educação Infantil brasileira passa a vivenciar profundas
transformações.
Naquele momento, o governo brasileiro não podia mais desconsiderar a
camada mais pobre frente ao desenvolvimento que o país passava a
vivenciar com o Milagre Econômico. O fracasso escolar das crianças
oriundas das camadas populares no Primeiro Grau não seria condizente com
o desenvolvimento do país.
Para sanar as questões relacionadas a este fracasso, atribuindo
supostamente às “deficiências” de origem cultural e à “inexperiência” das
crianças, seria preciso criar estratégias e políticas compensatórias, desde
os primeiros anos de escolarização, acreditando que assim ocorreria uma
democratização do ensino. Essa política ficou conhecida como Educação
Compensatória (KRAMER,1982).
A Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura
(Unesco), o Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) e a
Organização Mundial da Saúde (OMS) influenciavam nas políticas sociais
dos países pobres, exigindo que essas fossem de baixo custo.
O Unicef, inicialmente, envolveu-se em projetos educacionais e,
posteriormente, passou a se ocupar da criança como um todo voltando sua
atenção para a educação pré- escolar. Em 1965, este órgão promoveu a
Conferência Latino-Americana sobre a Infância e a Juventude no
Desenvolvimento Nacional, já trazendo a ideia de simplificar as exigências
básicas para uma instituição educacional e implantar um modelo de baixo
custo, apoiado na ideologia do desenvolvimento da comunidade, que
27 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
influenciou a elaboração do Plano de Assistência do Pré-escolar, do
Departamento Nacional da Criança – DNCr – de 1967.
As orientações que guiaram as propostas de pré-escola de massa,
elaboradas pelo Ministério da Educação e Cultura – MEC – formuladas
durante a década de 70 e 80, encontram-se nesse Plano de Assistência do
Pré-escolar. Trata-se de uma política de assistência ao pré-escolar que não
possuía recursos orçamentários específicos e se apoiava no trabalho
voluntário, na cessão de espaços, baseando-se na participação comunitária.
É sob esta influência que a educação da criança pequena começa a receber
a atenção do poder público. Ações, programas e projetos que marcaram o
processo de expansão da pré- escola indicam, de acordo com Rosemberg
(1992), a opção dos órgãos governamentais por programas de cunho
compensatório e de massas. Assim, em 1974, há a publicação do parecer
n. 2.018/74, do Conselho Federal de Educação (CFE); a criação, em 1978,
do Serviço de Educação Pré-escolar (Sepre) subordinado ao MEC,
transformado, no ano seguinte, em Coordenadoria de Educação Pré-Escolar
( Coepre); a publicação do Programa Educação Pré- Escolar: Uma Nova
Perspectiva, em 1975; a realização do Primeiro Encontro de Coordenadores
de Educação Pré-Escolar, em Brasília, nesse mesmo ano, e a implantação
do projeto Casulo, em 1977, pela Legião Brasileira de Assistência – LBA. A
proposta do MEC de 1975 tornou-se o modelo nacional de atenção ao pré-
escolar até a Nova República, inspirando, por meio dos ideais difundidos, a
criação do projeto Casulo, primeiro programa brasileiro de Educação Infantil
de massa desenvolvido pela LBA.
A partir dos anos 80, muitas críticas eram feitas a esse modelo, que
considerava a educação pré-escolar como solução para os problemas das
crianças pobres e, portanto, como estratégia para recuperar déficits
cognitivos, afetivos e sociais. Estas críticas direcionavam-se para o fato de
que estes programas, com esta perspectiva, em vez de beneficiarem as
crianças pobres, estavam marginalizando-as e discriminando-as. As várias
manifestações isoladas foram ganhando força até se tornarem expressão
28 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
dos movimentos sociais, como, por exemplo, o Movimento de Luta por
Creches – MLPC–, criado oficialmente em 1979. Tratava-se de um
movimento social composto por grupos políticos que se opunham à Ditadura
Militar. As reivindicações incorporadas pelo MLPC, de acordo com Kulhmann
(2000), faziam parte do processo de redemocratização do Brasil.
Para responder a estas críticas houve alterações das propostas do MEC por
meio do Programa Nacional de Educação Pré-Escolar, 1981, que estabelecia
as diretrizes, prioridades, metas, estratégias e um plano de ação voltado
para as crianças em idade pré-escolar. De acordo com essas diretrizes, a
função da pré-escola não seria preparar para a escolarização posterior, mas
sim possibilitar o desenvolvimento global e harmônico da criança,
respeitando suas características físicas e biológicas, de acordo com sua
idade, cultura e comunidade. Isto ajudaria a superar os problemas da falta
de recursos da família, contribuindo para que as crianças apresentassem
melhor resultado na escola. Várias críticas foram feitas ao Programa
Nacional de Educação Pré-escolar. A função compensatória era substituída
por uma função de “curar males sociais”, deixando de fora a discussão do
que seria uma educação capaz de contribuir de fato para o processo
educativo da criança.
Somente na década de 80, o MEC passa a ter ações mais incisivas na
educação pré- escolar. Em 1981, o Movimento Brasileiro de Alfabetização
(Mobral), instituição voltada para alfabetização e educação continuada de
adolescentes e adultos, passou a integrar o Programa Nacional de Educação
Pré-escolar. O Programa Nacional de Educação Pré-escolar do Mobral
expandiu-se, tornando-se responsável, em 1982, por 50% do atendimento
pré-escolar na rede pública. Após sua extinção, em 1985, o programa foi
transferido para a Secretaria de Ensino de 1º e 2º graus do MEC. Dois anos
depois, para a Secretaria de Educação Básica do MEC (SEB/MEC), que
manteve as metas estabelecendo convênios com as prefeituras para
continuar o atendimento.
29 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
Além desse programa, outros foram considerados importantes para a
década de 1980: O Programa de Capacitação de Professoras de Educação
Pré-escolar (Proepre), o programa Zero a Seis, o Primeiro Mundo, produzido
pela fundação Roberto Marinho em convênio com o MEC, que abordava
assuntos de cuidados e a educação da criança; o programa Primeiro a
Criança, em 1986, que era restrito à assistência e à alimentação, sob a
responsabilidade da LBA.
A educação de zero a seis anos começou a ser reconhecida e ampliada.
Alguns fatores impulsionaram a crescente demanda da população pelo
atendimento educacional da criança pequena como:– mudanças no modelo
econômico brasileiro que demandava mão de obra qualificada;– a busca
da creche e pré-escola pelos pais como uma alternativa para minimizar a
carência de alimentação surgida pela crise de desemprego;– o aumento da
participação da mulher no mercado de trabalho;– o reconhecimento pela
sociedade da importância das primeiras experiências para o
desenvolvimento da criança; e a colaboração de estudos científicos de
várias áreas do conhecimento, mostrando que as crianças, nos primeiros
anos de vida, passam por processo rico de crescimento cognitivo e
emocional.
Por outro lado, os movimentos socialistas e feministas, na segunda metade
da década de 70 e início da década de 80, impulsionavam a maior inserção
de mulheres no mercado de trabalho, trazendo, cada vez mais, a
necessidade de equipamentos que atendessem seus filhos. Surgia, deste
modo, uma outra dimensão para a necessidade da educação, que se
vinculava à forma de garantir às mães o direito ao trabalho. “A luta pela
pré-escola pública, democrática e popular se confundia com a luta pela
transformação política e social mais ampla” (KUHLMANN, 2000, p.11).
Outro fator importante é que a incorporação das mulheres da classe média
ao setor trabalhista fez com que também passassem a demandar as
instituições educacionais para os seus filhos. Consequentemente, a visão
30 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
de atendimento educacional deixava de ser exclusividade para as classes
pobres, dando lugar a novas formas de pensar a Educação Infantil.
Ao longo dos anos seguintes, os discursos sobre a necessidade de
instituições educacionais que atendessem às crianças pequenas se
diversificaram. A luta deixou de ser exclusivamente das mães que
precisavam trabalhar, passando a ser uma luta pelo direito da criança de
zero a seis anos a uma educação de qualidade.
Em resposta às reivindicações dos movimentos sociais e à crescente
necessidade de atender aos direitos das crianças, ressaltados por
intelectuais e militantes, a educação de zero as seis anos, em 1988, com a
promulgação da Constituição Federal, passa a assumir um caráter
educacional para todos, independente de sua classe social.
Os direitos atribuídos às crianças pela Constituição Federal de 1988 vão ser
reafirmados pouco depois pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em
1990, e, alguns anos mais tarde, pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação,
em 1996 (LDB/9394/96), que atribuiu à Educação Infantil o status de
primeira etapa da educação básica. Este foi outro momento bastante
significativo para a superação do caráter de atendimento assistencialista ou
compensatório para as crianças de zero a seis anos e a afirmação da ideia
de Educação como um direito para todas elas. A Educação Infantil passou
a ser vista como essencial para atender às especificidades do
desenvolvimento das crianças, reforçando o caráter educacional.
Tal concepção, embora não tenha se materializado em todo contexto social
brasileiro de forma a superar completamente a visão assistencialista na
educação destinada às camadas populares, trouxe avanços significativos
com a incorporação da Educação Infantil ao Sistema Educacional. A partir
dessas mudanças consagradas na legislação, novas demandas tornaram-se
evidentes, dentre as quais Kramer (2006) aponta: a formulação de políticas
de formação de profissionais, as orientações curriculares, a definição de
critérios de qualidade, a discussão sobre a concepção de infância e de direito
da criança, a ampliação da oferta com qualidade, o debate sobre o
31 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
financiamento com a inclusão das creches e pré-escolas no Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb), a articulação de políticas de Educação
Infantil com políticas sociais, as formas de estruturação da Educação
Infantil no âmbito da educação básica e sua articulação com o Ensino
Fundamental, a organização escolar e da Educação Infantil em diferentes
contextos municipais e diferentes formas de avaliações.
O conhecimento científico, a arte e a vida cotidiana fazem parte da
Educação entendida como prática social. Sendo a criança sujeito da história
e da cultura, ela tem direito de se inserir nesta prática e vivenciar os bens
que nela estão incluídos, de forma completa, sem fragmentações.
Considerar a criança a partir desta perspectiva significa proporcionar-lhe
participar da experiência cultural que, para Kramer (2006), é o que articula
a Educação Infantil ao Ensino Fundamental. Uma das formas de
proporcionar esta participação é garantir às crianças o direito de apropriar-
se da linguagem escrita como um bem cultural. Como ressalta Baptista
(2013a), publicações acadêmicas (Kramer, 2010; Baptista, 2010; Brandão
e Rosa, 2010; Baptista, 2011) vêm discutindo a temática da alfabetização
e do letramento na Educação Infantil, no contexto atual, no qual a Educação
Infantil parece assumir um papel de destaque no ensino e na aprendizagem
da linguagem escrita.
ANTECEDENTES HISTÓRICOS E DISCUSSÃO TEÓRICA
A discussão sobre as dificuldades da escola para dar conta de alfabetizar de
modo íntegro a população brasileira envolve muitas questões, como tem
sido apontado em muitos estudos – questões políticas, culturais, sociais,
históricas, entre outras origens.
A discussão se situa principalmente desde o final do século XIX e no interior
dessa discussão a questão do método de alfabetização sempre se fez
presente, trazendo à tona o debate sobre o papel que a análise da língua
em unidades linguísticas ocupa no processo de alfabetização, quem realiza
tal análise, o que é ou deve ser analisado e de que modo. Este debate tem
32 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
gerado estudos, propostas e metodologias de alfabetização, e também
divergências.
A discussão tem sido contínua, incorporando novos conhecimentos de
diferentes áreas de estudo desenvolvidos especialmente a partir da década
de oitenta do século passado. Tais conhecimentos têm possibilitado uma
discussão muito mais qualificada do tema, levando-nos à compreensão e
explicação de muitos aspectos, fatos e fenômenos tradicionalmente
recorrentes no processo de alfabetização, além de ter-nos revelado
aspectos desconhecidos e redimensionado facetas até então pouco
destacadas. Não temos dúvida da relevância dos estudos linguísticos,
principalmente descrevendo a língua, para a compreensão da sua estrutura,
de seus princípios e da relação entre oralidade e escrita.
Sabemos, entretanto, que a análise da língua realizada pela criança para
aprendê-la não é a de um pequeno linguista, como se chegou a pensar no
desenvolvimento de estudos da aquisição da linguagem oral. Muitos dos
estudos estruturais de descrição linguística são criticados inclusive por
terem “esquecido” o processador da língua, o sujeito falante.
A consciência fonológica das crianças, por sua vez, tem sido examinada e
medida, antes e durante o percurso do processo de alfabetização, o que
tem levado alguns autores a destacá-la como fator necessário para a
aprendizagem da escrita. Entendemos de acordo com estudos realizados,
que são muitas as janelas linguístico-discursivas que se abrem para as
crianças no processo de aprender a ler e a escrever. Algumas crianças são
mais sensíveis a palavras e textos, como um todo, e outras, mais sensíveis
a fonemas ou sílabas, e mesmo a letras.
Entendemos que a consciência fonológica, outro ponto de estudo e de
divergência entre estudiosos do assunto, se desenvolva no percurso da
aprendizagem da linguagem escrita, isto é, como um produto deste
processo, e não precisa ser tomada como condição para a aprendizagem
em questão. Dois outros aspectos se destacam de estudos sobre a escrita
33 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
e do seu ensino, considerando o contexto das reflexões e preocupações
acima.
O primeiro se refere à língua escrita estudada e trabalhada como uma
transcrição do oral. Segundo a linguista Ruth Monserrat (1986), a maioria
dos alfabetos “fonêmicos” atuais – tanto os das línguas com longa tradição
escrita, como os das com escrita recente – são uma mescla de símbolos
fonêmicos, morfofonêmicos e até logográficos. Em outras palavras, a
essência atual da escrita no mundo tem caráter em grande medida
convencional, embora ela tenha tido origem na representação parcial da
fala.
O segundo aspecto se relaciona à sintaxe da língua escrita, ao léxico e aos
conjuntos de sinais que contribuem para o sentido do texto, como sinais de
pontuação e de acentuação, marcadores de paragrafação, de divisão das
palavras em final de linha e também a disposição gráfica do texto, ainda
que consideremos a relação oralidade-escrita como um complexo
continuum. Estes dois aspectos nos sugerem a necessidade de
intensificação da pesquisa nesta área e a possibilidade de pensarmos em
algumas revisões nos modos de alfabetizar. Além disso, uma questão que
teima em permanecer, e que tem preocupado permanentemente, é a
dislexia sígnica que tem se produzido em uma parcela imensa da população
brasileira (Pacheco, 1998) que é agravada pela apresentação da linguagem
escrita como um simulacro, revelando um trabalho alfabetizador isolado das
tensões discursivas e da historicidade, existentes em qualquer processo e
qualquer texto.
Os alunos são considerados alfabetizados pela escola, mas, no entanto, não
modificam, ou modificam muito pouco, a sua condição de pertencimento à
sociedade letrada. Essa incapacidade gera nos alunos sentimentos de
incompetência e de impotência que reforçam a sua “desqualificação” social
(MOYSES, 1985). Na perspectiva apontada, a noção de letramento tem se
mostrado significativa. Partimos do princípio, como postula Soares (2003),
34 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
que os processos de alfabetização e de letramento são distintos, mas
interdependentes e indissociáveis.
Ler e escrever são atividades altamente complexas que envolvem o
conhecimento de linguagens sociais, que historicamente e culturalmente
foram se organizando oralmente e por escrito, por meio de recursos
expressivos, como modos de dizer os conhecimentos das diferentes esferas
sociais criadas pelo homem. As linguagens sociais apresentam os
conhecimentos das esferas de conhecimento com sintaxes e repertórios
lexicais que as caracterizam, associadas a gêneros do discurso que foram
se elaborando para dar conta das necessidades humanas nas situações
sociais.
Ensinar, pois, a linguagem escrita sem considerar tais aspectos é perder
suas características vitais, sem as quais a linguagem perde seu vigor
político, sua abertura a múltiplos sentidos, sua atmosfera de campo aberto
à entrada e saída de sujeitos, espaço de liberdade e de constrição que é.
As linguagens sociais ligadas às esferas sociais do conhecimento nos dizem
das muitas possibilidades que temos de olhar para o mundo, são
perspectivas sociais; e os gêneros do discurso são formas de ação social
nesse mundo, nessa realidade.
Ampliam, portanto, nossas possibilidades discursivas, ampliando nossas
possibilidades de participar de forma mais ativa e compreensiva da
sociedade. Diante do exposto, com base em Lemos (1988, p.10),
procuramos entender o acesso das crianças a textos escritos, a portadores
de textos e a situações em que os textos são produzidos, ou seja,
consideramos nós, ao contexto de produção, funcionamento e valores da
linguagem escrita, observando na prática pedagógica da creche de que
modo práticas discursivas orais, e, portanto, interpretáveis pela criança,
permeiam as atividades atravessadas pela escrita, oferecendo a ela lugares
e modos de participação.
Os estudos de Olson e Astington (1990), por sua vez, nos levam a
compreender que o letramento deve ser interpretado como algo mais geral
35 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
do que a competência para a escrita: ser letrado é ser competente para
participar de uma determinada forma de discurso, sabendo-se ou não ler e
escrever. Uma outra compreensão se relaciona ao fato de que a
escolarização parece fornecer competência para falar sobre o falar, sobre
questões, sobre respostas, isto é, a competência de uma metalinguagem.
Os dois autores concluem, com base em trabalhos também de outros
autores, que as consequências cognitivas do letramento estão ligadas ao
envolvimento em uma cultura letrada e não diretamente às habilidades de
leitura e escrita.
ALFABETIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Embora a alfabetização não seja uma exigência de aprendizagem da
educação Infantil, observamos com Vygotsky (1991) que o ensino da
linguagem escrita pode ter lugar, desde a pré-escola, e que se respeite todo
o processo de desenvolvimento pelo qual cada criança deve passar. O
importante na aquisição da linguagem escrita é que ela seja percebida como
algo importante e necessário pela criança. Essa é a primeira conclusão a
que o autor chega, “[...] a leitura e a escrita devem ser algo de que a criança
necessite.” (id, p.156) e que sejam percebidos como algo relevante para
sua vida. Para entender melhor o conceito de alfabetização, vejamos o que
afirma Soares (2003, p. 15):
[...] o termo alfabetização designa tanto o processo de aquisição
da língua escrita quanto o de seu desenvolvimento:
etimologicamente, o termo alfabetização não ultrapassa o
significado de “levar à aquisição do alfabeto”, ou seja, ensinar o
código da língua escrita, ensinar as habilidades de ler e escrever;
[...] alfabetização em seu sentido próprio, específico: processo de
aquisição de código escrito, das habilidades de leitura e escrita.
[Grifo no Original]
Assim, para a autora, alfabetizada é a pessoa que aprende a ler e escrever,
mesmo que não faça uso das mesmas, ou seja, não incorporam à sua vida
a prática da leitura e da escrita. Do ponto de vista de Soares, as atividades
do cotidiano escolar da educação infantil como os rabiscos, os desenhos, os
jogos, as brincadeiras de faz-de-conta, não são consideradas atividades de
alfabetização, mas na verdade já faz parte desse processo.
36 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
A fase inicial da aprendizagem da língua escrita, constituindo,
segundo Vygotsky, a pré-história da linguagem escrita: quando
atribui a rabiscos e desenhos ou a objetos a função de signos, a
criança está descobrindo sistemas de representação, precursores e
facilitadores da compreensão do sistema de representação que é a
língua escrita. (Soares, 2009, p.8)
Constatamos, desse modo, que é a partir dos rabiscos ou desenhos
realizados pelas crianças, ou seja, aquilo que elas se apropriam são
símbolos que mais adiante são transformados em letras para representar à
escrita.
Ainda, segundo Vygotsky, “as vivências de representações semióticas, não
propriamente linguísticas, é um primeiro passo em direção à representação
da cadeia sonora da fala pela forma gráfica da escrita” (Soares, 2009, p.8).
A fase citada acima pode ser comparada como a pré-história da escrita onde
às crianças supõem estar escrevendo quando na verdade estão rabiscando
ou imitando a escrita dos adultos, isso significa um avanço no processo de
alfabetização, um reconhecimento da natureza arbitrária da escrita. É o
primeiro nível, entre os níveis por que passam as crianças em seu processo
de conceptualização do sistema alfabético, identificados tão claramente por
Emília Ferreiro e Ana Teberosky (2001): níveis icônicos e da garatuja, pré-
silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético. Conforme Soares
(2009), quase todos esses níveis podem ocorrer na educação infantil.
As pesquisadoras Emília Ferreiro e Ana Teberosky (2001), identificaram os
níveis investigando comportamentos de crianças de 4, 5 e 6 anos, e nesses
estudos comprovaram que sendo bem orientadas e incentivadas por meio
de atividades adequadas e de natureza lúdica, evoluem rapidamente em
direção ao nível alfabético. De acordo com Piaget, o processo de
desenvolvimento de determinadas habilidades motoras e intelectuais se dá
através de estágios: “um estágio comporta ao mesmo tempo um nível de
preparação, por um lado, e de acabamento, por outro [...] é necessário
distinguir, em toda a sucessão de estágios, de processos de formação ou
de gênese e as formas de equilíbrio finais [...].” (PIAGET, 1973b, p. 52).
Piaget fala sobre a teoria do desenvolvimento da criança, onde descreve
quatro estágios, que ele próprio chama de fases de transição (PIAGET,
37 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
1975). São eles: Sensório-motor (0 – 2 anos); Pré-operatório (2 – 7, 8
anos); Operatório-concreto (8 – 11 anos); operatório – formal (8 – 14
anos). De uma forma geral, todos os indivíduos vivenciam essas quatro
fases na mesma ordem, porém, cada pessoa tem seu tempo e sua
maturação para iniciar e terminar cada uma dessas fases. Por isso, a
classificação das faixas etárias não pode ser considerada regra.
Assim, cada estágio por qual a criança passa constitui-se em formas
particulares de equilíbrio, caracterizam-se por uma sucessão constante de
aquisições, sendo sua ordem cronológica bastante variável, pois esta
depende da experiência anterior do sujeito, do meio social, que pode
acelerar ou retardar o aparecimento de um estágio, e não somente da sua
maturação biológica.
As pesquisas realizadas por Emília Ferreiro indicam que cada sujeito, no
processo de construção da escrita, parece refazer o caminho percorrido pela
humanidade, qual seja: Pictográfica: forma de escrita mais antiga que
permitia representar só os objetos que podiam ser desenhados: desenho
do próprio objeto para representar a palavra solicitada. Ideográfica:
consistia no uso de um simples sinal ou marca para representar uma palavra
ou conceito: uso de símbolos diferentes para representar palavras
diferentes. Logográfica: escrita constituída por desenhos, referentes ao
nome dos objetos e não ao objeto em si.
Assim como as primeiras civilizações faziam inscrições na pedra e a
"escrita" representava o próprio objeto, para Ferreiro citada por Ribeiro
(2007), a criança associa o significante ao significado. Sendo assim,
considerando a escrita como sistema de representação, a autora observa
que [...] quando uma criança começa a escrever, produz traços visíveis
sobre o papel, e além disso, e fundamentalmente, põe em jogo suas
hipóteses acerca do significado mesmo da representação gráfica. (RIBEIRO,
2007, p. 40)
Na pesquisa realizada por Emília Ferreiro e Ana teberosky (1999) sobre a
aquisição do sistema de escrita, concluiu que havia níveis nesse
38 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
desenvolvimento. Os níveis descritos pelas autoras são: pré-silábico,
silábico, silábico-alfabético e alfabético.
O nível Pré-silábico I, em m que a criança acredita que escrever é
reproduzir ou imitar os traços da escrita do adulto. Nesta etapa a criança
pode ter a intenção de produzir marcas diferenciando desenhos de letras ou
outros códigos, mas sua escrita ainda não pode funcionar como um veículo
informativo. E Pré-silábico II. Se a forma básica de escrita que a criança
tem contato for letra de imprensa, fará rabiscos separados, com linhas retas
e curvas; se for letra cursiva fará rabiscos ondulados.
No nível pré-silábico II a criança já usa letras ou criam pseudoletras, quando
ainda não dominam as letras convencionais do nosso alfabeto para
escreverem algo. A criança pensa que é possível ler nomes diferentes com
grafias iguais; Posteriormente a criança nega esta sua hipótese, porque
acredita que, para ler nomes diferentes, eles devem ser escritos com letras
diferentes.
Ainda de acordo com Ferreiro e Teberosky (1999), a criança passa por uma
fase em que ocorre o que denomina eixo quantitativo da escrita. A criança,
de um modo geral, exige um mínimo de três letras para o escrito ser uma
palavra. As palavras como pé, sol, rua, lar e outras, segundo ela não
poderão ser lidas porque tem poucas letras. São rejeitadas, em função do
critério interno de quantidade. O adulto que, normalmente, lê artigos,
preposições, conjunções e outros, jamais suspeitariam desse critério que a
criança utiliza. Daí a ênfase de Emília Ferreiro no sentido de que o processo
de alfabetização tem que ser visto do ponto de vista de quem aprende
(aluno) e não daquele que ensina (professor). Segundo as autoras, a
criança pode vir a passar por momentos onde afirmam que para que se
possa ler ou escrever uma palavra, torna-se necessário, também, variedade
de caracteres gráficos. As palavras que possuem letras iguais são também
rejeitadas. A criança acredita que "não servem para ler". De acordo com
este critério de variedade, para possibilitar a leitura, é preciso haver letras
variadas nas palavras.
39 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
Outro ponto a ressaltar, é que numa determinada fase, a criança não separa
letras de números. Costuma, às vezes, escrever colocando numerais junto
às letras, já que ambos envolvem linhas retas e curvas. A característica
observada é que a criança acredita que os nomes das pessoas, animais ou
objetos devem ter nomes grandes. Por conseguinte, as coisas pequenas
terão nomes pequenos. É o que chamamos de realismo nominal lógico.
Posteriormente as formas gráficas adquirem maior proximidade com as
letras convencionais. As crianças interagem com outros sistemas
notacionais, como por exemplo, os números fazendo distinção entre os
símbolos (letras) que são usadas na escrita de outras formas de produção
(desenhos, números, placas e outros)
No nível silábico, a criança começa a escrever como uma produção
controlada pela segmentação silábica da palavra. A escrita neste nível
constitui um grande avanço e se traduz num dos mais importantes e
esquemas construídos pela criança, durante o seu desenvolvimento. Pela
primeira vez, ela trabalha com a hipótese de que a escrita representada
partes sonoras da fala, porém uma particularidade: cada letra vale por uma
sílaba. Assim, utiliza tantas letras quanto forem as sílabas das palavras. Ao
trabalhar a escrita silábica, as exigências de variedade e de quantidade
mínima de caracteres que aparecem na escrita pré-silábica, podem
desaparecer momentaneamente.
Mas se a criança já tiver internalizado a hipótese silábica, a exigência na
variedade de caracteres reaparece, pois a criança não aceita que uma
palavra poderá ser lida com todas as letras iguais, e o problema se agrava
quando a palavra a ser escrita seja um monossílabo. A criança não aceita
que uma palavra com menos de três de letras possa ser lida, e então na
tentativa de que se possa ler o que ela escreveu, acrescenta-se letras ao
final da palavra. E a partir disso, surge um conflito cognitivo por causa da
exigência de quantidade mínima de caracteres e a criança tenta buscar
outra solução para o seu "problema".
40 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
No nível Silábico Alfabético, a passagem da hipótese silábica para a
alfabética é um passo de extrema importância na evolução da leitura e da
escrita. De acordo com Ferreiro e Teberosky (1999) a criança abandona a
hipótese silábica e descobre a necessidade de fazer uma análise, que vá
"mais além" da sílaba, pelo conflito entre a hipótese silábica e a exigência
mínima de caracteres e o conflito entre a variedade interna das letras.
A criança percebe a insuficiência de sua hipótese ao associar uma letra para
cada sílaba e passa a perceber a sílaba constituída com mais de uma letra.
Pode-se explicar a passagem do nível silábico para o silábico-alfabético,
quando a própria criança não consegue ler o que escreveu, pois faltam
elementos para que se faça a leitura, e quando os adultos não conseguem
ler o que a criança escreveu. Outro fator que também explica essa
passagem é impossibilidade de ler o que as pessoas alfabéticas escrevem,
pois as crianças acham que sempre está sobrando letras e então ela entra
em conflito, pois sabem que nos livros e nas escritas das pessoas
alfabetizadas, o que está escrito, está correto.
A fase final do processo de alfabetização de um indivíduo é marcada pelo
Nível Alfabético, segundo Ferreiro e Teberosky (1999). Nesse nível, pode-
se considerar que a criança venceu as barreiras do sistema de
representação da linguagem escrita. Ela já é capaz de fazer uma análise
sonora dos fonemas das palavras que escreve. Isso, porém não significa
que todas as dificuldades foram vencidas. A partir daí, surgirão os
problemas relativos à ortografia. Entretanto, trata-se de outro tipo de
dificuldade que não corresponde ao sistema de escrita que ela já venceu.
De acordo com a pesquisa realizada por Ferreiro e Teberosky (1999),
constatou-se que a apropriação do sistema de escrita passa pela
reconstrução deste objeto de conhecimento, onde o sujeito cria os
elementos e as relações que compõem este sistema de representação.
Nesta reconstrução, o sistema alfabético de escrita é uma das
representações da linguagem e não uma representação gráfica dos sons da
fala.
41 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
Na concepção de Piaget (1973) além da equilibração, outros fatores são
responsáveis pelo desenvolvimento cognitivo: a maturação, as experiências
com o objeto de conhecimento e a transmissão ou interação social. Em
outra perspectiva, a aprendizagem da leitura e da escrita se inicia na
educação infantil. “A instituição de Educação Infantil é um lugar onde
predomina o espontâneo e as brincadeiras prazerosas, ou seja, há uma
atmosfera não diretiva no trabalho pedagógico". (ARCE, 2010, p.21).
Vale ressaltar diante desse contexto, a importância de trabalhar de forma
lúdica com os pequeninos, uma vez que, proporciona uma aprendizagem
prazerosa por meio do brinquedo, das brincadeiras do faz de conta, do
desenho e dos jogos, favorecendo o desenvolvimento integral das crianças
pequenas. Portanto, todas essas práticas educativas desenvolvidas pelo
professor de educação infantil devem ser orientadas e direcionadas,
tornando assim, um trabalho voltado para o aprendizado do aluno e que
este seja capaz de desenvolver suas capacidades de imaginação e criação.
Trabalhar frequentemente atividades consideradas de natureza lúdica como
a repetição de parlendas, a brincadeira com frases e versos trava-línguas,
as cantigas de roda, a memorização de poemas, podem influenciar de forma
positiva para a compreensão do princípio alfabético. Para Soares (2009,
p.8) “jogos voltados para o desenvolvimento da consciência fonológica, se
realizados sistematicamente na educação infantil, criam condições propícias
e, inclusive, necessárias para a apropriação do sistema alfabético”.
A IMPORTÂNCIA DO DESENHO
Desenho, primeira manifestação da escrita humana. Continua sendo a
primeira forma de expressão usada pela criança.
Expressar-se através do desenho é colocar sua vida no papel, com toda a
emoção. Estar atento aos sinais emitidos por ela, de maneira especial ao
desenho, uma vez que este tem muito a dizer sobre quem o fez, sua
personalidade, seus sentimentos, suas dificuldades de aprendizado, dentre
outros. E pode ser um rico aliado na descoberta e tratamento de
dificuldades de aprendizagem, traumas...
42 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
Através do desenho livre, a criança desenvolve noções de espaço, tempo
quantidade, sequência, apropriando-se do próprio conhecimento, que é
construído respeitando seu ritmo. Aprende também a função social da
escrita, pois sua comunicação, feita através do desenho pode ser
compreendida por outras pessoas antes que ela aprenda usar a escrita
convencional para se comunicar.
Chamat (2004, p. 112), nos fala um pouco mais o que é observado no
desenho:
O desenho é analisado levando-se em consideração tanto os
aspectos gráficos (traços, tamanho, posição na folha, detalhes)
quanto os vinculares com o conhecimento e com o “outro“ (aquele
que lhe passa conhecimento) que a cena transmite, Percebe-se
então, como o sujeito se coloca numa situação de aprendizagem e
como percebe a mesma. A estruturação e a sequência de
pensamento são elementos importantes na análise, bem como o
grafismo como um meio de detectar déficits de escrita e em que
momento do relato estes ocorrem.
Como afirma Piaget (1975), quando aprendemos algo novo temos que
recorrer ao conhecimento prévio, desde a primeira vez que temos contato
com lápis e papel e conseguimos coordenar os movimentos do braço e da
mão segurando o lápis e riscando o papel, mesmo que estes desenhos não
possam ser interpretados com significado pelo adulto ou mesmo que a
criança mude de ideia cada vez que perguntarmos o que ela desenhou.
O uso do desenho na psicopedagogia aproveita a forma da criança
expressar-se espontaneamente, satisfazendo seus desejos de
atividade lúdica. Sendo aconselhável usar com frequência o desenho
livre, deixar a criança a vontade para desenhar sobre o que ou quem
quiser, para somente em seguida indagá-la sobre o porquê? Como?
Onde? Quem? Dentre outros. É interessante também, para um
diagnóstico, solicitar que a criança conte uma história sobre o
desenho que fez. (WEISS, 2004, p. 121)
Compreendemos com essas palavras o quão é importante usar o desenho
como recurso no diagnóstico, unido à verbalização o psicopedagogo poderá
interpretar a produção do sujeito em questão.
CARACTERÍSTICAS DO DESENHO
Piaget (1948) diz que a representação é gerada pela função semiótica, a
qual possibilita à criança reconstruir em pensamento um objeto ausente por
meio de um símbolo ou signo. A representação é condição básica para o
pensamento existir, uma vez que, sem ela, não há pensamento, só
43 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
inteligência puramente vivida como no nível sensório-motor. É através do
surgimento da função semiótica que a criança consegue evocar e
reconstruir em pensamento ações passadas e relacioná-las com as ações
atuais. Essa passagem é possível por interações da criança com o ato de
desenhar e com desenhos de outras pessoas.
Na garatuja, a criança tem como hipótese que o desenho é simplesmente
uma ação sobre uma superfície, e ela sente prazer ao constatar os efeitos
visuais que essa ação produziu. No decorrer do tempo, as garatujas, que
refletiam o prolongamento de movimentos rítmicos de ir e vir transformam-
se em formas definidas que apresentam maior ordenação, e podem estar
se referindo a objetos naturais, objetos imaginários ou mesmo a outros
desenhos.
Na evolução da garatuja para o desenho de formas mais estruturadas, a
criança desenvolve a intenção de elaborar imagens no fazer artístico.
Começando com símbolos muito simples, ela passa a articulá-los no espaço
do papel, na areia, na parede ou em qualquer outra superfície.
Passa também a constatar a regularidade nos desenhos presentes no meio
ambiente e nos trabalhos aos quais ela tem acesso, incorporando esse
conhecimento em suas próprias produções. No início, a criança trabalha
sobre a hipótese de que o desenho serve para imprimir tudo o que ela sabe
sobre o mundo. No decorrer da simbolização, a criança incorpora
progressivamente regularidades ou códigos de representação das imagens
do entorno, passando a considerar a hipótese de que o desenho serve para
imprimir o que se vê.
É assim que, por meio do desenho, a criança cria e recria individualmente
formas expressivas, integrando percepção, imaginação, reflexão e
sensibilidade, que podem então ser apropriadas pelas leituras simbólicas de
outras crianças e adultos.
O desenho como possibilidade de brincar, o desenho como possibilidade de
falar de registrar, marca o desenvolvimento da infância, porém em cada
estágio, o desenho assume um caráter próprio. Estes estágios definem
44 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
maneiras de desenhar que são bastante similares em todas as crianças,
apesar das diferenças individuais de temperamento e sensibilidade. Esta
maneira de desenhar própria de cada idade varia, inclusive, muito pouco de
cultura para cultura.
Pillar (2006) afirma que a criança não nasce sabendo desenhar, que este
conhecimento é construído a partir da sua relação direta com o objeto,
assim são suas estruturas mentais é que definem as suas possibilidades
quanto a representação e interpretação do objeto. Assim a criança é o
sujeito de seu processo, ela aprende a desenhar a partir de sua interação
com o desenho. Vários teóricos seguem essa linha teórica quanto ao
desenho infantil, dentre eles Luquet(1969), Piaget (1948), Gardner(1999),
Méredieu (1995) dentre outros.
Luquet (1969) foi um dos primeiros teóricos a se interessar pelo desenho
infantil, analisando-o numa abordagem cognitiva. O autor buscou respostas
para questões relativas o quê e como a criança desenhava, assim como
suas intenções e interpretações. Aborda os 'erros' e 'imperfeições' do
desenho da criança que atribui a 'inabilidade' e 'falta de atenção', além de
afirmar que existe uma tendência natural e voluntária da criança para o
realismo.
Em Méredieu(1995), Luquet distingue quatro estágios do desenho infantil:
o Realismo fortuito: começa por volta dos 2 anos e põe fim ao período
chamado rabisco. A criança que começou por traçar signos sem desejo de
representação descobre por acaso uma analogia com um objeto e o seu
traçado passa a nomear seu desenho; Realismo fracassado: por volta dos
3 a 4 anos tendo descoberto a identidade forma-objeto, a criança procura
reproduzir esta forma. Surge então uma fase de aprendizagem pontuada
de fracassos e de sucessos parciais; Realismo intelectual: estendendo-se
dos 4 aos 10-12 anos, é o principal estágio e caracteriza-se pelo fato que a
criança desenha do objeto não aquilo que vê, mas aquilo que sabe.
45 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
Enfim, aos quatro anos, a criança chega ao realismo visual cuja principal
manifestação é a submissão mais ou menos infeliz na execução à
perspectiva. (Luquet, 1969, p.212)
A análise dos estudos piagetianos mostram que o desenvolvimento do
desenho segue os mesmos estágios de Luquet (1969), no entanto são
analisados dentro da perspectiva das fases do desenvolvimento infantil da
representação. Piaget classifica as fases do desenho como:
• Garatuja: Faz parte da fase sensório motora (0 a 2 anos) e parte da
fase pré-operatória (2 a 7 anos). A criança demonstra extremo prazer nesta
fase. A figura humana é inexistente ou pode aparecer da maneira
imaginária. A cor tem um papel secundário, aparecendo o interesse pelo
contraste, mas não há intenção consciente. A fase da garatuja pode ser
dividida em outras duas partes:
• Desordenada: movimentos amplos e desordenados. Com relação a
expressão, vemos a imitação "eu imito, porém não represento". Ainda é um
exercício, simples riscos ainda desprovidos de controle motor, a criança
ignora os limites do papel e mexa todo o corpo para desenhar, avançando
os traçados pelas paredes e chão. As primeiras garatujas são linhas
longitudinais que, com o tempo, vão se tornando circulares e, por fim, se
fecham em formas independentes, que ficam soltas na página. No final
dessa fase, é possível que surjam os primeiros indícios de figuras humanas,
como cabeças com olhos.
• Ordenada: movimentos longitudinais e circulares; coordenação viso-
motora. A figura humana pode aparecer de maneira imaginária, pois aqui
existe a exploração do traçado; interesse pelas formas.
Nessa fase inicia-se o jogo simbólico: "eu represento sozinho". Ocorre a
mudança de movimentos; formas irreconhecíveis com significado; atribui
nomes, conta histórias. A figura humana pode aparecer de maneira
imaginária, aparecem sóis, radiais e mandalas.
Dentro da fase pré-operatória, aparece a descoberta da relação entre
desenho, pensamento e realidade. Quanto ao espaço, os desenhos são
46 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
dispersos inicialmente, não relaciona entre si. Então aparecem as primeiras
relações espaciais, surgindo devido à vínculos emocionais. A figura humana
torna-se uma procura de um conceito que depende do seu conhecimento
ativo, inicia a mudança de símbolos. Quanto a utilização das cores, pode
usar, mas não há relação ainda com a realidade, dependerá do interesse
emocional. Dentro da expressão, o jogo simbólico aparece como: "nós
representamos juntos". Já conquistou a forma e seus desenhos têm a
intenção de reproduzir algo. Ela também respeita melhor os limites do
papel. Mas o grande salto é ser capaz de desenhar um ser humano
reconhecível, com pernas, braços, pescoço e tronco.
De acordo com Piaget (1948), no estágio pré-esquemático, que inicia-se
por volta dos quatro anos e se estende até os sete anos. Após esta fase a
criança com idade entre sete e nove anos entra no estágio esquemático, e
após os nove anos passa para o estágio do realismo nascente, vale ressaltar
que estes estágios compreendidos entre os sete e onze anos estão dentro
do período das operações concretas.
Estes estágios não são estáticos, imutáveis, existem crianças que pulam
alguns estágios de desenvolvimento e crianças que param de se
desenvolver devido a vários fatores que influenciam em sua vida, como
deficiências física ou mental, como família, situação social e econômica ou
distúrbios psicológicos.
Gardner(1999) faz uma abordagem cognitiva baseada em Piaget, e uma
análise afetiva, baseada em sistemas de simbolização. Este autor considera
que o desenvolvimento do desenho infantil, divide-se em quatro
movimentos. São movimentos que mantêm sua essência, sendo maleáveis
e modificando-se mediante as intervenções externas, ou seja, pelo meio
sociocultural, pela família e pelo educador. Há necessidade de que haja uma
compreensão desses quatro movimentos e de tudo que os envolvem porque
cada um tem sua beleza e significação. Estudá-los é estar se
fundamentando para poder fazer uma boa leitura da expressão artística da
criança.
47 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
O desenho infantil evolui conforme o desenvolvimento da criança. Desta
forma, à medida que cresce, seu desenho tem mais perfeição, e
consequentemente, mais mensagens do consciente e inconsciente.
Bédard (2003) traduz alguns significados dos desenhos infantis, entre eles:
- Árvore: Refere-se ao físico, emocional e intelectual da criança. Quando o
tronco da arvore é alto e largo, revela que a criança tem muita força na
superação dos problemas. Quando o tronco for pequeno e estreito, revela
vulnerabilidade às complicações. Se houver excesso de folhas, a criança
tem grandes ocupações talvez em excesso. Se houver poucas folhas, e
galhos a criança está triste.
- Casa: Desenho de uma casa grande, demonstra grande emotividade, se
for uma casa pequenina, demonstra que é uma criança retraída.
- Barco: Desenhar barco significa que a criança adapta-se facilmente a
imprevistos. Barcos grandes, revela que ela não gosta de mudanças e
aprecia ter controle da situação, se for barco pequeno é sensível, e tem
grande intuição.
