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Numero21.PdfRevista Da FAEEBA Revista Da FAEEBA

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REVISTA DA FAEEBA - NÚMERO 21

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  • UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEBIvete Alves do Sacramento (Reitora); Monsenhor Antnio Raimundo dos Anjos (Vice-Reitor)DEPARTAMENTO DE EDUCAO - CAMPUS Ingela Maria Camargo Rodrigues (Diretora); Jaci Maria Ferraz de Menezes (Coordenadora do Programa de Ps-Graduao em Educao e Contemporaneidade PEC/UNEB)COMISSO DE EDITORAOEditora Geral: Yara Dulce Bandeira de AtaideEditor Executivo: Jacques Jules SonnevilleEditora Administrativa: Maria Nadja Nunes Bittencourt

    CONSELHO CONSULTIVO: ngela Maria Camargo Rodrigues (UNEB), Alexandre Tocchetto Pauperio (FAPESB),Edivaldo Machado Boaventura (UFBa /A Tarde), Jaci Maria Ferraz de Menezes (UNEB), Lourisvaldo Valentim (UNEB),Cesrio Francisco das Virgens (UNEB), Marcel Lavalle (Universit de Qubec), Nadia Hage Fialho (UNEB), RobertE. Verhine (UFBa).

    CONSELHO EDITORIAL

    Conselheiros nacionaisAdlia Luiza PortelaUniversidade Federal da BahiaCipriano Carlos LuckesiUniversidade Federal da BahiaEdivaldo Machado BoaventuraUniversidade Federal da BahiaJacques Jules SonnevilleUniversidade do Estado da BahiaJoo Wanderley GeraldiUniversidade de CampinasIvete Alves do SacramentoUniversidade do Estado da BahiaJonas de Arajo RomualdoUniversidade de CampinasJos Carlos Sebe Bom MeihyUniversidade de So PauloJos Crisstomo de SouzaUniversidade Federal da BahiaKtia Siqueira de FreitasUniversidade Federal da BahiaMarcos FormigaUniversidade de BrasliaMarcos Silva PalciosUniversidade Federal da BahiaMaria Jos PalmeiraUniversidade do Estado da Bahia e UniversidadeCatlica de SalvadorMaria Luiza MarclioUniversidade de So Paulo

    Maria Nadja Nunes BittencourtUniversidade do Estado da BahiaNadia Hage FialhoUniversidade do Estado da BahiaPaulo Batista MachadoUniversidade do Estado da BahiaRaquel Salek FiadUniversidade de CampinasRobert Evan VerhineUniversidade Federal da BahiaWalter Esteves GarciaAssociao Brasileira de Tecnologia Educacional /Instituto Paulo FreireYara Dulce Bandeira de AtadeUniversidade do Estado da BahiaConselheiros internacionaisAntnio Gomes FerreiraUniversidade de Coimbra, PortugalEdmundo Anibal HerediaUniversidade Nacional de Crdoba, ArgentinaEllen BiglerRhode Island College, USALus Reis TorgalUniversidade de Coimbra, PortugalMarcel LavalleUniversidade de Qubec, CanadMercedes VilanovaUniversidade de Barcelona, EspaaRosalba GueriniUniversidade de Pdova, Itlia

    Pareceristas ad hoc (n.21):Lgia Pellon de Lima Bulhes, Rosa Helena Blanco, Verbena Maria Rocha Cordeiro

    Equipe de produo deste nmero:Jacques Jules Sonneville (organizao); Maria Nadja Nunes Bittencourt (recursos) Regina Helena Arajo Soares(reviso); Dbora Toniolo Rau (bibliotecria); rica Maheu (verso para o ingls); Uilson Moraes (capa); JosehCaldas (editorao); Elen Barbosa Simplcio (estagiria).Revista financiada com recursos da Fundao de Amparo Pesquisa da Estado da Bahia FAPESB e doDepartamento de Educao I da UNEB

  • ISSN 0104-7043

    Revista da FAEEBARevista da FAEEBARevista da FAEEBARevista da FAEEBARevista da FAEEBA

    EducaoEducaoEducaoEducaoEducaoe Contemporaneidadee Contemporaneidadee Contemporaneidadee Contemporaneidadee Contemporaneidade

    Departamento de Educao - Campus IDepartamento de Educao - Campus IDepartamento de Educao - Campus IDepartamento de Educao - Campus IDepartamento de Educao - Campus I

    UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA UNEB

    Volume 13 Nmero 21 janeiro/junho 2004

  • Revista da FAEEBA EDUCAO E CONTEMPORANEIDADERevista do Departamento de Educao Campus I(Ex-Faculdade de Educao do Estado da Bahia FAEEBA)

    Publicao semestral temtica que analisa e discute assuntos de interesse educacional, cientfico e cultural. Os pontosde vista apresentados so da exclusiva responsabilidade de seus autores.

    ADMINISTRAO E REDAO: A correspondncia relativa a informaes, pedidos de permuta, assinaturas,etc. deve ser dirigida :

    Revista da FAEEBA Educao e ContemporaneidadeUNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIADepartamento de Educao I - NUPERua Silveira Martins, 2555 - Cabula 41150-000 SALVADOR - BAHIATel. (071)387.5916

    Instrues para os colaboradores: vide ltimas pginas.

    E-mail da Revista da FAEEBA: [email protected]

    E-mail para o envio dos artigos: [email protected]

    Homepage da Revista da FAEEBA: http://www.uneb.br/Educacao/centro.htm

    Indexada em / Indexed in: REDUC/FCC Fundao Carlos Chagas - www.fcc.gov.br - Biblioteca Ana Maria Poppovic BBE Biblioteca Brasileira de Educao (Braslia/INEP) Centro de Informao Documental em Educao - CIBEC/INEP - Biblioteca de Educao EDUBASE e Sumrios Correntes de Peridicos Online - Faculdade de Educao - Biblioteca UNICAMP Sumrios de Peridicos em Educao e Boletim Bibliogrfico do Servio de Biblioteca e Documentao -Universidade de So Paulo - Faculdade de Educao/Servio de Biblioteca e Documentao.www.fe.usp.br/biblioteca/publicaes/sumario/index.html CLASSE - Base de Dados Bibliogrficos en Ciencias Sociales y Humanidades da Hemeroteca Latinoamericana Universidade Nacional Autnoma do Mxico:E-mails: [email protected] e [email protected] / Site: http://www.dgbiblio.unam.mx

    Pede-se permuta / We ask for exchange.

    Revista da FAEEBA / Universidade do Estado da Bahia,Departamento de Educao I v. 1, n. 1 (jan./jun., 1992) -Salvador: UNEB, 1992-

    Periodicidade semestral

    ISSN 0104-7043

    1. Educao. I. Universidade do Estado da Bahia. II. Ttulo.

    CDD: 370.5 CDU: 37(05)

    Impresso e encadernao: Bureau Grfica e EditoraTiragem: 1.500 exemplares

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 21, p. 1-240, jan./jun., 2004

    13 Leitura como objeto de investigaoNorma Sandra de Almeida Ferreira

    23 Letramento, competncia comunicativa e representaes da escritaMaria de Lourdes Meirelles Matencio

    35 A leitura, o texto, o sujeito: o lugar da inscrio do desejoVanessa Brasil Campos Rodrguez

    45 Crculos de leitura: um encontro com o texto literrioMaria Helena da Rocha Besnosik

    55 Da palavra ao texto: condies psicossociolgicas da leituraVera Teixeira de Aguiar

    61 Trajetrias de leitura de estudantes de pedagogia: avanos, aquisies, dificuldadesMarlene Carvalho

    77 O sujeito-leitor na e fora da escolaMaria da Graa Cassano

    95 Itinerrios de leitura no espao escolarVerbena Maria Rocha Cordeiro

    103 A prtica de textualizao na formao de alunos-leitores: do que se diz ao que se fazElisangela Leal de Oliveira Mercado

    119 A influncia do contexto de produo na construo de sentido do textoEliete Maria Arajo Santana

    129 O jornal impresso na formao de conscincia crticaJos Pricles Diniz Bahia

    143 Leitura colaborativa-crtica: a leitura como ato social e polticoMaria Cristina C. Lavrador Alves

    151 Leitura e identidade: leituras sobre a histria do Subrbio Ferrovirio de SalvadorJos Eduardo Ferreira Santos

    S U M R I OS U M R I OS U M R I OS U M R I OS U M R I O

    9 Editorial

    10 Temas e prazos dos prximos nmeros da Revista da FAEEBA Educao e Contempora-neidade

    EDUCAO E LEITURA

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 21, p. 1-240, jan./jun., 2004

    163 Analfabetos e letrados frente s urnas: critrios de escolha de candidatos em relao aonvel de escolaridade do eleitorMaria Elvira Nogueira Laranjeira Scolaro

    173 A formao de leitores: da leitura da palavra leitura do mundoAna Rita Santiago da Silva

    183 A leitura do mundo precede a leitura da palavra: Paulo Freire e educao indgenaAngela Ariadne Hofmann

    191 Bibliotecas: escolhas e acervosRegina Zilberman

    197 Argumentao e ensinoJonas de Arajo Romualdo

    203 Estado e ONGs: outro mundo possvel? O olhar da periferiaGianni Boscolo

    217 Mapas mentais e representaes sociaisPaulo Batista Machado

    ESTUDOS

    229 ZAID, Gabriel. Livros demais! Sobre ler, escrever e publicar. Traduo Felipe Lindoso.So Paulo, SP: Summus, 2004. 111 p.Flavia Goullart Mota Garcia Rosa

    233 SILVA, Sidney Reinaldo da. A formao moral em Rawls. Campinas: tomo e Alnea,2003. 128 p.Maria de Lourdes Pinto de Almeida

    235 ALMEIDA, Maria de Lourdes Pinto de. Universidade pblica & iniciativa privada.Campinas: Alnea, 2002. 179 p.Sidney Reinaldo da Silva

    239 Instrues aos colaboradores

    RESENHAS

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 21, p. 1-240, jan./jun., 2004

    S U M M A R YS U M M A R YS U M M A R YS U M M A R YS U M M A R Y

    9 Editorial

    10 Themes and Time Limit to Submit Manuscript for the Next Volumes of Revista da FAEEBA Education and Contemporaneanity

    EDUCATION AND READING

    13 Reading as an Object of InquiryNorma Sandra de Almeida Ferreira

    23 Literacy, Communicational Competence and Written Word RepresentationsMaria de Lourdes Meirelles Matencio

    35 Reading, Text and Subject: the Place of the Inscription of DesireVanessa Brasil Campos Rodrguez

    45 Reading circles: a meeting with the literary textMaria Helena da Rocha Besnosik

    55 From Word to Text: Psycho-sociological Dimensions of ReadingVera Teixeira de Aguiar

    61 Pedagogys Students Readings Routes: Progress, Acquisitions, and DifficultiesMarlene Carvalho

    77 The Subject-Reader in and out of SchoolMaria da Graa Cassano

    95 Reading routes in the classroomVerbena Maria Rocha Cordeiro

    103 The Practice of Textualization in the Students-Readers Education: from what is said towhat is doneElisangela Leal de Oliveira Mercado

