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NOTAS DE INVESTIGAÇÃO XXVI —JOÃO DE BARROS E ERASMO: A PROPÓSITO DA VICIOSA VERGONHA Em 1986, passam quatrocentos e cinquenta anos da morte de Erasmo. Para não deixar a data sem comemoração, publica-se esta «nota», extraída de um trabalho mais amplo sobre Erasmo em Portugal. No começo do Diálogo da Viciosa Vergonha, encontra-se o autor, João de Barros, designado pela sigla P = Pai, em conversa com seu filho (= F) António: «(P)... Leuãtate, aias a sua bençã e a minha. E por galardám dessa cor que te ueo ao rostro pois estamos è causas, quero te dizer a causa delia: e quam louuáda nos de tua idade ç â neçe- saria, e quã uiciósa ê todos â sobeia. E nisto farei ô pêra que pedia estes quadernos da gramática, que era escreuer algûa cousa moral pêra doutrinar os de tua idade. E se acerca desta matéria da uiçiósa uergonha deseiáres saber algûa cousa, podes perguntar : e assi das tuas perguntas e minhas repostas faremos hum diálogo inocente pêra inoçêtes. (F) O outro dia estáua meu mçstre lendo hum tratado de Plutárcho, cuio titulo também era, da uiçiósa uergonha. (P) Muitos autores trataram de hua materia, mas o modo e caminho q cada leuou, fez a uariaçã de quãtos tra- tados uemos. Plutárcho, dado que seia dos mais gráues autores que trataram matérias moráes, nê porisso seguirey em tudo seu caminho, mas daquelles que seguiram ô do auãgelho de Cristo que elle nam seguio nem alcançou, no qual acharás mais enleuáda filosofia da que trataram todolos gentios escritores.» (fol. A ij v.°). A citação foi longa, mas encurta explicações ainda mais longas. Ela não deixa dúvidas de que uma das fontes do diálogo de João de Barros é Plutarco, de onde vem o próprio título do escrito do português.

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NOTAS DE INVESTIGAÇÃO

XXVI —JOÃO DE BARROS E ERASMO:

A PROPÓSITO DA VICIOSA VERGONHA

Em 1986, passam quatrocentos e cinquenta anos da morte de Erasmo. Para não deixar a data sem comemoração, publica-se esta «nota», extraída de um trabalho mais amplo sobre Erasmo em Portugal.

No começo do Diálogo da Viciosa Vergonha, encontra-se o autor, João de Barros, designado pela sigla P = Pai, em conversa com seu filho ( = F) António:

«(P)... Leuãtate, aias a sua bençã e a minha. E por galardám dessa cor que te ueo ao rostro pois estamos è causas, quero te dizer a causa delia: e quam louuáda nos de tua idade ç â neçe-saria, e quã uiciósa ê todos â sobeia. E nisto farei ô pêra que pedia estes quadernos da gramática, que era escreuer algûa cousa moral pêra doutrinar os de tua idade. E se acerca desta matéria da uiçiósa uergonha deseiáres saber algûa cousa, podes perguntar : e assi das tuas perguntas e minhas repostas faremos hum diálogo inocente pêra inoçêtes. (F) O outro dia estáua meu mçstre lendo hum tratado de Plutárcho, cuio titulo também era, da uiçiósa uergonha. (P) Muitos autores trataram de hua materia, mas o modo e caminho q cada hû leuou, fez a uariaçã de quãtos tra­tados uemos. Plutárcho, dado que seia dos mais gráues autores que trataram matérias moráes, nê porisso seguirey em tudo seu caminho, mas daquelles que seguiram ô do auãgelho de Cristo que elle nam seguio nem alcançou, no qual acharás mais enleuáda filosofia da que trataram todolos gentios escritores.» (fol. A ij v.°).

A citação foi longa, mas encurta explicações ainda mais longas. Ela não deixa dúvidas de que uma das fontes do diálogo de João de Barros é Plutarco, de onde vem o próprio título do escrito do português.

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Por outro lado, apesar de Barros citar largamente textos bíblicos e patrísticos, a verdade é que, em vários passos do seu diálogo, e sobre­tudo perto do fim, volta a utilizar Plutarco, de modo visível.

Como teria o nosso polígrafo conhecido o autor helénico do segundo século da era cristã? No grego do original?