- Flores: desenhar flores significa que a criança é alegre e feliz.
Quanto mais o desenho infantil é sobrecarregado de figuras e traços
grosseiros, cores fortes e detalhes sombrios, demonstram o quando o
universo da criança está afetado, podendo muitas vezes significar uma
agressão, abuso, dentre outros.
Ao se analisar um desenho infantil, deve ser considerado as condições
biográficas e familiares, assim como a história pessoal, que servirá como
marco de referência.
Além disso, é necessário lembrar-se sempre que um desenho é uma
expressão de sentimentos e de desejos que vão ajudar, a saber, por
exemplo, como se sente a criança a respeito da sua família, sua escola, etc.
O desenho é a primeira porta na qual a criança abre o seu interior.
Existem algumas pistas que podem orientar os adultos a respeito do que
diz o desenho infantil segundo a especialista canadense, Nicole Bédard
(1998), entre elas:
48 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
- Posição do desenho: Todo desenho na parte superior do papel, está
relacionado com a cabeça, o intelecto, a imaginação, a curiosidade e o
desejo de descobrir coisas novas. A parte inferior do papel nos informa
sobre as necessidades físicas e materiais que pode ter a criança. O lado
esquerdo indica pensamentos que giram em torno ao passado, enquanto o
lado direito, ao futuro. Se o desenho se situa no centro do papel, representa
o momento atual.
- Dimensões do desenho: Os desenhos com formas grandes mostram certa
segurança, enquanto os de formas pequenas, normalmente, está
relacionado à crianças que encontram pouco espaço para se expressar.
Podem também sugerir uma criança reflexiva, ou com falta de confiança.
- Traços do desenho: Os contínuos, sem interrupções, parecem denotar um
espírito dócil, enquanto o apagado ou falhado, pode revelar uma criança
um pouco insegura e impulsiva.
- A pressão do desenho: Uma boa pressão indica entusiasmo e vontade.
Quanto mais forte seja o desenho, mais agressividade existirá, enquanto as
mais superficiais demonstram falta de vontade ou fadiga física.
- As cores do desenho: O vermelho representa a vida, o ardor, o ativo; o
amarelo, a curiosidade e alegria de viver; o laranja, necessidade de contato
social e público, impaciência; o azul, a paz e a tranquilidade; o verde certa
maturidade, sensibilidade e intuição; o negro representa o inconsciente; o
marrom, a segurança e planejamento. É necessário acrescentar que o
desenho de uma só cor, pode denotar preguiça ou falta de motivação.
Quando a criança exprime em excesso: fala, irritação, choro excessivo,
vergonha, ansiedade, euforia, desenhos obscuros, dentre outros. É hora de
ajudá-la.
O grafismo na educação infantil tem a vantagem de ser de fácil
administração, pois não exige outros materiais além de papel e lápis, pode
ser usado em qualquer lugar e seu custo é baixo. É bem recebido pelas
crianças e às vezes com restrições por adolescentes e adultos. Sendo o
49 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
grafismo uma ótima e eficaz maneira de conhecer um pouco de seu autor,
suas características e sentimentos.
Para o professor da educação infantil, detalhes da vida familiar, afetiva,
emocional, social e educacional da criança, tornando-se extremamente
importante nesse processo de descoberta das dificuldades, traumas ou
deficiências. Basta uma observação reflexiva e minuciosa do desenho e de
suas características, diálogo com a criança, com os pais, etc.
O DESENHO E O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO
A partir dos estudos realizados é possível dizer que existe uma estreita
relação entre a evolução da escrita e a do desenho. Para Ferreiro citada por
Ribeiro (2007) a aprendizagem da língua escrita á a construção de um
sistema de representação, assim como o desenho. A aprendizagem, nesse
enfoque, converte-se na apropriação de um novo objeto de conhecimento,
ou seja, em uma aprendizagem conceitual. [...] para conhecer os objetos,
é preciso agir sobre eles de maneira a decompô-los e a recompô-los.
(PIAGET, 1948, p.8)
[...] para que a criança se aproprie do sistema de representação da
escrita, ela terá que reconstruí-lo, diferenciando os elementos e as
relações próprias ao sistema, bem como a natureza do vínculo entre
o objeto de conhecimento e a sua representação. (PILLAR, 1996,
p.32)
No que diz respeito ao trabalho desenvolvido nas escolas em relação ao
desenho, principalmente nas séries iniciais do ensino fundamental, é certo
descaso com a disciplina que mais trabalha esse conteúdo a Artes como
parte integrante do currículo e da formação das crianças. Os professores,
em sua maioria, acreditam que o desenho nessa fase escolar não é
importante e por esse motivo não planejam o trabalho envolvendo a arte
em sala de aula. Mas o que foi observado durante o estudo sobre o desenho
infantil e suas contribuições no processo de alfabetização, é que a arte é
importante não só porque é uma forma de construir conhecimentos, é uma
atividade que envolve a inteligência, o pensamento, a cognição; mas
também que a arte influi na construção de conhecimentos, em especial em
relação à escrita.
50 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
Luquet(1969) exemplifica como se dá o abandono da criança pela atividade
do desenho, conforme sua teoria, esse desinteresse é produzido na idade
em que a criança chega à concepção do realismo visual - com a sua
consequência fundamental: a perspectiva; os desenhos que executava
anteriormente de acordo com o realismo intelectual já não satisfazem o seu
espírito crítico desenvolvido, e sente-se incapaz de fazer desenhos como
quereria fazer. O autor afirma que o ensino do desenho deve visar não a
acelerar artificialmente a evolução espontânea do desenho, mas por a
criança em estado de desenhar convenientemente em realismo visual
quando tenha esta intenção. Isso deve ser feito mostrando-lhes objetos de
seu quotidiano e exercitando o desenho tanto quanto possível ao natural.
Para este autor, a principal atitude do educador deve ser a de "apagar-se",
deixar a criança use a sua criatividade, fazendo sempre com que estas
sugestões não soem como imposições deixando-a desenhar ao seu modo,
sem intervenções ou críticas. A princípio, para a criança, o desenho não
é um traçado executado para fazer uma imagem mas um traçado executado
simplesmente para fazer linhas. (Luquet, 1969 pg.145)
Dessa forma, possibilitar às crianças que desenhem, ao contrário de ser
perda de tempo, é propiciar-lhes representar graficamente as suas
experiências, ou seja, é construir representações de forma e espaço através
do desenho.
O desenho está também intimamente ligado com o desenvolvimento da
escrita. Parte atraente do universo adulto, dotada de prestigio por ser
"secreta", a escrita exerce uma verdadeira fascinação sobre a criança, e
isso bem antes de ela própria poder traçar verdadeiros signos. Muito cedo
ela tenta imitar a escrita dos adultos. Porém, mais tarde, quando ingressa
na escola verifica-se uma diminuição da produção gráfica, já que a escrita
(considerada mais importante) passa a ser concorrente do desenho.
No entanto, cabe ao professor estudar e conhecer as fases do desenho
infantil e qual a relação que elas têm com os níveis de desenvolvimento da
escrita, para que assim ele possa proporcionar aos alunos aulas que
51 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
contribuíram tanto para o desenvolvimento artístico como o
desenvolvimento do processo de aquisição da escrita. É aconselhável, ao
professor, que ofereça às crianças o contato com diferentes tipos de
desenhos e obras de artes, que elas façam a leitura de suas produções e
escutem a de outros e também que sugira a criança desenhar a partir de
observações diversas (cenas, objetos, pessoas) para que possamos ajudá-
la a nutrisse de informações e enriquecer o seu grafismo. Assim elas
poderão reformular suas ideias e construir novos conhecimentos. Enfim, o
desenho infantil é um universo cheio de mundos a serem explorados.
O desenho está também intimamente ligado com o desenvolvimento da
escrita. Parte atraente do universo adulto, dotada de prestigio por ser
"secreta", a escrita exerce uma verdadeira fascinação sobre a criança, e
isso bem antes de ela própria poder traçar verdadeiros signos. Muito cedo
ela tenta imitar a escrita dos adultos. Porém, mais tarde, quando ingressa
na escola verifica-se uma diminuição da produção gráfica, já que a escrita
(considerada mais importante) passa a ser concorrente do desenho.
Como podemos perceber a linha de evolução é similar mudando com maior
ênfase o enfoque em alguns aspectos. O importante é respeitar os ritmos
de cada criança e permitir que ela possa desenhar livremente, sem
intervenção direta, explorando diversos materiais, suportes e situações.
LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
O termo letramento é uma palavra nova em nosso país, pois até bem pouco
tempo, no início de 1980, não ouvíamos falar sobre o assunto. Foi mais ou
menos em 1986 que Mary Kato, em seu livro: “No mundo da escrita: uma
perspectiva psicolinguística”, da Editora Ática, escreve as primeiras
palavras referentes ao tema, tornando-se tema de discussão entre
pesquisadores e profissionais da Educação Infantil. Nesse sentido, podemos
compreender que na Educação Infantil deve-se preocupar com o
desenvolvimento da linguagem enquanto processo de interação, isto é, com
o processo denominado nos últimos tempos de letramento, termo que
Soares (2001, p. 24) define como:
52 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
[...] letramento é que um indivíduo pode não saber ler e escrever,
isto é, ser analfabeto, mas ser, de certa forma, letrado (atribuindo
a este adjetivo sentido vinculado a letramento). Assim, um adulto
pode ser analfabeto, porque marginalizado social e
economicamente, mas, se vive em um meio em que a leitura e a
escrita têm presença forte, se interessa em ouvir a leitura de jornais
feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros leem para
ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva ( e é
significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas
próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou
indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa
forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas
sociais de leitura e de escrita [...]
Em outras palavras, o que a autora pontua é que letrado é o indivíduo que
passa a fazer uso da leitura e da escrita, a envolver-se nas práticas sociais
de leitura e escrita, ou seja, é aquela pessoa que, além de saber ler e
escrever faz uso frequente e competente da leitura e da escrita.
Segundo o Referencial Curricular para a educação infantil nas sociedades
letradas, as crianças, desde os primeiros meses, estão em permanente
contato com a linguagem escrita. É por meio desse contato diversificado em
seu ambiente social que elas descobrem o aspecto funcional da
comunicação escrita, desenvolvendo interesse e curiosidade por essa
linguagem. Diante do ambiente de letramento em que vivem, as crianças
podem fazer, a partir de dois ou três anos de idade, uma série de perguntas,
como “O que está escrito aqui?”, ou “O que isto quer dizer?”, indicando sua
reflexão sobre a função e o significado da escrita, ao perceberem que ela
representa algo.
Nesse documento ainda é importante mencionar que, para aprender a
escrever a criança terá de lidar com dois processos de aprendizagem
paralelos: o da natureza do sistema de escrita da língua – o que a escrita
representa e como – e o das características da linguagem que se usa para
escrever. A aprendizagem da linguagem escrita está intrinsicamente
associada ao contato com textos diversos, para que as crianças possam
construir sua capacidade de ler, e às práticas de escrita, para que as
crianças possam desenvolver a capacidade de escrever autonomamente.
Constata-se, que, desde muito pequenas, as crianças podem usar o lápis
e o papel para fazer garatujas, imprimindo marcas, tentando imitar a escrita
53 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
dos mais velhos, assim como se utilizam de livros para emitir sons e gestos
como se estivessem lendo. Partindo desse entendimento, o Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI 1998, p.128) “ressalta
a importância do manuseio de materiais, de textos (livros, jornais, cartazes,
revistas, etc.) pelas crianças, uma vez que ao observar produções escritas
a criança, vai conhecendo de forma gradativa as características formais da
linguagem”.
Dessa forma, dispor livros para as crianças manusearem constitui práticas
que devem estar presentes desde os primeiros anos de vida, no qual as
crianças podem imitar uma variedade de gestos e ações que vão muito além
dos limites de suas próprias capacidades. Por meio da imitação, a criança
irá apropriar-se dos comportamentos leitores e significar a prática da
leitura, condição necessária para a aprendizagem.
Diante desse contexto, as crianças que convivem em um ambiente letrado,
onde suas famílias fazem uso dessas práticas sociais de leitura e escrita,
com certeza irá aprender com mais facilidade do que aquelas que vivem em
ambientes onde essas práticas não circulam.
O letramento tem um início muito cedo e é algo que não termina nunca,
ou seja, vivemos em um mundo letrado, onde temos acesso a muitas
informações, como revistas, livros, bulas de remédio, placas, etc. É
importante ter claro, que letrar é mais do que alfabetizar, porque conforme
Soares (2003) o letramento é a capacidade de entendimento que o sujeito
tem sobre o que vê, escuta e lê.
Soares (2009) ainda aponta que, a leitura frequente de histórias para
crianças é, sem dúvida, a principal e indispensável atividade de letramento
na educação infantil. Se adequadamente desenvolvida, essa atividade
conduz a criança, desde muito pequena, a conhecimentos e habilidades
fundamentais para a sua plena inserção no mundo da escrita.
Ao manusear os livros, as crianças podem mobilizar aquilo que aprenderam
ao ouvir histórias lidas pelo professor, imitando seus comportamentos
leitores. Na exploração desse objeto podem reproduzir gestos de folhear,
54 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
apontar para as palavras e imagens, pronunciar palavras ao percorrerem o
texto com os olhos, significando simultaneamente a prática de leitura e o
objeto livro. O contato com textos e imagens, bem como a possibilidade de
manusear o livro, permite que aprendam, sobretudo, o uso e o significado
social do livro, distinguindo-o dos brinquedos e de outros objetos de seu
cotidiano.
Soares (2009) aponta que a leitura de histórias é uma atividade que
enriquece o vocabulário da criança e proporciona o desenvolvimento de
habilidades de compreensão de textos escritos, de inferência, de avaliação
e de estabelecimento de relações entre fatos. Tais habilidades serão
transferidas posteriormente para a leitura independente, quando a criança
se tornar apta a realizá-la.
De acordo com os pressupostos teóricos da concepção de letramento, a
criança, desde o momento que entra em contato com a linguagem, escrita
e oral, e percebe sua função, que é para a primeira, o registro da fala e,
para a segunda, ler o que está registrado, já está participando do processo
de letramento, diz Soares (2004). Assim, podemos afirmar que a criança
faz parte de um mundo letrado, mundo que, na verdade, já faz parte desde
o seu nascimento, pois desde este momento já interage com os signos,
figuras, letras, números e tudo que possa ter significado para a linguagem
escrita.
A criança que não é alfabetizada, mas está imersa de diversos materiais no
seu dia a dia, na família ou na escola, compreende as histórias contadas,
finge que está escrevendo, de certa forma essa criança não é alfabetizada,
mas, é letrada. Além dos textos literários, a autora destaca que é de suma
importância trabalhar outros tipos de textos, como os textos informativos,
textos injuntivos, textos publicitários, textos jornalísticos, histórias em
quadrinhos, etc. Introduzir desde cedo esses diversos gêneros textuais na
instituição de educação infantil, dar suporte para a criança identificar o
objetivo de cada gênero, o leitor a que se destina o modo específico de ler
cada gênero.
55 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
Na Educação Infantil, é um dever trabalhar com a concepção de letramento
com as crianças, desde o momento que esta chega à instituição infantil,
estimulando-a a participar ativamente do processo de construção da leitura
e da escrita do seu mundo e não do mundo do educador ou dos autores de
cartilhas e livros didáticos. Fazer com que as crianças tenham liberdade de
expressão e que possam experimentar as múltiplas linguagens, como a
música, dança, artes, leituras de literatura infantil clássica e brasileira,
histórias em quadrinhos, jogos, brinquedos e brincadeiras, entre outras.
É de suma importância trabalhar as práticas da leitura e escrita, pois são à
base de qualquer processo de ensino aprendizagem da linguagem escrita.
Não é possível pensar sobre a escrita sem praticá-la. Não trabalhar essas
práticas significa ocultar esse assunto das crianças, já que é impossível
obter informações sobre a escrita fora dos atos sociais em que ela se
manifesta.
Para dar início ao processo de leitura e escrita, a criança precisa entender
que letras representam os sons das palavras faladas e que tenham
conhecimento de duas habilidades que são: o conhecimento alfabético e a
consciência fonológica. Essas duas habilidades são conhecidas como
preditores do sucesso na alfabetização, pois como está no Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil (1998, p.122):
Para aprender a ler e a escrever, a criança precisa construir um
conhecimento de natureza conceitual, precisa compreender não só
o que a escrita representa, mas também de que forma ela
representa graficamente a linguagem. Isso significa que a
alfabetização não é o desenvolvimento de capacidades relacionadas
à percepção, memorização e treino de um conjunto de habilidades
sensório-motoras. É, antes, um processo no qual as crianças
precisam resolver problemas de natureza lógica até chegarem a
compreender de que forma a escrita alfabética em português
representa a linguagem, e assim poderem escrever e ler por si
mesmas.
Assim, para que as crianças se apropriem da linguagem escrita precisa
compreender o sistema de representação de códigos de ordem conceitual e
construírem conhecimento por meio de práticas que têm como ponto de
partida e de chegada o uso da linguagem e a participação nas diversas
práticas sociais de escrita.
56 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
INTEGRANDO ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
A alfabetização e o letramento são componentes da introdução da criança
no mundo da escrita que devem ser trabalhadas de forma integrada. Dessa
forma, “Alfabetizar e letrar são duas ações distintas, mas não inseparáveis,
ao contrário, o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja, ensinar a ler e a
escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita” (SOARES,
1998, p. 47).
Dessa forma, é necessário compreender a diferença entre os dois conceitos
e que cada um possui suas peculiaridades, não devendo confundir a função
e o significado de cada um, no entanto, é de fundamental importância que
se realize uma alfabetização articulada com o letrar, pois é impossível na
sociedade atual em que vivemos permitir que nossos alunos sejamos
privados de conhecer o que é o letramento, e não existe maneira melhor
de apresentá-lo do que associado ao alfabetizar.
Assim, percebemos que existe uma diferença entre o alfabetizar e o letrar,
porém, embora sejam conceitos distintos, os dois precisam caminhar
juntos, para que haja um sucesso no trabalho de apropriação das
habilidades linguísticas na Educação Infantil (BRASIL, 1998).
A base será sempre o letramento, já que leitura e escrita são,
fundamentalmente, meios de comunicação e interação, enquanto a
alfabetização deve ser vista pela criança como instrumento para que possa
envolver-se nas práticas e usos da língua escrita. Assim, a história lida pode
gerar várias atividades de escrita, como pode provocar uma curiosidade que
leve à busca de informações em outras fontes; frases ou palavras da
história podem vir a ser objeto de atividades de alfabetização, poemas
podem levar à consciência de rimas e aliterações.
O essencial é que as crianças estejam imersas em um contexto letrado,
pois sabemos que o processo de alfabetização se desenvolve mais
facilmente quando as crianças chegam à escola tendo uma maior
familiaridade com a escrita, obtida em contextos nos quais ela circula com
usos e funções sociais. Tal como na vida cotidiana, a escola pode apresentar
57 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
situações, contextos e materiais capazes de estimular o interesse e a
atenção dos alunos.
Por essa razão, um elemento importante do trabalho de alfabetização se
refere à qualidade e à diversidade do material que é disponibilizado no
contexto escolar, ou seja, na criação e manutenção, pelo professor, de um
ambiente alfabetizador. Metodologicamente, a criação desse ambiente se
concretiza na busca de levar as crianças em fase de alfabetização a usar a
língua escrita, mesmo antes de dominar as primeiras letras, organizando a
sala de aula com base nela.
Conceitualmente, a defesa da criação do ambiente alfabetizador estaria
baseada na constatação de que saber para que a escrita sirva e saber como
é usada em práticas sociais, auxiliariam a criança em sua alfabetização, por
dar significado e função ao processo de ensino-aprendizagem da língua
escrita e por criar a necessidade de se alfabetizar, favorecendo, assim, a
exploração, pela criança, do funcionamento da língua escrita.
Para Ana Teberosky (2003), um ambiente alfabetizador “é aquele em que
há uma cultura letrada, com livros, textos - digitais ou em papel – um
mundo de escritos que circulam socialmente. A comunidade que usa a todo
o momento esses escritos, que faz circular ideias que eles contêm, é
chamada alfabetizadora”. Permitindo desta maneira, a inserção da língua
escrita no cotidiano do alfabetizando, sejam por meio de revistas, jornais,
gibis, cartazes, das palavras na lousa, ou de situações cotidianas, como
outdoors, letreiro de ônibus ou metrô, caixas eletrônicos etc.
Constata-se a partir desse contexto que as crianças constroem
conhecimentos sobre a escrita muito antes do que se supunha e de que
elaboram hipóteses originais na tentativa de compreendê-la amplia as
possibilidades de a instituição de educação infantil enriquecer e dar
continuidade a esse processo. Essa concepção supera a ideia de que é
necessário, em determinada idade, instituir classes de alfabetização para
ensinar a ler e escrever. Aprender a ler e a escrever fazem parte de um
processo ligado à participação em práticas sociais de leitura e escrita.
58 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pudemos perceber como esse processo acontece no âmbito educacional, à
importância de inserir as crianças dessa faixa etária nas práticas sociais de
leitura e escrita e a possibilidade de uma construção de conhecimentos
antes de entrar no ensino fundamental. São grandes os avanços das
crianças no processo de aprendizagem quando inseridas desde cedo as
práticas de alfabetizar e letrar no contexto escolar.
O processo de aprendizagem nessa etapa da Educação Básica se amplia, na
medida em que são trabalhados, de modo intencional, os processos de
produção e leitura de textos.
Ao mesmo tempo em que constroem o sistema alfabético de escrita, as
crianças vão se apropriando dos aspectos gráficos dessa linguagem, isto é,
das letras, do uso de maiúsculas e minúsculas, da pontuação, da
segmentação e da orientação da escrita. O planejar as práticas em sala de
aula, utilizam a ludicidade como estratégias para um bom desenvolvimento
na aprendizagem dos alunos, já que o ato de educar é uma prática
transformadora, carregada de intencionalidade, onde todos os sujeitos
envolvidos neste processo, alunos e educadores, são sujeitos históricos, isto
é, são responsáveis pela construção histórica da sociedade da qual fazem
parte.
Podemos afirmar que a criança é um ser social, sujeito atuante nas diversas
práticas sociais, e que é preciso conhecer seus modos de produção e
expressão, para planejar situações capazes de desafiá-las, ajudando-as a
avançar nas suas aprendizagens e no seu desenvolvimento de suas
capacidades.
Nesse processo, o professor tem um papel fundamental, ele deve se
responsabilizar por propiciar bons contextos de mediação e ter competência
de criar condições para que as aprendizagens ocorram, considerando e
respeitando o ritmo de aprendizagem de cada criança, pois é ele quem
planeja as melhores atividades, aproveita as diversas situações do cotidiano
e potencializa as interações.
59 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
Refletir sobre a possibilidade de uma iniciação à língua escrita adequada às
características da Educação Infantil implica em garantir às crianças o acesso
à herança cultural da escrita, responsável por mudanças fundamentais na
história dos homens e no próprio modo de pensar. Implica ainda incluir
todas as crianças no contexto da cultura escrita, acolher suas diferentes
práticas sociais e o sentido que elas podem construir.
É, portanto, desafio da Educação Infantil democratizar o acesso às práticas
sociais da leitura e da escrita presentes na cultura letrada, disponibilizando
as crianças os conhecimentos e as experiências necessárias para pensar
sobre sua própria língua. No Brasil, em especial, essa defesa é ainda mais
necessária, dado que, para a grande maioria das crianças, é na escola que
se encontra a única oportunidade de obter informações que desde sempre
circulam entre as famílias mais escolarizadas.
O contato com a leitura e a escrita, entretanto, não garante que todas as
crianças leiam e escrevam autonomamente aos cinco anos. Tampouco isso
é objetivo desse segmento, o que não impede que isso ocorra muitas vezes.
O que importa é garantir à criança a oportunidade de pensar sobre o
assunto, de ter ideias próprias sobre como se lê e como se escreve e testar
suas hipóteses.
Pode-se dizer que há duas esferas de conhecimento em jogo na
aprendizagem da escrita. O primeiro deles e o mais importante é o
funcionamento da linguagem escrita. Saber como se expressa por escrito,
transitando com propriedade nos diferentes contextos de comunicação, do
oral e informal para o formal e escrito, é um conhecimento fundamental
que pode ser construído desde a educação Infantil. Além disso, as crianças
também podem pensar sobre como se escreve, quais são as regras que
regem o funcionamento desse sistema e que permite a elas desvendar o
mistério, a magia da escrita, a razão pela qual qualquer pessoa pode
pronunciar as mesmas palavras por meio do mesmo conjunto de letras,
como enfatizou Emília Ferreiro (2006).
60 Artigo: ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Pags – 22 – 61 Evelin Tatiane Silva Zan
Ao ler e escrever por conta própria em contextos socialmente reais de
escrita, as crianças podem aprender as diferentes funções que a escrita
assume no mundo: informar, educar, divertir etc. Reconhecer o papel
simbólico da escrita na cultura, suas funções e os valores que os adultos
atribuem a ela são algumas das aprendizagens possíveis. Dessa forma, o
processo de aprendizagem dessa linguagem pelas crianças nessa etapa da
Educação Básica se amplia, na medida em que são trabalhados, de modo
intencional, os processos de produção e de leitura de textos.
Portanto, os professores possuem um conhecimento sobre os conceitos de
alfabetização e letramento e ressaltaram a importância de trabalhar esses
conceitos de forma integrada, pois ambos devem estar presentes nas
instituições de educação infantil como práticas sociais reais, de forma
significativa e criativa, mediando às múltiplas relações que são
estabelecidas com e entre as crianças.
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62 AARRTTIIGGOO:: AA GGEESSTTÃÃOO DDEEMMOOCCRRÁÁTTIICCAA NNOO EESSPPAAÇÇOO EESSCCOOLLAARR EE NNAA FFOORRMMAAÇÇÃÃOO DDOO
DDIISSCCEENNTTEE PPÁÁGGSS.. 6622 -- 7788
Maria Paula Ferreira Antunes.
AA GGEESSTTÃÃOO DDEEMMOOCCRRÁÁTTIICCAA NNOO EESSPPAAÇÇOO EESSCCOOLLAARR EE NNAA FFOORRMMAAÇÇÃÃOO DDOO DDIISSCCEENNTTEE
Antunes, Maria Paula Ferreira3
RESUMO
O presente artigo postula sobre a importância da gestão
democrática no ambiente escolar. Pois envolvendo a participação de todos
pode-se garantir uma educação de qualidade e cada um pode desempenhar
seu papel de forma adequada, sem excesso de trabalho ou
responsabilidade. Pois tanto a escola, quanto a família possuem papéis
importantes na formação crítica do indivíduo, podendo comprometer a
qualidade quando uma parte omite a responsabilidade que tem na formação
do discente. Desde professores, pais, gestores e o governo quando unem
para a melhoria da gestão do espaço escolar, pode-se afirmar que é
garantido o direito educacional da criança que precisa de uma formação de
qualidade para viver bem na sociedade em que está inserida. Salienta-se
que a participação de todos é de extrema importância no espaço
educacional, caso não haja esse engajamento o processo de ensino e
aprendizagem pode perder a eficácia e também deixar de cumprir seu papel
social.
Palavras chave: Gestão democrática, Comunidade Escolar, Família,
Professores.
INTRODUÇÃO
A gestão democrática visa melhorar o espaço escolar propiciando um
ambiente de ensino adequado e familiar para a formação do discente de
maneira crítica tornando-o capaz de inferir os conhecimentos adquiridos na
escola para resolver situações problemas na vida em sociedade.
A escola é uma instituição formada por muitos membros, são eles alunos,
professores, gestores, funcionários e também a comunidade escolar (esta
tem um papel importantíssimo na formação do indivíduo, a família). Dentro
do âmbito escolar é necessária uma unidade para que, de fato haja um
3 Aluna do Curso de Direito Educacional - [email protected]
63 AARRTTIIGGOO:: AA GGEESSTTÃÃOO DDEEMMOOCCRRÁÁTTIICCAA NNOO EESSPPAAÇÇOO EESSCCOOLLAARR EE NNAA FFOORRMMAAÇÇÃÃOO DDOO
DDIISSCCEENNTTEE PPÁÁGGSS.. 6622 -- 7788
Maria Paula Ferreira Antunes.
ensino-aprendizagem adequado e eficaz na formação de cidadãos críticos.
E para que ocorra esta formação e aquisição de conhecimento, a
responsabilidade é apenas dos professores? Qual a importância da família
na formação dos alunos? Os gestores podem contribuir de que forma na
relação professor-aluno e também escola-família ou vice versa? Quais os
direitos dos profissionais da educação e os deveres em relação à formação
social do aluno? O que garante o Direito Educacional para a prática
pedagógica? São perguntas que inquietam o subconsciente dos envolvidos
na prática educacional. Como poderão agir os dirigentes para proporcionar
um ensino comprometido com a realidade social, mediante aos descasos
por parte de um governo omisso, descomprometido e muitas vezes
indiferente ao processo ensino-aprendizagem.
A família tem um papel importante na formação do indivíduo, antes de
serem alunos são filhos, portanto devem participar ativamente na
comunidade escolar. Sem a participação da comunidade, a escola torna-se
“depósito de crianças” que ficam sob a responsabilidade de professores
subvalorizados e desgastados emocionalmente, no qual perdem o foco da
sua função de ministrar aulas com intuito de oferecer um conhecimento
crítico e erudito, exercendo apenas a função de “babá” de crianças e
adolescentes para que os pais possam trabalhar sossegados. A gestão
pedagógica deve estar atenta para que a realidade acima citada, não
aconteça em meio às tempestades, ela possa velejar tranquilamente, para
que a educação não seja naufragada e que a escola não seja lugar de
expiação para alunos e professores e sim um lugar de conhecer e pôr em
prática todas as aquisições cognitivas.
Os objetivos deste trabalho são de comprometer os membros da
instituição escolar (alunos, professores, gestores e pais e/ou responsáveis
pelos discentes) na formação crítica de cidadãos voltados para a construção
de uma sociedade mais justa e ativa no papel da cidadania. Assim também
de conhecer a realidade sobre o atual ambiente escolar e a formação
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cognitiva do cidadão; como também de estabelecer quais os verdadeiros
valores quanto ao papel dos educadores (pais, gestores e professores);
Esse trabalho bibliográfico busca ressaltar como têm sido a formação dos
indivíduos e como deve ser de acordo com a ética profissional e social e
definir o papel dos gestores pedagógicos na construção de uma escola
formativa e comprometida com a formação crítica do educando.
OO EESSPPAAÇÇOO EEDDUUCCAACCIIOONNAALL EE OO PPAAPPEELL DDAA FFAAMMÍÍLLIIAA
A palavra educação origina-se do termo em latim “educatione” que segundo
o Mini Aurélio: dicionário da língua portuguesa traz as seguintes definições:
1. Ato ou efeito de educar (-se). 2. Processo de desenvolvimento da
capacidade física, intelectual e moral do ser humano. 3. Civilidade,
polidez. 4. Nível de ensino. [V. educação básica e educação
superior.] 5. Tipo de ensino. [Pl.;ções.] Educação básica. A que se
constitui pela educação infantil, pelo ensino fundamental e pelo
ensino médio. Educação especial. A oferecida a educandos
portadores de necessidades especiais (q.v.). Educação infantil.
Primeira etapa da educação básica. [Visa ao desenvolvimento da
criança de 0 a 6 anos.] Educação superior. A que se destina à
formação de diplomados nas diferentes áreas de conhecimento.
[Abrange graduação, pós-graduação e extensão.] (HOLANDA, 2010.
p. 271)
Além das definições acima, a educação envolve muito mais conceitos no
que se refere à formação do ser humano. Tavares (2012) corrobora com a
afirmação abaixo.
A educação é um processo de construção do indivíduo, baseado na
atuação da escola e da família. É oportuno lembrar que a escola tem
feito um esforço hercúleo para tentar substituir a ausência da
família, e isso tem causado um desequilíbrio nesse processo de
ensino e aprendizagem, pois o educando perde-se no ócio e na falta
de disciplina, situações que poderiam ser mais trabalhadas pela
família. (TAVARES, 2012. p. 13)
Desta forma fica claro que a educação não está vinculada somente a
instituição de ensino, mas ao convívio familiar, como diz o ditado popular
“educação vem do berço”. Não há como dissociar a educação formal
(institucionalizada) da informal (familiar), pois ambas são de extrema
importância na formação cidadão, social, cognitiva do educando. Para
Tavares (2012) p. 13 “a família tem o seu papel ímpar na formação do
caráter do educando, pois a educação é também um processo social”. É
óbvio que se a família não fizer seu papel, o reflexo será negativo na escola,
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pois sem a formação de caráter e personalidade o aluno não terá
comprometimento com a formação cognitiva e social oferecida na escola.
A família e a escola são instituições que caminham juntas com o mesmo
objetivo, porém, a primeira nos últimos anos tem transferido suas
responsabilidades para a escola, que não está preparada para acolher este
indivíduo para depois devolvê-lo a sociedade.
A educação não tem o intuito de resolver todos os males sociais,
mas, com certeza, dará suporte para que sejam pelo menos
minimizados. Para isso, conta com a escola e a família para que
ambas norteiem o educando a mudanças de atitude,
comportamento e aquisição de conhecimento para que, dessa
forma, sejam protagonistas em vez de coadjuvantes.
A escola e família devem auxiliar o aluno a se tornar um ser social,
isto é, um cidadão, tirando-o da alienação em que vive. Mas, para
isso, precisam somar esforços, cada uma cumprindo o seu papel,
convergindo para uma educação de qualidade que faça deste aluno
um protagonista. Não podemos ver a escola como um depósito de
crianças, mas sim como um lugar que ocorrerá a aprendizagem para
a vida consciente e ativa. Esta escola precisará contar com a família
para reforçar esse conhecimento e o desenvolvimento afetivo do
educando, pois é na família que a educação tem início. (TAVARES,
2012. p. 13 e 14)
A definição da educação e do papel da sociedade, de modo particular a
família, na formação do cidadão está assegurado nas diretrizes e bases da
educação nacional:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se
desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho,
nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e
organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º
Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,
predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho
e à prática social. (CARNEIRO, 2007, p.31)
O ensino não é apenas oferecido com intuito de aumentar os índices de
pessoas escolarizadas, mas tem um objetivo muito maior, porém é uma
verdade muito convergente na atualidade. A educação é citada em muitos
discursos políticos, promessas acerca da melhoria desta ao longo da história
e pouco se tem visto na prática. Mas o que vale e deve ser focado e
reivindicado é o que confere na Constituição Federal nos artigos referentes
à educação.
Art.205 – A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da
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sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o
trabalho. (www.dji.com.br/constituição_federal/cf205a214.htm)
p.1 acessado em 28/10/2017 às 15h 40min.
Como se observa, a educação é, conforme a constituição, direito de todos
os indivíduos e dever do Estado e da família garanti-la, para que esta se dê
de forma plena, eficaz e com objetivo de formar o ser humano para além
dos espaços da escola e do lar. Segundo Tavares (2012, p.23 apud Delors,
2001, p. 111) afirma que “a família constitui o primeiro lugar de toda e
qualquer educação e assegura, por isso, a ligação entre o afetivo e o
cognitivo, assim como a transmissão de valores e normas”. O autor ressalta
ainda que cabe à família zelar pela educação dos filhos.
O comportamento da família em relação à formação do filho determinará
como será a vida escolar desta criança e de que forma ela vai estar
comprometida com o estudo, mas para isso a família deve exercer bem seu
papel.
É imprescindível que as crianças para se tornarem cidadãos
instruídos, precisam de uma boa formação escolar. Isso é possível
quando se encontram com professores desejosos de transmitir o
que sabem para, assim, desenvolver no aluno um desejo de saber,
o que é lido como curiosidade e investigação para aprender. A escola
representa um lugar de emancipação da criança a respeito de seu
grupo familiar, onde a criança vai poder estar e falar com outros
além de seus pais. Sendo um campo onde ela estabelece outros
laços que lhe possibilitam receber recursos que poderá utilizar no
futuro: com outros semelhantes, na escolha de profissão, etc. Dito
isso, fica claro que a escola propicia a socialização da criança, mas,
é a família e sua função um dos maiores responsáveis pela educação
e desenvolvimento dos filhos. Até para que a Educação pedagógica
possa ser efetivada, para que ela tenha eficácia, depende da
estrutura familiar do aluno. Quando a família valoriza os estudos -
a aprendizagem - estimula no filho o mesmo. O interesse dos pais
no que seus filhos produziram, aprenderam, faz com que eles
(filhos) sintam-se valorizados em relação ao que fizeram. (DANTAS,
http://escutaanalitica.com.br/?p=346).
Conforme Dantas retrata, fica claro que a participação da família é
fundamental no processo ensino e aprendizagem, pois dentro do lar a
criança recebe estímulos, afeto, atenção e formação da personalidade.
Para Chalita (2008) postula que a família deve construir um ambiente
participativo por meio da presença, o modelo e principalmente o diálogo.
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Este, portanto, é fundamental na prática para conter a violência, imuniza o
filho de conselhos que favorece o enfretamento pacífico.
É evidente que o papel da família é mais do que importante e sim
fundamental na formação do sujeito, mas um papel não só de cuidar e
prover de bens e comodidade, ou seja, vai muito além da esfera material.
Um ambiente participativo tem grandes chances de propiciar o
equilíbrio: é um espaço capaz de encorajar e favorecer o
desenvolvimento e a manifestação de diferentes talentos
habilidades. A melhor maneira de promover a participação é
envolver efetivamente os filhos na dinâmica familiar com divisão de
tarefas e responsabilidades, esbanjando afeto e amor. No lar
participativo, os filhos exercitam a liberdade, a autonomia, a
escolha, a participação nas conversas e nas tomadas de decisão,
obviamente de acordo com a maturidade de cada um. Está mais
comprovado que, quando mais as relações familiares são adequadas
à participação e à convivência, as chances de os filhos terem um
bom convívio social fora da casa são maiores. É preciso, portanto,
que cada família encontre o equilíbrio entre estabelecer regras
progressivas e compartilhadas e compreender as dificuldades
enfrentadas pelos filhos. Regras sem compreensão tornam o
ambiente autoritário e repressivo. Compreensão sem regras molda
um ambiente permissivo. (CHALITA, 2008,
HTTP://sagradomarilia.com.br/arqdownloads/opapeldafamilia.pdf)
acessado em 27/10/2017 às 10h21min.
Chalita (2008) corrobora com as afirmações acima mostrando que no
ambiente familiar deve haver um ambiente participativo não muito
repressivo e nem permissivo, este lugar deve ser equilibrado para que o
indivíduo consiga manifestar seus talentos e habilidades na vida social.
Detectando o comportamento emocional da criança na escola, a mesma
deve agir de forma imprescindível na averiguação dos fatores que a leva a
mostrar com as palavras o que tem expressado pelos atos.
O PAPEL DO PROFESSOR NA GESTÃO DEMOCRÁTICA
Conforme o mini Aurélio: o dicionário da língua portuguesa, 2010 p. 614 é
“aquele que ensina uma ciência, arte, técnica; mestre”, ou seja, o professor
contribui para a formação cognitiva, e vão mais além, contribuem com a
formação crítica do cidadão. Para Tavares (2012 p. 121) “ser professor é
exercer uma profissão que merece um estudo sério, uma formação, visto
que ela é a base da construção de um país e de verdadeiros profissionais”
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que terão sucesso na vida devida as premissas desempenhadas por um
docente.
O professor tem de desempenhar um papel muito além do exigido pela sua
função, cabe a ele muitas tarefas, porém sem prestígio algum.
O professor é um profissional que se dedica tanto ou muito mais que
outros profissionais de status elevado (engenheiro, arquiteto,
médico, advogado etc.), mas, qualquer pessoa, como os “amigos da
escola”, voluntários, além de profissionais que se adentram na seara
de ensinar, o que desvaloriza a profissão, mostrando para alguns
néscios que, para ser professor, basta querer ensinar. (TAVARES,
2012, p. 121/122).
Ainda há a visão de que ser professor é sacerdócio, missão, vocação.
Entende-se que todos os que possuem uma habilidade e a exerce
profissionalmente tem vocação para tal. Mas, no magistério, o sacerdócio é
comparado ao sacerdote de religiões.
O sacerdócio, para as religiões, é algo sagrado, é como se a pessoa
fosse escolhida por Deus para dar continuidade à sua obra e que,
na maioria das vezes, não precisaria de uma remuneração, visto
que, para muitos, o dom que recebemos de Deus deveremos doá-lo
ao nosso próximo sem nada cobrar, e o professor, como qualquer
outro profissional, precisa cobrar por seu trabalho e por sua
cumplicidade com o desenvolvimento do cidadão e crescimento da
nação, visto que ele é um ser humano como outro qualquer e precisa
de dinheiro para o seu sustento. (TAVARES, 2012, p. 122).
Tavares (2012) corrobora que o professor tem uma função específica e não
a ideia de sacerdócio.
O professor tem a função de educar, palavra que apresenta vários
significados, sendo um deles o de salvaguardar e explorar (fazer
frutificar) o potencial de cada indivíduo. O ato de educar deve ter
como base algumas aprendizagens fundamentais que, ao longo da
vida, serão de algum modo para cada indivíduo os pilares do
conhecimento, fazendo com que ele busque cada vez mais sua
emancipação e humanize-se continuamente em sua vida, além de
se fazer protagonista de seu contexto, sendo a diferença para sua
nação. Logo, cabe-nos interrogar o seguinte: Que profissional
contribui para o crescimento autossustentável de uma nação, para
sua valorização como ser, para uma melhor qualidade de vida, para
uma criticidade a ponto de este saber o que é ou não é melhor para
si mesmo? É claro que algumas profissões podem até contribuir,
mas essas que podem vir a contribuir passaram por mãos hábeis de
verdadeiros educadores, profissionais da educação que não veem
sua profissão como um sacerdócio. (TAVARES, 2012, p.124).
Assim fica óbvia a verdadeira função profissional do educador, além desse
equívoco com relação ao profissional e ao profeta da educação, há também
a confusão estabelecida hoje, professor acaba sendo pai e mãe, sua função
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está delimitada na sociedade, ou seja, pais designam a educação dos filhos
para esses profissionais.
Para Tavares (2012) essa atribuição de valores como substituir os papéis
dos pais, é tida como um pecado grave, uma mudança que gera muitos
erros dentro do magistério.
Obviamente, os educadores tentaram substituir a família omissa,
mas pecaram em muitos quesitos, e um deles foi o fator tempo para
se criarem vínculos afetivos com os educandos, visto que não é essa
a função do educador; age erroneamente quem assim pensa. É
sabido que temos de oferecer o melhor aos nossos educandos, como
atenção, carinho, respeito, dignidade, ética e bons exemplos, mas
não esse lado afetivo que o fará substituir a mãe ou o pai pelos
professores, que são as principais bases de uma família comum.
