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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO
FLÁVIA PIMENTA FRACALANZZA
O APRENDIZADO DA BELEZA: um estudo sobre a socialização do jovem consumidor
habilidoso de maquiagem
Rio de Janeiro
2016
FLÁVIA PIMENTA FRACALANZZA
O APRENDIZADO DA BELEZA: um estudo sobre a socialização do jovem consumidor
habilidoso de maquiagem
Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto
COPPEAD de Administração, da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de
Mestre em Administração.
ORIENTADOR: Roberta Dias Campos, D. Sc.
Rio de Janeiro
2016
FLÁVIA PIMENTA FRACALANZZA
O APRENDIZADO DA BELEZA: um estudo sobre a socialização do jovem consumidor habilidoso de maquiagem
Dissertação de Mestrado apresentada ao Instituto COPPEAD de Administração, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração.
Aprovada por:
_________________________________________________ Profª Roberta Dias Campos, D.Sc. (Orientadora)
COPPEAD/ UFRJ
_________________________________________________ Profª Leticia Moreira Casotti, D.Sc.
COPPEAD/UFRJ
_________________________________________________ Prof. Ronan Torres Quintão, D.Sc.
CEFET/MG
Aos meus pais Sergio e Suely e ao meu marido Victor, meus grandes amores. Ao meu padrinho Tio Armando (in memoriam), que adoraria comemorar conosco esse momento.
"No fim tudo dá certo, se não deu certo é porque ainda não chegou ao fim.”
(Fernando Sabino)
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar, agradeço humildemente a Deus por ter guiado meus passos e me permitido cumprir mais essa etapa no meu crescimento profissional.
Aos meus pais, Sergio e Suely, agradeço por todo o amor, carinho, apoio incondicional e pelo exemplo de retidão e comprometimento com a pesquisa acadêmica. Pais maravilhosos, pessoas extraordinárias e excelentes profissionais e pesquisadores. Vocês são o meu maior exemplo.
Ao meu marido, Victor, maior incentivador dessa desafiadora jornada, agradeço pelo seu apoio, companheirismo e compreensão das ausências e estresses. O primeiro ano coincidiu com os preparativos do nosso casamento, mas com você a meu lado o caminho foi certamente mais leve. Você é parte dessa vitória junto comigo.
Aos meus irmãos Daniel e Juliana e sobrinhos Guilherme e Ana Luiza, assim como a toda minha família e amigos, agradeço pela torcida e pelo apoio. Aos meus queridos padrinhos Tio Armando (in memoriam) e Tia Selma, obrigada por serem tão maravilhosos e fazerem parte da minha vida, seja aqui ou olhando por mim lá em cima. À minha orientadora Roberta Campos, obrigada pelo carinho, apoio e exemplo. Costumo dizer que você foi um grande presente nessa jornada, pois não poderia pedir ninguém melhor para me orientar com tanto conhecimento, esmero e dedicação. A todos os professores do Instituto Coppead de Administração, agradeço pelos valiosos ensinamentos que certamente me transformaram e capacitaram para ser uma pessoa e uma profissional cada vez melhor. Aos funcionários da Coppead, agradeço pelo carinho e apoio. Ao CNPp e à Cátedra L‟orèal de Comportamento do Consumidor, agradeço pelo apoio e incentivo à pesquisa.
A todos que contribuíram de alguma forma para a completude desse trabalho, meu mais sincero agradecimento.
RESUMO
FRACALANZZA, Flávia Pimenta. O aprendizado da beleza: um estudo sobre a
socialização do jovem consumidor habilidoso de maquiagem. 2016. 192f.
Dissertação (Mestrado em Administração) - Instituto COPPEAD de Administração,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
O presente estudo teve por objetivo compreender quais são os agentes de
socialização que influenciam na formação do consumidor habilidoso de maquiagem,
levando-se em consideração a função que é desempenhada por eles e o que eles
ensinam ou modificam no comportamento de consumo. O conceito de consumidor
habilidoso é inspirado no conceito de prossumidor de TOFFLER (2014), que mostra
consumidores cada vez mais ativos e engajados (consumidores-produtores).
Enquadrando-se na linha de pesquisa do CCT (“Consumer Culture Theory”), foi
realizada uma pesquisa qualitativa com jovens homens e mulheres utilizando-se
como métodos a entrevista em profundidade (incluindo técnicas de história de vida,
método dos itinerários e técnicas projetivas) e a videografia, com vídeos feitos pelos
entrevistados. A seleção de entrevistados foi realizada de forma conceitual para uma
melhor compreensão das possibilidades trazidas através do acúmulo de
conhecimento e desenvolvimento de habilidades: consumidores expert (com
conhecimentos avançados de maquiagem), maquiadores e blogueiros. Dentre os
achados principais, apresenta-se uma mudança na esfera de influência dos agentes
de socialização tradicionais com o surgimento da internet e das redes sociais, que
passam a ser os principais socializadores dos jovens para o consumo de
maquiagem. Uma nova proposta de definição de pares é sugerida ao perceber-se
que outros agentes (como namorados e colegas de trabalho) podem exercer
diferentes tipos de influência e não foram contemplados nos estudos anteriores. Foi
possível perceber também que os agentes de socialização podem exercer diferentes
papéis ao influenciar, ensinar o “como fazer” ou ainda contextualizar socialmente os
comportamentos que são esperados, e muitas vezes alguns desses agentes são os
principais responsáveis por mudanças na relação do jovem com a maquiagem.
Foram relacionadas as principais habilidades que são adquiridas e desenvolvidas e
é sugerido um modelo que mostra as trajetórias percorridas por esses jovens no seu
ciclo de vida. Finalmente, são descritas as diferentes práticas de cocriação em que
esses consumidores se engajam e sua relação com os agentes que influenciam e
são influenciados por eles na atualidade.
Palavras-chave: Comportamento do Consumidor. Socialização. Beleza. Maquiagem.
Consumidor Habilidoso. Cocriação.
ABSTRACT
FRACALANZZA, Flávia Pimenta. The beauty apprenticeship: a study about the
skillful young makeup consumer. 2016. 192f. Dissertação (Mestrado em
Administração) - Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016.
The present study aims to understand the socialization agents that influence the
development of the skillful makeup consumer, considering their role and what they
teach or modify in the consumer behavior. The concept of skillful consumer is
inspired by the concept of prossumer described by TOFFLER (2014), which shows
more active and engaged consumers (consumers-producers). Framed in the CCT
(Consumer Culture Theory), a qualitative research was carried on with young man
and women using methods like in depth interview (including life story, itinerary
method and projective techniques) and videography, with videos shot by the own
interviewees. A conceptual selection of skillful makeup consumers was made to
better understand the possibilities brought by this amount of skills and information
they gather: expert consumers (with advanced makeup knowledge), makeup artists
and bloggers. As for the main findings, it was discovered a change on the traditional
socialization agents‟ influence with the rise of the internet and the social media, that
nowadays seem to be the main socialization agent for makeup consumption. A new
definition of peers is proposed once it was realized that other agents (like boyfriends
and work colleagues) may influence behaviors in different ways and had not been
included in previous studies. It was also possible to realize that socialization agents
may have different roles like influencing, teaching the “how to do” or even socially
contextualizing the expected behaviors. The main skills acquired and developed are
shown and a framework is suggested to show the trajectories the young adults go
through in their life cycle. Finally, diverse co-creation practices engaged by these
consumers are described, as well as their relation with agents that currently influence
and are influenced by them.
Keywords: Consumer Behavior. Socialization. Beauty. Makeup. Skillful Consumer.
Co-Creation.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 Modelo conceitual de socialização do consumidor .......................... 23 Figura 2 Tipologia dos Padrões de Comunicação Familiares......................... 25 Figura 3 Esquema de interações de identidade em práticas de consumo...... 29 Figura 4 Socialização do Consumidor versus IGI (“Intergenerational
Influence”)......................................................................................... 33 Figura 5 Formas gerenciais do Consumer Made............................................ 50 Figura 6 Modelo Conceitual das motivações e resultados das ações DIY..... 54 Figura 7 Diferentes tipos de netnografia......................................................... 82 Figura 8 Nécessaire e produtos de Camila..................................................... 92 Figura 9 Nécessaire e produtos de Luisa....................................................... 93 Figura 10 Paleta MAC de Luisa quase nunca utilizada.................................... 96 Figura 11 Batom do “poder”.............................................................................. 97 Figura 12 Conjunto de sombras que “acendia a luz” de Luisa.......................... 97 Figura 13 Maleta de trabalho de Erica com maquiagens e produtos para fazer
penteados......................................................................................... 102 Figura 14 Conjunto de pincéis de Erica............................................................ 103 Figura 15 Produtos para a pele em uma bolsa específica............................... 103 Figura 16 Uma das três maletas de maquiagem de Daniel.............................. 105 Figura 17 Salão de Daniel montado na sala da própria casa........................... 106 Figura 18 O espelho de Erica para fazer maquiagens...................................... 106 Figura 19 Postagem do “primo baratinho” no blog Boca Rosa em
28/05/16............................................................................................ 111 Figura 20 Continuum de tipos de habilidades desenvolvidas........................... 148 Figura 21 Esquema de trajetórias percorridas pelo consumidor na formação
de sua habilidade.............................................................................. 149 Figura 22 Círculo de influência do consumidor habilidoso............................. 153 Figura 23 Modelo de dinâmicas de influência dos consumidores
habilidosos........................................................................................ 159 Figura 24 Linha de esmaltes Boca Rosa da blogueira Bianca Andrade em
parceria com a Studio 35.................................................................. 163 Figura 25 Coleção Nightlife by Camila Coelho em parceria com a
Sigma............................................................................................... 163
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Migração para as experiências de cocriação................................... 47
Quadro 2 Características típicas do líder e do consumidor criativo................. 49
Quadro 3 Perfil dos Entrevistados................................................................... 88
Quadro 4 Funções e atuações da família no processo de socialização..................................................................................... 123
Quadro 5 Categorias de pares e sua esfera de atuação................................. 132
Quadro 6 Características, funções e influência das redes sociais.................. 139
LISTA DE ABREVIATURAS
ABIHPEC Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO............................................................................. 14
1.1 Delimitações e Questões de Pesquisa........................................ 16
1.2 Relevância teórica....................................................................... 17
1.3 Relevância Gerencial................................................................... 18
1.4 Organização do estudo................................................................ 19
2 REFERENCIAL TEÓRICO.......................................................... 20
2.1 Socialização do Consumidor....................................................... 21
2.1.1 Os Agentes de Socialização........................................................ 24
Família........................................................................................ 24
Pares........................................................................................... 35
Meios de comunicação de massa............................................ 37
Internet........................................................................................ 38
2.2 Do consumidor receptor ao consumidor-produtor....................... 41
2.2.1 Novos movimentos na relação consumidor-empresa: a lógica dominante de serviço...................................................................
42
2.2.2 Cocriação..................................................................................... 44
2.2.3 A produção do consumidor: o Do-It-Yourself e o consumo artesanal......................................................................................
51
2.2.4 Consumidor poderoso ou governado? Críticas ao modelo de cocriação.....................................................................................
58
2.2.5 Conceituações e perspectivas diversas sobre o “novo consumidor”.................................................................................
63
2.3 Beleza.......................................................................................... 65
3 METODOLOGIA.......................................................................... 69
3.1 Paradigma interpretativo e Consumer Culture Theory (CCT)..... 70
3.2 Questões de Pesquisa................................................................. 71
3.3 Desenho de Pesquisa.................................................................. 71
3.3.1 Entrevista em Profundidade........................................................ 74
História de Vida......................................................................... 75
Método dos Itinerários.............................................................. 76
Método projetivo........................................................................ 77
3.3.2 Videografia................................................................................... 78
3.3.3 Netnografia.................................................................................. 81
Netnografia em blogs................................................................ 82
3.4 Seleção dos entrevistados........................................................... 84
3.5 Perfil dos Entrevistados............................................................... 86
3.6 Procedimentos de análise........................................................... 88
4 RESULTADOS............................................................................ 90
4.1 Contextualização dos Consumidores Habilidosos...................... 90
Consumidor(a) Expert............................................................... 90
Maquiadores.............................................................................. 98
Blogueiras................................................................................. 106
4.2 A participação dos agentes de socialização na formação do consumidor habilidoso de maquiagem.......................................
112
4.2.1 Família........................................................................................ 113
4.2.2 Pares........................................................................................... 124
Pares Incentivadores................................................................ 125
Pares Instrumentalizadores..................................................... 127
Pares Contextualizadores........................................................ 129
4.2.3 Meios de comunicação de massa e o novo papel da Internet.... 133
4.2.4 Profissionais................................................................................ 142
4.3 Habilidades.................................................................................. 144
4.4 Trajetórias do consumidor habilidoso........................................ 147
4.5 Dinâmicas de Influência............................................................... 153
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................ 164
5.1 Revendo a trajetória de pesquisa................................................ 165
5.2 Contribuições à literatura............................................................. 167
5.3 Implicações Gerenciais................................................................ 172
5.4 Sugestões de estudos futuros..................................................... 173
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................... 176
Apêndices.................................................................................... 184
Apêndice A - Roteiro das Entrevistas.......................................... 185 Apêndice B – Instruções para a etapa de produção de vídeos e
fotos entregue aos entrevistados................................................ 190
Apêndice C – Técnicas projetivas utilizadas ao final da
segunda entrevista.....................................................................
191
15
1 INTRODUÇÃO
De brincadeiras na infância ao uso escondido de produtos da mãe, como a
menina aprende a se maquiar? Com quem ela aprende a aplicar diferentes tipos de
produtos e a entender sobre a combinação de cores e estilos? Quem influencia esse
processo, comum na vida de tantas jovens?
A passagem da infância para a adolescência e da adolescência para a fase
adulta marcam importantes momentos de transição na vida da jovem consumidora.
Ao deixar para trás bonecas e brincadeiras, as transformações no corpo são
associadas a novos contextos onde os cuidados pessoais começam a aparecer com
maior importância. E para além dos produtos de higiene pessoal e cosméticos,
muitas jovens começam a se interessar em aprender mais sobre maquiagem. E se
antes esses ensinamentos vinham das mães e amigas próximas, como esse
processo se configura hoje, com a ascensão das redes sociais e a possibilidade de
acesso instantâneo a informações através da Internet?
Entender esse novo contexto é fundamental para perceber as modificações
que ele carrega. O surgimento da web 2.0 altera as relações não só entre os
próprios consumidores mas entre empresas e consumidores (GRINNELL, 2009;
RITZER e JURGENSON, 2010). Surgem novos canais de contato direto com o
consumidor e as empresas buscam cada vez mais conhecer as preferências dos
seus clientes e oferecer uma melhor experiência de consumo. Além do objetivo
financeiro, as empresas se preocupam com fortalecimento da marca e com a
lealdade dos consumidores (GATAUTIS e KAZAKEVICIUTE, 2012), questões
fundamentais para a sua permanência no mercado.
Já para o consumidor, as mudanças são ainda mais profundas. Se antes seu
papel era passivo dentro do processo de consumo e cabia apenas escolher entre as
possibilidades existentes, hoje seu papel é cada vez mais protagonista. As novas
tecnologias e a web 2.0 permitem o acesso instantâneo à informação e a produção
de conteúdo de forma colaborativa pelos usuários. Nesse sentido, portanto, vê-se o
surgimento de um consumidor cada vez mais poderoso (LABRECQUE et al., 2013)
já que através de blogs, redes sociais e comunidades de marca, pessoas com
interesses semelhantes podem se encontrar e colaborar de diferentes formas. O
16
consumidor pode produzir e compartilhar o seu próprio conteúdo, além de poder
participar do desenvolvimento de produtos através de plataformas colaborativas ou
diretamente com as empresas, o que modifica a separação tradicional entre os
papéis do produtor e do consumidor (GRINNELL, 2009; PRAHALAD e
RAMASWAMI, 2004a). O consumidor pode atuar como produtor modificando os
usos e significados dos produtos que adquire no mercado de consumo (COVA,
2008) ou ainda construindo seus próprios produtos através de atividades de “faça
você mesmo” (WOLF e McQUITTY, 2011).
Percebe-se, portanto, que as relações de poder e influência na sociedade
atual estão se modificando de forma decisiva, e que os agentes tradicionais de
informação estão tendo seus papéis modificados no processo de socialização de
jovens consumidores. Diante disso, é possível questionar se a maneira pela qual os
jovens adquirem conhecimentos e habilidades sobre consumo permanece a mesma
como foi apresentada nos estudos seminais sobre socialização do consumidor
(WARD, 1974; MOSCHIS e CHURCHILL, 1978; MOSCHIS e MOORE, 1983) e em
que medida as mudanças trazidas por esse novo contexto têm impacto na ação dos
tradicionais agentes de socialização.
Embora a socialização seja um processo que ocorre durante toda a vida do
indivíduo (WARD, 1974), grande parte dos estudos sobre o assunto enfoca a
socialização na infância, o que mostra uma oportunidade para a pesquisa da
socialização do jovem e de adultos (EKSTRÖM, 2006), onde novos contextos
podem influenciar o aprendizado e o comportamento de consumo. Isso é
particularmente relevante se considerarmos a geração Y, que em sua maioria já
cresceu com acesso ao computador e à Internet, em um contexto de acesso a
informação bem diferente de seus pais (LUEG et al., 2006).
