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Notas Para um Curso de C´ alculo Avan¸ cado Daniel V. Tausk

Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

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Page 1: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

Notas Para um Curso de Calculo

Avancado

Daniel V. Tausk

Page 2: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk
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Sumario

Capıtulo 1. Diferenciacao ......................................................... 1

1.1. Notacao em Calculo Diferencial.................................... 11.2. Funcoes Diferenciaveis .................................................. 8Exercıcios para o Capıtulo 1.................................................. 17

Apendice A. Um pouco de algebra linear e multilinear ........... 20A.1. Aplicacoes lineares e multilineares............................... 20A.2. Soma direta ................................................................. 27Exercıcios para o Apendice A................................................ 32

Apendice B. Espacos metricos ................................................. 34B.1. Definicao e conceitos basicos........................................ 34B.2. Funcoes contınuas e uniformemente contınuas............. 45B.3. Limites de Funcoes ...................................................... 47B.4. Sequencias.................................................................... 52B.5. Topologia e equivalencia entre metricas....................... 57B.6. Metricas no produto cartesiano ................................... 60B.7. Conexidade .................................................................. 62B.8. Completude.................................................................. 66B.9. Compacidade ............................................................... 69B.10. Bases de abertos e separabilidade .............................. 72B.11. Espacos vetoriais normados ....................................... 73Exercıcios para o Apendice B ................................................ 79

Referencias Bibliograficas ........................................................... 82

iii

Page 4: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

CAPITULO 1

Diferenciacao

1.1. Notacao em Calculo Diferencial

Nesta secao preliminar quero esclarecer alguns aspectos da notacao quee normalmente usada em cursos elementares de Calculo Diferencial. Na dis-cussao que segue, farei mencoes a conceitos (como diferenciacao e integracao)que serao definidos ao longo do restante destas notas; em particular, estareifalando sobre certos conceitos antes de te-los definido. Isso nao e tao estra-nho quanto parece: em primeiro lugar, como essa discussao preliminar (umpouco informal) gira apenas em torno de notacao e nao de conteudo, nao fazrealmente muita diferenca o significado dos conceitos. Em segundo lugar, ebem provavel que o leitor tıpico destas notas ja tenha feito cursos basicosde Calculo Diferencial (embora isso nao seja estritamente necessario).

A motivacao para escrever estes esclarecimentos iniciais e proveniente dofato que e comum encontrar alguns abusos de notacao em cursos de Calculo(principalmente quando sao direcionados a nao-matematicos) e tambem pelaminha sensacao de que muitas coisas sobre essa notacao nao costumam serdevidamente explicadas. So para dar um exemplo, observe que as expressoes:

∂f

∂x(x2y, y − x),(1.1.1)

∂xf(x2y, y − x)(1.1.2)

tem significados bastante diferentes, embora tenham aparencia similar. Asocorrencias de “ ∂

∂x” em ambas as expressoes tem funcoes diferentes. Comoeu nunca vi alguem fazer uma discussao sobre o assunto, achei que seriaadequado incluı-la neste curso.

1.1.1. Uma distincao fundamental: nomes para funcoes ver-sus formulas para funcoes. Parte da confusao que ocorre em cursos deCalculo e devida a falta da consciencia da diferenca entre um nome parauma funcao e uma formula para uma funcao. Vamos elucidar a questao.Quando dizemos:

“Seja f : R → R a funcao definida por f(x) = x3 − x cos(x2), para todox ∈ R.”

1

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1.1. NOTACAO EM CALCULO DIFERENCIAL 2

nos estamos descrevendo uma funcao e avisando que ela sera denotada pelaletra f . A letra f e um nome para a funcao que foi descrita. Quando tra-balhamos com Calculo nos normalmente precisamos falar sobre uma quan-tidade enorme de funcoes que aparecem ao longo de longas manipulacoesalgebricas; por exemplo, numa manipulacao rotineira como:

ddx

[cos(x3 + x2)− x2 sen(x5)] = − sen(x3 + x2)ddx

(x3 + x2)

−( d

dxx2

)senx− x2 d

dxsen(x5)

= − sen(x3 + x2)(3x2 + 2x)

− 2x senx− 5x6 cos(x5),

nos precisamos fazer referencia as derivadas das funcoes f , g, h, k definidaspor:

f(x) = cos(x3 + x2)− x2 sen(x5), g(x) = x3 + x2,

h(x) = x2, k(x) = sen(x5),

para todo x ∈ R. Se so houvesse notacao para falar sobre a derivada de umafuncao atraves do nome dessa funcao os calculos acima ficariam assim:

f ′(x) = − sen(x3 + x2)g′(x)− h′(x) sen x− x2k′(x)

= − sen(x3 + x2)(3x2 + 2x)− 2x senx− 5x6 cos(x5).

Como e muito desagradavel e desajeitado dar nomes para todas as funcoesque aparecem ao longo das manipulacoes algebricas que fazemos quandotrabalhamos com Calculo, nos usamos uma estrategia pratica para fazer re-ferencia a uma funcao sem que ela tenha um nome: nos usamos frases como“considere a funcao x3 +sen(x2)”, “tome a derivada da funcao cos(x+x3)”,etc; mas x3 + sen(x2) e cos(x + x3) nao sao nomes para funcoes e sim osresultados obtidos pela avaliacao de funcoes num ponto x de seus domınios.Expressoes tais como x3 + sen(x2) e cos(x + x3) serao chamadas formulaspara funcoes. Antes de continuarmos, deve-se esclarecer que formulas naoidentificam funcoes de forma inequıvoca como os nomes fazem. Para co-mecar, uma formula nao deixa claro qual seja o domınio e o contra-domınioda funcao que se quer considerar1, mas isso em geral e um problema menor.Um problema mais serio e o seguinte; considere a formula:

(1.1.3) sen(xy)− y cos(x + 1).

1Embora exista normalmente um “domınio natural” para uma formula, isto e, o maiorconjunto no qual faz sentido calcular a formula, as vezes nos podemos preferir consideraruma funcao cujo domınio e menor do que o “domınio natural” de uma formula para essafuncao. Por exemplo, nos poderıamos considerar a funcao f : ]0, +∞[ → R definida porf(x) = 1

x, para todo x > 0, embora a formula 1

xfaca sentido para todo x 6= 0.

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1.1. NOTACAO EM CALCULO DIFERENCIAL 3

A que funcao ela se refere? Pode ser que y ∈ R seja fixado e estejamosinteressados em fazer referencia a funcao2:

R 3 x 7−→ sen(xy)− y cos(x + 1) ∈ R,

mas pode ser que x ∈ R seja fixado e estamos fazendo referencia a funcao:

R 3 y 7−→ sen(xy)− y cos(x + 1) ∈ R.

Pode ser tambem que estejamos pensando numa funcao definida em R2:

R2 3 (x, y) 7−→ sen(xy)− y cos(x + 1) ∈ R,

ou, como nao ha regra alguma que diga que x e a “primeira variavel” e ya “segunda variavel” (imagine se usassemos as letras λ e t no lugar de x ey! qual vem primeiro?) nos poderıamos tambem estar fazendo referencia afuncao:

R2 3 (y, x) 7−→ sen(xy)− y cos(x + 1) ∈ R.

E necessario entao (principalmente quando se lida com formulas que contemvarias variaveis3) que seja fornecida alguma informacao adicional para queum leitor possa identificar a que funcao uma dada formula se refere.

Uma estrategia para se tornar mais claro e rigoroso um texto em queformulas de funcoes sao usadas onde se deveriam usar nomes de funcoes seriaa de se introduzir uma simbologia que nos permitisse transformar facilmenteformulas de funcoes em nomes de funcoes. Por exemplo, usar (como jafizemos acima) a expressao:

A 3 x 7→ 〈formula〉 ∈ B

ou, mais abreviadamente, x 7→ 〈formula〉 como um nome para a funcaof : A → B tal que f(x) = 〈formula〉, para todo x ∈ A. Assim, por exemplo,se R 3 x 7→ x3 ∈ R (ou, mais abreviadamente, x 7→ x3) seria um nomepara a funcao f : R → R tal que f(x) = x3, para todo x ∈ R; poderıamosescrever4 entao (x 7→ x3)(2) = 8, ja que (x 7→ x3)(2) e o mesmo que f(2).Poderıamos escrever tambem (x 7→ x3)′(2) = 12, ja que (x 7→ x3)′(2) eo mesmo que f ′(2). Evitarei essa abordagem, pois nao quero introduzirnotacoes que sejam muito diferentes das que aparecem normalmente noslivros de Calculo. A estrategia que adotarei — que e a mesma que os livrosde Calculo adotam, so que sem uma explicacao explıcita — sera a de usarsımbolos para derivadas (e tambem limites ou integrais) que possam serusados junto com formulas de funcoes e nao so com nomes de funcoes,

2No que segue usarei a expressao “A 3 x 7→ f(x) ∈ B” como nome para uma funcaof : A → B. Assim, por exemplo, a funcao f : R → R definida por f(x) = x2, para todox ∈ R, sera denotada por R 3 x 7→ x2 ∈ R. Repare na diferenca entre os sımbolos “7→” e“→”.

3Mas nao somente nesse caso. Por exemplo, a formula x2 poderia fazer referencia afuncao f : R2 → R definida por f(x, y) = x2, para todos x, y ∈ R.

4Daniel J. Bernstein faz exatamente isso em [1].

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1.1. NOTACAO EM CALCULO DIFERENCIAL 4

como e o caso da notacao f ′ para a derivada da funcao cujo nome e f . Anotacao para derivadas usando formulas de funcoes e a seguinte:

(1.1.4)ddα

〈formula〉,

onde o sımbolo deve ser trocado por uma variavel e 〈formula〉 por umaformula que tipicamente (mas nao necessariamente) utiliza a variavel quesera substituıda por α. A expressao (1.1.4) significa f ′(α), onde f e a funcaoα 7→ 〈formula〉. Assim, temos por exemplo:

ddx

(x3 + x2) = 3x2 + 2x,ddt

cos(t5) = −5t4 sen(t5),

ddy

(x2 + xy + y2) = x + 2y.

Note que nao devemos escrever (x3 +x2)′ pois o apostrofe (ou “linha”) deveser usado apenas junto ao nome de uma funcao e nao junto a uma formula.Note que uma expressao como (x2 + xy + y2)′ seria realmente ambıgua, jaque nao fica claro qual e a funcao que se pretende derivar. Por outro lado,nao devemos escrever d

dxf ou dfdx , ja que d

dx deve ser usado apenas junto aformula de uma funcao e nao junto ao nome (veja, no entanto, Subsecao 1.1.2a seguir para uma explicacao sobre df

dx ). No entanto, a expressao:

ddx

f(x)

e perfeitamente correta e e igual a f ′(x), ja que f(x) e uma formula para afuncao f .

Alguns autores podem preferir utilizar ∂ no lugar de d em (1.1.4), demodo que:

∂α〈formula〉

tem exatamente o mesmo significado que (1.1.4). Eu, no entanto, utilizareisempre a forma (1.1.4). O uso de ∂ para derivadas parciais ou direcionais ediscutido na Subsecao 1.1.2 a seguir.

Note que uma expressao como (1.1.4) nao e um nome para uma funcao,mas sim uma formula (que poderia corresponder a varias funcoes, especial-mente no caso em que temos varias variaveis). Nao podemos entao escrever:( d

dx(x3 + x2)

)(1) = 5;

de fato, para avaliar uma funcao num ponto x0 deve-se colocar o sımbolo(x0) na frente de um nome para a funcao em questao (veja, por exemplo,que nao escrevemos (x2 +x3)(1), para avaliar a funcao x 7→ x2 +x3 no ponto1). Para que possamos avaliar uma funcao num ponto sem que tenhamosum nome para a mesma, e conveniente utilizar a notacao:

(1.1.5) 〈formula〉|α=α0

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1.1. NOTACAO EM CALCULO DIFERENCIAL 5

onde α deve ser substituıda por uma variavel e α0 por uma formula. Aexpressao (1.1.5) significa f(α0), onde f e a funcao α 7→ 〈formula〉. Porexemplo, temos:

(x2 + x3)|x=1 = 12 + 13 = 2, (x2 + xy + y2)|y=3 = x2 + 3x + 9,

ou ainda (estendendo um pouco a notacao que acabamos de introduzir):

(x2 + xy + y2)|(x,y)=(2,3) = 22 + 2 · 3 + 32 = 19.

Dessa forma, temos:

ddα

〈formula〉∣∣∣α=α0

= f ′(α0),

onde f e a funcao α 7→ 〈formula〉; por exemplo, temos:

ddx

(x3 + x2)∣∣∣x=1

= (3x2 + 2x)|x=1 = 5.

A distincao entre nomes e formulas nos permite tambem entender melhora notacao para integrais. Por exemplo, se f e uma funcao a valores reaiscujo domınio contem o intervalo5 [a, b], podemos denotar a integral de f nointervalo [a, b] (ou seja, a integral da restricao de f a [a, b]) por:∫ b

af.

No entanto, nos nao escrevemos∫ ba x2 = 1

3(b3− a3), ja que x2 nao e o nomede uma funcao. Se queremos escrever a integral de uma funcao para a qualnao demos nome, devemos usar a notacao:

(1.1.6)∫ b

a〈formula〉dα,

onde α deve ser substituıdo por uma variavel. A expressao (1.1.6) significaa integral de a ate b da funcao α 7→ 〈fomula〉; por exemplo:∫ b

ax2 dx =

13

(b3 − a3).

Note que nao se deve escrever expressoes como∫ b

af dx,

mas pode-se escrever: ∫ b

af(x) dx,

5Na verdade, e possıvel tambem que b < a, e nesse caso supomos que o domınio de fcontem o intervalo [b, a].

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1.1. NOTACAO EM CALCULO DIFERENCIAL 6

o que e (dado que f(x) e uma formula para f) exatamente o mesmo que∫ ba f . A expressao (1.1.6) e em si uma formula para uma funcao que pode

ser combinada com dα ou com |α=α0 , como no exemplo abaixo:

ddy

∫ π

0cos(x + y) dx

∣∣∣y=0

=ddy

(sen(π + y)− sen y

)∣∣∣y=0

=(cos(π + y)− cos y

)∣∣y=0

= −2.

Por fim, vamos rever a notacao usual para limites sob a luz da distincaoentre nomes e formulas. A notacao usual para limites utiliza expressoes dotipo:

(1.1.7) limα→α0

〈formula〉,

onde α deve ser substituıdo por uma variavel e α0 por uma formula. Aexpressao (1.1.7) significa o limite no ponto α0 da funcao α 7→ 〈formula〉.Vemos entao que a notacao usual para limites adere naturalmente a formulasde funcoes; na verdade, nao ha uma notacao padrao para limites que possaser usada junto ao nome de uma funcao. No entanto, nao ha problemas6: sef e uma funcao entao f(x) e uma formula para f e portanto o limite de fnum ponto x0 pode ser escrito como:

limx→x0

f(x).

1.1.2. Derivadas parciais e direcionais. Se f e uma funcao definidanum subconjunto (tipicante aberto, mas esse tipo de discussao nao vem aocaso aqui) de Rn, v ∈ Rn e x pertence ao domınio de f entao e comumdenotar a derivada direcional de f no ponto x na direcao de v por7:

∂f

∂v(x).

Essa notacao nao pode ser usada para formulas e portanto utilizaremos:

(1.1.8)∂α

∂v〈formula〉

onde α pode ser substituıdo por uma variavel qualquer. A expressao (1.1.8)significa ∂f

∂v (α), onde f e a funcao α 7→ 〈formula〉. Por exemplo, temos:

(1.1.9)∂x

∂vsen(x2

1x2) = 2 cos(x21x2)x1x2v1 + cos(x2

1x2)x21v2,

onde, como e usual, um ındice i numa expressao indica que estamos to-mando a i-esima coordenada daquela expressao. Podemos tambem escrever

6Ha dificuldade quando temos uma notacao que adere a nomes e nao temos uma queadere a formulas. A situacao inversa nao causa problemas, ja que e simples produzir umaformula a partir de um nome, a saber, f(x) e uma formula para a funcao f (obviamente,podemos usar qualquer variavel em vez de x).

7Alguns textos usam ∂f∂~v

(x), mas nos nao adotaremos essa notacao.

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1.1. NOTACAO EM CALCULO DIFERENCIAL 7

(estendendo um pouco a notacao introduzida acima):

(1.1.10)∂(x,y)

∂v(x2y3) = 2xy3v1 + 3x2y2v2.

Note que em (1.1.9) a variavel x representa um vetor8 de R2, mas em (1.1.10)a variavel x (e tambem a variavel y) representa um numero real.

Um caso particular importante das derivadas direcionais sao as derivadasparciais: se (ei)n

i=1 denota a base canonica de Rn entao a derivada direcional∂f∂ei

(x) de uma funcao f definida em (ou num subconjunto de) Rn e tambemchamada a i-esima derivada parcial de f no ponto x. Na pratica, nao seusa muito a notacao ∂f

∂ei(x) para a i-esima derivada parcial de f no ponto

x, mas usa-se, por exemplo, ∂f∂xi

(x); alem do mais, se f e definida em R3,muitas vezes se usa ∂f

∂x , ∂f∂y e ∂f

∂z em vez de ∂f∂e1

, ∂f∂e2

e ∂f∂e3

. Em alguns casos

encontra-se tambem ∂f∂u , ∂f

∂v , ∂f∂θ , etc. O que significa tudo isso? Ocorre que

na pratica e um tanto desagradavel escrever ∂f∂ei

: digamos que tenhamosuma situacao em que f : R15 → R modela um certo processo fısico quedepende de 15 variaveis. Nao seria nada pratico memorizar os significadosfısicos de ∂f

∂e1, . . . , ∂f

∂e15. O que se faz entao e estabelecer um acordo com

o leitor de que os numeros 1, 2, . . . , 15 corresponderao a 15 letras que saomais faceis de lembrar do que os numeros. Por exemplo, se f e uma funcaodefinida em R3 pode-se combinar que os numeros 1, 2, 3 corresponderaorespectivamente as letras x, y, z, de modo que ∂f

∂x , ∂f∂y e ∂f

∂z devem ser lidos

como sinonimos de ∂f∂e1

, ∂f∂e2

e ∂f∂e3

, respectivamente9.1.1.1. Observacao. Se convencionamos que os numeros 1, 2, . . . , n

correspondem, respectivamente, as letras x1, x2, . . . , xn entao, por definicao,∂f∂xi

(x) e o mesmo que ∂f∂ei

(x). Observamos que tambem:

ddxi

f(x)

e igual a ∂f∂ei

(x), mas nao apenas por definicao. ddxi

f(x) e um caso particularda notacao (1.1.4) (entendendo que x abrevia (x1, . . . , xn)) e e igual, pordefinicao, a g′(xi), onde g e a funcao xi 7→ f(x). E facil ver que g′(xi) erealmente igual a ∂f

∂ei(x), mas por um motivo um pouco mais indireto do que

a igualdade entre ∂f∂xi

(x) e ∂f∂ei

(x), que e resultado de uma mera convencao.

8Na verdade, o leitor nao pode deduzir isso apenas da expressao (1.1.9), ja que poderiaser, por exemplo, que x ∈ R3, mas estamos considerando uma funcao que nao depende dex3. O contexto e portanto necessario para a compreensao do significado da expressao.

9Um jeito (desnecessariamente) sofisticado de olhar para a situacao e o seguinte: em

vez de considerar uma funcao definida emR3, pensamos numa funcao definida emR{x,y,z},que e o R-modulo livre gerado por {x, y, z}. Temos entao que x, y e z constituem uma

base do espaco vetorial real R{x,y,z}. Evidentemente R{x,y,z} e isomorfo a R3, mas oestabelecimento de um isomorfismo especıfico depende justamente da escolha de umabijecao entre as letras x, y, z e os numeros 1, 2, 3.

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1.2. FUNCOES DIFERENCIAVEIS 8

1.2. Funcoes Diferenciaveis

Nesta secao introduzimos o conceito de funcao diferenciavel em espacosvetoriais reais de dimensao finita. Recordamos que todo espaco vetorial realde dimensao finita admite uma norma e que quaisquer duas normas numespaco vetorial real de dimensao finita sao equivalentes, isto e, determinam osmesmos conjuntos abertos; temos, na verdade, que duas normas equivalentes‖ · ‖1, ‖ · ‖2 num espaco vetorial real E sao tambem Lipschitz-equivalentes,isto e, existem numeros reais positivos c, c′ tais que:

(1.2.1) c′‖x‖1 ≤ ‖x‖2 ≤ c‖x‖1,

para todo x ∈ E. O leitor pode consultar a Secao B.11 do Apendice Bpara mais detalhes. O fato que todas as normas num espaco vetorial real dedimensao finita sao equivalentes implica que podemos lidar com conceitostopologicos (tais como continuidade, limites, compacidade, etc) num espacovetorial real de dimensao finita sem nos preocuparmos em fixar uma normaespecıfica no espaco. O fato de que quaisquer duas normas sao Lipschitz-equivalentes nos diz que podemos lidar ate mesmo com alguns conceitos quenao sao puramente topologicos (como completude, continuidade uniforme ouconjunto limitado) sem nos preocuparmos em fixar uma norma especıfica.

Ao longo de toda a secao consideraremos fixados espacos vetoriais reaisde dimensao finita E, F , um subconjunto U de E, uma funcao f : U → Fe um ponto x ∈ U .

Dada uma aplicacao linear T : E → F , nos definimos uma funcao rfazendo:

(1.2.2) r(h) = f(x + h)− f(x)− T (h) ∈ F,

para todo h ∈ E tal que x + h ∈ U . O domınio da funcao r e o conjunto:

U − xdef=

{u− x : u ∈ U

}=

{h ∈ E : x + h ∈ U

},

e o contra-domınio de r e o espaco F .

1.2.1. Definicao. Suponha que o ponto x nao seja isolado em U , istoe, que x seja um ponto de acumulacao de U . A funcao f : U → F e ditadiferenciavel no ponto x se existe uma aplicacao linear T : E → F tal que aaplicacao r definida em (1.2.2) satisfaca a condicao:

(1.2.3) limh→0

r(h)‖h‖

= 0,

onde ‖ · ‖ denota uma norma qualquer fixada em E. Mais diretamente, f ediferenciavel no ponto x quando existe uma aplicacao linear T : E → F talque:

(1.2.4) limh→0

f(x + h)− f(x)− T (h)‖h‖

= 0.

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1.2. FUNCOES DIFERENCIAVEIS 9

O domınio da funcao h 7→ r(h)‖h‖ da qual consideramos o limite em (1.2.3)

e o conjunto (U − x) \ {0}; temos que a condicao de que x seja um pontode acumulacao de U e necessaria e suficiente para que 0 seja um ponto deacumulacao de (U−x)\{0} e essa ultima e a condicao mınima que precisamospara que o limite em (1.2.3) faca sentido.

Vamos verificar que a condicao (1.2.3) nao depende das normas fixadasnos espacos E, F . Para isso, observamos primeiro que na condicao (1.2.3) hatres referencias as normas dos espacos E e F : ha uma referencia a norma deE e uma referencia a norma de F escondidas na definicao de limite e ha umareferencia explıcita a norma de E na descricao da funcao da qual tomamoso limite. Com as referencias as normas de E e F escondidas na definicaode limite nao precisamos nos preocupar pois, como mencionado no inıcio dasecao, a nocao de limite e topologica e todas as normas em espacos vetoriaisreais de dimensao finita sao equivalentes. Fixemos entao nossa atencao nareferencia a norma de E que aparece no denominador da fracao em (1.2.3).Sejam ‖ · ‖1, ‖ · ‖2 normas em E; temos:

r(h)‖h‖1

=‖h‖2

‖h‖1

r(h)‖h‖2

,r(h)‖h‖2

=‖h‖1

‖h‖2

r(h)‖h‖1

,

para todo h ∈ (U − x) \ {0} e da Lipschitz-equivalencia entre ‖ · ‖1 e ‖ · ‖2

(veja (1.2.1)) segue que as funcoes:

E \ {0} 3 h 7−→ ‖h‖2

‖h‖1∈ R, E \ {0} 3 h 7−→ ‖h‖1

‖h‖2∈ R

sao limitadas. Daı:

limh→0

r(h)‖h‖1

= 0 ⇐⇒ limh→0

r(h)‖h‖2

= 0.

Facamos uma pequena digressao das consideracoes estritamente formaispara explicar melhor a nocao de funcao diferenciavel. Temos que no pontox a funcao f assume um certo valor y = f(x). Quando o ponto x sofre umaperturbacao ∆x = h, o valor y de f no ponto x sofre uma perturbacao:

∆y = f(x + h)− f(x).

Num curso de Calculo para funcoes de uma variavel considera-se o caso emque E = F = R e a derivada de f no ponto x e definida fazendo o limite:

(1.2.5) c = lim∆x→0

∆y

∆x.

A igualdade (1.2.5) pode ser reescrita na forma:

(1.2.6) lim∆x→0

∆y − c∆x

∆x= 0

e interpretada da seguinte maneira: quando ∆x e pequeno, o produto c∆xe uma “boa aproximacao” para ∆y. Por “boa aproximacao” entendemos

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1.2. FUNCOES DIFERENCIAVEIS 10

nao apenas que ∆y − c∆x tende a zero quando ∆x tende a zero10, mas que∆y − c∆x tende a zero mais rapido do que ∆x, no sentido que ∆y − c∆x eo produto de ∆x por uma funcao que tende a zero quando ∆x tende a zero(essa funcao e o quociente que aparece em (1.2.6)). No caso geral (em queE e F nao sao necessariamente iguais a R) as perturbacoes ∆x e ∆y saovetores e o quociente ∆y

∆x sequer faz sentido. No entanto, podemos trocarc∆x por T (∆x), onde T : E → F e uma aplicacao linear11 e daı a diferenca∆y−T (∆x) e justamente igual ao resto r(h) definido em (1.2.2). Como ∆xe um vetor, nao faz sentido dividir ∆y−T (∆x) por ∆x e a condicao de que∆y − T (∆x) tenda a zero mais rapido do que ∆x deve ser expressa atravesda igualdade:

lim∆x→0

∆y − T (∆x)‖∆x‖

= 0,

que e justamente (1.2.3) (note que nao faria diferenca alguma se em (1.2.6)trocassemos o denominador por |∆x|, ja que isso corresponderia apenas amultiplicar a fracao em (1.2.6) pelo sinal de ∆x, que e uma funcao limitada).Pode-se pensar entao que f e diferenciavel no ponto x quando a perturbacaoque o valor de f sofre quando perturbamos x pode ser “bem aproximada”por uma funcao linear da perturbacao sofrida por x. Note que nao e corretodizer (como as vezes se ouve dizer) que f e diferenciavel no ponto x quandoadmite uma “boa aproximacao linear” em torno de x: se queremos falar emaproximacoes de f devemos falar em aproximacoes afins (veja Exercıcio 1.1).

Ja que toda aplicacao linear em espacos vetoriais reais de dimensao finitae contınua (veja Proposicao B.11.20), e natural esperar que tal propriedadeseja herdada pelas funcoes diferenciaveis. Esse e o conteudo da seguinte:

1.2.2. Proposicao. Se f : E ⊃ U → F e diferenciavel no ponto x ∈ Uentao f e contınua no ponto x.

Demonstracao. Seja T : E → F uma aplicacao linear satisfazendo(1.2.3), sendo r definida em (1.2.2). Temos:

limh→0

f(x + h) = limh→0

(f(x) + T (h) + r(h)

).

Ja que toda aplicacao linear e contınua e T (0) = 0 temos limh→0 T (h) = 0.Alem do mais:

limh→0

r(h) = limh→0

‖h‖ r(h)‖h‖

= 0,

donde limh→0 f(x + h) = f(x) e f e contınua no ponto x. �

10A condicao de que ∆y − c∆x tende a zero quando ∆x tende a zero e equivalente acontinuidade de f no ponto x e portanto nao diz nada sobre o escalar c.

11Se E = Rm e F = Rn estamos trocando o escalar c por uma matriz real n×m (amatriz que representa T com respeito as bases canonicas).

Page 14: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

1.2. FUNCOES DIFERENCIAVEIS 11

1.2.3. Definicao. Dado um vetor v ∈ E entao a derivada direcional def no ponto x e na direcao de v e definida por:

(1.2.7)∂f

∂v(x) def= lim

t→0

f(x + tv)− f(x)t

∈ F,

desde que 0 seja um ponto de acumulacao do conjunto:

(1.2.8){t ∈ R : x + tv ∈ U

}e que o limite que aparece do lado direito da igualdade em (1.2.7) exista.

O domınio da funcao t 7→ f(x+tv)−f(x)t da qual consideramos o limite em

(1.2.7) e o conjunto:

(1.2.9){t ∈ R : x + tv ∈ U

}\ {0};

temos que 0 e ponto de acumulacao de (1.2.8) se e somente se 0 e pontode acumulacao de (1.2.9) e essa ultima e a condicao mınima necessaria paraque faca sentido considerar o limite em (1.2.7).