(TAVARES, 2012, p.25).
Com tais evidencias é percebido que o professor tem que exercer a arte de
educar, tirando o aluno da situação de coadjuvante para ser protagonista
da sua formação cognitiva e social. O professor lançará as sementes, mas
quem deverá cultivar e fazer dar bons frutos, será o educando, somando
valores trazidos de casa com a aprendizagem escolar. Mas para isso é
necessário equacionar os equívocos com relação aos papéis desses pilares
da educação, aluno e professor. Compete ao gestor pedagógico uma firme
postura e orientar para que a escola tome um rumo certo na sua função.
OO PPAAPPEELL PPOOLLÍÍTTIICCOO NNAA GGEESSTTÃÃOO DDEEMMOOCCRRÁÁTTIICCAA
A educação é direito de todos os cidadãos, que de acordo com Carneiro
(2007) p.89 “A educação básica tem por finalidades desenvolver o
educando, assegurar-lhe a formação comum indispensável para o exercício
da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no trabalho em estudos
posteriores”.
Mas para que haja essa formação é necessário incentivo governamental,
em se tratando de escolas públicas, que agrega maior parte dos estudantes
brasileiros.
Os incentivos deveriam começar pelo reconhecimento do papel profissional,
que de acordo com Tavares (2012)
“Os professores são os profissionais que têm a função de socializar
o educando em sua totalidade como ser humano, além de prepara-
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lo para uma vida digna e essencialmente prática, tornando-o um
protagonista de seu contexto”. (TAVARES, 2012, p. 126)
Para que esses profissionais possam exercer bem sua função pedagógica é
preciso que sejam reconhecidos como profissionais como todos os outros,
mas infelizmente não é isso que acontece. Segundo Tavares (2012), numa
cidade do interior de São Paulo, um político teve a ousadia de dizer que
“professores são inúteis”. Sendo um representante do governo, cujo ensino
é outorgado pelo Ministério da Educação, jamais poderia ter dito tamanha
bobagem. Assim, Tavares corrobora com as seguintes afirmações:
“A mora e a ética simplesmente não são aplicadas ou não existem
na consciência das pessoas com esse tipo de caráter, pois esse
mesmo representante do povo aprovou um aumento em seu salário
dobrando-o de cinco mil para dez mil reais, isso tudo tirado dos
cofres públicos que deveria ser mais bem ministrado para melhorar
a qualidade de vida dos eleitores dessa cidade”. (TAVARES, 2012,
p. 128).
É possível enxergar uma contradição por parte deste político que não pensa
no bem comum, e sim no seu bem estar, pois o mesmo para estar
exercendo a função legislativa numa Câmara de Vereadores passou por
uma escola, e fica a dúvida, será que ele recebeu uma formação cidadã
crítica eficaz?
Sem dúvida, para Tavares (2012) o que era pra ser uma exceção virou
regra, grande parte dos políticos roubam a motivação dos professores em
tornar seus alunos em cidadãos críticos. Pois hoje, os sistemas exigem que
os resultados sejam manipulados, para ter bons gráficos e ótimos
resultados de acordo com pesquisas.
Confirma-se aqui que a contribuição dos políticos para a educação e para a
formação de seres pensantes é nula, pois para eles quanto menos
entendimento possuírem os cidadãos, mais fácil será manipulá-los para que
os elejam nas urnas.
A política segundo o mini Aurélio da língua portuguesa (2010) p. 256 traz o
seguinte significado: “arte e ciência de bem governar, de cuidar dos
negócios públicos”. Pois bem, cuidar não é de qualquer forma, mas sim ter
zelo por algo, demonstrar preocupação e interesse em bem servir.
Infelizmente não é o que se têm visto em relação à Educação no Brasil, os
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olhos dos representantes políticos têm se distanciado muito do ideal para
as escolas (alunos, profissionais da educação, comunidade escolar, etc.).
É de responsabilidade das políticas públicas investir na carreira profissional
tanto na formação quanto no exercício do magistério.
Art. 61 A formação de profissionais da educação, de modo a atender
aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de ensino e as
características de cada fase do desenvolvimento do educando, terá
como fundamentos: I. a associação entre teorias e práticas,
inclusive mediante a capacitação em serviço; II. aproveitamento da
formação e experiências anteriores em instituições de ensino e
outras atividades. (CARNEIRO, 2007, P.164).
Carneiro (2007) corrobora que a formação não se deve somente nos
espaços acadêmicos, mas deve estender-se dentro do espaço de trabalho,
na dimensão não-formal ou extraescolar. Pois, investindo no educador,
haverá resultados satisfatórios na formação dos educandos.
A formação do professor constitui aspecto angular da educação
básica. O ideal é que se tenham docentes com formação avançada
para atuar num nível de educação onde são definidos os valores e
as condições básicas para o aluno aprender o conhecimento mínimo
e laborar a visão estratégica imprescindível a empreender o mundo,
intervir na realidade e agir como sujeito crítico. (CARNEIRO, 2007,
p. 165).
Assim, para obtenção de um ensino e aprendizagem para a formação do
cidadão crítico, a responsabilidade não é só do educador, mas as ações
governamentais devem ter toda uma preocupação em oferecer condições
básicas para que isso ocorra, isto é, a educação deve ser expandida e
transformadora da realidade.
Observa-se que, para um grande número de políticos, a coletividade se
resume a um pequeno conjunto de pessoas que usa de um poder para
pregar a ideologia, convencendo a massa alienada por meio de falseamento
da realidade, utilizando de um dos recursos que é a núncio-política.
(TAVARES, 2012, p. 54).
Tavares (2012) apud Gallo (2003) postula que a minoria terá sucesso
enquanto houver a existência de pessoas alienadas e que nunca será
compatível com a educação emancipadora pregada por Paulo Freire.
[...] a educação deve ser desinibidora e não restritiva. É necessário
darmos oportunidade para que os educandos sejam eles mesmos.
Caso contrário, domesticamos, o que significa a negação da
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educação. Um educador que restringe os educandos a um plano
pessoal impede-os de criar. Muitos acham que o aluno deve repetir
o que o professor diz na classe. Isso significa tomar o sujeito como
instrumento. (TAVARES, 2012 p. 55 apud FREIRE, 1979, p. 72).
A escola deve cumprir sua missão política que é a de transformar o cidadão,
fazendo com que ele adquira plena consciência crítica da sociedade em que
vive e seja capaz de resolver todos as situações problemas pessoais ou
coletivas que vier a encontrar no decorrer da vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As instituições de ensino ainda são muito tímidas quando se trata de
educação emancipadora, pois segundo Tavares (2012) ainda impera um
sistema que proíbe e invalida um saber crítico, os educadores são
manipulados há oferecer um ensino convencional e institucionalizado.
As instituições oferecem uma educação assistencialista e não libertadora, o
que nos fere como cidadãos e rouba nossa dignidade, causando um
estrabismo, não concebido como o desvio dos olhos, mas como uma
metáfora para mostrar a maneira errada de ver as coisas, de julgar e
racionar. (TAVARES, 2012, p. 107).
Para realizar essa mudança, o educador precisa acreditar no seu potencial,
mesmo com tantas evidências políticas contra essa ideologia, mesmo
estando trabalhando completamente desmotivado por conta dos baixos
salários, pela falta de formação, pela cobrança de falsos resultados nas
provas avaliativas aplicadas pelo sistema, dentre outras frustrações.
É preciso devolver ao educando autonomia e segurança para agir, para que
saiba reivindicar seus direitos, que tenha uma formação condizente com
sua necessidade, próxima da realidade que vive e que corresponda aos seus
anseios. E a partir daí ter um senso crítico das mais diversas áreas do
conhecimento.
[...] o letramento faz o educando estar preparado para qualquer tipo
de avaliação que exija um reconhecimento, uma compreensão ou
uma aplicação, fazendo com que possa desenvolver conceitos,
analisar, relacionar, aplicar esses conceitos, transferir
aprendizagem e criar, por si só, novos conceitos. Feito isso, o aluno
terá desenvolvido em si uma racionalização e terá segurança,
podendo discernir com clareza, objetividade e com embasamento
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científico sobre diversos temas. (TAVARES, 2012, p.109 apud
BAKHTIN, 2003).
Além de uma atuação enérgica dos educadores, faz-se necessário o apoio
pedagógico escolar, a gestão escolar deve empenhar-se para conseguir
equacionar os problemas que impedem a formação crítica do aluno. O ideal
é que todos almejem o senso crítico, que a busca por recursos tais como
material didático, profissionais qualificados e bem remunerados, e sem
problemas políticos.
O ideal é de que todos voltem os olhares para os alunos, não olhem apenas
como seres a serem manipulados por um sistema, mas um olhar de “pai” e
“mãe” que preza pela vida dos seus filhos, que deseja o melhor, que o
proteja e acima de tudo, ensine-o a se proteger e se garantir numa vida
social próspera e eficaz.
Para Tavares (2012) a mudança deve iniciar na sala aula
A sala de aula deve deixar de ser um local onde o professor é o único
sabedor e, sim, passar a ser um local de troca de informações e
conhecimentos. Deverá ser um local de troca de informações e
conhecimentos. Deverá ser um local de reflexões, críticas e
descobertas, elevando cada vez mais o lado cognitivo do educando,
fazendo-o respeitar as opiniões, analisar toda e qualquer
possibilidade. As atividades deverão ser voltadas para a resolução
de problemas reais, além de estarem centradas nos projetos que a
própria escola criou com a comunidade escolar. (TAVARES, 2012, p.
112/113).
É papel dos professores incentivar os alunos a uma educação continuada
priorizando a formação crítica e ativa do cidadão. Esse processo inicia-se
desde a educação infantil.
Ele acompanhará o desenvolvimento cognitivo na infância, o
desenvolvimento social e da personalidade de seus educandos, a
sua consciência e percepção, as aprendizagens, motivações,
emoções, individualidades e os comportamentos social e afetivo,
fazendo com que consigam um desenvolvimento integral, tendo
como base a Psicologia da aprendizagem e também a Psicologia
social. (TAVARES, 2012, p.142).
Contudo, os educadores durante o processo de ensino e aprendizagem
devem ministrar conteúdos significativos para os discentes, que
contemplam a realidade e não uma ideologia fantasiosa.
Outro ponto importante é o projeto pedagógico que contemple todo o
processo de ensino aprendizagem, inclusive os métodos e recursos
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utilizados para a formação crítica do aluno, é essencial que tenha uma
equipe gestora qualificada. Pois diante da realidade educacional,
professores desmotivados e alunos oriundos de realidades sub-humanas,
carentes material e afetivamente, os gestores devem ser o alicerce para
promover a reintegração das funções de alunos e professores para uma
realidade transformadora.
A gestão escolar deve ser vista como a pedra fundamental para que
a escola ofereça à sua comunidade uma escola que atenda às
exigências do dia-a-dia. É sua função melhorar a compreensão da
realidade social de maneira inclusiva, democrática e participativa,
resgatando a ética e o civismo – por muitos ignorados – e promover
a apreensão de competências e habilidades na comunidade de
maneira que os cidadãos possam atuar como agentes de
transformação social. (TAVARES, 2012, p.113).
Segundo Tavares (2012) a gestão escolar necessita da participação de
todos os envolvidos, ou seja, professores, alunos, funcionários e de toda a
comunidade escolar. O autor postula ainda que a comunidade deve ser
“cidadã e proativa” onde há a interação e comprometimento de todos os
evolvidos.
O gestor que exerce uma liderança consegue trabalhar sem grandes
complicações a motivação de seus educadores, e, dessa maneira,
faz com que persigam determinada meta ou objetivo com
determinação para que a escola busque a excelência em relação ao
processo ensino-aprendizagem e que essa excelência seja o cerne
para os educandos se tornarem cidadãos críticos e protagonistas de
sua história. (TAVARES, 2012, p. 117).
Uma gestão pedagógica democrática deve traçar objetivos, a partir da
realidade que se encontra para onde se pretende chegar. Essa característica
deve ser construída em comum acordo obedecendo aos regimentos
escolares, projetos pedagógicos e leis que compreendem a necessidade dos
educandos.
O gestor deve ser um líder nato, não basta gostar de gerenciar ou dirigir
uma escola, deve ser uma pessoa destemida e comprometida com a
educação, ter boa postura e ser capaz de se comunicar com seus liderados.
O gestor não deve ter medo de assumir riscos, pois o próprio
planejamento lhe oferecerá planos de contingência, e ele estará
lidando com pessoas totalmente comprometidas com o planejado;
deverá ser um bom comunicador, e para que se faça a comunicação
devem entender a mensagem e interagir, além de trabalhar de
maneira democrática, incentivando e ouvindo os envolvidos no
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Maria Paula Ferreira Antunes.
processo ensino-aprendizagem. Isso irá desenvolver no gestou uma
competência ainda maior em gerir relacionamentos, pois ele terá de
estabelecer contatos verticais e horizontais, mantendo relações
complexas para que seu planejamento seja aplicável. (TAVARES,
2012, p. 115).
Para Tavares (2012) os professores de outrora eram detentores do
conhecimento e não eram questionados pelos educandos, porque sempre
foram referência do saber. Hoje esse quadro mudou, ou melhor, a sociedade
é outra, segundo o autor vivemos na sociedade do conhecimento.
Nesta sociedade, a busca do conhecimento passa a ser uma
constante na vida de todos, fazendo com que nos tornemos
polivalentes e empreendedores, tornando-nos cidadãos críticos e
competitivos, proporcionando, assim, profícuas sinergias entre
educadores e educandos. A informação é acessível a todos sem
hierarquia que impeça a sua interpretação, e, com isso, o professor
que antes era o seu detentor, passa a trabalhar agora como
mediador e incentivador de seus educandos na aquisição de seus
próprios conhecimentos. (TAVARES, 2012, p.144).
Tavares (2012) postula ainda que a escola não acompanha a evolução da
sociedade do conhecimento, onde jovens dominam a tecnologia, porém não
sabem filtrar informações relevantes das supérfluas, e onde profissionais
apresentam dificuldades nas novas técnicas e obedecem a um sistema
falho. Portanto, a gestão escolar, deve mediar essa inversão, fazendo com
que seus profissionais busquem se aperfeiçoar e também consigam motivá-
los a inovação de suas estratégias e métodos de ensino.
A escola como pôde ser observada é um lugar de grandes transformações,
tanto do sistema quanto do indivíduo. Com a democratização do
conhecimento, o educador não é mais o detentor do saber, mas deve
contribuir com a formação cognitiva do sujeito para que este possa
gradativamente aplicá-lo dentro das suas competências e habilidades.
O educador deve conduzir o aluno a ser o protagonista da sua
aprendizagem, o discente deve participar da aula proativamente, mesmo
encontrando barreiras sociais e emocionais, a escola deve ser acolhedora.
Ressalta-se que professores não são pais, mas devem ter afeto, demonstrar
atenção e preocupação com a formação dos alunos, pois estarão cumprindo
seu papel social, e também fazendo valer sua formação de educador.
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Embora o descaso a esses profissionais ainda é muito exacerbado, a
esperança deve tomar conta dos educadores, acreditar na melhora do ser
humano, porque se investir no aluno hoje, poderá mudar os que ocupam
lugares indevidos na política. Pois de bons cidadãos críticos que precisa a
sociedade, e o melhor caminho e tirar o sujeito da inércia para que de fato
se torne um cidadão comprometido com a sociedade.
Para que se consiga uma boa qualidade do ensino, também é preciso trazer
as famílias para a escola, pois a participação da comunidade é fundamental,
somente ela poderá ajudar a escola traçar objetivos, que equacionem os
problemas sociais vividos ao redor da escola. Será com a ajuda de pais e
responsáveis que a escola poderá, em longo prazo, abranger toda a
comunidade com um projeto pedagógico eficaz e que contribuir com a
formação do indivíduo, ou seja, o ensino terá fundamento na realidade do
aluno, o que o motivará a frequentá-la com mais amor e empenho.
Compreende-se também a importância dos gestores pedagógicos que têm
papéis importantes dentro da instituição de ensino, pode-se dizer que são
elos entre os membros que compõem a unidade de ensino como corrobora
Tavares.
O gestor deverá estar imbuído de humildade e, por natureza,
inclinado a tratar com isonomia as pessoas, tanto educadores
quanto serviçais, além de ser consciente e honesto consigo mesmo,
sabendo de suas falhas e esforço para melhorar como profissional
e, também, como pessoa. Deve ser um profissional proativo, pois
se sentirá incomodado com a inércia e com a situação da sua
comunidade, fazendo de tudo para mudar a realidade para melhor,
pois não aceitará de forma passiva qualquer imposição que lhe seja
passada. Os gestores são profissionais que necessitam ter também
uma boa escuta para que façam sempre o melhor para a
comunidade e saibam gerir ideias e adequá-las à realidade de seus
alunos. (TAVARES, 2012, p.116).
Sumariamente, a formação do cidadão crítico é baseada numa educação
comprometida, não sob a responsabilidade de um ser ou uma pequena
parte da sociedade, mas de todos os membros que a envolvem. É preciso
acreditar que a educação abre as portas para o futuro, para uma sociedade
igualitária e humana, não a vemos como a redentora da humanidade, mas
como corredentora.
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FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO
BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO FUNDAMENTAL
Mel Pessoa Saad4
RESUMO
A educação bilíngue de prestígio, no Brasil, tem sido uma tendência crescente,
desde o início dos anos 2000. Da mesma forma, o número de escolas bilíngues
aumenta significativamente a cada ano, bem como a quantidade de pais que
buscam, para seus filhos, uma educação de qualidade aliada à aquisição de um
segundo idioma.
O presente artigo pretende discutir conceitos relacionados à constituição da
linguagem, ao bilinguismo e à educação bilíngue, tendo como foco os possíveis
desdobramentos deste tipo de educação, quando o aprendiz o inicia no Ensino
Fundamental. Para isso, foi feita uma revisão bibliográfica e foram discutidos três
casos de alunos que ingressaram em uma escola bilíngue, após a Educação
Infantil.
É possível compreender que, quando a educação bilíngue tem início no Ensino
Fundamental, podem ocorrer alterações mais ou menos significativas no
desempenho e/ou comportamento do aluno. Se estas mudanças estiverem
relacionadas apenas à novidade da língua, a tendência é que a criança – cada uma
a seu tempo – se adapte ao novo e, ao adquirir um repertório que a possibilite
acompanhar as aulas satisfatoriamente na sua L2, seu funcionamento volte ao
normal, acrescido das muitas vantagens que uma segunda língua traz, como por
exemplo, desenvolvimento de habilidades linguísticas e metalinguísticas, aumento
do pensamento criativo, da flexibilidade e da atenção seletiva.
Palavras-chave: Bilinguismo. Educação bilíngue. Aquisição. Língua. Linguagem.
4 Graduada em Psicologia pela PUC-SP. Especializada em Psicanálise da Criança, pelo Instituto SEDES
SAPIENTIAE e em Clínica Psicanalítica no Campo dos Distúrbios da Audição, Voz e Linguagem, pela DERDIC.
Atua há dez anos como professora de inglês do Ensino Fundamental I, em escola bilíngue.
E-mail: [email protected]
80 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, tem havido um considerável crescimento na demanda
por escolas bilíngues no Brasil. Todavia, não há números oficiais destas
escolas e tampouco legislação específica sobre seu funcionamento. Ainda
assim, está claro que a busca por uma educação bilíngue vem ocorrendo de
forma cada vez mais ampla, a partir do início deste século.
Há quase 30 anos, com o fim da Guerra Fria e a queda do Muro de Berlim,
houve uma consolidação da globalização. A partir desse momento, o mundo
vem vivenciando tanto o acesso instantâneo a qualquer parte do globo, por
meio das redes de comunicação, quanto o “encurtamento” das distâncias,
já que os sistemas de transportes conseguem alcançar lugares longínquos
em pouquíssimo tempo.
Esta rápida e crescente integração das diferentes áreas do planeta trouxe
consigo a necessidade de aprendermos outra(s) língua(s), de forma a
estarmos genuína e consistentemente conectados ao que acontece a nossa
volta, isto é, com naturalidade e domínio.
Assim, ao contrário daqueles que, nos anos 1990 e início dos 2000,
procuravam cursos de idiomas para “terem uma noção” ou saberem “se
virar” em outra língua, atualmente, busca-se algo além: o domínio de um
segundo idioma. Dessa maneira, para muitos pais de hoje – aqueles que
vivem esta realidade globalizada5 e têm condições financeiras –, é de
extrema importância que seus filhos tenham uma educação escolar de
ótima qualidade associada à aprendizagem consistente de uma segunda
língua, a fim de que adquiram a mesma fluência e a propriedade que têm
em seu primeiro idioma. Segundo Geiger-Jaillet (2014), “O novo paradigma
é ‘aprender uma língua estrangeira, aprender em língua estrangeira’. Por
5 É sabido que todos estão inseridos no contexto da globalização, mesmo que indiretamente. A
referência aqui é, todavia, àqueles que experienciam a necessidade de comunicação e interação mais constantes
com outros idiomas, países e/ou culturas.
81 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
isso, é preciso utilizar as línguas para aprender e aprender utilizando as
línguas” (p. 3).
Alguns pais, no entanto, sentem esta necessidade de uma educação
bilíngue de prestígio6 para seus filhos, em um momento posterior à
Educação Infantil. Com isso, aquele processo “natural” de aquisição, no qual
o aluno aprende a língua quase sem perceber, por meio de brincadeiras e
muitas atividades corporais, passa a ser mais formal. No Ensino
Fundamental7, utiliza-se majoritariamente a comunicação verbal e
requisita-se do educando uma atitude mais ativa.
A inserção tardia8 da criança em uma educação bilíngue pode trazer alguns
percalços, tendo em vista que ela deverá se comunicar metade do tempo
neste outro idioma ainda desconhecido. Muitos pais preocupam-se ao
perceberem mudanças no desenvolvimento e/ou comportamento dos filhos
que se retraem, se angustiam ou choram frente ao desafio de uma escola
diferente com uma língua nova.
Portanto, o objetivo do presente artigo é investigar 1) se há alguma
alteração significativa no comportamento e/ou desempenho do aluno,
quando a educação bilíngue tem início no Ensino Fundamental; 2) o tempo
que o aprendiz leva para acompanhar satisfatoriamente as aulas em sua
língua-alvo; 3) os prováveis desdobramentos de uma educação bilíngue.
Estas questões são propostas com o intuito de se compreender melhor as
dificuldades pelas quais crianças recém-chegadas na educação bilíngue
vivenciam e as possíveis vantagens de se persistir neste caminho.
6 A educação bilíngue de prestígio trabalha com o bilinguismo de elite – explicado, posteriormente, no
corpo do trabalho.
7 O Ensino Fundamental é uma das etapas da educação básica no Brasil e tem início por volta dos seis
anos de idade, quando a criança é alfabetizada.
8 O termo tardio é aqui utilizado para indicar que ocorreu depois da Educação Infantil, isto é, posterior
à primeira infância. A denominação bilinguismo tardio tem relação com este termo e se coloca em oposição ao
bilinguismo precoce. Ambos estão vinculados ao momento de aquisição de L2, já que quanto antes a criança é
exposta a um segundo idioma, maior é sua vantagem no desenvolvimento da língua, pois não há um enfoque de
instrução, isto é, o aprendizado não é via regras ainda (Marcelino, 2009).
82 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
Para tanto, serão discutidos os seguintes temas: Desenvolvimento da
Linguagem; Aquisição da Língua Materna e de Outra(s) Língua(s);
Bilinguismo; Educação Bilíngue; Bilinguismo e seus Desdobramentos;
Habilidades Linguísticas e Metalinguísticas; Criatividade e Bilinguismo.
Posteriormente, serão analisados três casos vivenciados em uma escola
bilíngue, à luz dos referenciais teóricos expostos.
DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM
A construção e o desenvolvimento da linguagem sempre foram amplamente
discutidos e teorizados, tendo em vista que remontam à filogenia e à ontogenia da
nossa espécie. Por ser algo tão importante para se refletir e entender melhor o
porquê e como se dão alguns dos processos mentais do ser humano, diversas
áreas do conhecimento ocupam-se desta questão. De acordo com Petter,
professora de Linguística da USP,
linguagem é a capacidade que os seres humanos têm para produzir,
desenvolver e compreender a língua e outras manifestações, como
a pintura, a música e a dança. Já a língua é um conjunto organizado
de elementos (sons e gestos) que possibilitam a comunicação. Ela
surge em sociedade, e todos os grupos humanos desenvolvem
sistemas com esse fim.
Bronckart, no Dicionário de Psicologia (1998), acrescenta – sobre
linguagem – que essa capacidade da espécie humana de aprender e utilizar
um ou vários sistemas de signos verbais possibilita dois pontos: a
comunicação com seus semelhantes e a representação de mundo para si
mesmo. Este autor também pontua que o termo fala “designa os
comportamentos concretos do emprego da língua por um indivíduo” (p.
467).
Vigotski (2008), por sua vez, observa que “[...] a linguagem não depende
da natureza do material que utiliza. [...] Não importa qual o meio, mas sim
o uso funcional dos signos” (p. 47, grifo do autor). Ele lembra que “na
linguagem dos povos primitivos, os gestos têm um papel importante e são
usados juntamente com o som” (Ibidem. p. 47, grifo nosso), sem, todavia,
depender necessariamente dele.
83 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
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Mel Pessoa Saad
Partindo deste princípio, é possível refletir sobre o tipo de linguagem
utilizada pela criança. Quando a observamos, “fica bastante claro que não
é somente a palavra mamã que significa, digamos, ‘Mamãe, me põe na
cadeira’, mas o comportamento todo da criança naquele momento (seus
movimentos em direção à cadeira, tentando agarrar-se a ela etc.)”
(VIGOTSKI, 2008, p. 37, grifo do autor). Este autor diz ainda que, nesta
ocasião, a tradução para a palavra mamã só pode ser feita a partir dos
gestos que a acompanham – são os gestos que se constituem, neste
começo de vida, como linguagem.
No início de seu desenvolvimento, o indivíduo não tem, então, consciência
do que fala, ou melhor, dos sons que emite – mesmo que estes tenham
algum significado para aqueles que os ouvem.
“O fato mais importante revelado pelo estudo genético do pensamento e da
fala é que a relação entre ambos passa por várias mudanças. O progresso
da fala não é paralelo ao progresso do pensamento” (Ibidem. p. 41).
Todavia, “a fala não pode ser ‘descoberta’ sem o pensamento” (Ibidem. p.
54, grifo nosso). Ainda segundo Vigotski, pensamento e fala são produtos
do desenvolvimento da consciência humana que, “ao longo da evolução de
ambos, estabelecem entre si uma interdependência contínua e sistemática
que se modifica e se desenvolve” (JOBIN e SOUZA, 2012, p. 127).
Franchi (1992) postula que:
[...] antes de ser para a comunicação, a linguagem é para a elaboração; e antes de ser
mensagem, a linguagem é construção do pensamento; e antes de ser veículo de
sentimentos, ideias, emoções, aspirações, a linguagem é um processo criador em que
organizamos e damos forma às nossas experiências. (p. 25)
Inicialmente, o pensamento do bebê evolui sem a linguagem e seus
balbucios e choros – apesar de serem entendidos como uma forma de
comunicação – tampouco estão relacionados à evolução do pensamento.
Contudo, Hamers e Blanc (2000) colocam que “Through interactions with
others he will develop a prelinguistic readiness for meaning, i.e. a context
sensitivity which will enable him to make the linguistic forms present in the
environment his own” (p. 17, grifo nosso).
84 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
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Considera-se, com isso, que a função social da fala mostra-se existente,
antes mesmo da criança completar seu primeiro ano de vida. De acordo
com pesquisas descritas por Vigotski (2008), este pequeno ser, já nos
primeiros meses, reage à voz humana de diversas maneiras – com risadas,
sons inarticulados, movimentos etc. –, a fim de atrair a atenção do outro e
comunicar-lhe suas sensações de prazer e desprazer (JOBIN e SOUZA,
2012; VIGOTSKI, 2008). Nestes primeiros meses de vida, a criança
(...) possui um pensamento pré-linguístico e uma linguagem pré-
intelectual. O momento crucial ocorre por volta dos dois anos,
quando as curvas do pensamento pré-linguístico e da linguagem
pré-intelectual se encontram e se juntam, iniciando um novo tipo de
organização do pensamento e da linguagem. Nesse momento o
pensamento torna-se verbal e a fala, racional. A criança descobre,
ainda que difusamente, que cada coisa tem seu nome e a fala
começa a servir ao intelecto e os pensamentos começam a ser
verbalizados (JOBIN e SOUZA, 2012, p. 128, grifo nosso).
A partir da breve descrição acima sobre o desenvolvimento da linguagem,
não há dúvidas de que, para Vigotski, “a fala, as condições de comunicação
e as estruturas sociais estão indissoluvelmente ligadas” (Ibidem. p. 111).
Hamers e Blanc (2000) também sustentam que a linguagem só se
desenvolve com a interação social: “[…] the original input for language
development comes from the child’s social environment, via the social
networks and the significant interactions with others” (p. 20). Sendo assim,
entendemos que
é no fluxo da interação verbal que a palavra se concretiza como
signo ideológico, que se transforma e ganha diferentes significados,
de acordo com o contexto em que ela surge. Constituído pelo
fenômeno da integração social, o diálogo se revela como forma de
ligação entre a linguagem e a vida (JOBIN e SOUZA, 2012, p. 120,
grifo nosso).
Isto é, pensamento e fala unem-se e transformam-se mutuamente, com o
intercâmbio social e, ao longo do desenvolvimento do indivíduo, os
significados contidos nestes dois continuam a serem transformados (Costa,
2013).
Tanto Piaget quanto Maturana concordam com Vigotski que é na interação
com o outro que se dá a possibilidade de desenvolvimento da linguagem.
Estes autores, entretanto, discordam quanto ao que possibilita o
85 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
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Mel Pessoa Saad
surgimento da linguagem no ser humano. Isso se deve ao que cada um
privilegia ao desenvolver suas respectivas teorias.
Piaget privilegia a maturação biológica, afirmando que os fatores internos
preponderam sobre os externos e que o desenvolvimento humano segue
uma sequência fixa e universal de estágios. Ele postula que a inteligência,
o pensamento e a linguagem estão intrincados como pilares do
desenvolvimento – sendo a inteligência a responsável por articular os outros
dois.
Para Maturana e Vigotski, a noção de linguagem é construída nas relações
com o ambiente e com o outro. Dessa maneira, o desenvolvimento de cada
indivíduo variará de acordo com as mudanças do ambiente.
Enquanto Vigotski diz que a cultura molda as funções psicológicas das
pessoas, ao longo do tempo, através das interações do indivíduo com o
ambiente social, Maturana foca no fato destas relações serem imbuídas de
emoção e considera que os pilares da linhagem humana atual (nos aspectos
filogenético e ontogenético) são: o modo de vida, a linguagem e a emoção,
além da racionalidade que, segundo ele, não pode existir separadamente
da linguagem e da emoção (COSTAS et al., 2002).
Então, o sujeito dotado de linguagem vai, na interação verbal com o outro,
distinguindo e organizando seu pensar e, a partir disso, percebendo que
precisa de mais palavras para expressar o que quer comunicar. Assim,
pensamento e linguagem, ao se articularem, constroem-se mutuamente,
complexificando-se. Por esse motivo, Maturana considera tanto o modo de
vida quanto a linguagem como estruturalmente plásticos e autopoiéticos9
(Ibidem).
Mantendo em mente esta plasticidade linguística, trataremos, a seguir, da
aquisição da língua materna e de outras línguas.
9 Autopoiese é a capacidade de seres vivos produzirem a si próprios, de acordo com o que Mengal
descreve no Dicionário de Psicologia (1998), “remete à ideia de um organismo concebido como um sistema
fechado, que constrói, de maneira autônoma, suas representações perceptivas e cognitivas [...]” (p. 103).
86 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
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AQUISIÇÃO DA LÍNGUA MATERNA (L110)
No que se refere à língua oral, é sabido que, antes mesmo de aprendê-la,
a criança foi envolvida por seus sons. Dormiu embalada por canções e ouviu
conversas que não fazia ideia do que significavam. Aos poucos, ainda sem
perceber, foram-se formando imagens agradáveis ou não, relacionadas à
melodia que ouvia, transmitidas pelas vozes de seus cuidadores e daqueles
que a cercavam. Lentamente, ela apreendeu conceitos trazidos por estes
sons e imagens e, com isso, atribuiu significados a eles. A voz e as palavras
de sua mãe e/ou de seus cuidadores foram trazendo sentido e sentimentos
ao que era ouvido – e, futuramente, falado.
Assim, ainda sem se dar conta, essa criança passou a dominar um sistema
de regras – que lhe possibilitou entender palavras e frases – e de valores –
que proveu de sentido e afetividade sua língua materna (GRUPPI, 2010).
“Internalisation processes of meaning, of language forms and of language
values will serve as building blocks for his own language representations
and processing mechanisms at the linguistic, at the cognitive and at the
social psychological level” (HAMERS; BLANC, 2000, p. 20, grifo nosso).
Esses valores linguísticos internalizados permitem que esta criança
manifeste e construa um saber com a própria língua. Por conseguinte, “a
língua materna não se separará jamais dessa sedimentação afetiva para se
tornar, simplesmente um instrumento de designação objetiva das coisas do
mundo” (GRUPPI, 2010, p. 13).
É, então, nestes primórdios da vida, que se dá o início de uma longa história
entre a língua e o indivíduo, de como ela o afeta e o transforma em sujeito.
Logo, a maneira que se dá a entrada deste indivíduo na língua é peça chave
para dizer como sua relação com a mesma se desenvolverá.
Igualmente, para Maturana, “[...] a linguagem não seria independente,
estaria atrelada à emoção, constituindo com a participação desta o
10 L1 é cronologicamente a primeira língua aprendida, é aquela que se domina melhor e que se utiliza
com mais frequência.
87 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
conversar, que estaria presente em toda realização humana [...]” (COSTAS
et al., 2002, p. 75, grifo nosso). Este conversar, por sua vez, contem uma
rede de conversações que incluem tanto as que estão acontecendo no
momento, como as que já ocorreram no passado e deixaram marca. Assim,
a língua vai fazendo sentido no decorrer de seu uso, a partir do que o sujeito
vai experienciando na sua interação com ela.
Nesta mesma perspectiva, Jobin e Souza (2012) diz que “a infância se
constitui num experimentum linguae [...]”, já que é
[...] o momento em que a linguagem humana emerge como
significação, pois é na fala da criança que acontece a passagem do
signo linguístico para a ordem do sentido [...] É nesse sentido que
uma tal concepção de infância não é algo que possa ser
compreendido antes da linguagem ou independentemente dela, pois
é na linguagem e pela linguagem que o homem constitui a cultura
e a si próprio. (p. 151, grifo nosso).
Dessa forma, é na utilização da língua que esta vai se aprimorando e que o
sujeito vai se constituindo. Marcelino (2009) assinala que
uma premissa importante no processo de aquisição de L1 é que a
criança, exposta a dados linguísticos primários, não necessita de
exposição ordenada e específica de todas as estruturas que a língua
pode apresentar (p. 16).
Ou seja, a construção da língua materna não acontece de forma organizada
e didática. Ao contrário, como foi mencionado anteriormente, o indivíduo
vai internalizando as regras de sua primeira língua naturalmente, sem
perceber.
Sendo assim, após o que foi desenvolvido até aqui, faz-se pertinente
entender alguns pontos sobre a aquisição de outras línguas.
AQUISIÇÃO DE OUTRAS LÍNGUAS (L211)
De acordo com a escola Construtivista, a aprendizagem só é possível a
partir da ação do aprendiz, isto é, de seu papel como construtor do próprio
saber. Para isso, é necessário que ele filtre e organize as novas
experiências, a fim de que se acomodem ao “acervo de coisas conhecidas”.
Quando há alguma incompatibilidade entre as novas vivências e os
11 L2 é uma (ou mais) língua(s) aprendida(s) após a língua materna (L1).
88 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
conhecimentos preexistentes, o sujeito reestrutura o que sabe para
incorporar essa nova informação. Por conseguinte, cada indivíduo
construirá sua própria realidade, mesmo que passe por experiências iguais
a de outros (MARQUES, 2011). “Portanto, o conhecimento é uma
construção mental e está sujeito a constantes reavaliações e reconstruções
na medida em que acomodamos as novas informações e experiências às já
existentes no nosso acervo de conhecimentos” (Ibidem. p. 34).
Neste sentido, ao entrar em contato com uma segunda língua, cada
aprendiz terá ações e reações diferentes, levando-se em conta sua história
com sua língua materna, como e em que momento de sua vida esta L2 lhe
é apresentada, entre muitos outros pontos. Todavia, não importa quando
isso acontece, segundo Gruppi (2010), “o sujeito, constituído enquanto tal,
pelo acesso à linguagem, quando toma a palavra em uma língua estrangeira
vivencia algum estranhamento” (p. 14).
Mesmo que a aquisição de uma segunda língua ocorra em idade precoce,
ela se desenvolve de forma diferente à da língua materna.
Independentemente da idade em que esta outra língua é aprendida, “é
exigida uma grande flexibilidade psíquica, entre um trabalho de análise e
de memorização das estruturas linguísticas [...] Ele perturba, questiona e
modifica tudo o que já foi anteriormente aprendido, despertando as mais
diversas reações” (Ibidem. p. 43-44).
Marcelino (2009) menciona que uma possibilidade bastante plausível é que
“[...] as estruturas [da língua] são aprendidas individualmente e cada uma
a seu tempo em L2, diferentemente do que ocorre em L1, onde há
instantaneidade” (p. 17).
Não obstante, este autor ressalta que
assim como na aquisição da L1, as crianças se deparam com uma
tarefa similar à tarefa que têm ao desenvolver sua L1: a necessidade
de chegar a um sistema gramatical a partir do input de uma língua
L. Sendo assim, os aprendizes têm diante de si, ao menos
potencialmente, o mesmo problema lógico da aquisição: como se
chega a um sistema linguístico complexo e completo a partir de
89 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
dados caóticos, fragmentados e elípticos? (MARCELINO, 2009, p.
13).
Sabe-se, então, que L1 e L2 desenvolvem-se de formas diferentes, mas
tem-se claro que ambas as línguas colocam o aprendiz às voltas com o
mesmo problema lógico: o de compreender e falar a partir da internalização
de regras, significados e sentidos de dados que chegam de forma
desordenada, confusa e fragmentada. Assim, se ambas as línguas
compartilham o mesmo problema quanto à internalização das regras, L2
pode se pautar em algum tipo de conhecimento da gramática de L1, a fim
de desenvolver um conhecimento acerca de sua própria gramática, não
sendo possível, no entanto, apoiar-se totalmente nesta, para se
compreender o novo sistema linguístico, já que são línguas diferentes
(Ibidem).
Marques (2011) reforça esta ideia do indivíduo utilizar L1 auxiliando na
construção de L2:
[...] a nossa aprendizagem é facilitada sempre que conseguimos
estabelecer relações de coordenação entre os esquemas de
conhecimento que já possuímos em novos vínculos e relações a cada
nova aprendizagem conquistada. E quanto mais relevante, mais
significativo for o que aprendemos, mais fácil será promover a
transferência dessas experiências. Construímos algo novo sobre
algo que já existe, se ele nos for significativo.Porém, precisamos
estar atentos porque certos conhecimentos, quando transferidos
para a outra língua, podem atrapalhar e precisamos ter o cuidado
de descobrir quais são os que podem interferir no desenvolvimento
da comunicação oral (p. 139, grifo nosso).
Diversas escolas bilíngues, todavia, supõem que, ao exporem seus alunos
à segunda língua, a aquisição dar-se-á naturalmente, como acontece com
a língua materna. Entretanto, mesmo quando esta exposição à L2 acontece
na Educação Infantil, as necessidades para sua aquisição são diferentes, de
acordo com Marcelino (2009), fazendo-se
[...] necessário que a criança seja exposta a todas as gamas de
propriedades presentes na língua conforme a língua-alvo12 prevê. E
isso pode ser feito por um professor (nativo ou não) que desenvolva
seu trabalho de ensino amparado e observante dos conteúdos
linguísticos que oferecem à criança o input para que a possibilidade
12 Língua-alvo é aquela que o aprendiz busca dominar.
90 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
de um desenvolvimento de uma gramática completa e complexa
exista. (p. 18-19).
Posto isso, está claro que é necessário ter alguns cuidados para que o input
oferecido aos alunos seja ótimo, a fim de que eles desenvolvam uma L2 de
forma adequada – com uma gramática completa e complexa, como dito
acima.
Ao mesmo tempo, Marques (2011) assinala que se deve ter em mente “[...]
a habilidade produtiva oral como um processo comunicativo, e
decorrentemente criativo, e não somente como uma prática de estruturas
gramaticais” (p. 152).
Dessa maneira, quanto mais cedo o aprendiz entra em contato com sua
língua-alvo, teoricamente, mais fluida e criativa é sua construção e
interação com a mesma, já que sua aprendizagem não ocorre de forma
racionalizada. Nas palavras de Marcelino (2009),
A criança exposta desde cedo à L2 deveria ter a vantagem da
exposição à língua, sem o enfoque de instrução e evidência
negativa. É em um contexto assim que as propriedades da língua se
desenvolvem, pois não há o aprendizado via regras [conscientes]
ainda, mas apenas o desenvolvimento linguístico da L2 da criança
(p. 18, grifo nosso).
Ainda neste sentido, é válido ter em mente que “se as dimensões
relacionadas à motivação, aos sentimentos e às representações sociais
desempenham um papel na apropriação da linguagem (L1), isso também
ocorre na aprendizagem de uma segunda língua ou de línguas estrangeiras”
(GEIGER-JAILLET, 2014, p. 1). De acordo com Hamers e Blanc (2000), “[…]
the acquisition of a second language is not only a function of the teaching
method, but is also mediated by, for example, attitudes in the community
and by individual motivation” (p. 13). Ou seja, como dito anteriormente, o
social tem grande influência no interesse do aprendiz e esta valorização ou
não da língua é um dos fatores que acarreta uma maior ou menor motivação
do sujeito para adquiri-la.
Assim, se quanto mais entusiasmado e envolvido estiver o aluno, maior
será sua facilidade para assimilar esta nova língua, é interessante que a
91 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
inserção de L2 possa ocorrer da forma mais agradável e natural possível,
por brincadeiras, músicas e histórias, em um contexto de descontração, no
qual o idioma trabalhado “[...] é um veículo, o meio através do qual a
criança também se desenvolve, adquire e constrói conhecimento e interage
e age sobre o meio” (MARCELINO, 2009, p. 10).