Para essa geração, particularmente, a imagem possui enorme importância e
há uma busca cada vez maior por adequação a um determinado padrão estético,
ditado pela moda e pelos meios de comunicação e cultuado através das redes
sociais. Esse movimento pode ser demonstrado pelo crescimento da procura por
academias de ginástica, pela banalização da cirurgia estética e principalmente pelo
aumento no uso de cosméticos e maquiagem para esconder traços indesejados e
17
realçar traços considerados mais belos e atraentes. (CASOTTI, SUAREZ e
CAMPOSY, 2008).
Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal,
Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC, 2015), o Brasil ocupa atualmente a terceira
posição mundial no mercado de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos e o setor
vem registrando um crescimento anual bem maior do que outros setores da
economia. Com o aumento do acesso da população a itens de beleza (mesmo entre
as classes mais baixas) e da participação da mulher no mercado de trabalho, entre
outros fatores, a beleza deixou de ser simples resultado de herança genética
afortunada para ser uma conquista, cujos ativos fundamentais estão cada vez mais
acessíveis a qualquer um (CASOTTI, SUAREZ e CAMPOSY, 2008).
1.1 Delimitações e Questões de Pesquisa
Diante desse contexto, a proposta desse trabalho será investigar qual o papel
dos agentes de socialização na construção dos aprendizados de consumo de
maquiagem em jovens. Seguindo o conceito de prossumidor de Toffler (2014) - que
entende que o consumidor contemporâneo possui habilidades produtoras que
permitem que ele execute tarefas que poderiam ser contratadas de outras fontes -
serão investigados nesse trabalho os consumidores habilidosos de maquiagem. Por
essa nomenclatura, chamamos de consumidores habilidosos aqueles com grande
conhecimento sobre maquiagem e que possuem habilidades para realizar técnicas
de maquiagem consideradas mais complexas, deixando de contratar maquiadores
profissionais.
Assim, a questão principal deste estudo pode ser colocada da seguinte
forma: Qual é o papel dos agentes de socialização na construção de aprendizados e
experiências de consumo de maquiagem do jovem consumidor habilidoso de
maquiagem na contemporaneidade?
Para auxiliar na resposta à pergunta principal, serão também investigadas as
seguintes questões secundárias:
● Qual o papel da família na formação de hábitos de compra e preferência de
marcas?
18
● De que forma as redes sociais contribuem para a formação dos novos
consumidores?
● Como o grupo de amigos influencia nas experiências de consumo e
construção de aprendizados?
● Como se dá a trajetória de consumo e de aprendizado desse jovem
consumidor, no que se refere a habilidades e práticas de maquiagem,
construindo a posição de consumidor habilidoso?
● Que significados são associados ao uso de maquiagem pelo jovem?
● De que natureza são as habilidades adquiridas pelo jovem?
Com as questões secundárias, além de uma investigação profunda sobre a
ação dos diferentes agentes de socialização, busca-se descobrir quais são os
significados que esses jovens passam a associar ao uso de maquiagem e
compreender como se constroem as bases dessa habilidade, entendendo como a
evolução dessa habilidade tem impacto em sua relação com a maquiagem e com o
seu meio social.
1.2 Relevância teórica
Segundo Ward (1974), o estudo da socialização do consumidor é relevante no
intuito de compreender o processo de desenvolvimento de comportamentos de
compra e formas de pensar sobre o consumo. Um dos grandes motivos para o
estudo da socialização está na necessidade de compreensão do comportamento de
consumo na família, a coexistência de diferentes gerações, a influência dos jovens
no comportamento da família e o impacto social nos padrões de consumo como um
todo. Através dessa análise, pode-se buscar a compreensão de quais
comportamentos são transmitidos pela família através das gerações e quais são
alterados pela influência social e por conta do surgimento de novas tecnologias,
dentro de processos de socialização e aquisição de conhecimentos, habilidades e
atitudes do consumidor (WARD, 1974).
Assim, as mudanças culturais e tecnológicas na sociedade nos dias de hoje
demonstram a necessidade de revisitar as pesquisas e os conceitos sobre
19
socialização do consumidor para discuti-los à luz deste novo cenário. A pesquisa
desenvolvida nesse trabalho busca então contribuir com a literatura de socialização
ao mostrar a ação dos agentes de socialização na contemporaneidade,
demonstrando como agem na transmissão de conhecimentos, habilidades e atitudes
no que se refere ao consumo de maquiagem e como a Internet e as redes sociais
estão impactando esses processos de influência e transmissão de conhecimento. O
estudo da socialização de jovens também busca preencher uma lacuna existente na
literatura, já que a maior parte das pesquisas de socialização está restrita aos
processos de socialização na infância (JOHN, 1999, EKSTRÖM, 2006).
Esse trabalho pretende ainda contribuir com as discussões acadêmicas sobre o
consumidor-produtor (COVA, 2008), discutindo em que medida o jovem passa a ter
um papel cada mais vez mais engajado e ativo nas atividades de consumo e passa
a ser produtor de novos significados, conhecimentos e até mesmo de produtos para
uso próprio ou para o mercado de consumo em parceria com as empresas
(CAMPBELL, 2004; PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a; COVA, 2008; WOLF e
MCQUITTY, 2013).
Será possível colaborar também para a literatura sobre beleza, complementando
a discussão de Casotti, Suarez e Campos (2008) sobre as rotinas e significados
associados ao uso de maquiagem da jovem consumidora bem como oferecendo
uma análise sobre os itinerários de consumo de beleza percorridos segundo o
método de DESJEUX (2000).
1.3 Relevância Gerencial
A compreensão das formas de aprendizado dos jovens sobre consumo e dos
agentes que influenciam e direcionam esses processos de aprendizado são fatores
de grande importância para que as empresas repensem o direcionamento das suas
estratégias de marketing, bem como a sua alocação de recursos para investimento
em propaganda tradicional e nas novas mídias, como as redes sociais. Entender o
papel da Internet e das redes sociais como socializadores e influenciadores de
comportamento - em comparação aos demais agentes - é fundamental para um
melhor aproveitamento desses canais não só para a divulgação e venda de serviços
20
e produtos, mas principalmente para que as empresas possam estreitar
relacionamentos com os clientes, proporcionando novas experiências de consumo.
Além disso, a discussão sobre a nova lógica de mercado baseada em
serviços e que tem como centro a figura do consumidor é fundamental para as
empresas que quiserem acompanhar essa tendência e manter-se no mercado
(VARGO e LUSH, 2004). É importante perceber a mudança do consumidor para
uma postura cada vez mais ativa e engajada em processos de cocriação de valor,
experiências e produtos (PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a). Além disso, as
novas tecnologias e plataformas colaborativas permitiram uma aproximação cada
vez maior entre a figura do consumidor e do produtor (COVA, 2008), o que significa
que as empresas precisam conhecer e se adaptar a esse movimento, pois as formas
tradicionais de desenvolvimento de produtos, propaganda e vendas sem a
participação do consumidor já não atendem mais, e é necessário cada vez mais um
envolvimento do consumidor com o negócio da empresa.
Dado que a presente pesquisa se concentra nos aprendizados de
conhecimentos, habilidades e atitudes sobre o consumo de beleza, esse estudo é
especialmente relevante para empresas desse segmento, para que possam
perceber as diferentes trajetórias de aprendizado destes consumidores, quem são
os principais influenciadores e como ocorrem esses aprendizados. As diferentes
rotinas de consumo e itinerários podem ser também de grande relevância para as
empresas por mostrarem como ocorrem as aquisições, que fatores são levados em
consideração para a decisão de compra, onde os produtos são armazenados e até
mesmo como é feito o descarte.
1.4 Organização do estudo
A revisão de literatura para essa pesquisa será apresentada no capítulo
seguinte, dividida em três eixos teóricos principais que permitiram uma série de
reflexões sobre o tema de pesquisa e que posteriormente foram utilizados para a
análise dos dados coletados. O primeiro eixo trata da socialização do consumidor,
onde serão apresentados e discutidos os agentes de socialização tradicionais e mais
recentes bem como as formas de transmissão de conhecimentos, normas sociais e
culturais relacionadas ao consumo. Em seguida, serão discutidas as mudanças no
21
papel do consumidor e suas relações com o mercado de consumo, com suas
diferentes conceituações e perspectivas críticas. Por fim, os diferentes significados
associados ao consumo de beleza serão discutidos, bem como suas influências nos
comportamentos de consumidores.
O terceiro capítulo será dedicado à metodologia utilizada nessa pesquisa. A
filiação paradigmática interpretativista será discutida bem como a inserção desse
estudo dentro da linha de pesquisa da Consumer Culture Theory (ARNOULD e
THOMPSON, 2005). Serão apresentados com mais profundidade os métodos
qualitativos escolhidos, notadamente a entrevista em profundidade (McCRAKEN,
1988) e a videografia (BELK e KOZINETS, 2005), bem como o desenho da pesquisa
e os critérios de seleção dos entrevistados. Ao final, são apresentadas as limitações
de pesquisa.
O quarto capítulo será dedicado à análise das informações que foram
coletadas no decorrer desse trabalho, bem como sua relação com a literatura
analisada. Serão discutidos os principais resultados encontrados e serão
apresentadas definições e esquemas de trajetórias que podem contribuir e trazer
novas perspectivas à literatura existente.
No capítulo final, então, serão retomados os principais resultados encontrados
e suas relações com a literatura, apresentando as contribuições acadêmicas e
gerenciais. Por fim, serão demonstradas possibilidades de estudos futuros a partir
das discussões e contribuições dessa pesquisa.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
Dada a questão de pesquisa proposta para este estudo (Qual é o papel dos
agentes de socialização na construção dos aprendizados e experiências de
consumo de maquiagem do jovem consumidor habilidoso na contemporaneidade?),
a presente revisão de literatura buscará apresentar os conceitos e pesquisas em
torno de três eixos teóricos: (1) a socialização do consumidor, com particular ênfase
nos agentes de socialização, (2) o consumidor habilidoso ou produtor e (3) o
consumo de beleza.
22
2.1 Socialização do Consumidor
A socialização do consumidor tem sido foco de várias pesquisas com o passar
dos anos, particularmente na área de marketing. O estudo do fenômeno da
socialização do consumidor é importante para uma melhor compreensão do contexto
no qual os consumidores vivem, como eles se relacionam com as normas culturais e
se adaptam às transformações que acontecem na sociedade onde vivem
(EKSTRÖM, 2006).
De acordo com Ward (1974), pode-se definir socialização do consumidor
como os “processos pelos quais os jovens adquirem habilidades, conhecimentos e
atitudes relevantes para o desempenho das suas funções de consumidores no
mercado. ”(p.2). Segundo o autor, para uma melhor compreensão desse processo é
importante distinguir entre os comportamentos, habilidades e atitudes que são
diretamente relevantes para o desempenho da função de consumidor, como aqueles
relacionados à decisão sobre orçamentos, precificação, processo de compra,
relacionamento com vendedores e conhecimento sobre marcas e produtos; e
aqueles que estão indiretamente relacionados ao consumo, sendo mais
relacionados aos processos de influência e decisão de compra do que ao processo
de concretização da compra em si, o que pode ser forma ainda mais relevante para
a compreensão do comportamento do consumidor.
A base para a socialização, seja na perspectiva de consumo, econômica ou
da psicologia social, está em viver em sociedade de acordo com suas normas
sociais. No entanto, o indivíduo não nasce como um membro pronto da sociedade,
ele nasce com uma predisposição a se socializar, mas para Moschis (1983), o
indivíduo só pode ser visto como socializado quando ele aprende a sentir e pensar
de acordo com as expectativas da sociedade. Ou seja, “viver em sociedade envolve
ser um membro da sociedade” (EKSTRÖM, 2006, p. 73). Fatores como a busca pelo
pertencimento a um grupo ou adequação a uma determinada situação social, por
exemplo, podem influenciar o comportamento do consumidor como consequência de
situações onde há uma expectativa social de determinado tipo de consumo ou
comportamento de compra (WARD, 1974).
Embora o processo de socialização do consumidor aconteça não só na
infância mas durante toda a vida do indivíduo (WARD, 1974), é importante pontuar
23
que boa parte das pesquisas nessa área destinaram-se ao estudo da socialização
na infância, analisando o desenvolvimento das crianças enquanto consumidores e
seus conhecimentos sobre marcas, produtos, propaganda, atitudes em relação a
preços, tomada de decisão de compra, influência dos pais e negociação (JOHN,
1999), sendo poucos os estudos que buscaram analisar o processo de socialização
na adolescência e na fase adulta (EKSTRÖM, 2006; SANTOS e FERNANDES,
2011; LUEG et al., 2006). No entanto, segundo Ward (1974), é justamente nessa
fase que o jovem passa por algumas experiências que são de grande importância
para a aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes que atuam na construção
dos seus padrões de comportamento, por vezes se perpetuando na fase adulta.
Para a análise da aquisição de conhecimento e de padrões de
comportamento do consumidor geralmente são utilizados dois modelos teóricos: o
modelo de desenvolvimento cognitivo e o modelo de aprendizado social. O modelo
cognitivo, baseado na teoria de Piaget, está relacionado principalmente ao
desenvolvimento psicológico-cognitivo do indivíduo em sua interação com o
ambiente e com as pessoas ao redor. Esse processo de desenvolvimento passa por
diversos estágios que vão desde a primeira infância até a idade adulta (JOHN,
1999). Já o modelo de aprendizado social considera os chamados “agentes de
socialização”, através dos quais são transmitidos valores, comportamentos e
atitudes através de variadas situações de interação social com o indivíduo
(MOSCHIS e MOORE, 1983; MOSCHIS e CHURCHILL, 1978).
Segundo Moschis e Churchill (1978), o indivíduo que passa por esse
processo de aprendizado pode adquirir comportamentos e habilidades cognitivas
através de processos de modelagem, reforço e interação social. A modelagem está
relacionada a um processo de imitação em relação ao comportamento do agente de
socialização, enquanto o reforço envolve mecanismos de recompensa (no caso de
um reforço positivo) ou punição (reforço negativo). Já a interação social é um
processo menos específico de aprendizado, podendo inclusive combinar modelagem
e reforço.
Como podemos ver na Figura 1, o modelo conceitual proposto por Moschis e
Churchill (1978) que incorpora essas correntes teóricas passou a ser utilizado em
vários estudos, propondo cinco variáveis (propriedades relacionadas ao
24
aprendizado, idade ou posição no ciclo de vida, variáveis sociais, agentes de
socialização e processos de aprendizado) que são agrupadas em três categorias:
variáveis antecedentes, processo de socialização e resultados da socialização
(MOSCHIS e MOORE, 1983). Os antecedentes referem-se às variáveis que
determinam o ambiente social, como classe social, sexo e nível educacional, bem
como àquelas relacionadas ao desenvolvimento do indivíduo, como idade e
momento no ciclo de vida. O processo de socialização está relacionado à relação
existente entre o agente e o indivíduo que participa do aprendizado. Para Moschis e
Moore (1983), os principais agentes de socialização são os pais, pares, escola e
meios de comunicação em massa. Cada um dos agentes de socialização, sua
esfera de influência e os novos agentes que surgem serão analisados em
profundidade no tópico seguinte. Finalmente, como produtos da socialização estão
os conhecimentos adquiridos, habilidades e atitudes que passam a influenciar
comportamentos de consumo (MOSCHIS e MOORE, 1983; HOTA e SIDNEY, 2006).
Figura 1 - Modelo conceitual de socialização do consumidor.Fonte: Moschis e Churchill, 1978, p.
600, tradução nossa.
25
A cultura aparece em alguns estudos como um fator de relevância ao
determinar o papel dos diferentes agentes de socialização e dos seus processos de
influência (HOTA e SIDNEY, 2006; YANG et al., 2014). Uma vez que a cultura é um
dos fatores que modificam o ambiente em que a criança se desenvolve e é
socializada para o consumo, compreender diferenças culturais pode fornecer
importantes explicações sobre diferentes estruturas familiares, padrões de
comunicação e relações com pares (JOHN, 1999).
2.1.1 Os Agentes de Socialização
Nessa seção serão discutidos os principais agentes de socialização e seus
diferentes papéis na construção dos aprendizados de consumo. Para isso, além dos
agentes inicialmente propostos por Moschis e Moore (1983) que são família, pares e
meios de comunicação de massa, será analisado também o papel da Internet
enquanto importante fonte de influência atual, notadamente sobre os jovens, foco
principal desse estudo.
Família
A família é um dos principais e mais importantes agentes de socialização
(MOSCHIS, 1985; MOORE, WILKIE e LUTZ, 2002). Os pais, especificamente, são a
primeira fonte de influência das crianças e através deles são transmitidos hábitos e
preferências de compra desde a mais tenra idade. Reside neles, também, a decisão
de compra e um controle sobre as preferências e hábitos de consumo da família que
passa a decrescer com a idade dos filhos (notadamente na adolescência),
enfraquecendo ainda mais com a diminuição da dependência econômica (HOTA e
SYDNEY, 2006).
De acordo com Moschis (1985), dentro do contexto familiar a comunicação
interpessoal é considerada um aspecto fundamental na socialização do consumidor.