    119 Contexts Influence in Text Meaning ConstructionEliete Maria Arajo Santana

    129 The Printed Press in the Formation of Critical ConsciousnessJos Pricles Diniz Bahia

    143 Collaborative-Critical Reading: Reading as a Social and Political ActMaria Cristina C. Lavrador Alves

    151 Reading and Identity: Readings upon the History of the Salvadors Railway Station SuburbJos Eduardo Ferreira Santos

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 21, p. 1-240, jan./jun., 2004

    163 Illiterates and Literates in the Ballot box: How the Voters Scholarity Level relates to itsCriterions for Choosing a CandidateMaria Elvira Nogueira Laranjeira Scolaro

    173 Readers Education: from Reading the Word to Reading the WorldAna Rita Santiago da Silva

    183 Reading the World precede Reading the Word: Paulo Freire and Indigenous EducationAngela Ariadne Hofmann

    191 Libraries: choices and collectionsRegina Zilberman

    197 Argumentation and TeachingJonas de Arajo Romualdo

    STUDIES

    203 The State and NGOs: is an Other World Possible? A Peripheral GlanceGianni Boscolo

    217 Mental Maps and Social RepresentationsPaulo Batista Machado

    229 ZAID, Gabriel. Too many books! On Reading, Writing and Publishing. Translation FelipeLindoso. So Paulo, SP: Summus, 2004. 111 p.Flavia Goullart Mota Garcia Rosa

    233 SILVA, Sidney Reinaldo da. Moral Education in Rawls. Campinas: tomo e Alnea, 2003.128 p.Maria de Lourdes Pinto de Almeida

    235 ALMEIDA, Maria de Lourdes Pinto de. Public University & Private Initiative. Campinas:Alnea, 2002. 179 p.Sidney Reinaldo da Silva

    239 Instructions for collaborators

    BOOK REVIEWS

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 21, jan./jun., 2004 9

    EDITORIAL

    Ao completar treze anos de publicao ininterrupta, a Revista daFAEEBA EDUCAO E CONTEMPORANEIDADE continua trazendopara o debate as teorias educacionais e prticas pedaggicas que permeiamas formas de produo e transmisso de conhecimentos na contemporanei-dade. Esta trajetria representa, portanto, um referencial de maturidadeintelectual do Departamento de Educao do Campus I e do seu Programade Ps-graduao em Educao e Contemporaneidade PEC/UNEB, almde ser uma demonstrao de que esta revista da Universidade do Estado daBahia j se firmou pela sua importncia no nosso cenrio cultural.

    Na contnua busca de qualidade, como veculo de produo e divulgaode conhecimentos cientficos, este nmero vem consolidar o que institui aLei 9.394/96, Art. 52, Inciso I o estudo sistemtico dos temas e problemasmais relevantes do ponto de vista cientfico e cultural. A temticaEDUCAO E LEITURA, sem dvida, da mais alta relevncia e, pormuito tempo, no deve sair da pauta dos centros de estudo e pesquisa donosso pas.

    O dficit do Brasil face ao acesso leitura muito discutido, mas aindatemos feito muito pouco para mudar significativamente esta triste situao.O crescente nmero de no leitores tem sido apontado em pesquisas, comoa que apresentou o PISA, ponto de estrangulamento no que se refere aodesenvolvimento social e econmico da nao.

    A produo crescente de textos na atualidade, com suas caractersticasde diversidade e complexidade, no passa pela escola, sendo a conseqnciacomprovada pelas lacunas gritantes no que diz respeito leitura entre osjovens.

    A proposta deste nmero contribuir para que seja permanente a discussosobre o tema LEITURA nos espaos acadmicos, pedaggicos e culturais,com a finalidade de ampliar a rede de leitores nos diferentes nveis dapopulao.

    A Comisso de Editorao

    Yara Dulce Bandeira de AtaideJacques Jules Sonneville

    Maria Nadja Nunes Bittencourt

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 21, jan./jun., 200410

    Temas e prazos

    dos prximos nmeros da Revista da FAEEBA

    Educao e Contemporaneidade

    N Tema Prazo de entrega Lanamentodos artigos previsto

    22 Educao e Novas Tecnologias 30.09.04 maro de 2005

    23 Histria da Educao 30.05.05 setembro de 2005

    24 Educao, Arte e Ludicidade 30.09.05 maro de 2006

    25 Educao e Trabalho 30.05.06 setembro de 2006

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 21, p. 13-22, jan./jun., 2004 13

    Norma Sandra de Almeida Ferreira

    RESUMO

    Neste artigo, pretendemos descrever o campo de conhecimento sobre leituraproduzido nos ltimos 40 anos, atravs de uma realidade constituda por umconjunto de resumos de dissertaes de mestrado e de teses de doutoradodefendidas no Brasil, de 1980 a 2000, nos programas de ps-graduao deLetras/Lingstica, Psicologia, Educao, Biblioteconomia, Histria, Artes, Co-municaes. A nossa inteno a de interrogar esta produo acadmicaenquanto construo de um campo especfico sobre leitura, que cresce eapresenta diferentes movimentos de reflexo, ao longo do tempo.

    Palavras-chave: Leitura Produo Acadmica Pesquisa

    ABSTRACT

    READING AS AN OBJECT OF INQUIRY

    In this paper, we aim to describe the field of knowledge related to reading. Wewill study, through a set of Brazilian masters and Ph.D. thesis abstracts, whatwas produced in the last forty years, from 1980 up to 2000, in the graduatedprograms of Letters/Linguistics, Psychology, Education, Biblioteconomy,History, Arts, and Communication. Our intent is to interrogate this academicproduction as a construction of a specific field, which grows through time, andpresents various modalities of reflection.

    Keywords: Reading Academic Production Research

    * Doutora em Educao pela Faculdade de Educao da UNICAMP. Professora da Faculdade de Educao / Grupo dePesquisa Alfabetizao, Leitura e Escrita (ALLE) UNICAMP. Membro da Diretoria da Associao de Leitura doBrasil (ALB). Endereo para correspondncia: Av. N. S. de Ftima, 895, J.12, Taquaral 13076-903 Campinas/SP. E-mail: [email protected]

    LEITURA COMO OBJETO DE INVESTIGAO

    Norma Sandra de Almeida Ferreira *

    Estuda o problema do rendimento em leitura em alunos de escola primria, tanto em relaoao aspecto de deficincia quanto em relao aos rendimentos mdio e superior em leitura.Os sujeitos so 623 alunos do primeiro ano do curso primrio,divididos segundo o sexo.Pode-se afirmar que os resultados obtidos pela populao dos 623 alunos, no teste de figurasinvertidas (TFI) e no teste de Bender, revelam associao consciente com o rendimento emleitura. Os resultados mostram que o grupo masculino superior nos testes de organizao

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 21, p. 13-22, jan./jun., 200414

    Leitura como objeto de investigao

    A transcrio acima o resumo da tese delivre docncia intitulada Significado de algunsfatores psicolgicos no rendimento em leitura,de Maria Jos Aguirre, no Instituto de Psico-logia, da USP, em 1965. Trata-se de um trabalhoainda isolado e pioneiro, que confere leituraum campo de investigao terica e metodol-gica bastante recente, enquanto independentede seus vnculos mais imediatos com a alfabeti-zao e a aprendizagem da escrita e com as pes-quisas relativas ao ensino da literatura.

    O resumo aponta aspectos interessantes nes-se primeiro esforo de delineamento de umareflexo que toma para si a questo da leitura.Primeiramente, indica o lugar em que ela emer-ge: no interior de uma rea de conhecimentoespecfico, o da Psicologia. Nesse caso, a leituravem caracterizada como deficincia e ressal-tada a importncia dos aspectos psicolgicosassociados percepo visual, espacial e late-ralidade, em seu rendimento.

    Tambm indica uma metodologia de pesqui-sa voltada para um universo de sujeitos bastanteexpressivo (623), dividido em dois grupos sepa-rados por gnero (sexo) para efeitos comparati-vos e que buscam atingir, atravs de testes,diferentes nveis de rendimento na atividade daleitura: deficiente, mdio, superior.

    A leitura surge, assim, como uma atividadepossvel de ser medida em graus de dificuldade,possvel de ser avaliada, controlada, estimulada,previamente identificada como diferente em suaprodutividade, conforme o gnero.

    A pesquisa, datada ainda da dcada de 60,ter companhia de um prximo trabalho orien-tado pela prpria Aguirre, somente em 1970.E, em um perodo de 14 anos (1965-1979), jse pode constatar uma produo constituda de

    22 trabalhos, com ampliao dos orientadores,dos lugares de produo alm da USP, como:PUC-RS, PUC-SP, UCP, PUC-Campinas, UCNe UFRJ e das reas de pesquisas: 10 do Institutode Psicologia, 8 de Letras e Lingstica, 1 daEducao, 1 de Biblioteconomia e 2 sem dadosidentificadores. (FERREIRA, 2001).

    Esta pequena, mas significativa produoacadmica, que coincide com a criao dos pro-gramas de ps-graduao no pas, aponta paraos primeiros locais de produo e para o surgi-mento de um grupo de pesquisadores que pas-sam de orientandos a orientadores dessaproduo nas dcadas que se seguem, produ-tores de um movimento que se fortalece nosanos 80, como divulgadores, socializadores eintensificadores de conhecimentos na rea,atravs de congressos, seminrios, publicaes,criao de associaes e entidades.

    O crescimento na quantidade de dissertaesde mestrado e de teses defendidas sobre Leituratorna-se significativo nas duas ltimas dcadas,quando j se pode localizar 227 trabalhos, noperodo de 1980-1995, e um outro conjunto de181 pesquisas em apenas cinco anos, de 1996 a2000 (FERREIRA, 2003), como podemos verno quadro 1 a seguir.

    Que pode significar esse adensamento quese v em torno da problemtica da leitura, como passar do tempo?

    A constatao do aumento dessa produopode, sem dvida, ser atribuda ao fortalecimen-to e aumento dos programas de ps-graduaono pas, como tambm de eventos (Congressos,Associaes de pesquisadores sobre leitura) eperidicos que divulgam e socializam as discus-ses sobre o tema e, ainda, implementao eatualizao dos dados eletrnicos que permitem

    QUADRO 1: Nmero de pesquisas distribudas em perodos Brasil, 1965-2000

    1965-1979 1980-1985 1986-1990 1991-1995 1996-2000 S/D TOTAL

    22 43 70 114 181 01 431

    perceptivo-espacial, embora seu rendimento em leitura seja inferior ao do grupo feminino.Acentua a importncia de alguns aspectos psicolgicos evidenciados atravs dos resultadosrelativos organizao espacial e dominncia lateral. Conclui que o xito ou malogro emleitura podem ser previstos atravs da avaliao da criana em provas de percepo visual.(AGUIRRE, 1965)

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 21, p. 13-22, jan./jun., 2004 15

    Norma Sandra de Almeida Ferreira

    o acesso s produes mais distantes e isoladasde alguns programas de ps, desenvolvidos nopas, principalmente nos ltimos anos.