Gruppi (2010) afirma que “quando o aprendizado de um novo idioma se dá
de maneira contextualizada, a criança poderá falá-lo de maneira autêntica,
tornando-se assim um falante nativo da língua” (p. 42). Isto é, mesmo que
o início da aprendizagem de uma L2 seja após a Educação Infantil, se existe
o uso contextualizado da língua e a necessidade real de interação, e se é
uma comunicação legítima, que exige certa competência linguística, haverá
sentido e, consequentemente, a aquisição deste idioma ocorrerá de forma
consistente. De acordo com o Princípio Comunicativo 2, descrito por
Marques (2011),
a aquisição da linguagem acontece mais facilmente quando o
aprendiz está tentando se comunicar, quer explicando o que tem em
mente, quer negociando o significado de suas elocuções nas
interações com os outros participantes. Ele ‘aprende a se comunicar,
comunicando-se’. A meta primordial da abordagem comunicativa
(como o nome diz) está no processo comunicativo, sendo a
linguagem o veículo dessa comunicação, não somente seu objeto de
estudo [...] (p. 50)
Esta mesma autora afirma que o ser humano tem disponibilidade para
crescer e sede de expandir seu mundo, constantemente. Contudo, o
caminho deste conhecimento precisa fazer sentido para o aprendiz e, como
já mencionado, ele deve ser ativo na construção de sua aprendizagem.
Nascemos com uma predisposição para aprender. Temos uma
curiosidade inata de querer conhecer o mundo; por isso, somos
motivados a procurar saciar nossa sede de saber e necessitamos
estar disponíveis, abertos a percorrer os novos caminhos. Porém,
esses caminhos precisam ser ‘significativos’, precisam fazer sentido
para nós. E, para não nos sentirmos sobrepujados, esses novos
conhecimentos devem ser construídos sobre conhecimentos
adquiridos anteriormente. Só aprendemos se formos ativos, se
descobrimos por nós mesmos, se experimentamos e tantas outras
formas de aprendizado (Ibidem. p. 43-44, grifo nosso).
Desse modo, aprender uma ou mais línguas pode vir como algo muito
pertinente por dois motivos: 1) o sujeito amplia sua visão de mundo, ao
92 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
conhecer outros idiomas e 2) conhecimento gera (e facilita) mais
conhecimento.
1) O sujeito amplia sua visão de mundo: Conhecer um outro idioma faz
com que novas formas de comunicação sejam construídas, não só no que
se refere a gramáticas com estruturas diferentes, mas também a visões
culturais distintas, por isso possibilitar a interação com pessoas de diversos
países.
Em outras palavras, falar duas línguas significa ter acesso a dois
códigos linguísticos e, portanto, ter duas vezes mais oportunidades
de interagir com pessoas diferentes no mundo. [...] a literatura tem
demonstrado, ainda, benefícios linguísticos e metalinguísticos que
vão além dos ganhos sociais, uma vez que a experiência bilíngue
pode vir a modificar a forma como as pessoas veem e compreendem
o mundo (BRENTANO; FINGER, 2010, p. 121-122, grifo nosso).
Logo, “o ensino da segunda língua tem como objetivo ampliar a visão de
mundo do mundo, tornando-se cidadão mais consciente quando de sua
atuação na sociedade” (BLOS, 2008, p. 3).
Neste sentido, Marcelino (2009) sugere que “a escola bilíngue deveria ser
a nova concepção de escola, a partir de um mundo mais globalizado, o lugar
onde a troca de conhecimento e rompimento de fronteiras ocorre”. O que,
segundo ele, “[...] por si só, justifica a necessidade de uma outra língua
como veículo de instrução” (p. 11).
2) Conhecimento gera (e facilita) mais conhecimento: como foi visto
previamente, se L1 contribui, de alguma forma, para aquisição de uma
segunda língua, quando o processo de aprender uma terceira língua está
em pauta, este é, teoricamente, ainda mais simples, pois há “a possibilidade
de transferir os métodos de aprendizagem da experiência anterior para a
nova” (BLOS, 2008, p. 10), tornando esta mais fácil, rápida e efetiva.
Somando-se a isso, Brentano e Finger (2010) argumentam que indivíduos
bilíngues desenvolvem maiores habilidades linguísticas e consciência
metalinguística, além de terem um desenvolvimento precoce de
determinados processos cognitivos.
93 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
Assim, “o aprendizado de uma nova língua facilita o aprendizado de
outras novas línguas e a compreensão de línguas que carregam uma lógica
diferente” (ZIMMER; BECKER, 2015, p. 4). Um aluno que está aprendendo
um terceiro ou quarto idioma, por exemplo, pode, portanto, transpor, ainda
mais facilmente, seu conhecimento prévio em relação ao funcionamento de
um currículo bilíngue, a fim de buscar soluções para suas dificuldades e
dúvidas (BLOS, 2008).
Com base nestes argumentos sobre os benefícios da aquisição de
outras línguas, questiona-se: onde se encontra o bilinguismo?
BILINGUISMO
Diversos autores expõem suas definições, muitas vezes bem distintas,
sobre bilinguismo e o que é ser bilíngue. Do mesmo modo, os dicionários
apresentam diferentes explicações acerca destes termos, demonstrando
que eles exprimem uma noção ampla e difícil de conceituar.
Bilíngue pode denotar desde um indivíduo fluente em duas línguas –
segundo o dicionário online Oxford –, até simplesmente, como definido no
dicionário Aurélio (1999), “indivíduo, ou comunidade, que faz uso regular
de duas línguas (p. 300).
Para Hamers e Blanc (2000), “In the popular view, being bilingual equals
being able to speak two languages perfectly” (p. 6, grifo nosso). Marcelino
(2009) concorda com estes autores, articulando que
embora Grosjean (1982) aponte que tanto para monolíngues como
para bilíngues a fluência em duas línguas seja o fator mais
importante na descrição de um indivíduo bilíngue, tal fato não
parece ser consenso no contexto brasileiro, em que a maior parte
dos bilíngues e monolíngues acreditam que ‘ser bilíngue’ está
associado a crescer falando duas línguas, ou ser falante nativo de
duas línguas. (p. 3)
Bloomfield (1935) conceitua bilinguismo como “the native-like control of
two languages” (apud HAMERS; BLANC, 2000, p. 6). De forma oposta a
esta definição, Macnamara (1967) propõe que para ser considerado
bilíngue, o sujeito deve possuir uma competência mínima em, pelo menos,
uma das quatro habilidades linguísticas – falar, ouvir, ler e escrever –, em
94 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
uma língua diferente de sua língua materna (apud Ibidem). Entre estes dois
extremos, Hamers e Blanc (2000) citam ainda Titone (1972), para quem o
bilinguismo é “[...] the individual’s capacity to speak a second language
while following the concepts and structures of that language rather than
paraphrasing his or her mother tongue” (p. 6-7).
Independente da perspectiva escolhida, Grosjean (1985) chama a
atenção para o fato de que um sujeito bilíngue é mais do que a soma de
dois monolíngues, já que o primeiro desenvolve comportamentos
linguísticos específicos, a partir das duas línguas adquiridas (apud Ibidem).
Marcelino (2009), por sua vez, aponta que “à primeira vista,
parece não haver diferença entre ‘crescer falando duas línguas’, ‘ser nativo
em duas línguas’ e ‘ter fluência em duas línguas’. Mas é possível se chegar
ao nível de fluência em duas línguas sem os requerimentos das duas
primeiras descrições.” (p. 3). Sendo assim, surgem algumas questões: este
indivíduo que adquiriu fluência em duas línguas, sem haver crescido
falando-as ou sem ser nativo em ambas, pode ser considerado bilíngue?
Mesmo se apresentar um sotaque estrangeiro? Pode-se considerar bilíngue
aquele que acompanhou alguns anos de curso de determinado idioma, sem
nunca tê-lo usado para se comunicar, de fato? (HAMERS; BLANC, 2000).
Estas perguntas suscitam considerações acerca do que deve ser levado em
conta para denominar um indivíduo bilíngue e, consequentemente,
mostram que não há um consenso sobre o que é o bilinguismo. Contudo,
sua presença é indiscutível e, com isso, a necessidade de povos em
administrar duas (ou mais) línguas.
Machado (2010) argumenta que “encontrar uma única definição para
bilinguismo é tentar transformar um assunto complexo em algo simplista”
(p. 14-15).
Logo, Marcelino (2009) sugere que “a melhor caracterização de um bilíngue
deve ser em um continuum, ao invés de se pensar em classificações
definitivas do tipo ‘é bilíngue’, ‘não é bilíngue’” (p. 4). Ele prossegue dizendo
95 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
que “poderíamos então, pensar em um continuum que iria de ‘controle
nativo’ a ‘controle mínimo de uma das quatro habilidades linguísticas’”
(Ibidem. p. 5). Para este autor, todos os tipos de bilíngues podem ser
classificados com base em uma distinção pautada no momento da aquisição
das línguas: aquisição simultânea e aquisição consecutiva. Somente após
esta classificação, seriam feitas as categorizações baseadas na presença,
ausência e amplitude das competências (leitura, escrita, compreensão, fala)
de cada sujeito.
Sendo assim, este autor propõe uma reflexão, a partir do contexto
brasileiro, resumida no quadro abaixo (MARCELINO, 2009, p. 5-6):
Tipos de bilíngues pautado
no momento da aquisição Definição
Bilíngues simultâneos
Aqueles que crescem em
contato com duas línguas desde a
primeira infância.
Comumente estão inseridos
em contextos onde a língua de
instrução é a L2, seja em casa, seja
em escolas internacionais.
Por esta exposição acontecer
desde muito cedo, provavelmente
tornar-se-ão falantes nativos em duas
línguas.
Bilíngues consecutivos
Aqueles que aprendem a L2
em um momento posterior ao de L1,
geralmente, em institutos de idiomas.
Há grandes variações na
proficiência destes indivíduos.
Bilíngues consecutivos de
infância
Aqueles que desenvolvem a L2
num momento posterior ao de L1.
Todavia, isto acontece em um
96 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
contexto onde a L2 é utilizada como
meio de comunicação e de obtenção
de conhecimento (não apenas de
estudo em si), normalmente, escolas
bilíngues.
Estes indivíduos terão algum
nível de proficiência nas quatro
habilidades, podendo apresentar
maior ou menor destaque em uma ou
outra, dependendo de diversos fatores
pessoais.
Igualmente, Hamers e Blanc (2000), mesmo após uma vasta revisão
bibliográfica sobre o tema, apontam que nenhuma das definições
encontradas é satisfatória, pois não levam em conta a
multidimensionalidade deste fenômeno. Estes autores mostram, então, que
diversos fatores permeiam sua natureza, tais como: o momento em que as
línguas são adquiridas, as representações sociais e o status que o bilíngue
incute nelas, sua competência em relação às mesmas, em que contexto as
utiliza, entre outros.
A língua está, assim, necessariamente associada ao contexto em que é
utilizada, vivenciada e adquirida, já que nenhuma língua pode ser produzida
num vazio13. Deve-se considerar, portanto, quem está falando, para quem,
sobre o que e em quais circunstâncias. (GRUPPI, 2010). Nas palavras de
Hamers e Blanc (2000):
In our view, language behaviour does not and cannot exist outside
the functions it serves. By this we mean that language is in the first
place a tool developed and used to serve a number of functions,
13 Lembrando que a língua precisa do outro para se desenvolver e se constituir: “[…] language
development is rooted in the social interactions with the significant others […]” (HAMERS; BLANC, 2000, p.
17)
97 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
both social and psychological, which can be classified in two main
categories: communicative and cognitive […]. When language is
processed by an individual it is always intermingled with cognitive
and affective processes. (p.8)
Isto é, qualquer que seja a língua adquirida e utilizada, deve-se levar em
conta que ela serve a funções comunicativas e cognitivas e é determinada
por processos cognitivos e afetivos.
Esta dimensão afetiva do desenvolvimento linguístico, por sua vez,
possibilita diferenças na valorização de cada língua.
All societies value language as a tool of communication and of
cognition; however, they tend to valorise certain functions more
than others […]. If different varieties of language, e.g. accents, are
present in the society, one variety may be valued to the detriment
of others. A similar situation obtains in the case of multilingual
societies. One or more languages will be highly valued, while others
will be devalorised. (Ibidem. p. 12-13).
Megale (2005) resume um pouco do que foi trabalhado por Hamers e Blanc
(2000) sobre o que concebem como princípios básicos de comportamento
linguístico:
a constante interação de dinamismos sociais e individuais da língua,
os complexos processos entre as formas de comportamento
linguístico e as funções em que são utilizados, a interação recíproca
entre língua e cultura [...] e consequentemente a língua e a
valorização que é central para toda esta dinâmica de interação. (p.
7).
Seria interessante, então, que ao classificar indivíduos como bilíngues ou
monolíngues, fossem especificados os quesitos observados, a fim de
facilitar a compreensão do ponto (ou pontos) que está (estão) sendo
analisado(s) sobre o sujeito em questão.
Assim, abaixo, são destacados e descritos brevemente alguns tipos de
bilinguismo, pertinentes ao tema do presente artigo (GRUPPI, 2010;
HAMERS; BLANC, 2000; MACHADO, 2010; MEGALE, 2005):
Denominaç
ão Definição
98 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
Momen
to da
Aquisição
Bilinguismo
precoce ou infantil
Ambas as línguas são
adquiridas de forma simultânea, desde
a primeira infância.
Bilinguismo
tardio
A aquisição de L2 é posterior à
de L1.
Status
da Língua
Bilinguismo
aditivo
Adquire-se a segunda língua,
sem perda ou prejuízo da primeira, já
que ambas as línguas são
suficientemente valorizadas.
Bilinguismo
subtrativo
Há perda ou prejuízo da língua
materna durante a aquisição da
segunda língua, por haver uma
desvalorização de L1 frente à L2, no
ambiente infantil.
Compe
tência
Linguística
Bilinguismo
balanceado ou
equilibrado
A proficiência é relativamente
equivalente nas duas línguas.
Bilinguismo
dominante
Há grande assimetria quanto à
proficiência, em uma das línguas.
Bilinguismo
ativo
Há proficiência tanto na
compreensão como na expressão de
ambas as línguas.
Bilinguismo
passivo
Em uma das línguas, o
indivíduo tem competência apenas no
nível da compreensão.
Bilinguismo
funcional ou técnico
As competências ficam restritas
à funcionalidade de atividades sociais
e/ou profissionais.
Circuns
tância de
Bilinguismo
circunstancial
O indivíduo se torna bilíngue
por conta de uma circunstância, sem
que ele tenha uma escolha sobre isso.
99 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
Aprendizage
m da Língua
Ex.: filho de pais de nacionalidades
diferentes.
Bilinguismo
eletivo
Há uma escolha do indivíduo
(ou de seus pais), para que ele se torne
bilíngue. Ex.: estudar um idioma ou
estudar em uma escola bilíngue.
Presen
ça da L2 no
ambiente
social do
aprendiz
Bilinguismo
endógeno
Presença da L2 no ambiente
social do aprendiz (ex.: em casa, na
vizinhança, etc.).
Bilinguismo
exógeno
Ausência da L2 no ambiente
social do aprendiz (fala-se somente
onde a língua está sendo aprendida).
Desse modo, considerando o que foi exposto sobre os diferentes tipos de
bilinguismo, é interessante entender o que é e como pode acontecer a
educação bilíngue.
EDUCAÇÃO BILÍNGUE
Atualmente, no contexto mundial, há mais indivíduos bilíngues do que
monolíngues (BLOS, 2011; CAVALCANTI, 1999). Todavia, curiosamente, de
acordo com Romaine (1995 apud CAVALCANTI, 1999), a norma é
representada pelo monolinguismo, sendo este que serve como base para
os estudos linguísticos.
Igualmente, ainda hoje, há o mito do monolinguismo no Brasil. Isto se deve
ao fato dos contextos de minorias linguísticas14 serem ignorados em
detrimento das ditas línguas de prestígio15 (Ibidem). Todavia, o termo
educação bilíngue é usado para se referir tanto a aprendizes de grupos
minoritários – minorias linguísticas – como àqueles do grupo dominante –
aprendizes de línguas de prestígio. Quando se trata deste último grupo,
14 Nações indígenas, comunidades imigrantes, comunidades de surdos etc.
15 As línguas de prestígio são aquelas valorizadas em relação ao português.
100 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
convencionou-se chamar bilinguismo de elite (BAKER, 2001 apud
MACHADO, 2010; MEGALE, 2005).
Ao contrário do que alguns acreditam, a educação bilíngue não precisa
acontecer na escola. Machado (2010) reitera que é possível promovê-la em
outros contextos, como o âmbito familiar, no caso de pais ou parentes de
nacionalidades diferentes, ou ainda aqueles que tentam manter suas raízes
culturais em casa, utilizando sua língua materna e/ou de origem de seus
ascendentes – neste caso, o bilinguismo em questão seria o chamado
bilinguismo circunstancial16. Entretanto, o foco deste artigo é na educação
bilíngue promovida por escolas bilíngues de prestígio.
Assim, tendo em mente o que foi abordado até agora, o presente trabalho
discute as interferências de um bilinguismo de elite, aditivo e eletivo. Ou
seja, aqui são articuladas questões que envolvem uma segunda língua que
possui certo status social, mas não anula a primeira, a qual se optou por
aprender.
Megale (2005) descreve este tipo de educação bilíngue como “[...] uma
educação quase sempre de caráter elitista visando o aprendizado de um
novo idioma, o conhecimento de outras culturas e a habilitação para
completar os estudos no exterior” (p. 9-10).
Desta forma, este idioma chega para acrescentar à vida do indivíduo que o
aprende, e não para substituir uma língua ou cultura que este já possui. Por
tal motivo, Mejía (2002 apud GRUPPI, 2010) chama a atenção para a
estreita relação existente entre o bilinguismo de elite e o bilinguismo
aditivo. “Portanto, ao considerar a possibilidade de uma criança vir a
estudar em uma escola bilíngue, deveríamos fazer com que ela aprendesse
as duas línguas (língua materna e língua alvo), de maneira igual,
possibilitando-a se tornar proficiente em ambas as línguas” (GRUPPI, 2010,
p. 26). Hamers e Blanc (2000) também reiteram a importância de ambas
16 Como explicado anteriormente, no quadro sobre tipos de bilinguismo, é aquele que o indivíduo não
faz uma escolha consciente de se tornar bilíngue, mas as circunstâncias da vida o levam a isso.
101 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
as línguas serem igualmente valorizadas, na experiência bilíngue. Megale
(2005) complementa esta ideia dizendo:
Como isto será realizado, deve ser estudado por aqueles que
planejam a educação bilíngue. Uma outra questão que deve ser
levada em consideração ao se planejar a educação bilíngue é a
definição dos objetivos, de acordo com o programa que será
seguido, e como estes serão alcançados (p. 11).
Principalmente pelo fato – apontado por Blos (2011) – de que a educação
bilíngue é um fenômeno complexo e ainda novo no panorama educacional
brasileiro, sendo necessário levar em consideração o contexto no qual está
inserido, já que não há um modelo pronto a ser seguido.
Marcelino (2009) também salienta a relevância de se conceber um
planejamento adequado para que a educação bilíngue se desenvolva da
melhor forma possível. Contudo, chama a atenção para o fato de que a
variável mais importante para o resultado ótimo desta equação é o aprendiz
como agente de seu desenvolvimento:
Aponto a importância de se considerar os contextos ‘favoráveis’,
uma vez que o contexto, a exposição, o ‘plano inicial’ e o
conhecimento sobre como a aquisição acontece constituem e
descrevem condições ideais para o desenvolvimento linguístico; no
entanto, temos que considerar que somente a criança, o aprendiz é
o agente de seu aprendizado e desenvolvimento, pois uma série de
fatores entra em jogo na constituição de um indivíduo bilíngue (p.
6).
Outro ponto bastante relevante para entender onde, com quem e que
assuntos as crianças bilíngues falam a língua A ou a língua B são os
domínios associados a essas línguas.
O indivíduo costuma ter uma língua preferencial de expressão, para cada
domínio (SPOLSKY, 1998 apud MARCELINO, 2009). Hamers e Blanc (2000)
explicam que isso se deve ao fato de que
Language behaviour is linked to the market not only by its conditions
of application (language use) but also by its conditions of acquisition
(language acquisition/learning). The different language varieties
and their values are learned in particular markets, first in the family,
then at school, and so on, that is in the individual’s social network,
where different functions and forms of language are transmitted and
valorised (p. 21).
Assim, mesmo que haja um esforço para que ambas as línguas tenham o
mesmo valor, o bilíngue as separa e as utiliza de acordo com seus
102 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
respectivos domínios e sua preferência. LA e LB se complementam e o
falante, naturalmente, faz uso daquela com a qual se sente mais à vontade
para discorrer sobre determinado assunto, com determinada pessoa ou em
determinado lugar. Por isso, como já dito, um indivíduo bilíngue não pode
ser compreendido apenas como a soma de dois monolíngues e, da mesma
maneira,
pais e cuidadores não devem esperar que a criança demonstre seu
conhecimento da língua falada na escola em casa, uma vez que essa
nova língua pode estar atrelada ao domínio da escola. Além disso,
a criança comumente estabelece uma relação de ‘referência’ entre
a língua e os falantes, e sabe, desde cedo, qual língua utiliza em
casa com os pais (onde desenvolve um domínio) e qual língua utiliza
na escola (MARCELINO, 2009, p. 9).
Este ponto é de extrema relevância para que se compreenda um pouco do mundo
da criança bilíngue e como ela lida com os diferentes domínios. Ainda que não use
aquele idioma em casa, não significa que não o saiba e não o utilize em outros
lugares.
EDUCAÇÃO BILÍNGUE NA ESCOLA17
A partir do início do século XXI, junto com a expansão das conexões entre
culturas, países e povos, as notícias passaram a ter instantaneidade e a
rapidez dos meios de transporte “encurtou” as distâncias. O mundo tornou-
se “menor” e, com isso, cresceu a demanda de se saber outra(s) língua(s)
de forma a compreender e ser compreendido consistentemente, dominando
a informação recebida e articulando com propriedade a comunicação.
Entendeu-se que, para isso, seria preciso mais do que algumas aulas
semanais de um segundo idioma. Começou a haver, então, mudanças na
oferta de como aprender genuinamente uma segunda língua. Para tal,
incorporou-se à escola regular esta nova necessidade, ampliando a
existência de escolas bilíngues.
Apesar do crescente número dessas escolas, o conceito de escola bilíngue
tem sido utilizado sem qualquer especificidade no que se refere à sua
qualificação. Isto é, ainda não há uma legislação específica para delimitar o
17 Como foi apontado anteriormente, o presente artigo refere-se ao bilinguismo de elite. Portanto, aqui
será focado o trabalho com línguas de prestígio, mais especificamente, a língua inglesa.
103 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
que uma escola bilíngue deve proporcionar e/ou conter para, assim, ser
nomeada. Sabe-se, no entanto, que é necessário que duas línguas sejam
utilizadas como meio de instrução, para que se denomine educação bilíngue
(GRUPPI, 2010; MACHADO, 2010). “Do ponto de vista legal as escolas
bilíngues são como qualquer outra escola. Precisam seguir os Parâmetros
Curriculares e todas as leis educacionais” (MOURA apud MACHADO, 2010,
p. 18). Além disso, “[...] para uma escola ser bilíngue não basta ministrar
aulas de língua estrangeira, é muito mais. A escola deve ser o lugar onde
se falam duas línguas, vivenciadas nas diferentes atividades escolares [...],
de no mínimo duas horas diárias” (Parecer de Lei da Câmara Rio de Janeiro,
2007 apud Ibidem. p. 19). Sendo assim, “o ensino das línguas vivas na
escola tenta tirar partido de um processo natural de apropriação de uma
língua com o objetivo de otimizar esse processo pelo ensino escolar”
(GEIGER-JAILLET, 2014, p. 2).
A escola bilíngue é, então, aquela onde as matérias do currículo são também
ensinadas na segunda língua, ou seja, o idioma aprendido é utilizado como
meio de comunicação e não apenas como uma disciplina curricular isolada
(GRUPPI, 2010; MACHADO, 2010).
Todavia, Marcelino (2009) chama a atenção para o fato de que isso não
garante que o ensino dessa segunda língua será de qualidade, isto é, que a
criança será exposta à gama necessária de estruturas linguísticas da língua
alvo, ou ainda que o input oferecido será adequado, a fim de que ela consiga
desenvolver uma gramática completa e complexa referente à sua L2. Ele
reforça a importância do planejamento linguístico acompanhar o
planejamento escolar de conteúdos, dizendo que “o contexto linguístico
ideal para o desenvolvimento da língua, em uma instituição bilíngue, é tão
importante quanto todo o planejamento pedagógico de uma escola, assim
como uma variável é importante para a equação como um todo”
(MARCELINO, 2009, p. 19).
104 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
Este planejamento deve, portanto, ocorrer não apenas para as aulas, mas
para o modo como a escola funciona e vivencia as duas línguas, visto que
o aprendiz está inserido num contexto que
[...] é constituído [majoritariamente] de brasileiros, e, portanto,
menos favorável para o uso da L2 todo o tempo, especialmente em
momentos de interação entre as crianças e pré-adolescentes. Se os
membros da comunidade linguística ‘escola’ utilizarem a língua para
comunicação, a naturalidade e a cultura de se utilizar a língua
aumentam, bem como a exposição à língua pela criança/pré-
adolescente, aumentando a possibilidade de ganhos na aquisição
(MARCELINO, 2009, p. 6-7).
Há ainda muitos outros pontos que podem interferir no desenvolvimento do
aprendiz. Marcelino (2009) afirma que “o bilíngue formado em escolas
bilíngues brasileiras terá algum nível de proficiência nas quatro habilidades
necessariamente, podendo se sobressair mais ou menos em uma habilidade
ou em outra, dependendo de aptidão, interesse e identificação [...]” (p. 5),
além de questões como a existência ou não de contato deste indivíduo com
a língua-alvo em outros contextos que não a escola, o quanto ela é
estimulada e valorizada pelas pessoas próximas, seu envolvimento para
adquirir esta nova língua e o momento em que a aquisição deste segundo
idioma tem início – se será configurado um bilinguismo precoce ou um
bilinguismo tardio.
Entende-se, com isso, que cada um se desenvolverá em um ritmo,
apresentando maior ou menor facilidade para as diferentes competências.
Assim, vale lembrar que “[...] os contextos multilíngues, e por extensão,
multiculturais, no Brasil não são minoritários e devem fazer parte da
educação de professores. [...] Exceção seria encontrar uma sala de aula
com ‘falantes nativos ideais’ dentro de uma ‘comunidade de fala
homogênea’” (CAVALCANTI, 1999, p. 407-408, grifo nosso).
Apesar de Cavalcanti (1999) se referir, no trecho acima, a minorias
linguísticas, é possível pensar que isso se aplica a escolas bilíngues do grupo
dominante também, já que encontramos aprendizes de diferentes culturas
e nacionalidades e, sem dúvida, com diferentes níveis de proficiência na
105 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
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fala, compreensão, escrita e leitura. Dessa forma, não basta ter um bom
currículo a ser seguido, se aqueles que são responsáveis por colocá-lo em
prática não estiverem aptos a trabalhar com essa heterogeneidade. Isso
significa que, para o sucesso de qualquer escola, é imperativo que os
professores sejam capacitados, a fim de terem recursos para lidarem da
melhor forma com a realidade que vivenciam.
Neste contexto de preparar professores para o novo conceito de escola,
Benson (2007) discorre sobre a importância da autonomia no processo de
ensino-aprendizagem de línguas e na consequente necessidade de
desconstrução da sala de aula tradicional.
The deconstruction of conventional language learning classrooms
and courses in many parts of the world is thus a third context for
growing interest in autonomy in recent years. Indeed, the tendency
has been towards a blurring of the distinction between ‘classroom’
and ‘out-of-class’ applications, leading to new and often complex
understandings of the role of autonomy in language teaching and
learning (p. 22, grifo nosso).
Em seu artigo, Benson (2007) expõe que a autonomia tem tido um papel
importante no trabalho com a motivação do aprendiz em seu processo de
aquisição de L2. Abaixo, ele discorre sobre quem introduziu essas ideias e
o que é enfatizado no trabalho desses autores:
The idea of autonomy has been introduced into L2 motivation
studies mainly through Deci & Ryan’s (2000) self-determination
theory. Their work emphasizes both the power of ‘intrinsic
motivation’ (understood as ‘the vitality, spontaneity, genuineness,
and curiosity that is intrinsic to people’s nature’) and the importance
of a ‘sense of personal autonomy’ (understood as a feeling that ‘their
behaviour is truly chosen by them rather than imposed by some
external source’). (Ibidem. p. 29).
Desse modo, quando ao aprendiz é atribuído um novo papel, o professor
deve também rever sua atuação e postura. Marques (2011) compartilha
sua reflexão sobre o assunto:
Nosso papel [como professor] tem mudado no decorrer dos tempos,
de ‘conhecedores’ simples e puramente que ‘derramavam’ os
conteúdos nos recipientes vazios (a mente dos alunos), passamos a
ter papéis mais complexos como de mediadores, facilitadores,
capacitadores, entre muitos outros (MARQUES, 2011, p. 42).
Posto isso, Marcelino (2009) descreve o que a escola bilíngue ideal deveria
conter e acrescentar à vida do aprendiz. Ele articula que
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FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
A escola bilíngue deveria ser concebida, idealmente, como um novo
lugar de estudos e de formação, uma evolução, um conceito novo
de escola. [...] A escola bilíngue seria idealmente uma escola com
uma visão de preparação do indivíduo para o mundo, o que de forma
alguma poderia deixar de fora uma língua internacional, com
funções e abrangências indiscutíveis como o inglês. A escola bilíngue
ofereceria, assim, o ‘par de olhos do outro’, aumentando o campo
de visão do indivíduo em desenvolvimento. Acredito também que a
escola bilíngue, vista como o desenvolvimento natural das escolas
modernas, deve encontrar o caminho do meio, abrangendo tanto os
conteúdos escolares de forma adequada quanto a formação do
indivíduo como cidadão (p. 19, grifo nosso).
Neste sentido, esta escola atual tem como objetivo preparar seus alunos
para serem agentes de suas respectivas histórias, começando a praticar a
autonomia dentro da sala de aula, a fim de expandirem suas ações para o
mundo.
Viewed as an educational goal, learner autonomy implies a
particular kind of socialization involving the development of
attributes and values that will permit individuals to play active,
participatory roles in a democratic society. In a second sense, this
ideal society also serves as a metaphor for the autonomous
classroom or school (BENSON, 2007, p. 31, grifo nosso).
Tudo isso demonstra quantas mudanças aconteceram na escola do século
XXI, junto com a chegada da educação bilíngue. “O aprendizado passou a
ser visto como um processo construtivo, no qual os alunos constroem o seu
próprio conhecimento. Portanto, cada aprendiz cria uma estrutura cognitiva
única, diferente de todos os outros e completa de associações pessoais”
(MENDONÇA; FLEITH, 2005, p. 61). O professor, por sua vez, passa a agir
como um mediador, um facilitador da aprendizagem; suas aulas não são
“dadas” e sim construídas a partir das necessidades, curiosidades e
intervenções de seus alunos (MARQUES, 2011). Da mesma maneira, a sala
de aula torna-se um espaço de domínio de quem ensina e de quem aprende,
pensado para despertar o interesse, possibilitar as atividades de ensino-
aprendizagem e atender às necessidades de todos, permitindo que o aluno
troque experiências, explore e utilize os recursos a sua volta com
propriedade e autonomia.
Somente considerando todas essas variáveis, a aprendizagem pode ser
prazerosa e genuína. Como profere Paulo Freire (1996), “não há docência
107 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
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sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças
que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro. Quem
ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (p. 25).
Portanto, professor e aluno precisam “jogar” juntos.
Ensinar e aprender têm que ver com o esforço metodicamente
crítico do professor de desvelar a compreensão de algo e com o
empenho igualmente crítico do aluno de ir entrando como sujeito
em aprendizagem, no processo de desvelamento que o professor ou
professora deve deflagrar. Isso não tem nada que ver com a
transferência de conteúdo e fala da dificuldade mas, ao mesmo
tempo, da boniteza da docência e da discência (FREIRE, 1996, p.
134, grifo do autor).
Com base no que foi visto até aqui, é perceptível que há muitas questões
envolvidas na educação bilíngue. Ainda assim, é restrito o conhecimento
que se tem sobre o bilinguismo hoje. Todavia, somente através de um
entendimento mais consistente sobre seu desenvolvimento, sua história e
as questões psíquicas, cognitivas, econômicas e sociais, bem como sobre a
extensão das mudanças educacionais envolvidas, será possível ter maior
clareza sobre as várias possibilidades existentes em relação à educação
bilíngue e a seus inúmeros desdobramentos (MEGALE, 2005). Para isso, são
desenvolvidos trabalhos teóricos e práticos, envolvendo diversos
elementos, questionamentos e suposições acerca do bilinguismo e de suas
consequências para os indivíduos bilíngues.
BILINGUISMO E SEUS DESDOBRAMENTOS
As pesquisas envolvendo bilíngues foram apresentando mudanças, no
decorrer dos anos, de uma visão predominantemente negativa, para uma
visão mais positiva, no que se refere aos efeitos gerados pelo bilinguismo –
tanto em termos de habilidades sociais, quanto cognitivas dos indivíduos
(CHIN; WIGGLESWORTH, 2007 apud BRENTANO; FINGER, 2010).
Segundo Blos (2011), “Hoje começam a surgir as primeiras pesquisas que
visam observar o que vem acontecendo na prática para tentar apontar quais
as reais consequências do bilinguismo em aspectos cognitivos e no
desempenho acadêmico das crianças nessas condições” (p. 6).
108 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
Apesar de, como foi dito anteriormente, o que se conhece sobre os
desdobramentos do bilinguismo ser restrito, são diversos os autores que
discorrem sobre as inegáveis vantagens de ser bilíngue. Estas vantagens
aparecem nos âmbitos cultural, comunicativo e cognitivo, possibilitando ao
indivíduo estabelecer vínculos com diferentes comunidades linguísticas, por
meio de conversas, desenhos, filmes, gibis e livros – sem que haja
necessidade de tradução – (WEI, 2000 apud MARCELINO, 2009), além de
favorecer seu desenvolvimento intelectual (MENDONÇA; FLEITH, 2005). De
acordo com Marcelino (2009),
a sensibilidade linguística de indivíduos bilíngues parece ser um
diferencial. [...] O bilíngue se torna mais atento, paciente e sensível
a diferentes situações linguísticas do que os monolíngues. As
vantagens culturais trazidas pelo bilinguismo não são dissociáveis
das comunicativas, uma vez que mais sensível às questões
linguísticas, o bilíngue também se torna mais sensível às questões
culturais atreladas às diferentes línguas que fala, já que o uso de
uma outra língua possibilita uma visão diferenciada e penetração
mais eficiente na cultura do outro (p. 11).
Há ainda as vantagens cognitivas de ser bilíngue. Wei (2000 apud Ibidem)
afirma que pesquisas recentes mostraram que indivíduos bilíngues são
capazes de ampliar significados, associações e imagens, demonstrando
maior consciência linguística, fluência, flexibilidade e criatividade no pensar,
bem como maior sensibilidade na comunicação. Zimmer e Becker (2015)
enumeram autores que discorrem sobre outros efeitos positivos do
bilinguismo, como o retardo de aparecimento de sintomas de demência em
idosos, inibição da atenção a informações irrelevantes (BRENTANO;
FONTES, 2011), aumento da neuroplasticidade e do potencial criativo.
Brentano e Fontes (2011), após realizarem uma pesquisa envolvendo
crianças bilíngues provenientes do contexto educacional, comprovam que
As crianças que são expostas à segunda língua em contexto escolar,
até hoje não investigadas nas pesquisas, parecem ter desenvolvido
mecanismos cognitivos de forma muito intensa nessa exposição
diária a segunda língua. Apesar de não terem a segunda língua como
uma língua de uso na comunidade nem na família, o uso diário dessa
língua, ainda que só no ambiente escolar, parece conferir vantagens
109 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
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em relação ao desenvolvimento das funções executivas18 (p. 35,
grifo nosso).
Pode-se dizer que esses benefícios estão ligados à ampliação que o acesso
a dois códigos linguísticos e a diferentes sistemas de pensamento cultural
proporciona, já que falar duas línguas implica em poder interagir com
pessoas de diferentes culturas que possuem formas de se expressar,
crenças e costumes distintos (BRENTANO; FINGER, 2010; ZIMMER;
BECKER, 2015). Portanto, a experiência bilíngue possibilita ver o mundo de
uma outra perspectiva, trazendo maior flexibilidade e sensibilidade àquele
que a vivencia.
HABILIDADES LINGUÍSTICAS E METALINGUÍSTICAS
Atualmente, diversos estudos desenvolvidos comprovaram benefícios
metalinguísticos para crianças bilíngues. Estas investigações “[...] indicam
que o uso diário de duas ou mais línguas leva a um desenvolvimento
precoce de certos processos cognitivos pelas crianças, como a atenção
seletiva, além de evidências que o bilinguismo traz vantagens
metalinguísticas” (BRENTANO; FINGER, 2010, p. 122). Blos (2011) enuncia
que “parece plausível acreditar que ter dois sistemas linguísticos diferentes
chame a atenção das crianças para as características sistemáticas da
língua” (p. 3).
Brentano e Finger (2010) expõem que não há clareza entre os autores
acerca da definição de “consciência metalinguística”, ou sequer o motivo
pelo qual seu desenvolvimento é importante. Sabe-se, porém, que o
conhecimento metalinguístico está relacionado com algo maior do que o
simples conhecimento das regras gramaticais. Ele compreende a estrutura
abstrata da linguagem, sendo necessário, para isso, que o indivíduo se
distancie da língua, a fim de refletir sobre a mesma.
Em resumo, a consciência metalinguística é amplamente vista como
a habilidade de analisar a língua de forma mais intensa, de se focar
18 “As funções executivas são importantes para o gerenciamento do comportamento humano. São elas
que permitem não só o planejamento de ações e a tomada de decisões, mas, principalmente, o convívio em
sociedade. As funções executivas são requisitadas sempre que são necessários planos de ação ou quando uma
sequência apropriada de respostas precisa ser selecionada e organizada” (BRENTANO; FONTES, 2011, p. 21).
110 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
em diferentes níveis da estrutura linguística, tais como palavras,
fonemas e sintaxe para compreender as propriedades da língua
(CHIN e WIGGLESWORTH, 2007 apud Ibidem. p. 125).
Pergunta-se, com isso, se qualquer bilíngue apresenta vantagens
cognitivas, independente de quando ou onde – no âmbito familiar ou em
um contexto formal de ensino – começou a adquirir L2. Em sua pesquisa a
respeito das habilidades linguísticas e metalinguísticas em bilíngues,
Brentano e Finger (2010) comprovam que os resultados obtidos
[...] corroboram a ideia de que a consciência metalinguística e a
atenção seletiva, que são habilidades comprovadamente mais
desenvolvidas nos sujeitos provenientes de famílias e/ou
comunidades bilíngues, também se aplicam às crianças que estão
utilizando dois códigos linguísticos para construir seu conhecimento,
ou seja, crianças em contexto de escolarização bilíngue. [...] o uso
diário de duas ou mais línguas traz benefícios para o falante e leva
ao desenvolvimento precoce de certos processos cognitivos. Da
mesma forma, reforçam os dados de Yelland e colegas (1993) que
afirmam que crianças com limitada exposição à segunda língua
também se beneficiam do desenvolvimento da consciência
metalinguística (Ibidem. p. 140).
Todavia, Cummins (1976 apud Ibidem) cria uma hipótese – que denominou
Threshold Hypothesis – a fim de explicar algumas inconstâncias nos
resultados das pesquisas relacionadas a bilíngues e aspectos de seu
desenvolvimento cognitivo. Este autor afirma que o indivíduo precisa
possuir um nível mínimo de proficiência na segunda língua, tanto para evitar
desvantagens cognitivas, quanto para que os benefícios neste âmbito de
desenvolvimento possam aparecer.
Yelland e colegas (1983), entretanto, enfatizam que mesmo
partindo do pressuposto de que o acesso antecipado às questões
metalinguísticas não é determinado pela variável
competência/proficiência na L2, o nível de competência pode
determinar e possivelmente aumentar os benefícios ou até mesmo
a velocidade com que esses benefícios são adquiridos pelo falante
(Ibidem. p. 124).
Sendo assim, a partir dos resultados das pesquisas desenvolvidas e das
hipóteses de diferentes autores, é possível responder à questão feita acima:
crianças que estão em um contexto de escolarização bilíngue também se
favorecem do desenvolvimento precoce de determinados processos
cognitivos e da consciência metalinguística, pelo fato de lidarem com dois
códigos linguísticos.
111 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
CRIATIVIDADE E BILINGUISMO
Lévy-Leboyer descreve criatividade como
Aptidão complexa, distinta da inteligência e do
funcionamento cognitivo, e que seria função da fluidez das ideias,
do raciocínio indutivo, de certas qualidades perceptivas e da
personalidade, como também da inteligência divergente, na medida
em que ela favorece a diversidade das soluções e dos produtos. Os
indivíduos criativos dão prova de imaginação, de espírito de
invenção e de originalidade. O processo criativo é favorecido por
uma atitude positiva ante ideias novas e inesperadas [...]
(DICIONÁRIO DE PSICOLOGIA, 1998, p. 200-201).
Vários autores têm discorrido sobre o aumento do potencial criativo em bilíngues.
Mendonça e Fleith (2005) citam diversos deles que afirmam que “[...] o
aprendizado de uma segunda língua estimula o desenvolvimento da criatividade,
tanto verbal quanto figurativa” (p. 66). Na pesquisa desenvolvida por estas duas
autoras, “[...] os alunos bilíngues apresentaram desempenho superior aos
monolíngues em todas as medidas de criatividade verbal e nos testes de
inteligência.”. (MENDONÇA; FLEITH, 2005, p. 64)
Segundo Zimmer e Alves (2014 apud ZIMMER; BECKER, 2015), a criatividade em
bilíngues está relacionada a dois processos mentais: a troca de código linguístico
(code-switching) e a troca de estrutura mental, que o conhecimento de mais de
uma língua propicia (frame-switching). “Nesse [último] processo, o falante bilíngue
circula não só entre os diferentes sistemas linguísticos, mas também entre os
diferentes modos de pensar embutidos na cultura de cada língua” (ZIMMER;
BECKER, 2015, p. 10).