Segundo McLeod e Chaffee (1972 apud MOSCHIS, 1985) os estudos dos processos
de comunicação entre pais e filhos trabalham com duas dimensões de estrutura de
comunicação. Na primeira, orientada para o social (“socio-oriented”), vê-se uma
busca por relacionamentos sociais harmoniosos. Nesses tipos de lares, as crianças
são orientadas a evitar a controvérsia e a reprimir seus sentimentos e opiniões, não
26
discordando e discutindo com seus pais. Já no segundo tipo de estrutura, orientada
para conceitos (“concept-oriented”), o foco está em ajudar a criança na construção
de seus próprios pontos de vista sobre o mundo. Alguns exemplos dessa dimensão
são incentivar que as crianças avaliem as alternativas possíveis antes de uma
tomada de decisão e a discussão aberta de ideias, ainda que contrastantes.
A partir dessas duas dimensões, então, geram-se quatro tipologias de
padrões de comunicação familiar: laissez-faire, protetora, pluralista e consensual.
Essas tipologias estão demonstradas na Figura 2.
Figura 2: Tipologia dos Padrões de Comunicação Familiares. Fonte: Moschis, 1985, p. 899,
tradução nossa
Nas famílias laissez-faire nenhuma das dimensões anteriormente apontadas
aparece e há pouca comunicação entre pais e filhos. As famílias protetoras, por
outro lado, buscam harmonia social e obediência dos filhos em relação aos pais no
processo de comunicação. Nas famílias pluralistas a discussão de ideias e a
comunicação aberta são encorajadas, e as crianças são estimuladas a terem novas
ideias e a emitirem suas opiniões sem medo de retaliações. As famílias
consensuais, por sua vez, apresentam características das duas abordagens e as
27
crianças são encorajadas a terem suas próprias ideias desde que isso não cause
problemas a hierarquia de opiniões da família e sua harmonia (MOSCHIS, 1985;
JOHN, 1999).
Dentro desse contexto, a análise das formas de comunicação relacionadas ao
consumo que ocorrem em uma família é um aspecto fundamental para a
compreensão do processo de socialização do consumidor, já que esse é um dos
principais canais de transmissão de habilidades e conhecimentos de pais para filhos
(CARLSON, GROSSBART e STUENKEL, 1992). De acordo com Moschis (1985), a
comunicação entre os membros de uma família pode ocorrer através de variados
mecanismos. Ao se portar de determinada forma, por exemplo, os membros de uma
família transmitem normas ou expectativas de comportamento, seja de forma
intencional ou não. Segundo o autor, essa transmissão de informações ocorre no
nível cognitivo e o aprendizado sobre consumo vem da observação ou imitação de
determinados comportamentos.
Uma outra forma de influência entre membros da família é através de
mecanismos de reforço (positivos ou negativos). Os mecanismos de reforço podem
envolver uma comunicação aberta através de elogios e reclamações ou envolver
comunicação cognitiva, onde uma pessoa pode demonstrar sua opinião através de
comportamentos afetivos (reforço positivo) ou punições psicológicas (reforço
negativo) (MOSCHIS, 1985).
O terceiro mecanismo reconhecido por Moschis (1985) é a interação social,
onde a comunicação é feita de forma aberta e pode conter elementos dos outros
mecanismos (modelagem e reforço). O processo de interação social pode ter
conteúdo, o que inclui as expectativas do comunicador sobre os comportamentos
que são esperados e informações sobre consumo; e estrutura, que se relaciona com
as formas de poder e comunicação dentro da família.
Para Moschis (1985), seja de forma aberta ou cognitiva percebe-se a
importância do papel da comunicação no aprendizado sobre consumo. Os efeitos
podem ser diretos, onde a transmissão de informações sobre consumo traduz-se na
aquisição de comportamentos, crenças e normas em outros membros; ou indiretos,
onde se adquirem padrões de interação com outras fontes de influência que podem
modificar o aprendizado sobre consumo. A comunicação familiar pode ainda atuar
28
como mediadora dos efeitos de outras fontes de informação e influência como os
meios de comunicação de massa ou os pares.
Um outro fator de grande influência da família no processo de socialização
são os estilos de autoridade dos pais (“parental styles”). Segundo Carlson e
Grossbart (1988), pais autoritários (“authoritarian parents”) possuem altos níveis de
controle sobre os filhos e esperam deles obediência sem questionamento,
restringindo sua autonomia e desencorajando debates através de regras e punições
por discordâncias. Os pais julgam o comportamento dos filhos através de padrões e
de acordo com autoridades superiores (como autoridades religiosas, por exemplo).
Os pais que exercem um controle rígido são semelhantes aos autoritários mas há
um afastamento que limita o seu envolvimento emocional na socialização dos filhos.
Os pais negligentes, por outro lado, mantêm um afastamento em relação aos
filhos mas não procuram controlá-los, seja por estarem muito envolvidos em si
mesmos ou por evitarem o papel de guias na criação dos filhos. Eles vêem os filhos
como tendo poucas responsabilidades que precisem de sua atenção e como
capazes de tomar conta de si mesmos na maioria dos casos, com poucas
preocupações sobre o seu processo de desenvolvimento (CARLSON e
GROSSBART, 1988). Já os pais dominantes (“authoritative parents”) procuram um
equilíbrio entre os direitos de pais e de filhos que muda com o seu desenvolvimento.
Eles incentivam a auto-expressão e a autonomia, mas exigem disciplina e exercem
controle quando acham necessário. Os pais dominantes são afetuosos, oferecem
suporte e incentivam as oportunidades de desenvolvimento cultural e educacional
dos filhos, mas esperam um comportamento maduro por parte deles. Eles
restringem mais o consumo, controlam a exposição dos filhos aos meios de
comunicação e se preocupam mais com os efeitos da propaganda (CARLSON e
GROSSBART, 1988; CARLSON, GROSSBART e STUENKEL, 1992).
Os pais permissivos, por fim, são aqueles que fornecem um grau de liberdade
substancial aos filhos. Eles vêem os filhos com poucas responsabilidades e direitos
adultos, sendo complacentes nas suas interações e removendo barreiras ao seu
bem-estar. Como pais, eles se vêem como recursos e não como modeladores dos
filhos, e exercem mais influência através de discussões racionais do que através de
29
controles (CARLSON e GROSSBART, 1988; CARLSON, GROSSBART e
STUENKEL, 1992).
De acordo com John (1999), a influência da família enquanto agente de
socialização não pode ser explicada apenas através das formas intencionais de
transmissão de conhecimento, mas também por meio da sua compreensão
enquanto um processo bem mais sutil que ocorre através das interações sociais
entre os membros de uma família.
É nesse contexto que Epp e Price (2008) investigam como os processos de
socialização acontecem através de formas de comunicação e construção da
identidade familiar. Segundo as autoras, dentro de cada família existem diversos
grupos de identidades, incluindo a identidade familiar coletiva, a de pequenos grupos
(irmãos, o casal, pai-filho) ou identidades relacionais (que formam um subgrupo e o
diferencia dos demais) e as identidades individuais de cada membro da família.
Cada um desses grupos ou indivíduos em particular pode ter os seus próprios
rituais, histórias, interações e processos de transferência intergerações que podem
ser confrontados ou mesmo modificados no processo de interação com os demais.
Além disso, a interação com recursos simbólicos de mercado (como marcas,
produtos e serviços) também pode influenciar na construção dessas identidades,
como mostra a Figura 3. A família enquanto entidade coletiva é central em questões
relacionadas a consumo e enfrenta diversos desafios e mudanças na sociedade
atual (EPP; PRICE, 2008).
30
Figura 3 - Esquema de interações de identidade em práticas de consumo. Fonte: EPP;
PRICE, 2008, p. 52, tradução nossa
O conceito de identidade familiar apresentado por Epp e Price (2008) trata
sobre um conjunto de qualidades e atributos que identificam uma determinada
família e diferenciam-na das demais. Para as autoras, a família é continuamente
construída, seja internamente pelos seus próprios membros ou externamente em
relação aos outros pelos seus comportamentos observáveis. Dessa forma, a
identidade familiar é dinamicamente coconstruída de acordo com as interações entre
os diversos grupos existentes dentro da família e que participam de práticas de
consumo não só complementares mas também competitivas.
Dentre as principais formas de comunicação que modificam e limitam as
identidades familiares coletivas através do consumo encontram-se os rituais
familiares, as narrativas, os dramas sociais, as interações diárias e as transferências
intergerações. É importante salientar que essas formas de comunicação não atuam
somente como construção ou perpetuação de identidade dentro da família mas
também como indicadores de identidade para a sociedade (EPP e PRICE, 2008),
sendo o consumo um símbolo da identidade familiar (ARNOULD e EPP, 2006).
No estudo de Epp e Price (2008), os rituais aparecem como atividades
centrais para a criação, reforço e transmissão de identidade familiar. Segundo Rook
(2007), “o termo ritual refere-se a um tipo de atividade expressiva e simbólica
31
construída de múltiplos comportamentos que se dão numa sequência fixa e
episódica e tendem a se repetir com o passar do tempo.” (p. 83). No caso das
narrativas, trata-se de histórias de consumo que são construídas, contestadas e
continuamente revisadas pelos seus membros de forma conjunta. As histórias de
família nunca estão completas e para Epp e Price (2008) uma investigação desses
significados deve levar em conta não somente as histórias contadas pelos membros
da família mas também as imagens que ajudam a contar a história, como fotos e
websites.
Os dramas sociais ocorrem nos mais variados estratos sociais e aparecem
como uma resposta à violação de normas de um indivíduo ou grupo em relação a
um sistema de relações sociais mais amplo, trazendo à tona a questão da identidade
e as mudanças que podem ocorrer como resposta a um processo disruptivo. Num
contexto de consumo, os dramas são comuns e relacionados aos diferentes grupos
(e suas identidades) que se formam em uma família. Novas tecnologias ou produtos,
por exemplo, podem alterar as relações entre os membros de uma família (EPP e
PRICE, 2008).
A influência intergerações, por outro lado, significa que os objetos, produtos e
práticas já existentes no âmbito familiar podem representar simbolicamente a
identidade daquele grupo e sua transmissão às novas gerações está relacionada ao
desejo de transmissão e perpetuação da identidade compartilhada naquela família.
Essa transmissão intergerações geralmente vem acompanhada de histórias de
família, cujo objetivo é educar e socializar os mais jovens mostrando o significado
que aqueles bens possuem para aquela família (ARNOULD e EPP, 2006). Nesse
contexto, as interações diárias são fundamentais para a construção e transmissão
de identidade através de rotinas, atividades comuns e formas de comunicação que
são próprias de cada família (EPP; PRICE, 2008).
Para Epp e Price (2008), portanto, esses processos são de mão dupla, uma
vez que a identidade familiar influencia o conteúdo e o processo de socialização e a
socialização é fundamental para o desenvolvimento e a manutenção da identidade
familiar. Dessa forma, narrativas, rituais, dramas sociais (“social dramas”),
interações diárias e transferências intergerações tornam-se espaços onde ocorrem
os processos de socialização.
32
Uma outra questão relevante ao se analisar a influência da família no
processo refere-se à análise dos microambientes existentes dentro de uma mesma
família. Segundo Kerrane e Hogg (2013), os microambientes representam a posição
única de cada filho dentro de uma família e a maneira como esses microambientes
se relacionam com o consumo geram formas de influência diferentes para cada um
de seus membros no processo de socialização. Os autores verificam na sua
pesquisa que, apesar da maioria dos estudos analisarem a influência dos pais sobre
seus filhos como se ela ocorresse de forma igualitária para todos, dentro de cada
família existem ambientes não compartilhados que são diferentes para cada filho e
que explicam o fato de que dentro de uma mesma família os filhos possam ser bem
diferentes uns dos outros (KERRANE e HOGG, 2013).
Pesquisas no ramo de psicologia e ciência comportamental já demonstram
que o temperamento dos filhos pode ter grande influência nas relações com os pais
(crianças consideradas “difíceis” não são tratadas da mesma forma daquelas
consideradas “tranquilas”), ou ainda que filhos caçulas podem ter um tratamento
mais carinhoso que os outros filhos, mostrando que pode haver formas de
tratamento desiguais devido às diferenças entre os irmãos. Dessa forma, ainda, os
padrões de comunicação podem ser múltiplos, ocorrendo de formas diferentes
dentro de cada microambiente (KERRANE e HOGG, 2013).
O que a pesquisa de Kerrane e Hogg (2013) mostra é que entre os irmãos
também há a formação de microambientes que variam entre relações contenciosas
e relações colaborativas. Dessa forma, os irmãos aparecem como um primeiro
estágio de um processo dual de busca por opiniões e aprovações de práticas de
consumo, onde o jovem busca primeiro a opinião dos seus irmãos e depois a
aprovação dos pares com risco percebido reduzido de reprovação do grupo. Os
irmãos podem representar inclusive papéis de líderes de opinião dentro daquele
ambiente familiar. Dessa forma, portanto, as relações diferenciadas com os pais e os
irmãos criam microambientes não compartilhados que levam a oportunidades
diferenciadas de aprendizado sobre consumo e esferas de influência desiguais dos
agentes de socialização (KERRANE e HOGG, 2013).
Finalmente, é importante pontuar que embora a visão tradicional seja da
influência unidirecional de pais sobre filhos (que seriam moldados segundo as
33
preferências dos pais), o que se percebe cada vez mais é que essa relação pode ser
bidirecional, como um sistema social onde a ação de cada participante pode servir
de estímulo e influência para o outro (EKSTRÖM, 2006). Em seu artigo seminal de
1974, Scott Ward já apontava para a necessidade de estudos sobre o que o autor
denominou de “socialização reversa”, que ele define como “os processos através
dos quais os filhos podem influenciar os conhecimentos, habilidades e atitudes de
seus pais em relação a consumo” (p.12). Diversos estudos mencionam essa questão
(EKSTRÖM, 2006; SHIM, SERIDO e BARBER, 2011; MINAHAN e HUDDLESTON,
2013) e apontam para o fato de que o processo de socialização ocorre em um
relacionamento, o que envolve portanto relações de transmissão e apreensão de
conhecimento e pode inclusive não ocorrer de forma direta, uma vez que a criança
ou o jovem pode acabar influenciando o consumo dos pais tendo sofrido influência
de outros agentes de socialização como os pares ou os meios de comunicação
(EKSTRÖM, 2006).
A importância da dinâmica reversa ou mútua do processo de socialização foi
explorada por Shah e Mittal (1997) que propõem o termo Intergenerational Influence
ou IGI para circunscrever um espaço particular do processo de aprendizado entre
gerações. Ao se analisar os processos de influência e as formas de construção de
aprendizado do jovem, objetivo principal desse trabalho, mostra-se de grande
relevância a discussão sobre IGI (“Intergenerational Influence”). Segundo Shah e
Mittal (1997), “IGI (...) pode ser definido como a influência de uma geração familiar
em outra através da aquisição de habilidades, atitudes, preferências, valores e
comportamentos relacionados ao mercado.” (p. 55).
A similaridade entre o conceito de IGI e de socialização do consumidor
(WARD, 1974) aponta para a necessidade de comparação e diferenciação entre
ambos, para fins de orientação dos espaços de pesquisa. Baseado nisso, Shah e
Mittal (1997) destacam algumas diferenças. Primeiramente, a socialização do
consumidor pode ocorrer através de vários agentes de influência como a família, os
pares e os meios de comunicação de massa, entre outros, enquanto o IGI está
relacionado à influência dentro da esfera familiar. Além disso, o processo de
socialização começa desde cedo na primeira infância (SHAH e MITTAL, 1997;
JOHN, 1999) enquanto o IGI começa mais tarde, na idade adulta, quando já foram
apreendidos uma série de comportamentos e habilidades e há uma maior liberdade
34
no processo de tomada de decisão. A Figura 4 oferece uma visão mais clara da
interseção que há entre essas duas linhas de pesquisa.
Figura 4 - Socialização do Consumidor versus IGI (“Intergenerational Influence”). Fonte: Shah
e Mittal, 1997, p. 56, tradução nossa.
A família aparece então como um importante agente de influência ao longo da
vida, começando na infância e se perpetuando na fase adulta. Além disso, percebe-
se que muitos dos resultados do processo de socialização na infância perpetuam-se
e influenciam as atitudes relacionadas ao consumo do adulto. É importante destacar
nessa figura que o processo de socialização recíproca também é estudado na linha
de pesquisa de IGI, uma vez que também se percebe a influência dos filhos sobre os
pais em escolhas relacionadas a consumo (SHAH e MITTAL, 1997; MOORE e
WILKIE; LUTZ, 2002; GENTINA, DECOOPMAN e RUVIO, 2013).
Para Shah e Mittal (1997), a distinção entre os dois períodos de vida (infância
e fase adulta) reside na liberdade física e psicológica do jovem na idade adulta,
quando ele já tem liberdade para tomar suas próprias decisões, possui recursos
próprios para o consumo e principalmente ao sair de casa (para morar sozinho ou
casar, por exemplo). O momento de sair da casa dos pais é crítico no que se refere
ao comportamento de consumo, já que os jovens passam a se deparar com novas
situações de consumo e por falta de experiência passam a buscar informações
35
externas, tendo a família como grande influenciador devido a sua proximidade e
confiabilidade (BRAVO, FRAJ e MARTÍNEZ, 2006).