Tenho muitas dúvidas. Já tive ocasião de provar (1) que João de Barros sabia pouco grego. A melhor prova disso está no descon-chavo daquele título do seu diálogo Mercadoria Espiritual, o com­posto Rhopicapnefma (que ele escreve Ropicapnefma), o qual em grego não significa coisa nenhuma. O desconchavo é ainda maior, quando se escreve em duas (Ropica Pnefma) essa palavra monstruosa, como fazem muitos editores modernos.

Voltando, porém, à Viciosa Vergonha. O título do tratado de Plutarco é Ileal Avacomaç, onde o substantivo não é fácil de traduzir, se pretendermos extrair-lhe o sentido, a partir dos elementos cons­titutivos.

Usando os dicionários correntes, o Dictionnaire Grec-Français de A. Bailly apresenta «fausse honte, timidité»; e o Greek-English Lexicon de Liddell & Scott traz «confusion of face, shamefacedness ; false modesty; cause for shame».

No século xvi, LJSQI Avaamíaç foi vertido em latim por De Immo-dico Pudor e, De Immodica Verecundia; Erasmo preferiu De Vitiosa Verecundia.

E embora em 1540, quatro anos depois do falecimento de Erasmo, o historiador João de Barros que vivia na corte ou, pelo menos, em contacto com ela, não tenha achado prudente (2) mencionar o huma­nista, suponho que este, o homem de Roterdão, foi o seu intermediário na leitura de Plutarco.

Em primeiro lugar, no título português que é uma tradução literal do título erasmiano: De Vitiosa Verecundia > Da Viciosa Vergonha.

Depois, na Introdução, Barros escreve, falando da conveniência de proporcionar boas leituras aos meninos que já sabem 1er : «E como

(1) Em «Ropicapnefma: um bibliónimo mal enxertado», Humanitas XXVII--XXVIII (1975-1976), 201-208 ; reimpresso em Estudos sobre o Século XVI, Paris, 1980; Lisboa, 21983, 311-319.

(2) Ao contrário do seu homónimo, autor do Espelho de Casados que nesse mesmo ano de 1540 cita Erasmo.

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a uiçiósa uergonha ç o primeiro imigo que os comete foriamos neste seguinte Diálogo armas com que se delia podem defender.»

Ora na carta-prefácio, datada de Basileia, a 3 de Fevereiro de 1526, e dirigida a um jovem, Erasmo escrevera: hoc libello uelut antídoto muniendum putaui, ne quando pudor exeat in dysopiam. Em português : «pensei que devia defender-te com este livrinho como um antídoto, não vá o pudor acabar em viciosa vergonha». Num caso, «armas», noutro «antídoto», mas o pensamento e o movimento da frase são idênticos.

Mais adiante, escreve Barros:

«(P)Por q melhor recebas o q sobrisso disser, qro ètrár cõ hûa cõpaçã cõ q êtrou Plutár. quãdo quis tratar desta materia. Das cousas q a terra dá, áhi huas q nã sómête da sua ppria natureza sã agrestes e ífrutuósas, mas aïda èpeciues ao creçimêto das plãtas de proueito: e q assi seia, nè porisso iulgã os lauradores q prouê isto da maldade da terra, mas da sua grossura. Assy áhi huas afeições do ânimo q per sy nã sã boas: porg sã como hua semête e frol da boa îdole...». (fol. B ij).

O texto grego abre o diálogo IIEQI Avamníaç, e daí que João de Barros possa escrever, com propriedade, que se trata de «hûa compa-raçã com que entrou Plutarcho»: "Evia xwv ê% xfjç yfjç (pvo/xévmv avxà jjLsv êariv ãyoia xf\ <pvaei xal axaona y,al fiXafieoàv xolç rj/ueooic cméopiaoi xal (pvxoíç xr\v av£r]0iv s%ovra, arj/zéía ò^avxà noiovvxai yéioaç, oi yewgyovvxeç ov novrjoãç, âXXà ysvvaíaç xai movoç • ovxw ôrj tcai Ttádf] xpvyfjç èaxiv ov %Q?]Oxá, XQrjaxfjç ôè qwascoç óíov ê^avOtj/Ltaxa... (528 D)

Erasmo traduziu este texto, quase literalmente, por: «Ex his quae terra producit, quaedam sunt non modo suapte natura syluestria infru-giferaque, uerum etiam mitibus frugiferisque seminibus ac plantis suo incremento ofncientia: attamen haec agricolae iudicant argumenta soli nequaquam mali, sed pinguis ac feracis. Itidem sunt et affectiones animi, per se quidem non bonae, sed tamen ceu germina quaedam ac flores bonae indolis...»

