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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO 6082 REALIDADE SOCIOECONÔMICA E AMBIENTAL DE COMUNIDADES TRADICIONAIS DE VEREDEIROS DA APA DO RIO PANDEIROS/ NORTE DE MINAS GERAIS 1 DANIELLA SOUZA DE MENDONÇA 2 SANDRA CÉLIA MUNIZ MAGALHÃES 3 Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir a realidade socioeconômica e ambiental de três comunidades tradicionais de veredeiros- Amescla, São Francisco e Água Doce- situadas na Área de Proteção Ambiental (APA) do rio Pandeiros, localizada no Norte do estado de Minas Gerais, entre as cidades de Januária, Bonito de Minas e Cônego Marinho. A APA foi criada através da Lei 11.901/1995, devido à importância ecológica para conservação da biodiversidade e manutenção hídrica da bacia do rio São Francisco. Após a criação da área supracitada, os veredeiros se depararam com uma nova dinâmica territorial que limitou a reprodução da tradição transmitida de geração a geração durante séculos. A metodologia adotada para produzir o presente trabalho foi levantamento bibliográfico e cartográfico, pesquisa de campo e entrevista com os moradores das comunidades. Palavras-chave: Políticas públicas, Pandeiros, veredeiros, preservação. Abstract: This paper aims to discuss the socio-economic and environmental reality of three traditional veredeiros communities - Amescla, San Francisco and Água Doce - located in the Pandeiro’s River Environmental Protected Area (EPA), in the north of Minas Gerais, between the cities of Januária, Bonito de Minas and Cônego Marinho. The EPA was established by Law 11,901/1995, due to the biodiversity ecological importance of conservation of water and the São Francisco River basin maintenance. After the creation of the mentioned area, the veredeiros encountered a new territorial dynamic that limited some traditions once transmitted from generation to generation for centuries. The methodology used to produce this work was bibliographic and cartographic survey, field research and interviews with community residents. Keywords: Public policies, Pandeiros, veredeiros, preservation. 1 Agradecimentos à FAPEMIG 2 Acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros. Bolsista da FAPEMIG. E-mail de contato: [email protected] 3 Docente do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros. Bolsista BIP FAPEMIG. E-mail de contato: [email protected]

NORTE DE MINAS GERAIS1 - enanpege.ggf.br · maintenance. After the creation of the mentioned area, the veredeiros encountered a new territorial dynamic that limited some traditions

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A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO

DE 9 A 12 DE OUTUBRO

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REALIDADE SOCIOECONÔMICA E AMBIENTAL DE COMUNIDADES TRADICIONAIS DE VEREDEIROS DA APA DO RIO PANDEIROS/

NORTE DE MINAS GERAIS1

DANIELLA SOUZA DE MENDONÇA2

SANDRA CÉLIA MUNIZ MAGALHÃES3

Resumo: Este trabalho tem como objetivo discutir a realidade socioeconômica e ambiental de três comunidades tradicionais de veredeiros- Amescla, São Francisco e Água Doce- situadas na Área de Proteção Ambiental (APA) do rio Pandeiros, localizada no Norte do estado de Minas Gerais, entre as cidades de Januária, Bonito de Minas e Cônego Marinho. A APA foi criada através da Lei 11.901/1995, devido à importância ecológica para conservação da biodiversidade e manutenção hídrica da bacia do rio São Francisco. Após a criação da área supracitada, os veredeiros se depararam com uma nova dinâmica territorial que limitou a reprodução da tradição transmitida de geração a geração durante séculos. A metodologia adotada para produzir o presente trabalho foi levantamento bibliográfico e cartográfico, pesquisa de campo e entrevista com os moradores das comunidades. Palavras-chave: Políticas públicas, Pandeiros, veredeiros, preservação. Abstract: This paper aims to discuss the socio-economic and environmental reality of three traditional veredeiros communities - Amescla, San Francisco and Água Doce - located in the Pandeiro’s River Environmental Protected Area (EPA), in the north of Minas Gerais, between the cities of Januária, Bonito de Minas and Cônego Marinho. The EPA was established by Law 11,901/1995, due to the biodiversity ecological importance of conservation of water and the São Francisco River basin maintenance. After the creation of the mentioned area, the veredeiros encountered a new territorial dynamic that limited some traditions once transmitted from generation to generation for centuries. The methodology used to produce this work was bibliographic and cartographic survey, field research and interviews with community residents. Keywords: Public policies, Pandeiros, veredeiros, preservation.