1.2.4. Observacao. Se v = 0 entao o conjunto (1.2.8) e R e a derivadadirecional ∂f

∂v (x) certamente existe e e igual a zero. Se v 6= 0 entao a aplicacaoR 3 t 7→ x + tv e um homeomorfismo sobre a reta:

x +Rv ={x + tv : t ∈ R

}e 0 e ponto de acumulacao do conjunto (1.2.8) se e somente se x e ponto deacumulacao do conjunto (x +Rv)∩U ; vemos que se v 6= 0 entao para que 0seja ponto de acumulacao de (1.2.8) e necessario (mas em geral longe de sersuficiente) que x seja ponto de acumulacao de U . No caso particular em queE tem dimensao 1, a reta x+Rv coincide com E para v 6= 0 de modo que 0e ponto de acumulacao de (1.2.8) se e somente se x e ponto de acumulacaode U .

1.2.5. Observacao. Alguns livros elementares de Calculo definem anocao de derivada direcional apenas quando o vetor direcao v tem normaigual a 1. Nao ha realmente nenhuma justificativa matematica para se fazerisso e, na verdade, sera bastante conveniente para nos permitir derivadasdirecionais ∂f

∂v (x) com v ∈ E arbitrario (veja, por exemplo, Lema 1.2.8 aseguir). Alguns livros adotam a convencao de definir ∂f

∂v (x) apenas quando‖v‖ = 1 pois quando se esta interessado em estudar a forma como f variaao longo de uma reta que passa por um ponto x faz sentido eleger um vetorunitario paralelo a essa reta como uma especie de “representante natural”da direcao determinada por essa reta. No Exercıcio 1.2 pedimos ao leitorpara relacionar as derivadas direcionais ∂f

∂v (x) e ∂f∂(cv)(x), sendo c ∈ R um

escalar.1.2.6. Definicao. Se E = R e x ∈ U e um ponto de acumulacao de

U ⊂ R entao a derivada direcional:∂f

∂1(x) = lim

t→0

f(x + t)− f(x)t

∈ F

Page 15: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

1.2. FUNCOES DIFERENCIAVEIS 12

e denotada tambem por f ′(x) e e chamada a derivada (ou o vetor tangente)de f no ponto (ou no instante) x.

Quando E = R podemos pensar f como sendo uma curva parametri-zada no espaco vetorial F , o que explica a adocao da terminologia “vetortangente”. Quando F tambem e igual a R a Definicao 1.2.6 coincide com adefinicao usual de derivada dos cursos de Calculo de uma variavel.

1.2.7. Exercıcio. Seja v ∈ E e suponha que 0 e um ponto de acumu-lacao do conjunto (1.2.8). Considere a funcao:

φ : R ⊃{t ∈ R : x + tv ∈ U

}3 t 7−→ f(x + tv) ∈ F.

Mostre que a derivada direcional ∂f∂v (x) existe se e somente se a derivada

φ′(0) existe e que, caso ambas existam, sao iguais.No Exercıcio 1.3 pedimos ao leitor para demonstrar uma pequena gene-

ralizacao do resultado do Exercıcio 1.2.7.

Vamos agora relacionar a nocao de funcao diferenciavel com a nocao dederivada direcional.

1.2.8. Lema. Suponha que f : E ⊃ U → F seja diferenciavel no pontox ∈ U e que T : E → F seja uma aplicacao linear tal que a condicao (1.2.4)seja satisfeita. Se v ∈ E e tal que 0 e ponto de acumulacao do conjunto(1.2.8) entao a derivada direcional ∂f

∂v (x) existe e e igual a T (v).

Demonstracao. Se v = 0 entao ∂f∂v (x) = 0 = T (v). Se v 6= 0 podemos

fazer h = tv em (1.2.4) para obter:

(1.2.10) limt→0

f(x + tv)− f(x)− T (tv)|t|‖v‖

= 0.

Como:f(x + tv)− f(x)− T (tv)

t= ‖v‖ |t|

t

f(x + tv)− f(x)− T (tv)|t|‖v‖

e a funcao t 7→ |t|t e limitada concluımos que:

limt→0

f(x + tv)− f(x)− T (tv)t

= 0.

Mas:f(x + tv)− f(x)− T (tv)

t=

f(x + tv)− f(x)t

− T (v),

donde segue que:

limt→0

f(x + tv)− f(x)t

= T (v). �

1.2.9. Corolario. Se x e um ponto interior de U e f : E ⊃ U → Fe diferenciavel no ponto x entao existe apenas uma transformacao linearT : E → F tal que a condicao (1.2.4) e satisfeita. Alem do mais, para todov ∈ E a derivada direcional ∂f

∂v (x) existe e e igual a T (v).

Page 16: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

1.2. FUNCOES DIFERENCIAVEIS 13

Demonstracao. Ja que x e um ponto interior de U temos que paratodo v ∈ E o conjunto (1.2.8) contem uma vizinhanca de 0 e em particularpossui 0 como ponto de acumulacao. Se T : E → F e uma aplicacao linearsatisfazendo (1.2.4) podemos entao aplicar o Lema 1.2.4 para obter:

T (v) =∂f

∂v(x),

para todo v ∈ E. Essa igualdade evidentemente prova a unicidade de T . �

1.2.10. Corolario. Se E tem dimensao 1, x ∈ U e um ponto de acu-mulacao de U e f : E ⊃ U → F e diferenciavel no ponto x entao existeapenas uma transformacao linear T : E → F tal que a condicao (1.2.4) sejasatisfeita.

Demonstracao. Como E tem dimensao 1 e x e ponto de acumulacaode U , temos que 0 e ponto de acumulacao do conjunto (1.2.8) para todov ∈ E (veja Observacao 1.2.4). Podemos entao argumentar como na de-monstracao do Corolario 1.2.9. �

Os Corolarios 1.2.9 e 1.2.10 nos permitem enunciar a seguinte:

1.2.11. Definicao. Se x e um ponto interior de U ou se E tem dimensao1 e x ∈ U e um ponto de acumulacao de U e se f : E ⊃ U → F e diferenciavelno ponto x entao a unica aplicacao linear T : E → F tal que a condicao(1.2.4) e satisfeita e chamada a diferencial de f no ponto x e e denotadapor df(x).

Evidentemente, se x e um ponto interior de U ou se E tem dimensao 1e x ∈ U e um ponto de acumulacao de U e se f e diferenciavel no ponto xentao:

(1.2.11) limh→0

f(x + h)− f(x)− df(x) · h‖h‖

= 0.

Alguns esclarecimentos sao necessarios sobre a notacao df(x) · h: temosque a diferencial df(x) e uma funcao (uma aplicacao linear de E para F )e portanto pode ser aplicada a um vetor h ∈ E. A notacao padrao paraaplicar uma funcao a um ponto de seu domınio nos faria escrever df(x)(h)para denotar o valor de df(x) no ponto h. No entanto, para evitar sobrecargade parenteses, nos muitas vezes escreveremos apenas df(x) · h (o sımbolo ·pode ser lido como “aplicado em”) ou apenas df(x)h.

Dado um vetor v ∈ E, temos que df(x) · v coincide com a derivadadirecional de f no ponto x e na direcao de v. De fato, o Lema 1.2.8 implicadiretamente a seguinte:

1.2.12. Proposicao. Se x e um ponto interior de U ou se E tem di-mensao 1 e x ∈ U e um ponto de acumulacao de U e se f : E ⊃ U → F ediferenciavel no ponto x entao para todo v ∈ E a derivada direcional ∂f

∂v (x)

Page 17: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

1.2. FUNCOES DIFERENCIAVEIS 14

existe e e igual a df(x) · v, isto e:∂f

∂v(x) = df(x) · v,

para todo v ∈ E. �

Sera possıvel definir a direrencial df(x) em condicoes mais gerais do queaquelas enunciadas na Definicao 1.2.11? Em outras palavras, sera possıvelmostrar a unicidade da aplicacao linear T : E → F satisfazendo (1.2.4) emcondicoes mais gerais do que aquelas que aparecem nos Corolarios 1.2.9 e1.2.10? A resposta e sim: para que possamos provar a unicidade de T (eentao definir df(x)) precisamos apenas que x seja ponto de acumulacao dodomınio U “ao longo de uma quantidade de direcoes grande o suficiente pa-ra gerar o espaco E”. Pedimos ao leitor para trabalhar os detalhes dessaquestao nos Exercıcios 1.4, 1.5 e 1.6. No entanto, para simplificar a expo-sicao, nos continuaremos a trabalhar com a nocao de diferencial apenas nocaso em que o ponto x e interior a U ou que E tem dimensao 1 e x ∈ U eum ponto de acumulacao de U .

Vejamos alguns exemplos bem simples de aplicacoes diferenciaveis e suasrespectivas diferenciais.

1.2.13. Exemplo. Se f : E → F e constante entao f e diferenciavel emqualquer ponto x ∈ E e df(x) = 0. De fato, se T = 0 entao a funcao rdefinida em (1.2.2) e nula.

1.2.14. Exemplo. Se f : E → F e linear entao para todo x ∈ E a funcaof e diferenciavel no ponto x e df(x) = f . De fato, fazendo T = f temosque a aplicacao r definida em (1.2.2) e nula.

1.2.15. Exercıcio. Seja V um subconjunto de U e suponha que x eum ponto interior de V ou que E tem dimensao 1 e x ∈ V e um ponto deacumulacao de V . Mostre que:

(a) se f : E ⊃ U → F e diferenciavel no ponto x entao tambemf |V : V → F e diferenciavel no ponto x e d(f |V )(x) = df(x);

(b) se V e uma vizinhanca de x relativamente a U e se f |V e diferen-ciavel no ponto x entao tambem f e diferenciavel no ponto x.

A existencia de uma quantidade grande de derivadas direcionais de f noponto x implica na diferenciabilidade de f no ponto x? Nao. E possıvel quex seja um ponto interior de U e que todas as derivadas direcionais de f noponto x existam, mas que f nao seja diferenciavel no ponto x (os resultadosdos Exercıcios 1.7 e 1.8 fornecem uma famılia de exemplos que confirmamessa afirmacao). No entanto, quando E tem dimensao 1, temos o seguinte:

1.2.16. Lema. Se E tem dimensao 1, x ∈ U e um ponto de acumulacaode U e se a derivada direcional ∂f

∂v (x) existe para algum v ∈ E nao nuloentao f e diferenciavel no ponto x.

Demonstracao. Como E tem dimensao 1 e v e nao nulo temos que oconjunto unitario {v} e uma base de E e portanto existe uma unica aplicacao

Page 18: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

1.2. FUNCOES DIFERENCIAVEIS 15

linear T : E → F tal que T (v) = ∂f∂v (x). Vamos mostrar que a condicao

(1.2.4) e satisfeita. Como a aplicacao R 3 t 7→ tv ∈ E e um homeomorfismo,temos que (1.2.4) e equivalente a (1.2.10). Mas:

f(x + tv)− f(x)− T (tv)|t|‖v‖

=1‖v‖

t

|t|

(f(x + tv)− f(x)t

− T (v)),

onde a funcao t 7→ t|t| e limitada e:

limt→0

(f(x + tv)− f(x)t

− T (v))

=∂f

∂v(x)− T (v) = 0,

donde (1.2.10) vale. �

1.2.17. Corolario. Se E = R e x e um ponto de acumulacao de U ⊂ Rentao a funcao f : U → F e diferenciavel no ponto x se e somente se aderivada f ′(x) existe (veja Definicao 1.2.6). Caso f seja diferenciavel noponto x, temos:

(1.2.12) df(x) · h = f ′(x)h,

para todo h ∈ R e f ′(x) = df(x) · 1.

Demonstracao. Se f e diferenciavel no ponto x entao segue da Pro-posicao 1.2.12 que a derivada direcional ∂f

∂1 (x) = f ′(x) existe e e igual adf(x) · 1; da linearidade de df(x) vem a igualdade (1.2.12). Reciprocamen-te, se f ′(x) = ∂f

∂1 (x) existe entao o Lema 1.2.16 implica que f e diferenciavelno ponto x. �

1.2.18. Convencao. Em tudo que segue, assumimos que x seja umponto interior de U ou que E tenha dimensao 1 e x ∈ U seja um ponto deacumulacao de U .

1.2.19. Proposicao. Se f : E ⊃ U → F , g : E ⊃ U → F sao am-bas aplicacoes diferenciaveis no ponto x entao a aplicacao f + g tambem ediferenciavel no ponto x e:

d(f + g)(x) = df(x) + dg(x).

Demonstracao. Basta notar que df(x)+dg(x) e uma aplicacao lineare que:

limh→0

(f + g)(x + h)− (f + g)(x)−(df(x) + dg(x)

)(h)

‖h‖

= limh→0

f(x + h)− f(x)− df(x) · h‖h‖

+ limh→0

g(x + h)− g(x)− dg(x) · h‖h‖

= 0. �

Page 19: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

1.2. FUNCOES DIFERENCIAVEIS 16

1.2.20. Lema. Seja F ′ um espaco vetorial real de dimensao finita. Sef : E ⊃ U → F e diferenciavel no ponto x e se L : F → F ′ e uma aplicacaolinear entao L ◦ f tambem e diferenciavel no ponto x e:

d(L ◦ f)(x) = L ◦ df(x).

Demonstracao. Como L e contınua e L(0) = 0, de (1.2.11) vem:

limh→0

L(f(x + h)− f(x)− df(x) · h

‖h‖

)= 0;

daı:

limh→0

(L ◦ f)(x + h)− (L ◦ f)(x)−(L ◦ df(x)

)(h)

‖h‖= 0,

e a conclusao segue. �

1.2.21. Corolario. Se f : E ⊃ U → F e diferenciavel no ponto x e sec ∈ R entao a aplicacao:

cf : U 3 y 7−→ cf(y) ∈ F

e diferenciavel no ponto x e:

d(cf)(x) = c(df(x)

): E 3 h 7−→ c

(df(x) · h

)∈ F.

Demonstracao. Aplique o Lema 1.2.20 com L : F 3 w 7→ cw ∈ F . �

1.2.22. Corolario. Se φ : E ⊃ U → R e diferenciavel no ponto x e sew ∈ F entao a aplicacao:

φw : U 3 y 7−→ φ(y)w ∈ F

e diferenciavel no ponto x e:

d(φw)(x) =(dφ(x)

)w : E 3 h 7−→

(dφ(x) · h

)w ∈ F.

Demonstracao. Aplique o Lema 1.2.20 com L : R 3 c 7→ cw ∈ F . �

1.2.23. Corolario. Suponha que B = (ei)ni=1 seja uma base de F e

que πi : F → R denote o funcional linear que associa a cada vetor de Fsua i-esima coordenada na base B. Seja fi = πi ◦ f : U → R, i = 1, . . . , n.Temos que f e diferenciavel no ponto x se e somente se fi e diferenciavel noponto x para todo i = 1, . . . , n; alem do mais, se f e diferenciavel no pontox entao para todo h ∈ E, dfi(x) · h e a i-esima coordenada de df(x) · h nabase B, isto e:

df(x) · h =n∑

i=1

(dfi(x) · h

)ei.

Demonstracao. Se f e diferenciavel no ponto x entao segue direta-mente do Lema 1.2.20 que fi = πi ◦ f e diferenciavel no ponto x, ja que πi

e linear; alem do mais, para todo h ∈ E, dfi(x) · h = πi

(df(x) · h

), isto

e, dfi(x) · h e a i-esima coordenada de df(x) · h na base B. Reciproca-mente, se fi e diferenciavel no ponto x para todo i = 1, . . . , n entao, como

Page 20: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

EXERCICIOS PARA O CAPITULO 1 17

f =∑n

i=1 fiei, segue da Proposicao 1.2.19 e do Corolario 1.2.22 que f ediferenciavel no ponto x. �

1.2.24. Corolario. Suponha que F ′ seja um subespaco de F e que aimagem de f : E ⊃ U → F esteja contida em F ′; denote por f0 : U → F ′

a aplicacao que difere de f apenas pelo contra-domınio. Temos que f ediferenciavel no ponto x se e somente se f0 e diferenciavel no ponto x; alemdo mais, se f e diferenciavel no ponto x entao a imagem de df(x) : E → Festa contida em F ′ e as aplicacoes lineares df(x) : E → F e df0(x) : E → F ′

diferem apenas pelo contra-domınio.

Demonstracao. Denote por i : F ′ → F a aplicacao inclusao. Ja quef = i ◦ f0 e i e linear, o Lema 1.2.20 nos diz que se f0 e diferenciavel noponto x entao f tambem e diferenciavel no ponto x e df(x) = i ◦ df0(x),isto e, df(x) toma valores em F ′ e as aplicacoes df(x) e df0(x) diferemapenas pelo contra-domınio. Reciprocamente, suponha que f seja diferen-ciavel no ponto x. Seja L : F → F ′ uma aplicacao linear cuja restricao aF ′ seja a aplicacao identidade de F ′ (para obter L, escolha um subespacocomplementar qualquer de F ′ em F e tome L como sendo a projecao emF ′ relativamente a decomposicao em soma direta obtida). Temos entao quef0 = L ◦ f e portanto o Lema 1.2.20 nos da que f0 e diferenciavel no pontox. �

Exercıcios para o Capıtulo 1

Diferenciacao.1.1. Exercıcio. Sejam dados espacos vetoriais E, F . Uma aplicacao

A : E → F e dita afim se existem uma aplicacao linear T : E → F e umvetor u ∈ F tais que A(z) = u + T (z), para todo z ∈ E. Suponha que E,F sejam espacos vetoriais reais de dimensao finita e que f : U → F sejauma funcao definida num subconjunto U de E. Seja x ∈ U um ponto deacumulacao de U . Dizemos que uma aplicacao afim A : E → F e umaaproximacao de primeira ordem para f no ponto x se A(x) = f(x) e se:

limz→x

f(z)−A(z)‖z − x‖

= 0,

onde ‖ · ‖ denota uma norma qualquer fixada em E. Mostre que:(a) se f e diferenciavel no ponto x e T : E → F e uma aplicacao linear

que satisfaz (1.2.4) entao a aplicacao afim:

A : E 3 z 7−→ f(x)− T (x) + T (z) ∈ F

e uma aproximacao de primeira ordem para f ;(b) se existe uma aplicacao afim A : E 3 z 7→ u + T (z) ∈ F (com

T : E → F linear e u ∈ F ) que e uma aproximacao de primeiraordem para f entao u = f(x)− T (x), T satisfaz (1.2.4) e portantof e diferenciavel no ponto x.

Page 21: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

EXERCICIOS PARA O CAPITULO 1 18

1.2. Exercıcio. Sejam E, F espacos vetoriais reais de dimensao finita,U um subconjunto de E, x ∈ U , v ∈ E e f : U → F uma funcao. Suponhaque 0 seja um ponto de acumulacao do conjunto

{t ∈ R : x + tv ∈ U

}e que

a derivada direcional ∂f∂v (x) exista. Dado c ∈ R, mostre que 0 e ponto de

acumulacao do conjunto{t ∈ R : x + tcv ∈ U

}, que a derivada direcional

∂f∂(cv)(x) existe e que:

∂f

∂(cv)(x) = c

∂f

∂v(x).

1.3. Exercıcio. Sejam E, F espacos vetoriais reais de dimensao finita,U um subconjunto de E, x ∈ U , v ∈ E e f : U → F uma funcao. Considerea funcao:

φ : R ⊃{t ∈ R : x + tv ∈ U

}3 t 7−→ f(x + tv) ∈ F.

Dado t0 ∈ R, mostre que:(a) t0 e ponto de acumulacao do domınio de φ se e somente se 0 e ponto

de acumulacao do conjunto{t ∈ R : (x + t0v) + tv ∈ U

};

(b) se t0 pertence ao domınio de φ e e ponto de acumulacao do domıniode φ entao a derivada φ′(t0) existe se e somente se a derivada dire-cional ∂f

∂v (x + t0v) existe e, caso ambas existam, sao iguais.1.4. Exercıcio. Sejam E um espaco vetorial real de dimensao finita, U

um subconjunto de E e x, v ∈ E. Dizemos que x e um ponto de acumulacaode U na direcao de v se existe uma sequencia (xn)n≥0 em U e uma sequencia(tn)n≥0 de numeros reais positivos tal que xn → x e tn(xn−x) → v. Se ‖ · ‖e uma norma em E e v 6= 0, mostre que x e um ponto de acumulacao de Una direcao de v se e somente se existe uma sequencia (xn)n≥0 em U \ {x}tal que xn → x e:

xn − x

‖xn − x‖−→ v

‖v‖.

1.5. Exercıcio. Sejam E, F espacos vetoriais reais de dimensao finita,U um subconjunto de E, f : U → F uma funcao, x ∈ U e v ∈ E um vetortal que x e ponto de acumulacao de U na direcao de v. Se T : E → F ,T ′ : E → F sao aplicacoes lineares tais que:

limh→0

f(x + h)− f(x)− T (h)‖h‖

= 0,(1.13)

limh→0

f(x + h)− f(x)− T ′(h)‖h‖

= 0,

mostre que T (v) = T ′(v). Conclua que se f e diferenciavel no ponto x e oconjunto:

(1.14){v ∈ E : x e ponto de acumulacao de U na direcao de v

}gera E como espaco vetorial entao existe uma unica aplicacao linear T talque a condicao (1.13) e satisfeita.

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EXERCICIOS PARA O CAPITULO 1 19

1.6. Exercıcio. Sejam E, F espacos vetoriais reais de dimensao finita,U um subconjunto de E e x ∈ U . Denote por f : U → F a funcao iden-ticamente nula. Mostre que para qualquer aplicacao linear T : E → F quese anula no conjunto (1.14) a condicao (1.13) e satisfeita. Conclua que se(1.14) nao gera E como espaco vetorial entao existem infinitas aplicacoeslineares T tais que a condicao (1.13) e satisfeita.

1.7. Exercıcio. Sejam E, F espacos vetoriais reais de dimensao finitae denote por S a esfera unitaria:

S ={x ∈ E : ‖x‖ = 1

},

onde ‖ · ‖ e uma norma arbitraria fixada em E. Seja g : S → F uma funcaoe defina f : E → F fazendo f(x) = ‖x‖ g

(x‖x‖

), para todo x ∈ E \ {0} e

f(0) = 0. Mostre que:(a) dado v ∈ S entao a derivada direcional ∂f

∂v (0) existe se e somentese g(−v) = −g(v) e, em caso afirmativo, essa derivada direcional eigual a g(v);

(b) f e contınua no ponto 0 se e somente se a funcao g e limitada;(c) f e diferenciavel no ponto 0 se e somente se existe uma aplicacao

linear T : E → F tal que g = T |S e, em caso afirmativo, df(0) = T .1.8. Exercıcio. Sejam E, S como no enunciado do Exercıcio 1.7 e seja

φ : S → ]0,+∞[ uma funcao. Defina f : E → R fazendo f(0) = 0, f(x) = 0se x 6= 0 e ‖x‖ < φ

(x‖x‖

), e f(x) = 1 se x 6= 0 e ‖x‖ ≥ φ

(x‖x‖

). Mostre que:

(a) para todo v ∈ E a derivada direcional ∂f∂v (0) existe e e igual a zero;

(b) f e contınua no ponto 0 se e somente se inf φ(S) > 0;(c) f e diferenciavel no ponto 0 se e somente se inf φ(S) > 0.

Page 23: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

APENDICE A

Um pouco de algebra linear e multilinear

Todos os espacos vetoriais que aparecem neste apendice sao espacos ve-toriais sobre um certo corpo de escalares K que e considerado fixado aolongo de todo o apendice. O leitor pode, se desejar, assumir que esse corpoe R ou C (que sao os unicos corpos que sao relevantes nestas notas), mas naverdade nenhuma particularidade desses corpos e usada nas demonstracoes1.

A.1. Aplicacoes lineares e multilineares

Se E, F sao espacos vetoriais entao uma aplicacao T : E → F e ditalinear se T (x + y) = T (x) + T (y) e se T (λx) = λT (x), para todos x, y ∈ Ee para todo λ ∈ K. Dados espacos vetoriais E1, E2, F entao uma aplicacaoB : E1×E2 → F e dita bilinear se for “linear em cada uma de suas variaveis”,isto e, se para todo x ∈ E1 a aplicacao E2 3 y 7→ B(x, y) ∈ F e linear e paratodo y ∈ E2 a aplicacao E1 3 x 7→ B(x, y) ∈ F e linear; em outras palavras,devemos ter:

(A.1.1)

B(x + x′, y) = B(x, y) + B(x′, y),

B(x, y + y′) = B(x, y) + B(x, y′),

B(λx, y) = λB(x, y), B(x, λy) = λB(x, y)

para todos x, x′ ∈ E1, y, y′ ∈ E2 e para todo λ ∈ K.A.1.1. Exercıcio. Dados espacos vetoriais E1, E2, F e uma aplicacao

bilinear B : E1 × E2 → F , mostre que:

B( n∑

i=1

xi, y)

=n∑

i=1

B(xi, y), B(x,

n∑i=1

yi

)=

n∑i=1

B(x, yi),

para todos x1, . . . , xn, x ∈ E1, y1, . . . , yn, y ∈ E2.A.1.2. Notacao. Lin(E,F ) denota o conjunto de todas as aplicacoes

lineares T : E → F e Lin(E1, E2;F ) denota o conjunto de todas as aplicacoesbilineares B : E1 × E2 → F , onde E, E1, E2, F sao espacos vetoriais.

A.1.3. Exercıcio. Dados espacos vetoriais E, F , mostre que Lin(E,F )e um espaco vetorial quando munido das operacoes definidas pelas igualda-des:

(T + T ′)(x) = T (x) + T ′(x), (λT )(x) = λ(T (x)

),

1Na verdade, tudo que aparece neste apendice poderia ser feito com modulos sobreum anel comutativo arbitrario; a comutatividade do anel de escalares e necessaria quandotratamos de aplicacoes multilineares.

20

Page 24: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

A.1. APLICACOES LINEARES E MULTILINEARES 21

onde x ∈ E, λ ∈ K e T, T ′ ∈ Lin(E,F ). Similarmente, dados espacosvetoriais E1, E2, mostre que Lin(E1, E2;F ) e um espaco vetorial quandomunido das operacoes definidas pelas igualdades:

(B + B′)(x, y) = B(x, y) + B′(x, y), (λB)(x, y) = λ(B(x, y)

),

onde x ∈ E1, y ∈ E2, λ ∈ K e B,B′ ∈ Lin(E1, E2;F ).A.1.4. Exemplo. O produto interno canonico de Rn:

Rn ×Rn 3 (x, y) 7−→ 〈x, y〉 =n∑

i=1

xiyi ∈ R

e uma aplicacao bilinear. Mais geralmente, qualquer produto interno numespaco vetorial real e (por definicao) uma aplicacao bilinear (veja o enunci-ado do Exercıcio A.1 para a definicao geral de produto interno em espacosvetoriais reais).

A.1.5. Exemplo. O produto vetorial em R3:

R3 3 (x, y) 7−→ x× y = (x2y3 − x3y2, x3y1 − x1y3, x1y2 − x2y1) ∈ R3

e uma aplicacao bilinear.A.1.6. Notacao. Mm×n(K) denota o espaco vetorial das matrizes m×n

com entradas em K, onde m, n sao numeros naturais. Escrevemos tambemMn(K) = Mn×n(K).

A.1.7. Exemplo. A multiplicacao de numeros complexos e uma apli-cacao bilinear de C×C em C (aqui podemos pensar em C como um espacovetorial sobre R ou como um espaco vetorial sobre C)2.

A.1.8. Exemplo. Dados numeros naturais m, n, p entao a multiplicacaode matrizes:

Mm×n(K)×Mn×p(K) 3 (A,B) 7−→ AB ∈ Mm×p(K)

e uma aplicacao bilinear.A.1.9. Exemplo. Dados espacos vetoriais E, F , entao a aplicacao de

avaliacao definida por:

aval : Lin(E,F )× E 3 (T, x) 7−→ T (x) ∈ F

e bilinear. Dado um outro espaco vetorial G entao a aplicacao de composicaode aplicacoes lineares:

Lin(F,G)× Lin(E,F ) 3 (S, T ) 7−→ S ◦ T ∈ Lin(E,G)

e bilinear.

2A multiplicacao de quaternios tambem define uma aplicacao bilinear se pensarmosno conjunto dos quaternios como um espaco vetorial sobre R, mas nao se pensarmos nosquaternios como um espaco vetorial sobre C. Observamos que, mais geralmente, se A euma algebra sobre K entao a multiplicacao de A e (por definicao) uma aplicacao bilinearde A× A em A.

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A.1. APLICACOES LINEARES E MULTILINEARES 22

Se T : E → F , T ′ : E → F sao aplicacoes lineares e se C ⊂ E eum conjunto de geradores para E (isto e, se todo elemento de E e umacombinacao linear finita de elementos de C ou, equivalentemente, se nenhumsubespaco proprio de E contem C) e se T , T ′ coincidem em elementos de Centao T = T ′. Algo similar vale para aplicacoes bilineares:

A.1.10. Proposicao. Sejam E1, E2, F espacos vetoriais, C1, C2 con-juntos de geradores para E1, E2, respectivamente, e B,B′ ∈ Lin(E1, E2;F )aplicacoes bilineares. Se B(x, y) = B′(x, y) para todos x ∈ C1, y ∈ C2 entaoB = B′.