A fim de pormenorizar o frame-switching e seus efeitos, Zimmer e Becker (2015)
buscam respaldo nas pesquisas e explanações de Kharkhurin (2010) e elucidam
que o “o ato de transitar entre sistemas político-culturais diversos pode aumentar
a flexibilidade e ampliar a compreensão das ambiguidades encontradas em
diferentes sistemas” (p. 8). Poder tolerar esta ambiguidade político-cultural, bem
como uma ambiguidade linguística, repleta de palavras ambivalentes, “[...] pode
facilitar a habilidade de manter um conjunto de possíveis soluções abertas o
suficiente para gerar uma ideia criativa” (Ibidem. p. 8).
Dessa forma, a tolerância a diversidades ideológicas, conceituais e linguísticas e a
possibilidade de trânsito entre elas permitem que haja um enriquecimento do
112 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
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sujeito e de sua flexibilidade e criatividade para ver as situações da vida e agir
frente a elas.
CASOS VIVENCIADOS
Serão relatados casos de três crianças19 que vivenciaram a entrada em uma escola
bilíngue, no Ensino Fundamental. Esta escola se fundamenta nos pressupostos da
teoria Sócio Construtivista, isto é, entende-se que a aprendizagem e o
desenvolvimento do indivíduo são produtos da interação social, e que o espaço da
escola, aberto ao diálogo e às trocas de experiências, propiciam transformações,
a fim de que o aluno possa desenvolver seu potencial. O aluno, por sua vez, é visto
como alguém que já vem com uma “bagagem de vida”, e o professor precisa saber
acessar seu conhecimento prévio, para fazer do aprendizado de novos conteúdos
um processo interessante e significativo, estimulando e autorizando cada um a ser
agente da própria aprendizagem.
Para isso, as salas de aula são organizadas de forma a viabilizar a autonomia dos
alunos: as carteiras são organizadas em grupos de quatro – para que haja
interação e discussão sobre atividades, entre as crianças –, os materiais (livros,
cadernos, manipulativos, gráficos, etc.) estão disponíveis e ao alcance de todos,
entre outras condições.
As aulas acontecem metade em Português (a primeira língua desses três alunos)
e a outra metade, com outra professora, em Inglês (língua com a qual apenas um
deles teve algum contato anterior à entrada nesta escola). As aulas em inglês
(English Language and Arts, Math e Science) ocorrem 100% neste idioma.
Todavia, no primeiro mês de aula, a professora acompanha os alunos novos, de
forma mais particular, utilizando-se de muitos gestos, desenhos, figuras e, em
alguns momentos raros, um pouco de português para explicar o que está
acontecendo e o que deve ser feito. Tudo isso é esclarecido aos alunos, no início
do ano escolar.
Das três crianças, duas entraram nesta escola no Year 3 (3o ano) e uma delas, no
Year 1 (1o ano). Quando os eventos relatados ocorreram, as três estavam no Year
3 – não necessariamente de forma concomitante.
19 Os nomes e outras questões que pudessem identificar estes alunos foram alterados, afim de resguardar
suas respectivas identidades. Sendo mantidos e descritos apenas dados necessários para compreensão e análise dos
casos.
113 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
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CARLOS HENRIQUE – INGRESSO NESTA ESCOLA E INÍCIO DE SUA
EDUCAÇÃO BILÍNGUE: YEAR 1
Iniciou o Year 3 de forma bem tímida, pouco participativo e com apenas um
amigo próximo. Demonstrava inveja dos colegas que tinham sucesso em
atividades ou brincadeiras. Agredia física ou verbalmente outros alunos,
jogando peças de lego e fazendo ameaças de “dedurá-los” – sem
embasamento – para a coordenação ou para outros colegas.
Manifestava ter a atenção reduzida durante as rodas de leitura e discussões
e copiava de outros colegas as atividades que lhe eram designadas, após a
conversa e explicação em grupo. Quando lhe era oferecido auxílio, dizia não
ser necessário e se recusava a cooperar com as perguntas da professora,
para ajudá-lo.
Seu desempenho nas matérias em Português também evidenciava
dificuldades de compreensão e desinteresse, apesar de não ser tão
complicado.
Os pais de Caíque foram convocados para algumas reuniões. Todavia, eles
acabavam por desmarcá-las, em cima da hora, aparecendo para conversar
com as professoras, em momentos inadequados, como durante a aula.
No segundo semestre, quando depois da terceira ou quarta tentativa a
reunião marcada ocorreu, foram delineados alguns objetivos para Caíque e
combinadas algumas ações sobre como as professoras e os pais
procederiam dali por diante. Além disso, as professoras ficaram cientes de
que seu irmão mais novo – também matriculado nesta escola – vinha
apresentando dificuldades escolares ainda maiores e comportamento
extremamente agressivo com colegas e professores.
Deste dia ao fim do ano letivo, Carlos Henrique passou a demonstrar tímidas
– porém inegáveis – mudanças, como por exemplo, foi apresentando um
pouco mais de foco nas explicações e leituras e, em alguns momentos,
tentava participar com alguma palavra, realizar a leitura compartilhada ou
114 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
resolver uma conta na lousa. Começou a se esforçar para falar algumas
frases simples, em inglês, e tornou-se mais agradável com as outras
crianças – as agressões físicas cessaram e, aparentemente, as verbais
também. Caíque passou a requisitar ajuda, em determinados momentos,
demonstrando que conseguia compreender o geral do que lhe era pedido e
produzir alguma resposta simples, relacionada ao que havia sido
perguntado.
Foi perceptível que este aluno precisava de uma atenção maior da família.
E, apesar de estar na escola há dois anos, ainda tinha certa resistência e,
por conseguinte, dificuldade de se comunicar e de realizar atividades em
inglês.
MÁRIO AUGUSTO – INGRESSO NESTA ESCOLA E INÍCIO DE SUA
EDUCAÇÃO BILÍNGUE: YEAR 3
Mário Augusto demonstrou certa resistência nas primeiras semanas de aula.
Havia situações, em classe, em que ficava muito nervoso, chorando ou
gritando de forma descontrolada, quando não compreendia alguma coisa.
Em relação aos colegas, mantinha-se no seu canto, sem nunca parecer
estabelecer uma amizade próxima.
A professora das matérias em Português relatava uma certa dificuldade de
Mário em compreender enunciados – fosse em língua portuguesa,
geografia, história, ciências ou matemática –, bem como em realizar
determinadas atividades – principalmente em matemática.
Apesar de uma certa resistência inicial, Mário sempre se mostrava
interessado nas leituras e procurava fazer o que conseguia das atividades.
Depois das primeiras semanas, passou a requisitar e aceitar ajuda, quando
necessário. Com isso, em pouco mais de dois meses, ele já produzia frases
simples e compreendia grande parte do que era trabalhado em aula.
Nos meses seguintes, Mário foi desenvolvendo uma relação de proximidade
e confiança com a professora de inglês, procurando sempre chegar cedo na
115 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
sala, além de lhe presentear com desenhos e bilhetes em inglês,
diariamente.
Ao final do ano, era notável o empenho e esforço que Mário Augusto
dispendia para acompanhar o que era trabalhado em aula, além de
demonstrar mais tranquilidade para se expressar em momentos que não
compreendia algo. Em inglês, inclusive, ele passou a produzir frases e
textos, apresentando uma habilidade gramatical e de estrutura da língua
que a maioria dos alunos – alguns há mais de cinco anos nesta escola –
ainda não atingira. Seu comportamento social permaneceu mais ou menos
o mesmo. Ele era convidado e frequentava as festas das outras crianças,
mas não estabeleceu laços de amizade com nenhum colega. E, depois de
muito trabalho visando aprimorar sua compreensão de texto, foi obtido
algum êxito neste sentido – tanto em sua língua materna, quanto em sua
segunda língua.
PIETRA – INGRESSO NESTA ESCOLA: YEAR 3 – HAVIA ESTUDADO
UM ANO DE INGLÊS, ANTERIORMENTE, NUM MÉTODO QUE
ENVOLVIA BRINCADEIRAS E O USO DOS DOIS IDIOMAS.
Pietra faltou a primeira semana de aula, por questões pessoais. Em seu
primeiro dia na escola, chegou um pouco nervosa, mas bastante curiosa.
Foi-se mostrando interessada e participativa, mesmo sem saber como
poderia se comunicar neste segundo idioma. No início, sua compreensão
era bem precária, assim como sua produção oral e escrita – apesar de ter
alguma noção básica do inglês –, o que a deixava apreensiva quanto às
notas que viriam – segundo sua mãe, ela sempre se envolvera nas
atividades e tirara notas bem altas. Dessa maneira, continuava atenta às
explicações, na maior parte do tempo, e quando não compreendia algo,
perguntava timidamente para um colega ou para a professora.
De acordo com a outra professora, Pietra era igualmente participativa e
interessada, nas aulas em português, mas um pouco tímida, inicialmente.
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FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
Ela rapidamente estabeleceu bom relacionamento com todos da sala.
Mostrando-se tranquila e, em alguns momentos de trabalho em grupo, um
pouco autoritária. Todavia, conquistou amigos próximos e sua relação
mostrava-se saudável.
Em dois meses, esta aluna apresentou seu primeiro trabalho, oralmente,
para todos na classe – atividade que acontece mensalmente, a partir do
segundo mês de aula e deve ser preparada em casa, com a ajuda dos pais.
Apesar do nervosismo, Pietra demonstrou propriedade e compreensão do
que fizera, utilizando unicamente o inglês, de forma bastante inteligível.
Ao final do ano, esta aluna participava ainda mais das aulas, leituras e
discussões, emitindo ideias e opiniões e demonstrando haver aprimorado
grandemente, tanto compreensão como produção – oral e escrita. Ela
evidenciava estar à vontade com a língua, utilizando unicamente o inglês
para se comunicar, mesmo quando não sabia dizer algo – neste caso,
explicava o que gostaria de dizer com suas palavras e gestos, até se fazer
entender por seu interlocutor.
ANÁLISE
Na escola onde os casos relatados foram vivenciados, parte-se de um modo
de pensar Sócio Construtivista, ou seja, a aprendizagem acontece através
da experiência e com base no que o aluno traz de conhecimento prévio. O
ambiente é propício e todos são estimulados a participarem, buscando
perguntas e respostas. O professor atua como mediador e o aluno como
agente do próprio aprendizado, transformando o que ouve e vivencia para
caber no seu “acervo de coisas conhecidas”. Sendo assim, ainda que a
informação seja a mesma para todos, cada criança constrói o próprio
entendimento da realidade, a partir de suas experiências de vida
(MARQUES, 2011).
A organização da sala de aula – carteiras em grupos e materiais disponíveis
a todos – reafirma a importância da ajuda e da troca de ideias entre os
aprendizes. Desse modo, os alunos antigos podem auxiliar os recém-
117 Artigo: MEU FILHO “TRAVOU”: QUANDO A EDUCAÇÃO BILÍNGUE TEM INÍCIO NO ENSINO
FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
chegados a compreenderem e utilizarem estratégias, sentidos e artifícios
para ingressarem na comunidade. Neste contexto de sala de aula, todos
ensinam e todos aprendem, os processos são colaborativos, a experiência
individual está ligada à social e isto é estimulado pelo ambiente e pelo
professor (BLOS, 2008).
Este modo de conduzir o trabalho pode ser conhecido como aprendizagem
mediada (BLOS, 2008), teoria sociointeracional (MACHADO, 2010), ou
princípio da mediação do outro (MARQUES, 2011). Ele se constitui na
interação com alguém “mais capaz”, para que o indivíduo que necessita
deste auxílio aprenda com o outro e construa algo próprio e significativo
para si.
Quando o foco é na aprendizagem mediada, Oxford (2000 apud BLOS,
2008) diz que o principal objetivo não é autonomia, mas participação.
Contudo, autonomia também é um objetivo educacional que provoca um
tipo particular de socialização que inclui o desenvolvimento de atributos e
valores que irão permitir aos indivíduos atuarem de forma participativa e
ativa na sociedade democrática (BENSON, 2007).
Benson (2007) afirma que a motivação precede a autonomia. Assim,
aprendizes que se mostram interessados e envolvidos nas atividades,
tornam-se, mais facilmente, agentes na construção do próprio
conhecimento.
A curiosidade e a capacidade de perguntar são, para Paulo Freire (1996),
fundamentais nesse processo de construção de conhecimento:
A construção ou a produção do conhecimento do objeto implica o
exercício da curiosidade, sua capacidade crítica de ‘tomar distância’
do objeto, de observá-lo, de delimitá-lo, de cindi-lo, de ‘cercar’ o
objeto ou fazer sua aproximação metódica, sua capacidade de
comparar, de perguntar (FREIRE, 1996, p. 95, grifo do autor).
Pietra é um exemplo de aluna que começou em uma nova escola munida
de curiosidade e interesse. Quando não entendia algo, buscava respostas a
sua volta, relendo o texto, olhando figuras ou, timidamente, perguntando a
algum colega ou à professora questões específicas ou ainda pedindo para
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FUNDAMENTAL. Págs 79 - 130
Mel Pessoa Saad
que repetissem a instrução. Em pouco tempo (menos de três meses), sua
compreensão passou a ser satisfatória para que acompanhasse as aulas e,
com isso, sua participação pode evoluir consistentemente.
Este exemplo deixa claro que a participação e a autonomia geram um “ciclo
virtuoso”, ou seja, o empenho traz bons resultados e estes conferem ao
indivíduo maior autoconfiança, que, por sua vez, incentiva-o a continuar se
arriscando a produzir suas hipóteses e compartilhá-las (MARQUES, 2011).
Assim, são oferecidas diversas estratégias aos alunos, de forma a se
tornarem ativos em seus processos de aquisição de linguagem. Blos (2008)
relata que
[...] as estratégias contribuem para a competência comunicativa;
são orientadas por um problema, no caso a interação na sala de aula
nos momentos de aula em língua inglesa; envolvem muitos aspectos
do aprendiz, não somente o cognitivo e, no caso, a questão do
relacionamento com o grupo e aceitação está muito presente no que
o aluno tenta buscar [...]; são influenciáveis por uma variedade de
fatores, nesse caso estando o emocional fortemente presente,
devido à relação com a nova língua dentro do novo contexto (p. 10-
11, grifo nosso).
O novo aprendiz, portanto, não quer destoar do grupo e, ao mesmo tempo,
ainda não consegue fazer parte dele completamente. Frente a esse desafio,
cada um desenvolve diferentes estratégias e reações; “[...] as estratégias
do aluno não têm o objetivo do aprendizado da língua por si só. É antes
uma busca pela participação na comunidade da sala de aula. Essa é a
motivação maior e as estratégias nascem daí [...]” (Ibidem. p. 11). Jobin e
Souza (2012) reitera o valor do social, expondo que o indivíduo necessita
desta realidade para ser compreendido.
Neste sentido, entende-se que o envolvimento social é extremamente
benéfico, pois mobiliza o sujeito a querer se comunicar e interagir com o
outro, esforçando-se para se adequar ao grupo e às suas condições, no
caso, à aquisição de L2. Para isso, os novos alunos observam seus colegas
que os auxiliam de várias maneiras, dentre elas, inteirando-os das
estratégias que podem facilitar seu envolvimento nas aulas.
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Como relatado, foi perceptível que Mário Augusto e Pietra se empenharam
para manter a atenção nas explicações e leituras. Depois das primeiras
semanas, ambos se utilizaram da ajuda de outros “mais competentes” –
fosse a professora ou algum colega –, sempre que necessário. E, após
alguns meses, esses alunos adquiriram maior autonomia para se
comunicarem e, consequentemente, maior autoconfiança para continuarem
participando.
Mário Augusto parou de chorar e de se descontrolar, conseguindo organizar-
se para dizer o que não compreendia e em que precisava de ajuda. Ele
também estabeleceu uma relação de proximidade e confiança com sua
professora de inglês, o que talvez tenha contribuído para despertar seu
interesse pelo idioma e, consequentemente, seu envolvimento com o
mesmo. Pietra desenvolveu laços de amizade com diversos colegas e sua
postura conquistou respeito e admiração da classe. Estes dois alunos
passaram a experienciar as aulas de forma prazerosa e criativa.
Carlos Henrique, por sua vez, apresentava grande dificuldade para lidar
tanto com os colegas – agredindo-os de várias formas – quanto com a
língua-alvo – não demonstrando interesse e não participando das
atividades. Isto não significa que o social não tivesse relevância na situação
de Caíque. Pelo contrário, tal fato evidencia o quanto querer estar inserido
em um grupo – e tomar atitudes condizentes com tal desejo – poderia ter
beneficiado, mais rapidamente, o desempenho do novo aprendiz, neste
caso.
Paulo Freire (1996) reflete sobre o fato de que “[...] aprender é uma
aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que
meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir,
constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura
do espírito” (p. 77, grifos do autor). No entanto, nem todos vivenciam o
aprender desta forma. Isto pode ocorrer por dois motivos: pelo modo como
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ele é vivido e visto pela família, amigos e pessoas próximas do aprendiz
e/ou pela maneira como sua escola trabalha o ensino-aprendizagem.
Nos casos aqui descritos, não se sabe qual relação cada criança e sua
respectiva família havia estabelecido com as línguas (L1 e L2) e com a
aprendizagem, em geral. Para isso, seria necessária uma investigação que
envolvesse a percepção dos pais sobre o assunto. Entretanto, pode-se
refletir acerca dos desdobramentos desta relação, a partir do que foi dito
sobre o interesse e a curiosidade expressos por Pietra, desde o início do
ano; sobre o interesse acompanhado de certa resistência que Mário Augusto
apresentou – quando começou nesta escola e, aos poucos foi se tornando
menos resistente e mais participativo – e sobre o aparente desinteresse e
resistência manifestados por Carlos Henrique, até praticamente o fim de
seu terceiro ano na mesma escola. Isso porque, de acordo com Hamers e
Blanc (2000),
As a child’s environment attaches certain values to language, the
child, taking his environment as a model, internalises those values
important for the significant others, for his social networks and for
his community. Those valorised aspects of language are those that
enable the child to build up the social psychological mechanisms
relevant to his language development; it is those very aspects that
determine the evaluative dimension of language, the child’s own
affective relation to his language (HAMERS; BLANC, 2000, p. 18).
Em outras palavras, a afetividade que a criança estabelece com a língua e
a aprendizagem é internalizada a partir dos modelos que ela percebe e
experimenta em seu ambiente. Dessa forma, não é possível, à escola,
controlar o valor que as pessoas significativas e a comunidade do indivíduo
dão a essas questões. É também inegável que elas têm grande peso no
modo como ele vivenciará a educação e o aprender.
Entretanto, “a escola pode e deve ser um dos espaços que tem a
possibilidade de promover a autonomia do indivíduo” (BLOS, 2008, p. 2).
É, então, fundamental pensarem-se os valores que devem ser estimulados
no contexto educacional, para assim, preparar o aluno adequadamente,
respeitando suas particularidades como sujeito e suas necessidades, a
partir do meio social em que está inserido.
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Portanto, nossas aulas devem ser centradas nos alunos e, pra tal,
devemos criar um ambiente acolhedor, no qual possam florir sua
autoestima e sua confiança – o que acontece quando promovemos
interação, cooperação e colaboração nas tarefas – e no qual eles
possam assumir riscos para enfrentar novos desafios e sair à
‘procura’ de respostas. Nesse ambiente, nosso papel também é de
‘desconstruir’, ‘abalar’ as ‘velhas estruturas’, os ‘velhos’ esquemas
de conhecimento, criando nos alunos a necessidade, a motivação e
o interesse para que eles mesmos procurem as respostas,
‘Causando sede’ de saber (SANTOS, 2008 apud MARQUES, 2011, p.
42-43).
Pode-se supor que o ambiente desta escola é propício para os aspectos
citados acima, pois, independente de como os alunos chegaram, cada um
no seu ritmo e a seu tempo, tornaram-se mais ativos e participativos,
enquanto aprendizes.
O intrigante é que, por vezes, esse ingresso e adaptação ao novo
currículo e às peculiaridades trazidas pelo uso da língua inglesa não
causam tamanho estranhamento para as crianças, que acabam indo
em busca de estratégias que irão suprir suas dificuldades. Esse
processo de nivelamento, para algumas crianças, ocorre
rapidamente [...] (BLOS, 2008, p. 2-3).
Tanto Pietra como Mário Augusto, em pouco tempo, conseguiram se
adaptar às peculiaridades que a comunicação em uma outra língua requisita
e adquirir uma compreensão e capacidade de expressão satisfatórias para
acompanharem as aulas. Carlos Henrique, todavia, precisou de quase três
anos para encontrar esta mesma condição. Geiger-Jaillet (2014) afirma que
“(...) a imersão parcial ou total, isto é, o tempo de exposição semanal à
língua-alvo, não é por si só garantia de sucesso” (p. 3). Ela esclarece que
Quanto mais somos motivados, mais rápido vamos, tendo em vista
que, se as etapas de aquisição de uma língua são globalmente as
mesmas para os aprendizes, a rapidez de apropriação difere
bastante de acordo com os indivíduos, sua motivação, sua
capacidade de discernimento e de memorização (GEIGER-JAILLET,
2014, p.1).
Não há dúvidas de que a motivação de cada um desses aprendizes foi
distinta, tendo em vista que são indivíduos únicos, com histórias de vida
específicas e famílias diferentes. O modo como cada um desenvolveu sua
língua materna, o valor que a família atribui à língua-alvo e à escola, os
artifícios que cada criança encontra para chamar a atenção dos pais, entre
muitas outras questões, influenciam a vida educacional delas, o tempo –
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três semanas, três meses ou três anos – que cada uma leva para
compreender e começar a produzir satisfatoriamente na L2.
Machado (2010) sustenta que “[...] não podemos mensurar a capacidade
de aprender de ninguém, principalmente, levando em consideração que
somos dotados de diferentes tipos de inteligência sendo que algumas mais
desenvolvidas que outras” (p. 31). Tanto a teoria cognitivista, como a teoria
das inteligências múltiplas entendem que as pessoas aprendem de formas
diferentes e, para isso, precisam criar estratégias próprias. Tendo em mente
que nenhum aluno é igual, compreende-se que, como foi dito acima, cada
um tem seu ritmo e interesse na aprendizagem, sem contar as diferentes
estratégias utilizadas, o que permite que o processo de aprendizagem
ganhe ainda mais significado e eficácia (MACHADO, 2010). Isto é, como
dito por Marcelino (2009),
Por mais que a equação seja perfeita, ao se colocar a variável mais
importante (o aprendiz), os resultados podem variar
substancialmente. Não há como se garantir que em contexto X, com
exposição Y o indivíduo se tornará bilíngue tipo W. Podemos apenas
oferecer a equação, inserir a variável e esperar pelos melhores
resultados (MARCELINO, 2009, p. 6).
Vale pensar, então, como cada um dos aprendizes se portou frente ao
desafio de L2: Pietra mostrou-se interessada e participativa, desde o início.
Mesmo iniciando o ano com dificuldade para se expressar – por motivos
óbvios, já que não tinha repertório para tal –, seu esforço e atenção
resultaram em rápido desenvolvimento e grande facilidade, antes de
completar três meses de aula.
Carlos Henrique já estava há dois anos nesta escola bilíngue e apresentava
grande resistência e dificuldade, como dito anteriormente, tanto no
contexto de sala de aula – de língua inglesa, principalmente –, quanto no
quesito de sociabilidade – agredia física e verbalmente os colegas e tinha
relação de amizade com apenas um aluno.
Mário Augusto, inicialmente, demonstrou resistência em relação à língua,
às aulas e a fazer amigos. Ele também apresentava dificuldades na
compreensão de textos e enunciados –mesmo em sua língua materna.
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A partir do que foi relatado, é interessante considerar ainda que, muitas
vezes, a dificuldade percebida na aquisição da segunda língua e dos
conteúdos ensinados por meio dela pode estar mais relacionada a uma
limitação pedagógica do sujeito, do que a uma dificuldade específica
causada por esta nova língua. Marcelino (2009) explica que
[...] todo aprendiz é passível de possíveis limitações de
desenvolvimento, como dificuldades em lidar com o currículo
escolar. Dificuldades com linguagem, alfabetização, ou mesmo de
personalidade podem emergir como resultado de fatores alheios ao
fato de a criança estar em um contexto de educação bilíngue, posto
que tais dificuldades também se encontram em contextos
monolíngues. Somente uma avaliação criteriosa feita por
profissionais adequados pode definir a origem precisa dos
impedimentos encontrados pelas crianças no seu processo de
desenvolvimento. Possíveis atribuições das dificuldades ao contexto
bilíngue, sem uma devida avaliação, são, a priori, infundadas e
precipitadas (p. 12, grifo nosso).
Os aprendizes aqui descritos apresentaram diferentes intensidades de
dificuldades ao se depararem com uma educação bilíngue. Contudo, não
significa que essas complicações se deram por conta da aquisição de L2.
Para Carlos Henrique, talvez, muito mais do que uma dificuldade decorrente
do idioma, o que causou sua alteração de comportamento pode ter sido
uma necessidade de atenção dos pais, já que seu irmão mais novo vinha
sendo o centro dela por apresentar problemas na escola. Dessa forma,
quando seus pais se disponibilizaram a ouvir e falar sobre o filho mais velho,
ele começou a demonstrar mudanças em seu desempenho social e
pedagógico.
No caso de Mário Augusto, pode-se supor que sua resistência tenha ocorrido
devido ao novo contexto que foi inserido: escola, colegas, ambiente e
idioma novos. Contudo, após pouco tempo, seu desempenho foi se
modificando e Mário começou a demonstrar mais flexibilidade e
participação.
É possível pensar que algumas maneiras de funcionar – como sua relação
social com outras crianças e dificuldades na interpretação de textos – já
eram suas e não estavam relacionadas à nova língua, tendo em vista que,
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mesmo depois de adquirir maior confiança e capacidade comunicativa em
sua L2, ele continuou apresentando-as.
No caso de Pietra, considera-se que, no início do ano, foi necessário que ela
percebesse o ambiente e adquirisse algum repertório no novo idioma, antes
de ser capaz de compartilhar suas reflexões, como aparentemente o fazia,
em sua língua materna. Isto não deveria se configurar como uma “trava”
ou alteração significativa em seu desempenho ou comportamento, apenas
uma adequação ao novo, antes que a aluna tivesse o arcabouço necessário
para prosseguir com seu modo de agir na escola. Tal fato pode ser
comprovado porque, muito rapidamente, seu esforço e participação eram
notáveis e sua nova classe a respeitava e admirava, atenta a suas
colocações e perguntas.
Através desta análise, torna-se perceptível que crianças que iniciam
a educação bilíngue no Ensino Fundamental podem apresentar alterações
em seus desempenhos e/ou comportamentos escolares. No entanto, são
alterações provisórias e nem sempre significativas, que geralmente estão
mais relacionadas à nova situação de vida do aluno (escola, colegas, regras,
língua etc.) do que à nova língua em si.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta deste artigo foi pensar sobre o que acontece ao aluno que inicia
sua educação bilíngue no Ensino Fundamental, isto é, após a primeira
infância. Para isso, foram discutidos conceitos relacionados à constituição
da linguagem, ao bilinguismo e à educação bilíngue, assim como os
possíveis desdobramentos deste tipo de educação. Foram ainda analisados
três casos de alunos que ingressaram em uma escola bilíngue, depois da
Educação Infantil.
A partir disso, compreendeu-se que, quando a educação bilíngue de
prestígio tem início no Ensino Fundamental, podem ocorrer alterações mais
ou menos significativas no desempenho e/ou comportamento dos alunos.
Enquanto alguns se retraem e “travam”, demonstrando resistência e
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dificuldade para lidarem com uma nova situação, outros, mesmo frente ao
desafio de uma nova língua, tentam acompanhar e prestar atenção nas
aulas e atividades, apenas passando por um período de menor participação,
por ainda não possuírem repertório suficiente para se comunicarem.
Crianças da Educação Infantil, naturalmente, utilizam muitos outros meios,
além do verbal, para se fazerem entender e para compreenderem o que
lhes é requisitado, tornando o processo de aquisição de uma segunda língua
mais fluido e divertido. Em contrapartida, os alunos do Ensino Fundamental
comunicam-se, na maior parte das vezes, verbalmente. Nesta etapa da
educação, as regras da classe são compreendidas mais rapidamente, por
meio da palavra e da observação dos colegas mais antigos. A necessidade
que o aluno novo sente de pertencer ao grupo faz com que ele busque
estratégias que lhe possibilitem se adequar às demandas daquele ambiente,
no caso, a aquisição da língua-alvo, para viabilizar a comunicação com seus
colegas.
Desse modo, até que encontre um meio de se adaptar, seu desempenho
e/ou comportamento sofrem algumas alterações. Essas alterações, mesmo
que significativas, não têm um tempo exato para se manterem, já que cada
aprendiz é único. No entanto, se a questão for só a novidade da língua, a
tendência é que o indivíduo se adapte ao novo e, ao adquirir um repertório
que o permita acompanhar as aulas satisfatoriamente, vá voltando a
apresentar o mesmo funcionamento anterior, acrescido dos benefícios da
nova língua.
Outro quesito que varia de acordo com cada sujeito é o tempo que ele leva
para acompanhar satisfatoriamente as aulas na sua L2. Esta variação tem
influência de diversos fatores, como características pessoais do aluno, seu
interesse pelo idioma e envolvimento com o mesmo, o valor que ele e sua
família/amigos conferem à língua e sua exposição a ela em outro(s)
contexto(s).
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Marcelino (2009) observa que “somente a criança é o sujeito de sua própria
aprendizagem e desenvolvimento” (p. 20). Professores e cuidadores
procuram elaborar uma equação aparentemente ideal para o progresso do
indivíduo em questão, oferecendo condições ótimas para seu
desenvolvimento. Contudo, o produto desta será alheio à vontade dos
mesmos, cabendo a eles observar os caminhos que a criança utilizará para
atingir seus próprios resultados e auxiliá-la, quando possível.
Segundo Grosjean (2010 apud ZIMMER; BECKER, 2015), o sujeito pode se
tornar bilíngue em qualquer momento de sua vida, apesar de ser
incontestável a existência de uma maior plasticidade na primeira infância.
Este autor também chama a atenção para o fato de que ter ou não sotaque
não tornará este indivíduo mais ou menos bilíngue.
Assim, uma vez adquirida a segunda língua, os desdobramentos
provenientes de uma educação escolar bilíngue são inúmeros. Segundo
pesquisas recentes, tais consequências acarretam muitos benefícios, depois
que o aprendiz atinge um certo nível de proficiência no seu segundo idioma
(CUMMINS, 1976 apud BRENTANO; FINGER, 2010). Além disso, há
evidências de que o bilíngue resultante de um contexto escolar terá tantas
vantagens quanto aqueles oriundos de famílias e/ou comunidades bilíngues
(BRENTANO; FINGER, 2010).
No presente artigo, foram citados diversos autores que discorrem sobre
suas descobertas acerca das consequências positivas do bilinguismo – Blos
(2011); Brentano e Finger (2010); Brentano e Fontes (2011); Marcelino
(2009); Mendonça e Fleith (2005); Wei (2000); Zimmer e Becker (2015),
entre outros. Algumas vantagens constatadas são: o maior
desenvolvimento das habilidades linguísticas e metalinguísticas, o aumento
da possibilidade de estabelecer vínculos com diferentes comunidades
linguísticas, da flexibilidade de pensamento, da sensibilidade comunicativa,
da atenção seletiva, da neuroplasticidade e do potencial criativo.
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Espera-se que este artigo contribua para que interessados na
educação bilíngue de prestígio compreendam um pouco mais sobre suas
influências, seu funcionamento e seus desdobramentos, bem como estimule
novos estudos acerca deste tema, tendo em vista que o Brasil ainda está
se aprimorando acerca destas questões.
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131 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
BRINQUEDOTECA Pinto, Michele Bertoli Cunha20
RESUMO
A brinquedoteca é um espaço que permite a prática pedagógica tendo como
base uma metodologia lúdica, onde os jogos, os brinquedos e as
brincadeiras podem ser considerados instrumentos de intervenção durante
o processo de ensino-aprendizagem da criança. O objetivo de se ter uma
brinquedoteca é ensinar diferentes conteúdos por meio de jogos e
brincadeiras, favorecendo o desenvolvimento dos alunos. Assim, a proposta
desse artigo é mostrar a importância de uma brinquedoteca durante a
educação infantil e apresentar orientações de como jogos e brinquedos
podem ser dispostos dentro de um espaço como esse.
Palavras-chave: Brinquedoteca; Jogos; Criança; Brincadeiras
INTRODUÇÃO
Esse artigo tem como objetivo apontar a contribuição da brinquedoteca NA
educação infantil sob um olhar pedagógico e a importância do processo de
aprendizagem da criança de forma lúdica e também apontar maneiras de
como os jogos e brinquedos podem ser expostos nesse espaço.
Para que se atinja o objetivo proposto achou-se adequado um breve relato
sobre a psicopedagogia e a ludopsicopedagogia para que fique claro o quão
importante é trabalhar com o lúdico na educação infantil.
A metodologia utilizada foi de cunho bibliográfico, e para facilitar o
entendimento o artigo está dividido em quatro capítulos.
No segundo capítulo inicia-se com o conceito de psicopedagogia e
ludopsicopedagogia, que é o tema central desse artigo, como surgiu, qual
o seu objetivo e sua trajetória no Brasil. No terceiro capítulo serão
apresentados os conceitos de jogos, brinquedos e brincadeiras bem como a
definição de brinquedoteca, sua importância durante a educação infantil e
20 Aluna do Curso de Ludopsicopedagogia. [email protected]
132 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
sugestões de organização da disposição dos jogos e brinquedos dentro
desses espaços através de algumas classificações.
No quarto e último capítulo serão feitas as considerações finais e no final
desse artigo será possível verificar a bibliografia utilizada para a elaboração
deste.
PSICOPEDAGOGIA
“Psicopedagogia é a área do conhecimento que estuda como as
pessoas constroem o conhecimento. Em outras palavras, busca
decifrar como ocorre o processo de construção do conhecimento nos
indivíduos. Assim, ela se propõe a: identificar os pontos que
possam, porventura, estar travando essa aprendizagem; atuar de
maneira preventiva para evitá-los e, ainda, propiciar estratégias e
ferramentas que possibilitem facilitar esse aprendizado.”. (CENTRO
PSICOPEDAGÓGICO APOIO)
Ou seja, a psicopedagogia surge com o objetivo de identificar o porquê da
dificuldade de aprendizagem do sujeito podendo ser preventiva ou como
tratamento / terapêutico através de técnicas e estratégias traçadas que
visem facilitar o aprendizado.
A união Psicologia-Psicanálise-Pedagogia surgiu com a intenção de conhecer
a criança e seu meio podendo assim compreender o problema e determinar
uma ação reeducadora. No início a preocupação era apenas diferenciar os
que não aprendiam, apesar de serem inteligentes, daqueles que
apresentavam alguma deficiência mental, física ou sensorial.
(PSICOPEDAGOGIA BRASIL).
A linha preventiva considera como objeto de estudo da psicopedagogia o
ser humano em desenvolvimento enquanto ainda é possível educá-lo, seus
processos de desenvolvimento e as possíveis alterações desses processos.
Já o enfoque terapêutico considera o objeto de estudo a identificação,
análise, elaboração de uma metodologia de diagnóstico e tratamento das
dificuldades de aprendizagem.
Entre os diversos conceitos de psicopedagogia encontra-se o de Bossa
(2000) que afirma que não se deve limitar o campo de visão sobre esse
assunto, mas sim, focar em vários diagnósticos até que se chegue a uma
133 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
solução do caso em questão e, principalmente, deixar que a família participe
pois, o apoio dela ajudará no tratamento.
Assim, a psicopedagogia se propõe a trazer uma solução para as
dificuldades de aprendizagem através de estratégias e com técnicas de
trabalho que podem ser desenvolvidas individualmente ou em grupo, para
trazer a tona a vontade de aprender, de maneira que se identifique os
fatores que venham contribuir ou não para a processo de ensino-
aprendizagem.
A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL
No Brasil a psicopedagogia surgiu no final da década de 70, com o principal
objetivo de identificar porque muitos não aprendiam. Esse movimento aqui
teve forte influência da Argentina devido à proximidade geográfica e ao
acesso fácil à literatura.
Quando chegou ao Brasil, as dificuldades de aprendizagem estavam
associadas a uma disfunção neurológica determinada disfunção cerebral
mínima (DCM) que servia para camuflar problemas sociopedagógicos.
(BOSSA, 2000, p. 48)
Aqui ela surgiu junto com a criação da Escola Guatemala, no Rio de Janeiro,
na década de 80. Esta escola iniciou um trabalho na ação preventiva junto
ao professor. Porém, já na década de 60, a Psicopedagogia já se estrutura
(PORTAL DA EDUCAÇÃO)
Em 1970, surgiram os primeiros cursos de especialização em
psicopedagogia no Brasil idealizados para complementar a formação dos
psicólogos e educadores que buscavam solucionar determinados
problemas. Estes foram estruturados baseados em conhecimentos
científicos dentro de um determinado contexto histórico, entretanto, antes
desses cursos, já existiam grupos de profissionais que atuavam com o
problema de aprendizado tentando organizar núcleos de estudos e
aprofundamentos, como por exemplo o professor Júlio Bernaldo de Quirós,
médico e professor de Buenos Aires, dedicou aos estudos de leitura escrita
134 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
durante muitos anos e realizou pesquisas na Argentina e publicou-os nas
décadas de 50 e 60 e essas foram baseadas em sua experiência.
Dentro os traços da Psicopedagogia no Brasil destacam-se:
❖ Desmembramento das faculdades de educação em faculdade de
Pedagogia e Psicologia;
❖ Demanda por profissionais mais qualificados;
❖ Profissionais que trabalhavam com crianças com problemas de
aprendizagem buscam um aprofundamento maior;
❖ Pesquisas na Argentina e a vinda ao Brasil do Professor Quirós
❖ Influência de trabalhos de outros países através de uma bibliografia
consistente.
❖ Criam-se os primeiros cursos com enfoque psicopedagógico no início
da década de 70 na PUC/São Paulo
❖ Cria-se em 1979, em São Paulo, no Instituto Sedes Sapientiae, o
primeiro curso regular de Psicopedagogia.
❖ A partir da década de 80 surgem os cursos de especialização Lato
Sensu em Psicopedagogia, a princípio em São Paulo e, posteriormente,
em outras instituições e regiões do Brasil. (PORTAL DA EDUCAÇÃO)
A LUDOPSICOPEDAGOGIA
“Brincar também serve como linguagem para a criança – um
simbolismo que substitui as palavras. A criança experiência na vida
muita coisa que ainda é incapaz de expressar verbalmente, e deste
modo utiliza a brincadeira para formular e assimilar aquilo que
experiência. Eu me utilizo do brincar de situações em terapia da
mesma maneira que poderia usar uma estória, um desenho, uma
cena na mesa de areia, um teatro de bonecas, ou uma
improvisação.” (OAKLANDER, 1980, p. 184)
Quando uma criança brinca acontece o processo de se aproximar do
material, do que ela pode escolher e do que pode evitar, surgem as
dificuldades de ultrapassar etapas, a organização, o padrão adotado, o
modo como brinca e o que isso mostra sobre a sua vida. Durante um
tratamento com psicopedagogo, as crianças são levadas ao consultório para
brincarem livremente, de acordo com suas necessidades, e lá podem
135 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
demonstrar seus conflitos e se desenvolver através da interpretação do
conteúdo dos seus jogos e brincadeiras: a ludopsicopedagogia.
O brincar das crianças, em qualquer situação, é muito proveitoso para
outros propósitos além do processo direto de terapia, ele ajuda a promover
a afinidade necessária entre o psicopedagogo e/ou professor e a criança e,
o medo e as resistências iniciais são reduzidos quando a criança entra em
um ambiente cheio de brinquedos, pois é um lugar familiar e aconchegante.
Enquanto a criança utiliza o brinquedo como instrumento o profissional
consegue compreender seus sentimentos e preocupações, brincando elas
se comunicam e expõem seus sentimentos, e o profissional volta sua
atenção para os motivos subjacentes do comportamento da criança,
durante as atividades lúdicas.
“Brincar pode ser um bom instrumento de diagnóstico. Brincando
com a criança, podemos observar muita coisa a respeito da
maturidade, Inteligência, imaginação e criatividade, organização
cognitiva, orientação de realidade, estilo, campo de atenção,
capacidade de resolução de problemas, habilidades de contato,
entre outras nuanças.” (OAKLANDER, 1980, p.189)
A análise infantil explora o mundo dos sentimentos e impulsos inconscientes
como origem de todas as ações e reações observadas nos pequenos
aprendizes. A eficiência do tratamento decorre do fato de que ao brincar as
crianças expressam sentimentos de ambição, desejo, amor, crueldade,
ódio, necessidade de dominar e destruir.
“[...] Ensina-a a desejar, relacionando seus desejos a um “eu’
fictício, ao seu papel no jogo e suas regras. Dessa maneira, as
maiores aquisições de uma criança são conseguidas no brinquedo,
aquisições que, no futuro tornar-se-ão seu nível básico de ação real
e moralidade.” (VYGOTSKY, 1996, p. 114)
Como dito anteriormente, a ludopsicopedagogia consiste na análise da
criança através do ato de brincar. É durante esse comportamento prazeroso
que ela desloca para o exterior seus medos, ansiedades e problemas
internos, dominando-os ou não pela ação. Por meio da atividade lúdica, ela
manifesta seus conflitos e, desse modo, pode-se reconstruir o passado
assim como, no adulto, se consegue por meio da palavra, através do lúdico
é possível identificar suas dificuldades, seus medos e emoções, e nada mais
136 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
adequado que um espaço adequado, personalizado para desenvolver tal
atividade: a brinquedoteca.
JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS
Para Friedmann (1996) não existe uma teoria completa sobre o jogo,
existem várias teorias e é um tema muito complexo uma vez que cada,
educador possui uma maneira diferente de agir quando se trata desse
assunto. Porém, frisa que ao se utilizar o jogo na educação infantil faz-se
necessário destacar sua qualidade tendo em seus desdobramentos para o
processo de ensino e aprendizagem.
“Há jogo a partir do momento em que a criança aprende a designar
algo como jogo; ela não chega a isso sozinha. Ter consciência de
jogar resulta de uma aprendizagem linguística advinda dos
contextos da criança desde as primeiras semanas de sua
existência.” (BROUGÈRE, 1998, p. 18)
O jogo pode ser visto como ferramenta ideal de aprendizagem à medida
que propõe estímulo de acordo com o interesse do aluno, desenvolvendo
níveis diferentes de sua experiência pessoal e social, ajudando-o com novas
descobertas, desenvolvendo e enriquecendo sua personalidade. Também
pode ser utilizado com instrumento pedagógico que levará o professor a
condição de condutor, estimulador e avaliador da aprendizagem.