    Mas essa constatao parece apontar tam-bm para o fato de que as questes que envol-vem o tema no s permanecem atuais e neces-srias, mas ainda apresentam uma maior com-plexidade e diversidade no decorrer do tempo,que acabam por exigir novas reflexes a umgrupo de pesquisadores que se estende significa-tivamente por diferentes lugares de produo.

    Ser por ser a leitura um problema sem solu-o? Ou ser a crena de que os brasileiros nosabem ler e precisam aprend-lo? Ou, ainda, aidia de que o pas empobrece a cada ano, notem escolas de qualidade para todos e saber ler, realmente, uma dificuldade para a grandemaioria da populao? Ser que uma buscasem fim por um bom mtodo que d conta rpi-do e de maneira eficiente a um bom entendimen-to da leitura?

    Talvez seja porque muitos acreditam que,atravs da leitura, possamos formar indivduosmelhores, mais crticos e mais democrticos; ou,ento, porque, diferentemente de antes, num tem-po da sociedade predominantemente oral, a lei-tura , hoje, uma necessidade, que amplia co-nhecimentos, desenvolve habilidades cognitivasmais complexas e torna o homem mais prepara-do para os desafios do mundo contemporneo.

    Mas, talvez todas essas questes e o volumede pesquisas em torno delas se justifiquem por-que, como sabemos, quando o assunto leitura,tem-se um fenmeno complexo que estabeleceinmeras relaes e se inscreve numa malha dediferentes reas e temas correlatos. Ler o qu,por exemplo, uma grande questo. Ler porqu, para qu, ler como so outras questes.Tratar a leitura como fenmeno psicolgico,social, poltico, histrico ou tudo isso entrelaa-do , ainda, uma complicada deciso.

    No conjunto, sabemos que so preocupaesdensas, entrecruzadas em torno dessa habili-dade, experincia, prtica, relao, produo desentidos, que chamamos de leitura.

    Distante do momento em que elas emergem,as pesquisas, hoje, se avolumam no decorrerdo tempo, mas num adensamento que no signi-

    fica acumulao de olhares, temas, enfoques;que no remete para uma nica idia ou conceitodo que seja leitura; no prope uma nica solu-o para resolver sua ausncia, deficincia oupresena. Distante do momento em que elaemerge, a pesquisa em leitura, no Brasil, com-posta por facetas, perspectivas diversas, suces-sivas, mas tambm simultneas, entrelaadasem um mesmo fenmeno.

    Trata-se de uma produo que, aceitando acomplexidade e o movimento de seu objetoespecfico, se cruza com outras reflexes, como,por exemplo, as derivadas do conceito de letra-mento. (SOARES, 2003). Se o trabalho de Aguir-re (1965) um marco no delineamento da espe-cificidade do objeto de investigao, as pesqui-sas atuais sobre leitura levam-nos a consider-lo distinto das questes ligadas ao ensino delngua portuguesa e questo literria. Hoje, oconceito de letramento desmistifica a divisoleitores e no-leitores, questiona as leituras legi-timadas pela tradio cultural associadas a de-terminados objetos, formas, lugares e modelosde leitor e traz em seu bojo as pesquisas quetematizam a leitura. O letramento tem sido,assim, no interior da produo acadmica, umtermo que ora substitui, ora amplia, ora se con-trape ao conceito de leitura.1

    De qualquer maneira, uma vez melhor con-solidado este campo de conhecimento produzidosobre leitura, que cresce em diferentes direese se volta para diferentes enfoques, podemosdizer que ele no se encontra murado no interiordos programas de ps-graduao do pas. Talvez,orientado pela idia de que a relevncia da leitura inquestionvel em uma sociedade como anossa, esse conhecimento ecoe para o cotidianodas escolas, para os cursos de formao conti-nuada, para os programas pblicos de incentivo leitura, para uma produo editorial de livrosde literatura e didticos, para revistas que tratamde assuntos mais gerais (mulheres, famlia), paraa mdia televisiva, impressa.

    1 Se, na identificao e organizao das dissertaes de mestradoe das teses de doutorado defendidas no Brasil, nos ltimos cin-co anos, tivssemos incorporado, alm dos termos leitura e lei-tor, a expresso letramento, o nmero de trabalhos encontradosno tempo demarcado por ns (1980-2000) seria muito maior.

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 21, p. 13-22, jan./jun., 200416

    Leitura como objeto de investigao

    O foco de interesse dospesquisadores

    Este artigo um esforo de descrever a cons-truo deste campo de conhecimento sobre lei-tura, atravs da leitura dos resumos das disser-taes de mestrado e das teses de doutorado,defendidas no Brasil, nos programas de ps-graduao (Psicologia, Educao, Biblioteco-nomia, Letras/Lingstica, Comunicao, Artes,Histria), no perodo de 1980-2000. , tambm,um esforo para apontar algumas relaes entreesta produo e outras geridas em outros luga-res, ilustrando, assim, que o que se produz nointerior da academia vaza para outros locais,no apenas como aplicao desses estudos ereflexes, nem como puramente transposioda teoria, mas de uma maneira muito originalde apropriao.

    Mas quando se pesquisa leitura para o que seolha? Sobre o que o pesquisador se debrua? Oque o conjunto desses trabalhos quer investigar?

    Parece que a principal preocupao dos pes-quisadores se volta para descrever, entender erecuperar os elementos cognitivos, a dimensointerior desta experincia na relao/atividadedo leitor com o material dado a ler. Como sel? Quais habilidades ou competncias sonecessrias, quais so as dificuldades da leitura,como processar o entendimento dos nveis maissimples para os mais complexos?

    Como se l?

    Do total de 409 pesquisas (1980-2000), iden-tificadas em diferentes programas de psgra-duao, um conjunto significativo formado por150 trabalhos parece preocupado com a questodo desempenho, da compreenso da leitura, quevem tradicionalmente atrelada ao espao esco-lar, quase como um esforo para solucionar osproblemas do aluno que no sabe ler, no ldireito, no entende o que l. Uma produoque investiga seu objeto para colaborar com aescola, considerada uma das mais importantesinstituies, encarregada de ensinar a ler, a lercom competncia e a formar leitores.

    A maioria desses trabalhos traz uma opometodolgica por situaes experimentais emque testes, questionrios e atividades planejadaspreviamente podem dar visibilidade s habili-dades, aos nveis, ao ritmo, aos processos cogni-tivos implcitos na compreenso da leitura.

    Pesquisadores da leitura vm apontando paraa dificuldade de se investigar, na histria daleitura, uma abordagem no externa como aque-la que tenta responder o qu, onde equando se l. Para eles, uma abordagemdifcil e ainda pouco investigada na histria daleitura o por qu e o como se l (DARN-TON, 1992; CHARTIER, 1996). Segundo eles,a dificuldade maior o como acessar, aindaque indiretamente, essa dimenso interior emseus elementos cognitivos e afetivos, numa rela-o com outro tempo histrico, diferente do nos-so. Considerando a leitura no apenas como umahabilidade abstrata e independente de culturasdiversas e de outros tempos, os pesquisadores,especialmente ligados Histria Cultural, tmcolocado a quase ausncia e a grande dificulda-de de desenvolver pesquisas nesta perspectiva.

    Essa constatao parece se confirmar emmeu levantamento a partir das dissertaes demestrado e de teses defendidas no Brasil, pois,ao investigar a leitura em suas dimenses inte-riores, para conhecer como se d o modo de lerno momento em que se l, o que encontramosde maneira enftica, quase como reduto, aperspectiva ligada Psicologia, Psicolingsticae Pedagogia.

    Mas, neste como em qualquer outro focoanalisado, o interesse dos pesquisadores no semantm igual, esttico, quando comparado, nostrabalhos realizados no perodo de 1980 a 2000.No interior do conjunto de trabalhos voltadospara o como se l, h um movimento em vriasdirees.

    Uma, primeira, em relao opo terica.Os primeiros trabalhos esto diretamente dire-cionados pelos estudos da Psicologia Compor-tamental. Depois, nos 80, eles passam a serorientados pela luz da Gentica Piagetiana. Nofinal da dcada de 80 e incio dos anos 90, osestudos se abrem para um contexto multidis-ciplinar e ligam-se a outras reas, tais como a

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    Norma Sandra de Almeida Ferreira

    Psicologia Cognitiva, Psicolingstica, Socio-lingstica e Pedagogia, buscando descrever osaspectos/processos cognitivos em que se enga-ja o leitor no momento da compreenso.

    Uma outra direo para a qual se voltam aspesquisas est no interesse dos pesquisadorescom relao aos sujeitos pesquisados: de alunosregulares para alunos com algum tipo de defi-cincia ou para outros sujeitos, como os digita-dores profissionais, por exemplo.

    Uma terceira direo que ainda queremosdestacar a respeito das exigncias que come-am a ser feitas para se considerar um bomleitor, aquele que sabe ler competentemente.Inicialmente, as habilidades a serem investiga-das recaem sobre habilidades ligadas a fatorespsicolgicos, no campo visual, espacial, da late-ralidade, da coordenao viso-motora. Maistarde, so os aspectos cognitivos, habilidadestambm chamadas de competncias e estrat-gias cognitivas e metacognitivas. E, por ltimo,a partir da segunda metade dos anos 90, as habi-lidades exigidas esto atreladas aos usos sociaisda prtica da leitura, questo do gnero e dosuporte em que o texto se encontra e, ainda,enfatizando as relaes interpessoais.

    O conhecimento produzido, cujo interessese volta para a questo da compreenso, almde concentrar o maior nmero de pesquisasem relao aos demais focos de interesse dospesquisadores, tambm mantm uma quantida-de crescente com o passar do tempo (1965-2000) e parece, ainda, uma produo que ecoa,repercute para alm dos muros das universi-dades.

    Facilmente, esse conhecimento acadmicopode ser localizado, por exemplo, na bibliogra-fia e no interior das pginas dos ParmetrosCurriculares de Lngua Portuguesa (1998); noscursos de Formao Continuada para Professo-res, como o PROFA/MEC; nas atividades plane-jadas para os recentes livros didticos; nasavaliaes oficiais, como o SAEB (Sistema deAvaliao da Educao Bsica). Nessa avalia-o, por exemplo, o objetivo explicitado ofornecimento de elementos para apoiar a formu-lao e reformulao e o monitoramento depolticas pblicas para a melhoria da qualidade

    da educao no Brasil. Para tal, ela privilegiaas competncias cognitivas dos alunos brasilei-ros a partir de seus desempenhos reais emprovas elaboradas para a prtica da leitura. Ava-liam-se, entre outros itens, o nvel dos proce-dimentos de leitura, como a localizao deinformaes e o estabelecimento de relaesentre informaes de um texto com outros.

    Como se forma um leitor?