1 Agradecimentos à FAPEMIG

2 Acadêmico do programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual de Montes Claros. Bolsista

da FAPEMIG. E-mail de contato: [email protected] 3 Docente do Departamento de Geociências da Universidade Estadual de Montes Claros. Bolsista BIP –

FAPEMIG. E-mail de contato: [email protected]

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1 - Introdução

O homem historicamente tem degradado o meio ambiente e modificado a

dinâmica dos ciclos biogeoquímicos com o intuito de suprir suas necessidades

básicas de sobrevivência ou até mesmo de sustentar um estilo de vida guiado pelo

consumo exacerbado. Em especial, após a Revolução Industrial, o meio ambiente

tem sofrido incessantes alterações, com significativa intensificação nas últimas

décadas do século XX, além do excito ao crescimento populacional, que também é

um fator que estimula a exploração e degradação dos recursos naturais, pois a

demanda por alimentos e moradia é cada vez maior, conduzindo a expansão da

urbanização, o crescimento do setor industrial, agropecuário e a ocupação de áreas

inadequadas.

Nas áreas urbanas o desencadeamento de alterações ambientais é causado

por uma série de fatores, como: retirada da cobertura vegetal em prol da expansão

urbana; canalização dos rios; impermeabilização do solo; despejo de esgoto

doméstico/ industrial em rios, córregos e lagoas; poluição dos mananciais urbanos;

alteração no albedo; modificação do microclima; aterramento de áreas alagadas,

dentre outros. O recurso hídrico é um fator determinante para a fixação da

população e expansão das atividades antrópicas, sejam elas nas áreas urbanas ou

rurais. O intenso uso da água e a consequente poluição gerada contribuem para

agravar sua escassez, e geram como consequência, a necessidade crescente do

acompanhamento das alterações da sua qualidade (REBOUÇAS, 2006).

Na área rural tanto a agricultura quanto a pecuária causam efeitos

degradantes no ambiente, pois ambas alteram a paisagem natural, principalmente

com a retirada da cobertura vegetal para o cultivo intensivo de gêneros alimentícios

e pastagens, que desencadeiam processos erosivos, assoreamento dos cursos

d’água, além de introduzirem substâncias químicas que podem desequilibrar os

ciclos naturais de massa e energia, contaminar o solo e o lençol freático. As

consequências da exploração dos recursos naturais de forma indiscriminada têm

estimulado uma reflexão a respeito da manutenção da vida e conservação de tais

recursos.

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Nesse contexto de apreensão ecológica, surge na década de 70 o

conceito de desenvolvimento sustentável como uma tentativa de equilibrar o dilema:

crescimento econômico e preservação do meio ambiente. Para Hogan e Vieira

(1995, p. 77) ‘‘o desenvolvimento sustentável é aquele que atende as necessidades

do presente sem comprometer a possibilidade das gerações futuras atenderem as

suas próprias necessidades’’. Em seu sentido mais amplo, a tática do

desenvolvimento sustentável visa promover a consonância entre os seres humanos

e a natureza.

A Área de Proteção Ambiental (APA) seria o local ideal para implantação

de projetos guiados pelos ideais do desenvolvimento sustentável, onde a legislação

ambiental vigente no Estado visa à aplicação de um planejamento e gestão

ambiental criada para garantir o bem-estar das populações humanas e a

preservação e/ou melhoramento das condições ecológicas (BRASIL, 1992). Outro

instrumento implantado no Brasil em 1980 com o intuito de melhorar a gestão

ambiental, foi segundo Steinberger (2006, p.67):

O zoneamento ambiental, que integrou o elenco de instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6938/81), marco da gestão ambiental brasileira, foi pioneiro em consolidar a articulação entre aspectos setoriais. Embora voltado inicialmente, para o planejamento de unidades de conservação e, por isso, ainda marcadamente naturalista, procurou integrar aspectos até então isolados pelos zoneamento setoriais. O zoneamento entrou na ordem do dia, durante os anos de 1980, a partir dos zoneamentos de áreas de proteção ambiental, de bacias hidrográficas e dos diagnósticos integrados. Atualmente o zoneamento ambiental encontra-se regulamentado pelo Decreto Federal n. 4297/2002 como ZEE.

