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1 Crítica à Distinção entre o Analítico e o Sintético como Dois Dogmas do Empirismo, em Quine Vitor Vieira Vasconcelos Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais UFMG Belo Horizonte, Minas Gerais, 2005 Em seu texto ‘’Os dois dogmas do Empirismo’’, Quine crítica a distinção entre analítico e sintético, um dos fundamentos epistemológicos amplamente utilizados pelos positivistas lógicos. Quine rejeita essa distinção, pois considera que os componentes lógicos e pragmáticos estão entrelaçados, a ponto de que não se torne possível fazer uma linha de demarcação precisa entre o que é totalmente deduzível de forma analítica em um sistema linguístico e o que necessita de insumos empíricos. Quine ataca a analiticidade, mostrando que ela depende, para ser confirmada, de recorrer aos conceitos de significado, definição ou sinonímia. Ora, para saber o significado ou definição de um termo, dentro de uma linguagem, precisamos levantá-la a partir de seu uso pragmático no cotidiano. Quine dá o exemplo de um lexicógrafo, que estabelece as relações de sinonímia entre as palavras recorrendo as seus usos ordinários preponderantes em uma comunidade linguística. Com isso, demonstra como as relações ditas analíticas já estão impregnadas de conteúdo pragmático. Continuando em sua argumentação, Quine levanta que seria preciso, inclusive, especificar qual é o significado do conceito de ‘’analiticidade’’. Caso seja definido como dedução a partir das regras semânticas de um sistema, ainda sim continuamos com o mesmo problema, pois será preciso definir qual é o significado de ‘’regras semânticas’’. Como Quine diz: ‘’Aparentemente, as regras semânticas apenas são reconhecíveis pelo fato de aparecerem numa página sob o título ‘Regras semânticas’, e esse titulo então é, ele mesmo, sem significado’’. (Os dois dogmas do Empirismo, p. 296).

O Analítico e o Sintético como Dois Dogmas do Empirismo em Quine

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Em seu texto ‘’Os dois dogmas do Empirismo’’, Quine crítica a distinção entre analítico e sintético, um dos fundamentos epistemológicos amplamente utilizados pelos positivistas lógicos. Quine rejeita essa distinção, pois considera que os componentes lógicos e pragmáticos estão entrelaçados, a ponto de que não se torne possível fazer uma linha de demarcação precisa entre o que é totalmente deduzível de forma analítica em um sistema linguístico e o que necessita de insumos empíricos. A ciência abarca a realidade como um todo conexo conjugando holisticamente o analítico e o sintético, linguagem e experiência. Assim, cada sentença só vai fazer sentido dentro desse seu contexto, e não isoladamente. Em consequência, a sentença está vinculada tanto ao analítico quanto ao sintético do corpo teórico em que se inclui.

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Page 1: O Analítico e o Sintético como Dois Dogmas do Empirismo em Quine

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Crítica à Distinção entre o Analítico e o Sintético

como Dois Dogmas do Empirismo, em Quine

Vitor Vieira Vasconcelos

Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG

Belo Horizonte, Minas Gerais, 2005

Em seu texto ‘’Os dois dogmas do Empirismo’’, Quine crítica a distinção

entre analítico e sintético, um dos fundamentos epistemológicos amplamente

utilizados pelos positivistas lógicos. Quine rejeita essa distinção, pois considera

que os componentes lógicos e pragmáticos estão entrelaçados, a ponto de que

não se torne possível fazer uma linha de demarcação precisa entre o que é

totalmente deduzível de forma analítica em um sistema linguístico e o que

necessita de insumos empíricos.

Quine ataca a analiticidade, mostrando que ela depende, para ser

confirmada, de recorrer aos conceitos de significado, definição ou sinonímia.

Ora, para saber o significado ou definição de um termo, dentro de uma

linguagem, precisamos levantá-la a partir de seu uso pragmático no cotidiano.

Quine dá o exemplo de um lexicógrafo, que estabelece as relações de

sinonímia entre as palavras recorrendo as seus usos ordinários preponderantes

em uma comunidade linguística. Com isso, demonstra como as relações ditas

analíticas já estão impregnadas de conteúdo pragmático.

Continuando em sua argumentação, Quine levanta que seria preciso,

inclusive, especificar qual é o significado do conceito de ‘’analiticidade’’. Caso

seja definido como dedução a partir das regras semânticas de um sistema,

ainda sim continuamos com o mesmo problema, pois será preciso definir qual é

o significado de ‘’regras semânticas’’. Como Quine diz: ‘’Aparentemente, as

regras semânticas apenas são reconhecíveis pelo fato de aparecerem numa

página sob o título ‘Regras semânticas’, e esse titulo então é, ele mesmo, sem

significado’’. (Os dois dogmas do Empirismo, p. 296).

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Com base nos argumentos levantados, Quine é levado a duvidar que é

possível delimitar verdades fundadas em significados independentes de

questões de fato. Com efeito, se torna impossível traçar uma fronteira clara

entre enunciados analíticos e sintéticos, dogma que antes era fundamento

pressuposto nas teorias empíricas lógicas. Quine chega até a caracterizar esse

dogma, de forma irônica, como um ‘’metafísico artigo de fé” (Os Dois Dogmas

do Empirismo, p. 248).

A ciência abarca a realidade como um todo conexo conjugando

holisticamente o analítico e o sintético, linguagem e experiência. Assim, cada

sentença só vai fazer sentido dentro desse seu contexto, e não isoladamente.

Em consequência, a sentença está vinculada tanto ao analítico quanto ao

sintético do corpo teórico em que se inclui.

Referência:

QUINE, W. Os Dois Dogmas do Empirismo. Trad. por Marcelo G. S. Lima. Em:

Os Pensadores - Ryle, Strawson,. Austin, Quine (2ª ed.), SP: Abril, 1978.