    Alguns pesquisadores, no diretamente inte-ressados no que se processa no interior do sujeitoem sua relao com o texto, desenvolvemtrabalhos que procuram analisar, discutir e avaliaraspectos que levam ao fracasso e ao sucesso daleitura, tendo em vista a formao do leitor.

    Um grupo de 104 dissertaes de mestradoe teses de doutorado volta-se para instituiesimportantes na formao de leitores: a escola ea biblioteca. Como elas tm aproximado oudistanciado leitores? Como elas deveriam agirpara formar leitores em nmeros cada vez maiscompetentes e duradouros? Como elas se orga-nizam, como constroem suas formas de leitura,que prticas e gestos so nelas produzidos e porquem?

    Recorrendo s observaes em salas de aula,aos depoimentos ou respostas dadas a questio-nrios, s entrevistas, os trabalhos deste grupoinvestigam a prtica da leitura de textos pelaapreenso dos procedimentos, de tcnicas e nor-matizaes de uma ou vrias escolas. Nos mea-dos dos anos 80, as pesquisas tambm trazemrelatos de experincias bem sucedidas e desen-volvidas na escola e/ou na biblioteca, numaopo metodolgica de pesquisa-participante,pesquisa-ao ou estudo de caso, focalizandouma proposta pedaggica desenvolvida em umanica escola ou por um nico professor. H,tambm, relatos de programas de ensino de lei-tura que promovem e se dispem a desenvolverhabilidades/competncias bsicas atravs deunidades programticas de ensino e de medida.(COSTA, 1988).

    Com as reflexes desenvolvidas nesse foco,as pesquisas denunciam que a escola e a biblio-

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    Leitura como objeto de investigao

    teca tm falhado em sua funo de formar lei-tores. Falhado pela ausncia de atualizao des-ses profissionais na rea da leitura, pela faltade um acervo de livros compatvel com as ne-cessidades, interesses, expectativas de seus lei-tores e pela ausncia de propostas pedaggicasmais eficientes, dinmicas e atualizadas paraas mudanas da sociedade.

    Dessa produo constri-se um discurso queprope uma leitura reflexiva, conscientizadorae crtica, embalado pelos anos 80, num clima deabertura poltica, ps-ditadura militar. A leituraassume significativa importncia em um contex-to que no s educacional, mas poltico e social,e os estudos sobre ela apontam propostas pedag-gicas capazes de formar um novo leitor, noapenas aquele que sabe ler na escola, mas queseja capaz de ler o mundo para usufruir e lutarpelos seus direitos, para conhecer seus deveres,para construir uma sociedade mais democrticae mais justa. Nesse momento, constri-se emtorno dela uma idia, uma imagem bastantevigorosa, que a da leitura como emancipadora,libertadora, capaz de transformar quem l e omundo em que o leitor se insere.

    Nos meados da dcada de 80, nos relatos depropostas ldico-pedaggicas e de crticas aosmtodos tradicionais no ensino da leitura, umconjunto de dissertaes e de teses constri umaoutra idia da leitura, vinculada ao prazer e aolazer, ancorada no conhecimento das prefernciasdos alunos, na facilidade de acesso aos livros,na substituio do imperativo da disciplina e daobrigatoriedade pela motivao, interesse ecriatividade. a leitura pelo prazer, o gosto deler, a liberdade de escolher o que gosta.

    Tambm esse conhecimento produzido nointerior das universidades ecoou alm delas,como podemos constatar em diversas campanhasde promoo da leitura, vinculadas na mdia emgeral ou nas falas dos professores em curso deformao ou, ainda nos catlogos de livros deliteratura produzidos por diferentes editoras.

    Como no foco anteriormente descrito, aqui,na didtica da leitura, h um movimento no de-correr do tempo. Os trabalhos agrupados nestefoco narram um movimento em torno do lugarnormalmente consagrado em que se pratica

    a leitura: as bibliotecas, as salas de aula de Por-tugus, as Salas de Leitura para os carros-biblio-teca, as clnicas, os asilos, as ruas.

    Um segundo movimento se d em relao aoobjeto de leitura: inicialmente e quase de maneiraexclusiva, livros didticos ou de literatura, para,depois, incorporarem tambm os filmes e audio-visuais, os correios eletrnicos em projetos cola-borativos, as propagandas e fotos em jornais.

    Um outro movimento na variedade das pro-postas didticas: uma postura de leitura siste-mtica e obrigatria de bons livros, com cobran-as atravs de provas escritas, chamadas orais,de trabalhos, para a leitura feita pelo aluno porprazer, acompanhado de muitos de outros leito-res, construindo o hbito do gosto de ler ou ogosto do hbito de ler.

    E, por ltimo, um movimento em direo,tambm, ao papel do bibliotecrio e do profes-sor: de guardio de livros e de autoridade paraindicar uma leitura obrigatria e adequada, decontador de histrias, o que orienta e oferecelivros e leituras, do profissional que trabalhasozinho em sua esfera para o que atua conjun-tamente com bibliotecrio, professores, pais,comunidade.

    Quem esse leitor?

    Ento, esse campo que busca entender a lei-tura como cognio, que cresce na segunda me-tade da dcada de 80 para a questo do ensino,da didtica da leitura, ganha um terceiro grupoque rene 48 trabalhos, perguntando: afinal queLEITOR esse? Que leitor esse que passa pelasbibliotecas pblicas e escolares, que se sujeita adiferentes propostas pedaggicas, que exami-nado em grupos de controle em diferentes situa-es de leitura? Ter ele caractersticas, qualida-des, especificidades a serem conhecidas e inves-tigadas, que possam interferir nesse processo deformao? Ele um mesmo, um nico?

    Deste modo, as primeiras pesquisas apon-tam para um leitor mapeado, identificado porsua classe social, econmica, escolar, faixa et-ria, fatores que interferem na produo dos inte-resses, das preferncias, dos hbitos e gostos

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    Norma Sandra de Almeida Ferreira

    pela leitura. Os meninos preferem aventura, asmeninas, romances; os alunos mais novos, ini-ciantes, livros com muitas figuras; os no fami-liarizados com a cultura escrita ou aqueles declasses mais populares, preferem histrias adap-tadas e modernizadas dos clssicos.

    Os catlogos de livros de literatura ilustram,novamente, como essa produo acadmicaesvai para outros lugares de produo, no caso,a editorial. Se folhearmos qualquer catlogo deliteratura infantil, facilmente reconheceremosnele, como um dos critrios para divulgao deseu acervo, a sugesto do livro adequado paracativar o leitor de acordo com seus interesses,expectativas, habilidades, nvel de escolari-zao, idade. H sempre um livro certo para oleitor certo na hora certa.

    Outras pesquisas, j na dcada de 90, olhampara esse leitor e buscam conhec-lo pela suahistria de leitura, pelas experincias vividasno interior da escola e fora dela.

    Os trabalhos, rejeitando a idia de que a for-mao do leitor algo que se d em um certomomento estratificado, em uma certa classe so-cial econmica e social, em uma idade cronol-gica, apostam em uma educao do leitor quese faz ao longo do tempo, inclusive naquele quecomea em casa, antes da escola. Nesse mo-mento, perguntas como: que voc lia quandocriana, por que lia, com quem lia tornam-sepresentes porque se passa a pensar a LEITURAcomo herana cultural, como um conjunto deatitudes, de interesses que se constroem ao lon-go do tempo, nas relaes com os livros e comoutros leitores.

    Relativiza-se, neste caso, a responsabilidadeda escola e da biblioteca (que oferecem algunsmodos de ler, algumas habilidades), para a idiada importncia de se ler para as crianas desdebebs, para se ter livros em casa, para a leituraem voz alta, do adulto que l para os que aindano sabem ler, para o envolvimento de toda acomunidade. A leitura passa a ser entendidacomo uma prtica social e no apenas esco-larizada.

    Ento, a leitura deixa de ser habilidade indi-vidual a ser adquirida pelo leitor, para se tornarquesto de ensino com propostas adequadas.

    Exige um conhecimento desse leitor, no spela classe scio-econmica da qual faz partee nem s pelas suas preferncias, interesses emotivaes adequados ao gnero/sexo, idade,mas para um reconhecimento da importnciade sua histria de leitura que se faz e se cons-tri em uma comunidade de leitores, ao longodo tempo.

    A cada mudana entre os focos, a cada movi-mento no interior do mesmo foco, um novoentendimento do mesmo fenmeno leitura.

    Antes dos anos 90, os estudos baseiavam-se tanto em questionrios em busca de respos-tas distribudas a uma grande quantidade dealunos ou sujeitos-freqentadores de biblio-tecas, quanto em procedimentos de pesquisa ex-perimental para estabelecer uma anlise compa-rativa dos hbitos de leitura, em diferentes con-dies. A partir de ento, as pesquisas buscavamimagens e representaes construdas social-mente pelos sujeitos acerca da leitura, atravsde depoimentos, relatos, histrias de vida e deleitura, estudos de caso.

    Mais recentemente, alguns trabalhos voltam-se s prticas sociais de leitura ligadas a deter-minadas comunidades de leitores: leitura femi-nina de romances sentimentais de massa, comoas leitoras da srie Sabrina, leitores de RolePlaing Games (RPG), leitoras de assentamen-tos, leitores universitrios.

    Na discusso do leitor, h um muito especial,destacado nas pesquisas: o professor leitor ouleitor-professor.

    Que leitor esse, o professorou o bibliotecrio?

    A questo central colocada no final da dca-da de 80 e que cresce e se consolida nos anos90 o professor, aquele que ocupa uma posioestratgica, especial no processo de formaode novos leitores, aquele que mediador entretextos e leitores, L?

    As pesquisas, ento, apiam-se na idia deque muito dificilmente se pode ensinar a ler e agostar de ler, a formar leitores, se no se tam-bm e de fato um bom leitor, se no familia-

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    Leitura como objeto de investigao

    rizado com textos dos mais variados, se no lde forma crtica. Nessa perspectiva, o professor-leitor investigado em 35 trabalhos que trazemsuas histrias de leitura, seus depoimentos devida pessoal e profissional, buscando equacionarsua formao como leitores, conhecer suas prti-cas, modos de ver e de sentir a leitura, os livros.

    E, como se a questo fosse nova, pressu-pondo-se que antes o professor era leitor, aspesquisas apontam para um professor marcadopelo desprestgio social da profisso, pelo seuexguo salrio, pelo seu tempo escasso, por noapresentar as mnimas condies de ser leitor.

    Os trabalhos, principalmente atravs das his-trias de leitura, de vida, de formao, alm dequestionrios e entrevistas, tratam de investigarsua formao como leitores, de conhecer suasprticas, modos de ler e de sentir a leitura, suafamiliaridade com os livros e assiduidade naprtica da leitura.

    Os pesquisadores dirigem-se ao professorj formado para descrever sua prtica escolar emostram como esta se distancia dos princpiostericos por eles defendidos. Ou, ento, numalinha mais recente, dos anos 90, se dirigem aoprofessor em exerccio e aceitam o desafio deconhec-lo, questionando, inclusive, a premissade que o professor brasileiro no l.