A tradução de Barros parece-me moldada sobre o latim de Erasmo, abreviando-o ocasionalmente. Assim, se o período começa «Das cousas que a terra dá, há i ûas...», vertido literalmente de Ex his quae terra producit, quaedam sunt..., na parte final ...pinguis ac feracis (terrae) é abreviado em «da sua grossura».

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278 NOTAS DE INVESTIGAÇÃO

Mas é no segundo termo da comparação contida no texto, que o modelo de Erasmo é mais visível:

... OVXCú ôrj xal náBr} tpvxv? èanv ov xqrjaxà, XQ^OTTJç òè cpéoewç

ólov èÇavBrjfiara

«...Do mesmo modo há também padecimentos da alma que não são bons, mas são como flores de uma boa natureza» (Ramalho)

«...Itidem sunt et affectiones animi, per se quidem non bonae, sed tamen ceu germina quaedam ac flores bonae indolis. (Erasmo)

«...Assy áhi huas afeições do ânimo q per sy nã sã boas: porê sã como bua semete e frol da boa idole» (Barros)

A versão portuguesa de João de Barros é claramente decalcada sobre a tradução de Erasmo, pois há nela expressões comuns a este e a Barros que se não encontram no grego:

per se quidem = per sy germina quaedam = hûa semëte

Além disso, affectiones animi traduzido por «afeições do ânimo», bonae indolis por «boa índole». Note-se ainda ipvxtf «alma», traduzida por «ânimo» que é a transliteração de animus que em português signi­fica «alma».

Um trecho narrativo como este não deixa dúvidas sobre a depen­dência de Barros em relação a Erasmo. Ficou-me a convicção de que o tratado de Plutarco foi lido por Barros na Vitiosa Verecundia de Erasmo, embora ele se cale prudentemente sobre o Roterdamês.

Nos outros passos em que a Viciosa Vergonha utiliza o diálogo de Plutarco, citando-o ou não, trata-se geralmente de exempla, histórias de proveito e exemplo, que ganham mais em ser contadas em estilo directo e pessoal do que traduzidas literalmente. João de Barros adapta-as, alargando, suprimindo ou modificando, conforme lhe convém.

Assim, podem reconhecer-se na Viciosa Vergonha passos do IJeql Avammaç como, por ordem do seu aparecimento, 530F, 534B, 533B, 533A, 531D, 531C, 534A, 531C, todos eles entre a folha C viij e a folha D v°, isto é, em três páginas da edição de 1540.

Nôtar-se-á que 531C é utilizado duas vezes: «(Filho)...E quãdo me algû amigo requerer q de por elle testemunho falso? (Páy) Res-

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ponde o que disse Pericles capitam Ateniense a hum que lhe requeria outra tal: Amigo atç o altar podes usar de minha amizade.» (fols. C viijv.0 / D).

Seguidamente, João de Barros explica o apotegma grego, ao acrescentar: «Dado a entender que os requerimentos em que a alma reççbe detrimento nam seam de conceder aos amigos, nem mostrar fraqueza em lhe responder.»

A segunda ocorrência de 531C verifica-se logo na página seguinte: «...ainda estou bem com o que disse Plutárcho: que ô nam contentara muyto Pericles querer chegar cõ amizade a t ç o altar por ser ia cousa muy chegada a alma, em que ninguém tê iurdiçám senam deos.» (foi. D v°) À margem, Barros cita: «Plutar. de ui/uiciosa uere/cundia».

Eis o segundo passo no grego do original : 'Eym fièv yàq ovôè xò rov IIsQixXéovç ânoòé%ofmi TZQóç ròv àÇiovvra (jiaQXVQÍav ipsvôfj fiaorv-ofjaai (f'ikov, fi TtQoafjv xal OQXOç, smóvroç • «Mé%Qi rov f5(0[iov epilog sífií» • Xíav yào êyyvç fjXQsv.

Neste exemplum, João de Barros glosou e cristianizou o texto de Plutarco, pois Xíav yào- êyyvç fjXdev significa «porque ele chegou perto demais». Barros expandiu: «por ser ia cousa muy chegada a alma, em que ninguém tê iurdiçám senam deos». Ao contrário do que fez no primeiro caso, não separou a explicação, mas incluiu-a no próprio texto, como se tudo quanto escreveu estivesse já no mora­lista grego.