Demonstracao. Dados x ∈ E1, y ∈ E2, podemos escrever:

x =n∑

i=1

λixi, y =m∑

j=1

µjyj ,

com x1, . . . , xn ∈ C1, y1, . . . , ym ∈ C2 e λ1, . . . , λn, µ1, . . . , µm ∈ K. Daı:

B(x, y) = B( n∑

i=1

λixi,

m∑j=1

µjyj

)=

n∑i=1

m∑j=1

λiµjB(xi, yj)

=n∑

i=1

m∑j=1

λiµjB′(xi, yj) = B′

( n∑i=1

λixi,

m∑j=1

µjyj

)= B′(x, y).

Logo B = B′. �

Dados uma base B = (ei)ni=1 de um espaco vetorial E e elementos (fi)n

i=1de um espaco vetorial F entao existe uma unica aplicacao linear T : E → Ftal que T (ei) = fi, para i = 1, . . . , n. Essa aplicacao linear T e definida por:

T (x) =n∑

i=1

πi(x)fi,

onde πi : E → K e o funcional linear que associa a cada x ∈ E a suai-esima coordenada na base B (recorde que (πi)n

i=1 e uma base do espacodual E∗ = Lin(E,K) que e normalmente chamada a base dual de B). Umresultado similar vale para aplicacoes bilineares:

A.1.11. Proposicao. Sejam E1, E2, F espacos vetoriais, B1 = (e1i )

mi=1

uma base de E1, B2 = (e2i )

ni=1 uma base de E2 e fij ∈ F , i = 1, . . . ,m,

j = 1, . . . , n elementos de F . Temos que existe uma unica aplicacao bilinearB : E1 × E2 → F tal que:

(A.1.2) B(e1i , e

2j ) = fij , para todos i = 1, . . . ,m, j = 1, . . . , n.

Demonstracao. Para i = 1, . . . ,m, seja π1i : E1 → K o funcional

linear que associa a cada x ∈ E1 a sua i-esima coordenada na base B1 epara cada j = 1, . . . , n, seja π2

j : E2 → K o funcional linear que associa acada y ∈ E2 a sua j-esima coordenada na base B2. Vamos tentar descobrir

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A.1. APLICACOES LINEARES E MULTILINEARES 23

como a aplicacao bilinear desejada pode ser obtida: se B : E1 × E2 → F euma aplicacao bilinear satisfazendo a condicao (A.1.2) entao:

B(x, y) = B( m∑

i=1

π1i (x)e1

i ,n∑

j=1

π2j (y)e2

j

)=

m∑i=1

n∑j=1

π1i (x)π2

j (y)B(e1i , e

2j )

=m∑

i=1

n∑j=1

π1i (x)π2

j (y)fij ,

para todos x ∈ E1, y ∈ E2. A unica opcao que temos entao para definir Be fazer:

(A.1.3) B(x, y) =m∑

i=1

n∑j=1

π1i (x)π2

j (y)fij ,

para todos x ∈ E1, y ∈ E2. A demonstracao da proposicao e obtida entaoatraves da verificacao (puramente mecanica) de que a aplicacao B definidapor (A.1.3) e realmente bilinear e satisfaz a condicao (A.1.2). �

A.1.12. Observacao. Na Proposicao A.1.11 estamos assumindo impli-citamente que os espacos vetoriais E1, E2 tem dimensao finita, mas naverdade isso nao e necessario: bastaria considerar bases indexadas em con-juntos de ındices arbitrarios (possivelmente infinitos). A demonstracao doresultado em dimensao infinita seria exatamente igual, ja que cada vetortem no maximo um numero finito de coordenadas nao nulas numa dadabase e todas as somatorias aparentemente infinitas que apareceriam na de-monstracao seriam na verdade somas de famılias quase nulas, isto e, famılias(vi)i∈I em que vi 6= 0 apenas para um numero finito de ındices i ∈ I.

A Proposicao A.1.11 pode tambem ser lida assim: uma aplicacao bilinearB : E1 × E2 → F fica unicamente definida pelos seus valores B(e1

i , e2j ),

i = 1, . . . ,m, j = 1, . . . , n, em vetores de bases B1 = (e1i )

mi=1, B2 = (e2

i )ni=1 de

E1 e E2, respectivamente. Se escrevemos Bij = B(e1i , e

2j ) ∈ F , i = 1, . . . ,m,

j = 1, . . . , n entao obtemos uma matriz (Bij)m×n com entradas no espacovetorial F que caracteriza completamente a aplicacao bilinear B. No casoem que F = K entao (Bij)m×n e uma matriz de escalares que e normalmenteconhecida como a matriz da aplicacao bilinear B com respeito as bases B1,B2. No caso geral (F nao necessariamente igual a K) poderıamos escolheruma base C = (fi)

pi=1 de F (vamos supor que F tem dimensao finita, por

simplicidade) e denotar por Bkij a k-esima coordenada de Bij ∈ F na base

C, para i = 1, . . . ,m, j = 1, . . . , n, k = 1, . . . , p. A aplicacao bilinearB : E1 × E2 → F fica entao completamente caracterizada por uma matrizde tres ındices (Bk

ij)m×n×p com entradas em K.A.1.13. Exercıcio. Se E, E1, E2, F sao espacos vetoriais de dimensao

finita, determina as dimensoes dos espacos Lin(E,F ) e Lin(E1, E2;F ) emfuncao das dimensoes de E, E1, E2 e F .

A nocao de aplicacao bilinear admite uma generalizacao natural, a saber:

Page 27: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

A.1. APLICACOES LINEARES E MULTILINEARES 24

A.1.14. Definicao. Sejam E1, . . . , En, F espacos vetoriais. Uma apli-cacao B : E1 × · · · × En → F e dita n-linear ou multilinear se for “linearem cada uma de suas variaveis”; mais precisamente, isso significa que paratodo i = 1, . . . , n e para todos x1 ∈ E1, . . . , xi−1 ∈ Ei−1, xi+1 ∈ Ei+1, . . . ,xn ∈ En, a aplicacao:

Ei 3 xi 7−→ B(x1, . . . , xi−1, xi, xi+1, . . . , xn) ∈ F

e linear.

Evidentemente, a nocao de aplicacao n-linear reduz-se a nocao de apli-cacao linear para n = 1 e reduz-se a nocao de aplicacao bilinear para n = 2.A nocao de aplicacao n-linear pode tambem ser descrita atraves de 2n igual-dades (generalizando (A.1.1)).

A.1.15. Notacao. Lin(E1, . . . , En;F ) denota o conjunto das aplicacoesmultilineares B : E1 × · · · × En → F , onde E1, . . . , En, F sao espacosvetoriais. Se E = E1 = · · · = En, escrevemos tambem Linn(E;F ).

A.1.16. Exercıcio. Dados espacos vetoriais E1, . . . , En, F , mostreque Lin(E1, . . . , En;F ) e um espaco vetorial quando munido das operacoesdefinidas pelas igualdades:

(B + B′)(x1, . . . , xn) = B(x1, . . . , xn) + B′(x1, . . . , xn),

(λB)(x1, . . . , xn) = λ(B(x1, . . . , xn)

),

onde x1 ∈ E1, . . . , xn ∈ En, λ ∈ K, B,B′ ∈ Lin(E1, . . . , En;F ).

A.1.17. Exemplo. Dados numeros naturais k1, k2, . . . , kn+1 entao aaplicacao:

Mk1×k2(K)×Mk2×k3(K)× · · · ×Mkn×kn+1(K) −→ Mk1×kn+1(K)

(A1, . . . , An) 7−→ A1 · · ·An

e n-linear.

A.1.18. Exemplo. A aplicacao:

Rm ×Rm ×Rn 3 (x, y, z) 7−→ 〈x, y〉z ∈ Rn

e trilinear (isto e, 3-linear).

A.1.19. Exemplo. Dados espacos vetoriais E1, E2, F entao a aplicacaode avaliacao:

aval : Lin(E1, E2;F )× E1 × E2 3 (B, x1, x2) 7−→ B(x1, x2) ∈ F

e trilinear. Mais geralmente, se sao dados espacos vetoriais E1, . . . , En entaoa aplicacao:

Lin(E1, . . . , En;F )×E1 × · · · ×En 3 (B, x1, . . . , xn) 7−→ B(x1, . . . , xn) ∈ F

e (n + 1)-linear.

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A.1. APLICACOES LINEARES E MULTILINEARES 25

Um bom exemplo de aplicacao multilinear e obtido a partir da nocao dedeterminante de uma matriz. Recorde que se A e uma matriz n × n comentradas em K entao o determinante de A e definido por:

(A.1.4) det(A) =∑σ∈Sn

sgn(σ)A1σ(1)A2σ(2) · · ·Anσ(n).

Na formula acima Sn denota o conjunto (que e um grupo, mas isso nao vemao caso) de todas as permutacoes de n elementos, isto e, de todas as funcoesbijetoras σ : {1, . . . , n} → {1, . . . , n}. O sinal de σ, denotado por sgn(σ), eigual a 1 se σ e uma permutacao par e igual a −1 se σ e uma permutacaoımpar3.

A.1.20. Exercıcio. Se A ∈ Mn(K), mostre que det(A) = det(At), ondeAt denota a matriz transposta de A (sugestao: faca τ = σ−1 na somatoria(A.1.4) e observe que

∏ni=1 Aiσ(i) =

∏ni=1 Aτ(i)i e que sgn(σ) = sgn(τ)).

A.1.21. Exemplo. Dados vetores v1, . . . , vn ∈ Kn, seja:

det(v1, . . . , vn) =∑σ∈Sn

sgn(σ)v1σ(1) · · · vnσ(n)

o determinante da matriz n × n que possui os vetores v1, . . . , vn em suascolunas (ou, em vista do resultado do Exercıcio A.1.20, pode ser nas linhastambem!). Temos entao que det ∈ Linn(Kn;K).

As Proposicoes A.1.10 e A.1.11 (e suas demonstracoes) podem ser ge-neralizadas de forma mais ou menos obvia para o contexto de aplicacoesmultilineares. Colocamos aqui os enunciados e demonstracoes resumidas;sua aparencia e meio desajeitada, mas espero que isso nao intimide o leitor.

A.1.22. Proposicao. Sejam E1, . . . , En, F espacos vetoriais, Ci umconjunto de geradores para Ei, i = 1, . . . , n, e B,B′ ∈ Lin(E1, . . . , En;F )aplicacoes n-lineares. Se:

B(x1, . . . , xn) = B′(x1, . . . , xn),

para todos x1 ∈ C1, . . . , xn ∈ Cn entao B = B′.

Demonstracao. Dados xi ∈ Ei, i = 1, . . . , n, escrevemos:

xi =ri∑

α=1

λαi xα

i ,

3Recorde que uma transposicao e uma permutacao que move exatamente dois elemen-tos. Toda permutacao pode ser decomposta num produto de transposicoes; tal decompo-sicao nao e unica, mas a paridade do numero de transposicoes utilizadas na decomposicaonao depende da decomposicao escolhida. Dizemos entao que uma permutacao σ e par(resp., ımpar) se o numero de transposicoes que aparece numa decomposicao qualquer deσ e par (resp., ımpar).

Page 29: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

A.1. APLICACOES LINEARES E MULTILINEARES 26

com xαi ∈ Ci, λα

i ∈ K, α = 1, . . . , ri, i = 1, . . . , n; daı:

B(x1, . . . , xn) =r1∑

α1=1

· · ·rn∑

αn=1

λα11 · · ·λαn

n B(xα11 , . . . , xαn

n )

=r1∑

α1=1

· · ·rn∑

αn=1

λα11 · · ·λαn

n B′(xα11 , . . . , xαn

n ) = B′(x1, . . . , xn).

Logo B = B′. �

A.1.23. Proposicao. Sejam E1, . . . , En, F espacos vetoriais, seja:

Bi = (eiα)mi

α=1

uma base de Ei, i = 1, . . . , n e sejam:

fα1...αn ∈ F, αi = 1, . . . ,mi, i = 1, . . . , n

elementos de F . Temos que existe uma unica aplicacao n-linear

B : E1 × · · · × En −→ F

tal que:

(A.1.5) B(e1α1

, . . . , enαn

) = fα1...αn , para todos αi = 1, . . . ,mi, i = 1, . . . , n.

Demonstracao. Para i = 1, . . . , n, α = 1, . . . ,mi, seja πiα : Ei → K o

funcional linear que associa a cada elemento de Ei sua α-esima coordenadana base Bi. E facil ver que a aplicacao B definida por:

(A.1.6) B(x1, . . . , xn) =m1∑

α1=1

· · ·mn∑

αn=1

π1α1

(x1) · · ·πnαn

(xn)fα1...αn ,

para todos x1 ∈ E1, . . . , xn ∈ En e n-linear e satisfaz a condicao (A.1.5).A unicidade de B segue da Proposicao A.1.22 (ou de um argumento parase chegar a formula (A.1.6) analogo ao que aparece na demonstracao daProposicao A.1.11). �

A.1.24. Observacao. A Proposicao A.1.23 pode ser facilmente genera-lizada para o caso em que a dimensao dos espacos vetoriais E1, . . . , En naoe necessariamente finita (veja Observacao A.1.12).

A Proposicao A.1.23 pode tambem ser lida assim: uma aplicacao mul-tilinear B : E1 × · · · × En → F fica unicamente definida pelos seus va-lores B(e1

α1, . . . , en

αn), αi = 1, . . . ,mi, i = 1, . . . , n, em vetores de bases

Bi = (eiα)mi

α=1, i = 1, . . . , n dos espacos E1, . . . , En. Se escrevemos:

Bα1...αn = B(e1α1

, . . . , enαn

) ∈ F, αi = 1, . . . ,mi, i = 1, . . . , n,

obtemos uma matriz (de n ındices) m1 × · · · ×mn com entradas em F quecaracteriza completamente a aplicacao multilinear B. Tomando uma baseC = (fi)

pi=1 de F (vamos supor que F tem dimensao finita, por simplicida-

de) e denotando por Bjα1...αn a j-esima coordenada na base C de Bα1...αn ,

obtemos uma matriz (de n+1 ındices) m1×· · ·×mn×p com entradas em K

Page 30: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

A.2. SOMA DIRETA 27

que caracteriza completamente a aplicacao multilinear B. Chamamos essaa matriz que representa B com respeito a bases B1, . . . , Bn, C.

A.1.25. Exercıcio. Dados espacos vetoriais E1, . . . , En, F de dimensaofinita, determine a dimensao de Lin(E1, . . . , En;F ) em funcao das dimensoesdos espacos Ei, i = 1, . . . , n, e da dimensao de F .

A.1.1. Tensores. Nos as vezes chamaremos aplicacoes multilinearesde tensores. A palavra “tensor” aparece em Matematica com muitos signi-ficados diferentes. Em alguns textos de Fısica, tensores sao matrizes comvarios ındices que “transformam-se de modo adequado quando fazemos mu-dancas de base”; na verdade, essas matrizes de varios ındices sao as matrizesque representam aplicacoes multilineares com respeito a uma dada escolhade bases4. Tensores sao importantes na Fısica para modelagem de objetoscomo campos eletromagneticos e campos gravitacionais (na Teoria da Re-latividade Geral). Em Geometria Diferencial (na Geometria Riemannian,por exemplo) sao usados tensores para se representar objetos geometricostais como a curvatura de uma variedade Riemanniana. A palavra “tensor”e muitas vezes usada tambem para se referir a um elemento de um produtotensorial; produto tensorial e uma construcao algebrica5 que nos da um novoespaco vetorial E1 ⊗ E2 (le-se “E1 tensor E2”) a partir de espacos vetoraisE1, E2. Ocorre que no contexto de espacos vetoriais de dimensao finita haum isomorfismo natural entre produtos tensoriais e espacos de aplicacoesmultilineares: a saber, E1 ⊗ E2 e naturalmente isomorfo a Lin(E∗

1 , E∗2 ;K)

e Lin(E1, . . . , En;F ) e naturalmente isomorfo a E∗1 ⊗ · · · ⊗ E∗

n ⊗ F . Nota-mos que tais isomorfismos nao existem no contexto geral de espacos vetoriasde dimensao possivelmente infinita (ou no contexto geral de modulos), masapesar disso nos usaremos a palavra “tensor” como sinonimo de “aplicacaomultilinear”.

A.2. Soma direta

Se E e um espaco vetorial e se E1, E2 sao subespacos de E denotamospor E1 + E2 o conjunto de todas as somas x1 + x2, com x1 ∈ E1, x2 ∈ E2;

4Particularmente importantes sao os chamados (p, q)-tensores ou tensores p vezes co-variantes e q vezes contravariantes num dado espaco vetorial E; tratam-se de aplicacoesmultilineares de E×· · ·×E×E∗×· · ·×E∗ (p fatores E e q fatores E∗) em K. Escolhendouma base em E e tomando a base dual em E∗, essas aplicacoes multilineares sao represen-tadas por matrizes de p + q ındices; normalmente escreve-se os p ındices correspondentesas copias de E embaixo (os ındices covariantes) e os q ındices correspondentes as copiasde E∗ em cima (os ındices contravariantes).

5Um produto tensorial de espacos vetoriais E1, E2 e um espaco vetorial E1⊗E2 juntocom uma aplicacao bilinear E1 ×E2 3 (x, y) 7→ x⊗ y ∈ E1 ⊗E2 tal que para todo espacovetorial F e toda aplicacao bilinear B : E1 × E2 → F existe uma unica aplicacao lineareB : E1 ⊗ E2 → F tal que eB(x ⊗ y) = B(x, y), para todos x ∈ E1, y ∈ E2. Mostra-seque, a menos de isomorfismos (num sentido adequado), dois espacos vetoriais admitem umunico produto tensorial. Essa construcao pode tambem ser generalizada para o contextode modulos sobre aneis arbitrarios, embora algumas adaptacoes sejam necessarias quandoo anel de escalares nao e comutativo.

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A.2. SOMA DIRETA 28

claramente, E1 +E2 coincide com o subespaco de E gerado por E1 ∪E2. SeE1 ∩ E2 = {0}, dizemos que a soma de E1 com E2 e direta e denotamos osubespaco E1 + E2 por E1⊕E2. Evidentemente, E = E1 + E2 se e somentese todo vetor de E e soma de um vetor de E1 com um vetor de E2; alemdo mais, e facil ver que E = E1 ⊕ E2 se e somente se todo vetor de E seescreve de modo unico como soma de um vetor de E1 com um vetor de E2.Generalizando essas ideias para o contexto de um numero finito arbitrario6

de subespacos de E, obtemos a seguinte:

A.2.1. Proposicao. Seja E um espaco vetorial e E1, . . . , En subespacosde E. Sao equivalentes:

(a) para todo i = 1, . . . , n, a intersecao:

(A.2.1) Ei ∩n∑

j=1j 6=i

Ej

contem somente o vetor nulo;(b) para todos x1 ∈ E1, . . . , xn ∈ En, se x1 + · · · + xn = 0 entao

x1 = · · · = xn = 0;(c) para todos x1, y1 ∈ E1, . . . , xn, yn ∈ En, se:

x1 + · · ·+ xn = y1 + · · ·+ yn

entao x1 = y1, . . . , xn = yn.

Demonstracao. Deixamos a prova da equivalencia entre (b) e (c) acargo do leitor. Vamos provar a equivalencia entre (a) e (b). Suponha (a).Se x1 + · · ·+ xn = 0 e xi ∈ Ei, i = 1, . . . , n, entao:

xi =n∑

j=1j 6=i

(−xj) ∈ Ei ∩n∑

j=1j 6=i

Ej = {0},

donde xi = 0, para todo i = 1, . . . , n. Agora suponha (b). Dado i = 1, . . . , ne x na intersecao (A.2.1) entao existem xj ∈ Ej , j = 1, . . . , n, j 6= i, taisque:

x =n∑

j=1j 6=i

xj .

Tomando xi = −x entao xi ∈ Ei e∑n

j=1 xj = 0, donde xj = 0, para todoj = 1, . . . , n, sendo em particular x = −xi = 0. �

6Dados subespacos E1, . . . , En de E, entao a somaPn

i=1 Ei = E1 + · · ·+En pode serdefinida ou iterando a operacao binaria de soma de subespacos, ou tomando o conjuntode todas as somas x1 + · · · + xn, com x1 ∈ E1, . . . , xn ∈ En, ou tomando o subespacogerado pela uniao

Sni=1 Ei.

Page 32: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

A.2. SOMA DIRETA 29

Quando uma das condicoes (a), (b), (c) que aparece no enunciado daProposicao A.2.1 ocorre dizemos que a soma dos subespacos E1, . . . , En edireta e escrevemos

⊕ni=1 Ei ou E1⊕ · · ·⊕En para denotar a soma

∑ni=1 Ei

(mas e bom observar que a notacao E1 ⊕ · · · ⊕ En e um pouco enganosa,ja que a condicao de a soma dos subespacos E1, . . . , En ser direta e umacondicao que envolve os n subespacos simultaneamente e nao e equivalentea condicao das somas Ei + Ei+1, i = 1, . . . , n − 1 serem diretas — e nemmesmo equivalente a condicao mais forte de as somas Ei+Ej , i, j = 1, . . . , n,i 6= j, serem diretas).

Note que a condicao E =⊕n

i=1 Ei e equivalente a condicao de que cadaelemento x ∈ E se escreva de modo unico como uma soma:

x1 + · · ·+ xn,

com x1 ∈ E1, . . . , xn ∈ En; chamamos a xi a componente de x no subespacoEi relativa a decomposicao em soma direta E =

⊕ni=1 Ei (note que a com-

ponente de x no subespaco Ei depende nao apenas de Ei mas dos outrosEj ; por exemplo, se E = E1 ⊕ E2 = E1 ⊕ E′

2 entao e bem possıvel que acomponente em E1 de um elemento x ∈ E com respeito a decomposicaoE = E1 ⊕ E2 seja diferente da componente em E1 de x com respeito a de-composicao E = E1 ⊕ E′

2). A aplicacao πi : E → Ei que associa a cadax ∈ E a sua componente em Ei relativa a decomposicao E =

⊕ni=1 Ei e

chamada a projecao em Ei relativa a decomposicao E =⊕n

i=1 Ei.A.2.2. Exercıcio. Suponha que E =

⊕ni=1 Ei. Mostre que:

(a) a aplicacao πi : E → Ei de projecao em Ei relativa a decomposicaoE =

⊕ni=1 Ei e linear;

(b) mostre que para todo i = 1, . . . , n a restricao de πi a Ei e igual aaplicacao identidade de Ei e que para j = 1, . . . , n, j 6= i, a restricaode πi a Ej e a aplicacao nula;

(c) trocando o contra-domınio da aplicacao πi de Ei para E (de modoque πi seja um elemento de Lin(E,E)), mostre que π2

i (isto e, πi◦πi)e igual a πi, que πi◦πj = 0 para i, j = 1, . . . , n, i 6= j, e que

∑ni=1 πi

e igual a aplicacao identidade de E.A.2.3. Exemplo. Se (ei)n

i=1 denota a base canonica de Kn e se Kei

denota o subespaco gerado pelo vetor ei entao Kn =⊕n

i=1Kei.

A.2.4. Exercıcio. Dado um espaco vetorial E, uma base7 B de E euma particao B =

⋃ni=1 Bi de B (isto e, Bi ∩ Bj = ∅, para i = 1, . . . , n,

i 6= j) entao, denotando por Ei o subespaco gerado por Bi, mostre queE =

⊕ni=1 Ei.

7Para mim uma base e uma famılia (indexada) de elementos e nao apenas um con-junto; a distincao entre famılia e conjunto e importante: por exemplo, no caso de umabase de um espaco vetorial de dimensao finita precisamos de uma ordem na base, paraque se possa falar em primeira, segunda, etc., coordenada de um vetor. No entanto, asvezes cometo um certo abuso e trato uma base como se fosse apenas um conjunto, parafacilitar a notacao.

Page 33: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

A.2. SOMA DIRETA 30

A.2.5. Exercıcio. Se E =⊕n

i=1 Ei e Bi e uma base de Ei, i = 1, . . . , n,mostre que Bi ∩Bj = ∅, para i, j = 1, . . . , n, i 6= j e que

⋃ni=1 Bi e uma base

de E.As Proposicoes A.2.6 e A.2.7 abaixo sao ferramentas praticas para se de-

finir aplicacoes lineares com domınio ou contra-domınio numa soma direta8.A.2.6. Proposicao. Se E =

⊕ni=1 Ei, F sao espacos vetoriais e se

Ti : Ei → F , i = 1, . . . , n, sao aplicacoes lineares entao existe uma unicaaplicacao linear T : E → F tal que T |Ei = Ti, para i = 1, . . . , n.

Demonstracao. Se T : E → F , T ′ : E → F sao aplicacoes linearestais que T |Ei = T ′|Ei = Ti, para i = 1, . . . , n, entao T e T ′ concidem em⋃n

i=1 Ei, que e um conjunto de geradores de E; logo T = T ′. A existenciade T e demonstrada tomando T =

∑ni=1 Ti ◦ πi, onde πi : E → Ei denota a

projecao em Ei relativa a decomposicao E =⊕n

i=1 Ei. �

A.2.7. Proposicao. Se E =⊕n

i=1 Ei, F sao espacos vetoriais e seTi : F → Ei, i = 1, . . . , n, sao aplicacoes lineares entao existe uma unicaaplicacao linear T : F → E tal que πi ◦ T = Ti, para i = 1, . . . , n, ondeπi : E → Ei denota a projecao em Ei relativa a decomposicao E =

⊕ni=1 Ei.

Demonstracao. Se θi : Ei → E denota a aplicacao inclusao entao(Exercıcio A.2.2, item (c))

∑ni=1 θi ◦ πi e a aplicacao identidade de E, de

modo que as igualdades πi ◦ T = Ti, i = 1, . . . , n, implicam em:

(A.2.2) T =n∑

i=1

θi ◦ Ti.

Isso mostra que a aplicacao T e unica, se existir (obrigatoriamente dada pelaformula (A.2.2)). Definindo T usando (A.2.2), obtemos:

πj ◦ T =n∑

i=1

πj ◦ θi ◦ Ti = Tj ,

ja que πj ◦θj e igual a aplicacao identidade de Ej e πj ◦θi = 0 para i 6= j. �

A.2.8. Observacao. E possıvel tambem definir somas diretas para fa-mılias possivelmente infinitas (Ei)i∈I de subespacos de um espaco vetorial E.Quando se trabalha com famılias infinitas, somas do tipo

∑i∈I xi, xi ∈ Ei,

fazem sentido apenas quando (xi)i∈I e uma famılia quase nula (veja Obser-vacao A.1.12). Todos os resultados apresentados nesta secao generalizam-sefacilmente para o caso de somas diretas infinitas, exceto a Proposicao A.2.7,que e falsa para somas diretas infinitas.

8Essas proposicoes exprimem fatos que tem um significado especial quando se estu-da Teoria das Categorias: a saber, a Proposicao A.2.6 exprime o fato que somas diretasLn

i=1 Ei sao somas na categoria de espacos vetoriais e aplicacoes lineares e a Propo-

sicao A.2.7 exprime o fato que somas diretasLn

i=1 Ei sao produtos nessa categoria.

Page 34: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

A.2. SOMA DIRETA 31

A.2.1. Somas diretas internas e externas. Dados espacos vetoriaisE1, . . . , En (nao necessariamente subespacos de um mesmo espaco vetorial)entao podemos tornar o produto cartesiano E =

∏ni=1 Ei = E1 × · · · × En

um espaco vetorial definindo operacoes:

(A.2.3)(x1, . . . , xn) + (y1, . . . , yn) = (x1 + y1, . . . , xn + yn),

λ(x1, . . . , xn) = (λx1, . . . , λxn),

para xi, yi ∈ Ei, i = 1, . . . , n, λ ∈ K. A aplicacao θi : Ei → E definida por:

θi(x) = (0, . . . , 0, x, 0, . . . , 0) (com o x na i-esima coordenada),

para todo x ∈ Ei, e linear injetora e nos da um isomorfismo de Ei sobre osubespaco θi(Ei) = {0}i−1 × Ei × {0}n−i de E. E facil ver que:

E =n⊕

i=1

θi(Ei)

e se identificarmos Ei com θi(Ei) escreveremos apenas E =⊕n

i=1 Ei. Ecomum chamar ao espaco vetorial

∏ni=1 Ei (munido das operacoes definidas

em (A.2.3)) a soma direta externa dos espacos E1, . . . , En; daı, a somadireta discutida no inıcio da Secao A.2 (em que os Ei devem ser todossubespacos de um mesmo espaco E) e tambem chamada soma direta internados espacos vetoriais E1, . . . , En. Observe que se E1, . . . , En sao subespacosde um mesmo espaco vetorial E entao tambem faz sentido considerar a somadireta externa

∏ni=1 Ei, nao importando se a soma

∑ni=1 Ei e direta ou nao!

No entanto, se a soma∑n

i=1 Ei for direta, entao e facil ver que a aplicacao:

(A.2.4)n∏

i=1

Ei 3 (x1, . . . , xn) 7−→n∑

i=1

xi ∈n⊕

i=1

Ei

e um isomorfismo linear. Vimos entao que:

(a) a soma direta externa∏n

i=1 Ei e igual a soma direta interna deespacos θi(Ei) isomorfos aos Ei (o isomorfismo entre Ei e θi(Ei)corresponde apenas ao acrescimo de algumas coordenadas zero);

(b) se E =⊕n

i=1 Ei e soma direta interna de subespacos Ei entao(A.2.4) nos da um isomorfismo entre E e a soma direta externa∏n

i=1 Ei.