    Em um primeiro momento, orientados porum modelo de leitor ideal (aquele que l muito,sistemtica e freqentemente, obras de literaturanormalmente clssicas e legitimadas pela acade-mia, aquele que assina e l jornais de grandecirculao e revistas especializadas), os traba-lhos denunciam a ausncia de leitura por partedo professor. Nos meados de 90, considerandoa existncia de outras prticas de leitura nemsempre estudadas e identificadas nas pesquisasrealizadas anteriormente, o professor leitor podeser visto como um leitor interditado, desavisa-do, mas considerado um leitor.

    Quanto ao professor em formao, os pes-quisadores esto preocupados em equacionaros currculos dos cursos de graduao, bemcomo a incluso de disciplinas que possam asse-gurar a produo de novos conhecimentos,ainda durante seu processo de formao inicial,capacitando esse formando para que ele possa

    exercer, mais tarde, a importante funo socialda escola, que a de formar leitores.

    A denncia de que somos um pas que notem cumprido sua funo de formar leitores, ecuja possvel causa seja justamente o fato doprofessor, tambm, hoje, no ser leitor, tem sidodivulgada por vrios veculos de comunicaoe em trabalhos que buscam dar suporte a esseprofessor via internet, via cursos de formao.

    O que se l?

    No nosso levantamento, identificamos aindauma outra produo, voltada para o texto deleitura em circulao na escola. Nela, esto 17trabalhos que visam analisar os livros didticos,mas tambm os livros de literatura e, ainda, osprojetos de distribuio de livros de literaturapara as escolas pblicas.

    Na dcada de 90, os pesquisadores pareciamestar procura de possibilidades de trabalhoscom outros tipos de textos, alm dos livros, per-guntando-se se outros suportes de textos ou asnovas tecnologias ou, ainda, gneros discur-sivos emergentes no exigiriam que a escola osconhecesse melhor e pudesse apropriar-se deles,tais como o jornal, as ilustraes, o hipertextono computador, citaes em telas de pintores,tirinhas de histrias em quadrinhos.

    Esse foco apresenta uma quantidade peque-na de trabalhos, talvez, porque analisar os textosque so adotados e circulam na escola, muitasvezes, realizado no interior de outros focoscomo o da compreenso de texto, o da didticada leitura ou, at mesmo, o que investiga certascomunidades de leitores.

    Como eram a leitura, o livro e oleitor de outros tempos e lugares?

    Nessa multiplicidade de olhares que se voltapara o fenmeno da leitura, queremos destacaraquele que surge nos anos 90 e que parece, juntocom outros trs, ganhar fora no interior daacademia. Os leitores com suas representaes,preferncias, hbitos, histrias; o professor-

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    Norma Sandra de Almeida Ferreira

    bibliotecrio-leitor e este, o da memria da lei-tura, do livro e do leitor, podem ser conside-rados os temas novos e de maior interesse dospesquisadores, pois praticamente dobraram suaquantidade de pesquisas em torno deles, nestescinco ltimos anos.

    So 19 trabalhos que buscam escrever umahistria da leitura, do livro e do leitor, luz daHistria Cultural, distanciando-se das perspec-tivas orientadas pela Educao, Psicologia e Es-tudos da Linguagem.

    A expresso prticas de leitura em suasdiversidades de atitudes, habilidades e compe-tncias, em sua diversidade de suportes de tex-tos e de condies de leitura (quem l por ququando e o qu?) marcam as atuais pesquisas,compreendendo, na escrita da histria da leitura,seus atores, (escritores, livreiros, editores, leito-res), seus espaos (livrarias, bibliotecas, gabi-netes de leitura, escolas), seus objetos de leitura(pergaminhos, livros manuscritos, impressos).

    As pesquisas agrupadas nesse bloco traamsingularidades do ato de ler e atitudes compar-tilhadas em certas comunidades de leitores deoutras pocas e lugares, para se interrogar o nossopresente, para tentar elucidar, dar um novo olharpara esta experincia, chamada por alguns deleitura e ainda no entendida plenamente.

    So trabalhos que no interrogam a leituras pelos fatores econmico-sociais e polticos,nem esto diretamente preocupados com pro-postas e projetos que formem leitores em umpas de no-leitores (quer alunos ou professo-res). uma histria da leitura que revisita aquelahistria aparentemente construda, tida comocerta e legtima. Que essa prtica cultural aque denominamos leitura? Ela foi sempre assim?A relao dos homens com os livros sempre amesma e em toda e qualquer parte? Os objetosde leitura foram sempre assim e, se no o foram,as mudanas dos suportes, a materialidade dostextos interferem na produo de sentidos, na-quilo que entendemos por leitura? Como desco-brir coisas sobre a leitura (o que as pessoas liam,como liam, por que liam, quantos liam) que jforam escritas (mas das quais desconfiamos),olhando-as de modo diferente, se adotarmosoutra perspectiva?

    So trabalhos que olham para as pistas dei-xadas nos objetos (nos livros, nas fotos, nas pin-turas), nos depoimentos autobiogrficos, nascartas que circularam e foram produzidas emoutras pocas.

    Alm dos focos de interesse destacados ataqui, dois outros so identificados em umaquantidade muito pequena de pesquisas, queso: concepo de leitura (de cunho exclusi-vamente terico) e o estado do conhecimentosobre leitura (que interroga tendncias, perspec-tivas e interesses acumulados ao longo de umtempo sobre o tema leitura).

    A explicao pela ausncia de interesse dospesquisadores para a questo central da leitura(04 trabalhos) ou pelo mapeamento da produ-o sobre leitura (02), talvez possa ser esclare-cida pela natureza desse tipo de pesquisa. Pro-vavelmente, esses dois grupos, como tambm o caso da anlise dos textos em circulao naescola, encontram-se incorporados no interiorde outros focos.

    Um campo consolidado, pormno resolvido

    Concluindo, podemos dizer que a configu-rao do campo da leitura nestes quase quarentaanos parece estar construda, enquanto espaode mobilizao e de consolidao de uma comu-nidade crtica e coletiva, em torno do objeto deinvestigao: a leitura. Como tentamos ilustrar,esse campo cresceu quantitativamente, diversi-ficou e adensou suas perspectivas atravs dotempo e tem extrapolado os muros das univer-sidades.

    Mas o conhecimento produzido sobre leiturano Brasil no pode ser entendido como umdebate concludo e esgotado, pois, quando sefaz um esforo para se interrogar a leitura, loca-lizam-se no uma nica, abstrata, universal, masmodalidades, formas e sentidos diversos sobrea leitura. O seu entendimento tem revelado queo gesto de ler apenas aparentemente pode seridentificado como idntico para qualquer pes-soa, em qualquer perodo, em qualquer lugar.Talvez, isto justifique, dentre outros motivos, a

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    Leitura como objeto de investigao

    incorporao, nos ltimos anos, de outros cam-pos de conhecimentos cientficos Histria,Sociologia, Antropologia alm dos ligados Psicologia, Educao, Lingstica/Letras, Bi-

    REFERNCIAS

    AGUIRRE, Maria Jos. Significado de alguns fatores psicolgicos no rendimento em leitura. Tese (LivreDocncia) - Instituto de Psicologia. Universidade de So Paulo (USP), So Paulo, SP, 1965. In: Banco dedados Dedalus/USP/SP.

    CHARTIER, R. (Org.). Prticas de leitura. So Paulo, SP: Estao Liberdade, 1996.DARNTON, R. Histria da leitura. In: BURKE, P. (Org.) A escrita da histria: novas perspectivas. SoPaulo, SP: Editora UNESP, 1992. p. 199-236.

    FERREIRA, N. S. A. A pesquisa sobre leitura no Brasil, 1980-2000. Campinas: Komeid: Arte e Escrita,2001.

    _______ . Catlogo analtico de dissertaes de mestrado e teses de doutorado: a pesquisa sobre leitura noBrasil, 1980-2000. Campinas: FAEP/ FE/ Grfica da Unicamp, 2003.

    Recebido em 30.05.04Aprovado em 11.06.04

    blioteconomia, Comunicao e Artes, com-pondo assim um olhar para o seu objeto emsuas complexas dimenses histricas, sociaise polticas.

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 21, p. 23-33, jan./jun., 2004 23

    Maria de Lourdes Meirelles Matencio

    LETRAMENTO, COMPETNCIA COMUNICATIVA

    E REPRESENTAES DA ESCRITA

    RESUMO1

    Com base em breve reflexo acerca das condies nas quais emergiram, no Brasil,os estudos sobre o processo de letramento, este texto tem como objetivo maisgeral discutir o impacto desses estudos para a compreenso dos fenmenosenvolvidos nas prticas de leitura e de escrita e em seu ensino/aprendizagem ecomo objetivo especfico refletir sobre o redimensionamento necessrio do con-ceito e das representaes de escrita, na escola e fora dela, relacionando-o tantoao processo mais global de aquisio e desenvolvimento da linguagem deconstruo da competncia comunicativa dos sujeitos quanto variabilidadeintrnseca s prticas de produo escrita. Como resultado do ponto de vistaadotado, defende-se que, nas prticas escolares, sejam enfatizados procedimentosde ensino/aprendizagem da leitura e da escrita que partam do estudo dos gnerostextuais e de seu modo de funcionamento em diferentes instncias sociais.Palavras-chave: Leitura Escrita Competncia comunicativa Representao

    ABSTRACT

    LITERACY, COMMUNICATIONAL COMPETENCE AND WRITTENWORD REPRESENTATIONS

    This paper is based upon a brief reflection upon the conditions in which studieson the process of alphabetization have arisen in Brazil. We aimed to discussthe impact of these studies to understand the phenomenon involved in thepractice of reading and its teaching/learning. We have, as a specific objective,to reflect upon the required reframing of the concept and the representationsof written language, in and out of school, linking it both to the global processof language acquisition and development a construction of the subjectscommunicational competence- and to the intrinsic diversity of the practices ofwritten production. As a result from our adopted point of view, we assess thatwithin school practices, processes of teaching/learning of reading and writingwhich are based upon the study of textual types and of their functioning modein various social instances, should be emphasized.

    Keywords: Reading Written Word Communicational competence Repre-sentations

    * Doutora em Lingstica Aplicada Ensino de Lngua Materna (IEL/UNICAMP). Professora do Departamento deLetras da Pontifcia Universidade Catlica de Minas Gerais. Endereo para correspondncia: Programa de Ps-gradu-ao em Letras, PUC MINAS, Avenida Dom Jos Gaspar, 500, Corao Eucarstico 30535-610 Belo Horizonte/MG. E-mail: [email protected] O presente trabalho tem sua origem em texto apresentado na mesa-redonda Alfabetizao e educao ao longo da vida: a questoconceitual, Videoconferncia preparatria para o 3o Telecongresso Internacional de Educao de Jovens e Adultos, realizada em05.06.2003, no SESI Minas.