Toda atividade econômica existente dentro de uma área zoneada para

preservação deveria ser primeiro planejada e/ou adequada a nova realidade local

por órgãos responsáveis, visando acarretar o menor dano possível ao ambiente.

Partindo desse princípio toda política ambiental também deveria levar em

consideração a população humana alocada em tais áreas, procurando ajustar às leis

de preservação a sobrevivência da população, dando-lhes as condições básicas

para conservação e disseminação da cultura. Segundo Gawora (2011, p. 26):

A perspectiva sustentável não significa parar com a luta pelo território, mas ampliá-la, o que vale dizer: a luta não deve ser fixada principalmente para um nicho para cada comunidade. Mais do que isso, a perspectiva deve contemplar a influência dos povos e comunidades tradicionais na política econômica brasileira, para promover a sua mudança para um política

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econômica, social e ecológica sustentável. Os povos e comunidades tradicionais deveriam ser um motor desta troca do paradigma, ou seja, um sujeito de mudança. Parece uma utopia, mas é algo imprescindível para mudança de paradigma.

Este trabalho tem o objetivo de evidenciar como o cotidiano e a reprodução dos

saberes no caso das comunidades tradicionais de veredeiros localizadas na Área de

Proteção do rio Pandeiros estão totalmente vinculados ao uso dos solos

encharcados no entorno das veredas para pratica da agricultura de subsistência. Em

contra partida é o mesmo solo protegido pela Lei estadual nº 9.375/86, que permite

segundo parágrafo único do art. 2º a pratica de atividades como uso da água para

dessedentação de animais e consumo doméstico, pecuária, lazer, pesquisa, dentre

outros, se não acarretarem alterações expressivas nas condições naturais do

ecossistema das veredas no Estado de Minas Gerais (BRASIL, 1986). A

metodologia adotada para produzir o presente trabalho foi levantamento bibliográfico

e cartográfico, pesquisa de campo e entrevista com os moradores das comunidades.

2 – Desenvolvimento

As veredas, ambientes típicos do Cerrado, encontram-se próximas ás

nascentes, contribuindo para a perenidade e a regularidade dos cursos d’água,

atuam como bacias coletoras, pois funcionam como vias de drenagem (AGUIAR e

CAMARGO, 2004). Vereda quer dizer vale raso ou cabeceira de cursos d’ água

onde ocorrem alinhamentos ou concentrações de palmeiras Buriti, onde forma um

extenso corredor da fauna e da flora integrando ecossistemas. As veredas são

facilmente identificadas, como evidencia a figura 01, a começar pela presença do

Buriti, solos hidromórficos, frequentemente turfosos, com a presença de horizonte O,

sendo este coberto por vegetação rasteira, pindaíbas e outras espécies de mata

ciliar (BOAVENTURA, 2007).

A Lei nº 9.375, de 12 de dezembro de 1986, conforme o art. 1º, aplica-se às

formações fitoecológicas conhecidas como veredas, caracterizadas pela presença

dos buritis (Mauritia sp) ou outras formas de vegetação típica, em áreas de

exsudação do lençol freático que contenham nascentes ou cabeceiras de cursos

d'água de rede de drenagem, onde há ocorrência de solos hidromórficos, sendo de

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interesse comum e de preservação permanente os ecossistemas das veredas no

Estado de Minas Gerais (BRASIL, 1986). As veredas se tornaram Áreas de Proteção

Permanente (APP) por possuírem elementos biológicos altamente frágeis e

necessários para garantir o regime hidrológico regional e o bom funcionamento do

ecossistema supracitado. Na figura 01 observa-se um trecho da vereda Água Doce,

localizada na APA do rio Pandeiros, é notório a sua conservação e a presença de

buritis, solo hidromórfico, vegetação rasteira e arbustiva.