A influência intergerações (IGI) já é estudada por diferentes autores desde a
década de 70, que encontraram em várias pesquisas grandes similaridades de
comportamentos de compra e preferências entre pais e filhos não só em termos de
marca mas também em relação a crenças e atitudes, como busca por promoções,
compras compulsivas, relações entre preço e marca e abertura para testar novas
marcas entre outras. (MITTAL e ROYNE, 2010).
Ao analisar grupos de referência, Park e Lessig (1977 apud MITTAL e
ROYNE, 2010) apontam a existência de dois tipos de influência: informacional e
normativa. A influência informacional vem do poder de expertise, do conhecimento
necessário à tomada de decisão sobre consumo. A influência normativa divide-se
em utilitária e por expressão de valor (“value-expressive”), sendo que a influência
utilitária ocorre através de punições e recompensas e a por expressão de valor
ocorre por identificação, onde a atratividade da personalidade do agente funciona de
tal forma que o receptor se identifica e repete os comportamentos e escolhas do
agente.
É importante destacar que os membros da família podem exercer esses três
tipos, já que eles possuem informações e expertise sobre as marcas que já
experimentaram, poder financeiro que pode fazer com que sejam adquiridos
determinados produtos, hábitos que depois podem acabar permanecendo nos filhos
já adultos e o uso de recursos como elogios e críticas que podem utilizar em relação
a determinados comportamentos de compra (MITTAL e ROYNE, 2010). Para os
autores, além dessas formas de influência (educação, doutrinação, submissão e role
model) pode-se acrescentar a observação como uma forma potencial e poderosa de
influência tanto para a análise do processo de socialização do consumidor quanto
para o estudo de IGI.
Outro fator de extrema importância na análise da influência intergerações é a
comunicação familiar. Apesar de variar de acordo com o tipo de família e a cultura
em que está inserida, a comunicação pode influenciar em preferência de marca,
busca de informações, grau de impacto da mídia e sensibilidade a preços, entre
outros fatores (CHILDERS e RAO, 1992). Além disso, o conhecimento dos hábitos e
36
preferências da família (chamado de “family awareness”) pode influenciar também o
comportamento de consumo do jovem (BRAVO, FRAJ e MARTÍNEZ, 2006).
A categoria de produto analisada também pode diferenciar o impacto do IGI
no jovem. Segundo a pesquisa de Childers e Rao (1992), por exemplo, o impacto do
IGI é mais forte nos bens consumidos em privado do que aqueles consumidos em
público. No que se refere à marca, especificamente, as influências do IGI podem
gerar tanto um ressentimento em relação a marcas que trazem lembranças
negativas (o que culmina na não aquisição das mesmas) quanto uma atitude
positiva, quando a marca pode tornar-se a favorita do indivíduo ao remeter às
lembranças positivas da família (MOORE, WILKIE e LUTZ, 2002).
Pares
Os pares são agentes de socialização de grande importância particularmente
para o jovem (JOHN, 1999). Na literatura de socialização analisada, não há uma
definição única do que constituem exatamente os “pares”, o que traz algumas
nuances diferenciadas na sua investigação. Para Ward (1974), o conceito de “peers”
está relacionado ao grupo de amigos da escola, enquanto para Moschis e Churchill
(1978) é simplesmente o grupo da mesma faixa etária do adolescente, não fazendo
referência ao fato de frequentarem a mesma escola ou não. A visão de Gentina e
Bonsu (2013) é semelhante e une as duas visões, considerando os pares como o
grupo de amigos do adolescente, jovens que fazem parte da sua rede social em
geral, ainda que o local primário dessa interação do jovem com seus pares seja na
escola (GENTINA, 2014).
Com o passar dos anos, na passagem da infância para a adolescência e nos
anos que se seguem, o que se vê é que a influência dos pais começa a diminuir e a
dos pares torna-se cada vez mais importante (WARD, 1974; MOSCHIS e
CHURCHILL, 1978). Essa influência pode ser ainda maior em situações onde há
pouca comunicação dentro da família, padrões de comunicação orientados para o
social (“socio-oriented”) e em ambientes familiares instáveis (JOHN, 1999).
Além disso, os pares contribuem para o aprendizado de elementos
relacionados a consumo como motivações sociais e valores materialistas (MOSCHIS
e CHURCHILL, 1978). A comunicação dos adolescentes com o grupo de amigos
37
sobre consumo traz na sua essência uma discussão sobre os valores sociais
embutidos nos bens e serviços e sua importância para construção e manutenção de
uma identidade social que começa a ser desenvolvida nessa fase (MOSCHIS;
CHURCHILL, 1978; GENTINA e BONSU, 2013). Além disso, a comunicação com os
amigos pode fazer com que o jovem conheça e tenha acesso a uma série de
produtos e oportunidades de compra que são diferentes do que acontece no seu
contexto familiar (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978; LUEG et al., 2006). Nesse
período, os jovens podem inclusive buscar posições de destaque dentro de um
grupo, adaptar-se às suas normas e buscar informações sobre marcas, critérios de
avaliação de produtos e tomadas de decisão de compra dentro do grupo de amigos
(GENTINA e BONSU, 2013; GENTINA, 2014).
Os adolescentes confiam nas opiniões do seu grupo de amigos e o ato de
irem juntos às compras auxilia no estabelecimento e reforço de posições
hierárquicas dentro desse grupo (GENTINA e BONSU, 2013). Essa questão é
relevante pois as adolescentes que ocupam posições centrais no grupo têm uma
grande percepção de poder e geralmente tornam-se líderes de opinião,
influenciando as práticas daquele grupo (GENTINA, 2014). Ao reconhecer que boa
parte das pesquisas se preocupa mais em analisar a suscetibilidade dos
adolescentes às influências do grupo do que o impacto que podem ter as diferentes
posições sociais que os adolescentes ocupam dentro do grupo, Gentina (2014)
propõe, então, uma escala contínua de pertencimento social que vai dos mais
integrados para os menos integrados: “cliques”, “liaisons” e “isolates”.
Através dessa escala, Gentina (2014) mostra que ao explorar sua rede de
relacionamentos os adolescentes buscam posições que sejam mais adequadas ao
seu perfil de sociabilidade. Os “cliques” são definidos como um grupo de pelo menos
três pessoas cuja maior parte das suas conexões forma-se com os membros que
estão no mesmo grupo; os “liaisons” são aqueles que não pertencem a um único
grupo (como os cliques) mas funcionam como conexões, transitando por diferentes
grupos e interagindo extensivamente com outros pares. Essa movimentação por
diferentes grupos aumenta a expertise dos “liaisons” ao proporcionar acesso mais
rápido a uma grande quantidade de informações, que são então compartilhadas com
os outros. Os “isolates”, finalmente, são aqueles que têm pouca ou nenhuma
interação com os demais pares e inclui também aqueles pares ou grupos de
38
adolescentes que só possuem laços de amizade entre si. Geralmente os “isolates”
aspiram tornar-se parte de um grupo de referência, podendo inclusive imitar seus
comportamentos e hábitos de consumo para aproximar-se deles (GENTINA, 2014).
A compreensão do papel que ocupam no grupo e o nível de influência ao qual os
adolescentes estão sujeitos são importantes aspectos ao se analisar as formas de
aprendizado dos jovens consumidores, objetivo desse trabalho.
Meios de comunicação de massa
Os meios de comunicação de massa podem ser importantes agentes de
socialização e dois de seus principais influenciadores são a televisão e a
propaganda (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978). A televisão possui uma série de
características que podem contribuir para sua influência enquanto agente de
socialização. Entre o final da Segunda Guerra Mundial e os anos 60, a televisão
passou de novidade a um produto cada vez mais comuns nos lares. Em termos de
horas de exposição, a televisão ganha de outros tradicionais agentes de
socialização como escola e muitas vezes dos próprios pais. Em segundo lugar,
seus efeitos são por muitas vezes invisíveis, já que se tornou uma atividade tão
rotineira que a percepção de sua importância pode passar despercebida.
Além disso, a televisão provê imagens e histórias de vida que podem ser bem
diferentes do meio social e das atividades diárias dos seus telespectadores
(O‟GUINN e SHRUM, 1997). Os programas de televisão podem ter uma influência
direta ou indireta, criando desejos de consumo e aspirações nos telespectadores em
relação aos seus personagens e histórias (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978), assim
como sobre a forma como os produtos são utilizados e o contexto social de consumo
(JOHN, 1999; O‟GUINN; SHRUM, 1997).
Em relação à propaganda, são vários os estudos que analisam e reforçam o
seu papel enquanto influenciador de desejos e aspirações de consumo, geralmente
relacionados à influência nas crianças de preferências de produto e decisões de
compra (WARD, 1974; JOHN, 1999). Neste contexto, a propaganda aparece como
uma forma de comunicação que traz, na aquisição de determinados produtos, a
sugestão de cumprimento de objetivos essenciais na vida de um indivíduo,
39
associado a posições de status, sucesso e felicidade (CHIA, 2010) e ao
desenvolvimento de valores materialistas (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978; CHIA,
2010).
Apesar disso, estudos como o de Moschis e Churchill (1979) e John (1999)
sugerem que, com o passar dos anos, o desenvolvimento cognitivo do jovem, as
experiências de compra e a compreensão dos objetivos das ações de marketing
podem gerar uma transformação da visão da propaganda como informação e
entretenimento para uma visão cética e analítica, podendo gerar resistência dos
consumidores e uma diminuição da sua esfera de influência.
Internet
Uma vez que os estudos seminais sobre a socialização do consumidor são da
década de 70 e 80, a maior parte das pesquisas sobre esse assunto somente
analisa os tradicionais agentes de socialização (família, pares e meios de
comunicação de massa). Há, portanto, poucos estudos que tratem do papel da
Internet como agente de socialização, embora sua importância seja crescente como
fonte de informações sobre consumo e entretenimento, particularmente para o jovem
(SHIM, SERIDO e BARBER, 2011).
A chamada Geração Y, que compreende cerca de 60 milhões de pessoas
nascidas entre os anos de 1979 e 1994, foi a primeira a se familiarizar desde muito
cedo com as possibilidades de transmissão de informações por meio de um
computador, seja na busca por notícias diárias, pesquisas escolares, entretenimento
ou socialização através das novas formas de interação e comunicação,
possibilitadas pelo desenvolvimento das redes sociais (LUEG et al., 2006).
O conceito de redes sociais está relacionado a indivíduos que constroem
laços baseados em interações e trocas de informação (WASSSERMAN e FAUST,
1994 apud GENTINA, 2014). Com a Internet, a proximidade não precisa mais ser
física e a troca de informações pode ser mais rápida e proveniente de qualquer lugar
do mundo. As redes sociais passaram a então denominar outras ferramentas de
comunicação como blogs, chats e redes de relacionamento e compartilhamento
como Twitter, Facebook e Youtube, entre tantas outras que surgem a cada dia.
40
Embora uma definição precisa varie entre os autores, os sites de redes
sociais estariam dentro de um conceito mais amplo de mídias sociais, que seriam
“um conjunto de ferramentas online que apoiam a interação social, incluindo serviços
como e-mail, blogs, microblogs, chats, sites de redes sociais, wikis, sites de
compartilhamento de fotos e jogos multiplayer online” (HANSEN et al., 2011 apud
BARCELOS e ROSSI, 2014). Essa definição permite um contraste com as mídias
tradicionais (TV, Rádio, Jornal, Revista), cuja informação é transmitida de forma
massificada e com pouca ou nenhuma possibilidade de feedback direto do usuário.
Através das mídias sociais, qualquer usuário com acesso à rede pode alcançar uma
quantidade infinita de informações e compartilhar seus próprios conteúdos e
opiniões com usuários do mundo todo instantaneamente (BARCELOS; ROSSI,
2014).
Denominações como “Net Generation” (LUCZAK e YOUNKIN, 2012), ou
nativos digitais (EZAN, MALLET e ROUEN-MALLET, 2014) são comuns para
descrever esses jovens que se encontram numa fase em que há grande
necessidade de pertencimento a um grupo, e que hoje interagem fortemente neste
ambiente (EZAN, MALLET e ROUEN-MALLET, 2014). Através da rápida
disponibilidade de acesso por meio de dispositivos como laptops, tablets e celulares,
as mídias sociais possibilitam que esses jovens vivenciem importantes experiências
online e em comunidades virtuais, que refletem a necessidade dos jovens de
interação com seus amigos. As mídias sociais também são importantes para a troca
de informações e a busca de grupos com os quais os jovens se identificam, o que se
relaciona com o processo de experimentação e construção de identidade típico
dessa fase da vida (BARCELOS e ROSSI, 2014; GENTINA, 2014).
Os blogs, por exemplo, são um tipo de comunidade virtual extremamente
relevante ao se analisar o jovem nas redes sociais pois através do blog o jovem
pode produzir e disponibilizar seu próprio conteúdo com rapidez e eficiência. O
mundo virtual parece facilitar a interação do jovem com outros e, nesse contexto, a
blogosfera permite ao jovem experimentar, testar e definir os contornos da sua
identidade, podendo facilitar inclusive a aceitação de certos traços através do
anonimato ou de pseudônimos (EZAN, MALLET e ROUEN-MALLET, 2014). Os
blogs podem servir também como um “diário virtual” onde há trocas de informações
sobre os dilemas típicos de determinada fase, como um importante meio para troca
41
de informações sobre determinados interesses comuns aos seus membros e ainda
por uma vontade do blogueiro de aconselhar e partilhar conhecimento sobre um
tema específico pelo qual ele tenha grande interesse, como maquiagem, por
exemplo (EZAN, MALLET e ROUEN-MALLET, 2014).
Kozinets (2006) contribui para essa discussão quando descreve o blog como
uma nova força que oferece um contraponto às formas tradicionais de comunicação,
patrocinadas por empresas. Como as informações do blog são criadas por
consumidores, oferecem uma narrativa alternativa que atinge milhares de pessoas
através de comentários sobre produtos e marcas, bem como tutoriais que ensinam
tradicionais e novos usos para os produtos.
Nesse contexto, Mcquarrie, Miller e Phillips (2013) descrevem o “efeito
megafone” ao falar sobre a potencialidade da internet em disponibilizar a uma
audiência de massa o acesso a conteúdos criados por usuários comuns, sem
experiência profissional no campo de interesse ou posições sociais privilegiadas. Ao
estudar blogs de moda, os autores identificaram uma série de etapas percorridas
pelos blogs até que alcancem grande notoriedade na rede. Entre os diferenciais
daqueles que são bem sucedidos, Mcquarrie, Miller e Phillips (2013) apontam para a
ideia de gosto como capital cultural, uma noção trazida a partir dos estudos de
Bourdieu nos anos 60. O gosto pode ser desenvolvido a partir de determinados
domínios culturais, mas também pode ser adquirido em determinadas situações de
consumo. Assim, ser reconhecido como uma liderança pelo seu bom gosto (“taste
leader”) em determinada categoria eleva a posição dos blogueiros de consumidores
comuns para referências e traz um empoderamento no qual suas opiniões e gostos
são fortemente valorizados pelos seus seguidores na rede (MCQUARRIE, MILLER e
PHILLIPS, 2013).
Outras mídias sociais também foram analisadas para uma melhor
compreensão dos seus papéis enquanto ferramentas de comunicação entre
empresas e consumidores e entre os próprios consumidores. Dellinghausen, Mondo
e Costa (2012), por exemplo, analisaram as interações de quatro empresas
brasileiras de cosméticos (2012) com seus clientes através do Twitter, onde
verificaram que ainda não há uma postura padrão de comportamento das empresas
em relação às mídias sociais e que as empresas estabelecem diferentes
42
relacionamentos com seus clientes, que vão desde interações diárias a
participações pontuais e inexistentes. Ainda assim, o estudo mostrou que marcas
com imagens fortes no mercado tiveram um grande número de citações pelos
usuários mesmo entre aquelas sem participação ativa no microblogging. Isso mostra
a importância e potencialidade desse canal ao servir como uma plataforma de
interação e troca de experiências entre consumidores.
Analisar o impacto das mídias sociais na construção de conhecimentos e
hábitos de consumo, bem como sua relação com os demais agentes de influência é
portanto fundamental para uma compreensão das dinâmicas de influência no
processo de socialização de jovens no contexto atual.
2.2 Do consumidor receptor ao consumidor-produtor
Na contemporaneidade, o consumidor vem assumindo novos papéis que
cada vez mais o aproximam do papel de produtores (ou coprodutores) de produtos e
serviços e o distanciam da visão pós-Segunda Guerra Mundial de “compradores
passivos” (COVA e COVA, 2012, p.10) diante das estratégias das mídias de massa
e de uma oferta crescente de bens de consumo (COVA e COVA, 2012; CAMPBELL,
2004). Segundo Campbell (2004), é possível ainda distingui-lo da imagem de
“manipulador de significados simbólicos vinculados aos produtos” (p. 46) onde a
aquisição dos bens pelos consumidores estaria relacionada aos seus interesses de
criar ou manter uma determinada identidade ou estilo de vida. Na visão do autor, os
indivíduos já possuem um senso de identidade claro e suas atividades de consumo
estariam relacionadas a “um desejo de tomar parte em atos criativos de expressão
de sua individualidade.” (CAMPBELL, 2004, p. 46).