Em vista de (a) e (b) e comum simplesmente ignorar a diferenca entre somadireta interna e externa. Nos adotaremos essa pratica, sempre que possıvel.

A.2.9. Exercıcio. Se um espaco vetorial E e soma direta (interna) desubespacos E1, . . . , En, πi : E → Ei denota a projecao em Ei relativa adecomposicao E =

⊕ni=1 Ei e πi :

∏ni=1 Ei → Ei denota a i-esima projecao

Page 35: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

EXERCICIOS PARA O APENDICE A 32

do produto cartesiano∏n

i=1 Ei, mostre que o diagrama:∏ni=1 Ei

(A.2.4)

∼=//

πi ##GGGG

GGGG

GE

πi������

����

Ei

e comutativo, para todo i = 1, . . . , n, isto e, se θ denota o isomorfismo(A.2.4) entao πi ◦ θ = πi, para todo i = 1, . . . , n.

A.2.10. Observacao. Se (Ei)i∈I e uma famılia infinita de espacos veto-rais entao o produto cartesiano

∏i∈I Ei em geral nao e soma direta interna

dos subespacos θi(Ei). Por isso, a soma direta externa e, nesse contexto,definida como sendo o subespaco de

∏i∈I Ei formado pelas famılias quase

nulas; esse subespaco e igual a soma direta interna dos subespacos θi(Ei).Evidentemente, no caso em que I e finito qualquer famılia (xi)i∈I e quasenula. Se I e infinito e E =

⊕i∈I Ei (soma direta interna) entao a aplicacao∏

i∈I Ei 3 (xi)i∈I 7→∑

i∈I xi ∈ E nao esta em geral sequer bem definida,mas se trocamos

∏i∈I Ei pelo espaco de famılias quase nulas entao essa apli-

cacao torna-se um isomorfismo linear. E interessante notar que, embora aProposicao A.2.7 nao seja verdadeira para famılias infinitas de espacos ve-toriais (veja Observacao A.2.8), ela tornaria-se verdaderia9 se trocassemos ahipotese E =

⊕i∈I Ei pela hipotese E =

∏i∈I Ei.

Exercıcios para o Apendice A

A.1. Exercıcio. Seja E um espaco vetorial real. Um produto internoem E e uma aplicacao bilinear:

E × E 3 (x, y) 7−→ 〈x, y〉 ∈ R

tal que 〈x, y〉 = 〈y, x〉, para todos x, y ∈ E e 〈x, x〉 > 0, para todo x ∈ Enao nulo. Se 〈·, ·〉 e um produto interno em E, nos definimos:

‖x‖ = 〈x, x〉12 , d(x, y) = ‖x− y‖,

para todos x, y ∈ E. Mostre que:(a) para todos x, y ∈ E, vale a desigualdade de Cauchy–Schwarz:

|〈x, y〉| ≤ ‖x‖ ‖y‖,

sendo que a igualdade vale se e somente se x, y sao linearmentedependentes (sugestao: p(t) = 〈x + ty, x + ty〉 ≥ 0, para todot ∈ R; analise o sinal do discriminante do polinomio do segundograu p);

9Para quem conhece um pouco de teoria das categorias, o que esta ocorrendo aquipode ser entendido da seguinte maneira: para famılias finitas de objetos, somas e produtoscoincidem na categoria de espacos vetoriais e aplicacoes lineares. No entanto, o mesmonao vale para famılias infinitas de objetos.

Page 36: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

EXERCICIOS PARA O APENDICE A 33

(b) para todos x, y ∈ E, vale a desigualdade triangular:

(A.5) ‖x + y‖ ≤ ‖x‖+ ‖y‖.(sugestao: calcule 〈x + y, x + y〉 e use a desigualdade de Cauchy–Schwarz);

(c) para todos x, y, z ∈ E vale tambem a seguinte desigualdade trian-gular:

d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z).(sugestao: x− z = (x− y) + (y − z); use (A.5)).

Page 37: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

APENDICE B

Espacos metricos

Este apendice contem um curso relampago sobre a teoria basica de es-pacos metricos. A exposicao e feita de forma bem sucinta, de modo que oapendice provavelmente nao sera adequado para leitores que estao toman-do contato com a teoria de espacos metricos pela primeira vez. Todas asdefinicoes e teoremas (com demonstracao!) que considero relevantes comoferramentas para um curso de Calculo no Rn sao apresentadas. Alguns re-sultados que considero simples de demonstrar sao deixados a cargo do leitorsob a forma de exercıcios ao longo do texto; para o leitor menos experiente,resolver esses exercıcios e fundamental para que o mesmo adquira algumaintimidade com o assunto. Observo que alguns desses exercıcios sao qua-se triviais e para resolve-los basta compreender as definicoes dos conceitosenvolvidos.

B.1. Definicao e conceitos basicos

B.1.1. Definicao. Seja M um conjunto. Uma metrica em M e umafuncao d : M ×M → R que satisfaz as seguintes condicoes:

(a) d(x, y) ≥ 0, para todos x, y ∈ M ;(b) para todos x, y ∈ M , d(x, y) = 0 se e somente se x = y;(b) d(x, y) = d(y, x), para todos x, y ∈ M ;(c) (desigualdade triangular) d(x, z) ≤ d(x, y) + d(y, z), para todos

x, y, z ∈ M .Se d e uma metrica em M entao o par (M,d) e chamado um espaco metrico.

Para deixar a linguagem menos carregada, nos muitas vezes escrevemosfrases como “seja M um espaco metrico. . . ” em vez de “seja (M,d) umespaco metrico. . . ”; as vezes dizemos tambem que M esta munido de umametrica d, significando que referencias ao “espaco metrico M” devem serentendidas como referencias ao “espaco metrico (M,d)”.

B.1.2. Exemplo. A metrica Euclideana em Rn e definida por:

d(x, y) =( n∑

i=1

(xi − yi)2) 1

2,

para todos x, y ∈ Rn. Deixamos a cargo do leitor a verificacao do fato que de realmente uma metrica (a desigualdade triangular para d e mais difıcil, massegue diretamente do resultado do Exercıcio A.1 aplicado ao produto internocanonico de Rn). A menos de mencao explıcita em contrario, consideramos

34

Page 38: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.1. DEFINICAO E CONCEITOS BASICOS 35

Rn sempre munido da metrica Euclideana. Tambem sao metricas em Rn asfuncoes:

d1 : Rn ×Rn 3 (x, y) 7−→n∑

i=1

|xi − yi| ∈ R,

d∞ : Rn ×Rn 3 (x, y) 7−→ max{|xi − yi| : i = 1, . . . , n

}∈ R.

A metrica d1 e tambem conhecida como metrica da soma e a metrica d∞e tambem conhecida como metrica do maximo. A metrica Euclideana d eas vezes tambem denotada por d2. No caso particular em que n = 1, todasessas metricas coincidem:

d(x, y) = d1(x, y) = d∞(x, y) = |x− y|, x, y ∈ R.

Veremos adiante (Secao B.5) que as metricas d, d1, d∞ sao equivalentes numsentido que sera esclarecido naquela secao.

B.1.3. Exemplo. Dado um conjunto arbitrario M , temos que a funcaod : M ×M → R definida por:

d(x, y) =

{0, se x = y,

1, se x 6= y,

para todos x, y ∈ M , e uma metrica em M chamada a metrica zero-um.B.1.4. Exemplo. Se d e uma metrica em M e N e um subconjunto

de M entao a restricao d|N×N e uma metrica em N chamada a metricainduzida por d em N . Dizemos tambem que (N, d|N×N ) e um subespaco doespaco metrico (M,d). A menos de mencao explıcita em contrario, assume-se que um subconjunto de um espaco metrico esta sempre munido da metricainduzida.

B.1.5. Definicao. Dados um espaco metrico M , um ponto x ∈ M e umnumero real r > 0 entao a bola aberta de centro x e raio r e definida por:

B(x, r) ={y ∈ M : d(y, x) < r

}e a bola fechada de centro x e raio r e definida por:

B[x, r] ={y ∈ M : d(y, x) ≤ r

}.

Embora as notacoes B(x, r) e B[x, r] so facam referencia explıcita ao cen-tro e ao raio das bolas, e evidente que as bolas B(x, r) e B[x, r] dependemtambem do conjunto M e da metrica d (que normalmente estao subentendi-dos pelo contexto). Em algumas situacoes nos temos que lidar com as bolasabertas e fechadas de varios espacos metricos e aı podem ser necessariosajustes de notacao e terminologia para remover ambiguidades na comuni-cacao. Esse e o caso do enunciado do Exercıcio B.1.6 a seguir, onde pedimosao leitor para destrinchar a (facil!) relacao entre as bolas abertas e fechadasde um espaco metrico e as bolas abertas e fechadas de um subespaco desseespaco metrico.

Page 39: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.1. DEFINICAO E CONCEITOS BASICOS 36

B.1.6. Exercıcio. Sejam (M,d) um espaco metrico, N um subconjuntode M e considere o espaco metrico (N, d|N×N ). Dados x ∈ M , r > 0, vamosdenotar por BM (x, r), BM [x, r], respectivamente, a bola aberta e a bolafechada de centro x e raio r no espaco metrico (M,d); se x ∈ N , vamosdenotar por BN (x, r), BN [x, r], respectivamente, a bola aberta e a bolafechada de centro x e raio r no espaco metrico (N, d|N×N ). Mostre que,para todos x ∈ N , r > 0:

BN (x, r) = BM (x, r) ∩N, BN [x, r] = BM [x, r] ∩N.

B.1.7. Definicao. Dados um espaco metrico M e um subconjunto Ade M entao um ponto x de M e dito:

• interior a A se existe r > 0 tal que B(x, r) ⊂ A;• exterior a A se existe r > 0 tal que B(x, r) ∩A = ∅, isto e, tal que

B(x, r) esta contido em M \A (o complementar de A em M);• um ponto de fronteira de A se para todo r > 0 temos B(x, r)∩A 6= ∅

e B(x, r) ∩ (M \A) 6= ∅;• aderente a A se para todo r > 0 temos que B(x, r) ∩A 6= ∅.

O interior de A, denotado por int(A) ou◦A, e definido como sendo o conjunto

dos pontos interiores a A e a fronteira de A, denotada por ∂A, e definidacomo sendo o conjunto dos pontos de fronteira de A. O fecho de A, denotadopor A, e definido como sendo o conjunto dos pontos aderentes a A.

B.1.8. Exercıcio. Se A e um subconjunto de um espaco metrico M ,mostre que o conjunto dos pontos exteriores a A coincide com o interior docomplementar de A, isto e, com int(M \A).

Em vista do resultado do Exercıcio B.1.8, nos nao introduziremos no-tacao (ou nome) para o conjunto dos pontos exteriores a A: nos simples-mente usaremos int(M \A).

B.1.9. Exercıcio. Se A e um subconjunto de um espaco metrico M ,mostre que todo ponto interior a A pertence a A (isto e, int(A) esta contidoem A), que todo ponto exterior a A pertence a M \ A e que todo ponto deA e aderente a A (isto e, A esta contido em A). Tomando M = R munidoda metrica Euclideana, de exemplos de conjuntos A tais que:

(i) ∂A ⊂ A;(ii) ∂A ∩A = ∅;(iii) nem (i) nem (ii) ocorrem.B.1.10. Exercıcio. Se A e um subconjunto de um espaco metrico M ,

mostre que as possibilidades “x e interior a A”, “x e exterior a A” e “x e umponto de fronteira de A” sao exaustivas e mutuamente exclusivas para umdado ponto x ∈ M , isto e, mostre que os conjuntos int(A), ∂A e int(M \A)cobrem M e sao dois a dois disjuntos.

B.1.11. Exercıcio. Verifique que na Definicao B.1.7 teria dado na mes-ma se tivessemos usado bolas fechadas em vez de bolas abertas, isto e,obterıamos definicoes equivalentes se trocassemos todas as ocorrencias de

Page 40: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.1. DEFINICAO E CONCEITOS BASICOS 37

B(x, r) por B[x, r] (sugestao: a bola fechada B[x, r

2

]esta contida na bola

aberta B(x, r)).B.1.12. Exercıcio. Se A e um subconjunto de um espaco metrico M ,

mostre que:(a) A e M \A tem a mesma fronteira, isto e, ∂A = ∂(M \A);(b) para todo x ∈ M , x e um ponto de fronteira de A se e somente se x

e simultaneamente aderente a A e a seu complementar M \A. Emoutras palavras:

∂A = A ∩M \A.

B.1.13. Exercıcio. Se A e um subconjunto de um espaco metrico M ,mostre que, dado x ∈ M , sao equivalentes as condicoes:

(i) x e aderente a A;(ii) x nao e um ponto exterior a A;(iii) x e interior a A ou x e um ponto de fronteira de A;(iv) x pertence a A ou x e um ponto de fronteira de A.

Conclua que:

(B.1.1) A = M \ int(M \A) = int(A) ∪ ∂A = A ∪ ∂A.

B.1.14. Exercıcio. Se A e um subconjunto de um espaco metrico M ,mostre que um dado ponto x ∈ M e interior a A se e somente se nao estano fecho de M \A. Em outras palavras:

int(A) = M \M \A.

B.1.15. Definicao. Um subconjunto A de um espaco metrico M e ditodenso (ou denso em M) se todo ponto de M e aderente a A, isto e, seA = M .

B.1.16. Exercıcio. Mostre que A e denso num espaco metrico M se esomente se M \A tem interior vazio.

B.1.17. Exercıcio. Dados subconjuntos A, B de um espaco metrico M ,mostre que:

(a) se A ⊂ B entao int(A) ⊂ int(B);(b) se A ⊂ B entao A ⊂ B.

Evidentemente as nocoes de ponto interior, ponto exterior, ponto defronteira, ponto aderente, interior, fecho e conjunto denso dependem doespaco metrico (M,d) no qual se esta trabalhando: se (M,d) e um espacometrico, N e um subconjunto de M , A e um subconjunto de N e x ∈ A entaoe possıvel que x seja um ponto interior de A relativamente ao espaco metrico(N, d|N×N ), mas que x nao seja um ponto interior de A relativamente aoespaco metrico (M,d). Por exemplo, se A = N entao todo ponto x ∈ Ae interior a A relativamente ao espaco metrico (N, d|N×N ) (pois uma bolaaberta do espaco metrico (N, d|N×N ) tem que estar contida em A = N !),mas evidentemente e possıvel que existam pontos x ∈ A que nao sejaminteriores a A relativamente ao espaco metrico (M,d). Como usualmente o

Page 41: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.1. DEFINICAO E CONCEITOS BASICOS 38

espaco metrico (M,d) relativamente ao qual os conceitos sao consideradosesta subentendido pelo contexto, podemos escrever expressoes como int(A),A ou ∂A (ou falar em pontos interiores, aderentes ou de fronteira de A) semfazer referencia explıcita ao espaco metrico (M,d); no entanto, quando ocontexto nao deixa claro o espaco metrico em questao pode ser necessarioadotar ajustes de notacao e terminologia que nos permitam explicita-lo (e oque fizemos no enunciado do Exercıcio B.1.6). No Exercıcio B.1.18 a seguirpedimos ao leitor para olhar mais de perto a relacao entre o fecho de umconjunto A num espaco metrico (M,d) e o fecho de A num subespaco de(M,d) que contem A.

B.1.18. Exercıcio. Sejam (M,d) um espaco metrico, N um subconjun-to de M e considere o espaco metrico (N, d|N×N ). Dados um subconjuntoA de N e um ponto x ∈ N , mostre que x e aderente a A relativamente aoespaco metrico (N, d|N×N ) se e somente se x e aderente a A relativamenteao espaco metrico (M,d) (sugestao: use o resultado do Exercıcio B.1.6).Conclua que o fecho de A relativamente a N e igual a intersecao com N dofecho de A relativamente a M .

B.1.19. Definicao. Seja M um espaco metrico. Um subconjunto Ade M e dito aberto (ou aberto em M) se coincide com seu interior, istoe, se int(A) = A. Dizemos que A e fechado (ou fechado em M) se o seucomplementar M \A e um conjunto aberto.

Como e sempre o caso que int(A) ⊂ A, temos que A e aberto se e somentese todo ponto de A e interior a A, ou ainda, se para todo x ∈ A existe r > 0tal que B(x, r) ⊂ A.

Note que “fechado” nao e sinonimo de “nao-aberto”!B.1.20. Exercıcio. Mostre que um subconjunto A de um espaco metrico

M e aberto se e somente se nao contem nenhum dos seus pontos de fronteira,isto e, se e somente se (∂A) ∩A = ∅.

B.1.21. Exercıcio. Seja A um subconjunto de um espaco metrico M .Mostre que:

(a) A e fechado se e somente se todo ponto de M \ A e exterior a A(isto e, A e fechado se e somente se para todo x ∈ M \ A, exister > 0 tal que B(x, r) ∩A = ∅);

(b) A e fechado se e somente se contem todos os seus pontos aderentes(note que, como e sempre o caso que A ⊂ A, pode-se concluir daıque A e fechado se e somente se A = A, isto e, um conjunto efechado se e somente se coincide com seu fecho);

(c) A e fechado se e somente se contem todos os seus pontos de fronteira(isto e, A e fechado se e somente se ∂A ⊂ A).

B.1.22. Exercıcio. Mostre que todo subconjunto unitario de um espacometrico M e um conjunto fechado (sugestao: dados x ∈ M e y ∈ M , y 6= x,considere a bola aberta de centro y e raio d(y, x) > 0).

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B.1. DEFINICAO E CONCEITOS BASICOS 39

B.1.23. Exercıcio. Se M e um espaco metrico, U e um subconjuntoaberto de M e A e um subconjunto arbitrario de M , mostre que U interceptaA se e somente se U intercepta A.

B.1.24. Exercıcio. Mostre que um subconjunto A de um espaco metricoM e ao mesmo tempo aberto e fechado se e somente se sua fronteira e vazia.

B.1.25. Exercıcio. Dado um subconjunto A de um espaco metrico M ,mostre que todo conjunto aberto contido em A esta contido em int(A) e quetodo conjunto fechado que contem A contem A (sugestao: use o resultadodo Exercıcio B.1.17).

B.1.26. Exercıcio. Dado um espaco metrico M , mostre que:

(a) o conjunto vazio ∅ e o espaco M sao ao mesmo tempo subconjuntosabertos e subconjuntos fechados de M ;

(b) a uniao de uma famılia arbitraria de conjuntos abertos e um con-junto aberto;

(c) a intersecao de dois conjuntos abertos (ou, mais geralmente, deuma famılia finita de conjuntos abertos) e um conjunto aberto;

(d) a intersecao de uma famılia arbitraria de conjuntos fechados e umconjunto fechado;

(e) a uniao de dois conjuntos fechados (ou, mais geralmente, de umafamılia finita de conjuntos fechados) e um conjunto fechado.

(sugestao: para (d), (e) use (b), (c) e as chamadas leis de De Morgan quedizem que o complementar de uma uniao e igual a intersecao dos comple-mentares e que o complementar de uma intersecao e igual a uniao dos com-plementares). Tomando M = Rmunido da metrica Euclideana, de exemplosde famılias infinitas enumeraveis de conjuntos abertos cuja intersecao nao eum conjunto aberto e de famılias infinitas enumeraveis de conjuntos fechadoscuja uniao nao e um conjunto fechado.

B.1.27. Exercıcio. Seja M um espaco metrico. Se U e um conjun-to aberto e F e um conjunto fechado, mostre que U \ F e um conjuntoaberto e que F \ U e um conjunto fechado (sugestao: use o resultado doExercıcio B.1.26 e as igualdades U \F = U ∩ (M \F ), F \U = F ∩ (M \U)).

B.1.28. Lema. Toda bola aberta num espaco metrico M e um conjuntoaberto e toda bola fechada e um conjunto fechado.

Demonstracao. Dados x ∈ M , r > 0 e y ∈ B(x, r) entao segue facil-mente da desigualdade triangular que a bola aberta B(y, s) esta contida emB(x, r) para s = r−d(x, y) > 0. Logo B(x, r) e um conjunto aberto. Agora,se y ∈ M \ B[x, r], entao B(y, s) ⊂ M \ B[x, r] para s = d(x, y) − r > 0;de fato, a existencia de um elemento z em B(y, s) ∩ B[x, r] nos daria asdesigualdades:

d(x, y) ≤ d(x, z) + d(z, y) < r + s = d(x, y).

Logo M \ B[x, r] e um conjunto aberto e portanto B[x, r] e fechado. �

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B.1. DEFINICAO E CONCEITOS BASICOS 40

B.1.29. Corolario. Se A e um subconjunto de um espaco metricoM entao int(A) e aberto e A e fechado (tendo em conta o resultado doExercıcio B.1.25, ve-se que int(A) e o maior conjunto aberto contido em Ae A e o menor conjunto fechado que contem A).

Demonstracao. Dado x ∈ int(A), existe r > 0 tal que B(x, r) ⊂ A;como B(x, r) e aberto, temos que B(x, r) ⊂ int(A) e portanto x pertenceao interior de int(A). Logo int(A) e aberto. O fato que A e fechado segueentao da primeira igualdade em (B.1.1). �

B.1.30. Exercıcio. Sejam A um subconjunto de um espaco metrico Me x ∈ M . Mostre que:

(a) x pertence ao interior de A se e somente se x pertence a um abertocontido em A;

(b) x pertence ao fecho de A (isto e, x e aderente a A) se e somente setodo conjunto aberto que contem x intercepta A;

(c) x pertence a fronteira de A se e somente se todo conjunto abertoque contem x intercepta A e M \A.

B.1.31. Exercıcio. Mostre que um subconjunto A de um espaco metricoM e denso se e somente se todo conjunto aberto nao vazio intercepta A.

B.1.32. Definicao. Se M e um espaco metrico, dizemos que um sub-conjunto V de M e uma vizinhanca de um ponto x ∈ M se x pertence aointerior de V , isto e, (de acordo com o resultado do Exercıcio B.1.30) se xpertence a um aberto contido em V .

B.1.33. Exercıcio. Dados um subconjunto A de um espaco metrico Me um ponto x ∈ M , mostre que:

(a) x pertence ao interior de A se e somente se x possui uma vizinhancacontida em A;

(b) x pertence ao fecho de A (isto e, x e aderente a A) se e somente setoda vizinhanca de x intercepta A;

(c) x pertence a fronteira de A se e somente se toda vizinhanca de xintercepta A e M \A.

B.1.34. Proposicao. Sejam M um espaco metrico, A1, . . . , An sub-conjuntos de M e A =

⋃ni=1 Ai. Temos que A =

⋃ni=1 Ai (isto e, o fecho de

uma uniao finita e igual a uniao dos fechos).

Demonstracao. Temos que A e fechado e contem Ai, donde A contemAi para todo i = 1, . . . , n e portanto:

n⋃i=1

Ai ⊂ A.

Alem do mais,⋃n

i=1 Ai e um conjunto fechado (Exercıcio B.1.26) que contemA e portanto contem A. Logo A =

⋃ni=1 Ai. �

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B.1. DEFINICAO E CONCEITOS BASICOS 41

B.1.35. Proposicao. Seja (M,d) um espaco metrico e N um subcon-junto de M . Temos que um subconjunto A de N e aberto em (N, d|N×N ) see somente se existe um conjunto U aberto em (M,d) tal que A = U ∩N .

Demonstracao. Vamos usar a notacao introduzida no enunciado doExercıcio B.1.6 (bem como o resultado desse exercıcio). Se U e aberto emM entao para todo x ∈ U ∩N temos que existe r > 0 tal que BM (x, r) ⊂ U ;daı:

BN (x, r) = BM (x, r) ∩N ⊂ U ∩N,

o que mostra que A = U∩N e aberto em N . Seja agora A ⊂ N um conjuntoaberto em N e vamos mostrar que existe um conjunto U aberto em M talque A = U ∩ N . Para cada x ∈ A, seja rx > 0 tal que BN (x, rx) ⊂ A.Defina:

U =⋃x∈A

BM (x, rx).

Temos que U e aberto em M , sendo uma uniao de conjuntos abertos (vejaExercıcio B.1.26 e Lema B.1.28); como cada bola aberta contem seu centro,temos que A ⊂ U e portanto A ⊂ U ∩N . Alem do mais:

U ∩N =⋃x∈A

(BM (x, rx) ∩N

)=

⋃x∈A

BN (x, rx) ⊂ A,

donde A = U ∩N . �

B.1.36. Corolario. Seja (M,d) um espaco metrico e N um subconjuntode M . Se A ⊂ N e aberto em (M,d) entao A e aberto em (N, d|N×N ) e,reciprocamente, se A e aberto em (N, d|N×N ) e N e aberto em (M,d) entaoA e aberto em (M,d).

Demonstracao. Se A e aberto em M entao A = A∩N e aberto em N ;reciprocamente, se A e aberto em N e N e aberto em M entao A = U ∩N ,com U aberto em M e portanto A tambem e aberto em M , sendo intersecaode dois abertos (Exercıcio B.1.26). �

B.1.37. Proposicao. Seja (M,d) um espaco metrico e N um subcon-junto de M . Temos que um subconjunto B de N e fechado em (N, d|N×N )se e somente se existe um conjunto F fechado em (M,d) tal que B = F ∩N .

Demonstracao. Se F e fechado em M entao B = F ∩N e fechado emN pois, como:

N \B = N \ F = (M \ F ) ∩N,

a Proposicao B.1.35 nos da que N \ B e aberto em N . Reciprocamente, seB e fechado em N entao N \ B e aberto em N e, pela Proposicao B.1.35,existe U aberto em M com N \ B = U ∩ N . Daı B = (M \ U) ∩ N , ondeF = M \ U e fechado em M . �

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B.1. DEFINICAO E CONCEITOS BASICOS 42

B.1.38. Corolario. Seja (M,d) um espaco metrico e N um subconjuntode M . Se B ⊂ N e fechado em (M,d) entao B e fechado em (N, d|N×N )e, reciprocamente, se B e fechado em (N, d|N×N ) e N e fechado em (M,d)entao B e fechado em (M,d).

Demonstracao. Se B e fechado em M entao B = B ∩ N e fechadoem N ; reciprocamente, se B e fechado em N e N e fechado em M entaoB = F ∩N , com F fechado em M e portanto B tambem e fechado em M ,sendo intersecao de dois fechados (Exercıcio B.1.26). �

B.1.39. Definicao. O diametro de um espaco metrico (M,d), denotadopor diam(M,d) (ou, quando a metrica estiver subentendida pelo contexto,simplesmente por diam(M)), e definido por:

(B.1.2) diam(M,d) = supx,y∈M

d(x, y) = sup{d(x, y) : x, y ∈ M

}.

Se A e um subconjunto de M entao o diametro de A, denotado por diam(A),e definido como sendo o diametro do espaco metrico (A, d|A×A).

O supremo em (B.1.2) e entendido como um supremo na reta estendida1

R = [−∞,+∞]; temos que esse supremo e igual a +∞ se e somente se paratodo k ∈ R existem x, y ∈ M com d(x, y) > k e temos que esse supremo eigual a −∞ se e somente se M e vazio. Evidentemente, se M e nao vazioentao diam(M) ≥ 0.

Se A e um subconjunto de um espaco metrico M entao o diametro de Ae obviamente igual a:

diam(A) = supx,y∈A

d(x, y).

B.1.40. Exercıcio. Sejam M um espaco metrico e A um subconjuntode M . Mostre que diam(A) ≤ diam(M) (em particular, se A ⊂ B ⊂ Mentao diam(A) ≤ diam(B)).

B.1.41. Exercıcio. Se M e um espaco metrico, mostre que para todox ∈ M e todo numero real r > 0, o diametro da bola aberta B(x, r) e dabola fechada B[x, r] sao menores ou iguais a 2r.

B.1.42. Proposicao. Se M e um espaco metrico e A e um subconjuntode M entao diam(A) = diam(A).

Demonstracao. Temos diam(A) ≤ diam(A), de modo que basta mos-trar que diam(A) ≤ diam(A). Essa desigualdade e trivial se diam(A) = +∞,

1A reta real usual R, junto com dois pontos adicionais +∞, −∞, munida da ordemtotal que coincide com a usual em R e tal que −∞ < x < +∞, para todo x ∈ R. Na retaestendida, todo conjunto possui supremo e ınfimo. Um conjunto ilimitado superiormentena reta real usual possui supremo igual a +∞ em R e o conjunto vazio possui supremoigual a −∞ em R, ja que qualquer elemento de R e cota superior do vazio e −∞ e entaoa menor cota superior do conjunto vazio.

Page 46: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.1. DEFINICAO E CONCEITOS BASICOS 43

de modo que podemos supor diam(A) < +∞. Sejam x, y ∈ A. Para to-do ε > 0, as bolas abertas B(x, ε), B(y, ε) interceptam A, isto e, existemx′, y′ ∈ A com d(x, x′) < ε e d(y, y′) < ε. Daı:

d(x, y) ≤ d(x, x′) + d(x′, y′) + d(y′, y) < diam(A) + 2ε.

Como ε > 0 e arbitrario, concluımos que d(x, y) ≤ diam(A), para todosx, y ∈ A. A conclusao segue. �

B.1.43. Definicao. Um espaco metrico (M,d) e dito limitado se:

diam(M) < +∞.