Figura 01: Vereda Água Doce. Fonte: MENDONÇA, D. S. (2015)

A Área de Proteção Ambiental do rio Pandeiros – MG, foi criada através da

Lei 11.901 de 01/09/1995, devido a sua grande importância ecológico em especial

na manutenção hídrica e da ictiofauna da bacia hidrográfica do rio São Francisco,

que permeia uma extensão aproximada de 145 km. Localiza-se à margem esquerda

do rio supracitado e possui extensão de 380.000 hectares, ocupando áreas

pertencentes a três municípios – Januária, Cônego Marinho e Bonito de Minas,

como mostra a figura 02.

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Figura 02: Mapa de localização da APA do Rio Pandeiros – MG. Fonte: ZEE (2009). Organização: ALMEIDA, J. W. L.(2015)

As veredas, também conhecidas como ‘‘Berço das Águas’’ (Boaventura,

2007), marcam a paisagem da APA do rio Pandeiros meio ao cerrado e caatinga,

caracterizando assim uma área de transição. Diante da vasta diversidade natural

(fauna, flora e grande potencial de recursos hídricos), a área abriga um complexo

ambiental de enorme importância estratégica de preservação do patrimônio natural a

nível federal, levando-se em consideração a manutenção e conservação da bacia do

rio São Francisco. Conforme Bethonico (2009, p. 35) a APA do rio Pandeiros é:

Considerado o ‘‘berçário do Velho Chico” (denominação popular para o rio São Francisco), o rio Pandeiros tornou-se uma Área de Proteção Ambiental – APA, com a inclusão da área do pântano, transformado em Refugio da Vida Silvestre através do Decreto nº 43.910, de 05/11/2004, com uma área de 6.102,75 ha. O pântano esta distante 48 quilômetros de Januária e o fenômeno de piracema ocorre em suas águas, quando os peixes sobem o afluente em buscam de um local em condições favoráveis para desova. Além da beleza cênica do local, o rio Pandeiros é de importância decisiva para o ecossistema da região, sendo responsável por 70% da reprodução de peixes que vivem no São Francisco entre as barragens de Três Marias e Sobradinho.

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A teoria da implantação da APA do rio Pandeiros não condiz com a realidade

percebida, pois ‘‘Área de Proteção Ambiental’’ perante a Lei, não visa somente à

preservação dos recursos naturais, mas também assegurar o bem-estar das

populações inseridas no contexto da área preservada. Cabe ressaltar que a

população que reside na APA supracitada, enquadra-se no que a Lei define como

povos e comunidades tradicionais, que são assegurados pelo Decreto 6.040 de 07

de Fevereiro de 2007. Os veredeiros encontram-se meio a belezas naturais e

degradação social, ocupando uma categoria sociocultural no norte de Minas Gerais,

pois representam as organizações de micropoderes, ficando evidente no trecho

abaixo onde Bethonico (2009) apud Haesbaert, (2004, p. 55):

Lembra da importância de duas características básicas do território, sendo a primeira relacionada ao seu caráter político presente no jogo entre os macropoderes institucionalizados e os micropoderes, geralmente mais simbólicos que são produzidos e vividos no cotidiano das populações; a segunda característica é o caráter integrador entre o Estado, com seu papel gestor-administrativo, e os indivíduos formadores dos grupos sociais nas relações com o ambiente em que estão inseridos.

A persistência e agravamento dos problemas socioeconômicos que

ocorrem nas Unidades de conservação – UC’s (modelo americano) não levam de

fato em consideração o fator social, onde as UC’s são consideradas por Vianna

(1998, p. 188) ‘‘[...] instrumentos do modelo desenvolvimentista e reproduzem o

padrão de exclusão das populações residentes em seu território’’. O primeiro grande

encontro internacional sobre o tema desenvolvimento social foi a Cúpula Mundial

realizada em Copenhague de 6 a 12 de março de 1995. Os governantes presentes

ou representados adotaram na ocasião a seguinte declaração político-programática

como justificativa do assunto:

Pela primeira vez na história, a convite das Nações Unidas, nós, Chefes de Estado e de Governo, reunimo-nos para reconhecer a importância do desenvolvimento social e do bem-estar humano de todos, e para conferir a esses objetivos a mais alta prioridade, agora e no Século XXI [...] Compartilhamos a convicção de que o desenvolvimento social e a justiça social são indispensáveis para a consecução e a manutenção da paz e da segurança dentro de nossas nações e entre elas. Por outro lado, o desenvolvimento social e a justiça social não podem ser alcançados se não houver paz e segurança ou se não forem respeitados todos os direitos humanos e liberdades fundamentais. (Rev.bras.polít.int. vol.40 no.1 Brasília Jan./June 1997)

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No entanto conciliar a permanência da comunidade e condições dignas

de sobrevivência constitui-se em tarefa complexa quando as áreas habitadas não

podem ser utilizadas sem planejamento prévio e que nem sempre atende as

necessidades da população. Diante deste impasse a comunidade de veredeiros

perde a liberdade de reproduzir sua cultura e é privada de alguns dos direitos

básicos garantidos pelo Decreto 6.040 de 07 de Fevereiro de 2007. De acordo com

Bethonico (2009, p. 17):

A Área de Proteção Ambiental do rio Pandeiros foi criada sem a participação da comunidade nessa decisão. Considerou-se a importância da bacia hidrográfica para o rio São Francisco e para o Cerrado. Não apenas a comunidade foi excluída, mas sua história e as relações de poder ali presentes e que foram consolidadas ao longo das décadas [...]. O espaço tornou-se complexo em suas interrelações, com atores que possuem diferentes visões sobre o uso dos recursos naturais, em relações conflituosas. Com a implantação da área de preservação um novo ator é adicionado. Com a inserção do Estado o espaço recebe nova ordenação e , através do papel gestor este impõe uma nova organização baseada na legislação ambiental vigente, ampliando os conflitos. Forças de poder se entrelaçam no espaço, transformando-o em território.

A afirmação de Bethonico a respeito da não participação da comunidade de

veredeiros na criação e implantação da APA do rio Pandeiros, a anulação dos seus

direitos e interesses, por exemplo, a proibição da utilização do solo para pratica de

agricultura de subsistência, sendo que esta é uma prática tradicional, vai contra o

que prega os incisos VII, VIII, IX, X, e XVI do art. 1º do Decreto 6.040/ 07, Brasil

(2007):

Art. 1º - As ações e atividades voltadas para o alcance dos objetivos da Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais deverão ocorrer de forma intersetorial, integrada, coordenada, sistemática e observar os seguintes princípios: [...] VII - a promoção da descentralização e transversalidade das ações e da ampla participação da sociedade civil na elaboração, monitoramento e execução desta Política a ser implementada pelas instâncias governamentais; VIII - o reconhecimento e a consolidação dos direitos dos povos e comunidades tradicionais; IX - a articulação com as demais políticas públicas relacionadas aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais nas diferentes esferas de governo; X - a promoção dos meios necessários para a efetiva participação dos Povos e Comunidades Tradicionais nas instâncias de controle social e nos processos decisórios relacionados aos seus direitos e interesses; XIV - a preservação dos direitos culturais, o exercício de práticas comunitárias, a memória cultural e a identidade racial e étnica.

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Encontra-se nas comunidades tradicionais de veredeiros Amescla, São

Francisco e Água Doce, uma situação muito delicada e não diferente das demais

comunidades localizadas na APA: de uma lado a preservação ambiental e do outro a

sobrevivência e a continuidade cultural. Na figura 03 observa-se parte da família da

dona Inês, mãe de 12 filhos, casada. A sua família tira o sustento do pouco que

conseguem cultivar próximo ás veredas, utilizando técnicas e saberes passados de

geração a geração.

Figura 03: Família de veredeiros da comunidade Amescla.