Por exemplo, o jogo espontâneo por ser livre permite que as crianças se
expressem através da sua vontade de brincar, são facilitadores da
autonomia, criatividade, experimentação, pesquisa e aprendizagens
significativas.
Já o jogo tradicional tem como características as regras, são os jogos
dirigidos, que “tem como objetivo desequilibrar (sentido piagetiano) as
estruturas mentais das crianças, no intuito de promover avanços no seu
desenvolvimento” (FRIEDMANN, 1996, p. 72).
O jogo permite o desenvolvimento de diversas capacidades sociais,
motrizes, cognitivas, expressivas, afetivas, filosóficas etc. Permite também,
de forma muito objetiva, agir sobre as deformações da conduta social.
“(...) o termo brinquedo será entendido sempre como objeto,
suporte da brincadeira, como descrição de uma conduta
137 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
estruturada, com regras e jogo infantil para designar tanto o objeto
e as regras do jogo da criança.” (KISHIMOTO, 1998, p.7)
O brinquedo como suporte da brincadeira permite à criança criar, imaginar
e representar a realidade e as experiências por ela adquiridas, através dele
a criança cria uma situação imaginária desta forma, o brinquedo
proporciona a criação por parte da criança, sendo fruto da sua imaginação.
Para Vygotsky (1998) o brinquedo exerce papel fundamental no
desenvolvimento infantil, especialmente na idade pré-escolar, embora não
considere o brinquedo como o único aspecto predominante na infância,
afirma que é ele quem proporciona o maior avanço na capacidade cognitiva
da criança. É por meio do brinquedo que a criança passa a perceber o
mundo real, domina conhecimentos, se relaciona e se integra
culturalmente.
O brinquedo auxilia nas mudanças durante o processo de desenvolvimento
da criança quando de suas necessidades e aptidões. A criança, com o
brinquedo, pode colocar hipóteses, desafios, além de construir relações com
outras crianças, com o meio que está localizado, com as regras e limites
impostos pelos adultos. É com o brinquedo que a criança aprende a lidar
com seu mundo, dando características à realidade da maneira que julgar
melhor.
“A brincadeira cria para as crianças uma "zona de desenvolvimento
proximal" que não é outra coisa senão a distância entre o nível atual
de desenvolvimento, determinado pela capacidade de resolver
independentemente um problema, e o nível de desenvolvimento
potencial, determinado através da resolução de um problema sob a
orientação de um adulto ou com a colaboração de um companheiro
mais capaz”. (VYGOTSKY, 1989, apud WAJSKOP, 2000, p. 35).
Na educação infantil é o lúdico é valorizado, e isso torna possível utilizar a
brincadeira e o jogo como elemento estratégico para desenvolver ensino e
aprendizagem. É através da brincadeira que a criança interage, comunica-
se com os demais participantes daquele meio, seja em casa e/ou na escola.
Nesse período a brincadeira é caracterizada como brinquedo educativo,
brincadeira tradicional, brincadeira de faz de conta e a brincadeira de
construção.
138 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
Os brinquedos educativos / ou brinquedos pedagógicos são vistos como as
principais ferramentas do educador no ensino infantil, e tem a finalidade de
desenvolver os aspectos cognitivo, afetivo, social, lógico e racional das
crianças. É entendido como recurso que ensina, desenvolve e educa de
forma prazerosa; este se materializa no quebra-cabeça destinado a ensinar
formas e cores, nos brinquedos de tabuleiros onde prevalece a
compreensão dos números e operações matemáticas, nos brinquedos de
encaixe que trabalham noções de sequências, de tamanho, de forma.
As brincadeiras tradicionais são manifestadas sem domínio de regras, é uma
brincadeira livre onde a criança brinca de acordo com sua vontade. São
exemplos de brincadeiras tradicionais: as cantigas de roda, pique-esconde,
pega-pega, a amarelinha, pular corda, entre outros. Mas, infelizmente,
atualmente as brincadeiras tradicionais estão caindo no esquecimento
graças ao avanço tecnológico que permite acesso às brincadeiras
eletrônicas.
A brincadeira de faz de conta permite que a criança use imaginação, busque
ideias e crie seu próprio mundo. No faz de conta ela estabelece uma
interação e mantém contato mais próximo com outras crianças.
Já na brincadeira de construção, a criança recombina elementos perceptuais
e emocionais, cria novos papéis para si e reorganiza cenas ambientais,
criando espaço para a fantasia, ajudando a relacionar as coisas que as
norteiam. Este tipo de brincadeira faz com que a criança construa a sua
própria realidade, e perceba a possibilidade de mudança da sociedade, na
qual ela faz parte.
Através da brincadeira a criança constrói saber cognitivo através da
motivação que esta proporciona, além de possibilitar o aperfeiçoamento do
seu raciocínio com o passar do tempo.
“A brinquedoteca é sempre um lugar prazeroso, onde os jogos,
brinquedos e brincadeiras fazem a magia do ambiente. Todas elas
têm como objetivo comum o desenvolvimento das atividades lúdicas
e a valorização do ato de brincar, independente do tipo de
brinquedoteca e do lugar onde está instalada, sejam num bairro,
numa escola, no hospital, numa clínica ou numa universidade. Cada
um destes ambientes tem sua função definida e usam os jogos e
139 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
brinquedos como estratégias para atingir seus fins, portanto cada
brinquedoteca apresenta o perfil da comunidade que lhe dá origem.”
(SANTOS, 1997, p. 97)
De acordo com Cunha (1992) a brinquedoteca é um local planejado para
incentivar a criança a brincar lhe proporcionando acesso a jogos e
brincadeiras diferenciadas além do que estimula também a curiosidade,
criatividade e o seu desenvolvimento cognitivo. Ela deve ser vista como um
espaço que enriquecerá as atividades lúdicas da criança através do contato
com os brinquedos.
A brinquedoteca aparece como uma maneira de utilizar o lúdico como fonte
de aprendizagem através de ambientes com cores, formas, desenhos,
objetos, que ao entrar em contato as crianças soltem sua a imaginação e
sentam-se livres para se expressarem.
Dentre os objetivos de uma brinquedoteca temos:
❖ Valorizar o brinquedo e as atividades lúdicas e
criativas, possibilitar o acesso à variedade de brinquedos.
❖ Desenvolver hábitos de responsabilidade e trabalho.
❖ Dar condições para que as crianças brinquem
espontaneamente.
❖ Despertar o interesse por uma nova forma de
animação cultural que pode diminuir a distância entre as gerações.
❖ Criar um espaço de convivência que propicie
interações espontâneas e desprovidas de preconceitos.
❖ Provocar um tipo de relacionamento que respeite as
preferências das crianças e assegure seus direitos. (CUNHA, 1992, p.37)
“A brinquedoteca poderá funcionar, assim, como um lugar em que
pais e filhos se relacionem melhor e desfaçam dúvidas quanto a
compra deste ou daquele brinquedo. Assim, dando à criança a
liberdade para explorar diversos tipos de brinquedos, estaremos
proporcionando o desenvolvimento de sua habilidade de reconhecer
objetos e ações, de distingui-los entre si, de tomar consciência de
suas similaridades e diferenças e, finalmente, de abstrair, classificar
e simbolizar. E tudo isso virá, naturalmente, de uma rica e ativa vida
de brincadeiras.” (BONTEMPO, 1992, p. 81) De acordo com Bontempo (1992) a brinquedoteca também colabora muito
com a educação infantil junto à família por propiciar aos pais momentos de
140 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
brincadeiras com os filhos, o que na maioria das vezes não acontece em
casa, e isso fortalece os laços familiares e os pais passam a conhecer melhor
as preferências de seus filhos.
Pode-se também considerar a brinquedoteca como um espaço criado para
as crianças dos dias de hoje que, por conta do progresso da sociedade,
perderam o espaço e o tempo para brincar, e também como uma maneira
de priorizar a valores perdidos.
CLASSIFICAÇÃO DOS JOGOS EM UMA BRINQUEDOTECA
Cunha (2001) sugere organizar uma brinquedoteca no formato de Centro de
recurso pedagógico e de Laboratório de Pesquisa em situações de aprendizagem
a partir da utilização de jogos, brinquedos e brincadeiras. Dentro deste formato
existem algumas maneiras de se classificar os jogos e brinquedos de acordo com
o objetivo que se deseja alcançar.
Dentre as maneiras de se classificar os jogos dentro de uma brinquedoteca temos
a classificação psicológica e a classificação pedagógica.
CLASSIFICAÇÃO PSICOLÓGICA
Os jogos de classificação psicológica fundamentam-se no desenvolvimento
da criança e estabelece uma hierarquia em função do desenvolvimento de
sua inteligência.
São eles: Jogos Motores (funcionais ou de exercício); Jogos Simbólicos
(representação ou pré-operatórios); Jogos Operatórios (regras).
Piaget psicólogo e filósofo suíço, é conhecido por seu trabalho pioneiro no
campo da inteligência infantil, ele organizou o desenvolvimento cognitivo
dividindo-o em quatro estágios: maturação, experiência física e lógico-
matemática, transmissão social e o processo de equilibrarão, sendo o último
o mais importante. Cada etapa de desenvolvimento está relacionada a um
tipo de atividade lúdica e que acontece do mesmo jeito para todos os
indivíduos. (PORTAL DA EDUCAÇÃO)
Para ele até os dois anos de idade as principais brincadeiras das crianças
são os gestos, sons, sinais e os exercícios de repetição. Estas são as
maneiras de linguagem da criança se comunicar com seu mundo exterior.
141 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
Nessa fase do desenvolvimento a criança constrói imagens de objetos e se
torna capaz de representá-los mesmo que estes não estejam presentes. Em
seguida ocorre a transição dos jogos simbólicos para os de construção, que
se inicia a partir dos quatro anos de idade e vai até os sete,
aproximadamente.
Também identifica três grandes tipos de estruturas mentais que surgem
sucessivamente na evolução do brincar infantil e classifica-os como: jogos
de exercício, jogos símbolos e jogos de regra.
Friedmann (1996) destaca que os jogos de exercícios são os primeiros a
surgirem na vida da criança e são motivados pelo prazer de manipular as
peças e pelas descobertas de habilidades através do movimento. Eles
caracterizam a etapa que vai do nascimento ao aparecimento da linguagem,
surge primeiro como forma de exercício simples onde sua finalidade é o
prazer do funcionamento. Possuem como características a repetição de
gestos e os movimentos simples.
O jogo simbólico aparece entre 2-6 anos. Sua função é satisfazer o eu por
meio de uma transformação do real em função dos desejos assimilando a
realidade. Nesses jogos a criança tende a reproduzir as relações que
predominam em seu ambiente e assimilar dessa maneira a realidade e um
jeito de se auto expressar. Esses jogos de faz de conta possibilitam à criança
a realização de sonhos e fantasias, revela conflitos, medos e angústias,
aliviando tensões e frustrações. (FRIEDMANN, 1996, p.56)
Ao assimilar o mundo como consegue ou como deseja a criança torna-se
produtora de linguagens criadoras de convenções, enquanto representa ela
transforma a realidade de acordo com suas necessidades naquele
momento.
No decorrer do desenvolvimento, aparece o terceiro tipo de jogo que é o
jogo com regras, ele aparece primeiro entre os quatro e sete anos e depois
entre os sete e onze
142 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
anos. Nesse jogo existe a necessidade de interação entre as crianças e é
preciso que entendimento e comprometimento de ambas às partes para a
execução jogo. Nos jogos de regras o valor lúdico continua tendo uma
importância fundamental e introduz a criança à competição.
Cada estágio se caracteriza pelo surgimento de estruturas originais
diferentes dos estágios anteriores. Porém, durante os estágios o que é
essencial dentro dessas construções sucessivas, permanece como
subestruturas, sobre quais as novas características se constroem. A ação
humana consiste em um processo contínuo que se orienta para o equilíbrio
e é nesse processo que Piaget destaca a importância do jogo. Para ele o
jogo tem uma finalidade em si mesmo, é espontâneo, dá prazer, apresenta
falta de organização e envolve motivação intensa. (ANDRADE, Cyrce; DIAS,
Maria Célia, et al. Brincar: o brinquedo e a brincadeira na infância.
São Paulo: CENPEC, 2011, p.29)
O desenvolvimento se segue conforme os períodos e etapas vivenciados
desde o nascimento e, se passa para a próxima etapa através da evolução
adquirida pela criança de um estágio para outro, esses períodos estão
relacionados entre si, e a faixa etária para cada um deles são idades médias
ondes as crianças demonstram características referentes a esses períodos.
Cada etapa se relaciona com determinado tipo de atividade lúdica que
acontece do mesmo jeito para todos os indivíduos.
CLASSIFICAÇÃO PEDAGÓGICA
Os jogos de Classificação Pedagógica baseiam-se na utilização do jogo /
brinquedo / material pedagógico como procedimento de intervenção
pedagógica segundo os diferentes aspectos e opções dos métodos
educativos.
Kamii e DeVries (1991) afirmam que, a organização dos jogos pode ajudar
o professor a desenvolver uma consciência crítica a respeito de sua
utilização, podendo assim selecionar, modificar e criar novos jogos. Dentro
do contexto de ensino e aprendizagem os jogos assumem funções que
143 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
podem apresentar objetivos diferenciados e, essas funções serão
determinadas de acordo com cada objetivo de cada atividade.
A classificação do jogo, brinquedo ou material didático está diretamente
relacionada ao assunto, tema, conteúdo ou habilidade e capacidade a ser
desenvolvida como por exemplo:
1. Desenvolvimento Corporal (aspecto motor): o objetivo da utilização
é o desenvolvimento da capacidade físico motora;
2. Desenvolvimento Intelectual (aspecto cognitivo): o objetivo da
utilização dos jogos é o desenvolvimento das capacidades intelectivas,
estruturas mentais e raciocínio lógico;
3. Desenvolvimento Afetivo e Social: o objetivo da utilização dos jogos
é o desenvolvimento da afetividade e da socialização.
Pode-se também classificar os jogos da brinquedoteca por tipo, ou seja,
classificá-los pela e função e objetivo de cada jogo ou brinquedo.
Araújo (2003) cita que as categorias em que se dividem os tipos de jogos
estão vinculadas a seus conteúdos, ao contexto em que são praticados, aos
objetivos mais gerais que o professor pretende alcançar, aos aspectos
caracterizados como objetivos específicos a serem atingidos por meio de
determinado tipo de jogo. Também pode-se utilizar como fator para
classificar os jogos em tipos diferentes o nível de desenvolvimento da
criança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A brinquedoteca precisa ser vista com olhar pedagógico, algo que diferencie
de uma sala de aula, que chame a atenção das crianças e que as deixem a
vontade para se expor. É preciso disponibilizar um grande acervo de jogos
e brincadeiras fundamentais para o desenvolvimento das crianças, a qual
deverá ter a mediação de um profissional qualificado, que goste de
trabalhar neste ramo, seja criativo, dinâmico e carismático
Ela aparece com o objetivo de retomar a importância do brincar,
entendendo que a brincadeira, o jogo, é a melhor maneira de ensinar uma
criança, inserindo os conteúdos necessários para o desenvolvimento
144 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
Pinto, Michele Bertoli Cunha
cognitivo dos alunos través de algo que lhes dê prazer fazendo com que as
crianças passem a gostar dos conteúdos.
Esse artigo foi desenvolvido com o objetivo de mostrar o papel de uma
brinquedoteca na educação infantil e de maneira resumida apresentar o
conceito de brinquedoteca, sua importância e as possibilidades de
disposição dos jogos e brinquedos dentro dela.
A brinquedoteca é um ótimo recurso que os educadores podem ter em mãos
para trabalhar com as crianças da educação infantil de forma lúdica e
concreta uma vez que o brincar aparece como elemento principal para a
aprendizagem.
A psicopedagogia busca através da psicologia, psicanálise, psicolinguística,
neurologia, psicomotricidade, fonoaudiologia, psiquiatria, entre outros,
entender como se dá o processo de aprendizagem nos indivíduos. Ela
nasceu com o objetivo de trabalhar na área clínica e se ampliou para a
escolar.
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145 Artigo: BRINQUEDOTECA. Págs. 131 - 148
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EEMM::HHTTTTPPSS::////WWWWWW..PPOORRTTAALLEEDDUUCCAACCAAOO..CCOOMM..BBRR//CCOONNTTEEUUDDOO//AARRTTIIGGOOSS//
PPEEDDAAGGOOGGIIAA//TTRRAAJJEETTOORRIIAA--HHIISSTTOORRIICCAA--DDAA--PPSSIICCOOPPEEDDAAGGOOGGIIAA--NNOO--
BBRRAASSIILL//4455559999.. AACCEESSSSOO EEMM 1199 DDEE AAGGOO,, DDEE 22001177..
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146
A ARTE DE EDUCAR NA GRÉCIA ANTIGA E SUA
IMPORTÂNCIA PARA A ATUALIDADE
Sidinei Aparecido Oliveira Vieira21
RESUMO
Este artigo tem por objetivo refletir sobre a influência da filosofia grega na
educação antiga e moderna e como a força de suas ideias reflete nelas,
percebendo os muitos pontos em comum entre elas. Foram utilizados livros
e artigos para a criação de uma pesquisa qualitativa de revisão bibliográfica.
Os resultados obtidos foram que as bases da filosofia grega, isto é, seu
pensamento e suas propostas práticas para a educação não podem ser
desprezadas mesmo na realidade atual e devem servir sempre como
referência para a busca por soluções aos desafios que a sociedade vem
trazendo.
Palavras-chave: História da educação. Filosofia da educação. Influência
grega antiga.
IINNTTRROODDUUÇÇÃÃOO
Por que estudar algo tão distante no tempo, como a educação e filosofia
grega, é relevante hoje em dia? O que perdurou ao longo das eras deve,
pois, ter algum valor ou alguma verdade profunda que tenha sido capaz de
mantê-lo ao longo das eras e ser confirmado nas salas de aula mesmo em
pleno século XXI. Por isso, será que alguns dos problemas vividos em sala
de aula hoje podem buscar remédio nas antigas escolas gregas?
Diante disso, o objetivo a que se refere este artigo é revisitar a educação
na Grécia antiga para poder compreender melhor os tempos atuais. Por
meio das antigas, mas ainda atuais concepções de educação, analisar seus
propósitos e procedimentos, isto é, como aplicavam os antigos gregos seus
ideais filosóficos na educação dos jovens e para que e porque isso era
considerado necessário.
21 Graduado em Gestão da Tecnologia da Informação, pós-graduado em Educação a Distância, aluno de graduação
em pedagogia.
147
Desse modo, a necessidade que justifica essa análise comparativa entre
passado e presente se impõe desde o momento em que muito foi tentado
e nem sempre os resultados foram satisfatórios ao se tratar de seres
humanos em formação participantes de um ambiente considerado hostil e
desinteressante a eles como uma sala de aula. Portanto, é importante rever
a contribuição filosófica grega que sempre serviu como parâmetro para
balizar o comportamento do professor, da escola e do aluno numa tentativa
de obter alguma luz.
Impõe-se ainda a invasão tecnológica que transformou os costumes da
sociedade e tornou-a mais dependente de aparatos tecnológicos, mas que
não foi capaz de modificar o comportamento dela em sua essência, apenas
acentuando suas características preocupantes há milênios conhecidas e seu
excessos que tanto prejudicam qualquer sociedade, seja antiga ou moderna
etc. Sem esquecer das imposições sociais e governamentais naquilo deve
ou não ser ensinado independente de atender os anseios humanos por
felicidade, liberdade e realização.
Tendo esse problemático panorama em consideração é que este artigo
procura fazer algumas comparações entre passado e presente, afim de
verificar a atualidade de pensamentos filosóficos tão antigos.
Primeiro fala-se sobre a sociedade grega, sua formação e características
ligadas a educação. Em seguida, elencam-se alguns princípios filosóficos
que vieram a nortear as práticas escolares da época. A terceira parte trata
dos valores ensinados e a quarta das práticas adotadas. Tudo isso em
comparação com a atual visão e procedimentos escolares.
PPAANNOORRAAMMAA GGEERRAALL DDAA SSOOCCIIEEDDAADDEE GGRREEGGAA
Apesar da estratificação da sociedade grega entre homens livre, escravos,
mulheres e estrangeiros, ela conseguiu dar início ao processo de cidadania.
Até pouco tempo atrás no século XX a mulher nem podia votar, e agora já
adentrado o século XIX, apesar de certas distorções sociais pode-se dizer
que os passos dados pelos gregos foram por aqui aperfeiçoados.
148
No período de seu apogeu, a sociedade grega se centrava na polis – núcleo
urbano onde surgiram grandes avanços na política e filosofia. De acordo
com Funari (2001, p. 25):
A cidade — polis, em grego — é um pequeno estado soberano que
compreende uma cidade e o campo ao redor e, eventualmente,
alguns povoados urbanos secundários. A cidade se define, de fato,
pelo povo — demos — que a compõe: uma coletividade de
indivíduos submetidos aos mesmos costumes fundamentais e
unidos por um culto comum às mesmas divindades protetoras. Devido às condições do solo pouco útil para a agricultura, acabaram por se
tornar um povo que se espalhou em diversas colônias ao redor do Mar
Mediterrâneo. Isso criou um comércio entre as colônias e os povos vizinhos
gerando um grande dinamismo na sociedade grega, portanto obrigando-a
a criar inovações que reverberam até nossos dias.
Dentre essas criações, está a democracia. Ela surge diante de uma
necessidade social ligada ao aumento da população das cidades e também
do aumento das riquezas gerando a concentração de renda para as poucas
famílias dominantes e o aumento da pobreza da classe que não detinha o
poder levando a conflitos sociais que tiveram por consequência mudar as
relações e condições sociais e de distribuição de poder entre os cidadãos,
exercendo então as primeiras atividades políticas na história da
humanidade. Sobre isso, descreve Funari que:
Sólon conferiu mais poderes à assembleia popular dos cidadãos(Eclésia) e vinculou
os direitos políticos às fortunas e não mais aos privilégios de sangue ou às ligações
familiares. Se, por um lado, somente os cidadãos mais ricos podiam se tornar arcontes,
por outro, todos os cidadãos passaram a ter direito de participar da Eclésia (2001, p.
33).
Ainda o mesmo autor diz que [...]os cargos políticos ligados à redação das
leis e sua aplicação tornaram-se legalmente acessíveis tanto aos cidadãos
ricos como aos pobres, e as palavras justiça e liberdade passaram a ser
referenciais importantes no imaginário ateniense (FUNARI, 2001, p. 35).
Logo os gregos perceberam que sem uma boa educação, esse sistema
inovador não teria chances de prosperar (CUNHA e PACHECO, 2009 apud
SILVA e FRANÇA, 2011, p 4). Porque, não seria possível elaborar propostas
de lei e melhorias para a cidade nem votar de forma consciente, muito
menos ser capaz de expor e debater as ideias em praça pública sem uma
educação adequada a esta realidade.
149
Assim, essa educação tinha por meta criar cidadãos com capacidades de
resolver assuntos pertinentes a questões políticas. “A educação ateniense
não tinha por objetivo ensinar ofícios, ou seja, trabalhos braçais, uma vez
que esses eram reservados aos não-cidadãos (escravos, estrangeiros), mas
sim treinara liberdade e a nobreza, que deveria ser exercida em sua
plenitude” (MARTINS, 2010 apud SILVA e FRANÇA, 2011, p 8). Ao contrário,
pois, dos dias de hoje onde a tecnologia e o mercado a criação de homens
máquina e não de seres críticos da realidade.
Outra característica importantíssima é a valorização do idoso e seu cabedal
de experiências. Afirmam Silva e França que “[...] conhecimento dos
clássicos, somado com discussões que envolviam pensamento crítico,
criativo e valorização da experiência dos anciãos” (2011, p. 8) eram
imprescindíveis nas decisões políticas. Porém, hoje tudo que é velho é
desmerecido e desvalorizado em função da febre frenéticas por novidades
tecnológicas22 mas não para o bem-estar das pessoas, mas sim para o bem-
estar das empresas, logo, criando uma sociedade sem passado e
consequentemente sem base para o presente muito menos para o futuro.
Diante desta situação, os gregos sentiram que a educação era fator
determinante. A busca por um homem integral, total, pleno em suas
capacidades físicas e psíquicas está definida pela palavra virtude poderia,
segundo eles, ser obtida através da educação. Logo, a virtude devia ser a
meta a ser atingida para que a sociedade funcionasse bem, e que através
dela, a cidade fosse capaz tanto de se defender contra os inimigos como
produzir riquezas (PEREIRA, 20??, p. 4).
Nessa concepção, a mesma autora se refere ao conceito de bom e mal
segundo a ótica grega. Essa noção moral devia ser ensinada aos jovens
desde tenra idade.
Platão aporta com uma regulamentação de conduta à qual todo homem,
desde criança, deve ser submetido, a fim de que treine seu sentimento a
22 A palavra tecnologia vem do termo teknon em grego que quer dizer filho (ISIDRO PEREIRA, 1998,
p. 568). Vivemos, pois, numa sociedade que descarta o velho e torna velho muito rapidamente as coisas para
substitui-las por coisas mais novas ainda.
150
amar o que é bom e a odiar o que é mau, antes mesmo de que a razão
desperte. Entendemos como um treinamento para a formação da virtude.
Desta maneira, quando a razão despertar e discernir o que é o bom e o mal,
seu sentimento atuará docilmente, e sua alma não enfrentará discórdia
entre suas distintas partes, mas integração (PEREIRA, 20??, p. 8).
De fato, pois, digna de nota é a percepção grega sobre e educação e sobre
a concepção do que deveria ser a sociedade perfeita construída pelo homem
perfeito. Tal concepção pode ser criticada nos dias atuais por causa de sua
idealização que pode, às vezes, não se alinhar à realidade e a natureza
humana de acordo com outras escolas da filosofia da educação. De qualquer
modo, assim destaca Pereira:
E assim, explica que não é a formação técnica que constitui a verdadeira educação, e
conceitua esta como o “treinamento desde a infância na virtude, o que torna o
indivíduo entusiasticamente desejoso de se converter em um cidadão perfeito, o qual
possui a compreensão tanto de governar como de ser governado com justiça [...]”
(PLATÃO, 2002,p.94, apud PEREIRA, 20??, p. 09).
No entanto, na obra A Cidade Antiga, Coulanges fala sobre a condição da
sociedade grega no seguinte parágrafo:
O Estado considerava o corpo e a alma de cada cidadão como propriedade sua; por
isso queria moldar esse corpo e essa alma de modo a tirar o melhor partido. Ensinava-
lhe ginástica, porque o corpo do homem era uma arma para a cidade, e era necessário
que essa arma fosse tão forte e dócil quanto possível. Ensinava-lhe também cânticos
religiosos, hinos, danças sagradas, porque esse conhecimento era necessário para a
boa execução dos sacrifícios e festas da cidade (1961,p. 200).
Dessa forma, conclui Fustel que a sociedade grega não era livre o que esse
ideário cultural e ser humano total visava unicamente atender as
necessidades da polis. Vale lembrar também que assim como hoje em dia,
a educação de qualidade é privilégio da classe mais favorecida e que os
escravos, mulheres e estrangeiros não poderiam usufruir desses direitos,
assim, guardada as devidas mudanças sociais, o poder de decisão, o acesso
da alta cultura, e o usufruto dos benefícios culturais e materiais continua
na mão de poucos – em termos práticos muito pouco mudou, apenas
mudando os nomes das personagens.
Finalmente, apesar do altíssimo ideal grego do homem perfeito, a educação
dada pelo estado sempre teve um caráter pragmático e com foco em
atender determinados objetivos em cada época. No tempo dos gregos o
objetivo era a administração da cidade, contudo, nos tempos de hoje visa-
151
se a eficiência do mercado. Porém, não se pode negar a importância
atemporal da busca pelo desenvolvimento humano em sua integralidade
iniciada pelos gregos.
AA FFIILLOOSSOOFFIIAA NNAA SSOOCCIIEEDDAADDEE GGRREEGGAA
Graças ao desenvolvimento da cidade, da cultura e da riqueza adquirida
pelos gregos a filosofia pode florescer e dar frutos que se tornaram
fundamentais para o pensamento e as práticas educativas gregas. A visão
humanística, o questionamento constante da realidade, a preocupação do
homem consigo mesmo e com os demais e a natureza, transformaram a
sociedade antiga ecoando com força até a atualidade.
A filosofia grega possui várias vertentes, das quais a mais conhecida e
influente é a clássica, onde se encontram três grandes pensadores:
Sócrates, Platão e Aristóteles. Segundo Nigel (2011, p. 8):
[...], Sócrates foi um excelente dialogador, Platão foium escritor fenomenal e
Aristóteles interessava-se por todas as coisas. Sócrates e Platãoacreditavam que o
mundo que vemos era um pálido reflexo da verdadeira realidade, que só poderia ser
alcançada por meio do pensamento filosófico abstrato; Aristóteles, em contrapartida,
era fascinado pelos detalhes de tudo que o cercava.
Eles são importantes para o mundo moderno, já que fizeram parte do
período áureo da cultura grega antiga – uma das bases para a forma
ocidental de ver o mundo. Determinaram os caminhos da educação - seus
conceitos e formas de aplicação, e a razão de sua existência além da
importância social e pessoal. Por fim, os ideais ainda propalados são o fruto
destes pensadores antigos.
Sócrates criou o método filosófico conhecido como maiêutica23 que através
de um diálogo de indagações e respostas o indivíduo inquirido chegava a
uma conclusão sobre determinado assunto. Sócrates foi condenado à morte
por isso, pois questionar pode ser uma arma contra o status quo.
Já Platão discípulo direto de Sócrates, segundo Leonhardt (2009, p. 44) é
definido a seguir:
Platão defende o conhecimento; contra a licenciosidade dos costumes, opõe a
educação. E Platão confia na razão, desconfia dos sentidos e esclarece o processo de
conhecimento. É possível apresentar as várias concepções de Platão interpretando o
significado dos mitos relatados em vários de seus textos.
23 Maiêutica quer dizer em grego parto de recém nascidos, Sócrates usava este termo para parir ideias
filho (ISIDRO PEREIRA, 1998, p. 568).
152
Confirma assim, a autora, que Platão via a necessidade de educar de forma
a combater os vícios e maus exemplos vistos em sua época para que a
sociedade pudesse florescer. E ainda segundo Leonhardt (2009, p. 45):
Para Platão são três os níveis do conhecimento: a ignorância, a opinião e a ciência. A
ignorância é a falta de conhecimento, é a negação do saber. A opinião é o
conhecimento das coisas mutáveis que existem no mundo sensível e a ciência é a
verdadeira sabedoria, o conhecimento das coisas imutáveis.
Outra contribuição deste mestre que chego foi a Alegoria da Caverna. Mito
que evoca a necessidade humana de ir além das aparências das coisas e
situações através do conhecimento e assim tornando-se possível atingir um
nível mais alto de consciência sobre a realidade e ir na direção da realização
do homem pleno.
Nesse sentido, Aristóteles explorava essa mesma natureza dos homens e
das coisas sendo por isso considerado um dos precursores da ciência
moderna, tendo como uma grande preocupação a questão sobre a felicidade
e também ao conceito de virtude. Segundo Nigel (2011, p. 10):
A abordagem de Aristóteles à ética não tem um interesse apenas histórico. Muitos
filósofos modernos acreditam que ele estava certo quanto à importância de
desenvolver as virtudes e que sua visão do que é a felicidade era precisa e inspiradora.
Eles acreditam que, em vez de procurar aumentar nossos prazeres na vida, deveríamos
tentar nos tornar pessoas melhores e fazer a coisa certa. Isso é o que faz a vida
caminhar bem.
Portanto, questão atualíssima é a felicidade. Porque, já em tempos tão
remotos estava entre os assuntos mais destacados desses filósofos. A
felicidade da polis, a felicidade do cidadão, como era idealizada e como
poderia ser alcançada e a quem se destinava eram temas que foram
discutidos e desenvolvidos por eles.
Ainda Nigel (2011, p 11) afirma que:
[...] Aristóteles estava interessado apenas no desenvolvimento pessoal do indivíduo.
Mas ele não estava. Os seres humanos são animais políticos, argumentava ele.
Precisamos conseguir viver com os outros e precisamos de um sistema de justiça para
lidarmos com o lado mais obscuro da nossa natureza. A eudaimoniasó pode ser
alcançada em relação à vida em sociedade. Nós vivemos juntos, e precisamos
encontrar nossa felicidade interagindo bem com aqueles que nos cercam, em um
estado político bem ordenado.
Do ponto de vista do período helênico os princípios pelos quais Isócrates se
bateu a vida inteira foram os que afinal plasmaram o fundamento ideológico
da paideia helénica: que a educação deve sempre visar a recta conduta e
prestar sempre os melhores serviços à comunidade (ALEXANDRE JÚNIOR
1995, p. 490).
153
Logo, observa-se que havia uma grande preocupação com a ética, e ela
devia ser ensinada nas escolas. O mesmo autor diz que Alexandre
Magno[...] mais sonhava era com um mundo iluminado pelo esplendor da
cultura grega, afirmando-se assim como um dos primeiros grandes
universalistas que a história contempla (ALEXANDRE JÚNIOR 1995, p. 490).
Graças a influência da educação que Alexandre teve junto a Aristóteles, o
ideal platônico do rei filósofo foi ao menos esboçada neste conquistador.
Alexandre Júnior enfatiza também que:
No seu projeto de uma educação verdadeiramente integral e completa, as escolas
helenísticas investiam acima de tudo na formação moral dos seus alunos, desde o
berço até ao clímax da sua carreira escolar. Esse é que era para eles o real fundamento
de uma pedagogia de sucesso (ALEXANDRE JÚNIOR 1995, p. 490).
Assim, fica muito claro que, na visão sábia dos antigos, é fundamental
ensinar moral e ética. Estes conceitos já deviam ser bem ensinados desde
muito cedo para que se fixa na mente daqueles quer seriam os futuros
chefes das cidades.
Então, a educação serve a sociedade ao aplicar tais conceitos filosóficos
visto que procuram melhorar o ser humano. Aqui está a função da educação
– formar o homem de acordo com as necessidades e anseios da sociedade,
assim a filosofia orienta a educação e esta põe em prática os meios para o
desenvolvimento do homem, eis, pois, a missão e sentido da existência da
educação.
GGRRÉÉCCIIAA AANNTTIIGGAA EE AA EEXXPPAANNSSÃÃOO HHEELLÊÊNNIICCAA
Berço da civilização ocidental, a Grécia tem grande influência sobre a
atualidade. Os filósofos pensaram a educação grega e estabeleceram
modelos, conceitos e práticas que são adotadas, mesmo que com
adaptações, nas escolas ocidentais em todos os níveis de educação,
determinaram o sentido de educar e para que educar, definiram os
procedimentos a serem adotados no dia a dia escolar. Portanto, criaram
uma metodologia capaz de atender as necessidades da sociedade grega.
Como sociedade inovadora em muitos aspectos, a Grécia teve grande
contribuição dos filósofos clássicos. Na Republica de Platão, Sócrates
discorre longamente sobre educação usando de sua análise do que é bom
e do que é mal para as crianças, isto é, como devem agir os agentes
154
educadores na criança para obter dela o melhor e desenvolvê-la com
objetivo a servir a sociedade grega (PLATÃO, 2014).
Além dessa visão socrática, pode-se dizer que a educação no mundo grego
é dividida em duas vertentes: a ateniense, e a espartana. Segundo Arantes
(20??, p. 02):
Na concepção espartana o homem deveria ser antes de mais nada, o resultado do
cultivo permanente do corpo. Deveria ser forte, desenvolvido e eficaz em todas as
suas ações. O processo de educação formal em Esparta era totalmente definido pelo
Estado. Esta soberania era exercida tanto nas crianças quanto nos adultos.
E sobre a educação ateniense a mesma autora diz:
Para os atenienses, a virtude mais importante era a liberdade; a educação formal não
era dirigida pelo Estado. Exigia-se apenas que os filhos recebessem, da família,
orientação elementar. Embora não houvesse ação direta, as escolas eram
supervisionadas pelos os magistrados que vigiavam a sua ordem e organização. As
escolas eram particulares e seus professores pagos pelas famílias dos estudantes. A
escolarização elementar, ao que tudo indica, tinha caráter democrático; a disciplina,
entretanto, era muito rígida e o aluno recebia punição severa quando se cometia
pequenas faltas (20??, p. 05).
Diante desta oposição de valores formou-se a educação helenística - outra
grande contribuição da Grécia. Com Alexandre Magno o mundo grego se
expande e se torna internacional, levando para os mais distantes rincões
do mundo antigo a cultura grega universalizando-a.
Essa política expansionista trouxe benefícios para a educação dos
habitantes do mundo helênico. Pois, segundo Henri Marrou (Arantes, 20??,
p.491):
[...] as crianças livres do espaço helénico frequentavam pelo menos
a escola primária. E tão rapidamente essas escolas se implantaram
em todo o espaço do mundo helenístico, que até no Egipto era
possível encontrá-las nos mais recônditos centros rurais.
Desse modo, a cultura grega e sua posterior expansão são fundamentais
para o mundo atual servindo como modelo. A democratização da educação
de hoje teve por base a democratização da educação entreos povos
conquistados por Alexandre Magno.
OOSS VVAALLOORREESS EENNSSIINNAADDOOSS NNAASS EESSCCOOLLAASS GGRREEGGAASS
O homem livre das cidades gregas tinhas obrigações a cumprir que exigiam
dele um cabedal de conhecimentos e práticas que foram desenvolvidos
pelos filósofos e educadores daquele tempo. Assim, a ética (a mente
saudável) e a estética (o corpo saudável) eram trabalhadas desde tenra
idade.
Alexandre Junior (1995, p.491) destaca estes princípios quando diz que:
155
De acordo com o ideal pedagógico de Platão, a educação escolar deveria ser universal,
pública e destinar-se a formar o carácter do indivíduo de harmonia com os valores
tradicionais e ideais da cidade.
Concebeu por isso um modelo de educação dividido em duas etapas fundamentais: a
primeira, consagrada à apropriação das virtudes morais básicas, por meio do exercício
e da habituação mimética; a segunda, dedicada à aquisição das chamadas virtudes
superiores da justiça e da sabedoria, mediante uma radical conversão da vida dos
sentidos à dos valores ideais.
Vale ressaltar que Platão percebia a necessidade de que todos os homens
livres tivessem a oportunidade de receber a educação. Também notava ele
duas partes integrantes do ser humano: o físico e o espírito e procurava
determinar meios de desenvolver ambas, pois elas deveriam funcionar
adequadamente para atender as necessidades das cidades gregas.
Ainda o mesmo autor reforça essa concepção holística grega da formação
do homem tanto moral quando física (ALEXANDRE JÚNIOR, 1995, p. 492):
No seu projecto de uma educação verdadeiramente integral e completa, as escolas
helenísticas investiam acima de tudo na formação moral dos seus alunos, desde o
berço até ao clímax da sua carreira escolar. Esse é que era para eles o real fundamento
de uma pedagogia de sucesso.
Vê-se, pois, a grande importância do comportamento ético e o anseio pelo
belo tão presentes no ideário grego de civilização. Evidentemente, estavam
eles não só preocupados com a beleza e a saúde dos corpos, mas também
com a eficiência na administração da pólis. Por isso, ter saúde ajuda tanto
na guerra quanto na burocracia estatal.
A influência grega se estendeu até Roma. Além do aspecto moral e ético
vistos como necessários à educação grega, também haviam outro como a
natureza do comportamento humano:
Marco Fábio Quintiliano foi o maior pedagogo romano. A sua pedagogia
reconhecia a importância do estudo psicológico do aluno, por isso enfatizava o valor
humanístico e espiritual da educação, atribuindo requinte aoensino das letras e
reconhecendo o valor do educador (PALMA FILHO, 20??, p 01).
Além disso, havia, também, o senso de vida metafísica. O homem antigo
acreditava que atuavam junto a ele entidades não visíveis além das visíveis.
Por isso que sua visão de educação ultrapassava a saúde física e a mera
instrução moral e técnica (ALEXANDRE JÚNIOR, 1995, p. 492).
PPRRÁÁTTIICCAASS EEDDUUCCAACCIIOONNAAIISS GGRREEGGAASS
Além das concepções filosóficas sobre educação, os gregos elaboraram suas
práticas educativas objetivando, como dito acima, o homem total, corpo e
alma, inteligência e ação. Entendiam, pois, que se o corpo não estivesse
em condições, a mente estaria comprometida.
156
Sendo assim, desde muito cedo, os alunos passavam por uma série de
atividades e de acordo com Alexandre Júnior (1995, p. 492):
[...] os alunos eram orientados tanto na defesa e refutação de teses, como na elaboração
amplificada de temas ou ditos e feitos de figuras célebres da sua história. Exercícios
estes que obedeciam a normas estritamente formais, mas ao mesmo tempo os
estimulavam a cultivar a estrutura lógica do seu pensamento, a força persuasiva dos
seus argumentos, e os valores dominantes da sua cultura.
Bem diferente dos dias atuais, havia o constante exercício do pensamento.
O desenvolvimento da capacidade de pensar, elaborar e defender ideias era
praticada nas escolas buscando formar o homem capaz de tomar decisões
e conceber meios para enfrentar os desafios políticos que surgiam.
Ao estabelecer um paralelo entra a nossa civilização atual e a grega antiga
é visto que perdemos a noção daquelas coisas que seriam essenciais
enquanto elemento curricular como justiça, prudência, temperança, etc.
Pois, hoje estão mais preocupados em formar técnicos que pessoas
(ALEXANDRE JÚNIOR, 1995, p. 497) a fim de controlar as máquinas que
produzem os bens de consumo.
Em síntese, os gregos pensavam a educação “como a formação da alma”
(ARANTES, 20??, p. 01). Grande sabedoria pode ser retirada dessa lição, já
que naquela época houve grande florescimento cultural e humanístico,
coisas de que carece a sociedade robotizada dos tempos atuais onde a
cultura está em franca de cadência e os valores que sustentam a sociedade
praticamente não existem mais.
No tocante a práticas educativas com as crianças, Sócrates em A República
defende que quando, portanto, as crianças principiam por brincar
honestamente, adquirem, através da música, a boa ordem e, [...], ela
acompanha-os para toda a parte, e com seu crescimento, endireita qualquer
coisa que anteriormente tenha decaído na cidade (PLATÃO, 2004, p. 118).