Aliás, p,é-%Qi rov fiwfiov, usque ad aram = «até o altar» era am apotegma famoso no século xvi e Erasmo dedicou-lhe um capítulo nos Adagia. André de Resende usá-lo-á na Conuersio Miranda D. Aegi-dii Lusitani (3), para explicar a sua atitude em relação a Erasmo, depois da inclusão do nome deste nos índices da Inquisição.

Um reparo merece também a citação de Plutarco, IISQï Avoomúxç 530F que dá como protagonista do exemplum aí narrado Sevocpávrjç, ao passo que na edição (4) de Erasmo, existente no Instituto de Estudos

(3) A. Costa Ramalho, «A Conversão Maravilhosa do Português D. Gil — um diálogo latino, quase ignorado — da autoria de André de Resende», Revista da Universidade de Coimbra 27 (1981), 365-378; reimpresso em Estudos sobre o Séc. XVI, Lisboa, 21983, 343-366. Cf. pp. 357-358 deste livro.

(4) Desiderii Erasmi Roterodami Opera Omnia. Georg Olms Verlagsbuch-handlung, Hildesheim, 1961 (unveránderter reprographisoher Nachdruck der Ausgabe Leiden 1703), IV, 80B.

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280 NOTAS DE INVESTIGAÇÃO

Clássicos da Faculdade de Letras de Coimbra, a personagem é Xeno-phontern. Barros, por sua vez, fala de «Xenofane».

O mesmo Xenophontem aparece na edição de Basileia, de 1540, ex officina Frobeniana, existente na Biblioteca da Universidade de Coimbra.

As dúvidas, porém, ficam esclarecidas, quando se apura que na edição príncipe, impressa por Io. Froben, em Basileia, em 1526, se encontra Xenophanem, como pude verificar consultando os Opera Omnia Desiderii Erasmi Roterodami recognita et adnotatione crítica instructa notisque illustrata. North-Holland Publishing Company, Amsterdam-Oxford, MCMLXXVII, vol. IV-2, onde o texto do De Vitiosa Verecundia se baseia na referida editio princeps.

João de Barros terá, assim, utilizado possivelmente a primeira edição do opúsculo erasmiano.

Utilizei neste trabalho a reprodução fotográfica da primeira edição (Lisboa, 1540) do Dialogo da Viciosa Vergonha, publicada por Maria Leonor Carvalhão Buescu em João de Barros: Gramática da Língua Portuguesa, Diálogo em Louvor da Nossa Linguagem e Diálogo da Viciosa Vergonha, Lisboa, 1971.

Gostaria de aproveitar a oportunidade para corrigir a leitura de «August. Iero. Latãçeo» na folha B v do fac-símile (p. 201), transcrito pela Autora como «Augusto Iero Latânçeo» na p. 435, e explicado na mesma página como «provavelmente Lúcio Cecílio Firmino Lactando».

Trata-se, na realidade, de «Augustinho, Ierónimo, Lactando», ou seja, Santo Agostinho, São Jerónimo e Lactâncio.

AMéRICO DA COSTA RAMALHO

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XXVII —D. MARTINHO DE CASTELO BRANCO, MORTO EM ALCÁCER QUIBIR

No suplemento dominical «Cultura» do Diário de Notícias de 30 de Novembro de 1986, publicou a Senhora D. Manuela de Azevedo um artigo de grande interesse informativo, intitulado «Documento inédito para o rescaldo de Alcácer Quibir: Inventário de um navio que foi a Marrocos».

Os navios são na realidade dois, o «São Francisco» e um outro, carregado de munições...de boca, e ambos regressados de Marrocos com bens de D. Martinho de Castelo Branco. Estavam ancorados em Portimão, a 16 de Agosto de 1578, isto é, doze dias passados daquele fatídico 4 de Agosto, em que ocorreu o desastre de Alcácer Quibir.

A carga do «São Francisco» é do maior interesse para o histo­riador da cultura, o historiador económico e o sociólogo. Entre as mercadorias, em boa parte de natureza sumptuária, havia dois livros de Camões, certamente exemplares de Os Lusíadas, no caso de serem obras impressas.

É de desejar que uma edição cuidada do documento venha a ser editada, pois a notícia de jornal, além de incompleta, não obstante ocupar duas páginas inteiras, apresenta «gralhas» e incorrecções de leitura. Por exemplo, naquelas «salvas com suas armas de leomis», os leomis são certamente os leões do brasão dos Castelos Brancos, senhores de Vila Nova de Portimão...