    Maria de Lourdes Meirelles Matencio *

  • Revista da FAEEBA Educao e Contemporaneidade, Salvador, v. 13, n. 21, p. 23-33, jan./jun., 200424

    Letramento, competncia comunicativa e representaes da escrita

    Abordagens da leitura e da escrita noBrasil: retomando a histria recente...

    Os estudos sobre o letramento comearama ganhar fora, no Brasil, por volta de 19902,com trabalhos que buscavam compreender tantoo impacto social da escrita (cf. KLEIMAN,1995) quanto a insero dos sujeitos no universoda palavra escrita.

    Foi ento que, de forma mais e mais sistem-tica, os estudiosos passaram a relacionar os usose as funes atribudas escrita na organizaodos grupos na sociedade, focalizando as conse-qncias socioculturais, polticas e/ou cogniti-vas do recurso palavra escrita. Dessa forma,conseguiram promover um deslocamento signi-ficativo na forma de se conceber o processo deaprendizagem da escrita e da leitura: o olhardeixa de ser discriminatrio, pois o que se procu-ra compreender o que o sujeito faz, por que faze o que faz quando recorre palavra escrita.

    certo que tais estudos foram alimentadospela possibilidade aberta, no campo dos estudosda linguagem, de se estabelecer dilogo entredomnios de investigao afins. Em outras pala-vras, desenvolver investigaes dessa naturezapassou a ser vivel porque, por exemplo, paraser breve, os estudos da linguagem se abrirampara entender a variabilidade na lngua e na pro-duo/recepo de textos, motivados por desco-bertas de disciplinas como Sociolingstica,Psicolingstica, Lingstica Textual e Anlisedo Discurso3, e os estudos da Educao se viramimpulsionados a compreender as razes dofracasso escolar de alunos que, desde o inciodos anos 1970, com a chamada democratizaoda escola, tm sido sistematicamente excludosde nossas salas de aulas.

    Mas no se pode dizer que a preocupaocom a insero dos alunos no universo da escritae da leitura, concebidas estas como prticas so-ciais, tenha efetivamente se iniciado nos anos1990. H, no Brasil, vrios textos que tratamda questo do letramento, sem se referiremexplicitamente a ela, muito antes disso. O livroLeituras no Brasil, antologia comemorativapublicada no 10o CONGRESSO DE LEITURA COLE (ABREU, 1995), em que se encontramtranscries de conferncias, mesas redondas e

    comunicaes realizadas no Congresso entre1978 e 1993 pode ilustrar, com clareza, a ques-to. No texto de abertura da antologia, proferidoem 1978, Haquira Osakabe assim se refere escrita e leitura:

    Eu entenderia por escrita propriamente dita apossibilidade de o sujeito ter o seu prprio dis-curso. E se se entende por leitura a compreen-so, se entende por leitura o acesso a um conhe-cimento diferenciado, aquele que lhe permite re-conhecer a sua identidade, seu lugar social, astenses que animam o contexto em que vive ousobrevive e, sobretudo, a compreenso, assimi-lao e questionamento, seja da prpria escrita,seja do real em que a escrita se inscreve.(ABREU, 1995, p. 22)

    Como se v, Osakabe pressupe que escritae leitura so formas atravs das quais o sujeito seconstitui enquanto tal pela linguagem. Escrita eleitura, desse ponto de vista, no so concebidasmeramente como capacidades individuais; so,isso sim, compreendidas como prticas delinguagem que possibilitam formas especficasde o sujeito estabelecer relaes sociais e cons-truir sua identidade. Perspectiva semelhante adotada por Paulo Freire, em seu belssimo textoA importncia do ato de ler, proferido em confe-rncia de 1979, da qual extramos este trecho:

    O mundo das minhas primeiras leituras ostextos, as palavras, as letras daquele contexto,cuja percepo me experimentava e quanto maiso fazia mais aumentava a capacidade de perce-ber se encarnava em uma srie de coisas, deobjetos e sinais, cuja compreenso eu ia apren-dendo no meu trato com eles, nas minhas rela-es com meus irmos mais velhos e com meuspais. (FREIRE, 1955, p. 31).

    2 Conferir, para o perodo referido, os seguintes estudos, querelatam resultados de pesquisas, Kleiman, org., 1995; Matencio,1994; Tfouni, 1995. Para ter acesso a publicaes mais recen-tes sobre o tema, conferir Marcuschi, 2001; Moita Lopes, 2002;Rojo, org., 1998; Signorini, org., 2001; Soares, 1998.3 Algumas das obras que mais fortemente incentivaram, no Bra-sil, entre meados dos anos 1980 e incio dos anos 1990, uma re-flexo interdisciplinar acerca da produo/recepo de textos fa-lados e/ou escritos do uso da lngua(gem), portanto e de seuensino/aprendizagem, nas diferentes reas s quais se fez refe-rncia, so as seguintes: Geraldi (org.), 1984; Gnerre, 1985; Kato,1985, 1986; Kleiman, 1989, 1992; Koch & Travaglia, 1990; Koch,1989; Soares, 1988; Orlandi, 1987; 1988; Pcora, 1986. Do con-junto de obras que focalizam especificamente a educao, valelembrar a enorme relevncia dos livros de Paulo Freire, especifi-camente de Pedagogia do Oprimido, 1983 (original de 1970).

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    Maria de Lourdes Meirelles Matencio

    A maneira como a relao entre sujeito e pala-vra escrita retratada, no relato da experinciade Paulo Freire, mostra que essa relao implicae implicada pelo outro, aquele com quem seinterage.

    Alguns anos mais tarde, em 1987, MagdaSoares dizia, a respeito da leitura, em mesa-redonda do 6o COLE:

    Historicamente a leitura foi sempre um ato social.Ns passamos de um ato social, em que as pesso-as lem em conjunto, em uma prtica de leituramuito associada oralidade, para essa viso con-tempornea, e falsa, de que a leitura um atosolitrio, o que, na verdade, ela no . Ela umainterao verbal de indivduos e indivduos social-mente determinados. (SOARES, 1955, p. 87)

    O que diz Magda Soares, e tambm o queseu texto permite compreender, que a concep-o de leitura (e mais amplamente da relaodo sujeito com a palavra escrita) como ato soli-trio (ligado, portanto, apenas a habilidades in-dividuais) no se sustenta historicamente.

    Enfim, o que esses autores dizem, em uns-sono, que compreender a relao do sujeitocom a palavra escrita demanda a compreensoda relao que esse indivduo estabelece comos outros e com a prpria linguagem. Tem-sea pistas muito claras de que no se pode enten-der o processo de aprendizagem, desenvolvi-mento e uso da palavra escrita apenas do pontode vista individual, da perspectiva da aprendiza-gem do cdigo alfabtico.

    Mas, se relativamente antigo o interesse deentender melhor o processo de aprendizagem daescrita e da leitura, em diferentes instnciassociais, dentre as quais a escola, os impactosdessas reflexes e estudos na formao iniciale continuada de professores so mais recentese, infelizmente, at o momento, no h efeitossignificativos num escopo social mais amplo.

    Os estudos do letramento e seuimpacto na Educao

    Ainda assim, o fato de o conceito de letra-mento comear a circular, ser apropriado e serrevisto em pesquisas cientficas, eventos aca-dmicos, documentos que parametrizam o ensi-

    no, na formao inicial e continuada de profes-sores e na escola, provoca efeitos benficos.Afinal, profissionais com diferentes formaese de campos de atuao distintos esto se preo-cupando com a questo, o que, por sua vez, leva-os a repensar a relao entre conhecimento euso do cdigo alfabtico que diz respeito alfabetizao e conhecimento, uso e funesda palavra escrita nas interaes sociais quediz respeito ao processo de letramento.

    O interesse pela questo leva-os, tambm, arefletir sobre quais seriam as prticas de ensino/aprendizagem que possibilitariam que ao alunosejam dadas oportunidades de, mais do queconhecer o cdigo, introduzir a palavra escritaem sua vida, em diferentes situaes de interao;em outras palavras, os professores, cada vezmais, mostram-se preocupados em possibilitarque o aluno recorra tecnologia da escritasegundo suas necessidades comunicativas, asquais podem ser ampliadas como resultado deum contato cada vez mais intenso com a escrita.

    Mas h, ainda, um longo caminho a percor-rer. O fato que investigar a relao entre alfa-betizao e letramento, entre conhecimento docdigo e prtica, implica em que sejam revistose redimensionados vrios outros conceitos: ode ler e escrever, o de lngua escrita e lnguafalada (e de suas relaes), o de prticas orais(de oralidade, portanto) e de prticas escrituraisde produo de textos. Essa postura exige, tam-bm, obviamente, que se repense o que ensi-nar/aprender uma lngua e seus usos.

    no conceito de escrita4 de heterogenei-dade de usos da escrita mais particularmente que se centrar a discusso desenvolvida aseguir. Como esta discusso relacionar as pr-ticas de uso da escrita ao processo mais globalde aquisio e desenvolvimento da linguagempor nossos alunos, remonta aos contatos iniciaisdas crianas com fala e escrita, antes de passara tratar de questes relativas a representaessociais desse processo.

    4 Para alguns (cf. DABNE, 2002), seria mais apropriado con-siderar fala e escrita como noes vinculadas modalidade deuso da lngua e guardar as noes de oralidade e escrita pararemeter s prticas de uso da lngua(gem).

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    Letramento, competncia comunicativa e representaes da escrita

    Letramento e desenvolvimento dalinguagem: algumas pistas

    Um olhar despretensioso nossa volta sufi-ciente para nos levar a perceber que as crianasaprendem sua lngua materna por meio de tex-tos, em interaes das quais participam ou asquais acompanham.

    Quando entram na escola, as crianas vmde um processo de socializao que envolve,fundamentalmente, interaes em famlia e gru-pos com os quais a famlia mantm contato;dentre essas interaes, certamente, destacam-se as que envolvem a conversa, o bate-papoinformal. certo, tambm, que boa parte dascrianas tem acesso televiso, cujos progra-mas funcionam como modelos possveis deinteraes sociais como uma espcie de pa-dro interacional. As crianas podem ter contatotanto com modelos de interao familiar dife-rentes dos seus, nos filmes a que assistem, porexemplo, quanto com programas infantis em quese narram histrias, com telejornais que seus paisacompanham, enfim, com um conjunto de outrasformas de interao social, que funcionam, tam-bm, como modelos de ao.

    Quando assistem TV, as crianas agem deforma muito parecida com aquela que assumi-ro em muitos dos eventos de leitura em suavida: produzem sentidos, mas no agem dire-tamente sobre seu interlocutor. importanteressaltar, entretanto, que, embora sua ao deproduo de sentidos no seja regulada por seuinterlocutor, como ocorre nos eventos orais nosquais atuam, so ativas no processo de interpre-tao/compreenso de sentidos possveis dessestextos.

