no labirinto do cérebro - Amazon Web Services...(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Niemeyer Filho, Paulo, 1952-x No labirinto do cérebro / Paulo Niemeyer Filho. — 1a ed

no labirinto do cérebro

No_Labirinto_Cerebro.indd 1 20/08/2020 16:53:00


Paulo Niemeyer Filho

No labirinto do cérebro


Copyright © 2020 by Paulo Niemeyer Filho

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

Capa Alceu Chiesorin Nunes

Imagem de capa Into the Circle, de Wassily Kandinsky, 1911, aquarela, 49 × 49 cm. Coleção particular. Walter Mori/ Mondadori Portfolio/ Bridgeman Images/ Fotoarena

Infográficos Erika Onodera

Preparação Lígia Azevedo

Revisão Thaís Totino Richter Angela das Neves

[2020] Todos os direitos desta edição reservados à editora schwarcz s.a. Praça Floriano, 19, sala 3001 — Cinelândia 20031-050 — Rio de Janeiro — rj Telefone: (21) 3993-7510 www.companhiadasletras.com.br www.blogdacompanhia.com.br facebook.com/editoraobjetiva instagram.com/editora_objetiva twitter.com/edobjetiva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil)

Niemeyer Filho, Paulo, 1952-xNo labirinto do cérebro / Paulo Niemeyer Filho. —

1a ed. — Rio de Janeiro : Objetiva, 2020.

isbn 978-85-470-0107-0

1. Cérebro — Anatomia 2. Cérebro — Danos 3. Cé-rebro — Doenças — Diagnóstico 4. Cérebro — Enve-lhecimento 5. Médico e paciente 6. Médicos — Relatos 7. Neurocirurgia 8. Niemeyer Filho, Paulo, 1952-x 9. Re-latos de experiências. i. Título.

20-33893 cdd-617.48

Índice para catálogo sistemático:1. Relatos de experiência : Neurocirurgia : Medicina 617.48

Cibele Maria Dias – Bibliotecária – crb-8/9427


Para a querida Bebel, minha mulher, e meus filhos e enteadas Bel, Paulinho, Maria e Bebelzinha.



Agradeço a Bebel pela ajuda na revisão do texto. A Emily Castro, neurocientista, pelo auxílio na pesquisa bibliográfica.



Sumário

O começo ................................................................................. 111. Os lobos frontais: O que nos faz humanos ...................... 152. A linguagem e o pensamento ............................................. 273. O mapa do cérebro ............................................................. 364. A psicocirurgia ..................................................................... 465. Os neurônios-espelho e o aprendizado ........................... 536. Os movimentos involuntários ........................................... 567. A doença de Parkinson e as distonias musculares .......... 628. Os lobos temporais e a memória ...................................... 709. A epilepsia ............................................................................ 8310. O coma: Um pulo no escuro ........................................... 10011. O tronco cerebral: O pilar da vida .................................. 11012. Os lobos parietais e nossa autoimagem.......................... 11713. Os mistérios da dor ........................................................... 12414. A hipófise ou a glândula mestra....................................... 13715. A visão e os lobos occipitais ............................................. 15116. O cerebelo e os nossos movimentos .............................. 16517. Os avcs, ou acidentes vasculares cerebrais ................... 17218. Os temidos aneurismas cerebrais ................................... 183


19. A evolução da neurocirurgia: Cirurgia intrauterina ...... 19220. A medula espinhal: Uma autoestrada para o cérebro .. 19821. As células-tronco: Aposta do futuro ............................... 20822. Tumores cerebrais malignos: O grande desafio ............ 21423. Alzheimer e as demências ................................................ 22624. O futuro ............................................................................. 236

Apêndice — As pandemias ...................................................... 243Notas ......................................................................................... 255


11

O começo

Num sábado de manhã, quando saía de casa para passar o fim de semana fora, recebi um chamado para atender um rapaz que se acidentara fazendo pesca submarina nas ilhas Cagarras, no litoral da cidade do Rio de Janeiro. Já com a família dentro do carro, procurei saber mais detalhes para confirmar se era mesmo um caso para mim.

Veio o relato: após um mergulho, o paciente subiu muito rapidamente e chocou-se com o fundo da lancha, fraturando a coluna cervical e ficando tetraplégico de imediato. Não conse-guia mais se mexer, com exceção da cabeça. A sorte foi que sua roupa de mergulho fez com que boiasse e, felizmente, de barriga para cima. Quando o amigo que o acompanhava na lancha se deu conta de sua demora, a maré já o havia levado para longe, sem que ele tivesse condições de pedir ajuda. O socorro foi acionado, mas os mergulhadores nada encontraram nas profundezas do mar da região, e ele foi dado como desaparecido.

Assim, seguiu boiando por toda a noite, tendo sido quase atropelado por um transatlântico, momento em que teve a espe-rança de ser visto e resgatado. Depois disso, sempre que se sentia sonolento, provocava dor intensa em sua coluna, com determina-


12

das posições da cabeça, a fim de manter-se alerta. Após quatorze horas de flutuação, o dia já claro, viu que estava se aproximando de uma praia. Mas o que deveria ser um alívio tornou-se uma ameaça, pois se uma onda o virasse, seria o fim. Foi então que alguns pescadores avistaram algo boiando e foram ao seu encon-tro. Estava salvo. Foi rebocado para terra firme, então soube que chegara a Niterói, a alguns quilômetros do Rio de Janeiro. Pediu que sua mulher fosse avisada do acidente e que me chamassem.