Nesta breve nota, pretendo apenas responder à pergunta feita pela Autora, numa secção do seu artigo: «Quem era Dom Martinho?»

Comentarei, para o efeito, o trecho seguinte:

«Nesses documentos existentes na Biblioteca Nacional se con­firma que em casa dos Castell Branco, houve apenas, até àquela data (1623), dois Martinhos, o primeiro conde de Vila Nova de Por­timão, que não traz notícia de cargos; e o outro (o 2.° conde no título) que figura na carta de 1586, e seria nesta data muito velho, pois fora camareiro-mor de João III, governador de Justiça e vereador (sic) da fazenda dos reis Afonso V, João II e Manuel, de quem foi testamenteiro.

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Quem era, então, este jovem D. Martinho Castell Branco Valente, que não se lhe encontra rasto, o mesmo podendo dizer-se de Dona Joana da Silva, sua mulher ou sua mãe?»

Encurtando razões, direi que até à data da batalha de Alcácer Quibir, tinha havido apenas um conde de Vila Nova de Portimão, D. Martinho de Castelo Branco, nascido cerca de 1455 (segundo o poema de Cataldo Siculo, adiante citado), e falecido cerca de 1527. Foi este quem serviu os reis atrás mencionados, e entre os seus nume­rosos cargos teve o de vedor da fazenda régia.

A data oficial da outorga do título de conde a D. Martinho é 12 de Fevereiro de 1514, mas já antes era tratado como tal. O título, porém, não foi renovado por D. João III no seu descendente directo, seu filho D. Francisco de Castelo Branco, apesar de este ser camareiro-mor do soberano.

D. Francisco, que faleceu antes de 1550, casou duas vezes, mas só teve descendência do segundo casamento. Sucedeu-lhe o seu pri­mogénito, D. Martinho de nome, como o avô, que aqui designarei por D. Martinho II. Foi este quem morreu em Alcácer Quibir, dei­xando viúva D. Joana da Silva, sua mulher, de quem não tinha filhos. Fretara o «São Francisco», cuja carga é arrolada no documento sobre que versa o artigo do Diário de Notícias.

O título de conde de Vila Nova de Portimão, como outros que D. João III se abstivera de confirmar, principalmente por motivos económicos, só veio a ser atribuído de novo por Filipe II de Espanha, após a conquista de Portugal. Foi segundo conde de Vila Nova de Portimão aquele D. Manuel de Castelo Branco, a quem, no seu artigo, se refere a Senhora D. Manuela de Azevedo.

Sobre o primeiro conde, há abundante informação: Cataldo Parísio Siculo, que beneficiou do seu mecenato, fê-lo herói do poema Verus Salomon Martinus que publiquei, juntamente com a Lic.a Dulce da Cruz Vieira, em 1974. A Introdução do Martinho, Verdadeiro Salomão, voltei a imprimi-la com o título de «Cataldo e João Rodri­gues de Sá de Meneses» em Estudos sobre o Século XVI, l .a edição, Paris, Gulbenkian, 1980; 2.a edição, Lisboa, Imprensa Nacional — Casa da Moeda, 1983.

Em Latim Renascentista em Portugal (antologia), Coimbra, 1985, inseri a carta de Cataldo ao 2.° conde de Alcoutim, D. Pedro de Meneses

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NOTAS DE INVESTIGAÇÃO 283

(pp. 54-63), em que se fala largamente de D. Martinho e sua família. Um dos genros era o justamente famoso João Rodrigues de Sá de Meneses a quem Cataldo pródiga elogios nessa carta.

Um pormenor curioso é também o de que a descrição que o huma­nista faz no seu latim, do palácio de D. Martinho Castelo Branco em Lisboa, coincide com a que, duas dúzias de anos mais tarde, em 1535, consagrou à mesma residência Garcia de Resende numa carta a seù filho D. Francisco. Esta carta foi publicada de novo, recentemente, por Andrée Crabbé Rocha, A Epistolografia em Portugal, Lisboa, Imprensa Nacional — Casa da Moeda, 21985, p. 73.

Deve notar-se que o apelido de Valente, adicionado ao nome de D. Martinho II, é justificado em Alão de Morais, Pedatura Lusitana I, ii, p. 488, «por razão do morgado da Povoa de que íambê foi sr.». Acrescentarei que seu avô era filho de Gonçalo Vaz Castelo Branco e de Beatriz Valente.