Fonte: MENDONÇA, D. S.(2014)

Grande parte da população reside em casas de pau-a-pique como a seus

antepassados, como evidência a figura 03, mas os veredeiros não podem mais

recorrer as veredas para retirarem a palha do buriti para fazer reparos nas suas

moradas, caso contrario estariam infligindo a lei 9.375, de 12 de dezembro de 1986,

mas em contra partida são lesados levando-se em conta fragmentos dos objetivos

do artigo 3º do Decreto 6.040/07:

Art. 3o São objetivos específicos da PNPCT: I - garantir aos povos e

comunidades tradicionais seus territórios, e o acesso aos recursos naturais que tradicionalmente utilizam para sua reprodução física, cultural e econômica; II - solucionar e/ou minimizar os conflitos gerados pela implantação de Unidades de Conservação de Proteção Integral em territórios tradicionais e estimular a criação de Unidades de Conservação de Uso Sustentável; III - implantar infra-estrutura adequada às realidades sócio-culturais e demandas dos povos e comunidades tradicionais; IV -garantir os direitos dos povos e das comunidades tradicionais afetados direta ou indiretamente por projetos, obras e empreendimentos; [...].

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Na comunidade tradicional Amescla, observou-se conflitos com o Estado e as

realidades socioeconômicas mais preocupantes em relação à comunidade São

Francisco e Água Doce. Mediante os dados obtidos em pesquisa, afirma Magalhães

(2010, p.11) ‘‘[...] podemos inferir que a população da Vereda Amescla sobrevive em

condições precárias, sem energia elétrica, água tratada, suas casas são em geral

pequenas, basicamente sem móveis’’. No relato da veredeira I. O. C., 46 anos, mãe

de 12 filhos, cria mais dois netos, moradora da comunidade supracitada, observa-se

o descaso com a população inserida dentro Parque Estadual do Rio Pandeiros:

O povo do IEF proibiu a gente de plantar nas veredas. Multavam a

gente. Eu não tinha nem o que de come, eu e meus filhos passando fome. Sem dinheiro para nada, nem mesmo para limpar o nome, porque não paguei a multa. A gente vive é da roça, da vereda e do bolsa escola que eu recebo de três meninos meus. (sic).

Percebe-se o descumprimento dos seguintes incisos do art. 1º do Decreto

6.040/07: III - a segurança alimentar e nutricional como direito dos povos e

comunidades tradicionais ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade,

em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades

essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que

respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e

socialmente sustentáveis; V - o desenvolvimento sustentável como promoção da

melhoria da qualidade de vida dos povos e comunidades tradicionais nas gerações

atuais, garantindo as mesmas possibilidades para as gerações futuras e respeitando

os seus modos de vida e as suas tradições.

3 - Considerações finais

Restringir o uso e ocupação dos ecossistemas de veredas, sem oferecer aos

veredeiros outra opção digna de sustento, é puni-los por tentarem as sobreviver às

mazelas que a então política preservacionista adotada pelo Estado impõe

comunidades tradicionais Veredeiros. A legislação ambiental é falha quando se

refere às questões sociais, sendo imprescindível a adaptação à realidade social da

população inserida em UC’s.

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Outra maneira coesa de dar suporte a sustentabilidade ambiental é a

implantação de um plano de manejo que reconheça as comunidades tradicionais,

neste caso especifico, veredeiros, como protetores ambientais, oferecendo aos

mesmos cargos para a manutenção e monitoramento do parque, além de estimular

o extrativismo, aperfeiçoando técnicas por meio de capacitações e oferecendo

infraestrutura para a coleta e posterior beneficiamento de frutos e castanhas do

cerrado, e por fim dá suporte de mercado para a comercialização dos produtos

finais.

Além da importância hidrológica das veredas na APA do rio Pandeiros, há

também, a social, ecológica e cultural. É de suma importância à proteção das

veredas, sabendo-se do avanço da degradação de tais ecossistemas,

principalmente, criando alternativas de renda para os veredeiros, criação de

estruturas para monitoramento desses ambientes (IEF, 2009). A vereda para uma

comunidade tradicional representa: vida, moradia, sustento, esperança e

identidade. Junto com a flora e fauna; degradação e preservação; empresários e

órgãos ambientais do Estado, o veredeiro norte mineiro por meio do ecossistema

das veredas constrói e reproduz a tradição dos veredeiros, a história de um povo

marcada pela significação e ressignificação do território.

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