Um subconjunto A de M e dito limitado quando o espaco metrico (A, d|A×A)e limitado.

Evidentemente, um subconjunto A de um espaco metrico M e limitadose e somente se existe k ∈ R tal que d(x, y) ≤ k, para todos x, y ∈ A.

B.1.44. Definicao. Se X e um conjunto e M e um espaco metrico, umafuncao f : X → M e dita limitada se a sua imagem f(X) e um subconjuntolimitado de M .

B.1.45. Exercıcio. Mostre que um espaco metrico (M,d) e limitado see somente se a funcao d : M × M → R e limitada, onde R e munido dametrica Euclideana.

B.1.46. Exercıcio. Seja M um espaco metrico. Mostre que:(a) se M e limitado, todo subconjunto de M e limitado (em particular,

um subconjunto de um subconjunto limitado e limitado);(b) se A,B ⊂ M sao limitados entao A∪B e limitado e, dados x0 ∈ A,

y0 ∈ B temos:

diam(A ∪B) ≤ diam(A) + diam(B) + d(x0, y0);

(c) se A e um subconjunto limitado de M entao para todo x ∈ M exister > 0 tal que A ⊂ B(x, r) (sugestao: se A 6= ∅, escolha x0 ∈ A etome r < d(x, x0) + diam(A)).

B.1.47. Definicao. Dados espacos metricos (M,d), (N, d′), uma funcaof : M → N e dita Lipschitziana se existe um numero real k ≥ 0 tal qued′

(f(x), f(y)

)≤ k d(x, y), para todos x, y ∈ M ; um tal numero real k e

chamado uma constante de Lipschitz para f . Uma funcao Lipschitziana queadmite uma constante de Lipschitz menor do que 1 e tambem chamada umacontracao (quando 1 e uma constante de Lipschitz para f as vezes se diz quef e uma contracao fraca).

Obviamente se k e uma constante de Lipschitz para f e k ≤ k′ entao k′

tambem e uma constante de Lipschitz para f .B.1.48. Exercıcio. Mostre que a composicao de aplicacoes Lipschitzi-

anas e ainda Lipschitziana. Mais especificamente, se kf e uma constante deLipschitz para f : M → N e kg e uma constante de Lipschitz para g : N → Pentao kfkg e uma constante de Lipschitz para g ◦ f .

Page 47: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.1. DEFINICAO E CONCEITOS BASICOS 44

B.1.49. Exemplo. Se f : [a, b] → R e uma funcao contınua, derivavelem ]a, b[ e |f ′(x)| ≤ k, para todo x ∈ ]a, b[ entao segue do Teorema do ValorMedio que f e Lipschitziana e k e uma constante de Lipschitz para f .

B.1.50. Proposicao. Sejam (M,d), (N, d′) espacos metricos com Mlimitado. Se existe uma funcao Lipschitziana sobrejetora f : M → N entaoN tambem e limitado. Alem do mais, se M e nao vazio e k ≥ 0 e umaconstante de Lipschitz para f entao:

(B.1.3) diam(N) ≤ k diam(M).

Demonstracao. Se M = ∅ entao N = ∅ e portanto N e limitado.Se M 6= ∅, provamos (B.1.3). Dados x, y ∈ N existem x0, y0 ∈ M comx = f(x0), y = f(y0) e portanto:

d′(x, y) ≤ k d(x, y) ≤ k diam(M). �

B.1.51. Corolario. Se (M,d), (N, d′) sao espacos metricos entao umafuncao Lipschitziana f : M → N leva subconjuntos limitados de M emsubconjuntos limitados de N . Alem do mais, se A ⊂ M e nao vazio e k euma constante de Lipschitz para f entao:

diam(f(A)

)≤ k diam(A).

Demonstracao. Basta observar que f |A : A → f(A) e uma funcaoLipschitziana (com constante de Lipschitz k) e sobrejetora. �

B.1.52. Definicao. Dados espacos metricos (M,d), (N, d′) entao umaaplicacao f : M → N e dita uma imersao isometrica se:

d′(f(x), f(y)

)= d(x, y),

para todos x, y ∈ M . Uma imersao isometrica sobrejetora e dita uma iso-metria.

Evidentemente toda imersao isometrica e Lipschitziana com constantede Lipschitz igual a 1.

B.1.53. Exercıcio. Mostre que:(a) toda imersao isometrica e injetora;(b) a aplicacao inversa de uma isometria e ainda uma isometria;(c) a composicao de duas imersoes isometricas (resp., isometrias) e

ainda uma imersao isometrica (resp., isometria).B.1.54. Exemplo. Se (M,d) e um espaco metrico e N e um subconjunto

de M (munido da metrica induzida d|N×N , como sempre) entao a aplicacaoinclusao i : N → M e uma imersao isometrica. Dados numeros naturais m,n com m ≤ n entao a aplicacao:

Rm 3 (x1, . . . , xm) 7−→ (x1, . . . , xm, 0, . . . , 0) ∈ Rn

e uma imersao isometrica.

Page 48: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.2. FUNCOES CONTINUAS E UNIFORMEMENTE CONTINUAS 45

B.1.55. Exercıcio. Se (M,d) e um espaco metrico, N e um conjuntoe f : N → M e uma funcao injetora, mostre que existe uma unica metricadf em N que torna f uma imersao isometrica (sugestao: df tem que serdefinida por df (x, y) = d

(f(x), f(y)

), para todos x, y ∈ N). A metrica df e

as vezes chamada a metrica induzida em N por f e d (note que se N ⊂ Me f e a aplicacao inclusao entao df = d|N×N ).

B.2. Funcoes contınuas e uniformemente contınuas

B.2.1. Definicao. Sejam (M,d), (N, d′) espacos metricos. Uma funcaof : M → N e dita contınua num ponto x ∈ M se para todo ε > 0 existeδ > 0 tal que:

(B.2.1) para todo y ∈ M, d(y, x) < δ =⇒ d′(f(y), f(x)

)< ε.

A funcao f e dita contınua se for contınua em todo ponto de M .Obviamente a condicao (B.2.1) e equivalente a f

(B(x, δ)

)⊂ B

(f(x), ε

)ou a B(x, δ) ⊂ f−1

(B(f(x), ε)

).

B.2.2. Exercıcio. Mostre que em (B.2.1) poderıamos trocar um ouambos os sinais “<” por “≤” e a nocao de funcao contınua nao seria alterada.

B.2.3. Exercıcio. Sobre uma funcao f : M → N e um ponto x ∈ M ,mostre que sao equivalentes as seguintes condicoes:

(i) f e contınua no ponto x;(ii) para toda vizinhanca V de f(x) em N existe uma vizinhanca U de

x em M tal que f(U) ⊂ V ;(iii) para todo aberto V de N contendo f(x) existe um aberto U de M

contendo x tal que f(U) ⊂ V .B.2.4. Exercıcio. Dados espacos metricos M , N , um subconjunto S

de M , uma funcao f : M → N e um ponto x ∈ S, mostre que:(a) se f e contınua no ponto x entao a restricao f |S : S → N tambem

e contınua no ponto x;(b) se f |S : S → N e contınua no ponto x e x pertence ao interior de

S entao f e contınua no ponto x.De um exemplo de uma situacao em que f |S e contınua (isto e, contınua emtodo ponto de S), mas f nao e contınua em ponto algum de S (sugestao:tome M = R2, S = R× {0} e f : M → R uma funcao que vale 1 em S e 0em M \ S).

B.2.5. Exercıcio. Dados espacos metricos M , N , um subconjunto Sde N e uma funcao f : M → N tal que f(M) ⊂ S, considere a funcaof0 : M → S que difere de f apenas pelo contra-domınio. Dado x ∈ M ,mostre que f e contınua no ponto x se e somente se f0 e contınua no pontox, onde S e munido da metrica induzida da metrica de N .

B.2.6. Proposicao. Dados espacos metricos (M,d), (N, d′), (P, d′′) efuncoes f : M → N , g : N → P , se f e contınua num ponto x ∈ M e g e

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B.2. FUNCOES CONTINUAS E UNIFORMEMENTE CONTINUAS 46

contınua no ponto f(x) entao a funcao composta g ◦ f e contınua no pontox. Em particular, se f e g sao contınuas entao g ◦ f e contınua.

Demonstracao. Dado ε > 0 entao, pela continuidade de g no pontof(x), existe ρ > 0 tal que:

(B.2.2) para todo z ∈ N, d′(z, f(x)

)< ρ =⇒ d′′

[g(z), g

(f(x)

)]< ε;

a partir de ρ, a continuidade de f no ponto x nos da δ > 0 tal que d(y, x) < δimplica d′

(f(y), f(x)

)< ρ, para todo y ∈ M . Logo, se y ∈ M e d(y, x) < δ,

podemos fazer z = f(y) em (B.2.2) obtendo d′′((g◦f)(y), (g◦f)(x)

)< ε. �

B.2.7. Proposicao. Sejam M , N espacos metricos e f : M → N umafuncao. Sao equivalentes:

(a) f e contınua;(b) para todo subconjunto aberto U de N , f−1(U) e aberto em M ;(c) para todo subconjunto fechado F de N , f−1(F ) e fechado em M .

Demonstracao. A equivalencia entre (b) e (c) decorre facilmente dofato que um conjunto e aberto se e somente se seu complementar e fechadoe do fato que f−1(N \ U) = M \ f−1(U). Vamos mostrar a equivalenciaentre (a) e (b). Suponha que f e contınua e que U e aberto em N e vamosmostrar que f−1(U) e aberto em M . Para todo ponto x ∈ f−1(U), temosf(x) ∈ U e portanto existe ε > 0 tal que B

(f(x), ε

)⊂ U ; daı, como f

e contınua no ponto x, existe δ > 0 tal que f(B(x, δ)

)⊂ B

(f(x), ε

)e

portanto B(x, δ) ⊂ f−1(U). Logo f−1(U) e aberto. Agora assuma (b) evamos mostrar que f e contınua. Sejam x ∈ M e ε > 0 dados. ComoU = B

(f(x), ε

)e aberto e contem f(x), f−1(U) e aberto e contem x, donde

existe δ > 0 tal que B(x, δ) ⊂ f−1(U). Logo f(B(x, δ)

)⊂ B

(f(x), ε

),

mostrando que f e contınua no ponto x. �

B.2.8. Definicao. Sejam (M,d), (N, d′) espacos metricos. Uma funcaof : M → N e dita um homeomorfismo se f e contınua, bijetora e se a funcaoinversa f−1 : N → M tambem e contınua.

Segue diretamente da Proposicao B.2.7 a seguinte:

B.2.9. Proposicao. Sejam M , N espacos metricos e f : M → N umafuncao bijetora. Sao equivalentes:

(a) f e um homeomorfismo;(b) para todo subconjunto U de N , U e aberto em N se e somente se

f−1(U) e aberto em M ;(c) para todo subconjunto F de N , F e fechado em N se e somente se

f−1(F ) e fechado em M . �

B.2.10. Exercıcio. Mostre que a aplicacao inversa de um homeomor-fismo e ainda um homeomorfismo e que a composicao de homeomorfismos eum homeomorfismo.

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B.3. LIMITES DE FUNCOES 47

B.2.11. Definicao. Sejam (M,d), (N, d′) espacos metricos. Uma funcaof : M → N e dita uniformemente contınua se para todo ε > 0 existeδ > 0 tal que, para todos x, y ∈ M , se d(x, y) < δ entao d

(f(x), f(y)

)< ε.

Uma funcao bijetora uniformemente contınua com inversa uniformementecontınua e dita um homeomorfismo uniforme.

Obviamente toda funcao uniformemente contınua e contınua e todo ho-meomorfismo uniforme e um homeomorfismo.

B.2.12. Exercıcio. Mostre que a composicao de aplicacoes uniforme-mente contınuas (resp., de homeomorfismos uniformes) e uniformementecontınua (resp., um homeomorfismo uniforme).

B.2.13. Exemplo. Toda funcao constante e uniformemente contınua e aaplicacao identidade de um espaco metrico e um homeomorfismo uniforme.

B.2.14. Exemplo. Toda funcao Lipschitziana e uniformemente contınua(e, em particular, contınua): de fato, se k > 0 e uma constante de Lips-chitz para f : M → N entao, para todo ε > 0, podemos tomar δ = ε

kna Definicao B.2.11. Note que, em particular, toda imersao isometrica euniformemente contınua e toda isometria e um homeomorfismo uniforme.

B.2.15. Exemplo. A funcao s : [0,+∞[ 3 x 7→√

x ∈ R e uniformementecontınua. De fato, dado ε > 0, tome δ = ε2

2 . Sejam x, y ≥ 0 com |x−y| < δ.Se x ≥ ε2

4 ou y ≥ ε2

4 , temos√

x +√

y ≥ ε2 e portanto:∣∣√x−√

y∣∣ =

|x− y|√x +

√y≤ 2

ε|x− y| < 2δ

ε= ε;

por outro lado, se x < ε2

4 e y < ε2

4 , temos:∣∣√x−√y

∣∣ ≤ √x +

√y <

ε

2+

ε

2= ε.

No entanto, observamos que a funcao s nao e Lipschitziana, pois se k ≥ 0fosse uma constante de Lipschitz para s terıamos

√x ≤ kx para todo x ≥ 0

e portanto k ≥ 1√x, para todo x > 0. A aplicacao s : [0,+∞[ → [0,+∞[

e tambem um exemplo de um homeomorfismo uniformemente contınuo quenao e um homeomorfismo uniforme; de fato, a aplicacao inversa

s−1 : [0,+∞[ 3 x 7−→ x2 ∈ [0,+∞[

e contınua (deixamos isso a cargo do leitor), mas nao e uniformementecontınua: se s−1 fosse uniformemente contınua, existiria δ > 0 tal que|x2 − y2| < 1, para todos x, y ≥ 0 com |x− y| < δ. Mas fazendo y = x + δ

2 ,obtemos |x2 − y2| = δx + δ2

4 > 1, para x > 1δ .

B.3. Limites de Funcoes

Antes de definirmos a nocao de limite, precisamos da nocao de ponto deacumulacao.

Page 51: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.3. LIMITES DE FUNCOES 48

B.3.1. Definicao. Seja M um espaco metrico e seja A um subconjuntode M . Um ponto x ∈ M e dito um ponto de acumulacao de A se para todor > 0 existe y ∈ B(x, r)∩A com y 6= x (isto e, o conjunto

(B(x, r)∩A)\{x}

nao e vazio). O conjunto dos pontos de acumulacao de A e chamado oconjunto derivado de A e e denotado por2 A′.

B.3.2. Exercıcio. Sejam M um espaco metrico e A ⊂ M . Mostre que:(a) x e ponto de acumulacao de A se e somente se x e ponto aderente

de A \ {x}, isto e:

x ∈ A′ ⇐⇒ x ∈ A \ {x};(b) x e ponto de acumulacao de A se e somente se x e ponto de acu-

mulacao de A \ {x};(c) todo ponto de acumulacao de A e ponto aderente de A, isto e,

A′ ⊂ A;(d) se x ∈ M \A entao x e ponto de acumulacao de A se e somente se

x e ponto aderente de A;(e) A = A ∪A′;(f) A e fechado se e somente se A′ ⊂ A.

B.3.3. Exercıcio. Se M = R e A = Z, mostre que A = A, mas A′ = ∅.B.3.4. Exercıcio. Sejam M um espaco metrico, A ⊂ M e x ∈ M .

Mostre que sao equivalentes:(a) x e ponto de acumulacao de A;(b) para todo aberto U em M , se x ∈ U entao (U ∩A) \ {x} 6= ∅;(c) para toda vizinhanca V de x temos (V ∩A) \ {x} 6= ∅.

B.3.5. Exercıcio. Sejam (M,d) um espaco metrico e N um subconjun-to de M . Se A e um subconjunto de N e x ∈ N , mostre que x e ponto deacumulacao de A relativamente ao espaco metrico (N, d|N×N ) se e somentese x e ponto de acumulacao de A relativamente ao espaco metrico (M,d)(sugestao: use o resultado do Exercıcio B.1.6). Conclua que o conjunto de-rivado de A relativamente ao espaco metrico (N, d|N×N ) e igual a intersecaocom N do conjunto derivado de A relativamente ao espaco metrico (M,d).

B.3.6. Definicao. Seja (M,d) um espaco metrico. Um ponto x ∈ Mque nao e ponto de acumulacao de M e dito um ponto isolado de M . Umespaco metrico no qual todos os seus pontos sao isolados e chamado umespaco metrico discreto. Se A e um subconjunto de M entao um pontox ∈ A e dito isolado em A se x e um ponto isolado no espaco metrico(A, d|A×A). O conjunto A e dito discreto se (A, d|A×A) e um espaco metricodiscreto.

Evidentemente um subconjunto A de um espaco metrico M e discretose e somente se todo ponto de A e isolado em A. Em vista do resultado do

2Embora, quando nao ha risco de confusao com o conjunto derivado, nos usaremos oapostrofe tambem como parte do nome de um conjunto, como em “Sejam A, A′ conjun-tos. . . ”.

Page 52: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.3. LIMITES DE FUNCOES 49

Exercıcio B.3.5, um ponto x ∈ A e isolado em A se e somente se x nao eponto de acumulacao de A relativamente ao espaco metrico (M,d).

B.3.7. Exercıcio. Seja M um espaco metrico. Mostre que:(a) um ponto x ∈ M e isolado se e somente se existe r > 0 tal que

B(x, r) = {x};(b) um ponto x ∈ M e isolado se e somente se {x} e um conjunto

aberto em M ;(c) M e um espaco metrico discreto se e somente se todo subconjunto

de M e aberto (sugestao: ja que uniao de abertos e aberto, seos subconjuntos unitarios sao abertos entao todo subconjunto eaberto);

(d) M e um espaco metrico discreto se e somente se todo subconjuntode M e fechado.

B.3.8. Exercıcio. Mostre que qualquer conjunto munido da metricazero-um (Exemplo B.1.3) e um espaco metrico discreto.

B.3.9. Exercıcio. Sejam M um espaco metrico, A um subconjunto deM e x ∈ A. Mostre que:

(a) x e um ponto isolado de A se e somente se existe r > 0 tal queB(x, r) ∩A = {x};

(b) A e discreto se e somente se A ∩A′ = ∅;(c) A nao possui pontos de acumulacao em M se e somente se A e

discreto e fechado.B.3.10. Exercıcio. Se M = R, mostre que o conjunto:

A ={

1n : n = 1, 2, . . .

}e discreto, mas possui pontos de acumulacao em M (a saber: A′ = {0}).

B.3.11. Exercıcio. Sejam M , N espacos metricos e f : M → N umafuncao. Mostre que se x ∈ M e um ponto isolado entao f e contınua noponto x. Conclua que se M e discreto entao toda funcao f : M → N econtınua.

B.3.12. Proposicao. Sejam M um espaco metrico, A um subconjuntode M e x ∈ M um ponto de acumulacao de A. Para toda vizinhanca V dex o conjunto V ∩A e infinito.

Demonstracao. Se V ∩ A fosse finito, o conjunto F = (V ∩ A) \ {x}tambem seria finito e portanto fechado. Daı U = int(V )\F seria um abertoque contem x e portanto, como x e ponto de acumulacao de A, existiriay ∈ U ∩ A com y 6= x. Daı y ∈ int(V ) ⊂ V , y ∈ A e y 6= x, donde y ∈ F ,contradizendo y ∈ U . �

B.3.13. Definicao. Sejam (M,d), (N, d′) espacos metricos, A um sub-conjunto de M , a ∈ M um ponto de acumulacao de A e f : A → N umafuncao. Dizemos que L ∈ N e um limite de f no ponto a se para todo ε > 0dado existe δ > 0 tal que:

(B.3.1) para todo x ∈ A, 0 < d(x, a) < δ =⇒ d′(f(x), L

)< ε.

Page 53: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.3. LIMITES DE FUNCOES 50

Note que a condicao (B.3.1) e equivalente a f(B(a, δ) \ {a}

)⊂ B(L, ε)

ou a B(a, δ) \ {a} ⊂ f−1(B(L, ε)

).

O fato mais basico a ser estabelecido sobre limites e a seguinte:B.3.14. Proposicao. Nas condicoes da Definicao B.3.13, se um limite

para f no ponto a existe ele e unico.

Demonstracao. Sejam L1, L2 ∈ N limites para f no ponto a. Paratodo ε > 0, existem δ1 > 0, δ2 > 0 tais que:

para todo x ∈ A, 0 < d(x, a) < δ1 =⇒ d′(f(x), L1

)< ε,

para todo x ∈ A, 0 < d(x, a) < δ2 =⇒ d′(f(x), L2

)< ε.

Tomando δ = min{δ1, δ2} > 0, como a e ponto de acumulacao de A, existex ∈ B(a, δ)∩A diferente de a. Daı d′

(f(x), L1

)< ε e d′

(f(x), L2

)< ε, donde,

pela desigualdade triangular, d′(L1, L2) < 2ε. Como ε > 0 e arbitrario,temos d′(L1, L2) = 0 e portanto L1 = L2. �

Em vista da Proposicao B.3.14, um limite para f no ponto a, quandoexiste, sera chamado o limite de f no ponto a e sera denotado por:

limx→a

f(x).

B.3.15. Observacao. Como queremos permitir que tome-se o limitede uma funcao f num ponto que nao esta em seu domınio, precisamos naDefinicao B.3.13 considerar um espaco metrico (M,d) que contem o domıniode f . Observamos que se trocassemos M por um subespaco de M que contemA ∪ {a} o limite de f no ponto a nao seria alterado.

B.3.16. Exercıcio. Mostre que na Definicao B.3.13 nao faria diferencase trocassemos um ou ambos os sinais “<” por “≤” em (B.3.1).

B.3.17. Exercıcio. Sejam M , N espacos metricos, A um subconjuntode M , B um subconjunto de A, a ∈ M um ponto de acumulacao de B ef : A → N uma funcao. Dado L ∈ N , mostre que:

(a) se L e o limite de f no ponto a entao L tambem e o limite de f |Bno ponto a;

(b) se a possui uma vizinhanca V em M tal que3:

(A ∩ V ) \ {a} = (B ∩ V ) \ {a}e se L e o limite de f |B no ponto a entao L e o limite de f no pontoa.

B.3.18. Exercıcio. Sejam M , N espacos metricos, A um subconjuntode M , B1, B2 subconjuntos de A e f : A → N uma funcao. Suponha quea ∈ M e ponto de acumulacao de B1 e de B2, que L1 ∈ N e o limite def |B1 no ponto a e que L2 ∈ N e o limite de f |B2 no ponto a. Mostre que seL1 6= L2 entao f nao possui limite no ponto a (sugestao: use o resultado doitem (a) do Exercıcio B.3.17).

3Dois casos interessantes onde essa hipotese e satisfeita sao: (i) se a ∈ int(B), podemostomar V = B; (ii) se B = A \ {a} podemos tomar V = M .

Page 54: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.3. LIMITES DE FUNCOES 51

B.3.19. Exercıcio. Sejam M , N espacos metricos, A um subconjuntode M , a ∈ M um ponto de acumulacao de A, f : A → N uma funcao, Sum subconjunto de M que contem f(A) e f0 : A → S a funcao que diferede f apenas pelo seu contra-domınio. Se L ∈ S e S e munido da metricainduzida da metrica de N , mostre que L e o limite de f no ponto a se esomente se L e o limite de f0 no ponto a.

B.3.20. Exercıcio. Sejam M , N espacos metricos, f : M → N umafuncao e a ∈ M um ponto que nao seja isolado (isto e, um ponto de acumu-lacao de M). Mostre que f e contınua no ponto a se e somente se f(a) e olimite de f no ponto a.

B.3.21. Exercıcio. Sejam M , N espacos metricos, A um subconjuntode M , f : A → N uma funcao e a ∈ M um ponto de acumulacao de A.Mostre que sao equivalentes sobre L ∈ N :

(a) L e o limite de f no ponto a;(b) para toda vizinhanca V de L em N , existe uma vizinhanca U de a

em M tal que f((U ∩A) \ {a}

)⊂ V ;

(c) para todo aberto V em N contendo L, existe um aberto U em Mcontendo a tal que f

((U ∩A) \ {a}

)⊂ V .

B.3.22. Proposicao. Sejam (M,d), (N, d′), (P, d′′) espacos metricos, Aum subconjunto de M , a ∈ M um ponto de acumulacao de A e f : A → Numa funcao. Se existe e e igual a L ∈ N o limite de f no ponto a e seg : N → P e uma funcao contınua no ponto L entao existe o limite de g ◦ fno ponto a e e igual a g(L); em sımbolos:

limx→a

g(f(x)

)= g

(limx→a

f(x)).

Demonstracao. Seja dado ε > 0. A continuidade de g no ponto L nosda ρ > 0 tal que g

(B(L, ρ)

)⊂ B

(g(L), ε

). Como limx→a f(x) = L, existe

δ > 0 tal que, para todo x ∈ A, se 0 < d(x, a) < δ entao d′(f(x), L

)< ρ.

Logo, se x ∈ A e 0 < d(x, a) < δ temos f(x) ∈ B(L, ρ) e portanto:

g(f(x)

)∈ B

(g(L), ε

),

isto e, d′′((g ◦ f)(x), g(L)

)< ε. �

B.3.23. Proposicao. Sejam (M,d), (N, d′), (P, d′′) espacos metricos,A um subconjunto de M , a ∈ M um ponto de acumulacao de A, f : A → Numa funcao, B um subconjunto de N que contem f(A) e g : B → P umafuncao. Suponha que o limite de f no ponto a existe e denote por L ∈ Nesse limite. Se a possui uma vizinhanca V em M tal que f(x) 6= L, paratodo x ∈ (V ∩A)\{a}, entao L e um ponto de acumulacao de B em N ; alemdo mais, se o limite de g no ponto L existe entao o limite de g ◦ f : A → Pno ponto a existe e:

(B.3.2) limx→a

g(f(x)

)= lim

y→Lg(y).

Page 55: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.4. SEQUENCIAS 52

Demonstracao. Para todo ρ > 0, como limx→a f(x) = L, existe δ > 0tal que 0 < d(x, a) < δ implica d′

(f(x), L

)< ρ, para todo x ∈ A. Como

a e ponto de acumulacao de A e B(a, δ) ∩ V e uma vizinhanca de a, existex ∈ B(a, δ) ∩ V ∩ A com x 6= a; daı f(x) ∈ B(L, ρ) ∩ B e f(x) 6= L. Issomostra que L e ponto de acumulacao de B. Para mostrar (B.3.2), escrevaL′ = limy→L g(y) e seja dado ε > 0; temos que existe ρ > 0 tal que:

(B.3.3) para todo y ∈ B, 0 < d′(y, L) < ρ =⇒ d′′(g(y), L′

)< ε.

Como limx→a f(x) = L, existe δ1 > 0 tal que 0 < d(x, a) < δ1 implicad′

(f(x), L

)< ρ, para todo x ∈ A, e como V e uma vizinhanca de a, existe

tambem δ2 > 0 tal que B(a, δ2) ⊂ V . Tome δ = min{δ1, δ2} > 0. Se x ∈ A e0 < d(x, a) < δ entao d′

(f(x), L

)< ρ; alem do mais, como x ∈ B(a, δ2) ⊂ V

e x 6= a, temos f(x) 6= L, donde podemos fazer y = f(x) em (B.3.3) obtendod′′

((g ◦ f)(x), L′

)< ε. �

B.4. Sequencias

B.4.1. Definicao. Uma sequencia num conjunto M e uma funcao cujodomınio e o conjunto N = {0, 1, 2, . . .} dos numeros naturais e o contra-domınio e M .

O valor no ponto n ∈ N de uma sequencia x e normalmente denotadopor xn em vez de x(n) e a sequencia x e normalmente denotada por (xn)n≥0.Com pequeno abuso, nos tambem chamaremos de sequencia uma funcao cujodomınio e o conjunto N∗ = {1, 2, . . .} dos numeros naturais nao nulos; nessecaso, escrevemos (xn)n≥1 em vez de (xn)n≥0.

B.4.2. Definicao. Sejam (M,d) um espaco metrico e (xn)n≥0 uma se-quencia em M . Dizemos que (xn)n≥1 e convergente se existe a ∈ M tal quepara todo ε > 0 existe n0 ∈ N tal que d(xn, a) < ε, para todo n ≥ n0; umtal elemento a ∈ M e chamado um limite para a sequencia (xn)n≥0.

B.4.3. Proposicao. Uma sequencia convergente possui um unico limite.

Demonstracao. Se a, a′ ∈ M sao ambos limites de uma sequencia(xn)n≥0 num espaco metrico M entao para todo ε > 0, existem n1, n2 ∈ Ntais que d(xn, a) < ε, para todo n ≥ n1 e d(xn, a′) < ε, para todo n ≥ n2.Tomando n = max{n1, n2}, vemos que d(xn, a) < ε e d(xn, a′) < ε, dondea desigualdade triangular nos da d(a, a′) < 2ε. Como ε > 0 e arbitrario,concluımos que d(a, a′) = 0 e a = a′. �

Em vista da Proposicao B.4.3, um limite para (xn)n≥0, quando existe,sera chamado o limite de (xn)n≥0 e sera denotado por:

limn→∞

xn.