A este D. Martinho II se referem as anedotas n.os 793 e 802 dos Ditos Portugueses, dignos de memória editados por José Hermano Saraiva. Mas no índice, embora assinalado como «pajem da cam­painha», vem confundido com o outro D. Martinho, seu avô.

A. C. R.

8 — O NOME DE NOSSA SENHORA DE «MERCULES»

O nome Hércules ou Mércoles, em português, apresenta algo de raro, quer quanto ao uso, quer quanto à origem, quer quanto ao signi­ficado da invocação. Que saibamos, a palavra, entre nós, só aparece relacionada com a invocação, a ermida e a romaria de «Nossa Senhora de Mércules», a uns 3 km a Nascente de Castelo Branco, nome agora ainda mais vulgarizado porque, na Quinta da Senhora de Mércules, se instalou a Escola Superior Agrária.

A história do nome e da ermida é apresentada, numa primeira versão, por Fr. Agostinho de Santa Maria, no Santuário Mariano,

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284 NOTAS DE INVESTIGAÇÃO

tomo III, título XVIII (Lisboa, 1711, p. 80-83). Aí se diz resumi­damente que, segundo a tradição, Nossa Senhora apareceu naquele lugar «em uma quarta-feira e que por essa causa se impusera o título de Mércoles que no idioma espanhol quer dizer «quarta-feira», tomado de Marte». Esta indicação de Marte, em vez de Mercúrio, vem a ser repetida, sem crítica, por muitos outros que se limitam a copiar o Santuário Mariano. O local é próximo da fronteira; e informa ainda Fr. Agostinho de Santa Maria (e não Joaquim, como lhe chamam vários, que se copiam uns aos outros) que os espanhóis vinham em romaria «neste dia do seu aparecimento, com grande festa e devoção e que por ter sido seu aparecimento, vulgarmente, em Quarta-feira, diziam: «Vamos a Nuestra Senhora (sic) de Mércoles» (sic) e que daqui lhe ficara o título».

Uma revisão das origens do nome e da ermida foi compendiada pelo P. Tarcísio Fernandes Alves, que a 3-2-1973 iniciou na Reconquista (de Castelo Branco) uma série de artigos sobre Fragmentos de história da cidade. O n.° 6 (saído a 3-3-1973) é precisamente sobre Nossa Senhora de Mércules. A partir deste breve estudo, teve o Autor a feliz ideia de organizar uma pequena monografia, profusamente ilus­trada, saída na Gráfica de S. José, Castelo Branco (1973, 12 p.). Dela nos vamos servir para o resumo das posições que têm sido tomadas.

«Mário Saa diz que Mércoles é grafia de «Mercatores» (merca­dores)». Pelo que vemos, não cedeu este arqueólogo à tentação de comparar «mércoles» com o vulgar «mércolas», nome ligado ao latim mercês, como «mercado» e «comércio».

Para Leite de Vasconcelos «é provável que, no seu latim rude, o povo fosse corrompendo 'Fanum Mercuriis', templo de Mercúrio, por 'fanum Mercollis' e daí o famoso Mércoles». Seria necessário explicar porque não se escrevia e se não dizia, correctamente, fanum Mercurii...

Segundo D. Fernando de Almeida «devia ter existido neste local uma povoação romana com um templo dedicado a Mercúrio». Con­sequentemente, acha lógica a etimologia proposta por Leite de Vasconcelos.

De acordo com o P. Tarcísio F. Alves a primeira vez que aparece o nome documentado é na expressão caput Mercoris, a qual se encon­tra, em 1199, na doação da Herdade de Açafa aos Templários, cava­leiros que no século XIII terão construído a ainda hoje artística ermida, com um valioso portal românico de transição.

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É bem possível que o nome de Senhora de Mércules deva a sua origem ao facto de a actual ermida ter sido edificada no sítio onde no tempo dos romanos existiu um templo de Mercúrio. Nesse caso, o seu significado poderia não ter relação nenhuma com «quarta-feira», ou seja, com Mercurii dies, mas apenas com uma designação tradi­cional da zona, como o sítio do Templum ou Fanum Mercurii.