Assim, nessa seção, discutiremos o impacto desta reformulação na condição
do consumidor em diferentes territórios. Primeiramente, discutiremos como o
entendimento de um consumidor ativo determina novas lógicas de relação com o
mercado, exemplificados pelo advento da lógica dominante de serviços e dos novos
processos de cocriação consumidor-empresa. Além disso, serão discutidos novos
papéis e práticas de prossumo como o “Do-It-Yourself” (DIY). Será apresentada a
vertente crítica a este movimento, baseada na noção de governamentalidade de
43
Foucault (2008b). Finalmente, serão discutidas as diversas definições e perspectivas
sobre esse “novo consumidor”.
2.2.1 Novos movimentos na relação consumidor-empresa: a lógica dominante de
serviço
Segundo Vargo e Lush (2004), a chegada do século XXI trouxe importantes
mudanças na lógica dominante de mercado. Até então, a visão de mercado
predominante vinha da economia e era baseada no que os autores chamam de
visão de marketing centrada em bens (“goods-centered view”), geralmente bens
manufaturados. Para os autores, nesta visão há uma separação entre produção e
consumo e um objetivo de padronização na produção, que ocorre sem o
envolvimento do consumidor e que passa a requerer ainda uma distribuição física,
além da existência de estoques.
Para Vargo e Lush (2004) os consumidores não compram produtos ou
serviços e sim ofertas que prestam serviços e criam valor. Assim, passa a ocorrer
um foco cada vez maior em serviços, o que significa uma mudança na perspectiva
do produtor e dos meios para uma perspectiva centrada no consumidor e em sua
utilização daquilo que é oferecido no mercado. A visão de marketing centrada em
serviços implica, portanto, em uma série contínua de aprendizados e
desenvolvimento de processos sociais e econômicos que visam à criação de
proposições de valor superiores aos concorrentes. A visão centrada em serviços não
é somente orientada para o consumidor, ela está relacionada ao aprendizado e à
colaboração com os consumidores, a fim de conhecer e adaptar-se às suas
necessidades. Dessa forma, nesta linha entende-se que o valor deva ser
coconstruído com o consumidor e não somente embutido no produto final para
consumo (VARGO e LUSH, 2004).
Ao analisar as premissas para a mudança na lógica dominante de mercado,
Vargo e Lush (2004) apontam que, enquanto na perspectiva baseada em bens o
produtor e o consumidor eram vistos como atores separados, na visão baseada em
serviços “o consumidor está sempre envolvido na produção de valor” (p. 11). Mesmo
no caso da produção de bens tangíveis, a produção é vista como um processo
44
intermediário e não como um fim. Afinal, os bens prestam serviços ao consumidor e
isso só acontece na medida em que o consumidor aprende a utilizá-lo, mantê-lo e
repará-lo, ou seja, durante o processo de utilização o consumidor está dando
continuidade ao processo de consumo, de marketing e de criação de valor. Para
Vargo e Lush (2004), o que a empresa pode oferecer então é uma proposição de
valor, pois o consumidor é que vai determinar e conferir valor através de um
processo de coprodução. Nesse sentido, portanto, “a interatividade, integração,
personalização, e coprodução são as marcas de uma visão centrada no serviço e
seu foco inerente no cliente e no relacionamento” (VARGO e LUSH, 2004, p.11).
Essa mudança na lógica de mercado também pode ser vista na análise de
Cova e Cova (2012), que aponta para três perspectivas que se sucedem na lógica
de marketing e na figura do consumidor: marketing de relacionamento, marketing de
experiências e marketing colaborativo. No marketing de relacionamento, o objetivo
era o estreitamento de relações, seja entre fornecedores e empresas mas
principalmente no desenvolvimento de relacionamentos de longo prazo entre
empresas e consumidores. A ideia era de fragmentação e personalização,
caracterizando um consumidor mais individualista, pós-moderno, livre de rigores
familiares, educacionais e sexuais (COVA e COVA, 2012).
O marketing de experiências ultrapassa a visão utilitária e funcional do
consumo, concentrando-se na experiência do consumidor, em linha com o trabalho
de Holbrook e Hirschman (1982) que trata sobre a importância das experiências de
consumo, da visão subjetiva e dos valores hedonistas, perspectivas que para esses
autores deveriam ser consideradas com grande relevância no estudo do
comportamento do consumidor. O consumidor passa a ser considerado com seus
traços emocionais e não somente racionais, e uma boa gestão da experiência passa
a considerar a forma e as circunstâncias da interação entre consumidor e empresa
(COVA e COVA, 2012). Nessa visão, portanto, os consumidores são “atores e
jogadores” (COVA e COVA, 2012, p. 6), interagindo com as marcas e produtos que
a empresa oferece e nos locais que são disponibilizados pelas empresas.
Por fim, o marketing colaborativo surge a partir de estudos sobre inovação e
design que passam a ver os usuários como potenciais colaboradores na criação de
novos produtos e serviços. Essa perspectiva trazida por Cova e Cova (2012) está
45
em linha com a lógica dominante de serviço de Vargo e Lush (2004) onde o objetivo
passa do “marketing para os consumidores” para o “marketing com os
consumidores” (COVA e COVA, 2012, p.6). Essa eliminação das fronteiras entre
consumidor e produtor juntamente com a cocriação entre consumidores e empresas
são questões-chave do marketing colaborativo.
Assim, as ações não são pensadas para o consumidor e sim em
conformidade com ele, pois seu papel passa a ser central no processo. Para Vargo e
Lush (2004), nessa lógica de mercado, o grande competidor das organizações
passa a ser o consumidor potencial, uma vez que hoje ele tem duas possibilidades:
engajar-se no “faça você mesmo” (“Do-It-Yourself”) ou procurar no mercado de
consumo. No entanto, ainda que ele opte pelo “faça você mesmo”, ele precisa
adquirir uma série de suprimentos e ferramentas no mercado de consumo para
poder engajar-se nessa atividade. Dessa forma, o consumidor tende a especializar-
se cada vez mais e, ao mesmo tempo, tornar-se cada vez mais dependente do
mercado, seja para serviços ou para aquisição de suprimentos.
Vargo e Lush (2004) sugerem, portanto, que as empresas que quiserem ser
bem sucedidas nesse novo contexto devem engajar-se no relacionamento com o
consumidor tornando-se consultores, buscando informar-se sobre suas
necessidades e oferecendo soluções customizadas, envolvendo-se no processo de
criação de valor. Nos tópicos a seguir os processos de cocriação e “Do-It-Yourself”
serão discutidos com mais profundidade.
2.2.2 Cocriação
Um dos aspectos mais importantes da lógica dominante de serviço é o papel
dos consumidores enquanto cocriadores de valor (VARGO e LUSH, 2004, 2008;
XIE, BAGOZZI e TROYE, 2008). Segundo Cova, Dalli e Zwick (2011) pode-se definir
cocriação da seguinte forma: “... produção de valor que ocorre cada vez mais
através da interação entre empresa e consumidores como resultado de um processo
colaborativo no desenvolvimento de produtos e serviços.” (p.232)
Para os autores, a cocriação enquanto área de pesquisa desenvolve-se a
partir dos artigos de Prahalad e Ramaswamy (2000, 2004a, 2004b) sobre o tema,
trazendo estudos que apontam para o deslocamento do locus de criação de valor de
46
dentro para fora da empresa, através da aproximação da empresa com os
consumidores e as consequentes trocas de informação que passam a ocorrer com
uma frequência cada vez maior.
Para Prahalad e Ramaswamy (2004a, 2004b) é necessário perceber a
mudança no papel do consumidor, que passa de um papel passivo, desinformado e
isolado para um papel mais ativo, conectado e informado. Muitas dessas mudanças
estão relacionadas às novas tecnologias, particularmente com o avanço da Internet
e o advento da chamada Web 2.0 (COVA, DALLI e ZWICK, 2011; RITZER e
JURGENSON, 2010). Na Web 2.0, o grande desenvolvimento é o de um estilo
específico de interação com os consumidores e com a informação que difere da fase
anterior, a chamada Web 1.0 (GRINNELL, 2009). Na fase inicial, havia uma nítida
separação dos papéis, onde as empresas utilizavam a web para oferecer
informações e os usuários apenas acessavam-nas. Para Grinnell (2009), enquanto
nessa fase a palavra-chave era portal, hoje a palavra seria plataforma, com
aplicações que permitem novas funcionalidades e que transformam o paradigma dos
usuários de passivos para ativos, uma vez que a Web 2.0 é definida pela produção
de conteúdos de forma colaborativa (RITZER e JURGENSON, 2010) e a interação
dos usuários é necessária (GRINNELL, 2009). “A posse dos processos, conteúdos,
problemas e soluções não estão com os indivíduos e sim com o grupo; as relações
de poder, portanto, estão fundamentalmente diferentes. ”(GRINNELL, 2009, p.593).
A possibilidade de acesso a uma vasta quantidade de informações permite
que os consumidores possam não só buscar informações sobre as empresas,
produtos, preços e tecnologias mas também trocar informações com outros usuários
sobre performance e qualidade, entre outras possibilidades (PRAHALAD e
RAMASWAMY, 2004a). A tecnologia passa de suporte a uma plataforma de
integração entre indivíduos, onde redes sociais, blogs, wikis e comunidades de
marca passam a permitir que pessoas com interesses comuns possam se encontrar,
compartilhar ideias e colaborar das mais variadas formas (GRINNELL, 2009).
A web 2.0 permite que os consumidores sejam também produtores, seja
através da manutenção de um blog, participação em uma rede social, em
plataformas colaborativas ou ainda no desenvolvimento de produtos (GRINNELL,
2009; PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a). Para Ritzer e Jurgenson (2010), a
47
“Web 2.0 deve ser vista como crucial do desenvolvimento dos “meios de prossumo”
(p.19), que para os autores é uma junção entre produção e consumo, diferente da
visão tradicional que os tomava como atividades separadas.
Como resultado desse novo ambiente de interação, portanto, não seria mais
possível para as empresas desenvolver produtos e serviços de forma independente,
instalar processos, pensar em canais de venda e planejar a comunicação e
promoção dos seus produtos e serviços sem a interferência dos consumidores
(PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a). Isso porque os consumidores agora
possuem ferramentas e fácil acesso a uma grande quantidade de informações, e
querem interagir com não só com as empresas mas com outros profissionais,
provedores de serviços e outros consumidores, participando do processo de
definição e criação de valor. Assim, para Prahalad e Ramaswamy (2004a) “a
experiência de cocriação de valor do consumidor torna-se a própria base do valor”
(p.5).
Como resultado, a criação de valor pelas empresas passa a estar
subordinada ao engajamento e participação dos indivíduos no processo
(PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a), que trazem seus conhecimentos,
habilidades, disposição para a experimentação e abertura para um diálogo aberto
com as empresas (PRAHALAD e RAMASWAMY, 2000). A interação, que pode
ocorrer em qualquer ponto do sistema e não somente nos canais de venda, torna-se
então o locus de criação de valor e torna-se fundamental para a descoberta de
novas formas de vantagem competitiva (PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004b).
Para Prahalad e Ramaswamy (2004a), nesse processo as empresas devem
desenvolver ambientes de experiência (“experience environments”) flexíveis que
permitam que os consumidores possam coconstruir e personalizar suas próprias
experiências, de forma que, eventualmente, os papéis da empresa e do consumidor
possam convergir para uma experiência única de cocriação de valor (“experience of
one”).
Os autores consideram relevante também a diferenciação entre o que é
cocriação daquilo que não pode ser considerado como tal. Para Prahalad e
Ramaswamy (2004a, b) cocriação não significa ter o foco no consumidor, não é a
transferência ou outsourcing de algumas atividades para consumidores e nem a
48
customização em massa de produtos e serviços. A cocriação é uma criação de valor
conjunta entre empresa e consumidor. A ideia é oferecer um ambiente de
experiências inovador no qual os consumidores possam dialogar de forma aberta
com as empresas e coconstruir experiências personalizadas, ainda que o produto
seja o mesmo, ou seja, diferentes consumidores podem ter diferentes experiências
com o mesmo produto. Essa característica de não-padronização da cocriação é o
que para Cova, Dalli e Zwick (2011) garante que as experiências sejam diferentes e
que um valor diferenciado possa ser criado. Assim, as empresas que inserem as
práticas de cocriação garantem uma estratégia de defesa contra a comoditização e
ao mesmo tempo podem criar e aperfeiçoar produtos e serviços cocriados cobrando
um preço premium por essa diferenciação (PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a) .
O Quadro 1 mostra de forma mais clara as diferenças entre a forma
tradicional de ação das empresas e o novo formato através da cocriação.
Quadro 1 – Migração para as experiências de cocriação. Fonte: Prahalad e Ramaswamy,
2004 a, tradução nossa.
49
Dado que as interações tornam-se o locus da criação de valor, Prahalad e
Ramaswamy (2004a, b) sugerem que uma melhor análise desse processo passa
pela compreensão dos seus blocos-chave: diálogo, acesso, percepção de risco e
transparência, o que os autores chamam de modelo DART de cocriação. Além da
importância do diálogo entre empresa e consumidores e do acesso através de
ferramentas e informações (tópicos que já foram discutidos anteriormente), os
autores também apontam para a importância de uma análise dos riscos que podem
existir para os consumidores durante o processo de cocriação e as
responsabilidades subjacentes. Além disso, há uma necessidade contínua de
transparência na relação empresa-consumidor, seja em relação aos produtos,
tecnologias, preços, custos ou margem de lucro. A ideia é que, com a combinação
desses blocos, os consumidores possam cada vez mais engajar-se como
colaboradores, levando à construção de novos modelos de negócio e
funcionalidades que se constroem através das experiências de cocriação
(PRAHALAD e RAMASWAMY, 2004a,b).
Outra perspectiva é trazida por Bernard Cova (2008) ao tratar sobre o
“consumer made”. Segundo o autor, “Consumer Made é o resultado da junção de
competências de um ou mais consumidores a fim de modificar ou melhorar a oferta
das empresas e chegar assim a uma criação original” (p.19). As evoluções
tecnológicas e a própria evolução da sociedade pós-moderna criaram uma
conjuntura em que os consumidores possuem um papel mais ativo, modificando os
significados e usos dos objetos e códigos da sua própria maneira e criando suas
próprias experiências personalizadas. Nesse sentido, sua participação pode estar na
concepção e produção ou através a reinterpretação da oferta da empresa em um
momento posterior.
Segundo Cova (2008) a grande mudança trazida principalmente pela Internet
é que agora novas ideias e criações podem ser trocadas e aperfeiçoadas não só
entre os consumidores mas entre os consumidores e as empresas. A criatividade do
consumidor, então, pode ser expressa tanto de forma individual quanto coletiva.
Embora haja algumas similaridades, o autor aponta uma série de distinções entre os
chamados consumidores criativos e os usuários líderes (“lead users”). De forma
geral, os consumidores criativos gostam de modificar, adaptar e transformar os
produtos e seus usos. Para eles não importa se os produtos são novos ou antigos, o
50
que os move é uma paixão pela atividade criativa. Os líderes, por outro lado,
interessam-se mais pelos novos produtos e geralmente são os precursores de sua
entrada no mercado de massa. Nessa análise, portanto, são os consumidores
criativos que apresentam os maiores desafios para as empresas, pois elas precisam
aprender a interagir e se desenvolver junto com eles (COVA, 2008). O Quadro 2
mostra uma comparação entre os dois tipos de consumidores.
Quadro 2: Características típicas do líder e do consumidor criativo. Fonte: COVA, 2008, p. 21,
tradução nossa.
Cova (2008) discute ainda uma perspectiva gerencial do Consumer Made,
que aparece como uma forma de “outsourcing de ideias” (p.22) da empresa para os
consumidores, onde então aconteceria a cocriação de valor. Nessa perspectiva,
pode haver diferentes possibilidades gerenciais em função do objeto e do sujeito da
criação, conforme mostrado na Figura 5.
51
Figura 5: Formas gerenciais do Consumer Made. Fonte: Cova, 2008, p.23, tradução nossa.
O eixo vertical mostra os diferentes territórios das práticas de cocriação,
desde espaços mais próximos da empresa e sua oferta a espaços mais próximos da
esfera de consumo, onde se incluem os usos e experiências dos consumidores. Já o
eixo horizontal mostra as diferenças entre a participação dos consumidores criativos
e dos consumidores comuns através de um eixo que deve ser considerado de forma
contínua em relação ao nível de expertise dos consumidores, desde o mais simples
como a criação de um vídeo pelo consumidor comum até uma criação de um
produto original pelo consumidor criativo (COVA, 2008). Cada um desses
quadrantes será analisado em detalhes a seguir.
Na copromoção, a empresa convoca os consumidores (mais frequentemente
através de concursos) para que eles produzam peças publicitárias (como anúncios,
filmes, etc.) para as próximas campanhas. Além disso, a empresa pode incentivar os
consumidores a publicar o conteúdo em redes sociais, blogs, wikis e assim atingir
mais pessoas do seu público-alvo. Na Amazon, por exemplo, além do sistema de
recomendação os clientes são incentivados a deixar sua opinião sobre os livros, o
que transformou a empresa de uma livraria on-line para um lugar de troca de
conhecimentos entre leitores, editores e escritores, transformando a cadeia de valor
e gerando novas competências para a empresa (COVA, 2008).