Se a = limn→∞ xn diremos tambem que (xn)n≥0 converge para a e escreve-remos xn → a ou, se houver possibilidade de confusao:

xn −−−−→n→∞

a.

Page 56: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.4. SEQUENCIAS 53

B.4.4. Exemplo. Se M e um espaco metrico arbitrario e a ∈ M , entaoa sequencia constante definida por xn = a para todo n ∈ N converge paraa.

B.4.5. Definicao. Uma sequencia (xn)n≥0 num espaco metrico M edita limitada quando o conjunto

{xn : n ∈ N

}for limitado.

B.4.6. Proposicao. Toda sequencia convergente num espaco metricoM e limitada.

Demonstracao. Se (xn)n≥0 converge para a entao existe n0 ∈ N talque xn ∈ B(a, 1), para todo n ≥ n0. Daı o conjunto

{xn : n ≥ n0

}e

limitado. Mas o conjunto{xn : n < n0

}e finito, donde limitado, e daı

tambem o conjunto{xn : n ∈ N

}e limitado, sendo uniao de dois conjuntos

limitados. �

B.4.7. Definicao. Uma sequencia (xn)n≥0 em R e dita crescente (resp.,decrescente) se xn ≤ xm (resp., xn ≥ xm), para quaisquer n, m ∈ N tais quen ≤ m. A sequencia (xn)n≥0 e dita estritamente crescente (resp., estrita-mente decrescente) se xn < xm (resp., xn > xm) para quaisquer n, m ∈ Ntais que n < m. Uma sequencia que e ou crescente ou decrescente e ditamonotona.

B.4.8. Exemplo. Toda sequencia monotona limitada em R e convergen-te. De fato, se (xn)n≥0 e crescente e limitada entao s = sup

{xn : n ∈ N

}e o

limite de (xn)n≥0, pois para todo ε > 0 existe n0 ∈ N com xn0 > s− ε e daıtemos s − ε < xn0 ≤ xn ≤ s, para todo n ≥ n0. Analogamente, se (xn)n≥0

e decrescente e limitada entao inf{xn : n ∈ N

}e o limite de (xn)n≥0.

B.4.9. Exercıcio. Sejam (M,d) um espaco metrico, N um subconjuntode M , (xn)n≥0 uma sequencia em N e a um ponto de N . Mostre que(xn)n≥0 converge para a no espaco metrico (M,d) se e somente se (xn)n≥0

converge para a no espaco metrico (N, d|N×N ). Conclua que se (xn)n≥0 econvergente em (M,d) e o limite de (xn)n≥0 nao esta em N entao (xn)n≥0

nao e convergente em (N, d|N×N ).As seguintes terminologias sao convenientes quando lidamos com sequen-

cias: dada uma certa propriedade P relativa a numeros naturais, dizemosque P vale para todo n suficientemente grande se existe n0 ∈ N tal quetodo n ≥ n0 satisfaz P (em outras palavras, o conjunto dos n ∈ N quenao satisfazem P e finito). Dizemos que P vale para todo n arbitrariamentegrande se para todo n0 ∈ N existe n ≥ n0 que satisfaz P (em outras palavras,o conjunto dos n ∈ N que satisfazem P e infinito). Assim, por exemplo,temos que uma sequencia (xn)n≥0 converge para a ∈ M se e somente separa todo ε > 0 a desigualdade d(xn, a) < ε vale para todo n suficientementegrande.

B.4.10. Exercıcio. Sejam M um espaco metrico, (xn)n≥0 uma sequen-cia em M e a ∈ M . Mostre que sao equivalentes:

(a) limn→∞ xn = a;

Page 57: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.4. SEQUENCIAS 54

(b) para toda vizinhanca V de a, temos xn ∈ V , para todo n suficien-temente grande;

(c) para todo conjunto aberto U em M com a ∈ U , temos xn ∈ U ,para todo n suficientemente grande;

(d) a sequencia(d(xn, a)

)n≥0

converge para 0 no espaco metrico R(munido da metrica Euclideana).

B.4.11. Exercıcio. Sejam M um espaco metrico, (xn)n≥0, (yn)n≥0 se-quencias em M e a ∈ M um ponto. Se o conjunto

{n ∈ N : xn 6= yn

}e

finito, mostre que (xn)n≥0 converge para a se e somente se (yn)n≥0 convergepara a.

B.4.12. Definicao. Dada uma sequencia x : N → M num conjuntoM entao uma subsequencia de x e uma sequencia da forma x ◦ σ, ondeσ : N → N e uma funcao estritamente crescrente (isto e, k < l implicaσ(k) < σ(l)).

Usualmente, nos omitimos o nome da funcao σ e denotamo-la simples-mente por N 3 k 7→ nk ∈ N; a subsequencia x ◦ σ de x = (xn)n≥0 e entaodenotada por (xnk

)k≥0 (ou (xnk)k≥1, se o domınio de σ for N∗).

B.4.13. Proposicao. Se uma sequencia (xn)n≥0 num espaco metrico Mconverge para a ∈ M entao qualquer subsequencia (xnk

)k≥0 converge para a.

Demonstracao. Dado ε > 0, existe m ∈ N tal que d(xn, a) < ε, paratodo n ≥ m. Como a funcao k 7→ nk e estritamente crescente, existe k0 talque nk ≥ m, para todo k ≥ k0. Daı d(xnk

, a) < ε, para todo k ≥ k0. �

B.4.14. Definicao. Sejam M um espaco metrico e (xn)n≥0 uma se-quencia em M . Dizemos que a ∈ M e um valor de aderencia para (xn)n≥0

quando existe uma subsequencia de (xn)n≥0 que converge para a.Segue da Proposicao B.4.13 que se uma sequencia e convergente entao

seu limite e o seu unico valor de aderencia. Assim, uma sequencia que possuidois valores de aderencia distintos nao pode ser convergente.

B.4.15. Exercıcio. Sejam (M,d) um espaco metrico, N um subconjun-to de M , (xn)n≥0 uma sequencia em N e a ∈ N um ponto. Mostre que a evalor de aderencia de (xn)n≥0 no espaco metrico (M,d) se e somente se a evalor de aderencia de (xn)n≥0 no espaco metrico (N, d|N×N ).

B.4.16. Exercıcio. Considere a sequencia (xn)n≥0 em R definida porxn = 0, se n e par, e xn = n, se n e ımpar. Mostre que 0 e o unico valor deaderencia de (xn)n≥0, mas que (xn)n≥0 nao e convergente.

B.4.17. Proposicao. Sejam M um espaco metrico e (xn)n≥0 uma se-quencia em M . Temos que a ∈ M e um valor de aderencia para (xn)n≥0 see somente se para todo aberto U contendo a temos que xn ∈ U para todo narbitrariamente grande, isto e, se e somente se para todo aberto U contendoa o conjunto:

(B.4.1){n ∈ N : xn ∈ U

}e infinito.

Page 58: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.4. SEQUENCIAS 55

Demonstracao. Suponha que a e um valor de aderencia para (xn)n≥0

e seja (xnk)k≥0 uma subsequencia de (xn)n≥0 que converge para a. Dado

um conjunto aberto U contendo a, temos que existe k0 ∈ N tal que xnk∈ U ,

para todo k ≥ k0; dai o conjunto (B.4.1) contem{nk : k ≥ k0

}e e portan-

to infinito. Reciprocamente, suponha que para todo aberto U contendo ao conjunto (B.4.1) e infinito. Vamos construir recursivamente uma funcaoestritamente crescente k 7→ nk de modo que (xnk

)k≥1 convirja para a. Emprimeiro lugar4, seja n1 ∈ N tal que xn1 pertence ao aberto B(a, 1). Assu-mindo nk definido, seja nk+1 ∈ N tal que nk+1 > nk e xnk+1

pertence aoaberto B

(a, 1

k+1

); note que tal nk+1 existe ja que o conjunto:{

n ∈ N : xn ∈ B(a, 1

k+1

)}e infinito. Obtemos entao uma subsequencia (xnk

)k≥1 de (xn)n≥0 tal qued(xnk

, a) < 1k , para todo k ≥ 1, donde segue que limk→∞ xnk

= a. �

Varios dos conceitos estudados nas secoes anteriores podem ser caracte-rizados usando a nocao de limite de sequencia, como veremos a seguir.

B.4.18. Proposicao. Sejam M um espaco metrico e A um subconjuntode M . Temos que um ponto a ∈ M e interior a A se e somente se paratoda sequencia (xn)n≥0 em M tal que xn → a temos xn ∈ M , para todo nsuficientemente grande. Em particular, A e aberto se e somente se para todasequencia convergente (xn)n≥0 em M com limn→∞ xn ∈ A temos xn ∈ A,para todo n suficientemente grande.

Demonstracao. Se a ∈ int(A) e xn → a entao A e uma vizinhanca dea e portanto xn ∈ A, para todo n suficientemente grande (Exercıcio B.4.10).Reciprocamente, suponha que para toda sequencia (xn)n≥0 com xn → avale que xn ∈ A, para todo n suficientemente grande. Se a nao fosse umponto interior a A, entao para todo numero natural n ≥ 1 nao seria o casoque B

(a, 1

n

)⊂ A e portanto existiria xn ∈ B

(a, 1

n

)tal que xn 6∈ A. Daı

d(xn, a) < 1n → 0 e portanto (xn)n≥1 converge para a. Mas nao existe

nenhum n com xn ∈ A, contradizendo nossas hipoteses. �

B.4.19. Corolario. Sejam M um espaco metrico e A um subconjuntode M . Temos que a ∈ M e um ponto aderente a A (isto e, a ∈ A) see somente se existe uma sequencia (xn)n≥0 em A tal que xn → a. Emparticular, A e fechado se e somente se para todo sequencia (xn)n≥0 em Aque seja convergente em M temos limn→∞ xn ∈ A.

Demonstracao. Se xn ∈ A para todo n e xn → a entao nao pode sero caso que a pertence ao interior de M \ A, pois caso contrario terıamosque xn ∈ M \ A, para todo n suficientemente grande. Logo a pertence aM\int(M\A), que e igual ao fecho de A (Exercıcio B.1.13). Reciprocamente,

4Se fazemos mesmo questao que as sequencias estejam indexadas em N = {0, 1, 2, . . .}podemos obviamente colocar um valor qualquer para n0, digamos n0 = 0, e depois tomaro cuidado de escolher n1 > n0.

Page 59: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.4. SEQUENCIAS 56

se a e aderente a A entao a nao pertence ao interior de M \ A e portantoexiste uma sequencia (xn)n≥0 em M com xn → a e tal que nao e o casoque xn ∈ M \ A para todo n suficientemente grande; em outras palavras,xn ∈ A para todo n arbitrariamente grande. Existe entao uma subsequencia(xnk

)k≥0 de (xn)n≥0 (que converge para a e) tal que xnk∈ A, para todo

k. �

B.4.20. Corolario. Sejam M um espaco metrico e A um subconjuntode M . Temos que a ∈ M e um ponto de acumulacao de A se e somente seexiste uma sequencia (xn)n≥0 em A \ {a} tal que xn → a.

Demonstracao. Segue do Corolario B.4.19 e do resultado do item (a)do Exercıcio B.3.2. �

B.4.21. Proposicao. Sejam (M,d), (N, d′) espacos metricos, A umsubconjunto de M , f : A → N uma funcao e a ∈ M um ponto de acumulacaode A. Dado L ∈ N entao sao equivalentes:

(a) limx→a f(x) = L;(b) para toda sequencia (xn)n≥0 em A \ {a} com xn → a vale que

f(xn) → L.

Demonstracao. Assuma (a) e seja (xn)n≥0 uma sequencia em A \ {a}que converge para a. Dado ε > 0, como limx→a f(x) = L, existe δ > 0tal que 0 < d(x, a) < δ implica d′

(f(x), L

)< ε, para todo x ∈ A. Como

xn → a, existe n0 ∈ N tal que d(xn, a) < δ, para todo n ≥ n0. Como xn 6= apara todo n, temos 0 < d(xn, a) < δ, para todo n ≥ n0 e portanto:

d′(f(xn), L

)< ε.

Agora assuma (b). Se nao fosse o caso que (a), existiria ε > 0 tal que paratodo δ > 0 existe x ∈ A com 0 < d(x, a) < δ e d′

(f(x), L

)≥ ε. Para

cada n ≥ 1, seja xn ∈ A com 0 < d(xn, a) < 1n e d′

(f(xn), L

)≥ ε. Daı

(xn)n≥1 e uma sequencia em A \ {a}, xn → a e nao e o caso que f(xn) → L,contradizendo (b). �

B.4.22. Proposicao. Dados espacos metricos (M,d), (N, d′), uma fun-cao f : M → N e a ∈ M , sao equivalentes:

(a) f e contınua no ponto a;(b) para qualquer sequencia (xn)n≥0 em M com xn → a vale que

f(xn) → f(a).

Demonstracao. Assuma (a) e seja (xn)n≥0 uma sequencia em M queconverge para a. Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que d(x, a) < δ implicad′

(f(x), f(a)

)< ε, para todo x ∈ M . Como xn → a, existe n0 ∈ N tal

que d(xn, a) < δ, para todo n ≥ n0. Daı d′(f(xn), f(a)

)< ε, para todo

n ≥ n0. Agora assuma (b). Se nao fosse o caso que (a), existiria ε > 0tal que para todo δ > 0 existe x ∈ M com d(x, a) < δ e d′

(f(x), L

)≥ ε.

Para cada n ≥ 1, seja xn ∈ M com d(xn, a) < 1n e d′

(f(xn), L

)≥ ε. Daı

Page 60: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.5. TOPOLOGIA E EQUIVALENCIA ENTRE METRICAS 57

(xn)n≥1 e uma sequencia em M , xn → a e nao e o caso que f(xn) → f(a),contradizendo (b). �

B.5. Topologia e equivalencia entre metricas

B.5.1. Definicao. A topologia de um espaco metrico (M,d) e o conjuntoτ(M,d) de todos os subconjuntos abertos de M :

τ(M,d) ={U ∈ ℘(M) : para todo x ∈ U , existe r > 0 com B(x, r) ⊂ U

},

onde ℘(M) denota o conjunto de todas as partes de M .Embora a metrica d nao apareca explicitamente na definicao de τ(M,d)

acima, e evidente que τ(M,d) pode depender (e normalmente depende) de d,ja que o uso da notacao de bola aberta B(x, r) faz uma referencia implıcitaa metrica d. No entanto, por simplicidade, escreveremos as vezes apenasτ(M) quando d estiver subentendida pelo contexto e nao houver risco deconfusao.

Varios dos conceitos estudados ate agora neste apendice podem ser de-finidos fazendo referencia apenas a topologia dos espacos metricos envol-vidos, sem que seja feita referencia direta as metricas. Um conceito quepode ser descrito fazendo referencia apenas as topologias, sem mencao di-reta5 as metricas e chamado um conceito topologico. Por exemplo, a Pro-posicao B.2.7 nos diz que o conceito de funcao contınua e topologico: umafuncao f : M → N e contınua se e somente se f−1(U) ∈ τ(M), para todoU ∈ τ(N). Mais geralmente, o resultado do Exercıcio B.2.3 nos garante quetambem o conceito de continuidade num ponto e topologico: f : M → Ne contınua num ponto x ∈ M se e somente se para todo V ∈ τ(N) comf(x) ∈ V existe U ∈ τ(M) com x ∈ U e f(U) ⊂ V . Todos os concei-tos introduzidos na Definicao B.1.7 sao topologicos (veja Exercıcio B.1.30).Os conceitos de conjunto aberto e fechado sao (trivialmente) topologicos.Tambem sao topologicos os conceitos de conjunto denso, de vizinhanca deum ponto, de homeomorfismo, de ponto de acumulacao (Exercıcio B.3.4),de ponto isolado, de espaco discreto, de limite de funcao (Exercıcio B.3.21)e de limite de sequencia (Exercıcio B.4.10). Veremos que os conceitos defuncao uniformemente contınua e de conjunto limitado nao sao topologicos(veja Observacao B.5.6 e Exemplo B.5.13 abaixo).

B.5.2. Definicao. Duas metricas d1, d2 num conjunto M sao ditasequivalentes (ou topologicamente equivalentes) se τ(M,d1) = τ(M,d2), istoe, se os espacos metricos (M,d1) e (M,d2) possuem os mesmos conjuntosabertos.

Temos entao que os conceitos topologicos sao aqueles que permaneceminvariantes quando trocamos uma metrica por outra equivalente. Por exem-plo, se f : M → N e uma funcao contınua quando M , N sao munidos

5Evidentemente, uma referencia a topologia e uma referencia indireta a metrica, jaque a topologia depende da metrica.

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B.5. TOPOLOGIA E EQUIVALENCIA ENTRE METRICAS 58

respectivamente de metricas d, d′ entao f ainda sera contınua se trocarmosd e d′ respectivamente por metricas equivalentes d1 e d′1.

B.5.3. Proposicao. Duas metricas d1, d2 num conjunto M sao equiva-lentes se e somente se a aplicacao identidade de (M,d1) para (M,d2) e umhomeomorfismo.

Demonstracao. Segue diretamente da Proposicao B.2.9. �

B.5.4. Definicao. Duas metricas d1, d2 num conjunto M sao ditas uni-formemente equivalentes se a aplicacao identidade de (M,d1) para (M,d2) eum homeomorfismo uniforme (Definicao B.2.11). As metricas d1, d2 sao di-tas Lipschitz-equivalentes se a aplicacao identidade de (M,d1) para (M,d2)e a aplicacao identidade de (M,d2) para (M,d1) sao Lipschitzianas.

Como toda aplicacao Lipschitziana e uniformemente contınua, temosque metricas Lipschitz-equivalentes sao uniformemente equivalentes e comotoda aplicacao uniformemente contınua e contınua, temos que duas metricasuniformemente equivalentes sao equivalentes.

B.5.5. Exercıcio. Mostre que se d e d′ sao metricas Lipschitz-equi-valentes em M entao (M,d) e limitado se e somente se (M,d′) e limitado(sugestao: use a Proposicao B.1.50).

B.5.6. Observacao. No Exercıcio B.4 pedimos ao leitor para demons-trar que toda metrica e uniformemente equivalente a uma metrica limitada.Vemos entao que nao se pode trocar “Lipschitz-equivalentes” por “unifor-memente equivalentes” no enunciado do Exercıcio B.5.5 (e, em particular,vemos que “Lipschitz-equivalente” nao e o mesmo que “uniformemente equi-valente”). Vemos tambem que o conceito de espaco metrico limitado nao etopologico: podemos ter duas metricas equivalentes (e ate uniformementeequivalentes), sendo uma limitada e a outra nao.

B.5.7. Exercıcio. Sejam d1, d2 metricas num conjunto M . Mostre que:

(a) d1 e d2 sao uniformemente equivalentes se e somente se para todoε > 0 existe δ > 0 tal que, para todos x, y ∈ M , d1(x, y) < δimplica d2(x, y) < ε e d2(x, y) < δ implica d1(x, y) < ε;

(b) d1 e d2 sao Lipschitz-equivalentes se e somente se existem numerosreais k, k′ > 0 tais que:

(B.5.1) k′ d1(x, y) ≤ d2(x, y) ≤ k d1(x, y), para todos x, y ∈ M.

B.5.8. Exercıcio. Mostre que, dado um conjunto M , as relacoes “serequivalente a”, “ser uniformemente equivalente a” e “ser Lipschitz-equivalen-te a” sao relacoes de equivalencia (isto e, sao relacoes reflexivas, simetricase transitivas) no conjunto de todas as metricas em M (sugestao: use osresultados dos Exercıcios B.2.10, B.2.12 e B.1.48).

B.5.9. Exercıcio. Sejam (M,d), (N, d′) espacos metricos e d1, d′1 me-tricas uniformemente equivalentes a d e a d′, respectivamente. Dada umafuncao f : M → N , mostre que f : (M,d) → (N, d′) e uniformemente

Page 62: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.5. TOPOLOGIA E EQUIVALENCIA ENTRE METRICAS 59

contınua se e somente se a aplicacao f : (M,d1) → (N, d′1) e uniformementecontınua (sugestao: use o resultado do Exercıcio B.2.12).

B.5.10. Exercıcio. Sejam (M,d), (N, d′) espacos metricos e d1, d′1 me-tricas Lipschitz-equivalentes a d e a d′, respectivamente. Dada uma funcaof : M → N , mostre que f : (M,d) → (N, d′) e Lipschitziana se e somente sea aplicacao f : (M,d1) → (N, d′1) e Lipschitziana (sugestao: use o resultadodo Exercıcio B.1.48).

B.5.11. Exemplo. As metricas d, d1 e d∞ em Rn definidas no Exem-plo B.1.2 sao duas a duas Lipschitz-equivalentes. De fato, e facil ver que:

d∞(x, y) ≤ d1(x, y) ≤ n d∞(x, y), d∞(x, y) ≤ d(x, y) ≤√

n d∞(x, y),

para todos x, y ∈ Rn, donde d∞ e Lipschitz-equivalente a d1 e a d. Portransitividade, vemos que d e Lipschitz-equivalente a d1.

B.5.12. Proposicao. Sejam (M,d), (N, d′) espacos metricos e seja da-da uma funcao bijetora f : M → N ; denote por df a metrica em M induzidapor f e por d′ (veja Exercıcio B.1.55). Temos que:

(a) df e equivalente a d se e somente se a aplicacao f : (M,d) → (N, d′)e um homeomorfismo;

(b) df e uniformemente equivalente a d se e somente se a aplicacaof : (M,d) → (N, d′) e um homeomorfismo uniforme;

(c) df e Lipschitz equivalente e d se e somente se ambas as aplicacoesf : (M,d) → (N, d′), f−1 : (N, d′) → (M,d) sao Lipschitzianas.

Demonstracao. Note que a aplicacao f : (M,d) → (N, d′) e igual acomposicao da aplicacao identidade Id : (M,d) → (M,df ) com a isometriaf : (M,df ) → (N, d′); em outras, palavras o diagrama:

(M,d)f //

Id��

(N, d′)

(M,df )f (isometria)

99ttttttttt

e comutativo. Ja que uma isometria e Lipschitziana (e portanto uniforme-mente contınua e contınua), segue facilmente que f : (M,d) → (N, d′) temas mesmas propriedades (continuidade, continuidade uniforme ou existenciade constante de Lipschitz) que a aplicacao identidade Id : (M,d) → (M,df ).Uma observacao completamente analoga vale para f−1 : (N, d′) → (M,d) eId−1 : (M,df ) → (M,d). �

B.5.13. Exemplo. Seja M = [0,+∞[ e denote por d a restricao a Mda metrica Euclideana de R. A funcao f : M 3 x 7→ x2 ∈ M e umhomeomorfismo de (M,d) em (M,d) e portanto, pela Proposicao B.5.12, ametrica df : M × M 3 (x, y) 7→ |x2 − y2| e equivalente a d. Temos entaoque a funcao f : (M,df ) → (M,d) e uniformemente contınua (pois e umaisometria), mas a funcao f : (M,d) → (M,d) nao e (veja Exemplo B.2.15).Em particular, continuidade uniforme nao e um conceito topologico.

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B.6. METRICAS NO PRODUTO CARTESIANO 60

B.6. Metricas no produto cartesiano

Dados espacos metricos (M1, d1), . . . , (Mn, dn), ha muitas maneiras na-turais de se definir uma metrica no produto cartesiano M =

∏ni=1 Mi. Tres

delas sao:

D1 : M ×M 3 (x, y) 7−→n∑

i=1

di(xi, yi) ∈ R,(B.6.1)

D2 : M ×M 3 (x, y) 7−→( n∑

i=1

di(xi, yi)2) 1

2 ∈ R,(B.6.2)

D∞ : M ×M 3 (x, y) 7−→ max{di(xi, yi) : i = 1, . . . , n

}∈ R.(B.6.3)

Deixamos a cargo do leitor a verificacao do fato que D1, D2 e D∞ sao mesmometricas (veja Exercıcio B.5). As metricas D1, D2 e D∞ sao chamadasrespectivamente a metrica produto tipo 1, a metrica produto tipo 2 e a metricaproduto tipo ∞ associadas as metricas di, i = 1, . . . , n.

As desigualdades (compare com o Exemplo B.5.11):

(B.6.4)D∞(x, y) ≤ D1(x, y) ≤ n D∞(x, y),

D∞(x, y) ≤ D2(x, y) ≤√

n D∞(x, y),

validas para todos x, y ∈ M , mostram que as metricas D1, D2 e D∞ saoduas a duas Lipschitz-equivalentes.

B.6.1. Exemplo. Se para todo i = 1, . . . , n, o espaco metrico Mi e Re di e a metrica Euclideana entao M =

∏ni=1 Mi = Rn e as metricas D1,

D2, D∞ coincidem respectivamente com as metricas d1, d e d∞ definidas noExemplo B.1.2.

B.6.2. Exercıcio. Sejam (M1, d1), . . . , (Mn, dn) espacos metricos e sejaD : M × M → R a metrica produto do tipo 1 associada as metricas di,i = 1, . . . , n, onde M =

∏ni=1 Mi. Para cada i = 1, . . . , n, seja Ni um

subconjunto de Mi e seja N =∏n

i=1 Ni. Mostre que D|N×N e a metricaproduto do tipo 1 associada as metricas di|Ni×Ni , i = 1, . . . , n. Repita oexercıcio substituindo todas as ocorrencias de “metrica produto tipo 1” por“metrica produto tipo 2” e tambem por “metrica produto tipo ∞”.

B.6.3. Exercıcio. Sejam (Mij , dij), j = 1, . . . , ni, i = 1, . . . , k, espacosmetricos e defina Mi =

∏nij=1 Mij , i = 1, . . . , k; seja di a metrica produto

tipo 1 em Mi associada as metricas dij , j = 1, . . . , ni, e seja d a metricaproduto tipo 1 em M =

∏ki=1 Mi associada as metricas di, i = 1, . . . , k. Se:

M ′ =∏

1≤i≤k

1≤j≤ni

Mij

e munido da metrica produto tipo 1 associada as metricas dij , j = 1, . . . , ni,i = 1, . . . , k, mostre que a aplicacao:(

(x11, . . . , x1n1), . . . (xk1, . . . , xknk))7−→ (x11, . . . , x1n1 , . . . , xk1, . . . , xknk

)

Page 64: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.6. METRICAS NO PRODUTO CARTESIANO 61

e uma isometria de M sobre M ′. Repita o exercıcio substituindo todas asocorrencias de “metrica produto tipo 1” por “metrica produto tipo 2” etambem por “metrica produto tipo ∞”.

B.6.4. Exercıcio. Sejam (Mi, di), i = 1, . . . , n, espacos metricos e sejaM =

∏ni=1 Mi munido de uma das metricas produto associadas as metricas

di, i = 1, . . . , n. Mostre que as projecoes πi : M → Mi sao Lipschitzianascom constante de Lipschitz igual a 1. Conclua que as projecoes πi saouniformemente contınuas.

B.6.5. Exemplo. Seja (M,d) um espaco metrico arbitrario e seja D ametrica produto tipo 1 em M ×M , isto e:

D : (M ×M)× (M ×M) 3((x, y), (x′, y′)

)7−→ d(x, x′) + d(y, y′).

Afirmamos que a funcao d : M × M → R e Lipschitziana com constantede Lipschitz igual a 1; em particular, d e uniformemente contınua. De fato,dados x, y, x′, y′ ∈ M , temos:

d(x, y) ≤ d(x, x′) + d(x′, y′) + d(y′, y),

donde:

d(x, y)− d(x′, y′) ≤ d(x, x′) + d(y′, y) = D((x, y), (x′, y′)

).

Trocando os papeis de (x, y) e (x′, y′) obtemos:

d(x′, y′)− d(x, y) ≤ D((x, y), (x′, y′)

),

donde: ∣∣d(x, y)− d(x′, y′)∣∣ ≤ D

((x, y), (x′, y′)

).

B.6.6. Proposicao. Sejam (M1, d1), . . . , (Mn, dn) espacos metricos esuponha M =

∏ni=1 Mi munido de uma das metricas produto D associadas

as metricas di, i = 1, . . . , n. Temos que:(a) se Ai e aberto em Mi para todo i = 1, . . . , n, entao A =

∏ni=1 Ai e

aberto em M ;(b) se Fi e fechado em Mi para todo i = 1, . . . , n, entao F =

∏ni=1 Fi

e fechado em M ;(c) se U e aberto em M entao para todo x ∈ U podemos encontrar

conjuntos abertos Ai ⊂ Mi, i = 1, . . . , n, tais que x ∈∏n

i=1 Ai ⊂ U .

Demonstracao. Os itens (a) e (b) seguem da continuidade das pro-jecoes πi : M → Mi (Exercıcio B.6.4), das igualdades A =

⋂ni=1 π−1

i (Ai),F =

⋂ni=1 π−1

i (Fi) e da Proposicao B.2.7. Passemos a prova do item (c);como as metricas produto sao todas equivalentes, podemos supor sem perdade generalidade que D e a metrica produto tipo ∞. Dado x ∈ U , como U eaberto em M , existe r > 0 tal que B(x, r) ⊂ U . Mas e facil ver que:

B(x, r) =n∏

i=1

B(xi, r),

donde basta tomar Ai = B(xi, r), i = 1, . . . , n. �

Page 65: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.7. CONEXIDADE 62

A proposicao a seguir resume todas as propriedades importantes dasmetricas produto.