E incrivelmente atual é a fala deste filósofo quando trata sobre como deve
ser o estilo de aula para as crianças: “[...] não eduques as crianças no
estudo pela violência, mas a brincar, a fim de ficares mais habilitado a
descobrir as tendências naturais de cada um” (PLATÃO, 2004, p. 234).
Definitivamente, de grande capacidade de observação da alma humana, ele
já sabia os caminhos a trilhar na educação.
157
Por outro lado, nos dias atuais - tempos de cuidados com o bem-estar
emocional e predominância da alta tecnologia no dia-a-dia, deve-se
considerar o quanto podem afetar a dinâmica da aula e o desempenho dos
alunos se forem usadas violências. E, é notável constatar como é pertinente
a reflexão de Sócrates sobre como o professor deve se comportar com os
alunos e como deve pensar a aula de modo que ela seja mais produtiva e
agradável a ele e aos alunos, evitando assim imposições de conduta e falta
de respeito a pessoa humana em sala de aula e os prejuízos psicológicos
decorrentes do uso de violências em sala.
Ainda com relação a didática antiga, Sócrates defende que a música e
atividade física devem ser usadas nas fases iniciais. Isso é corroborado por
autores atuais como Piaget ao estudar as fases de desenvolvimento da
criança, sendo a fase motora uma fase que exige atividades físicas para o
seu pleno desenvolvimento e a música como meio de desenvolver a
capacidade de concentração e disciplina de forma lúdica com cantos e
danças.
Com base nessas ideias, concorda Arantes (20??, p. 07):
A educação opressiva que traz sensação de medo não é recomendada. Deve-se educar
a criança na alegria, pois ela oferece as bases para a harmonia e pleno equilíbrio do
caráter. Sobre as atividades recomendadas por Platão para as crianças de 03 a 06 anos,
encontram-se os jogos.
Em outro trecho, muito consciente da natureza humana e da situação
sempre delicada em que se encontra o professor, Sócrates (PLATÃO, 2004,
p. 260) diz:
[...] o professor teme e lisonjeia os discípulos, e estes têm os mestres em pouca
consideração; outro tanto se passa com os preceptores. No conjunto, os jovens imitam
os velhos, e competem com eles em palavras e em ações; ao passo que os anciãos
condescendem com os novos, enchem-se de vivacidade e espírito, a imitar os jovens,
a fim de não parecerem aborrecidos e autoritários.
Por fim, a educação integral grega, que se reflete nos dias atuais, ao menos
idealisticamente, devido a sua validade e comprovação de eficácia. Intuíram
os antigos que o ser humano tem necessidades física e mentais afim de se
realizar no mundo das ideias e no mundo das coisas objetivas, ficando clara
a sua contribuição ainda para os dias de hoje.
158
CCOONNSSIIDDEERRAAÇÇÕÕEESS FFIINNAAIISS
Ao realizar este artigo constatou-se que a sociedade atual é vítima de sua
insistência em desvalorizar o antigo e supervalorizar o novo, que nem
sempre trouxe bons resultados. A sociedade hodierna, em constante crise,
parece nunca encontrar um ponto de equilíbrio para criar uma perspectiva
histórica e poder refletir sobre os rumos e as consequências de suas
concepções e práticas em geral.
Interessante notar que o ser humano não mudou, isso fica claro ao se ler
trechos de mais de dois mil anos tratando da educação, como vistos acima.
Seu comportamento é o mesmo, há séculos, apesar de atualmente viver
em um mundo cercado por avanços na área de tecnologia, que só fez
evidenciar ainda mais as características humanas.
Evidentemente, não se pode negar, principalmente, a presença da
tecnologia da informação nos dias de hoje. Principalmente os celulares, que
por sua mobilidade, pode acompanhar os jovens na escola, e colocar a
escola e os professores em uma competição desafiadora para ver quem é
mais capaz de seduzir os alunos e ganhar sua atenção.
Porém, o desafio maior, ainda são as relações humanas. Determinar o papel
de cada um de acordo com princípios de respeito e cordialidade, considerar
a pessoa humana como portadora de saberes e merecedora de atenção
adequada e acolhedora. Estas coisas foram aconselhadas pelos antigos
filósofos, porém parece que foram ignoradas ou esquecidas pelos
professores atuais.
Ficou claro também que nem sempre a sociedade procura pelo melhor para
seus os cidadãos, mas sim instrui naquilo que convém para atender seus
propósitos sejam eles belicosos ou econômicos.
Assim, se a educação oferecida possa parece ser boa em dados momento,
independente disso, ela sempre é pensada visando atingir algum objetivo
que pode não ter nada tem a ver com o educar de forma plena em ou com
o desenvolvimento e felicidade dos indivíduos.
Fato também é que muitas práticas antigas continuam consagradas mesmo
que entendidas de forma diferente. Um exemplo é o entendimento e uso da
159
ginástica e da música, reconhecidas atualmente pelo papel eficaz na
educação, mas diferentes dos antigos, não se considera que o excesso ou
a falta de uma delas possa comprometer o caráter de uma pessoa como se
pensava antigamente, pois o bom senso diz que não se pode abandonar
uma em detrimento da outra muito menos abusar delas.
Por fim, não se pode ignorar a grandeza do passado grego e que a
civilização ocidental é sua herdeira e continuadora, embora em constante
crise e em fase de degradação. Tudo, porém, em função de interesses
outros, alheios a educação, além de e um total processo de amnésia
coletiva.
Se não se pode mais adotar os modelos de educação grega em sua íntegra
que ao menos se reconheça sua referência como base para se desenvolver
metodologias que possam melhorar e minorar os males de que a atual
civilização padece, porque uma sociedade sem passado não pode ter uma
identidade e não poderá existir no futuro.
160
REFERÊNCIAS
ALEXANDRE JÚNIOR, Manuel. Paradigmas da educação na antiguidade
greco-romana. Lisboa, [s.n.]1995.
ARANTES, Ana Cristina. A cultura e a educação grega.São Paulo: [s.n.], 20??.
COULANGES, DenyFustel de. A cidade antiga. São Paulo : EDAMERIS,1961.
FRANÇA, M. L.; SILVA, A. M. M. O ideal ateniense de educação:
possibilidades da constituição de uma cidadania. Curitiba: Educere, 2001.
FUNARI, Pedro Paulo. Grécia e Roma. São Paulo: Ed. Contexto, 2001.
ISIDRO PEREIRA, S. J. Dicionário grego-português e português e grego.
Braga: Libraria Apostolado da Imprensa, 1998.
LENHARDT, Ruth Rieth. Noções de história do pensamento filosófico: antiguidade e idade média.Guarapava: Ed. da Unicentro, 2009.
PALMA FILHO, J. C. A educação através dos tempos. São Paulo: Univesp, 20??.
NIGEL, Warburton. Uma breve história da filosofia. Porto Alegre: L&PM Editores, 2011.
PEREIRA, B. Q. A educação segundo Platão: uma discussão sobre
processos de ensinar e aprender a virtude. Santos: [s.n], 20??.
PLATÃO. A República. São Paulo: Martin Claret, 2004.
161 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
Talita Moreira Barreiras Melo
A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL Talita Moreira Barreiras Melo24
RESUMO
Hoje em dia é discutido muito a questão do brincar e sua importância no
desenvolvimento da criança na educação infantil, como também o
brinquedo e brincadeiras. Muitos pesquisadores querem saber á função que
o ato de brincar exerce sobre o desenvolvimento infantil, como também
quais são os motivos que levam as crianças a brincarem e no que a
brincadeira influência na aprendizagem da criança. E o porquê o ato de
brincar como uma finalidade pedagógica mostra que o educador infantil tem
de criar e proporcionar oportunidades em que a criança brinque, pois, o
brincar é parte integrante do desenvolvimento físico, cognitivo, mental e
social da criança, sendo que é assim que ela aprende a ser adulta.
Palavras-chave: Importância, Brincar, Educação Infantil, Brincadeira,
Brinquedo, Conhecimento.
INTRODUÇÃO
O interesse em abordar esse tema surgiu ao observar que o brincar está
muito presente na educação infantil. Dessa forma, compreender o que é
brincar, como se brincar em sala de aula e o porquê do brincar é
fundamental para o pedagogo. O brincar é considerado imprescindível e
necessário para que a criança cresça saudável e inserida em um mundo de
fantasias, desejos e liberdade. No momento que a criança brinca ela começa
a entender como as coisas funcionam que existem limites estabelecidos,
regras a serem respeitadas e também aprendem a conviver com os amigos.
Assim, o brincar na educação infantil é essencial, principalmente quando
nos referimos ao desenvolvimento cognitivo, pois, proporciona a criança,
24 Aluna do Curso de Licenciatura em Pedagogia – [email protected]
162 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
Talita Moreira Barreiras Melo
criatividade, desenvolver suas potencialidades, tanto no âmbito físico,
emocional e social.
Neste contexto, entende-se que o brincar na educação infantil é uma prática
que envolve a decisão e a escolha de forma intencional e percebe-se,
contudo, que há uma necessidade inerente à criança de um brincar mais
dirigido voltado para a aprendizagem. Por essa razão é vital entender,
compreender a importância deste brincar direcionado. No momento que o
professor reconhece a importância e o devido respeito às potencialidades
da criança precisa de incentivo para trabalhar em sala de aula com domínio
do propósito que pretende para que a ação da criança aconteça de forma
eficiente e torne-se capaz de transformar uma simples brincadeira em
oportunidades e conhecimentos do mundo que a cerca.
As pesquisas e estudos efetivados deixam algumas indagações para o
pedagogo, visto que no passado o brincar era tido apenas como uma forma
de fuga ou distração, não conferindo o caráter educativo sem fundamento
na aprendizagem, ou seja, o brincar era apenas um passatempo onde a
criança brincava por brincar, não era levado em consideração que esse
brincar poderia ser usado para desenvolver o aspecto cognitivo da criança.
Hoje, no entanto, isso tem mudado principalmente para aquelas instituições
de ensino cujo brincar tem foco principal o aprender e ensinar.
Não bastasse esse brincar vai desde a sua prática livre até uma atividade
dirigida com regras e normas. E é nesse contexto da educação infantil, onde
as crianças brincam na maior parte do tempo, que será formulada as
seguintes questões desse estudo: Qual a importância do brincar na
educação infantil e suas contribuições para o desenvolvimento cognitivo da
criança.
Desta forma, o foco desse trabalho cientifico pauta-se o ato de brincar na
educação infantil, dando ênfase aos jogos e brincadeiras como instrumentos
de aprendizagem e adotando o pedagogo como profissional que merece ser
respeitado quando em atividade. A partir da compreensão aperfeiçoando
a prática profissional.
163 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
Talita Moreira Barreiras Melo
Logo os objetivos gerais deste artigo direcionam-se na análise da
importância do brincar na aprendizagem da educação infantil e sua
verificação no aspecto cognitivo da criança. A partir do objetivo geral,
surgem os seguintes objetivos específicos:
• conhecer a definição do que é o brincar na educação infantil;
• compreender a importância dos jogos e brincadeiras no
desenvolvimento cognitivo;
• entender qual a importância da atividade dirigida para a
aprendizagem.
Neste sentido, os capítulos a seguir trazem os conceitos e definições que
sustentam teoricamente e praticamente estes objetivos.
Não bastasse a metodologia deste trabalho será baseado em estudos
teóricos, pesquisas e obras literárias publicadas, com o propósito de ampliar
o conhecimento sobre o assunto, os objetivos, os materiais, também será
adotada uma metodologia visando aprofundamento do estudo.
A HISTÓRIA DOS JOGOS, BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS
Até meados do século XVIII, o brincar era uma atividade compartilhada
pelos adultos e crianças. Não havia separação por grupo de idade ou
espaços. Crianças e adultos brincavam ao mesmo tempo e no mesmo lugar.
Este tempo antecede ao surgimento da escola tal como a conhecemos hoje.
Nessa época as crianças eram vistas como adultos em miniatura. Os
brinquedos eram jogos tradicionais carregados de misticismos,
religiosidades e fantasia.
Cada brinquedo trazia sua significação particular. Estes não eram invenções
de fabricantes especializados no assunto. Nasceram nas oficinas de
madeiras, funilarias e etc.
É por volta do século XVIII que começa a surgir os primórdios de uma
fabricação especializada. Assim é que tanto a venda como a distribuição de
brinquedos não era função de comerciantes especializados.
A beleza e o estilo contido nos brinquedos mais antigos da época, era devido
as circunstâncias nas quais eles foram produzidos, produto secundário das
164 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
Talita Moreira Barreiras Melo
fábricas artesanal as quais só podiam produzir o objeto de sua competência,
isto é aqueles autorizados pelo estatuto das corporativas.
Com o aparecimento de uma fabricação mais especializada dos brinquedos
as indústrias começaram a chocar-se contra as restrições das corporativas
as quais impediam o marceneiro e outros artesões de pintarem eles próprios
os seus produtos.
Assim é que para produzir um brinquedo de materiais diversos, várias
indústrias deveriam dividir entre si os trabalhos por mais simples que eles
fossem. Isto causava um encarecimento da mercadoria (brinquedo).
Como consequência à venda ou a distribuição de brinquedos não era função
de comerciantes especializados, ou seja, o marceneiro vendia brinquedos
de madeira, o funileiro vendia soldadinho de chumbo, o fabricante de velas
vendia bonecas de cera e etc.
Isto, porém, não ocorria com o comércio intermediário, pois este fazia às
vezes de grande distribuidor.
Com o avanço da reforma, muitos artistas que até então só produziam
peças para a igreja, passam a produzir peças menores para decoração das
casas, em vista da demanda que uma extraordinária difusão de peças
minúsculas as quais alegravam as crianças nas suas estantes de brinquedos
e os adultos em suas salas de “arte e maravilha”.
Na segunda metade do século XIX, os pequeninos objetos denominados
brinquedos tornaram-se maiores e aos poucos vão perdendo essa
característica minúscula discreta e agradável. Então uma emancipação do
brinquedo começa a se impor e à medida que a industrialização surge como
estranhos às crianças e os pais no dizer de BEIJAMIN (1984) “(...) o
brinquedo sempre foi e sempre será um objeto pelo adulto para a criança”.
Hoje a produção do brinquedo está atrelada ao modo de produção
capitalista. Ele não é feito para durar muito. São praticamente descartáveis,
pois precisam ser logo substituídos por outros, mais modernos e mais
sofisticados com mais tecnologias. Há uma troca rápida dos brinquedos. É
como se fosse moda. A mídia é a mola propulsora para: troca-troca de
165 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
Talita Moreira Barreiras Melo
brinquedos. Os filhos, estimulados pelas propagandas televisivas, os seus
desejos. A “adultização” da infância também tem interferido na fabricação
dos brinquedos, muitos particularmente, os brinquedos para meninas. Os
bebês deram lugar as Barbies, as panelinhas deram lugar aos acessórios de
beleza, etc. Há uma mudança cultural no brincar, nas brincadeiras e nos
brinquedos.
O processo de desenvolvimento da criança de 7 a 10 anos em relação ao
desenvolvimento cognitivo nota-se a existência de estágios ou períodos
sensíveis (ou de prontidão) são os períodos ou estágios em que as crianças
ao serem estimuladas passam a aprender comportamentos mais
complexos. Portanto, faz-se necessário que façamos a correspondência
adequada entre as tarefas de aprendizagem ao nível de desenvolvimento
em que a criança está.
Verifica-se que precisamos não apenas saber que ensino escolher, como
ensinar, mas, sobretudo, quando ela está pronta para aprender as várias
tarefas intelectuais do processo ensino-aprendizagem. Nesta
contextualização MAUÉS (2000) segue citando que: “É através do brincar
que a criança representa a realidade à sua volta, e com isso vai construindo
seus próprios valores, ideias e conceitos.”
Haja visto que, se entendermos como o desenvolvimento cognitivo se
processa, poderemos evitar dois incidentes: ensinar a criança antes que
esteja pronta para aprender e perder uma oportunidade preciosa por
ensiná-la muito tempo após o momento adequado.
É neste sentido que, para compreendermos este processo, analisaremos
duas teorias: a teoria de PIAGET e a teoria de BRUNER ambas citadas por
BARROS (1995).
A TEORIA DE JEAN PIAGET
Jean Piaget foi um psicólogo suíço, falecido em 1980. É conhecido
mundialmente por suas obras e centenas de artigos publicados,
reverenciando a análise a evolução do pensamento infantil.
166 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
Talita Moreira Barreiras Melo
Por mais de quarenta anos, realizou pesquisas com crianças, visando
conhecer melhor a evolução do pensamento até a adolescência, para que
houvesse o aperfeiçoamento dos métodos educacionais. Com isso PIAGET
(1975) propõe que o desenvolvimento cognitivo se realiza em estágios.
Portanto, isso significa que a natureza e a caracterização da inteligência
mudam com o passar do tempo.
Para PIAGET apud BARROS (1995), os estágios e períodos do
desenvolvimento caracterizam as diferentes formas do indivíduo de
interagir com a realidade, de organizar seus conhecimentos visando sua
adaptação. Com isso é que o indivíduo desde criança vai construindo seu
desenvolvimento mental, levando em consideração o ponto de vista motor,
intelectual e afetivo.
PIAGET apud BARROS (1995) identificou quatro períodos principais do
desenvolvimento: sensório motor (0 a 2 anos); pré-operacional (2 a 6
anos); operações concretas (7 a 11 anos) e operações formais (12 anos em
diante). A inteligência sensório-motora, que vai do nascimento até aos 18
meses de idade, a criança analisa o ambiente e age sobre ele, contudo faz-
se necessário ressaltar que o bebê receba a estimulação visual, auditiva e
tátil, tendo uma variedade de objetos para manipular, de possibilidades
para se movimentar.
A inteligência intuitiva ou pré-operacional, acontece dos 2 aos 6 anos de
idade, em relação à inteligência anterior, é o desenvolvimento da
capacidade simbólica, onde a criança começa a usar símbolos mentais
(imagens ou palavras), que representam objetos que não estão presentes.
É neste período que acontece a explosão linguística, desenvolvendo seu
vocabulário.
Nas operações concretas, que acontece dos 7 aos 11 anos, a criança usa a
lógica e raciocínio, mas somente os aplica na manipulação de objetos
concretos. É preciso que se faça a relação entre objetos para estimular o
pensamento.
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Talita Moreira Barreiras Melo
Já nas operações formais, após os 12 anos o pensamento já não depende
da manipulação de objetos concretos. As operações lógicas realizam-se
entre as ideias expressas em palavras ou símbolos, sem necessidade da
manipulação da realidade.
O pensamento formal é capaz de deduzir as conclusões de hipótese e não
somente através de observação real.
Entretanto, o período a qual daremos maior enfoque, é o pré-operatório,
que dura dos dois aos seis anos aproximadamente. Nesse período, ocorre
o desenvolvimento da capacidade simbólica, que permite a criança ter uma
representação mental dos objetos e das coisas do ambiente.
Nesta fase, as crianças apresentam as seguintes características:
egocentrismo, ou seja, tudo está centrado em sua pessoa, são incapazes
de aceitar o ponto de vista de outra pessoa, quando diferentes ao delas;
centralização, percebe apenas um dos aspectos de um objeto ou
acontecimento, ou seja, focaliza apenas uma dimensão do estímulo,
centralizando-se nela e sendo incapaz de levar em conta mais de uma
dimensão ao mesmo tempo; animismo, as crianças supõem que os objetos
são vivos e capazes de sentir.
Percebe-se, portanto que é nessa faixa etária que a criança começa
sociabilizar- se. Ao final deste período, começa a representação mental, a
formação de agrupamentos de ações interiorizadas, coordenadas entre si e
reversíveis. Neste momento acontece a passagem do egocentrismo para a
da organização.
Nessa fase, a criança dos dois aos três anos brinca com bonecos de pano
ou de borracha, objetos grandes e leves; jogos de encaixe e brinquedos da
fase anterior. Dos três aos quatro anos, brinca de correr, escorregar, puxar
e lançar.
Neste sentido WALLON (1986), afirma que: “Brincar de andar, de pular,
brincar de subir e descer, de pôr e tirar, de empilhar derrubar, de fazer e
desfazer, de criar e destruir”. Educar neste momento é sinônimo de
preparar o espaço adequado, o espaço brincado, isto é, explorável.
168 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
Talita Moreira Barreiras Melo
Neste momento, são levados em consideração todos os itens acima citados
onde podemos observar o desenvolvimento físico, mental e sócio-
emocional da criança, através de jogos e brincadeiras. Pois eles ajudam a
desenvolver a confiança, a autonomia e a iniciativa.
A TEORIA DE JEROME BRUNER
Jerome Bruner, psicólogo americano contemporâneo, fundou na
universidade de Harvard, o Centro de Estudos Cognitivos. Em 1960 publicou
O Processo da Educação, no qual expôs sua teoria da instrução, explicando
que: “Qualquer assunto pode ser ensinado eficazmente, de alguma forma
intelectualmente honesta, a qualquer criança em qualquer estágio de
desenvolvimento”.
BRUNER apud BARROS (1995) propõe em sua teoria explicar como a
criança, em diferentes etapas de sua existência, tende a representar o
mundo com o qual interage. Contudo acredita que haja três níveis de
representação cognitiva do mundo: enativa, icônica e simbólica.
a) Representação enativa (Ativa)
A criança neste nível representa o mundo pelas suas ações, ou seja, se
perguntarmos onde fica algum lugar, com certeza ela não saberá responder,
o seu reflexo será levar-nos ao lugar perguntando, pois não conseguirá
representar o caminho através de desenhos ou indicar verbalmente.
O autor ressalta que crianças muito novas comunicam-se melhor com o
mundo por meio de ação, elas entendem e assimilam melhor as mensagens
expressas sob a forma de movimentos. Assim como é uma aula sobre
animais, possivelmente a professora ensinará que o coelho salta, saltando;
a cobra rasteja, rastejando ou o cachorro late, latindo, o gato mia, miando
e assim sucessivamente.
PIAGET apud BARROS (1995) ressalta este momento, dando exemplo de
Jaqueline (1 ano e 11 meses), ao voltar de uma viagem, contou ao pai:
”Robert chora, patos nadam no lago, foram embora”.
Portanto, o autor nos coloca que os contos infantis, neste nível, são bem
mais apreciados e compreendidos sob forma de dramatizações,
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Talita Moreira Barreiras Melo
apresentações em fantoches, do que por meio de figuras estáticas ou
narração verbal.
Outra observação a ser feita por BRUNER apud BARROS (1995) neste nível,
é sobre a recompensa, ou seja, se um adulto quiser elogiar comportamento
de uma criança bem pequena, o melhor a ser feito é acariciar- lhe a cabeça,
bater palmas do que dizer palavras de elogio.
b) Representação icônica
Neste nível a criança já possui a imagem dos objetos, sem que se precise
manipulá-lo, ou representá-lo como acontece no nível anterior. As crianças
já conseguem desenhar uma figura de um objeto, sem que se precise
representar a ação que ele representa. O professor já consegue passar
mensagens através de diagramas ou ilustrações, já que as crianças
apreciam bastante. BRUNER apud BARROS (1997) enfatiza dizendo: ”As
crianças já podem desenhar a figura de um garfo, por exemplo, sem
representar o ato de comer”.
c) Representação simbólica
Neste nível a criança representa o mundo através de símbolos, sem
necessidade do uso de ação ou imagens, estando apta a traduzir suas
experiências em linguagem e a receber mensagens verbais do adulto.
BRUNER apud BARROS (1995) também ressalta a importância do ambiente
para o desenvolvimento intelectual do ser humano. O ambiente pode
determinar algumas diferenças em relação à idade dos diversos estágios
em que a criança irá passar. Portanto é neste ponto que a teoria de BRUNER
se assemelha com a de PIAGET. BRUNER apud BARROS (1995) diz que:
“O desenvolvimento intelectual do ser humano resulta, em grande parte,
da estimulação ambiental. O ambiente no qual as crianças vivem podem
determinar os graus de diferenças em relação à idade em que passam pelos
diversos estágios”.
BARROS (1995) enfatiza que uma variedade de estímulos e mudanças no
ambiente é necessário para um desenvolvimento cognitivo adequado. Deste
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Talita Moreira Barreiras Melo
modo, verifica-se que a criança desde cedo, deve ser exposta a estímulos
variados, causando-lhe um desejo enorme de aprender.
Conclui-se, portanto que, tanto PIAGET como BRUNER dão importância, à
curiosidade das crianças, e isso deve ser aproveitado em seu processo
ensino aprendizagem.
DEFINIÇÃO DO BRINCAR E SUA IMPORTÂNCIA PARA A EDUCAÇÃO
INFANTIL
Os termos têm significados semelhantes no dicionário. O brinquedo é o
objeto da brincadeira, o que a criança utiliza para brincar, geralmente criado
pelos adultos, mas podendo também ser produzidos pela própria criança.
Muitas vezes alguns objetos do cotidiano são utilizados pela criança como
brinquedo para suporte da brincadeira. O que faz sentido como brinquedo
é a função lúdica que a criança atribui ao objeto na hora de brincar.
É denominado jogo situações de disputa, onde existem regras e estratégias,
podendo ser usado como material pedagógico em sala de aula. A
denominação varia também a partir do contexto utilizado, conforme cita
KISHIMOTO (1994).
Desta forma é atribuído ao jogo uma grande variedade de significados.
“Dentro da variedade de significados, são as semelhanças, que permitem
classificar jogos faz-de-conta, de construção, de regras, de palavras,
políticos e inúmeros outros, na grande família denominada jogos.”
KISHIMOTO (1994).
O jogo tem como características básicas aspectos sociais, predominado o
caráter de prazer, mas também há situações de desprazer. Pode ser regido
de regras explícitas ou ocultas, quando é voluntário a criança entra no
mundo imaginário. Para a criança o jogo é jogo quando feito por prazer, por
livre e espontânea vontade, o desprazer surge quando se torna uma
obrigação o ato de jogar, assim a criança apenas cumpre o que o adulto
pede, em sala de aula pode ser denominado como um trabalho.
Conforme estudos de GARVEY (1977); KING (1979); RUBIN E OUTROS
(1983); SMITH E VOLLSTEDT (1985) e KISHIMOTO (1994), o jogo se
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Talita Moreira Barreiras Melo
distingue da seguinte maneira: não-literalidade; efeito positivo;
flexibilidade; prioridade do processo de brincar. Nestes aspectos as crianças
predominam a realidade interna sobre a externa, brincam por prazer,
satisfação, tornam-nas mais flexíveis na busca de novas alternativa de
ação.
O jogo auxilia o professor quando aplicado adequadamente dentro de um
contexto já explorado ou que se irá explorar futuramente, assim torna-se
um grande aliado ou instrumento educativo. Através dos jogos as crianças
podem realizar comparações entre o abstrato e o concreto, aprendendo de
forma significativa e prazerosa, desde que se respeite a característica lúdica
dos jogos.
Nos dias atuais a mídia desempenha um papel considerável na sociedade,
tanto entre os adultos, quanto entre as crianças. A cultura atual absorveu
a mídia, principalmente a televisão. A televisão transformou a vida e a
cultura da criança, as referências de que ela dispõe. Ela influenciou,
particularmente, sua cultura lúdica.
É certo que, atualmente, nossa cultura lúdica está muito orientada para a
manipulação de objetos, sem dúvida, isso é uma dimensão essencial. Como
consequência ela evolui, em parte, sob o impulso de novos brinquedos.
Novas manipulações (inclusive jogos eletrônicos e de videogame), novas
estruturas de brincadeiras, ou desenvolvimento de algumas em danos de
outras, novas representações: o brinquedo contribui para o
desenvolvimento da cultura lúdica. Porém se insere na brincadeira através
de uma apropriação, ou seja, deixa-se envolver pela cultura lúdica
disponível, usando práticas de brincadeiras anteriores.
Essa cultura lúdica está imersa na cultura geral à qual a criança pertence.
Ela retira elementos repertórios de imagens que representa a sociedade no
seu conjunto, é preciso que se pense na importância da imitação na
brincadeira. A cultura lúdica incorpora, também, elementos presentes na
televisão, fornecedora generosa de imagens variadas. Existem variadas
172 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
Talita Moreira Barreiras Melo
contribuições da televisão para as brincadeiras infantis, para a cultura lúdica
atual.
A televisão fornece diversos conteúdos para brincadeira da criança. Elas se
transformam através das brincadeiras, em personagens visto na televisão.
Contudo, não basta que as imagens sejam apresentadas na televisão,
mesmo que elas agradem, para gerar brincadeiras, é preciso que elas
possam ser integradas ao universo lúdico da criança.
Na realidade, a televisão influencia as brincadeiras na medida em que as
crianças podem se apoderar dos temas propostos no quadro de estruturas
das brincadeiras usuais.
A televisão não se limita a propor novos conteúdos para as estruturas das
brincadeiras. Através da cobertura que dá ao esporte, por exemplo, ela
promove também, estruturas lúdicas que as crianças podem retomar,
adaptando-as às condições específicas de um pátio de recreação ou da rua.
As crianças não recebem os conteúdos da televisão passivamente, mas
reativa-os e se apropriam deles através de suas brincadeiras, de maneira
idêntica à apropriação dos papéis sociais e familiares nas brincadeiras de
imitação. O grande valor da televisão para a infância é oferecer as crianças
que pertencem à ambientes diferentes uma linguagem comum, referências
únicas.
O desenvolvimento recente do brinquedo reforça a importância da televisão
na brincadeira. Inúmeros fabricantes produzem brinquedos que
representam os personagens dos desenhos animados, influenciando a
venda dos brinquedos, como “jogada comercial” dos fabricantes, mas
também permite à criança passar de uma relação passiva com a televisão
para uma relação ativa de manipulação e, eventualmente de (re) criação.
O investimento das crianças na brincadeira está diretamente ligado ao
conhecimento que elas têm do personagem pela televisão, e isso parece
permitir as professoras fazerem as representações da televisão entrarem
na classe. Ao permitir, como na brincadeira coletiva, uma carga emocional,
essa situação dá à criança uma oportunidade de estabelecer um
173 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
Talita Moreira Barreiras Melo
distanciamento em relação aos personagens e às situações que ela pode
dominar, representar, controlar, mais do que com elas se identificar.
A brincadeira pode ser alimentada e influenciada pela televisão, pois a
brincadeira não nasce do nada, mas daquilo com que a criança é
confrontada. Em parte a brincadeira das crianças está ligada aos objetos
lúdicos que ela dispõe.
O que ocorre hoje nos países que aceitam a publicidade de brinquedos mais
vendidos é os de campanha publicitária.
A partir destas campanhas as crianças imaginam situações lúdicas e
brincadeiras com o objeto promovido, é influenciada pela imagem recebida
e seu uso.
Para que se considere o devido papel da televisão é necessário abstrair-se
dessa influência direta.
A publicidade de brinquedos evolui muito ao longo dos anos, hoje o
brinquedo está cada vez mais ligado a uma história, é personalizado,
principalmente e/ou geralmente através de um desenho animado.
Tanto o brinquedo quanto a televisão podem ser vistos pela criança como
um grande conteúdo que recheia suas brincadeiras. Da mesma forma que
os conteúdos televisivos, ou modismos regem a vida dos brinquedos.
O valor da brincadeira é muito discutido nos meios educacionais. Nos dias
de hoje é atribuído tão facilmente um valor positivo à brincadeira infantil.
Isso está relacionado à sua história, existindo duas origens: ideológica e
científica.
Falando da origem ideológica, houve uma mudança no início do século XIX,
sobre a concepção da criança e, consequentemente da brincadeira.
Foi a exaltação da naturalidade em oposição ao racionalismo que colocou a
brincadeira no centro da educação da criança pequena. Tornar a brincadeira
um suporte pedagógico é seguir a natureza.
A literatura consagrada à brincadeira das crianças levanta muitas vezes
dúvidas relacionadas aos fatores positivos da brincadeira, mas a não
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visibilidade do ganho não significa que prove sua inexistência, também não
podendo ressaltar a evidência.
Assim, encontra-se de um lado uma brincadeira que respeita as dificuldades
de uma aprendizagem definida socialmente, de outro lado a brincadeira com
valor do mito de uma natureza boa.
O professor deverá saber o valor da brincadeira além de palavras favoráveis
ou mitos, sabendo suas possibilidades.
A brincadeira é um processo de aprendizagem cultural e social e não um
comportamento natural e inato da criança.
Não tem-se a certeza que a criança vá atingir todos os resultados
planejados e esperados pelo professor, pois o universo é cheio de
incertezas, onde se trabalha com probabilidades. Por isso, que o professor
deve analisar seus objetivos, propondo materiais que aperfeiçoem as
chances de preencher tais objetivos.
É necessário levar em consideração o que a criança dispõe previamente de
potencial de brincadeiras. Isto é o ponto de partida. A brincadeira, sem
dúvida, traz mais àqueles que têm mais, o que não é uma razão para que
dela se privem quem têm menos, pelo contrário.
Brincar é uma atividade livre que estimula a criança ao desenvolvimento
social, intelectual, psicomotor, afetivo-emocional.
A brincadeira em forma de jogo ajuda a criança a ser menos egocêntrica,
proporcionando-lhe viver momentos de colaboração, competição e também
de oposição. O jogo ensina a criança conhecer regras respeitando o
companheiro e aumenta os seus contatos sociais.
O brincar pode proporcionar a elaboração de algumas estruturas:
ordenação, classificação, estruturação do tempo e espaço, primeiros
elementos de lógicas através da resolução de problemas simples. O brincar
ajuda a criança a se comunicar e expressar através da compreensão e
explicação das regras, que muitas vezes elas mesmas estabelecem
contestado e/ou comentando as frases da brincadeira. A criança se apropria
do conhecimento coletivo quando toma iniciativa, levanta e defende sua
175 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
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opinião, observa, fala, ouve, critica, sugere, pensa e se faz compreender
pelo grupo.
A brincadeira espontânea contribui para a construção do conhecimento da
criança, pois brincando a criança desenvolve habilidade de velocidade,
agilidade, equilíbrio, força, flexibilidade, ritmo, atenção e coordenação. Ela
é um instrumento básico da vida psíquica da criança. É necessidade
instintiva para o aperfeiçoamento físico, mental e social dela levando-a a
tomar contato com o seu ambiente, reagindo e se adaptando a ele.
A criança acaba por promover os valores de conservação, já que os adultos
com os quais a criança interage, em muitas ocasiões ressaltam a
importância de se cuidar bem dos brinquedos para que eles não quebrem.
No “faz-de-conta” em muitas ocasiões o lixo ganha vida e é transformado
em brinquedos que os pequenos utilizam como objetos domésticos e obra
de arte.
Sem se sentir culpado por passar tempo observando o que está
acontecendo em sala de aula, o professor intervém no brincar a fim de
estimular a atividade mental, social e psicomotora das crianças.
É importante que o educador infantil aproveite o máximo o momento em
que as crianças estão brincando, assim pode avaliar e registrar os
conhecimentos que elas vão produzindo enquanto brincam.
Para que o professor assuma o brincar como primordial no trabalho junto
às crianças de zero a seis anos de idade, é necessário que a equipe seja
ousada, corajosa, mas, é preciso também que a equipe pedagógica aceite
e abrace essa ideia.
Segundo PIAGET (1973), a criança aprende a partir de um construir e
reconstruir suas hipóteses sobre a realidade que a cerca.
A criança se desenvolve num processo de equilíbrios e desequilíbrios. Ou
seja, os obstáculos que a criança encontra lhe proporcionam a evolução do
seu pensamento. Ela se desequilibra quando alguém ou algo se apresenta
como desafio que se confronta com a certeza que ela já possui, gerando um
conflito.
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Para PIAGET (1978), cada ato de inteligência é definido pelo equilíbrio entre
duas tendências: a assimilação e a acomodação. Na assimilação, o sujeito
incorpora eventos, objetos ou situações dentro de formas de pensamento
que constituem as estruturas mentais reorganizam-se para incorporar
novos aspectos do ambiente externo. Durante o ato de inteligência, o
sujeito adapta-se às exigências do ambiente externo, enquanto ao mesmo
tempo, mantém sua estrutura mental intacta. O brincar neste caso, é
identificado pela primazia da assimilação sobre a acomodação.
Na teoria piagetiana encontra-se uma classificação de jogos e brincadeiras
baseadas na evolução das estruturas mentais caracterizadas por três
formas básicas de atividades lúdicas de acordo com a etapa do
desenvolvimento: os jogos de exercícios, os jogos simbólicos e os jogos de
regras.
PIAGET (1978) classificou os jogos do seguinte modo:
• Jogo de Exercício - inicia-se durante os primeiros meses de existência:
a criança repete movimentos por puro prazer, sem qualquer finalidade.
• Jogo Simbólico - inicia-se durante o segundo ano de vida, implica na
representação de um objeto, de um conflito, de um desejo que não foi
realizado. É o jogo do faz-de-conta.
• Jogo com Regras – Inicia-se dos quatro aos sete anos de idade e
subsiste na idade adulta, desenvolvendo-se mesmo durante toda a vida
(jogo social, esporte, jogo de cartas, etc.). As regras indicam que as coisas
não estão prontas, acabadas, mas devem ser descobertas e os obstáculos
vencidos, e isso estimula a investigação, a análise e o estabelecimento de
relações.
O jogo de exercício, que aparece durante os primeiros meses de vida,
envolve a repetição de sequências já estabelecidas de ações e
manipulações, não com propósitos práticos ou instrumentais, mas por mero
prazer derivado por atividades motoras. Por volta de um ano de idade tais
exercícios práticos tornam-se menos numerosos e diminuem uma
importância. Eles começam a se transformar em outras formas:
177 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
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1. A criança passa a fazer repetições e combinações de ações e de
manipulações: Depois define metas para si e os jogos de exercícios são
transformados em construções.
2. Os jogos de exercícios adquirem regras explícitas e, então,
transforma-se em jogos de regras.
Os jogos simbólicos surgem durante o segundo ano de vida com o
aparecimento da representação e da linguagem. De acordo com PIAGET
(1978), a brincadeira de faz-de-conta é inicialmente uma atividade solitária,
envolvendo o uso de símbolos: brincadeiras sociodramáticas, usando
símbolos coletivos não aparecem senão no terceiro ano de vida. No modelo
piagetiano, o faz-de-conta precoce envolve elementos cujas combinações
variam com tempo:
1. Comportamento descontextualizado, como dormir, comer;
2. Realizações com outros, como dar de comer ou fazer dormir o urso;
3. Uso de objetos substitutos, como blocos no lugar de bonecas e;
4. Combinações sequenciais imitando ações desenvolvem o faz de conta.
Com o aparecimento do jogo simbólico a criança ultrapassa a simples
satisfação da manipulação. Ela vai assimilar a realidade externa ao seu eu,
fazendo distorções ou transposições. Da mesma forma, o jogo simbólico é
usado para encontrar satisfação fantasiosa por meio de compensação,
superação de conflitos, preenchimento de desejos. Quanto mais avança em
idade mais caminha para a realidade.
PIAGET (1973) observou as crianças em seus jogos de amarelinha e bolas
de gude e pode perceber como se processa a noção de regras nas diversas
etapas do desenvolvimento das crianças. Inicialmente a anomia (ausência
de regras) está presente nas crianças. As crianças até mais ou menos cinco
anos de idades não seguem regras coletivas. Elas se interessam por jogar
bola de gude, amarelinha, mas para satisfazer suas fantasias simbólicas do
que para participarem de uma atividade coletiva.
PIAGET (1978) assegura que o desenvolvimento do jogo de exercícios
progride de processos puramente individuais e símbolos privados que
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deveriam da estrutura mental da criança e que por ela podem ser
explicados. Assim, o jogo de faz-de-conta leva a criança a rever sua
experiência passada para satisfação do ego mais do que subordinação à
realidade.
Para VYGOTISKY (1994) o indivíduo se faz humano apropriando-se da
humanidade historicamente produzida e com ela interagindo
dialeticamente. Para ele o processo de aprendizagem antecede a entrada
da criança na escola permitindo-lhe pelas mediações interiorizar o “mundo”
e contribuir para seu próprio desenvolvimento.
VYGOTISKY (1994) vê a brincadeira como a criação de uma zona de
desenvolvimento proximal na criança, pois, no brinquedo ela comporta-se
de forma mais avançada do que nas atividades da vida real e também
aprende a separar objeto de significado.
O brinquedo provê uma situação de transição entre a ação da criança com
objetivos concretos e suas ações com significados.
Ele discorre principalmente acerca de brincadeiras imaginárias (faz de
conta) casinha – escolinha – motorista – etc., pois nestas situações, o
brinquedo é também uma atividade regida por regras e são justamente
essas regras que fazem com que a criança se comporte de forma mais
avançadas do que aquela habitual da sua idade.
O que na vida real é natural e passa despercebida, na brincadeira torna-se
regra e contribui para que a criança entenda o universo particular dos
papéis que desempenha.
Quando VYGOTISKY (1994) discute o papel do brinquedo, privilegia
especificamente a brincadeira do “faz de conta”, como brincar de casinha,
escolinha, brincar com a vassoura como se fosse um cavalo. Considera que
numa brincadeira imaginária como a brincadeira de “faz de conta”, a criança
é levada a agir no mundo imaginário em que a situação é definida pelo
significado estabelecido pela brincadeira e não pelos elementos reais
concretamente presentes.
179 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
Talita Moreira Barreiras Melo
VYGOTISKY (1994) entende que quando a criança está brincando está se
apropriando daquela cultura.
Tanto VYGOTISKY (1994) quanto PIAGET (1973), na brincadeira, aspectos
importantíssimos no processo de desenvolvimento da criança, ambos
fundamentados em suas próprias teorias; VYGOTISKY (1994) de uma forma
cultural e PIAGET (1973) de uma forma cognitiva.
JOGOS E BRINCADEIRAS: ALGUNS PRESSUPOSTOS, CONCEITOS E
FORMAS DE INTERVENÇÃO
Ainda há uma dúvida entre jogo e material pedagógico entre profissionais
da educação. O que existe é a facilitação que a manipulação de objetos
concretos pode levar a aquisição dos conceitos abordados em sala de aula.
Assim, como os jogos existem diversas técnicas concretas para se ensinar
ou facilitar o conteúdo, exemplo disso são os blocos lógicos com formas
geométricas, material Cuisenaire para facilitar a compreensão dos números,
jogos de encaixe que facilitam o desenvolvimento da atenção, entre outros.
Os jogos e brinquedos além de proporcionarem prazer a criança também
são grandes aliados na atuação do professor, pois aplicados de forma
corretas ajudam a construir conceitos e noções.
A diferença entre brinquedo e material pedagógico está na forma em que
se aplica, quando um objeto é utilizado como material pedagógico perde a
sua função lúdica.