Na coprodução, o consumidor participa da criação da sua experiência de
consumo. Para isso, a empresa desenvolve os meios que possam permitir a
52
customização da sua experiência e consumo através das plataformas de
autosserviço. A empresa pode, por exemplo, permitir a escolha do canal de
distribuição ou de comunicação com a empresa, o que faz com que o consumidor
possa escolher como, onde e quando quer interagir com a empresa. Além disso, a
experiência personalizada pode ser complementada através de uma coprodução dos
aspectos hedônicos e simbólicos da experiência (COVA, 2008).
Já na codeterminação, a empresa mostra qual é a sua estratégia e as suas
necessidades de desenvolvimento e os consumidores revelam o que desejam ou o
que querem ver desenvolvido. Para isso, segundo Cova (2008) é necessário que
haja um diálogo aberto e de longa duração com alguns consumidores, para que seja
desenvolvido um projeto flexível, exploratório e que possa ser adaptado às
mudanças e necessidades dos consumidores.
Por fim, na coinovação, a empresa envolve os consumidores criativos no
processo de concepção de novos produtos e serviços. Segundo Cova (2008), isso
pode acontecer tanto através do voto e/ou discussão sobre ideias inovadoras que
partiram da empresa ou dos consumidores quanto através do desenvolvimento de
uma plataforma interativa que permita um design participativo. Para isso duas
abordagens seriam possíveis: processos de inovação baseados em comunidades
existentes de consumidores, onde a empresa se integra de forma virtual em uma
comunidade alinhada aos seus processos de desenvolvimento de novos produtos; e
através de uma comunidade de inovação, onde a empresa busca engajar
consumidores entusiastas e inovadores ao longo do tempo em um processo
cooperativo. Para Cova (2008), portanto, é na coinovação que surgem novos
modelos de negócio que se amparam não só no nível individual mas também no
nível de uma comunidade de consumidores.
2.2.3 A produção do consumidor: o Do-It-Yourself e o consumo artesanal
Dentro das possibilidades de prossumo, compreendido por Xie et al. (2008)
como “atividades de criação de valor feitas pelos consumidores que resultam em
produtos para a sua própria utilização, tornando-se parte das suas experiências de
consumo” (p.110), o “Do-It-Yourself” (DIY) aparece como uma das mais claras
53
formas de criação de valor pelos consumidores e será melhor analisado nessa
sessão.
Segundo Wolf e McQuitty (2011), pode-se definir DIY como “atividades nas
quais os indivíduos utilizam materiais brutos e semi-brutos bem como outros
componentes para produzir, transformar ou reconstruir posses materiais, incluindo
aquelas que vêm do ambiente natural (como atividades de paisagismo, por
exemplo)” (p.154).
Os autores apontam para uma necessidade de distinção das práticas do “Do-
It-Yourself” em relação às atividades de autosserviço e de Arts & Crafts. Nas
práticas de DIY, os consumidores vão além da construção de significado para um
determinado produto ou serviço (que já está pronto) e eles mesmos participam do
seu design, especificação de funcionalidades e confecção. Os consumidores
precisam ir até determinadas lojas e escolher os materiais e ferramentas que serão
utilizados, trabalhar pessoalmente no projeto e avaliar o seu andamento e resultado
final (WOLF e McQUITTY, 2011).
Esse grau maior de envolvimento do DIY é uma das grandes diferenças entre
essas práticas e o autosserviço, que para Wolf e McQuitty (2013) são atividades que
reduzem tempos de espera e podem customizar um determinado serviço para o
consumidor. O autosserviço pode ser considerado como uma atividade onde o
benefício principal é a economia de tempo e a conveniência na entrega de serviços
(WOLF e McQUITTY, 2011), além de trazer benefícios para empresas e
consumidores na medida em que repassam para os consumidores atividades que
antes eram de responsabilidade da empresa (trazendo-lhes economia de custo) e
engajam consumidores a obter os serviços de forma mais rápida e barata ao
fazerem eles mesmos as atividades. Alguns exemplos de autosserviço são caixas
eletrônicos de bancos (onde é possível fazer movimentações na conta bancária,
pagamentos, saques, etc.) e redes de fast-food (onde o usuário fica na fila para fazer
ser pedido, leva a sua bandeja até a mesa e até mesmo serve-se de refrigerante,
como no caso do Burguer King). Ao envolverem a concepção, aquisição de materiais
e envolvimento direto na produção, as atividades de DIY requerem dos
consumidores, portanto, uma quantidade bem maior de esforço, habilidades e
conhecimento do que o autosserviço (WOLF e McQUITTY, 2011).
54
Sobre as diferenças entre DIY e Arts & Crafts, elas estão basicamente
relacionadas aos tipos de projetos, materiais e ferramentas utilizadas, além da
quantidade de trabalho e custos envolvidos, uma vez que em geral as atividades de
Arts & Crafts gastam menos recursos e em geral possuem um sortimento diferente
de ferramentas e materiais a serem utilizados, pois são mais voltadas para
atividades de decoração. As atividades de DIY podem incluir melhorias domésticas
(como reformas, construções e pinturas) (WOLF e McQUITTY; 2011; 2013),
conserto e reforma de veículos e eletrodomésticos e atividades de beleza, como
cortar ou pintar o próprio cabelo, por exemplo (DEAN, 2010).
No Brasil, segundo Oliveira (2012), um levantamento do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) estimou que mais de 8,5 milhões de brasileiros fazem
algum tipo de trabalho manual, seja como forma de lazer ou complementação de
renda, movimentando em torno de 50 bilhões de reais por ano, segundo informações
do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior1. Além disso, de
acordo com o estudo da consultoria Euromonitor2 o mercado do “faça-você-mesmo”
está em grande expansão global. De acordo com a consultoria, está havendo uma
revalorização do consumo voltado para o ambiente familiar e comunitário, que traz
na sua base questões como autenticidade, comunidade, pertencimento e
consciência ambiental (AS DEZ..., 2014).
Existem relativamente poucos estudos que tratam sobre a questão do “faça-
você-mesmo”, e um número ainda menor daqueles que buscam compreender sobre
as motivações que levam um consumidor a fazer ele mesmo o que poderia
encontrar pronto (ou de forma semelhante) no mercado de consumo (WOLF e
McQUITTY; 2011; 2013; DEAN, 2010; WILLIAMS, 2004).
Diante disso, alguns autores como Dean (2010) e Wolf e McQuitty (2011,
2013) começaram a pesquisar e propor modelos conceituais que pudessem explicar
melhor as motivações que levam ao DIY. No caso do modelo de Wolf e McQuitty, os
autores buscaram avaliar uma proposta de modelo conceitual circular que incluísse
1Os empreendedores do "faça você mesmo". Exame.com. Disponível em:
<http://exame.abril.com.br/revista-exame-pme/edicoes/47/noticias/faca-voce-mesmo>. Acesso em 30 de Abril de 2015. 2As dez tendências globais de consumo em 2014. BBC Brasil. Disponível em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2014/01/140115_relatorio_euromonitor_dez_tendencias_globais_de_consumo_lgb>. Acesso em 30 de Abril de 2015.
55
não somente as motivações, mas também os resultados e a forma como isso estaria
relacionado ao engajamento em novas práticas de DIY. O modelo está demonstrado
na Figura 6:
Figura 6: Modelo Conceitual das motivações e resultados das ações DIY. Fonte: Wolf e
McQuitty, 2011, tradução nossa
Segundo o modelo proposto por Wolf e McQuitty (2011), existem dois fatores
que podem ser considerados antecedentes às práticas do “faça-você-mesmo”: o
tempo disponível para a realização do projeto, uma vez que se a pessoa percebe
que não vai ter muito tempo e o projeto pode ser demorado ou atrasar, ela pode
desistir de fazê-lo; e uma experiência anterior com os projetos DIY, onde a pessoa
pode já ter as habilidades, conhecimentos e materiais e optar por fazer um novo
projeto. É importante destacar ainda que essa experiência possa ser adquirida
através da socialização (JOHN, 1999) onde a pessoa adquire os conhecimentos
através dos ensinamentos dos agentes de socialização (como membros da família,
por exemplo).
56
Em relação às motivações para o DIY, o estudo qualitativo realizado pelos
autores sugere quatro motivações principais: (1) os benefícios econômicos
percebidos das práticas DIY, onde os consumidores optam por economizar o
dinheiro que seria utilizado na contratação de profissionais ao realizarem eles
mesmos a tarefa; (2) a falta de qualidade percebida nos produtos e serviços
existentes no mercado, ou seja, quando os consumidores consideram que a oferta
existente não atende aos padrões de qualidade desejados por eles; (3) a
indisponibilidade do produto, seja pela inexistência de fato ou pelo não atendimento
de necessidades específicas e (4) a necessidade de customização, onde os
consumidores percebem a variedade de materiais e combinações possíveis através
dos quais podem criar projetos únicos.
No entanto, Wolf e McQuitty (2011) apontam que a avaliação do mercado
através dos fatores analisados acima não pode ser considerada como a causa única
da opção pelo DIY, pois as motivações internas do indivíduo também cumprem um
importante papel. Entre elas estão a sensação de empoderamento (“empowerment”)
ao conseguir realizar uma atividade com certo grau de dificuldade, ou que
geralmente é feita por profissionais, sendo essa questão do empoderamento
geralmente descrita pelas mulheres; a construção de uma identidade de artesão
(“crafstman”), geralmente descrita por homens ao trazer de volta uma época anterior
onde os homens eram os provedores da família e realizavam grandes projetos do
início ao fim com suas próprias mãos; participação numa comunidade de entusiastas
de DIY, uma vez que algumas pessoas realizam esse projeto com amigos, parceiros
ou membros da família e isso se torna importante para a conexão e estreitamento de
laços entre eles; e a necessidade de ser único ou diferente dos outros, realizando
projetos customizados que diminuem o receio de serem iguais aos outros.
Ao decidirem por um projeto, os indivíduos geralmente precisam adquirir
materiais ou mesmo ferramentas, o que pode ser uma tarefa complicada
dependendo da dificuldade do projeto. Por essa razão, normalmente os indivíduos
buscam informações na Internet, revistas, livros e programas de TV, além de várias
visitas feitas às lojas de materiais, onde eles podem interagir com os vendedores e
com outros consumidores. Nesse processo de troca de informações são avaliados
estilos, cores, materiais e ferramentas e novas ideias podem surgir para os projetos
DIY (WOLF e McQUITTY, 2011). Essa interação entre lojas e consumidores em que
57
ocorrem as trocas de informações pode ser vista como um processo fundamental na
cocriação e um elemento chave na lógica de serviço dominante (VARGO e LUSH,
2004).
Seguindo a visão de Vargo e Lush (2004) de que a criação de experiências de
valor pelos consumidores é possível também através do aprendizado sobre a
manutenção, reparo e utilização dos produtos, a pesquisa de Wolf e McQuitty (2011)
mostra que ao final do projeto, ao invés de mencionarem o produto final, a maior
parte dos consumidores engajados em DIY mencionam o seu contentamento em
completar o projeto, a sensação de controle que a sua posição de “mestres do
projeto” lhes fornece ao enfrentarem novos projetos e suas dificuldades sem ajuda
de profissionais, bem como a sua satisfação com o processo como um todo, onde as
pressões são bem menores que a sua rotina diária.
Para Wolf e McQuitty (2013) isso significa dizer, portanto, que para além da
ideia de criação de valor relacionada ao uso e manutenção dos produtos (VARGO e
LUSH, 2004), o processo de produção também faz parte da criação de valores e
essas experiências através das práticas de “faça-você-mesmo” podem ser vistas
como “mecanismos de transferências e aplicação de competências” (WOLF e
McQUITTY, 2011, p. 165) que podem impactar a vida e o desenvolvimento pessoal
desses consumidores.
A figura desse consumidor empoderado que participa do processo de criação
das suas próprias experiências de consumo também é tratado por Campbell (2004),
através da noção de “consumidor artesão”. O autor enxerga o consumidor atual a
partir de uma nova perspectiva, para além da visão tradicional que via o consumidor
como uma figura ingênua e facilmente manipulada pelas corporações e
diferentemente ainda da imagem do consumidor que surge nas últimas décadas e
que o via como um indivíduo que seleciona bens a partir dos seus significados
simbólicos para a construção ou manutenção de identidades e estilos de vida. Na
visão de Campbell (2004), os indivíduos já possuem um senso de identidade claro e
suas atividades de consumo estariam relacionadas a “um desejo de tomar parte em
atos criativos de expressão de sua individualidade.” (p. 46), através do que o autor
denomina de “consumo artesanal”.
58
É importante destacar que falar de consumo artesanal remete mais do que
simplesmente a uma customização ou personalização de produtos, pois enquanto a
customização é um processo que busca demarcar a propriedade de um indivíduo,
como colocar as iniciais de um indivíduo no relógio ou pasta, a personalização está
relacionada a um ajuste feito pelo consumidor no produto para atender as suas
necessidades, como fazer a bainha de uma calça ou ajustar um vestido. A diferença
em relação ao consumo artesanal é que nesse caso o consumidor está diretamente
envolvido na concepção e produção daquilo que será consumido por ele mesmo.
Ao descrever as particularidades do consumo artesanal, Campbel (2004)
pontua que esse processo pode não envolver a criação física de um produto e sim
uma reunião de produtos (que podem ser individualmente padronizados) que são
utilizados como matérias-primas para a construção de um novo “produto” de maneira
que os produtos originais passam a ter uma função estética e relacionada à
personalidade do chamado consumidor-colecionador. Essa perspectiva mostra
então uma diferença entre o DIY e o consumo artesanal de Campbell, uma vez que
o DIY envolve uma ação direta do consumidor na produção (conforme discutido no
tópico anterior), enquanto no consumo artesanal o que pode ser investido é a
personalidade e individualidade do indivíduo na produção. Alguns exemplos de
consumo artesanal incluem a escolha de roupas que formam um “conjunto” ou de
móveis em uma decoração de forma que se relacionem então ao “estilo” que aquele
consumidor deseja construir para si.
Um exemplo do resultado dessa atividade de consumo artesanal aliado às
possibilidades trazidas pelas novas tecnologias pode ser visto ao analisarmos as
mídias sociais, em que pessoas comuns passam a ter grande influência na rede
trazendo suas opiniões sobre os mais diversos assuntos e produtos, num fenômeno
que têm recebido bastante atenção de pesquisadores da área de comportamento de
consumidor que buscam entender o processo e a sua esfera de influência
(McQUARRIE, MILLER e PHILLIPS, 2004; MAZUR e COZARIAN, 2010).
Em blogs de decoração ou de moda e beleza, por exemplo, são discutidas as
tendências da estação e são mostradas maquiagens e looks (combinações de
roupas e acessórios) que combinam com essas tendências. Nesse caso, em linha
com o consumidor-artesão de Campbell (2004), verifica-se que essas blogueiras
59
utilizam peças de diferentes origens, marcas e estilos e criam um conjunto novo que
revela o seu estilo para a sua audiência, oferecendo “inspirações” para que as
jovens montem seus próprios looks. Além disso, ao falarem sobre maquiagem,
mostram novos produtos e muitas vezes ensinam passo-a-passo como fazer as
maquiagens que elas estão usando. E ter o bom gosto reconhecido no mundo online
e off-line passa a ser almejado, já que se vê cada vez mais a profissionalização de
blogs que começaram de forma amadora através de fotos posadas e com
tratamentos profissionais, além contratos publicitários com grandes marcas, que
passam a se aproximar dos líderes de opinião nas mídias sociais (McQUARRIE,
MILLER e PHILLIPS, 2004). Esse movimento já está sendo chamado de “fenômeno
das instabloggers” 3 (HIRAOKA, 2015), uma vez que para além dos blogs as jovens
atuam também nas principais redes sociais com postagens no Instagram, Youtube e
Facebook, atingindo assim milhares de outros jovens nos mais diversos canais.
2.2.4 Consumidor poderoso ou governado? Críticas ao modelo de cocriação
Uma discussão que vem aparecendo na literatura em relação ao paradigma
da cocriação e da aproximação entre a figura do consumidor e do produtor refere-se
à possibilidade de exploração ou condução do consumidor nesse novo formato
(COVA, DALLI e ZWICK, 2011; RITZER e JURGENSON, 2010; ZWICK, BONSU e
DARMODY, 2008; COVA e COVA, 2012; HUMPHREYS e GRAYSON, 2008;
RITZER, DEAN e JURGENSON, 2012; COMOR, 2011).
Afinal, novos produtos, serviços e marcas vêm sendo criados pelos
consumidores para as empresas, que aumentam a sua acumulação de capital e
margens de lucro sem que esses consumidores recebam qualquer remuneração por
esse serviço. E os consumidores acabam ainda adquirindo posteriormente esses
mesmos produtos e serviços de cuja criação participaram de forma ativa por um
preço premium (COVA, DALLI e ZWICK, 2011). Para os consumidores, as
atividades de cocriação podem ser percebidas como uma forma de empoderamento
(“empowerment”) e diversão, especialmente se forem consideradas as
3O fenômeno das instabloggers. Vida & Estilo. Estadão. Disponível em: <http://vida-estilo.estadao.com.br/noticias/moda,o-fenomeno-das-instabloggers,1647148>. Acesso em 20 de Maio de 2015.