B.6.7. Proposicao. Sejam (M,d), (N1, d1), . . . , (Nk, dk), espacos me-tricos; suponha N =

∏ki=1 Ni munido de algumas das metricas produto D

associadas as metricas di, i = 1, . . . , k, e denote por πi : N → Ni a i-esimaprojecao. Temos que:

(a) uma funcao f : M → N e contınua num ponto x ∈ M se e somentese πi ◦ f e contınua no ponto x para todo i = 1, . . . , k;

(b) uma funcao f : M → N e uniformemente contınua se e somentese πi ◦ f e uniformemente contınua para todo i = 1, . . . , k;

(c) uma funcao f : M → N e Lipschitziana se e somente se πi ◦ f eLipschitziana para todo i = 1, . . . , k;

(d) dados um subconjunto A de M , um ponto de acumulacao a ∈ Mde A, uma funcao f : A → N e um ponto L ∈ N entao L e o limitede f no ponto a se e somente se πi(L) e o limite de πi ◦ f no pontoa para todo i = 1, . . . , k;

(e) se (xn)n≥0 e uma sequencia em N e se a ∈ N entao (xn)n≥0 con-verge para a se e somente se

(πi(xn)

)n≥0

converge para πi(a) paratodo i = 1, . . . , k.

Demonstracao. Como todas as metricas produto sao Lipschitz-equi-valentes, podemos supor sem perda de generalidade que D e a metrica pro-duto tipo ∞. Nesse caso, para todos p, q ∈ N e para todo ε > 0 temos:

D(p, q) < ε ⇐⇒ para todo i = 1, . . . , k, di

(πi(p), πi(q)

)< ε.

Os itens (a), (b), (d) e (e) seguem quase que diretamente de instancias ade-quadas da equivalencia acima: usamos p = f(x), q = f(y) na demonstracaodos itens (a) e (b), p = L, q = f(x) na demonstracao do item (d) e p = xn,q = a na demonstracao do item (e). Passemos entao a demonstracao doitem (c): se f e Lipschitziana entao cada πi ◦ f e Lipschitziana, ja que πi eLipschitziana. Reciprocamente, se cada πi ◦ f e Lipschitziana, podemos es-colher uma constante de Lipschitz comum c ≥ 0 para todas as funcoes πi ◦f(tome o maximo de constantes de Lipschitz para cada uma das funcoes) edaı:

D(f(x), f(y)

)= max

i=1,...,ndi

((πi ◦ f)(x), (πi ◦ f)(y)

)≤ c d(x, y),

para todos x, y ∈ M , donde c e uma constante de Lipschitz para f . �

B.7. Conexidade

B.7.1. Definicao. Uma cisao de um espaco metrico (M,d) e um par(A,B) de subconjuntos abertos e disjuntos de M tais que M = A∪B. Umacisao (A,B) e dita trivial se A = ∅ ou B = ∅. O espaco metrico (M,d) edito conexo se admite apenas a cisao trivial. Um espaco metrico que nao econexo e dito desconexo. Um subconjunto X de um espaco metrico (M,d)

Page 66: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.7. CONEXIDADE 63

e dito conexo (resp., desconexo) se o espaco metrico (X, d|X×X) e conexo(resp., desconexo).

Evidentemente, cisao e conexidade sao conceitos topologicos.B.7.2. Exercıcio. Seja M um espaco metrico. Mostre que (A,B) e

uma cisao de M se e somente se M = A∪B, A∩B = ∅ e A, B sao fechados.B.7.3. Exercıcio. Mostre que um espaco metrico M e conexo se e

somente se os unicos subconjuntos de M que sao ao mesmo tempo abertose fechados sao o conjunto vazio e M .

B.7.4. Proposicao. Sejam M , N espacos metricos. Se existe umafuncao contınua sobrejetora f : M → N e M e conexo entao N tambem econexo.

Demonstracao. Se (A,B) e uma cisao de N entao(f−1(A), f−1(B)

)e uma cisao de M , donde f−1(A) = ∅ ou f−1(B) = ∅; como f e sobrejetora,segue que A = ∅ ou B = ∅. �

B.7.5. Corolario. Sejam M , N espacos metricos e f : M → N umafuncao contınua. Se X e um subconjunto conexo de M entao f(X) e umsubconjunto conexo de N .

Demonstracao. Basta observar que f |X : X → f(X) e uma funcaocontınua e sobrejetora. �

B.7.6. Proposicao. Sejam M um espaco metrico e X um subconjuntodenso de M . Se X e conexo entao M e conexo.

Demonstracao. Se (A,B) e uma cisao de M entao (A ∩X, B ∩X) euma cisao de X, donde A ∩X = ∅ ou B ∩X = ∅. Como X e denso, segueque A = ∅ ou B = ∅. �

B.7.7. Corolario. Sejam M um espaco metrico, X um subconjuntoconexo de M e Y um subconjunto de M . Se X ⊂ Y ⊂ X entao Y e conexo.

Demonstracao. Basta ver que X e denso no espaco metrico Y . �

B.7.8. Proposicao. Seja M um espaco metrico e (Xi)i∈I uma famıliade subconjuntos conexos de M . Se a intersecao

⋂i∈I Xi e nao vazia entao

a uniao⋃

i∈I Xi e conexa.

Demonstracao. Escreva X =⋃

i∈I Xi e seja (A,B) um cisao de X.Escolha qualquer p ∈

⋂i∈I Xi. Como X = A ∪ B, temos p ∈ A ou p ∈ B;

para fixar as ideias, digamos que p ∈ A. Para todo i ∈ I, temos que(A∩Xi, B ∩Xi) e uma cisao de Xi, donde B ∩Xi = ∅ (note que A∩Xi naopode ser vazio, pois p ∈ A ∩Xi). Daı B =

⋃i∈I(B ∩Xi) = ∅. �

B.7.9. Proposicao. Dado um subconjunto I de R, as seguintes con-dicoes sao equivalentes:

(a) I e conexo;(b) para todos a, b ∈ I, c ∈ R, se a < c < b entao c ∈ I.

Page 67: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.7. CONEXIDADE 64

Demonstracao. Suponha que I e conexo e sejam a, b, c ∈ R tais quea < c < b e a, b ∈ I. Se fosse c 6∈ I, terıamos que

(]−∞, c[ ∩ I, ]c,+∞[ ∩ I

)seria uma cisao nao trivial de I, o que nao e possıvel; daı c ∈ I. Suponhaagora que a condicao (b) vale e suponha por absurdo que I seja desconexo.Seja (A,B) uma cisao nao trivial de I e sejam a ∈ A, b ∈ B. Temos a < b oub < a; para fixar as ideias, vamos assumir que a < b. Considere o conjunto:

S ={x ∈ [a,+∞[ : [a, x] ⊂ A

}.

Temos que a ∈ S e S e limitado superiormente por b, donde S possui umsupremo c ∈ R; de a ≤ c ≤ b e da condicao (b) vemos que c ∈ I. ComoS ⊂ A e c e aderente a S, temos que c e aderente a A e, como A e fechadoem I, temos que c ∈ A. Vemos entao que c < b, ja que b ∈ B. Mas como Ae aberto em I, existe ε > 0 com [c− ε, c + ε]∩ I ⊂ A; podemos escolher esseε de modo que c + ε ≤ b. Daı a ≤ c < c + ε ≤ b e a condicao (b) implicaque [c, c + ε] ⊂ I; logo [c, c + ε] ⊂ [c− ε, c + ε] ∩ I ⊂ A. Mas e facil ver que[a, c[ ⊂ A, donde [a, c + ε] ⊂ A e c + ε ∈ S, contradizendo o fato que c e osupremo de S. �

B.7.10. Corolario. R e conexo. �

B.7.11. Exercıcio. Dizemos que um subconjunto I de R e um intervalose satisfaz pelo menos uma das condicoes abaixo:

• I = ∅ ou I = {a}, com a ∈ R;• I = [a, b] ou I = ]a, b] ou I = [a, b[ ou I = ]a, b[, com a, b ∈ R,

a < b;• I = ]−∞, a] ou I = ]−∞, a[ ou I = [a,+∞[ ou I = ]a,+∞[, com

a ∈ R;• I = ]−∞,+∞[ = R.

Mostre que um subconjunto de R e conexo se e somente se e um intervalo(sugestao: mostre que um subconjunto I de R e um intervalo se e somen-te se satisfaz a condicao (b) no enunciado da Proposicao B.7.9; para isso,considere o ınfimo e o supremo de I).

B.7.12. Proposicao. Se M , N sao espacos metricos conexos e se M×Ne munido de uma das metricas produto entao M × N e conexo. Recipro-camente, se M e N sao nao vazios e M × N e conexo entao M e N saoconexos.

Demonstracao. Se M e N sao nao vazios e M × N e conexo entaoa conexidade de M e de N segue da Proposicao B.7.4 observando que asprojecoes do produto M ×N sao contınuas e sobrejetoras. Suponha agoraque M e N sao conexos e mostremos que M × N e conexo. Se M ouN e vazio entao M × N e vazio e portanto conexo; suponha que M e Nsao nao vazios. Dados x ∈ M , y ∈ N , denote por ix : N → M × N ,jy : M → M × N as aplicacoes definidas por ix(q) = (x, q), jy(p) = (p, y),para todos p ∈ M , q ∈ N . Segue da Proposicao B.6.7 que as aplicacoes ix ejy sao contınuas e portanto o Corolario B.7.5 nos da que ix(N) e jy(M) sao

Page 68: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.7. CONEXIDADE 65

subconjuntos conexos de M ×N . Como (x, y) ∈ ix(N) ∩ jy(M) vemos quea uniao Cxy = ix(N) ∪ jy(M) e conexa (Proposicao B.7.8). Mas:

M ×N =⋃

y∈N

jy(M) ⊂⋃

y∈N

Cxy ⊂ M ×N,

donde M ×N =⋃

y∈N Cxy; mas:

∅ 6= ix(N) ⊂⋂

y∈N

Cxy,

donde a Proposicao B.7.8 nos da que M ×N e conexo. �

B.7.13. Corolario. Se M1, . . . , Mn sao espacos metricos conexos eM =

∏ni=1 Mi e munido de uma das metricas produto entao M e conexo.

Reciprocamente, se M e conexo e cada Mi e nao vazio entao cada Mi econexo.

Demonstracao. Segue facilmente da Proposicao B.7.12 por inducaoem n. �

B.7.14. Corolario. Rn e conexo.

Demonstracao. Segue dos Corolario B.7.10 e B.7.13. �

B.7.15. Definicao. Um espaco metrico (M,d) e dito conexo por ca-minhos (ou conexo por arcos) se para todos x, y ∈ M existe uma funcaocontınua γ : [0, 1] → M tal que γ(0) = x e γ(1) = y. Um subconjunto X deM e dito conexo por caminhos se o espaco metrico (X, d|X×X) for conexopor caminhos.

Evidentemente, conexidade por caminhos e um conceito topologico.Note que um subconjunto X de M e conexo por caminhos se e somente

se para todos x, y ∈ X existe uma funcao contınua γ : [0, 1] → M tal queγ(0) = x, γ(1) = y e γ

([0, 1]

)⊂ X.

B.7.16. Proposicao. Todo espaco metrico conexo por caminhos e co-nexo.

Demonstracao. Seja M um espaco metrico conexo por caminhos. SeM e vazio, entao M e conexo. Se M e nao vazio, fixe x ∈ M e denote por Co conjunto de todas as funcoes contınuas γ : [0, 1] → M tais que γ(0) = x.A hipotese de que M e conexo por caminhos implica que:

M =⋃γ∈C

γ([0, 1]

).

Como cada γ e contınua e [0, 1] e conexo (Proposicao B.7.9), segue queγ([0, 1]

)e conexo, para todo γ ∈ C (Corolario B.7.5). Mas como:

x ∈⋂γ∈C

γ([0, 1]

),

segue da Proposicao B.7.8 que M e conexo. �

Page 69: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.8. COMPLETUDE 66

B.8. Completude

B.8.1. Definicao. Uma sequencia (xn)n≥0 num espaco metrico M edita de Cauchy se para todo ε > 0 existe n0 ∈ N tal que d(xn, xm) < ε,para todos n, m ∈ N com n, m ≥ n0.

B.8.2. Exercıcio. Mostre que uma sequencia (xn)n≥0 num espaco me-trico M e de Cauchy se e somente se para todo ε > 0 existe n0 ∈ N tal queo conjunto: {

xn : n ≥ n0

}tem diametro menor do que ε. Conclua que toda sequencia de Cauchy elimitada.

B.8.3. Exercıcio. Sejam (M,d) um espaco metrico e N um subcon-junto de M . Uma sequencia (xn)n≥0 em N e de Cauchy no espaco metrico(N, d|N×N ) se e somente se ela e de Cauchy em (M,d).

B.8.4. Proposicao. Toda sequencia convergente e de Cauchy.

Demonstracao. Sejam M um espaco metrico e (xn)n≥0 uma sequenciaem M que converge para a ∈ M . Para todo ε > 0, existe n0 ∈ N tal qued(xn, a) < ε

2 , para todo n ≥ n0. Daı, se n, m ≥ n0 temos d(xn, a) < ε2 e

d(xm, a) < ε2 , donde a desigualdade triangular nos da d(xn, xm) < ε. �

B.8.5. Exercıcio. Mostre que uma subsequencia de uma sequencia deCauchy e ainda uma sequencia de Cauchy.

B.8.6. Proposicao. Sejam M um espaco metrico e (xn)n≥0 uma se-quencia de Cauchy em M . Se (xn)n≥0 possui uma subsequencia (xnk

)k≥0

que converge para um certo a ∈ M entao (xn)n≥0 converge para a.

Demonstracao. Seja dado ε > 0 e seja m0 ∈ N tal que d(xn, xm) < ε2 ,

para todos n, m ∈ N com n, m ≥ m0. Fixe n ≥ m0 e vamos mostrar qued(xn, a) < ε. Como xnk

→ a, existe k0 tal que d(xnk, a) < ε

2 , para todok ≥ k0. Tome k ≥ k0 tal que nk ≥ m0. Temos entao que d(xnk

, a) < ε2 e que

d(xnk, xn) < ε

2 , donde a desigualdade triangular nos da d(xn, a) < ε. �

B.8.7. Proposicao. Sejam dados espacos metricos (M,d), (N, d′). Sef : M → N e uma funcao uniformemente contınua e se (xn)n≥0 e umasequencia de Cauchy em M entao

(f(xn)

)n≥0

e uma sequencia de Cauchyem N .

Demonstracao. Dado ε > 0, existe δ > 0 tal que d(p, q) < δ implicad′

(f(p), f(q)

)< ε, para todos p, q ∈ M ; existe tambem n0 ∈ N tal que

d(xn, xm) < δ, para todos n, m ≥ n0. Daı d′(f(xn), f(xm)

)< ε, para todos

n, m ≥ n0. �

B.8.8. Corolario. Se d, d′ sao metricas uniformemente equivalentesem M entao uma sequencia (xn)n≥0 em M e de Cauchy em (M,d) se esomente se for de Cauchy em (M,d′). �

Page 70: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.8. COMPLETUDE 67

B.8.9. Exercıcio. Seja M = ]0,+∞[ munido da restricao da metricaEuclideana. Mostre que a funcao f : M → M definida por f(x) = 1

x , paratodo x ∈ M e contınua, que a sequencia xn = 1

n , n = 1, 2, . . ., e de Cauchyem M mas que a sequencia

(f(xn)

)n≥1

nao e de Cauchy em M .B.8.10. Exercıcio. Sejam (M1, d1), . . . , (Mn, dn) espacos metricos e

assuma que M =∏n

i=1 Mi esta munido de uma das metricas produto. Mos-tre que uma sequencia (xk)k≥0 em M e de Cauchy se e somente se para todoi = 1, . . . , n, a sequencia

(πi(xk)

)k≥0

e de Cauchy em Mi, onde πi : M → Mi

denota a i-esima projecao.B.8.11. Definicao. Um espaco metrico (M,d) e dito completo se toda

sequencia de Cauchy em M e convergente. Um subconjunto N de M e ditocompleto se o espaco metrico (N, d|N×N ) e completo.

B.8.12. Proposicao. Sejam M um espaco metrico e N um subconjuntode M . Se N e completo entao N e um subconjunto fechado de M . Recipro-camente, se M e completo e N e fechado em M entao N e completo.

Demonstracao. Suponha que N seja completo. Para ver que N efechado em M , usaremos o Corolario B.4.19. Seja (xn)n≥0 uma sequenciaem N que converge em M para a ∈ M ; entao (xn)n≥0 e de Cauchy em M eportanto tambem e de Cauchy em N . Como N e completo, (xn)n≥0 convergeem N para um certo a′ ∈ N . Mas isso implica que (xn)n≥0 converge em Mpara a′, donde a = a′ e a ∈ N . Vemos entao que N e fechado. Suponha agoraque N e fechado e que M seja completo. Seja (xn)n≥0 uma sequencia deCauchy em N ; temos que (xn)n≥0 e de Cauchy em M e portanto convergeem M para um certo a ∈ M . Como N e fechado, temos que a ∈ N eportanto (xn)n≥0 e convergente em N . Isso completa a demonstracao deque N e completo. �

B.8.13. Proposicao. R e completo.

Demonstracao. Seja (xn)n≥0 uma sequencia de Cauchy em R. Comotoda sequencia de Cauchy e limitada, existe c ≥ 0 tal que |xn| ≤ c, paratodo n ∈ N. Para cada k ∈ N, seja:

yk = inf{xn : n ≥ k

};

temos que esse ınfimo realmente existe e |yk| ≤ c, para todo k ∈ N. Logoexiste tambem o supremo:

z = sup{yk : k ∈ N

}.

Note que a sequencia (yk)k≥0 e crescente. Vamos mostrar que (xn)n≥0 con-verge para z. Seja dado ε > 0 e seja n0 ∈ N tal que:

d(xn, xm) = |xn − xm| < ε,

para todos n, m ∈ N com n, m ≥ n0. Fixe k ≥ n0. Temos xn > xk − ε, paratodo n ≥ k e portanto:

z ≥ yk = inf{xn : n ≥ k

}≥ xk − ε.

Page 71: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.8. COMPLETUDE 68

Por outro lado, para todo n ≥ n0, temos yn ≤ xn < xk + ε e portanto:

z = sup{yn : n ∈ N

}= sup

{yn : n ≥ n0

}≤ xk + ε.

Logo d(xk, z) = |xk − z| ≤ ε, para todo k ≥ n0. �

B.8.14. Proposicao. Sejam dados espacos metricos (M,d), (N, d′). Seexiste um homeomorfismo uniformemente contınuo f : M → N e se N ecompleto entao M e completo.

Demonstracao. Seja (xn)n≥0 uma sequencia de Cauchy em M . Comof e uniformemente contınuo, a Proposicao B.8.7 nos diz que

(f(xn)

)n≥0

euma sequencia de Cauchy em N . Como N e completo, essa sequencia deCauchy converge para um certo a ∈ N ; mas aı a continuidade de f−1 implicaque (xn)n≥0 converge para f−1(a). �

B.8.15. Corolario. Se d, d′ sao metricas uniformemente equivalentesem M e se (M,d) e completo entao (M,d′) e completo. �

B.8.16. Exercıcio. Sejam M = ]0, 1], N = [1,+∞[ munidos da res-tricao da metrica Euclideana. Mostre que:

(a) a aplicacao f : M 3 x 7→ 1x ∈ N e um homeomorfismo;

(b) conclua que a metrica df (Exercıcio B.1.55) e equivalente a metricade M e que completude (assim como sequencia de Cauchy) nao e umconceito topologico (isto e, um conjunto pode ser completo quandomunido de uma metrica, mas nao ser completo quando munido deoutra equivalente).

B.8.17. Proposicao. Sejam (M1, d1), . . . , (Mn, dn) espacos metricos eassuma que M =

∏ni=1 Mi esta munido de uma das metricas produto. Se

cada Mi e completo entao M e completo. Reciprocamente, se M e completoe se cada Mi e nao vazio entao cada Mi e completo.

Demonstracao. Assuma que cada Mi e completo e seja (xk)k≥0 umasequencia de Cauchy em M . Se πi : M → Mi denota a i-esima projecaoentao, pelo resultado do Exercıcio B.8.10, a sequencia

(πi(xk)

)k≥0

e de Cau-chy e portanto converge para um ponto ai ∈ Mi. Segue entao do item (e) daProposicao B.6.7 que a sequencia (xk)k≥0 converge para (a1, . . . , an) ∈ M .Reciprocamente, suponha que M e completo e que cada Mi seja nao vazio.Escolha pi ∈ Mi para i = 1, . . . , k e fixe j ∈ {1, . . . , k}. A aplicacao:

Mj 3 a 7−→ (p1, . . . , pj−1, a, pj+1, . . . , pn)

e um homeomorfismo uniformemente contınuo sobre o subconjunto fechado:

{p1} × · · · × {pj−1} ×Mj × {pj+1} × · · · × {pn}de M (Proposicao B.6.6). Segue entao das Proposicoes B.8.12 e B.8.14 queMj e completo. �

B.8.18. Corolario. Rn e completo.

Demonstracao. Segue das Proposicoes B.8.13 e B.8.17. �

Page 72: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.9. COMPACIDADE 69

B.8.19. Proposicao. Seja M um espaco metrico. Temos que M ecompleto se e somente se vale a seguinte condicao: para toda sequenciadecrescente6 (Fn)n≥0 de fechados nao vazios com limn→∞ diam(Fn) = 0, aintersecao

⋂∞n=0 Fn e nao vazia.

Demonstracao. Suponha que M e completo e seja (Fn)n≥0 uma se-quencia decrescente de fechados nao vazios com limn→∞ diam(Fn) = 0. Paracada n ∈ N, escolha xn ∈ Fn. Afirmamos que a sequencia (xn)n≥0 e deCauchy. De fato, dado ε > 0, existe n0 ∈ N tal que diam(Fn0) < ε; daı, sen, m ≥ n0 entao xn ∈ Fn ⊂ Fn0 e xm ∈ Fm ⊂ Fn0 , donde:

d(xn, xm) ≤ diam(Fn0) < ε.

Seja a = limn→∞ xn. Para todo n ∈ N, a subsequencia (xn+k)k≥0 de (xn)n≥0

converge para a e xn+k ∈ Fn, para todo k ∈ N; como Fn e fechado, segue quea ∈ Fn e portanto a ∈

⋂∞n=0 Fn 6= ∅. Suponha agora que para toda sequencia

decrescente (Fn)n≥0 de fechados nao vazios com limn→∞ diam(Fn) = 0 aintersecao

⋂∞n=0 Fn e nao vazia e vamos mostrar que M e completo. Seja

(xn)n≥0 uma sequencia de Cauchy em M . Para todo n ≥ 0, sejam:

An ={xk : k ≥ n

}e Fn = An. Como, para todo n ∈ N, An ⊃ An+1, temos Fn ⊃ Fn+1;obviamente, Fn e nao vazio, para todo n ∈ N. Segue facilmente do resulta-do do Exercıcio B.8.2 que limn→∞ diam(An) = 0 e da Proposicao B.1.42segue entao que limn→∞ diam(Fn) = 0. Pelas nossas hipoteses, existea ∈

⋂∞n=0 Fn. Vamos mostrar que xn → a. Dado ε > 0, existe n0 ∈ N

tal que diam(Fn0) < ε; como a ∈ Fn0 , temos d(xn, a) ≤ diam(Fn0) < ε, paratodo n ≥ n0. Isso completa a demonstracao. �

B.9. Compacidade

Seja M um conjunto. Uma cobertura de M e uma famılia (Ui)i∈I deconjuntos tal que M =

⋃i∈I Ui. Uma subcobertura de uma cobertura (Ui)i∈I

e uma subfamılia (Ui)i∈J , J ⊂ I, de (Ui)i∈I tal que M =⋃

i∈J Ui. Se (M,d)e um espaco metrico entao uma famılia (Ui)i∈I de subconjuntos de M e ditaaberta se Ui e aberto em M , para todo i ∈ I.

B.9.1. Definicao. Um espaco metrico (M,d) e dito compacto se todacobertura aberta de M admite uma subcobertura finita. Um subconjuntoK de M e dito compacto se o espaco metrico (K, d|K×K) e compacto.

Evidentemente compacidade e um conceito topologico.Dado um subconjunto K de M , entao uma famılia (Ui)i∈I de subcon-

juntos de M com K ⊂⋃

i∈I Ui e dita uma cobertura de K por subconjuntosde M .

6Isto e, Fn ⊃ Fn+1, para todo n ∈ N.

Page 73: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.9. COMPACIDADE 70

B.9.2. Proposicao. Seja M um espaco metrico e seja K um subconjun-to de M . Temos que K e compacto se e somente se toda cobertura (Ui)i∈I

de K por subconjuntos abertos de M admite uma subcobertura finita (isto e,existe J ⊂ I finito com K ⊂

⋃i∈J Ui).

Demonstracao. Suponha que K e compacto e seja (Ui)i∈I uma cober-tura de K por subconjuntos abertos de M . Daı (K∩Ui)i∈I e uma coberturaaberta de K e portanto existe J ⊂ I finito tal que K =

⋃i∈J(K ∩ Ui);

logo K ⊂⋃

i∈J Ui. Reciprocamente, suponha que toda cobertura de Kpor subconjuntos abertos de M admite uma subcobertura finita e vamosmostrar que K e compacto. Seja (Vi)i∈I uma cobertura aberta de K; paracada i ∈ I, existe Ui aberto em M com Vi = K ∩ Ui. Daı K ⊂

⋃i∈I Ui

e pelas nossas hipoteses existe J ⊂ I finito com K ⊂⋃

i∈J Ui. LogoK =

⋃i∈J(K ∩ Ui) =

⋃i∈J Vi. �

B.9.3. Definicao. Um espaco metrico (M,d) e dito sequencialmentecompacto se toda sequencia em M admite uma subsequencia convergen-te. Um subconjunto K de M e dito sequencialmente compacto se o espacometrico (K, d|K×K) e sequencialmente compacto.

Evidentemente, um espaco metrico M e sequencialmente compacto see somente se toda sequencia em M possui algum valor de aderencia (Defi-nicao B.4.14).

Veremos daqui a pouco que compacidade e compacidade sequencial saopropriedades equivalentes para um espaco metrico7.

B.9.4. Proposicao. Seja M um espaco metrico e seja A um subcon-junto de M . Temos que A e sequencialmente compacto se e somente se todasequencia em A admite uma subsequencia que e convergente em M .

Demonstracao. Se A e sequencialmente compacto entao toda sequen-cia em A e uma sequencia em A e portanto admite uma subsequencia quee convergente em A; essa subsequencia tambem e convergente em M . Re-ciprocamente, suponha que toda sequencia em A admite uma subsequenciaque e convergente em M e seja (xn)n≥1 uma sequencia em A. Vamos mos-trar que (xn)n≥1 possui uma subsequencia convergente em A. Para todon ≥ 1, a bola aberta B

(xn, 1

n

)intercepta A e portanto existe yn ∈ A com

d(xn, yn) < 1n . Pelas nossas hipoteses, a sequencia (yn)n≥1 admite uma

subsequencia (ynk)k≥0 que converge para algum a ∈ M ; como (ynk

)k≥0 euma sequencia em A, temos que a ∈ A. Vamos mostrar que a subsequencia(xnk

)k≥0 de (xn)n≥1 converge para a. Dado ε > 0, existe k0 ∈ N tal qued(ynk

, a) < ε2 , para todo k ≥ k0; podemos escolher k0 de modo que nk0 > 2

ε .Daı, para todo k ≥ k0, temos:

d(xnk, a) ≤ d(xnk

, ynk) + d(ynk

, a) <1nk

2< ε. �

7Essas propriedades nao sao equivalentes para espacos topologicos, mas nos nao es-tudaremos espacos topologicos aqui.

Page 74: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.9. COMPACIDADE 71

B.9.5. Definicao. Um espaco metrico (M,d) e dito totalmente limi-tado se para todo ε > 0 existe uma cobertura finita de M por conjuntosde diametro menor do que ε. Um subconjunto A de M e dito totalmentelimitado se o espaco metrico (A, d|A×A) e totalmente limitado.

Evidentemente todo espaco metrico totalmente limitado e limitado.B.9.6. Exercıcio. Mostre que todo subconjunto de um espaco metrico

totalmente limitado e totalmente limitado (em particular, um subconjuntode um subconjunto totalmente limitado e totalmente limitado).

B.9.7. Exercıcio. Se M e um espaco metrico e A e um subconjuntode M , mostre que A e totalmente limitado se e somente se A e totalmentelimitado (sugestao: use a Proposicao B.1.34 e a Proposicao B.1.42).

B.9.8. Proposicao. Seja M um espaco metrico. Sao equivalentes asseguintes condicoes:

(a) M e compacto;(b) M e sequencialmente compacto;(c) M e completo e totalmente limitado.