Muitas vezes as escolas privilegiam a formação acadêmica da criança e
marginaliza o lúdico, entendendo-se que a escola não é espaço para brincar,
mas sim para aprender. Quando um jogo é aplicado no intuito pedagógico
tende-se a se traçar primeiramente objetivos, portanto o jogo acaba por
não ter a sua característica de ação livre, passando a ser chamado de jogo
educativo.
O jogo educativo teve início na história Ocidental, à partir do século XVI por
Rabecq- Maillard e 1987 por Brougère, quando essa idéia penetrou na
escola maternal francesa, mas os primeiros estudos foram situados na
Roma e Grécia antigas.
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Platão em (1948), já enfatizava a importância do jogo, assim como
Aristóteles que sugeria a inserção de jogos para educação das crianças,
como forma de preparo para a vida adulta.
A partir do século XVII o jogo é expandido para o contexto didático e
educativo. Através das obras de Comenius e Locke em 1657 que os jogos
são destinados ao ensino das disciplinas da área didática.
O início do século XIX ao término da Revolução Francesa surgem as novas
técnicas pedagógicas. O jogo é entendido como ato livre e infantil, onde as
crianças manipulam os objetos onde ao mesmo tempo em que aprendem e
constroem noções, brincam.
Com a expansão das ideias de ensino os jogos são inseridos no campo da
educação para facilitar o desenvolvimento das técnica educativas, são
estimuladas pelo crescimento da educação infantil.
Para melhor entender:
O QUE É UM JOGO
• sentido cultural = competição
• sentido educacional = divertimento, brincadeira, passatempo
• objetivo: estimular o crescimento e aprendizagens
• representam: relação interpessoal entre dois ou mais sujeitos,
realizadas dentro de determinadas regras.
JOGO COMPETITIVO OU COOPERATIVO
• jogo : competitivo e cooperativo
• as regras do jogo que definem seu caráter (competitivo ou
cooperativo)
• professor – responsável por imprimir caráter às regras
• planejamento reflexivo do professor.
OBJETIVO DO JOGO
• objetivo : desenvolvimento cognitivo e estimular as relações
interpessoais
• jogo = ferramenta pedagógica
• quem poderá fazer do jogo esse instrumento será sempre o professor.
181 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
Talita Moreira Barreiras Melo
ONDE FREUD, VYGOTSKY E PIAGET SE ENCONTRAM: A
IMPORTÂNCIA DO BRINCAR
• Piaget – Vygotsky – Freud – o brinquedo dá prazer à criança, liberta-
a de frustrações, canaliza sua energia, da motivo a sua ação, explora sua
criatividade e imaginação
• atenção aos diferentes estágios do desenvolvimento mental infantil
• adequação de brinquedos – explorar áreas e inteligências
diferenciadas.
A NATUREZA DO JOGO
• jogos de acordo com a idade biológica: associação entre jogo e
maturação
• classificação dos jogos:
✓ funcionais
✓ receptivos
✓ Piaget
✓ construtivos
✓ com regras
PAPEL DO PROFESSOR
Auxiliar a criança a construir sua historicidade, seu pensamento lógico,
ampliar suas linguagens, pensar, liberta-se de estereótipos, fazer amigos,
desenvolver a capacidade de associação e aprimorar seu domínio motor.
OS JOGOS E A APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
• jogos = experiência = aprendizagem significativa
• ineficácia do jogo pelo jogo
• eficácia do jogo seguido de debate e reflexão sobre as regras, sobre
o que é, e o que não é aceitável para as pessoas com as quis se está
interagindo
• boa escola = mais daquela que possui quantidade enorme de
caríssimos brinquedos ou jogos ditos e educativos
• boa escola = aquela que dispõe de uma equipe de educadores que
saiba como utilizar a reflexão que o jogo desperta. Saibam fazer de simples
182 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
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objetivos naturais uma oportunidade de descoberta e exploração
imaginativa.
COMO A CRIANÇA PENSA DO 0 AOS 2 ANOS
• 0 a 2 anos – da intuição a mente impressionantemente concreta
• desenvolvimento dos fatores essenciais para a criança chegar ao
estágio seguinte: maturação – interação social – equilibração.
COMO A CRIANÇA PENSA DOS 2 AOS 7 ANOS
• 2 aos 7 anos – estágio pré- operacional
• evolução dos 2 aos 7 anos: percepção – egocentrismo – generalização
– controle participativo – animismo – centralização – raciocínio e
concentração transdutiva.
• percepção = crença no que vê mais da lógica
• egocentrismo = não aceita o ponto de vista do outro
• supergeneralização = dificuldade em diferenciar itens de uma mesma
classe
• controle participativo = percebe-se com poderes de mudar o
ambiente
• animismo = assume posições externas, internalizando-as
• centralização = julga as coisas pelo o que parece ser mais da lógica
adulta
• raciocínio e concentração transdutiva = pensamento prático, raciocina
ponto a ponto para explicar as coisas do mundo.
O PERIGO DA INVENÇÃO DOS JOGOS
• valorização da criatividade do mestre
• adotar estratégias de ensino consagradas e experimentadas, para
estimular inteligências, acordar capacidades e abrir competências
• sala de aula como espaço real: Não há nessa realidade momento para
se trocar a lucidez do que é comprovadamente valioso, pela aventura
prosaica do que se acredita interessante
• cuidado com modismos.
OUTROS JOGOS PARA MÚLTIPLAS COMPETÊNCIAS
183 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
Talita Moreira Barreiras Melo
• enfatiza a importância do educador infantil estar sempre munido com
diversificado catálogos de jogos, organizando seu emprego seguindo
critérios definidos no planejamento pedagógico
• reforça a importância da classificação dos jogos, dividindo – os em
áreas do saber
• apresenta possibilidade de dividi-los segundos campos de
aprendizagens
• em contra partida a essência do jogo vale bem mais pelos objetivos
que propõe que pela natureza de suas regras
• importância de flexibilidade no catalogo apresentado.
O jogo educativo nasce como forma de mistura de jogo e ensino, como um
recurso de ensino para o professor. Para o professor o jogo tem um objetivo
didático, mas a criança em si não tem essa noção apenas brinca pelo ato
de prazer.
O jogo educativo tem duas funções denominadas: função lúdica, onde o que
propicia é o prazer e a diversão e a função educativa, onde o jogo
complementa o saber e o conhecimento. Estas duas funções é o que leva
equilíbrio ao jogo educativo, não sendo apenas uma função de prazer ou
aprendizado, mas os dois atos numa só situação.
Quando se aplica um jogo, o professor tem um ou mais objetivos educativos
e a criança tem o objetivo de brincar, portanto aprende no ato da
brincadeira. Para o professor, é uma aplicação de material pedagógico, para
a criança é um jogo, um brinquedo.
Para Campagne (1989) apud Kishimoto (1994), existem critérios para a
escolha adequada dos brinquedos no uso escolar: O valor experimental –
permitir a exploração e a manipulação, o valor da estruturação – dar
suporte à construção da personalidade infantil, o valor de relação – colocar
a criança em contato com seus pares e adultos, com objetos e com o
ambiente em geral para propiciar o estabelecimento de relações, o valor
lúdico – avaliar se os objetos possuem as qualidades que estimulam o
aparecimento da ação lúdica.
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Talita Moreira Barreiras Melo
Na consideração destes critérios tende-se a relevar também a idade,
preferências e capacidades de cada criança, considerando-se também que
o jogo é uma aquisição social.
O professor deve ter a função participativa nas brincadeiras, estimulando e
orientando as crianças sobre os jogos aplicados. Deve oferecer também
subsídios para a diversificação de utilização dos jogos.
O jogo educativo tem um grande aspecto positivo no fato de que a criança
não se sente constrangida quando erra, podendo tentar outras vezes até
chegar ao acerto.
O jogo se torna educativo, dependendo da intenção que se é aplicado, um
professor pode propor um jogo às crianças apenas por recreação e/ou
passatempo, assim esta aplicação refere-se apenas de uma simples
brincadeira, mas quando o professor tem a intenção educativa dentro de
um contexto previamente explorado ou que ainda se pretende explorar o
jogo toma caráter educativo, desde que também respeite o caráter lúdico.
Dentre os vários jogos educativos utilizados destacam-se na educação
infantil os jogos tradicionais infantis, jogos de construção, jogos de regra e
os de faz-de-conta.
Os jogos tradicionais infantis são de criadores desconhecidos, sabe-se
apenas que são práticas abandonadas por adultos. Estes jogos são
transmitidos de geração para geração, através de conhecimentos empíricos
e a partir da cultura e o meio social inserido. São jogos livres, espontâneos,
onde se brinca apenas pelo prazer de fazê-lo.
Os jogos tradicionais devem ser utilizados na educação, pelo fato de ser um
bem cultural e social, podem renovar a prática pedagógica infantil,
preservar a identidade cultural da criança, possibilitar o contato físico e
social, entre outros.
Hoje nos centros urbanos não existem muitos locais apropriados para que
as crianças em sua vida social possam colocar em prática estes jogos
tradicionais, sendo assim muitas vezes esta cultura acaba por muitos sendo
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desconhecidas ou esquecidas, portanto a educação infantil deve iniciar um
movimento destes jogos tradicionais.
Os jogos de construção leva à criança ao manuseio de peças de encaixar,
montar, etc., assim, a criança tem a oportunidade de construir e destruir
expressando a sua imaginação.
São jogos que auxiliam a criança na sua experiência sensorial, estimulando
a criatividade e desenvolvendo habilidades. Estes jogos são geralmente
indicados para crianças à partir de 3 anos, pois nesta idade ela já começa
a amadurecer para a construção de algo ou reprodução de modelos.
ESPAÇO DE EDUCAÇÃO INFANTIL: PROPOSTA DE UMA
IMPLANTAÇÃO DE BRINQUEDOTECA
Requisitos para a implantação de uma brinquedoteca.
O primeiro passo para a implantação de uma brinquedoteca é definir quais
serão seus objetivos e o público a ser atingido. Em função disso será
possível definir as atividades a serem realizadas, o local de instalação, suas
normas de funcionamento, o acervo a ser adquirido, o perfil dos
profissionais e o treinamento que receberão.
É imprescindível realizar uma pesquisa sobre as condições de vida e os
hábitos de brincar das crianças com as quais se pretende trabalhar para
nortear o planejamento da implantação e a definição das atividades.
Aprofundando-se as pesquisas, pode-se fazer um levantamento das
tradições culturais locais, relacionadas à atividade de brincar.
A prefeitura não precisa, necessariamente, operar todas as brinquedotecas
que pretenda instalar no município. É possível instalar brinquedotecas em
entidades que normalmente realizam algum tipo de atendimento à
população infantil (creches, escolas, postos de saúde e hospitais).
Através de um Programa de Brinquedotecas, a prefeitura pode orientar a
instalação, adquirir brinquedos, ceder funcionários ou treinar os
trabalhadores das entidades. Além destas atividades de suporte, ela deve
se organizar para fornecer orientação e supervisão da operação da
brinquedoteca, depois de instalada. Indo além, mesmo as brinquedotecas
186 Artigo: A IMPORTÂNCIA DO BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 161 - 189
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de caráter totalmente privado podem receber orientação e supervisão dos
órgãos municipais de educação ou das equipes das brinquedotecas
municipais.
Não se deve dispensar a presença de profissionais especializados para a
operação da brinquedoteca. A prefeitura pode contratar funcionários para
sua operação ou treinar pessoal já disponível, como professores e agentes
de educação infantil.
Recursos necessários para se montar uma brinquedoteca.
A implantação de uma brinquedoteca é possível com pequenos
investimentos que variam em função do tamanho do seu acervo e das
instalações. Além do espaço para as brincadeiras, deve haver espaço para
sanitários, depósitos e administração. O espaço para as crianças pode ser
composto de várias salas ou de um único salão, dividido em vários
ambientes ou "cantos" para atividades diferentes, através de tapetes, tipos
de piso, divisórias ou pela disposição da mobília e dos brinquedos.
A montagem da brinquedoteca pode ser realizada com apoio de entidades
filantrópicas e de empresas. Este apoio pode se estender não só à doação
de brinquedos e equipamentos, mas também ao empréstimo de instalações
e orientação na implantação do projeto e no treinamento de funcionários.
Uma vez instalada, a brinquedoteca não apresenta custos elevados de
operação. O principal item normalmente é o custo de pessoal. É preciso
reserva de recursos para material de escritório, limpeza, energia elétrica,
água e também para assepsia e reforma de brinquedos.
A seguir alguns exemplos de cantos de brinquedoteca.
• CANTO DA MAQUIAGEM
Neste canto as crianças poderão fazer maquiagem, se fantasiar, pintando
seu rosto como desejar se colorindo ou então pintar os coleguinhas.
Deve ter diversos tipos de maquiagem infantil, sempre com o cuidado de
verificar a validade e se o produto é antialérgico, tais como: pentes,
grampos, presilhas, batom, brilho, estrelinhas de decalque, rabos postiços,
cremes e outros.
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Também podem brincar de salão de beleza, se preparar para festinhas do
“canto do faz-de-conta”, receber clientes para um penteado, enfim o que a
imaginação e criatividade ocuparem de ‘lugar comum’.
• CANTO DO FAZ DE CONTA
Este é um canto com brinquedos diversos, carrinhos, cozinhas, aviões,
estradas, bonecas, bercinho, caminhas, enfim de preferência deve-se ter
uma miniatura do que existe no dia-a-dia dos adultos, principalmente
referentes a ações profissionais.
Nas suas brincadeiras de faz-de-conta, a criança gosta de tomar para si as
ações profissionais dos pais ou de pessoas que ela admira, e assim vão
brincando de piloto e passageiros, motoristas, fazendeiros, dona-de-casa,
e tantos outros.
Tomando o cuidado para que os brinquedos não tenham pontas
pontiagudas, não soltem tintas, sejam adequados à idade, pode-se ter uma
variedade deles, pois a criança gosta de variar no seu mundo do faz-de-
conta.
• CANTO DO JOGO
Os jogos garantem a diversão da garotada, especialmente após os seis anos
quando eles começam a se interessar mais por regras e a formar suas
"turmas". Aí, a brincadeira fica ainda mais gostosa.
Neste canto deve-se reunir todos os tipos de jogos possíveis, para que a
criança possa descobrir qual deles irá escolher. Os jogos devem estar
coerentes com a idade das crianças.
Deve-se ter o cuidado com jogos de peças pequenas, orientando as crianças
a não colocarem na boca. Outro cuidado é o de ensiná-las a recolher todas
as peças após brincar, pois assim estarão sendo treinadas quanto à
organização e proteção de seus objetos.
• CANTO DA HISTÓRIA
Neste canto devem ser organizados vários tipos de livros, livretos, filmes,
dvd’s, cd’s, telas, teatrinho de papelão, cenários, enfim tudo o que possa
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Talita Moreira Barreiras Melo
ser utilizado para contar histórias, ler, assistir, manusear, interpretar são
os verbos mais usados neste canto.
Por outro lado, deve ser um local agradável que atraia as crianças,
organizado e ao mesmo tempo confortável, para que ela possa ter prazer
em ouvir, ver ou mesmo interpretar uma historinha.
Existem muitos contos, lendas e fábulas que são muito antigos, mas se
mantêm vivos através dos tempos porque são passados de geração em
geração, graças ao costume popular de contar histórias em voz alta. Eles
refletem a vida e os hábitos dos diferentes povos a que pertencem.
Outra alternativa para este canto é colocá-lo na biblioteca, num espaço
especial, que não atrapalhe a leitura, mas que como numa simbiose, as
crianças possam relacionar a leitura com a história e esta com diversão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se após ler este material que o trabalho trouxe contribuições sobre
o brincar, sobre os teóricos que justificam a importância primordial de
buscar, produzir conhecimento acerca do brincar e da brincadeira. E os
jogos por sua vez são recursos de suma importância, mas, que pela
relevância e amplitude do tema não houve tempo de aprofundar sobre essa
temática. Assim sendo, o papel do professor nesse processo é de
reconhecer e estimular mais esse comportamento, bem como propiciar um
ambiente em que o brincar ocorra de forma agradável e prazerosa à criança.
REFERÊNCIAS
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Acesso em: 04 set. 2017.
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190
COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
TATIANE DE JESUS SANTOS25
RESUMO
O uso da música como instrumento de auxílio ao desenvolvimento infantil e
ferramenta pedagógica é fato comprovado. Já existe legislação específica sobre
o assunto o que torna indispensável discutir sobre uma aplicação mais efetiva da
musicalização pensando na criança durante a educação infantil. O objetivo desse
artigo é apresentar opções de se trabalhar a música durante o período da
educação infantil e apontar alguns benefícios que ela proporciona ao
desenvolvimento da criança.
Palavras-chave: Música; Musicalização; Crianças; Desenvolvimento
INTRODUÇÃO
A educação infantil tem aberto espaço para o ensino da música através da
musicalização como instrumento de auxílio ao desenvolvimento da criança, e,
tem se tornado assunto relevante para os dias atuais inclusive com legislação
cobrando seu ensino. A música permite que a criança se conheça melhor,
obtenha maior habilidade e expressões corporais, apoiado na socialização e
interação com o seu grupo.
Apresentar algo à criança que a faça se descobrir através do som, permitir que
ouça sua própria voz e fazê-la cantar a ajudarão em seu desenvolvimento pois,
o canto a encaminha para a fantasia e imaginação aflorando sua criatividade e
percepção.
O objetivo desse artigo é apresentar as diversas maneiras que a musicalização,
durante a educação infantil, pode vir a ajudar no desenvolvimento físico e
psicológico da criança..
Para a concretização deste trabalho de pós-graduação, identificou-se que a
pesquisa qualitativa do tipo bibliográfica foi a que melhor se adequou como apoio
25 Aluna do curso de Pós-Graduação do curso de Musicalização Infantil. Turma de 2017. E-mail:
191 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205
TATIANE DE JESUS SANTOS
à investigação da importância da musicalização infantil, para tanto, buscou-se
apoio nas literaturas através de levantamento bibliográfico em livros, revistas,
artigos em sites, recortes e diversos textos. Também foi feita pesquisa de campo
através de vivência com crianças com idade entre quatro e cinco anos, e
principalmente através de recursos materiais como construção e apreciação de
alguns instrumentos musicais
A MÚSICA
De acordo com os documentos do Referencial Curricular para a Educação Infantil
(RCNEI):
“A música é a linguagem que se traduz em formas sonoras capazes de
expressar e comunicar sensações, sentimentos e pensamentos, por meio
da organização e relacionamento expressivo entre o som e o silêncio. A
música está presente em todas as culturas, nas mais diversas situações:
festas e comemorações, rituais religiosos, manifestações cívicas, políticas
etc. (BRASIL, 1998, p. 45).
Pode-se observar que a música está presente em diversos acontecimentos,
existem músicas infantis, músicas religiosas, músicas para dançar, música
instrumental, vocal, erudita e popular, músicas cívicas. Ao se comparar dois tipos
de música diferentes, constata-se que existe uma grande mudança no que diz
respeito a organização do material sonoro, na variação dos instrumentos
musicais presentes, na forma e no material como são construídos esses
instrumentos. Se analisarmos somente à utilização da voz no canto,
constataremos alterações de timbre e também e de como ela é empregada em
músicas distintas.
De acordo com Jeandot (1997) a música é universal, entretanto, o jeito de tocar,
de organizar os sons, de cantar, de determinar as notas básicas e seus intervalos
variam da tradição de cada cultura. Sendo assim, a música pode ser entendida,
interpretada e até realizada de maneiras diferentes.
A música obteve tamanha importância na educação, que há alguns anos tornou-
se obrigatório seu ensino na educação infantil, através da Lei nº 11.769, de 18
de agosto de 2008, onde ficou estabelecido que os sistemas de ensino passariam
a ter 3 (três) anos letivos para se adaptarem as exigências estabelecidas. Antes,
192 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205
TATIANE DE JESUS SANTOS
seu ensino não era obrigatório, apenas integrava o Referencial Curricular
Nacional para Educação Infantil (RCNEI).
A musicalização apresenta-se como auxílio na busca de condições para uma
percepção musical, seu objetivo não é avaliar a capacidade do aluno nem sua
sensibilidade musical mas sim ajudar na construção do conhecimento e
colaboração para o aprendizado da cidadania.
“O modo como as crianças percebem, aprendem e se relacionam com os
sons, no tempo e espaço revelam o modo como percebem, aprendem e se
relacionam com o mundo quê vem explorando e descobrindo a cada dia.”
(BRITO, 2003, p. 41)
Segundo Bréscia (2003), os antropólogos dizem que as primeiras músicas eram
usadas em rituais de nascimento, morte, cura de doenças e fertilidade. Na
Grécia, era compromisso das escolas o ensino da música, e estas até já possuíam
orquestras. “Pitágoras demonstrou que a sequência correta de sons, se tocada
musicalmente num instrumento, pode mudar padrões de comportamento e
acelerar o processo de cura” (BRÉSCIA, 2003, p.30).
Pitágoras de Samos era um filósofo grego da antiguidade que já defendia a ideia
de que determinados acordes musicais e dependendo da música tocada,
ocorriam certas reações no organismo humano.
A música estava presente em todas as manifestações sociais e pessoais e já
existia bem antes da descoberta do fogo, onde o ser humano se comunicava por
meio de gestos e sons.
A linguagem musical precede a fala, é comum ver os pais embalarem seus filhos
ao som de vocalizes ou canções de ninar. Assim sendo, a musicalização inicia
instintivamente, e é estimulada por meio de músicas, conversas com o bebê ou
com um fundo musical no quarto da criança.
A criança começa a perceber a música a partir de seu ambiente e da relação que
mantém com as pessoas que convive. Inicialmente é na barriga da mãe, ouvindo
as batidas do seu coração, que a criança percebe a música. Afinal, o que move
o bebê é a necessidade de comunicação. No caso, a música aparece como um
193 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205
TATIANE DE JESUS SANTOS
elo dessa comunicação, seja ao ouvir os sons internos de sua mãe, seja ao ouvir
sua fala ou pessoas que conversem com ele. (CUNHA, 2009, p.70).
Independente do seu papel na sociedade, a música exerce forte atração sobre os
seres humanos, fazendo mesmo que de forma inconsciente que se relacionem
com ela, muitas vezes quando a ouvimos começamos a nos familiarizar,
movimentando o corpo ou cantarolando pequenas partes da melodia. As crianças
quando brincam ou interagem com o universo sonoro, acabam descobrindo
mesmo que de maneira simples, formas diferentes de se fazer música.
A MÚSICA E A CRIANÇA
A música é uma arte devendo unir-se originalmente às emoções e, sua função
na educação infantil é o de adequar um tempo de prazer ao escutar, cantar, tocar
ou inventar sons e ritmos.
Através desse trajeto ela envolve a criança como um todo, influindo, de modo
favorável, nos diversos aspectos de sua personalidade provocando várias
emoções, possibilitando tensões, inspirando ideias e imagens, estimulando
percepções, ativando movimentos físicos e beneficiando as relações
interindividuais. (BORGES, 1994, p.100)
A criança, por meio da brincadeira, relaciona-se com o mundo que
descobre a cada dia e é dessa forma que faz música: brincando. Sempre
receptiva e curiosa, ela, pesquisa materiais sonoros, inventa melodias e
ouve com prazer a música de diferentes povos e lugares. (JOLY, 2003, p.
116).
Através das brincadeiras de explorar como brincar com os objetos sonoros que
estão ao seu alcance, experimentar as possibilidades da sua voz e imitar o que
ouve, a criança começa a categorizar e a dar significado aos sons que antes
estavam isolados, agrupando-os de forma que comecem a fazer sentido para ela.
Pensando na importância que essa experiência pode proporcionar para a criança
Maffioletti (2007) escreve que: “É isso que fará dela um ser humano capaz de
compreender os sons de sua cultura”. Por meio desse contato o ser humano
passa a desenvolver uma identidade com a música que está a sua volta.
É possível detectar que mesmo reforçando a importância desse contato com um
determinado padrão, o ensino de música nas escolas pode também contribuir
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TATIANE DE JESUS SANTOS
para que esse processo ocorra. Dessa forma torna-se importante para a criança
começar a se relacionar com a música desde cedo, pois é na infância que ela
constrói os saberes que utilizará para o resto de sua vida.
A música vem sendo um exemplo de atividade expressiva, a criança aprende
com encanto, amplia o interesse e a motivação. O modo como as crianças
percebem, aprendem e se relacionam com os sons, no tempo-espaço revelam o
modo como percebem, aprendem e se relacionam com o mundo quê vem
explorando e descobrindo a cada dia (BRITO, 2003, p. 41).
“Através da música, as crianças aprendem a conhecer-se a si próprias, aos
outros e à vida. E, o que é mais importante, através da música as crianças
são mais capazes de desenvolver e sustentar a sua imaginação e
criatividade ousada. Dado que não se passa um dia sem que, duma forma
ou doutra, as crianças não ouçam ou participem em [sic] música, é-lhes
vantajoso que a compreendam. Apenas então poderão aprender a
apreciar, ouvir e participar na música que acham ser boa, e é através
dessa percepção que a vida ganha mais sentido.” (GORDON, 2000, p. 6).
É importante que a criança consiga compreender a música, assim, ela poderá
estabelecer vínculos com os gêneros e estilos que mais tenham significado para
ela.
Porém, de acordo com CUNHA (2009) é fundamental que o professor tenha
paixão de ensinar e aprender. O ambiente onde o processo de musicalização
acontece é de suma importância, faz-se necessário ter um lugar destinado à
música onde as crianças possam se reunir e conservar objetos sonoros e músicas
para repartir com toda a turma.
Escutar música, aprender um novo canto, participar de brincadeira de roda,
realizar brinquedos rítmicos, são atividades que despertam, estimulam e
aumentam a vontade por todas as atividades que abrangem músicas, cantada
ou escutada, além de propiciar a vivência de elementos estruturais dessa
linguagem. A criança receptiva e curiosa busca por materiais sonoros, descobre
instrumentos, inventa melodias e ouve com prazer a música de todos os povos.
A maioria das músicas passa para as crianças boas mensagens, mesmo que
essas mensagens não façam parte de sua realidade, pois as crianças em sua
inocência se envolvem no encanto de cantar, ouvir e acompanhar.
A MÚSICA NA ESCOLA
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TATIANE DE JESUS SANTOS
Como afirma Hentschke “[...] têm pessoas com maior ou menor predisposição
para aprendizagem de música, porém todos são aptos a aprender e se expressar
por meio da linguagem musical.” O dia a dia nas escolas infantis é repleto de
atividades musicais, onde determinadas músicas são tão populares que já fazem
parte do repertório comum das escolas, uma prática tão importante que não
pode ficar de fora do contexto da aprendizagem e do desenvolvimento da criança.
Verifica-se no RCNEI vol. 3 (1998) que para a criança a vivência musical pode
proporcionar a integração de experiências que passam pela prática e pela
percepção, como por exemplo: aprender, ouvir e cantar uma canção, realizar
jogos de mão ou brincar de roda. Assim, pelo desenvolvimento e compreensão
dessas atividades, as crianças atingem patamares cada vez mais sofisticados,
uma vez que começam a dominar tais conteúdos o que permitem a elas uma
transformação e uma recriação dos mesmos. Os RCNEI destacam ainda uma
parte importante no processo, aliando a essa prática o movimento corporal:
“O gesto e o movimento corporal estão ligados e conectados ao trabalho
musical. Implica tanto em gesto como em movimento, porque o som é,
também, gesto e movimento vibratório, e o corpo traduz em movimento
os diferentes sons que percebe. Os movimentos de flexão, balanceio,
torção, estiramento etc., e os de locomoção como andar, saltar, correr,
saltitar, galopar etc., estabelecem relações diretas com os diferentes
gestos sonoros.” (BRASIL, 1998, p. 61).
Logo, o corpo torna-se um aliado no processo de ensino aprendizagem musical,
proporcionando por meio dos diferentes movimentos oportunidades para o
aprendizado. Por meio desse recurso pode-se desenvolver atividades que
envolvam a percepção e interiorização do ritmo, intensidade e altura, trabalhar
com a forma musical e também desenvolver a expressividade das crianças.
Outra maneira de trabalhar o ensino musical com as crianças, proposta pelo
RCNEI, é a apreciação musical. De acordo com Brasil (1998), o trabalho com
apreciação musical poderá proporcionar a ampliação e o enriquecimento de
saberes relacionados à produção da área, além de ampliar o repertório das
crianças. Por meio da escuta e de conversas podem ser trabalhados aspectos
referentes à diversidade de instrumentos musicais existentes e suas maneiras de
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TATIANE DE JESUS SANTOS
produção de som e também as diferentes possibilidades de combiná-los
resultando em diversas formações instrumentais.
Outro ponto que pode ser desenvolvido está ligado à diversidade de estilos e
gêneros musicais existentes no mundo. Dessa maneira o aluno passa a ter
contato com obras não só de seu país, mas também de outras localidades o que
pode resultar com que o mesmo consiga fazer comparações entre produções de
diferentes épocas e lugares. Como resultado dessa comparação o mesmo pode
verificar como cada grupo social constrói sua música e identifica diferenças entre
os instrumentos utilizados, a organização do som, a forma musical entre outros.
É possível observar que existem inúmeras maneiras de se utilizar a música, o
que leva-se a conclusão de que a prática musical é apenas uma possibilidade
dentre várias. Por meio da música pode-se expressar ideias e sentimentos,
compreender valores e significados culturais presentes na sociedade ou no grupo
onde ela foi criada.
O ensino de música nas escolas de Educação Infantil, pode contribuir não só para
a formação musical dos alunos, mas principalmente como uma ferramenta
eficiente de transformação social, onde o ambiente de ensino e aprendizagem
pode proporcionar o respeito, a amizade, a cooperação e a reflexão tão
importantes e necessárias para a formação humana. Dessa forma, é interessante
que ela esteja presente no ambiente escolar.
Hentschke (1995) destaca algumas razões que justificam a presença da
educação musical nas escolas:
“Entre elas, estão proporcionar à criança: o desenvolvimento das suas
habilidades estéticas e artísticas, o desenvolvimento da imaginação e do
potencial criativo, um sentido histórico da nossa herança cultural, meios
de transcender o universo musical de seu meio social e cultural, o
desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicomotor, o desenvolvimento da
comunicação não-verbal.” (apud JOLY, 2003, p. 117).
Constata-se que os conteúdos musicais devem ser desenvolvidos nas aulas de
música para crianças, mas outras habilidades como a socialização, a afetividade,
a criatividade, a imaginação, a comunicação entre outros, também serão
trabalhadas simultaneamente.
197 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205
TATIANE DE JESUS SANTOS
Na escola, o ensino musical não tem a intenção de formar o músico profissional,
assim como o ensino das ciências não visa à formação de cientistas. Para
algumas educadoras musicais as funções da música no contexto escolar são:
"[...] auxiliar crianças, adolescentes e jovens no processo de apropriação,
transmissão e criação de práticas músico culturais como parte da
construção de sua cidadania. O objetivo primeiro da educação musical é
facilitar o acesso à multiplicidade de manifestações musicais da nossa
cultura, bem como possibilitar a compreensão de manifestações musicais
de culturas mais distantes. Além disso, o trabalho com música envolve a
construção de identidades culturais de nossas crianças, adolescentes e
jovens e o desenvolvimento de habilidades interpessoais. Nesse sentido,
é importante que a educação musical escolar, seja ela ministrada pelo
professor unidocente ou pelo professor de artes e/ou música, tenha como
propósito expandir o universo musical do aluno, isto é, proporcionar-lhe a
vivência de manifestações musicais de diversos grupos sociais e culturais
e de diferentes gêneros musicais dentro da nossa própria cultura." FONTE:
(HENTSCHKE E DEL BEN, 2003 p. 181).
Ao elaborar sua proposta o professor deve atentar-se para colocar os alunos em
contato com vários estilos e gêneros, proporcionando a diversidade e expandindo
o universo musical dos mesmos. Assim, ele fortalecerá os traços culturais já
existentes e também poderá fazer com que as crianças conheçam e aprendam a
respeitar os gostos e cultura de outras pessoas.
“A integração entre os aspectos sensíveis, afetivos, estéticos e cognitivos,
assim como a promoção de integração e comunicação social, conferem
caráter significativo à linguagem musical. É uma das formas importantes
de expressão humana, o que por si só justifica sua presença no contexto
da educação, de um modo geral, e na educação infantil, particularmente.”
(BRASIL, 1998, p. 45).
Verifica-se que todas essas características que a linguagem musical pode
proporcionar através da aula de música justificam a sua presença na educação
infantil. Para Guilherme (2006) isso deve-se ao fato de que: “A música é um dos
estímulos mais potentes para ativar os circuitos do cérebro na infância. Os
estudos atuais apontam que a janela de oportunidade musical, ou a inteligência
musical, abre-se aos 3 anos e começa a se fechar aos 10 anos”(2006, p. 158).
Sendo assim sendo, essa faixa etária torna-se o momento ideal para que ocorram
os primeiros estudos musicais por meio do processo de musicalização com as
crianças.
TRABALHANDO A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
198 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205
TATIANE DE JESUS SANTOS
A educação infantil tem como objetivo o desenvolvimento da criança nos
aspectos cognitivos, linguísticos, psicomotores e socioafetivos ao mesmo tempo
que garante a aquisição de novos conhecimentos.
A música traz a liberdade de expressão e amplia o espaço para a criatividade por
isso, pode ser utilizada como recurso pedagógico / educativo nas escolas. É
importante que a criança tenha o hábito de se expressar musicalmente desde
seus primeiros anos para que a música passe a ser algo permanente de sua vida.
Uma das maneiras de atingir o aluno através da música é a atividade musical
lúdica, porque através do jogo sempre existe o desafio, não se sabe onde ele
acontecerá e nem quando, sempre será uma novidade, e novidades atraem a
atenção da criança.
As atividades musicais que se pretende desenvolver devem ser incluídas no
planejamento diário do professor para facilitar a lembrança das atividades que
se deseja aplicar, os objetivos de cada uma delas e os recursos materiais que
serão utilizados para que estes possam estar à mão facilitando assim o alcance
de resultados.
“Um bom começo para uma boa aula de música é o planejamento prévio.
Este planejamento pode solucionar e prever questões como utilização do
espaço físico, material necessário, tempo utilizado para as atividades. Para
isso, o educador deve utilizar uma ferramenta fundamental: o plano de
aula.” (SERRALVA, 2012, p. 3)
Para uma boa execução do plano de aula também é necessário conhecer a
realidade da escola onde atua, assim, poderá ser definição detalhes como
utilização ou não de instrumentos musicais para acompanhamento, se há espaço
disponível para a aula como uma sala de música ou se a sala de aula é normal.
Na escola onde foram feitas as observações para o presente artigo não tinha sala
de música, assim, as atividades realizadas como meio de pesquisa para esse
trabalho foram feitas na sala de aula.
ATIVIDADES MUSICAIS
TIPOS DE ATIVIDADES
199 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205
TATIANE DE JESUS SANTOS
Ao trabalharmos a música na Educação Infantil proporcionamos às crianças a
descoberta de diferentes sons iniciando, assim, o seu processo de musicalização.
Através dessa descoberta elas terão várias reações, pois a música está em
diferentes culturas e pode ser utilizada no desenvolvimento motor, linguístico e
afetivo de todos os indivíduos envolvidos no processo educativo.
A aula de música para criança deverá conter atividades que envolvam a
apreciação musical e que desenvolva a percepção e a musicalidade podendo ser
divididas entre músicas, jogos e brincadeiras. Através do lúdico a criança
conhecerá o mundo musical e através de brincadeiras poderá aprender as noções
de grave e agudo (propriedades do som), forte e fraco (intensidade) e timbre,
que é a característica única de cada som. Serralva (2012), diz que as atividades
podem ser divididas em duas classes: de Registro e Livre.
As atividades de registro são aquelas que após contada uma história, por
exemplo, é solicitado que a criança faça um desenho em folhas brancas ou essas
folhas já vêm com alguma atividade / exercício que remete ao tema apresentado
durante a aula.
Já as atividades livres, atualmente as mais utilizadas, são aquelas que se utilizam
de histórias, cantigas de rodas e brincadeiras. Dentro dessa categoria as
atividades podem ser: Histórias; Cirandas; Brincadeiras ou relaxamento.
As histórias podem ser a partir da leitura de livros, cds, dvds ou contadas pelo
professor, porém não devem ser longas pois a criança se cansa facilmente e sua
atenção pode ser desviada. As histórias deverão conter os elementos musicais
que poderão ser expressados através do uso da voz ou manuseio de
instrumentos musicais.
São muitos os tipos de histórias com possibilidade de ser sonorizadas que podem
fazer parte de uma aula como, por exemplo, em duas das histórias mais
conhecidas:
Chapeuzinho Vermelho:
200 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205
TATIANE DE JESUS SANTOS
Ao chegar na parte em que a menina vai para a casa da avó ela vai cantando
pelo caminho, nesse momento, pode-se convidar as crianças para cantar e de
posse de algum instrumento fazer o acompanhamento.
OS 3 PORQUINHOS:
No momento em que o lobo chega à casa e bate na porta é possível fazer a batida
na janela, ou na própria porta, nesse momento o educador estará se utilizando
da chamada sonoplastia, quando os sons produzidos têm o intuito de dar maior
expressividade e estimular a imaginação das crianças.
“Sonorizar histórias se constitui em tornar sonoro um enredo, ou partes
dele, em fazer soar uma trama, seja por meio da voz ou de objetos e
instrumentos. Nesse tornar sonoro, a utilização de sons ou de melodias
passa a fazer parte da narrativa.” (REYS, 2011)
Nas cirandas pode-se utilizar as cantigas de roda já tão conhecidas e as músicas
atuais de repertório infantil como as do grupo Palavra Cantada, Galinha
Pintadinha entre outros que possuem ideias para se trabalhar elementos sonoros,
noção de espaço e socialização.
Já as brincadeiras que serão sugeridas pelo professor podem ser der escuta e
exploração de materiais como: escutar o ruído num passeio pela área externa da
escola / creche; escutar um ritmo e expressar-se com os pés e com as mãos;
exploração de diferentes fontes sonoras como sons do corpo, sons de chocalhos
e tambores (que podem ser produzidos através de sucatas).
As crianças precisam ter experiências concretas com objeto que emitem
sons, instrumentos musicais ou outros e formar um vocabulário específico
para se referir a eventos sonoros. O manuseio de objetos sonoros cria
situações em que será possível agrupar ou separar os sons, classificar e
seriar. [...] As crianças desenvolvem formas de trabalhar com os sons que
permitirão organizar suas ações e realizar atividades expressivas com
esses materiais. Agindo assim, as crianças aprendem a fazer parcerias,
criam e reproduzem pequenas combinações, que são esboços das regras
que regem os sons de sua cultura (MAFFIOLETTI, 2001, p. 130-131). DOS INSTRUMENTOS MUSICAIS
Não são todas escolas / creches que tem o privilégio de ter em seu espaço uma
sala de música com diversidade de instrumentos musicais para que as crianças
possam explorar e conhecer seus sons, porém, existe a possibilidade de levar os
201 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205
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instrumentos até os pequenos através de sua confecção a partir de materiais de
sucatas.
Abaixo serão apresentados alguns instrumentos que foram confeccionados a
partir desses elementos durante uma aula de musicalização e também por
educadores de um centro de educação infantil da cidade de Vinhedo – SP.
Figura 1: Chocalhos feitos com garrafinhas pet
Fonte: confeccionados por educadores do CEI Marquês de Rabicó – Vinhedo/SP
A figura 1 ilustra um modelo de chocalho que pode ser apresentado às crianças
a partir de 1 ano de idade dado a facilidade de manuseio. O processo para
confeccioná-lo é simples, basta adquiri garrafas pet pequenas, colocar arroz /
feijão / pedrinhas / areia, enfeitá-las como preferir e utilizar.
Esse instrumento quando apresentado para as crianças do Berçário II da creche
Marquês de Rabicó, em Vinhedo, fez muito sucesso. Quando chamadas para
acompanhar músicas conhecidas as crianças ficaram muito entusiasmadas.
202 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205
TATIANE DE JESUS SANTOS
Figura 2: Mensageiro do vento feito com fitas e chaves
Fonte:
Elaborado por
alunas do
curso de
Musicalização
Infantil
A figura acima
representa o
mensageiro do
vento e pode
ser utilizada
em contações de histórias com sonorização. Para confeccioná-lo é necessário um
pequeno cesto, fitas coloridas e chaves velhas.
Figura 3: Beliscofone
Fonte: Elaborado por alunas do curso de Musicalização Infantil
O beliscofone, como o próprio nome sugere, de ser tocado através de beliscões
que serão dados na parte superior. Ele também pode ser feito em tamanho
menor com os materiais abaixo:
203 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205
TATIANE DE JESUS SANTOS
40 cm de cano grosso de PVC,
Fita-crepe e 1 bexiga (se possível, mais resistente)
Como fazer: corte o bico da bexiga fora e encaixe a outra parte na boca do
cano, esticando bem; grude a borda da bexiga no cano com a fita-crepe.
Como tocar: puxe e solte a bexiga dando beliscões
Figura 4: Beliscofone menor
Fonte: www.educaja.com.br
As figuras acima são apenas pequenos exemplos de que com pouco recurso e
muita vontade é possível transformar sucata em material a ser utilizado durante
o processo de musicalização infantil.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com o RCNEI (BRASIL, 1998, p. 55) a musicalização deve proporcionar
na criança a capacidade de ouvir, perceber e discriminar eventos sonoros, fontes
sonoras e produções musicais e também de brincar com a música, imitar,
inventar e reproduzir criações musicais.
O conhecimento musical possibilitará a criança um olhar sensível e crítico aos
diversos ritmos, sons, letras, pois a linguagem musical é um processo de
construção e não um momento pronto ou acabado. A música inserida no contexto
204 Artigo: COMO TRABALHAR A MÚSICA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Págs 190 - 205
TATIANE DE JESUS SANTOS
escolar traz alegria, descontração, amplia os laços e torna a aprendizagem
prazerosa, especialmente quando a criança tem o contato direto e pode
manusear diferentes objetos que lembre os sons de diferentes instrumentos
musicais.
É importante considerar que as atividades musicais permitem que as crianças
passem a conhecer seu corpo, sua voz, desenvolvam a comunicação com as
demais crianças, amplie outras habilidades para além daquelas que ela já
reconhece que possui e brinque com as palavras.
Para que esse método seja utilizado de maneira a trazer contribuições à educação
também é necessário que o educador busque conhecimentos, cursos /
especializações para conseguir desenvolver um trabalho de qualidade fazendo
também com que a música seja utilizada como ferramenta pedagógica.
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