60
possibilidades trazidas pela Web 2.0, enquanto para as empresas trata-se de uma
força de trabalho gratuita e qualificada, em uma nova forma de economia
colaborativa que traz grandes oportunidades de inovação e acumulação de capital
(COVA, DALLI e ZWICK, 2011).
Diante desse quadro, autores como Bernard e Véronique Cova (2012) e
Zwick, Bonsu e Darmody (2008) começaram a questionar a alegada “liberdade” que
os consumidores possuiriam na contemporaneidade recuperando o conceito de
governamentalidade de Foucault (2008), que será apresentado em linhas gerais a
seguir para permitir uma análise crítica mais aprofundada dessas questões.
Um dos grandes tópicos no trabalho de Foucault, a ideia de
governamentalidade foi trazida pela primeira vez na Aula de 1° de Fevereiro de 1978
e começa com uma discussão histórica mais específica até chegar a um significado
mais geral e abstrato sobre as formas de controle e poder (FOUCAULT, 2008a).
Segundo o autor, sua pretensão ao usar o termo “governamentalidade” é discutir
sobre:
“...o conjunto constituído pelas instituições,
procedimentos, análises e reflexões, cálculos e
táticas que permitem exercer esta forma bastante
específica e complexa de poder, que tem por alvo a
população, por forma principal de saber a economia
política e por instrumentos técnicos essenciais os
dispositivos de segurança.” (FOUCAULT, 2008b,
p.171)
Ao discutir sobre as formas de poder e conduta, o autor pontua a
importância de uma espiral ascendente onde para se governar um Estado deve-se
governar a si mesmo, depois sua família, seu bem, seu domínio e, finalmente, o
Estado. Da mesma forma, para Foucault (2008b), há também uma espiral
descendente, pois quando um Estado é bem governado, os indivíduos são capazes
de fazer uma boa gestão de seus bens e de si mesmos. Essa forma de bem gerir os
bens e a família está relacionado à economia, logo a essência do governo passa a
ser relacionada a uma boa gestão. O indivíduo deve, portanto, ser incentivado a ser
capaz de se autogovernar, cabendo às instâncias superiores de poder a gestão
desse processo e a criação de processos que garantam a sua perpetuação.
61
No momento em que os conceitos de governo e governamentalidade passam
a se aproximar, Foucault (2008a) parte para uma diferenciação ao trazer
governamentalidade como algo mais estratégico e que se relaciona com a parte que
é “mutável e reversível das relações de poder” e o governo como o responsável pelo
estabelecimento das formas de conduta, ou seja, a “conduta das condutas”. Dessa
forma, então, a governamentalidade passa a ser relacionada com outras esferas de
micropoderes (pais/filhos, indivíduos/poder público, etc.).
Para Foucault, em “o Nascimento da Biopolítica” (2008c), o governo, em
primeira instância, deve deixar o caminho livre para uma disposição natural de
acontecimentos tanto em relação aos comportamentos quanto à produção. No
entanto, ao exercer a função de vigilância, e perceber que algo ocorre de maneira
diferente da mecânica natural dos acontecimentos seja na vida econômica ou no
comportamento da população, o governo deve intervir.
Nessa nova arte de governar que surge em meados do século XX o que se
percebe é uma ampliação dos mecanismos que aumentam a liberdade ao mesmo
tempo em que se aumentam o controle e a intervenção. Para Foucault, nesse
momento, “o controle não é mais, como no caso do panoptismo, o contrapeso
necessário à liberdade. Ele é o seu princípio motor.” (FOUCAULT; 2008c, p. 92).
Dessa forma, o autor traz a ideia de disciplina ao falar sobre uma política de
coerções e controle das operações do corpo através principalmente da vigilância e
que deve ocorrer de forma constante para garantir sua máxima eficácia
(FOUCAULT; 2008c). No poder disciplinar, vigia-se e se é vigiado o tempo todo, em
todos os lugares, ainda que isso ocorra de maneira invisível e silenciosa – “olhares
que devem ver sem serem vistos” (FOUCAULT, 2002, p. 144 apud CHEVITARESE
e PEDRO, 2005, p.9). É dessa forma que para Foucault mantém-se o indivíduo
disciplinar.
Ao trazer a noção de governo e os dispositivos de segurança que passam a
surgir e colocar o governo num papel de protetor da segurança e da liberdade do
indivíduo, o poder passa a permitir, então, a ação sobre indivíduos livres permitindo
que eles sejam guiados e dirigidos, conforme mostram os trechos destacados a
seguir:
62
“O traço distintivo do poder é que alguns homens podem mais ou menos determinar inteiramente a conduta de outros homens – mas nunca de maneira exaustiva ou coercitiva. Um homem acorrentado e espancado é submetido à força que se exerce sobre ele. Não ao poder. (...) Se um indivíduo pode permanecer livre, por mais limitada que seja sua liberdade, o poder pode sujeitá-lo ao governo. (FOUCAULT, 2003, p. 384 apud CHEVITARESE e PEDRO, 2005, p.13).
“O controle não é uma disciplina. Com em uma estrada não se enclausuram pessoas, mas, ao fazer estradas, multiplicam-se os meios de controle. Não digo que esse seja o único objetivo das estradas, mas as pessoas podem trafegar até o infinito e “livremente”, sem a mínima clausura, e serem perfeitamente controladas. Esse é o nosso futuro” (DELEUZE, 1999, p.5 apud CHEVITARESE e PEDRO, 2005, p.15).
É importante destacar que mesmo a dita crise das instituições tradicionais
(escola, Igreja, fábrica, etc.) não significa o fim das mesmas e muito mesmo um
“enfraquecimento” do poder; ao contrário, o que se vê é o aparecimento de outras
estratégias de atuação para fins de controle. Na visão de Deleuze, a informação,
característica da sociedade contemporânea, acaba substituindo a disciplina
enquanto modo de poder, e na medida em que circula livremente, transmite as
palavras de ordem, modificando o consumidor. Além disso, passa a relacionar
liberdade e consumo, transmitindo a idéia de que a condição para a liberdade
consiste em ser consumidor e poder escolher aquilo que se deseja. Excluir-se desse
contexto, no entanto, é uma exclusão da própria sociedade e algo que não deve ser
feito (CHEVITARESE e PEDRO, 2005). É possível então considerar o consumo
como libertador?
Para Bernard Cova (2012), ao contrário dos discursos que postulam sobre a
liberdade do consumidor na era contemporânea, é possível identificar os discursos
de marketing participando da governamentalidade de consumidores através de
formas que eles mesmos produzem e promovem. Dessa forma, incentivam a criação
de uma nova geração de consumidores que assumem um papel mais ativo e não se
engajam somente no consumo passivo de bens e sim no processo de criação de
valor juntamente com a empresa. Assim, os consumidores participam
voluntariamente (e geralmente de forma gratuita) na cocriação de produtos e
serviços e, mais ainda, na cocriação das experiências de valor que eles desejam
possuir.
63
Para Zwick, Bonsu e Darmody (2008), portanto, esse novo contexto não traz
liberdade para os consumidores, e sim estabelece uma nova forma de
governamentalidade, onde os consumidores são de certa forma “moldados” e
incentivados a participar na cocriação de valor. Assim como para Beckett e Nayak,
“o que surge a partir do marketing colaborativo não é um consumidor super confiante
e empoderado, e sim um consumidor suscetível às sugestões e estímulos dos
produtores” (BECKETT e NAYAK, 2008apud COVA e COVA, 2012, p. 12).
Para Cova e Cova (2012), portanto, o “prossumidor” ou “consum’actor” seria o
estágio mais recente de um processo de governamentalização onde os
consumidores são incentivados a serem consumidores competentes capazes de
fazer suas próprias escolhas, assumir riscos e engajar-se em diálogos e papéis que
os tornam cada vez mais consumidores empoderados nas suas práticas de
consumo. Na perspectiva de Zwick, Bonsu e Darmody (2008), a idéia de um
consumidor livre não ameaça e nunca ameaçou o poder e controle exercido pelas
corporações, já que o indivíduo “livre” é justamente a nova forma de influência sobre
o consumidor que ocorre de dentro para fora e é o que garante a competitividade
continuada das grandes corporações. Novas formas de controle vão surgindo e
sendo aperfeiçoadas, de forma que nunca ameaçam a permanência daqueles que
estão no poder. O trecho abaixo de Cova, Dalli e Zwick (2011) demonstra com
clareza a visão desses autores:
“A governamentalidade no marketing, então, busca desenvolver consumidores que atuem como parceiros em processos de inovação e produção mutuamente benéficos. No entanto, ao fazer isso, as empresas estão não somente explorando o trabalho dos consumidores mas também reduzindo o risco do comportamento do consumidor evoluir para outros caminhos diferentes daqueles desejados pela empresa.” (COVA, DALLI e ZWICK, 2011, p. 232, tradução nossa)
Finalmente, a grande questão levantada por Cova e Cova (2012) é se os
consumidores percebem esse processo de governamentalidade e aquilo que está
sendo perdido em outras esferas da vida social ao se incentivar permanentemente o
desenvolvimento de habilidades direcionadas ao consumo. Os autores trazem,
ainda, uma indagação sobre a necessidade de as empresas refletirem a fim de
decidir como lidar com as várias questões sociais e também éticas envolvidas nesse
novo contexto.
64
2.2.5 Conceituações e perspectivas diversas sobre o “novo consumidor”
No decorrer do processo de reflexão sobre os papéis do consumidor na
contemporaneidade foi possível perceber que não existe na literatura uma
nomenclatura ou definição única sobre esse consumidor, de forma que os autores
geralmente fazem sua própria escolha conceitual ao tratar sobre o tema. A fim de
contribuir para uma melhor compreensão desses conceitos, nesse tópico serão
discutidas as diferentes definições desse consumidor, começando por Alvin Toffler,
que foi um dos primeiros a trazer a nomenclatura “prossumidor”, ainda na década de
80.
Segundo Toffler (2014), três grandes ondas marcam as profundas mudanças
que vem ocorrendo na nossa sociedade nas últimas décadas, impactando
diretamente o papel do consumidor. Na primeira onda, não havia uma separação
entre consumidores e produtores, já que em geral as pessoas produziam aquilo que
elas mesmas consumiam, podendo ser chamados simplesmente de
“prossumidores”. Na segunda onda, no entanto, marcada pelas mudanças trazidas
pela Revolução Industrial, começa a haver uma separação dos papéis do
consumidor e do produtor. Isso ocorre pois para além da “produção para uso”
(TOFFLER, 2014), característica da sociedade agrícola na qual produção e consumo
estão relacionados à mesma pessoa (KOTLER, 1986) passa a haver a “produção
para a troca” (TOFFLER, 2014) na sociedade industrial, trazendo uma separação
entre aqueles que produzem com o objetivo de venda e aqueles que buscam apenas
a aquisição de produtos e serviços (KOTLER, 1986).
Para Toffler (2014), a continuidade dessa perspectiva que só valoriza o que é
produzido para fins de venda e não leva em consideração as atividades que são
feitas em casa, ou seja, aquelas atividades que as pessoas fazem para elas
mesmas, impediria o correto gerenciamento dos negócios econômicos que estariam
em uma grande crise sem precedentes. Isso porque, para o autor, as fronteiras entre
produtor e consumidor estariam mais tênues e o figura do prossumidor estaria
surgindo. Para exemplificar, o autor aponta o aumento dos grupos de autoajuda, que
são organizados pelas próprias pessoas com necessidades específicas e das
atividades de faça-você-mesmo (DIY), além do aumento da participação dos
consumidores no processo de desenvolvimento de produtos junto às empresas,
65
esses dois últimos pontos discutidos nas sessões anteriores desse trabalho. Assim,
Toffler (2014) aponta para o surgimento da Terceira Onda na era pós-industrial, que
teria características das suas ondas anteriores e com figura proeminente do
prossumidor, que consome no mercado mas também é capaz de produzir para si
mesmo. Em 1986 Kotler já foi capaz de pontuar algumas das razões que levariam a
um aumento crescente do prossumo, incluindo uma carga de trabalho decrescente e
consequente aumento das horas de lazer, maior acesso à educação, aumento do
custo de mão-de-obra qualificada (como carpinteiros e encanadores), busca de
produtos diferenciados, inexistentes ou com qualidade superior ao que se encontra
no mercado de consumo e por fim busca de atividades que ofereçam distração nas
horas livres (como hobbies).
Grande parte dos autores que passam a discutir sobre a cocriação e as
atividades de DIY recupera o conceito de prossumidor de Toffler (2014) e adicionam
outras perspectivas e nomenclaturas ao tratar sobre esse novo consumidor ou sobre
o consumo no estágio atual da sociedade. Ritzer e Jurgenson (2010), por exemplo,
apontam que a cocriação não é uma atividade específica do século XXI, já que o
prossumo, que na definição dos autores envolve produção e consumo (sem o foco
em uma das atividades) sempre existiu, mesmo em sociedades não capitalistas. A
questão nesse caso é que no início do capitalismo houve um foco maior na
produção, que posteriormente passou a ser no consumo e que na atualidade com a
Internet e o desenvolvimento da Web 2.0 passou a ser na cocriação como centro da
criação de valor das empresas (RITZER e JURGENSON, 2010). Para esses
autores, vale ressaltar, todos são prossumidores (“prosumers”).
Xie, Bagozzi e Troye (2008) já trazem uma outra perspectiva onde o
prossumo estaria relacionado às “atividades de criação de valor feitas pelo
consumidor que resultam na produção dos produtos que eles mesmos
eventualmente consomem e que se tornam suas experiências de consumo” (p.110).
Esse conceito está mais relacionado a um processo do que a um simples ato, que
envolve tanto atividades físicas quanto esforço mental e experiências sócio-
psicológicas. Nesse processo, as pessoas envolvem-se com os seus recursos
financeiros, seu tempo disponível, seu esforço e aplicam as suas habilidades. Ou
seja, os consumidores estão ativamente envolvidos na criação de valor e benefícios
para o seu próprio consumo (XIE, BAGOZZI e TROYE, 2008). Esse conceito é
66
consistente com a visão de Lush e Vargo (2006) de cocriação de valor, que para os
autores possui dois componentes principais: o valor de uso, que significa dizer que o
valor só é determinado pelo usuário durante o processo de consumo; e a
coprodução, que está relacionada com a participação na criação da oferta em si,
seja através de ideias, codesign ou no processo produtivo em si.
Wolf e McQuitty (2011, 2013) também seguem com a definição de Xie,
Bagozzi e Troye (2008) de prossumo, mas para Wolf e McQuitty (2013) os
prossumidores (incluindo aqueles que se engajam em atividades DIY) são aquelas
pessoas que são capazes de desempenhar os dois papéis (de produtores e
consumidores), reagindo a condições de mercado desfavoráveis como alta de
preços e indisponibilidade de produtos, mas nem todos os consumidores fariam
parte desse grupo. Outros termos como consum’actors, prosumers, produtores-
consumidores (COVA, 2008) ou ainda post-consumers e new consumers (COVA e
COVA, 2012;) são utilizados para designar um “consumidor ator da sua experiência
de consumo mas também protagonista da constituição da oferta e do mix da
empresa” (COVA, 2008, p. 26).
De forma geral, o que se percebe é que, embora não haja uma definição
única, as nomenclaturas e definições apontam para um consumidor cada vez mais
atuante na cocriação de valor e na construção das suas próprias experiências de
consumo juntamente com as empresas, o que representa uma grande mudança em
relação à visão passiva que se tinha dos consumidores nas décadas anteriores
(COVA e COVA, 2012).
2.3 Beleza
A questão da beleza tem uma importância cada vez maior na nossa
sociedade. Percebe-se pelas prateleiras lotadas de produtos de beleza em
supermercados e farmácias, pela enorme quantidade de salões de beleza voltados
para todos os públicos, mesmo entre a população de baixa renda (CORDEIRO,
2014) e pela explosão das academias de ginástica que o chamado culto a beleza
está cada vez mais presente na nossa sociedade (CASOTTI, SUAREZ e
CAMPOSY, 2008). Segundo o relatório da Associação Brasileira da Indústria de
67
Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC, 2015), o setor apresentou um
crescimento médio de 10% ao ano nos últimos 19 anos, chegando a um faturamento
líquido estimado em R$ 43,2 bilhões em 2014, bem maior do que o crescimento
apresentado em outros setores da economia e do que o PIB total do país, que vem
apresentando baixos índices de crescimento (média de 2,8% ao ano). Esse cenário
é ainda mais relevante se levarmos em consideração os índices globais, dado que o
Brasil ocupa a terceira posição no mercado mundial de Higiene Pessoal, Perfumaria
e Cosméticos, representando 9,4% do consumo mundial, sendo o primeiro em
consumo de produtos como desodorantes, fragrâncias e proteção solar, o segundo
em produtos infantis, masculinos, produtos para cabelos, banho e depilatórios e o
terceiro em consumo de maquiagem, foco principal desse trabalho.