    J no que diz respeito a seu contato com apalavra escrita, pela escuta da leitura em vozalta que lhe pode ser feita ou pela leitura quefaz das imagens (na rua, em casa, no supermer-cado, por exemplo), tanto sua participao quan-to a do adulto ou da criana mais experienteso reguladas ao longo da interao. Nesseseventos de letramento, que, mal ou bem (bemou mal), ocorrem na vida de nossas crianas,elas interagem, freqentemente, com algumque pode regular sua ao interpretativa/com-

    preensiva no momento em que a interao se d,mediada pela escrita. Nessas ocasies, umadeterminada interpretao pode ser revista erelativizada, por algum que tambm participada interao. Mas, ainda assim, o evento se d,na maior parte das vezes, numa situao deinterao familiar, domstica, em que h muitosconhecimentos e crenas compartilhados.

    assim que as crianas chegam escola comuma srie de hipteses acerca da linguagem. Ese essas hipteses so amplamente baseadas nospadres orais de interao familiar, vinculam-se tambm, em sociedades como as nossas, emque os textos circulam em diferentes suportese por meio de variadas tecnologias, s modali-dades falada e escrita, s formas de interaooral e escrita. Noutros termos, elas trazem con-sigo, alm das experincias vivenciadas emeventos de fala e de letramento, representaesacerca dos padres de interao social.

    Essa breve retomada de aspectos do proces-so de aquisio e desenvolvimento inicial dalinguagem pode ser til para que se compreendaque a criana comea a construir sua compe-tncia comunicativa sua competncia parainteragir em diferentes situaes muito antesde entrar na escola.

    Competncia comunicativa e apren-dizagem da escrita

    Do ponto de vista dos estudos lingsticose, particularmente, dos que refletem sobre oprocesso de aquisio e desenvolvimento dalngua e da linguagem, a noo de competncia5 crucial para explicar os caminhos pelos quaiso sujeito aprende a usar a linguagem e a seconstituir enquanto tal.

    5 No domnio especfico da Educao, alis, h um conjunto deobras que vm demonstrando que a lgica das competncias podeser perversa, se se considera que o desenvolvimento de compe-tncias deve ser uma forma de o sujeito enfrentar a competi-tividade no mercado de trabalho e deixar de ser um peso para oEstado. Como essas obras adequadamente indicam, precisocautela com relao compreenso da noo, uma vez que, porvincular a ao do aluno, futuro trabalhador, a seu resultado, ofe-rece o perigo de que se imagine ser possvel apreender as formasde agir de maneira objetiva, para que sejam descritas, classifica-das e tambm controladas (cf. MACHADO, 2003).

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    Essa noo no recente em Lingstica,ela aparece j nos estudos gerativos conduzidospor Chomsky, em fins da dcada de 50. certoque, naquele momento, a concepo decompetncia era restritiva e ligada, basicamen-te, idia da construo de uma gramtica inter-nalizada que seria, em princpio, comum a todosos falantes de uma mesma lngua.

    Foi com os estudos desenvolvidos por etno-metodologistas como Hymes, Goffman ou Gum-perz que a noo foi redimensionada de forma arelacionar os conhecimentos lingsticos a outrostipos de conhecimentos e ampliada para a noode competncia comunicativa. Tambm os psico-lingistas e os lingistas aplicados (no caso des-tes ltimos, sobretudo os interessados no ensinode segunda lngua) recorreram noo de com-petncia comunicativa para tentar entender/ex-plicar o processo de aquisio e desenvolvimentoda lngua(gem). Na formao de professores quevo ensinar lngua materna, entretanto, essa uma noo ainda pouco trabalhada, o que noscoloca em desvantagem em relao aos professo-res de lngua estrangeira, uma vez que o estudoda construo da competncia comunicativa nospermitiria compreender os processos de apren-dizagem de lngua(s) em relao ao processoglobal de aprendizagem, considerando os pontosde articulao entre o cognitivo e o social, assimcomo as base sociais a partir das quais soconstrudas as representaes individuais, emsituaes de interao.

    Da perspectiva aqui adotada, a competnciacomunicativa pode ser considerada como a ca-pacidade de interagir em diferentes situaesde interao e, portanto, de produzir/recebertextos6, englobando, pelo menos, trs grandessistemas de conhecimento: conhecimentos lingsticos: saberes acer-

    ca das regras de funcionamento da lngua,nos nveis fonolgico, morfolgico, sintti-co e semntico;

    textuais-pragmticos: saberes relativos aosgneros e tipos textuais, tanto em relao sua configurao usual quanto a seu funcio-namento em diferentes instituies e situa-es de interao, bem como no que respeitaa normas de uso da lngua nas prticas co-municativas das quais emergem os textos;

    conhecimentos referenciais: em outras pa-lavras, saberes sobre o mundo.A contribuio desses diferentes sistemas de

    conhecimento para a construo de sentido, naproduo e recepo de textos falados ouescritos simultnea na realizao do proces-samento textual. Na leitura, por exemplo, o pro-cesso de (re)construo de sentidos de textosimplica em um movimento que parte do contatoperceptual com o material simblico, passa pelaelaborao da informao pelo leitor, que recor-re aos diferentes componentes de sua competn-cia comunicativa, e retorna ao texto, seja paraque o leitor faa uma checagem de sua compre-enso, seja para que avance na leitura. J naproduo de textos, por sua vez, a (re)constru-o de sentidos envolve o planejamento dotexto, sua execuo e sua edio.

    Ora, quando nossos alunos chegam escola,embora desconheam, em larga medida, o c-digo da escrita alfabtica, j construram inme-ros conhecimentos lingsticos, textuais, prag-mticos e referenciais e j tiveram acesso, naproduo e na recepo, a diferentes gnerostextuais. Assim, se tiverem a oportunidade decomear a descobrir esse cdigo por meio deprocedimentos que os orientem no estabeleci-mento de relaes entre o que j sabem e aquiloque esto aprendendo, ento, tudo fica maisfcil, at porque tem-se a oportunidade dequalificar positivamente as aes de linguagemque habitualmente realizam, sua experinciacom a lngua(gem).

    O problema que considerar relevante osconhecimentos que os alunos trazem comoexperincia em relao linguagem implica noabandono de algumas crenas sobre a escrita.

    A variabilidade da lngua e de suasprticas orais e escritas: o trabalhodo sujeito

    Talvez a mais importante das crenas aserem desfeitas a de que, na escrita, no hvariabilidade.

    6 Conferir Coste (1997), para que se tenha acesso a uma discus-so detalhada acerca da noo de competncia comunicativa e,tambm, a uma outra forma de conceber os sistemas de conhe-cimentos que ela envolve.

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    Letramento, competncia comunicativa e representaes da escrita

    Ora, toda e qualquer lngua muda no tempo,esto a as transformaes que produziram, apartir do latim, as chamadas lnguas latinas, ouas mudanas entre o portugus arcaico e o con-temporneo, para certificar que esse fenmeno caracterstico da lngua. Alm disso, toda equalquer lngua varia no espao, o que fcilde comprovar se se consideram os falares dasdiferentes regies brasileiras, das diferentesfaixas etrias, das diferentes classes sociais, doshomens e das mulheres; enfim, est a toda avariedade lingstica para comprovar esse fen-meno que caracteriza uma lngua.

    Finalmente, se os grupos se organizam deforma diferente e isso provoca distines nomodo de usar a lngua, por que ignorar que asdiversas formas de organizao dos gruposprovocam necessidades variadas na produo/recepo de textos? Algumas situaes de inte-rao so mais adequadas e regularmente esta-belecidas na lngua falada, outras, na lngua es-crita. Algumas situaes de interao pedem umuso mais formal da linguagem, pois os interlo-cutores pretendem ou necessitam manter umarelao de distanciamento, e isso pode ocorrertanto na fala quanto na escrita.

    Em outras palavras, a variabilidade tantoum fenmeno da lngua em suas modalidadesescrita ou falada quanto das prticas de produ-o e recepo de textos da oralidade e daescrita. Uma carta nem sempre ser formal, umbilhete nem sempre ser informal, pois formali-dade e informalidade esto ligadas situaoem que esses gneros emergem e, mais ainda, percepo que produtor e leitor tm dessasituao. O que se pode dizer, em sntese, quea variabilidade no uso da lngua e, mais ampla-mente, da linguagem resultado tanto das dife-rentes condies de produo, recepo e circu-lao dos textos, quanto de um trabalho quecada sujeito interactante realiza numa dadasituao de interao.

    possvel, pois, pensar que as condiesem que um texto produzido/recebido interfe-rem em sua formulao. Por exemplo, se se con-sideram as prticas de produo de textos oraissem o recurso da tecnologia, ento se depreendeque, em relao s condies de produo/

    recepo, os interlocutores dividem o mesmoespao, e a interao se d num tempo tambmcompartilhado, do que resulta que o processode planejamento, execuo e edio do texto simultneo. J se se observam as prticas deproduo/recepo de textos escritos sem orecurso de outra tecnologia que no seja a daprpria escrita, ento interlocutores esto dis-tantes no tempo e no espao, do que resulta umtempo de planejamento, execuo e formulaodo texto distendido. Caso se levem em conta asinteraes pela Internet, a situao de produo/recepo distinta. Por exemplo, nos e-mails,tem-se o recurso modalidade escrita e se man-tm a distncia no tempo e no espao entreinterlocutores. Pode-se dizer que, nesse caso, otempo entre planejamento, execuo e ediodo texto tambm distendido. Mas, nos chats,nos bate-papos na Internet, a dinmica se altera:nesse caso, embora o recurso modalidadeescrita se mantenha, planejamento, execuo eedio so simultneos, produo e recepoocorrem tambm concomitantemente.

    crucial atentar para essas caractersticasdas interaes orais e escritas, porque funda-mentalmente com base em sua participaonessas interaes que o sujeito constri suacompetncia comunicativa e suas hipteses so-bre como agir em interaes do mesmo tipo.

    Mas as distines entre condies de produ-o, recepo e circulao de textos falados eescritos no explicam completamente a varia-bilidade na escrita. H um outro ponto a serconsiderado: o de que toda e qualquer produode linguagem envolve o trabalho do sujeito evaria como resultado desse trabalho.

    Relacionando a reflexo acerca da variabi-lidade na escrita s prticas escolares, pode-sedizer que, em sntese, o aluno deveria ser levadoa trabalhar conscientemente com a lngua(gem),em funo de seus propsitos comunicativos e,para isso, seria preciso que tivesse clareza daspossibilidades que as condies de produo,recepo e circulao de textos falados e escri-tos lhes proporcionam. necessrio, portanto,que o aluno tenha conscincia das razes que olevam a escolher determinados recursos, emdetrimento de outros, a selecionar uma certa

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    configurao textual e no outra, enfim, a cons-truir o texto de uma forma e no de outra. E a aescola se defronta com um paradoxo: precisorespeitar a variabilidade das prticas experien-ciadas por seus alunos, mas preciso, tambm,auxili-los, por meio de procedimentos de ensinosistemticos, no desenvolvimento de sua compe-tncia comunicativa, de sua capacidade para agirem diferentes eventos de letramento (e tambmorais), o que inclui situaes nas quais os padresprestigiados so distintos daqueles com os quaisesto familiarizados.