Demonstracao. Assuma que M e compacto e vamos mostrar que umasequencia arbitraria (xn)n≥0 em M possui algum valor de aderencia. Supo-nha por absurdo que tal valor de aderencia nao exista; daı, para todo a ∈ M ,como a nao e um valor de aderencia para (xn)n≥0, a Proposicao B.4.17 nosdiz que existe um aberto Ua contendo a tal que o conjunto:{

n ∈ N : xn ∈ Ua

}e finito. Temos entao que (Ua)a∈M e uma cobertura aberta de M , da qualpodemos extrair uma subcobertura finita, i.e., existe um subconjunto finitoF de M tal que M =

⋃a∈F Ua. Mas daı obtemos que:

N =⋃a∈F

{n ∈ N : xn ∈ Ua

}donde chegamos ao absurdo de que N e um conjunto finito. Logo (xn)n≥0

possui algum valor de aderencia e nos provamos que M e sequencialmentecompacto. Suponha agora que M e sequencialmente compacto e vamosdemonstrar que M e completo e totalmente limitado. Em primeiro lugar,segue diretamente da Proposicao B.8.6 que M e completo. Suponha porabsurdo que M nao seja totalmente limitado; daı existe ε > 0 tal que Mnao admite uma cobertura finita por subconjuntos de diametro menor doque ε. Vamos construir recursivamente uma sequencia (xn)n≥0 em M daseguinte forma: tome qualquer ponto x0 ∈ M (M nao e vazio, pois M nao etotalmente limitado). Supondo x0, . . . , xn ∈ M definidos, observamos que:

n⋃i=0

B(xi,

ε3

)6= M,

ja que diam[B

(xi,

ε3

)]≤ 2ε

3 < ε. Escolha qualquer xn+1 ∈ M tal que xn+1

nao pertence a⋃n

i=0 B(xi,

ε3

). Obtemos assim uma sequencia (xn)n≥0 em

Page 75: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.10. BASES DE ABERTOS E SEPARABILIDADE 72

M com d(xn, xm) ≥ ε3 , para todos n, m ∈ N com n 6= m. Essa sequencia nao

pode ter subsequencia convergente, pois ela nao tem nenhuma subsequenciade Cauchy. Isso contradiz a hipotese de que M e sequencialmente compactoe mostra que M e totalmente limitado. Suponhamos, por fim, que M sejacompleto e totalmente limitado e mostremos que M e compacto. Seja (Ui)i∈I

uma cobertura aberta de M . Suponha por absurdo que (Ui)i∈I nao admiteuma subcobertura finita. Nos construiremos recursivamente uma sequenciadecrescente (Fn)n≥1 de conjuntos fechados nao vazios tal que para todon ≥ 1, diam(Fn) < 1

n e Fn nao pode ser coberto por um numero finitode conjuntos Ui. Em primeiro lugar, como M e totalmente limitado, Mpode ser coberto por um numero finito de conjuntos de diametro menor doque 1; ao menos um desses conjuntos, chamemos ele de A1, nao pode sercoberto por um numero finito de conjuntos Ui. Denote por F1 o fecho deA1. Temos diam(F1) = diam(A1) < 1 e F1 nao pode ser coberto por umnumero finito de conjuntos Ui. Suponha que tenha sido definido o conjuntofechado Fn que nao pode ser coberto por um numero finito de conjuntos Ui

e vamos definir Fn+1. Como Fn e totalmente limitado, Fn e igual a uniaode um numero finito de conjuntos de diametro menor do que 1

n+1 ; ao menosum desses conjuntos, chamemos ele de An+1, nao pode ser coberto por umnumero finito de conjuntos Ui. Seja Fn+1 o fecho de An+1. Temos entao queFn+1 ⊂ Fn, diam(Fn+1) < 1

n+1 e Fn+1 nao pode ser coberto por um numerofinito de conjuntos Ui. Obtivemos entao uma sequencia decrescente (Fn)n≥1

de conjuntos fechados tal que, par todo n ≥ 1, diam(Fn) < 1n e Fn nao pode

ser coberto por um numero finito de conjuntos Ui; em particular, Fn 6= ∅.Como M e completo e limn→∞ diam(Fn) = 0, a Proposicao B.8.19 nos daum elemento a ∈

⋂∞n=1 Fn. Como M =

⋃i∈I Ui, existe i0 ∈ I com a ∈ Ui0

e como Ui0 e aberto existe r > 0 tal que B(a, r) ⊂ Ui0 . Seja n ≥ 1 tal quediam(Fn) < r. Como a ∈ Fn, temos Fn ⊂ B(a, r) ⊂ Ui0 , contradizendo ofato de que Fn nao pode ser coberto por um numero finito de conjuntos Ui.Isso prova que M e compacto e completa a demonstracao. �

B.9.9. Corolario. Todo espaco metrico compacto e limitado e todosubconjunto compacto de um espaco metrico e fechado.

Demonstracao. Segue do fato que todo espaco metrico totalmentelimitado e limitado e do fato que todo subconjunto completo de um espacometrico e fechado (Proposicao B.8.12). �

B.10. Bases de abertos e separabilidade

B.10.1. Definicao. Seja M um espaco metrico. Uma base de abertospara M e uma colecao B de subconjuntos abertos para M tal que para todoconjunto aberto U existe um subconjunto S ⊂ B tal que U =

⋃B∈S B.

B.10.2. Exercıcio. Sejam (M,d) um espaco metrico, N um subconjun-to de M e B uma base de abertos para M . Mostre que

{B ∩N : B ∈ B

}e

uma base de abertos para o espaco metrico (N, d|N×N ).

Page 76: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.11. ESPACOS VETORIAIS NORMADOS 73

B.10.3. Proposicao. Seja M um espaco metrico. Uma colecao B deconjuntos abertos e uma base de abertos para M se e somente se para todoconjunto aberto U e para todo x ∈ U existe B ∈ B com x ∈ B e B ⊂ U .

B.10.4. Definicao. Um espaco metrico M e dito separavel se admiteum subconjunto enumeravel denso.

B.10.5. Definicao. Dizemos que um espaco metrico M e um espacode Lindelof se toda cobertura aberta de M admite uma subcobertura enu-meravel.

B.10.6. Proposicao. Seja M um espaco metrico. Sao equivalentes:

(a) M admite uma base de abertos enumeravel;(b) M e separavel;(c) M e um espaco de Lindelof.

Demonstracao. �

B.11. Espacos vetoriais normados

No que segue, todos os espacos vetoriais considerados sao reais.

B.11.1. Definicao. Seja E um espaco vetorial. Uma norma em E euma aplicacao E 3 x 7→ ‖x‖ ∈ R que satisfaz as seguintes condicoes:

(a) ‖x‖ ≥ 0, para todo x ∈ E;(b) para todo x ∈ E, se ‖x‖ = 0 entao x = 0;(c) ‖λx‖ = |λ| ‖x‖, para todos λ ∈ R, x ∈ E;(d) (desigualdade triangular) ‖x+y‖ ≤ ‖x‖+‖y‖, para todos x, y ∈ E.

Um espaco vetorial normado e um espaco vetorial munido de uma norma(ou, mais precisamente, um par ordenado formado por um espaco vetorial euma norma nesse espaco vetorial).

Quando nao ha possibilidade de confusao, muitas vezes denotaremosmais de uma norma (as vezes normas em espacos diferentes) pelo mesmosımbolo ‖ · ‖.

B.11.2. Exercıcio. Se ‖·‖ e uma norma num espaco vetorial E, mostreque:

d : E × E 3 (x, y) 7−→ ‖x− y‖ ∈ Re uma metrica em E.

A metrica definida no Exercıcio B.11.2 e chamada a metrica induzidapela norma ‖ · ‖. A menos de mencao explıcita em contrario, assuminosque todo espaco vetorial normado esta munido da metrica induzida pela suanorma.

B.11.3. Exemplo. A norma Euclideana em Rn e definida por:

‖x‖ =( n∑

i=1

x2i

) 12,

Page 77: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.11. ESPACOS VETORIAIS NORMADOS 74

para todo x ∈ Rn (a desigualdade triangular para ‖ ·‖ segue do resultado doExercıcio A.1 aplicado ao produto interno canonico de Rn). Tambem saonormas em Rn:

‖x‖1 =n∑

i=1

|xi|, ‖x‖∞ = max{|xi|; i = 1, . . . , n

}, x ∈ Rn.

A norma ‖ · ‖1 e tambem conhecida como norma da soma e a norma ‖ · ‖∞e tambem conhecida como norma do maximo. A norma Euclideana ‖ · ‖e as vezes tambem denotada por ‖ · ‖2. E claro que as metricas induzidaspor ‖ · ‖1, ‖ · ‖ e ‖ · ‖∞ sao, respectivamente, as metricas d1, d e d∞ (vejaExemplo B.1.2). No caso particular em que n = 1, todas essas normascoincidem com o valor absoluto.

B.11.4. Exemplo. Sejam (Ei, ‖ · ‖i), i = 1, . . . , n, espacos vetoriaisnormados e considere o produto cartesiano (ou soma direta externa) E =∏n

i=1 Ei. Sao normas em E:

E 3 x 7−→n∑

i=1

‖xi‖i ∈ R,(B.11.1)

E 3 x 7−→( n∑

i=1

‖xi‖2) 1

2 ∈ R,(B.11.2)

E 3 x 7−→ max{‖xi‖i : i = 1, . . . , n

}∈ R.(B.11.3)

Se cada Ei e munido da metrica di induzida pela norma ‖ · ‖i entao asmetricas induzidas em E pelas normas (B.11.1), (B.11.2) e (B.11.3) sao,respectivamente, as metricas D1, D2 e D∞ definidas em (B.6.1), (B.6.2) e(B.6.3). Obviamente, se cada Ei e R e ‖ ·‖i e o valor absoluto entao E = Rn

e as normas (B.11.1), (B.11.2) e (B.11.3) sao iguais, respectivamente, asnormas da soma, Euclideana e do maximo em Rn (veja Exemplo B.11.3acima).

B.11.5. Definicao. Duas normas ‖ · ‖, ‖ · ‖′ num espaco vetorial E saoditas equivalentes (resp., Lipschitz-equivalentes) se as metricas induzidaspelas mesmas sao equivalentes (resp., Lipschitz-equivalentes).

B.11.6. Exercıcio. Mostre que duas normas ‖ · ‖1, ‖ · ‖2 num espacovetorial E sao Lipschitz-equivalentes se e somente se existem numeros reaisk, k′ > 0 tais que:

(B.11.4) k′‖x‖1 ≤ ‖x‖2 ≤ k‖x‖1,

para todo x ∈ E (sugestao: para provar (B.11.4) a partir de (B.5.1) facay = 0 em (B.5.1) e para provar (B.5.1) a partir de (B.11.4) troque x porx− y em (B.11.4)).

B.11.7. Exemplo. As normas em Rn definidas no Exemplo B.11.3 saoduas a duas Lipschitz-equivalentes (veja Exemplo B.5.11), o mesmo sendoverdade para as normas definidas no Exemplo B.11.4 (veja (B.6.4)).

Page 78: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.11. ESPACOS VETORIAIS NORMADOS 75

Seguira da proxima proposicao que duas normas num espaco vetorialsao equivalentes se e somente se sao Lipschitz-equivalentes.

B.11.8. Proposicao. Sejam E, F espacos vetoriais normados e sejaT : E → F uma aplicacao linear. As seguintes condicoes sao equivalentes:

(a) T e contınua;(b) T e contınua na origem;(c) existe k ≥ 0 tal que ‖T (x)‖ ≤ k, para todo x ∈ E com ‖x‖ ≤ 1;(d) existe k ≥ 0 tal que ‖T (x)‖ ≤ k‖x‖, para todo x ∈ E;(e) T e Lipschitziana.

Demonstracao. E obvio que (a) implica (b). Assumindo (b) entao,dado ε = 1, existe δ > 0 tal que ‖T (x)‖ ≤ 1, para todo x ∈ E com ‖x‖ ≤ δ.Daı, se ‖x‖ ≤ 1, temos ‖δx‖ ≤ δ, donde:

‖T (x)‖ =1δ‖T (δx)‖ ≤ 1

δ,

o que prova (c). Assuindo (c) entao, para todo x ∈ E com x 6= 0 temos:

1‖x‖

‖T (x)‖ =∥∥∥T

( x

‖x‖

)∥∥∥ ≤ k,

donde ‖T (x)‖ ≤ k‖x‖; essa desigualdade e obvia para x = 0, e isso prova(d). Assumindo (d), temos, para todos x, y ∈ E:

‖T (x)− T (y)‖ = ‖T (x− y)‖ ≤ k‖x− y‖,

donde T e Lipschitziana. Finalmente, e obvio que (e) implica (a). �

B.11.9. Corolario. Duas normas ‖ ·‖, ‖ ·‖′ num espaco vetorial E saoequivalentes se e somente se sao Lipschitz-equivalentes.

Demonstracao. A aplicacao identidade de (E, ‖ · ‖) para (E, ‖ · ‖′)(assim como sua inversa) e linear e portanto e Lipschitziana se e somente sefor contınua. �

B.11.10. Observacao. E facil ver que uma constante k ≥ 0 satisfaz acondicao (c) no enunciado a Proposicao B.11.8, se e somente se satisfaz acondicao (d) no enunciado dessa proposicao, se e somente se for uma cons-tante de Lipschitz para T . A menor constante que satisfaz essas condicoes(se existir) sera o supremo de ‖T (x)‖ com ‖x‖ ≤ 1; nos definimos entao, seT : E → F e uma aplicacao linear contınua, a norma de T por:

(B.11.5) ‖T‖ = sup‖x‖≤1

‖T (x)‖.

Temos entao:‖T (x)‖ ≤ ‖T‖ ‖x‖,

para todo x ∈ E.

Page 79: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.11. ESPACOS VETORIAIS NORMADOS 76

B.11.11. Exercıcio. Dados espacos vetoriais normados E, F , mostreque o conjunto de todas as aplicacoes lineares contınuas de E para F e umsubespaco do espaco vetorial Lin(E,F ) de todas as aplicacoes lineares de Epara F e que (B.11.5) define uma norma nesse subespaco. Se E, F , G saoespacos vetoriais normados e T : E → F , S : F → G sao aplicacoes linearescontınuas, mostre que:

‖S ◦ T‖ ≤ ‖S‖ ‖T‖.B.11.12. Exemplo. Seja E um espaco vetorial. A soma de E:

(B.11.6) E × E 3 (x, y) 7−→ x + y ∈ E

e uma aplicacao linear (nao bilinear!). Escolha uma norma ‖·‖ em E. Usan-do a norma (x, y) 7→ ‖x‖+ ‖y‖ em E × E, entao a desigualdade triangularpara ‖ · ‖ nos mostra que (B.11.5) e uma aplicacao linear contınua, ja que eLipschitziana com constante de Lipschitz 1.

B.11.13. Exercıcio. Sejam M um espaco metrico e E um espaco ve-torial normado. Dadas funcoes f : M → E, g : M → E, podemos definirf + g : M → E fazendo (f + g)(x) = f(x) + g(x), para todo x ∈ M . Mostreque se f , g sao contınuas num ponto x ∈ M entao f + g tambem e contınuano ponto x. Mostre tambem que se f , g sao uniformemente contınuas (resp.,Lipschitzianas) entao tambem f + g e uniformemente contınua (resp., Lips-chitziana).

A Proposicao B.11.8 possui uma generalizacao natural para aplicacoesmultilineares.

B.11.14. Proposicao. Sejam E1, . . . , En, F espacos vetoriais norma-dos e seja B : E1× · · · ×En → F uma aplicacao multilinear. Se usamos emE1 × · · · × En uma das normas equivalentes definidas no Exemplo B.11.4entao as seguintes condicoes sao equivalentes:

(a) B e contınua;(b) B e contınua na origem;(c) existe k ≥ 0 tal que:

‖B(x1, . . . , xn)‖ ≤ k,

para todos x1 ∈ E1, . . . , xn ∈ En, com ‖xi‖ ≤ 1, i = 1, . . . , n;(d) existe k ≥ 0 tal que:

(B.11.7) ‖B(x1, . . . , xn)‖ ≤ k‖x1‖ · · · ‖xn‖,para todos x1 ∈ E1, . . . , xn ∈ En.

Demonstracao. E obvio que (a) implica (b). Assumindo (b) entao,dado ε = 1, existe δ > 0 tal que:

max{‖x1‖, . . . , ‖xn‖

}≤ δ

implica ‖B(x1, . . . , xn)‖ ≤ 1, para todos x1 ∈ E1, . . . , xn ∈ En. Daı, se‖xi‖ ≤ 1, temos ‖δxi‖ ≤ δ e portanto:

‖B(x1, . . . , xn)‖ =1δn‖B(δx1, . . . , δxn)‖ ≤ 1

δn,

Page 80: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.11. ESPACOS VETORIAIS NORMADOS 77

para todos x1 ∈ E1, . . . , xn ∈ En com ‖xi‖ ≤ 1, i = 1, . . . , n; isso prova (c).Assumindo (c), temos:

1‖x1‖ · · · ‖xn‖

‖B(x1, . . . , xn)‖ =∥∥∥B

( x1

‖x1‖, . . . ,

xn

‖xn‖

)∥∥∥ ≤ k,

donde (B.11.7) vale se todos os xi sao nao nulos. Mas (B.11.7) e obvia sealgum xi = 0, o que prova (d). Finalmente, vamos assumir (d) e provarque B e contınua. Sejam x1 ∈ E1, . . . , xn ∈ En fixados e seja dado ε > 0;devemos determinar δ > 0 tal que se h1 ∈ E1, . . . , hn ∈ En satisfazem‖hi‖ < δ, i = 1, . . . , n, entao:

‖B(x1 + h1, . . . , xn + hn)−B(x1, . . . , xn)‖ < ε.

Usando a multilinearidade de B, ve-se que B(x1 +h1, . . . , xn +hn) e igual auma soma de 2n termos, cada um deles da forma B(α1, . . . , αn), onde cadaαi e xi ou hi; o termo em que α1 = x1, . . . , αn = xn cancela-se quandofazemos a diferenca B(x1 + h1, . . . , xn + hn) − B(x1, . . . , xn). Seja M > 0tal que ‖xi‖ ≤ M , i = 1, . . . , n; temos:

‖B(α1, . . . , αn)‖ ≤ kδrMn−r,

onde r e o numero de ındices i tais que αi e hi. Se δ ≤ M e r ≥ 1, teremoskδrMn−r ≤ kδMn−1 e portanto:

‖B(x1 + h1, . . . , xn + hn)−B(x1, . . . , xn)‖ ≤ k(2n − 1)δMn−1.

A demonstracao e concluıda tomando δ > 0 pequeno o suficiente de modoque δ ≤ M e k(2n − 1)δMn−1 < ε. �

B.11.15. Observacao. Uma constante k ≥ 0 satisfaz a condicao (c)no enunciado da Proposicao B.11.14 se e somente se satisfaz a condicao (d)no enunciado dessa proposicao (mas, diferentemente do caso de aplicacoeslineares, a constante k nao e em geral uma constante de Lipschitz!). A menorconstante k que satisfaz essas condicoes e o supremo de ‖B(x1, . . . , xn)‖, com‖xi‖ ≤ 1, i = 1, . . . , n. Nos definimos entao, se B : E1 × · · · × En → F euma aplicacao multilinear contınua, a norma de B fazendo:

(B.11.8) ‖B‖ = sup‖xi‖≤1i=1,...,n

‖B(x1, . . . , xn)‖.

Obviamente:‖B(x1, . . . , xn)‖ ≤ ‖B‖ ‖x1‖ · · · ‖xn‖,

para todos x1 ∈ E1, . . . , xn ∈ En.B.11.16. Exercıcio. Dados espacos vetoriais normados E1, . . . , En,

F , mostre que o conjunto de todas as aplicacoes multilineares contınuas deE1× · · · ×En para F e um subespaco do espaco vetorial Lin(E1, . . . , En;F )de todas as aplicacoes multilineares de E1 × · · · ×En para F e que (B.11.8)define uma norma nesse subespaco.

Page 81: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

B.11. ESPACOS VETORIAIS NORMADOS 78

B.11.17. Exemplo. Seja E um espaco vetorial. A multiplicacao porescalar de E:

(B.11.9) R× E 3 (λ, x) 7−→ λx ∈ E

e uma aplicacao bilinear. Escolha uma norma ‖ · ‖ em E. Se usamos noproduto cartesiano R × E uma das normas usuais (veja Exemplo B.11.4)entao segue da Proposicao B.11.14 e da identidade ‖λx‖ = |λ| ‖x‖ que aaplicacao bilinear (B.11.9) e contınua.

B.11.18. Exercıcio. Sejam M um espaco metrico e E um espaco ve-torial normado. Dadas funcoes f : M → R, g : M → E, podemos definiruma aplicacao fg : M → E fazendo (fg)(x) = f(x)g(x), para todo x ∈ M .Mostre que se f , g sao contınuas num ponto x ∈ M entao tambem fg econtınua no ponto x.

B.11.1. Normas em espacos vetoriais de dimensao finita. Nossameta agora e demonstrar as duas seguintes proposicoes:

B.11.19. Proposicao. Se E e um espaco vetorial de dimensao finitaentao quaisquer duas normas em E sao equivalentes (e, na verdade, peloCorolario B.11.9, sao tambem Lipschitz-equivalentes).

B.11.20. Proposicao. Se E, F sao espacos vetoriais normados e E temdimensao finita entao toda aplicacao linear T : E → F e contınua. Maisgeralmente, se E1, . . . , En sao espacos vetoriais normados de dimensaofinita entao toda aplicacao multilinear B : E1 × · · · × En → F e contınua.

Em primeiro lugar, observamos que a Proposicao B.11.19 segue direta-mente da Proposicao B.11.20:

Demonstracao da Proposicao B.11.19. Se ‖ · ‖, ‖ · ‖′ sao normasem E entao a aplicacao identidade de (E, ‖ · ‖) para (E, ‖ · ‖′) e linear eportanto contınua, pela Proposicao B.11.20; o mesmo vale, evidentemente,para sua aplicacao inversa. �

Para demonstrar a Proposicao B.11.20, usamos o seguinte:B.11.21. Lema. Quaisquer duas normas em Rn sao equivalentes.

Demonstracao. Por transitividade, basta mostrar que uma norma ar-bitraria ‖ · ‖ em Rn e equivalente a norma da soma ‖ · ‖1 (Exemplo B.11.3).Observamos em primeiro lugar que para todo x ∈ Rn, temos:

‖x‖ =∥∥∥ n∑

i=1

xiei

∥∥ ≤ n∑i=1

|xi| ‖ei‖ ≤ k‖x‖1,

onde (ei)ni=1 denota a base canonica de Rn e k = max{‖e1‖, . . . , ‖en‖}. Daı

a aplicacao identidade de (Rn, ‖ · ‖1) para (Rn, ‖ · ‖) e Lipschitziana. Paramostrar que sua inversa e Lipschitziana, devemos mostrar que existe r ≥ 0tal que ‖x‖1 ≤ r, para todo x ∈ Rn com ‖x‖ ≤ 1. Se tal r nao existisse

Page 82: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

EXERCICIOS PARA O APENDICE B 79

entao para todo numero natural r haveria um xr ∈ Rn com ‖xr‖ ≤ 1 e‖xr‖1 > r. Seja:

yr =xr

‖xr‖1, r = 0, 1, 2, . . . .

Como a sequencia (yr)r≥0 e limitada com respeito a ‖ · ‖1, existe uma sub-sequencia (yri)i≥0 que converge, com respeito a ‖ ·‖1, para um certo y ∈ Rn;note que ‖y‖1 = 1, ja que ‖yr‖1 = 1, para todo r. Como a aplicacao identi-dade de (Rn, ‖ · ‖1) para (Rn, ‖ · ‖) e contınua, segue que (yri)i≥0 convergepara y tambem com respeito a ‖ · ‖; mas, por outro lado:

‖yr‖ =‖xr‖‖xr‖1

<1r−−−−→r→∞

0,

donde (yri)i≥0 converge para zero com respeito a ‖ · ‖. Concluımos entaoque y = 0, contradizendo ‖y‖1 = 1. �

B.11.22. Corolario. Se E e um espaco vetorial normado entao todaaplicacao linear T : Rn → E e contınua, sendo Rn munido de uma normaarbitraria.

Demonstracao. O Lema B.11.21 nos permite assumir que os espacosRn e Rn1×· · ·×Rnk ∼= Rn1+···+nk estao munidos (por exemplo) da norma domaximo (veja Exemplo B.11.3). Usando a norma do maximo em Rn entaoas projecoes πi : Rn → R, i = 1, . . . , n, sao contınuas, ja que |πi(x)| ≤ ‖x‖∞,para todo x ∈ Rn. Denote por (ei)n

i=1 a base canonica deRn. A continuidadede T segue da formula:

T (x) =n∑

i=1

πi(x)T (ei), x ∈ Rn,

e tambem da continuidade de somas e produtos de funcoes contınuas (vejaExercıcios B.11.13 e B.11.18). �

Demonstracao da Proposicao B.11.20. Comecamos por demons-trar a continuidade de uma aplicacao linear T : E → F , onde E tem di-mensao finita n. Seja φ : Rn → E um isomorfismo linear arbitrario; podemosdefinir uma norma ‖ · ‖′ em Rn que torna φ uma isometria, fazendo:

‖x‖′ = ‖φ(x)‖, x ∈ Rn,

onde ‖ · ‖ denota a norma de E. Segue do Corolario B.11.22 que T ◦ φ econtınua; como φ e um homeomorfismo, concluımos que T e contınua. �

Exercıcios para o Apendice B

Definicao e conceitos basicos.B.1. Exercıcio. Seja φ : [0,+∞[ → [0,+∞[ uma funcao crescente (isto

e, a ≤ b implica φ(a) ≤ φ(b)) que satisfaz a desigualdade:

φ(a + b) ≤ φ(a) + φ(b),

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EXERCICIOS PARA O APENDICE B 80

para todos a, b ≥ 0. Suponha que, para todo a ∈ [0,+∞[, φ(a) = 0 se esomente se a = 0. Se (M,d) e um espaco metrico, mostre que a funcao φ ◦ dtambem e uma metrica em M .

B.2. Exercıcio. Mostre que as funcoes:

[0,+∞[ 3 a 7−→ min{a, 1} ∈ [0,+∞[ ,

[0,+∞[ 3 a 7−→ a

1 + a∈ [0,+∞[ ,

satisfazem as condicoes que aparecem no enunciado do Exercıcio B.1. Con-clua que se (M,d) e um espaco metrico entao:

M ×M 3 (x, y) 7−→ min{d(x, y), 1

},(B.10)

M ×M 3 (x, y) 7−→ d(x, y)1 + d(x, y)

,(B.11)

tambem sao metricas em M .

Funcoes contınuas e uniformemente contınuas.B.3. Exercıcio. Seja φ : [0,+∞[ → [0,+∞[ uma funcao que satisfaz as

condicoes que aparecem no enunciado do Exercıcio B.1. Mostre que se φ econtınua no ponto 0 entao a aplicacao identidade de (M,d) para (M,φ◦d) euniformemente contınua. Se existe a > 0 tal que a funcao φ|[0,a] e injetora ese a funcao (φ|[0,a])−1 : φ

([0, a]

)→ [0, a] e contınua no ponto 0, mostre que

tambem a aplicacao identidade de (M,φ ◦ d) para (M,d) e uniformementecontınua.

Topologia e equivalencia entre metricas.B.4. Exercıcio. Se (M,d) e um espaco metrico, mostre que as metricas

(B.10) e (B.11) sao uniformemente equivalentes a d (sugestao: use o resulta-do do Exercıcio B.3). Conclua que toda metrica e uniformemente equivalentea uma metrica limitada.

Metricas no produto cartesiano.B.5. Exercıcio. Seja φ : [0,+∞[n → [0,+∞[ uma funcao satisfazendo

as seguintes propriedades:

(a) se 0 ≤ a1 ≤ b1, . . . , 0 ≤ an ≤ bn entao φ(a) ≤ φ(b);(b) para todo a ∈ [0,+∞[n, temos φ(a) = 0 se e somente se a = 0;(c) para todos a, b ∈ [0,+∞[n, temos φ(a + b) ≤ φ(a) + φ(b).

Se (M1, d1), . . . , (Mn, dn) sao espacos metricos e se M =∏n

i=1 Mi, mostreque:

M ×M 3 (x, y) 7−→ φ(d1(x1, y1), . . . , dn(xn, yn)

)∈ R

Page 84: Notas Para um Curso de Cálculo Avançado Daniel V. Tausk

EXERCICIOS PARA O APENDICE B 81

e uma metrica em M . Mostre tambem que as funcoes:

[0,+∞[n 3 a 7−→n∑

i=1

ai ∈ [0,+∞[ ,(B.12)

[0,+∞[n 3 a 7−→( n∑

i=1

a2i

) 12 ∈ [0,+∞[ ,(B.13)

[0,+∞[n 3 a 7−→ max{a1, . . . , an} ∈ [0,+∞[ ,(B.14)

satisfazem as condicoes (a), (b) e (c) acima (sugestao: para provar que(B.13) satisfaz (c) use o resultado do item (b) do Exercıcio A.1 aplicado aoproduto interno canonico de Rn). Conclua que as aplicacoes D1, D2 e D∞definidas em (B.6.1), (B.6.2) e (B.6.3) sao realmente metricas.

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Referencias Bibliograficas

[1] D. J. Bernstein, Calculus for mathematicians, http://cr.yp.to/papers/calculus.pdf

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