Quando ela me contou o que acontecera, recomendei de imediato a transferência do marido para o Rio e cancelei minha viagem. Ao chegar ao hospital, ele mexia apenas a cabeça e me impressionou com seu único pedido: “Eu não quero morrer de jeito nenhum, mesmo que fique assim”.

Após submetê-lo aos exames de imagens, constatei que sua medula encontrava-se edemaciada e comprimida num ponto de estreitamento, entre a quinta e a sexta vértebras cervicais. Por sorte, ela não estava seccionada, assim não se tratava de um caso perdido, e tínhamos uma esperança de recuperação.

Levado à sala de cirurgia, realizei uma laminectomia des-compressiva de três níveis, que consiste na retirada da porção posterior das vértebras, alargando, assim, o canal onde se loca-liza a medula, que voltou a pulsar. Agora, era aguardar e fazer muita fisioterapia. Progressivamente, ele foi melhorando, e hoje encontra-se independente, apesar de restrição motora do lado esquerdo do corpo, que não o impede de caminhar.

Esse caso me emocionou especialmente, não apenas pelo drama com final feliz, mas também por uma confidência que o paciente me fez no dia da alta. Contou-me que, desde que salvei um amigo seu acidentado, passou a andar com meu telefone na carteira, ainda que não me conhecesse pessoalmente, e que sua mulher sabia disso. Durante a madrugada solitária em que boia-ra, dizia a si mesmo que se fosse salvo mandaria me chamar para


13

cuidar dele, e essa era a senha para que sua mulher entendesse, de imediato, a gravidade da situação.

Cresci ouvindo histórias tão emocionantes como essa, mas relatadas por outro neurocirurgião: meu pai. Elas me fascinaram tanto que acabei fazendo dele o grande exemplo a seguir. Mas nunca imaginei que, um dia, eu também teria as minhas próprias para contar…

Ainda menino, eu o acompanhava Brasil afora, quando ele era chamado para ver casos graves. Na adolescência, sempre que podia, assistia às suas cirurgias, sentado num canto da sala, já pa-ramentado de cirurgião. Testemunhei uma época de idealismo e entusiasmo, que faziam da medicina uma profissão romântica. A neurocirurgia era uma especialidade que engatinhava, misteriosa, e na qual tudo ainda estava por fazer.

No início de minha carreira, era com meu pai que eu mais conversava e para quem gostava de contar meus casos médicos, pois, mesmo para os colegas de profissão, o cérebro era ainda muito desconhecido.

Desde então, o mundo mudou, e a neurociência teve grande desenvolvimento e divulgação, tornando-se tema que agrada a mui-tos, com presença em revistas de assuntos gerais e em programas populares de televisão. Hoje, o interesse dos jovens pela profissão é enorme, por isso recebo, anualmente, dezenas de candidatos à residência em neurocirurgia. No dia a dia, converso sobre meu métier com amigos de outras áreas, e sinto que há uma enorme atração pelas histórias médicas e suas novidades tecnológicas.

Em um encontro que tive com o editor Luiz Schwarcz, con-versamos muito sobre o despertar dessa curiosidade, e daí surgiu a ideia de um livro em que eu pudesse percorrer o cérebro com o leitor, contando sobre sua evolução até chegarmos à neurocirurgia, e relatar minha vivência neste campo impressionante da prática diária da medicina e seu impacto na vida das pessoas.


As partes do cérebro.


15

1. Os lobos frontais: O que nos faz humanos

Para o cirurgião, uma tarde de consultas é sempre menos emo-cionante do que o tempo passado no centro cirúrgico. É, en-tretanto, no consultório que fazemos novos amigos e ouvimos boas histórias. Muitas são repetitivas e acabam esquecidas; as que fazem a diferença, porém, chamam a atenção por um deta-lhe, nem sempre percebido pelo paciente, mas que pode acabar mudando a sua vida.

Atendi a um paciente de 35 anos, muito simpático e de as-pecto saudável, como tantos que me procuram com queixas vagas — sintomas inespecíficos, que não ajudam a formar um diagnóstico. À medida que me relatava seu caso, eu ia mudando minha impressão inicial, até que fiquei certo de estar diante de uma situação séria. Ele sentia uma dor de cabeça noturna, que o importunava havia duas semanas, despertando-o durante o sono, e que não melhorava com analgésicos.

Recomendei que fizesse uma ressonância magnética. O exa-me mostrou um grande tumor na base do crânio, por baixo dos lobos frontais, numa região chamada goteira olfatória. Como diz o nome, é a região por onde passam as fitas olfativas, delicados


Documents

no labirinto do cérebro - Amazon Web Services...(Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Niemeyer Filho, Paulo, 1952-x No labirinto do cérebro / Paulo Niemeyer Filho. — 1a ed