    Uma sada consistente, proposta por diferen-tes pesquisadores e incorporada, inclusive, pordocumentos de parametrizao do ensino par-ticularmente os PCNs a de que se priori-zem, no processo de ensino/aprendizagem daescrita, abordagens que se centrem na produoe recepo de gneros textuais7.

    A grande vantagem dessa abordagem a devincular a materialidade lingstica o uso daescrita, assim como a estruturao local e globaldo texto s prticas discursivas nas quais otexto circula. Assim, professor e aluno, maisdo que centrarem sua ateno na lngua escritacomo cdigo alfabtico, podem relacionar adimenso propriamente lingstica dimensotextual-pragmtica e aos conhecimentos refe-renciais dos interactantes, seus conhecimentos

    de mundo. Assumir efetivamente tal propostaenvolveria, do ponto de vista lingstico, foca-lizar tanto questes ligadas ortografia e pon-tuao quanto as vinculadas s escolhas lexicaise estruturao sinttica. Em termos da dimen-so textual-pragmtica, essa abordagem priori-zaria, fundamentalmente, a organizao do textoem relao aos propsitos comunicativos. E, noque se refere aos conhecimentos referenciais,por sua vez, a ateno estaria voltada ao modocomo o que se diz tematizado, colocado emevidncia, num certo arranjo textual-discursivo.

    Adotar essa perspectiva no ensino/aprendi-zagem implica, naturalmente, a seleo deprocedimentos pelos quais os textos aqueleslidos pelos alunos ou os que comeam a produ-zir sejam considerados como passveis de re-ceberem mltiplos sentidos, de serem reinter-pretados, em funo das situaes em que vie-rem a circular.

    Um texto produzido aparentemente com opropsito de homenagear o dia dos carteirospode ser til para entender essa proposta. Trata-se de um texto publicitrio, que circulou emgrandes jornais e revistas, o qual contm umenvelope de carta efetivamente postada eentregue. Tem-se, portanto, um gnero hbrido,nos termos de Marcuschi (2002): dentro de umapublicidade, um endereamento.

    7 Um pesquisador que tem contribudo para iluminar a questo Scheneuwly (1999), o qual, retomando a distino entre gnerosprimrios e secundrios proposta por Bakhtin, preocupa-se em discutir como, no processo de aquisio de linguagem, as crianasreformulam seu sistema de produo de linguagem, ao ingressarem na escola, quando passam a ter acesso a gneros secundrios e,simultaneamente, a ter sua ao de linguagem na produo/recepo desses gneros regulada pelo professor.

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    Letramento, competncia comunicativa e representaes da escrita

    Na 1a linha aparece o enunciatrio; em segui-da, vm os nomes da cidade e do Estado. A partirda 3a linha, inicia-se uma descrio, bastanteextensa, da localizao do endereo do destina-trio.

    A leitura do endereamento permite que seidentifiquem vrias pistas acerca do conheci-mento da escrita do produtor do texto:

    a) no se recorre integralmente ao padroortogrfico; h vrios vocbulos grafados foradesse padro;

    b) no se recorre ao padro usual do gneroendereamento; de um lado, so fornecidas aocarteiro informaes desnecessrias em um en-dereamento (afinal, no seria preciso indicarque a carta se enderea Para tal pessoa, ouque a descrio que se segue aos nomes dacidade e do Estado so relativas ao Endereo);de outro, h um conjunto de informaes preci-sas acerca da localizao da residncia, almde o produtor estabelecer com o carteiro umainterao direta (voc vai ver uma casa ver-melha).

    Embora essas pistas tenham sido descritas,nesse primeiro momento de anlise, em funodo que indicam em relao ao padro de uso daescrita e de construo do gnero, para umabordagem didtica do texto tal qual se propeaqui, melhor seria consider-las, tambm, emtermos do que apontam sobre o conhecimentodo produtor quanto ao funcionamento dognero: o fato de fugir ao padro indica,sobretudo, um trabalho do produtor do endere-amento em relao escrita, em suas dimen-ses lingstica, textual-pragmtica e referen-cial. Afinal, o que o produtor pretende fazerchegar sua carta, e o modo como produz seutexto deixa claro seu propsito: se o recurso aum outro padro ortogrfico e de pontuao nocompromete absolutamente seu texto, a descri-o detalhada que faz do endereo pretende,claramente, garantir que a carta chegue, que opropsito comunicativo previsto para o endere-amento seja alcanado.

    Logo abaixo do endereamento, h o enun-ciado que homenageia os carteiros, o qual seguido de um enunciado que solicita aosusurios dos Correios o seguinte: Faa tambm

    sua homenagem aos carteiros. Preencha suacarta com o endereo e o CEP corretos.

    Obviamente, esse texto publicitrio orientao leitor a uma determinada produo de sentido:indica que os carteiros so competentes, conse-guem fazer chegar as cartas mais difceis de se-rem entregues, mas mostra, tambm, que pre-ciso que se contribua com o trabalho desses pro-fissionais, afinal, o bom desempenho dos cartei-ros depende do bom desempenho dos usurios.

    Essa orientao de leitura provoca, claro,o apagamento de outros sentidos, alm de refor-ar algumas representaes acerca da escrita.O texto publicitrio faz emergir, por exemplo,uma representao de escrita em que no hlugar para a variabilidade. Afinal, tal como seorganiza, permite ao leitor duas hipteses: ou ousurio descreve o endereo da forma apresen-tada porque no o conhece exatamente, ou por-que no conhece o padro do gnero endere-amento e, tambm, de sua escrita. Mais do quecristalizar a representao de que a escrita invarivel, a leitura sugerida pela configuraodo texto (pelo arranjo textual-discursivo) con-trape a competncia do carteiro pretensa faltade competncia do usurio.

    Mas o que se v, caso se observe atenta-mente o endereamento, que o usurio realizaum trabalho bastante elaborado em relao aseu propsito, fornecendo ao carteiro dados fun-damentais para que a carta chegue ao destino.Alm disso, hiptese mais plausvel em relao configurao que o produtor d a seu texto a de que o local em que mora o correspondentetem organizao distinta daquela que se v nosbairros centrais dos grandes centros urbanos,que possuem ruas com nomes, casas com n-meros e cdigos especficos de endereamento.E, muito provavelmente, essa a razo de eleorientar seu trabalho de produo textual daforma proposta e regular, numa certa medida, osentido que o texto pretende alcanar.

    Assumindo-se esse ponto de vista, o modode configurao do endereamento no seriacompreendido como resultado de desconhe-cimento dos usos da escrita e do funcionamentodo gnero ou de descaso do produtor em relaoao que escreve; seria, ao contrrio, compreen-

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    dido como um trabalho fruto de uma necessi-dade real de uso da linguagem e de um clculoacerca de quais os melhores recursos e estra-tgias a serem utilizados para que se alcance opropsito comunicativo pretendido.

    Procedimentos de ensino/aprendizagem queoperam com os textos em situaes especficas(ou reais, como querem alguns) de produo,recepo e circulao so aqueles que permitemao aluno procurar entender as razes de ossujeitos fazerem o que fazem nas interaes e,dessa forma, refletir sobre sua prpria maneirade se relacionar com a lngua/gem.

    Consideraes finais

    O que se pretende defender neste texto no que a escola se exima de possibilitar a reflexoacerca dos padres que vo legitimando deter-minadas configuraes dos gneros como maisadequadas afinal, essa uma de suas funescentrais. Todas as constataes que fizemossobre lngua e linguagem e leitura e escrita detexto procuram demonstrar que a co-constru-o de sentidos na produo/recepo de textosque pe a lngua em funcionamento, e no ocontrrio, como habitualmente fazem supor asprticas escolares de ensino de Portugus. Ossujeitos aprendem a lngua por meio de textos,o que significa dizer que eles no aprendemprimeiro a lngua para depois aprender a pro-duzir/receber textos. A lngua , portanto, con-cebida, desse ponto de vista, como um fen-meno ao mesmo tempo histrico, social e cogni-tivo, que se transforma nas prticas scio-dis-cursivas de uso. O que se defende, assim, anecessidade de a escola compreender que avariabilidade na escrita diz respeito tanto s suascondies de produo, recepo e circulaoquanto compreenso dessas condies pelossujeitos. Essa , tambm, uma forma de consi-derar aquilo que o aluno j sabe, em funo desua experincia prvia, como conhecimentorelevante.

    claro que esse raciocnio provoca um des-locamento nas prticas de ensino/aprendizagemda lngua. Afinal, no se trata de ensinar a lngua

    normalmente concebida como equivalente norma culta padro para que os alunos sejamcapazes de produzir e receber textos. Trata-se,isso sim, de inserir (socializar) os alunos nosprocessos de produo/recepo de textos, a fimde que possam desenvolver sua competnciacomunicativa (lingstico-discursiva) de formareflexiva, para que eles possam vir a operar,tambm de forma reflexiva, nas diferentes inte-raes nas quais vierem a atuar.

    O problema que, em nossa tradio escolar,as prticas de ensino/aprendizagem tm ficadorestritas, muito freqentemente, ao trabalhocom apenas um dos componentes da competn-cia comunicativa: o componente lingstico,que , na maior parte das vezes, tratado de umponto de vista prescritivo e no como umapossibilidade de se identificar a relao entrelngua e prticas de produo/recepo de tex-tos. Muitas das prticas escolares, portanto, notm clareza de que o conhecimento da normapadro que apenas uma das variantes dalngua portuguesa deve ser uma decorrnciada percepo, pelo aluno, do funcionamento dostextos que atualizam gneros em determinadassituaes de interao.

    Finalmente, se o nosso ponto de vista consi-dera que a aquisio de linguagem um pro-cesso que se estende ao longo da vida dossujeitos, ou seja, no um processo limitadoao perodo pr-escolar, aos primeiros anos devida da criana, nem se esgota no espao esco-lar, ento, o papel da escola justamente o deauxiliar, com procedimentos de ensino sistem-ticos, o desenvolvimento desse processo peloaluno.

    E se essa tarefa concebida como uma da-quelas que a escola deve assumir, ento, serpossvel que se procurem caminhos para umtrabalho em que se alterem efetivamente as ima-gens que se tem acerca do que seja estar inseridono mundo da escrita, o que, certamente, darmargem a aes mais pontuais em relao a umasrie de outros desafios que o ensino/aprendi-zagem da leitura e da escrita nos impe.

    Alm disso, adotar como objetivo educa-cional para o ensino de lngua materna o princpiode que o trabalho do professor deve ser o de

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    Letramento, competncia comunicativa e representaes da escrita

    contribuir para a construo da competncia co-municativa provoca deslocamentos no apenasnas prticas escolares nos anos iniciais de ensinocomo tambm nas propostas de formao deprofessores, e abre novos campos de atuao.

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    Afinal, o profissional formado com base nesseprincpio no precisa limitar-se apenas sala deaula, pois pode contribuir em diferentesinstituies, fornecendo assessoria, por exemplo,a profissionais de outros domnios de atuao.

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    Maria de Lourdes Meirelles Matencio

    SCHENEUWL