Não há dúvida, no entanto, que o nome de Mércules lembra a qualquer amigo da Filologia, e para mais numa zona fronteiriça com a Espanha, o substantivo comum miércoles, que em castelhano signi­fica «quarta-feira». A etimologia dos dias da semana está bem estu­dada pelos romanistas. Na Antiguidade cada dia da semana era consagrado a uma divindade, um astro ou um planeta. Em latim, o quarto dia era conhecido quer por dies Mercurii, quer por Mercurii dies. Desta última forma é vestígio patente o italiano mercoledi, bem como o francês mercredi. Mas há outras designações que supõem o dies no princípio da expressão, como o italiano dialectal mèrcore, 0 francês dialectal dimescre, o ocitânico dimercres (ou dimercles) e o catalão dimecres — abonações estas que colhemos no Dicionário de J. Corominas. A presença de formas com -s final, a par de outras sem ele, é atribuída à influência analógica que sobre dies Mercurii (tal como sobre dies Lunae) exerceram as terminações normais (com -s final) dos dies Martis, louis e Veneris. Daí as terminações, analó­gicas, como as do castelhano Lunes, Martes, Miércoles, etc. A falta de ditongação crescente está abonada no primeiro documento leonês (de 1113), sob a forma mer cores e observa-se ainda agora numa povoa­ção relativamente próxima de Castelo Branco e de Penamacor, como é San Martin de Trevejo, onde se diz Mérculis (como, para esta última informação, lemos na Revista Lusitana 31 (1933), p. 240). Não devendo demorar-nos aqui neste tema, remetemos para Sílvio Elia, Preparação à Linguística Românica, Rio de Janeiro, 1979, pp. 255-270, e para o artigo de Avelino de Jesus da Costa, Dias da semana, com boa biblio­grafia, no Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, 1 vol., 1971, pp. 810-812. Ambos reenviam para a justificação de apenas o galego-português ter abandonado as designações «pagãs» para adoptar as «cristãs» (e judaicas), de origem litúrgica, utilizando o numeral, citando Manuel de Paiva Boléo, Os nomes dos dias da semana em português (Influência moura ou cristã?), Coimbra, 1941.

Antes de abandonar este tema devemos responder a uma pergunta tão frequente em Castelo Branco : — Deve escrever-se Mércules ou

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Mércoles? Em nosso entender, ambas as formas são correctas. A grafia com -u- está mais próxima do original Mercurii; a escrita com -o- corresponde à da maioria das formas românicas.

A informação de Fr. Agostinho de Santa Maria, no Santuário Mariano, de Nossa Senhora ter aparecido ali a uma Quarta-feira pode não passar de uma lenda. Todavia, também poderá acontecer que esta lenda recubra alguma parcela de verdade, no sentido em que nos poderá fazer remontar a uma antiquíssima tradição de consagrar com o jejum e de colocar sob a protecção de Nossa Senhora os dias de quarta-feira, sexta-feira e sábado.

Esta sugestão ocorreu-nos ao 1er o pequeno artigo de François Halkin, Les trois saintes Dimanche, Mercredi et Vendredi (nos Analecta Bollandiana, Bruxelles, 86 (1968) p. 390). Aí chama a atenção o douto bolandista para o manuscrito Parisinus graecus n. 368 em que, no mês de Julho, aparece indicada a festa de Santa Ciríaca (isto é : Dominga) e de Santa Parasceve (isto é: Sexta-feira). A propósito, recorda que no Apocalypsis Anastasiae (editado por R. Homburg, em 1903) apa­recem, diante do trono de Deus, Nossa Senhora, Santa Ciríaca, Santa Tétrade e Santa Parasceve. Precisamente Santa Tétrade e Santa Parasceve queixam-se amargamente contra os pecadores que profanam os «seus dias», isto é, a Quarta-feira e a Sexta-feira. Poderá enten-der-se que se trata apenas de personificações dos dias em que era pres­crita de modo especial a mortificação, por meio do jejum e da absti­nência. Por outro lado, Santa Parasceve aparece representada, desde o século IX, com os instrumentos da Paixão nas mãos, o que poderá também levar a pensar que se trata de uma personificação de Sexta-feira Santa.

Esta figuração, em que aparece Santa Tetráde a consagrar a Quarta--feira, faz-nos remontar aos tempos em que, desde a mais alta Anti­guidade Cristã, a Quarta-feira, a Sexta-feira e o Sábado são especial­mente dedicados à oração, à abstinência e ao jejum. A Sexta-feira recorda a todos a Paixão e Morte do Senhor. A Quarta-feira, como explica Santo Epifânio, evoca o dia da Traição e Prisão do Senhor (cf. Dizionario Patrístico e di Antichità Cristiana, diretto da Angelo di Berardino, vol. I, Roma, 1983, art. Digiuno e Astinenza, col. 953-957; e A. G. Martimort, L'Eglise en prière, IV—La Liturgie et le Temps, Desclée, 1983, p. 37-41).

Além da consagração do Domingo, da Quarta-feira e da Sexta--feira, convém aqui recordar que o Sábado, dia que até aos nossos dias

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foi consagrado, sobretudo no tempo da Quaresma, como de absti­nência, sempre foi, e continua ainda hoje, quando não há outra dedi­cação especial, a ser consagrado a Nossa Senhora. No Missale Roma-num (1970) lá vem bem explícito que o formulário do «comum» deve utilizar-se também pro celebranda memoria sanctae Mariae in sabbato; e na Liturgia Horarum (1971), além do «comum», há mesmo um «ofício» próprio para a Memoria Sanctae Mariae in Sabbato.

Aliás, a atribuição de nomes litúrgicos a pessoas não tem nada de extraordinário. Todos conheceremos alguém com nomes como: Alfredo Quaresma, Fernando Páscoa, Noel Simão, etc. Mais ainda. D nome dos dias da semana aparece aplicado a várias pessoas. Daniel Oefoe, no romance Robinson Crusoë, dá a uma das suas personagens o nome de Sexta-feira. Gilbert K. Chesterton escreveu um livro, depois adaptado ao cinema, Um homem que era Quinta-feira. A uma criança nascida na Guiné, o romancista Cristóvão de Aguiar acaba de dar-lhe o nome de Sábado. O motorista que conduz, actualmente, a carreira da R. N. do Canedo e Souselas.até Coimbra é conhecido vulgarmente pela alcunha de Quarta-feira !

Sendo, pois, certo que a Quarta-feira era na Antiguidade Cristã um dia especialmente consagrado, a ponto de se ter «criado» uma Santa Tetráde ou Santa Quarta-feira, nada nos custa a propor que o nome de Nossa Senhora de Mércules possa estar relacionado com a substituição de um culto pagão em honra de Mercúrio (ou de uma divindade indígena, como Igedeu ou Trebaruna, tão venerados nesta região da Egitânia) por um outro culto cristão, tendo tomado a Virgem Santa Maria como titular.

Assim, a par de Nossa Senhora do Sábado, de Nossa Senhora de Sexta-feira (nome que tão bem quadra a N. S. das Dores, da Sole­dade, etc.), teremos Nossa Senhora de Mércules, ou seja, Nossa Senhora de Quarta-feira. Se assim for, ou a cristianização do culto, ou a origem do nome (anterior ao «aportuguesamento» dos dias da semana) farão remontar a devoção a Nossa Senhora de Mércules, em Castelo Branco, à Antiguidade Cristã, melhor dizendo, a um período certamente anterior à invasão árabe.

— Já depois de termos redigido esta nota adquirimos o Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (Editorial Confluência, Lisboa, 1984). No II vol., p. 982, vem regis­tado o topónimo Mércoles, só aplicado a Senhora de Mércoles. Quanto à etimologia diz apenas que «talvez se trate de alteração do

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lat. Mercurius, designação de Quarta-feira em cast.». Como única fonte indica «D. Fernando de Almeida, Egitânia, p. 30». Ora este Autor, se afirma que naquela zona de Castelo Branco se tem encontrado (modo indicativo) «uma pequena ponte romana, inscrições, etc.», não garante que houvesse ali culto a Mercúrio, mas escreve somente que «devia ter existido» (é uma simples hipótese!) «neste local uma povoação romana com um templo a Mercúrio».

O documento em que se menciona o capud de Mercores na doação de Açafa (hoje Ródão) por D. Sancho I à Ordem do Templo, datado da Covilhã, 5 de Julho de 1199, vem também em D. Fernando de Almeida, Egitânia. História e Arqueologia, (Lisboa, 1956, p . 299-301), transcrito da T. Tombo, Ordem do Templo, Doe. Reais, M. I, Doe. 8.

Acrescentamos ainda que o antropónimo Sábado já não é para nós, agora, uma simples referência literária. Testemunha que viveu os acontecimentos ligados à independência de Moçambique, informou-nos de que o representante militar da Frelimo, em 1975, em Namacurra, distrito de Quelimane, era o «comandante Sábado».

JOSé GERALDES FREIRE