Alguns dos principais fatores apontados para esse crescimento do setor são a
maior participação da mulher no mercado de trabalho, muitas vezes como a chefe
de família, o que permite que ela tenha renda própria para o consumo de cosméticos
e maquiagem; maior acesso das classes D e E aos produtos do setor devido ao
aumento de renda; aumento do consumo de produtos com maior valor agregado
pela classe C e aumento da expectativa de vida, que segundo o relatório da
ABIHPEC (2015) estaria trazendo uma “necessidade de conservar uma impressão
de juventude” (p. 2) e portanto seria uma das justificativas para o aumento no
consumo de cosméticos. Essa explicação vem de encontro à visão de Casotti,
Suarez e Campos (2008), que discutem a mudança na percepção de beleza, que
passa a ser mais relacionada com as escolhas feitas pelo indivíduo e de seu esforço
para corrigir a natureza. Os corpos podem ser modelados através de exercícios
físicos, cirurgias plásticas e tratamentos cosméticos. No caso das mulheres, por
exemplo, o uso de maquiagem estaria fortemente associado a questões de
feminilidade e atratividade (BLOCH e RICHINS, 1992) por poder ressaltar
características consideradas positivas bem como disfarçar traços indesejáveis.
Segundo Bloch e Richins (1992) o que pesquisas anteriores já puderam
demonstrar é que a associação existente entre a atratividade de um indivíduo e a
sua autoestima, o poder social e as respostas positivas que são recebidas dos
outros, o que explicaria, portanto, o uso de adornos (cosméticos, roupas e
acessórios) na busca da beleza e seus consequentes benefícios sociais. Essa
valorização da beleza não é fenômeno novo; ao contrário, pode ser visto através dos
68
séculos e em diferentes culturas que vão desde a filosofia grega e o Antigo Egito
passando pela França pré-revolucionária e chegando aos dias de hoje em suas
diferentes formas.
Dessa maneira, os adornos poderiam afetar a atratividade dos indivíduos
através de três formas principais: modificando ou removendo um atributo mutável
que o indivíduo ou os outros acham insatisfatório (“remedies”), como por exemplo os
cremes depilatórios ou tinturas de cabelo; camuflando características físicas inatas
que não são passíveis de mudança (“camouflages”), como roupas que afinam a
silhueta ou maquiagens que escondem imperfeições no rosto e reforçando ou
chamando atenção para características que são vistas de forma positiva
(“enhancers”), como roupas mais justas que reforçam a silhueta ou maquiagens que
ressaltam a cor dos olhos. A ideia gira em torno de buscar artifícios para que a
pessoa se sinta mais atraente e com a autoestima elevada, papel esse que o uso de
maquiagem tende a representar (BLOCH e RICHINS, 1992).
O uso de maquiagem também pode marcar importantes rituais de transição
de fase de vida. Na transição da infância para a adolescência, por exemplo, o início
do uso de maquiagem é um importante rito de passagem em diversas culturas.
Associada a construção de autoimagem positiva para si mesmo e na visão dos
outros, a questão do uso de maquiagem também pode ser associada à própria
construção de identidade dos jovens (GENTINA et al., 2012). Outras pesquisas
também apontam a associação do uso de adornos (entre eles a maquiagem) com a
vontade dos indivíduos de serem bem sucedidos em determinados papéis
situacionais ou recorrentes (SOLOMON, 1983; BLOCH e RICHINS, 1992), como no
desempenho de algumas atividades profissionais, por exemplo, em que o uso de
maquiagens pelas mulheres é bem visto e pode ser até obrigatório.
Uma importante contribuição do estudo de Casotti, Suarez e Campos (2008) é
a divisão das consumidoras em quatro momentos de vida em que se percebem
diferentes relações com a beleza, produtos e cuidados envolvidos, sugerindo que há
um processo de aprendizado ao longo do tempo sobre os cuidados com a beleza.
Esse processo seria fruto do aprendizado com outras pessoas como a mãe, irmãs e
amigas, o que Moschis (1985) vai chamar de agentes de socialização, e do próprio
69
relacionamento da consumidora com os produtos e marcas existentes no mercado.
Os quatro momentos apontados por Casotti, Suarez e Campos (2008) então seriam:
● O momento é agora - esse grupo é composto por estudantes jovens
financeiramente dependentes dos pais cujo foco está no momento presente,
não havendo muita preocupação em relação aos cuidados que devem ser
tomados de acordo com a ação que a passagem do tempo terá sobre o
corpo. Geralmente os cosméticos são adquiridos e geridos pela mãe, grande
influenciadora nesse processo, no que as autoras chamam de “consumo
tutelado”. No caso da maquiagem especificamente, nessa fase geralmente as
jovens ganham as maquiagens de presente (e muitas acabam ficando numa
espécie de cemitério de maquiagens sem uso), mas ao procurarem produtos
diferentes para usar buscam as maquiagens da mãe.
● O tempo existe - nesse grupo já estão mulheres com novas
responsabilidades nos âmbitos profissionais e pessoais mas que ainda não
possuem filhos. Essa fase é marcada pela experimentação de diferentes
produtos, pois essas mulheres começam a perceber os efeitos do tempo e
estão em busca dos produtos que funcionam melhor para elas, tentando
inserir os cuidados de beleza nas suas rotinas. Já começa a haver um
rompimento com a tutela familiar, e novos agentes de influência como a mídia
e as colegas de trabalho passam a aparecer. A inserção no mercado de
trabalho pode inclusive apresentar uma grande mudança, pois no ambiente
profissional as mulheres são muitas vezes incentivadas (pela função
desempenhada ou pela comparação com as colegas de trabalho) a aumentar
os cuidados com a aparência e o uso de maquiagem. Os produtos de
maquiagem passam a ser escolhidos e adquiridos por elas mesmas, o que já
traz uma importante mudança em relação à fase anterior.
● O tempo não para - as mulheres nessa fase já percebem os efeitos do tempo
sobre o corpo com bastante intensidade e tentam retardar ou atenuar esse
processo. Elas já exercem diversos papéis em casa como esposas, mães,
profissionais e donas de casa, e têm uma rotina bastante atribulada, onde
70
arranjam ainda tempo para seus cuidados pessoais. Por conta disso, são
consumidoras bastante conscientes, exigentes e objetivas. Os especialistas
(como os médicos ou mulheres mais experientes) são grandes
influenciadores, pois elas já não estão muito dispostas a testar diferentes
produtos para ver quais se adaptam melhor. Há uma divisão dos produtos de
maquiagem entre aqueles que são para o dia e os que são para a noite.
Nessa fase as mulheres já são as responsáveis pela escolha dos produtos de
consumo familiar e pela organização dos espaços.
● Cada coisa em seu tempo - nesse grupo estão mulheres cuja rotina já
apresenta mais tranquilidade, seja por conta do ritmo de trabalho menos
exigente e/ou por conta dos filhos já estarem criados. Nessa fase já há uma
diversificação dos cuidados com a beleza e que já passam a tomar um
espaço maior no dia-a-dia.
Como o foco dessa pesquisa está em analisar os processos de aprendizado
sobre maquiagem das jovens consumidoras, o foco maior será nas duas primeiras
fases (“O momento é agora” e “O tempo existe”) mas sem excluir as que estão no
início do período de transição para a terceira fase (“O tempo não pára”), com filhos
pequenos e novas rotinas sendo incorporadas.
3 METODOLOGIA
Esse capítulo tem por objetivo situar e descrever as escolhas metodológicas
que foram feitas para a realização desse trabalho. Inicialmente será justificada a
escolha pelo paradigma interpretativo para em seguida justificar o enquadramento
desse estudo dentro das linhas de pesquisa da Consumer Culture Theory (CCT).
Após a recuperação das questões que se pretende responder com a realização
desse trabalho será apresentado o desenho da pesquisa, contendo os critérios
utilizados para a seleção dos entrevistados e os principais métodos qualitativos que
serão aplicados para a coleta de informações. Nessa seção serão discutidas ainda a
proposta de análise das informações coletadas e as limitações de pesquisa que
foram percebidas.
71
3.1 Paradigma interpretativo e Consumer Culture Theory (CCT)
O paradigma adotado nesse estudo é o interpretativo, que busca a
compreensão dos fenômenos através dos significados que são fornecidos a eles
pelos indivíduos (MARCONI e LAKATOS, 2010). O paradigma interpretativo
considera que os significados dos fenômenos sociais estão relacionados ao
contexto, dentro de uma determinada cultura e sendo socialmente construídos pelas
pessoas que estão inseridas naquele contexto. E se o contexto muda, as linguagens
e os significados também estão sujeitos a grandes alterações (MARCONI e
LAKATOS, 2010).
No paradigma interpretativo é importante, portanto, a compreensão das relações
entre os indivíduos e os significados que são atribuídos por eles. Os dados não são
objetivos e quantificáveis, e dependem de uma interpretação do pesquisador a partir
dos métodos de pesquisa escolhidos e suas interações com os pesquisados
(MARCONI e LAKATOS, 2010). Assim, para os fins de realização desse estudo
optou-se por uma pesquisa de cunho qualitativo, indicada para a pesquisa de
questões e fenômenos de forma mais aprofundada, detalhada e exploratória
(PARTINGTON, 2002). Uma vez que a pesquisa exploratória busca aproximar-se do
fenômeno estudado e compreendê-lo em detalhes a partir do ponto de vista do
informante, Partington (2002) inclusive situa a fundação da pesquisa qualitativa na
etnografia.
Nessa linha, McCracken (1988) aponta que o objetivo da pesquisa qualitativa
está em conseguir perceber as categorias culturais existentes e compartilhadas por
um grupo de indivíduos, bem com a maneira pela qual esses traços culturais
interferem nas suas ações. Dado que a pesquisa qualitativa permite que uma grande
quantidade de informações sejam coletadas e múltiplas interpretações sejam
possíveis, segundo Partington (2002) a forma de análise dos dados coletados na
pesquisa qualitativa estaria relacionada à pergunta de pesquisa e às diferentes
formas de coleta de informações.
72
O presente trabalho também procura seguir as perspectivas desenvolvidas na
“Consumer Culture Theory”, (CCT), nomenclatura proposta e defendida por Arnould
e Thompson (2005; 2007) para definir uma família de perspectivas teóricas que
busca compreender as relações entre as ações dos consumidores, o mercado e os
significados culturais.
3.2 Questões de Pesquisa
A partir de reflexões trazidas pela revisão de literatura apresentada nesse
trabalho a questão principal de pesquisa foi elaborada: Qual é o papel dos agentes
de socialização na construção de aprendizados e experiências de consumo de
maquiagem do jovem consumidor habilidoso de maquiagem na contemporaneidade?
Para auxiliar na resposta à pergunta principal, é possível destacar as
seguintes perguntas secundárias:
● Qual o papel da família na formação de hábitos de compra e preferência de
marcas?
● De que forma as redes sociais contribuem para a formação dos novos
consumidores?
● Como o grupo de amigos influencia nas experiências de consumo e
construção de aprendizados?
● Como se dá a trajetória de consumo e de aprendizado desse jovem
consumidor no que se refere a habilidades e práticas de maquiagem,
construindo a posição de consumidor habilidoso?
● Que significados são associados ao uso da maquiagem pelo jovem?
● De que natureza são as habilidades adquiridas pelo jovem?
As escolhas metodológicas que foram feitas para possibilitar a resposta para
essas questões, bem como as formas de seleção de respondentes do grupo
pesquisado serão apresentadas a seguir.
3.3 Desenho de Pesquisa
Para responder às questões de pesquisa formuladas a partir da revisão de
literatura e de lacunas existentes nas pesquisas acadêmicas, como a pequena
73
quantidade de estudos sobre a socialização do jovem (EKSTRÖM, 2006; SANTOS e
FERNANDES, 2011; LUEG et al., 2006), foram selecionados alguns métodos
qualitativos que buscam trazer uma maior compreensão sobre os agentes de
influência e sua forma de atuação na construção de conhecimentos e hábitos de
consumo da jovem habilidosa. Uma vez que hoje a realidade do jovem está
altamente relacionada com a Internet, seja para a busca e troca de informações,
seja para o compartilhamento de conteúdos (particularmente fotos e vídeos)
produzidos por eles mesmos principalmente através das redes sociais (GRINNELL,
2009), para os fins dessa pesquisa foram utilizadas como técnicas principais para a
coleta de informações a entrevista em profundidade semi-estruturada e a
videografia, que permitirão uma aproximação com a realidade do jovem e
aproveitarão as novas formas de conectividade que já fazem parte da sua realidade
para coletar informações sobre as práticas cotidianas de acordo com o seu próprio
ponto de vista. Foi realizada uma análise de inspiração netnográfica de um famoso
blog de maquiagem para uma melhor compreensão das construções de identidade,
práticas e significados que são construídos e reconstruídos nessas comunidades
(KOZINETS, 2014).
Essa abordagem multimétodos é defendida por Kozinets (2014), que aponta
que a mescla da etnografia com a netnografia, que incluiria interações face a face
bem como interações online, pode ser extremamente rica e permitir um quadro de
análise mais amplo e completo das interações, práticas e significados dos
consumidores que permeiam tanto o ambiente online quanto o off-line. Dessa forma,
a presente pesquisa foi dividida em três etapas:
Etapa 1: Entrevista em profundidade semi-estruturada - entrevista realizada
preferencialmente na casa dos informantes aliada a uma observação simultânea dos
espaços e objetos envolvidos nas atividades de consumo ou em outro lugar de maior
conveniência para os entrevistados;
Etapa 2: Videografia – os jovens entrevistados na primeira etapa foram
convidados a produzir alguns vídeos de curta duração através dos seus celulares ou
webcams e enviá-los à pesquisadora num prazo de 15 dias. Além da explicação
sobre essa etapa ao final da primeira entrevista, foram deixadas algumas instruções
com os entrevistados sobre a produção e envio do material (Apêndice B). Os vídeos
74
foram enviados através de meios digitais, principalmente por meio do celular via
Whatsapp (aplicativo de mensagens instantâneas amplamente utilizado pelo grupo
pesquisado) e através de links para visualização no Youtube. Outras conversas
ocorreram através desses meios, particularmente via Whatsapp, onde a distância
entre os interlocutores e a familiaridade no uso do aplicativo fez com que alguns
entrevistados se sentissem mais à vontade para compartilhar outras histórias e
percepções. Nesse caso, esse material também foi utilizado para efeitos de análise,
com permissão do entrevistado.
O conteúdo esperado originalmente dos vídeos seria uma demonstração dos
jovens sobre as práticas de maquiagem no seu dia-dia, seja mostrando a sua
maquiagem para ir ao trabalho ou para sair à noite, seja mostrando produtos ou
apenas falando sobre o assunto. A ideia transmitida aos entrevistados seria a de um
diário pessoal, onde o esperado era que os jovens pudessem demonstrar com as
suas palavras aquilo que fosse mais importante em suas práticas de consumo de
maquiagem. Apesar de um prazo de 15 dias ter sido inicialmente sugerido para a
etapa de produção de vídeos, essa etapa acabou sendo a mais demorada e os
entrevistados encontraram dificuldade em cumpri-la. Vale pontuar que a dificuldade
percebida não foi de ordem técnica mas sim da escolha do que filmar. A liberdade
fornecida para que o entrevistado filmasse qualquer coisa que ele achasse relevante
ao seu consumo ou relação com a maquiagem acabou se tornando um
problematizador, sendo comuns comentários como “não sei o que filmar”, “estou
sem ideias”. A partir do primeiro vídeo, no entanto, alguns entrevistados pareciam
ficar mais à vontade com a atividade. Enquanto a maioria dos entrevistados enviou
vídeos curtos (com duração de alguns segundos ou poucos minutos), duas jovens
gravaram vídeos de mais de 10 minutos mostrando suas maquiagens em casa,
sendo materiais muito ricos para análise.
No geral, no entanto, os vídeos enviados e as mensagens de texto trocadas
através do celular forneceram importantes insumos do ponto de vista dos
consumidores e trouxeram outras discussões que não haviam aparecido na primeira
entrevista através das questões inicialmente formuladas, seja em relação aos
agentes de socialização, aos significados da maquiagem e práticas de consumo e
ao desenvolvimento das habilidades de maquiagem.
75
Etapa 3: Devolutiva: na terceira e última etapa houve uma nova entrevista
com os informantes onde os vídeos produzidos foram vistos e discutidos,
questionando-os sobre os aspectos considerados mais relevantes no material. Além
disso, duas técnicas projetivas foram utilizadas no final da entrevista para buscar
outras percepções sobre os agentes de influência (Apêndice C). Na primeira,
dividida em duas partes, a entrevistadora apresentava a história de uma jovem que
gostaria de começar a se maquiar mas não sabia com quem buscar essas
informações, sendo solicitado então que o entrevistado aconselhasse a essa jovem
o que fazer nessa situação e suas motivações para a escolha das fontes de
informação indicadas. Na segunda parte, apresentava-se a história de uma jovem
adulta ingressando no mercado de trabalho e que precisava se maquiar para o
ambiente profissional, sendo novamente solicitada a sugestão do entrevistado para
a solução do problema dessa jovem e suas motivações, dado um diferente contexto.
Na segunda projetiva era solicitado que o entrevistado imaginasse que as pessoas e
coisas (como a Internet) que influenciaram o seu aprendizado sobre maquiagem
fossem planetas. Era solicitado então que o entrevistado descrevesse a aparência e
importância desses planetas.
É importante destacar que no caso específico da blogueira Bianca Andrade,
que possui um blog de grande sucesso, após várias tentativas de contato não foi
possível entrevistá-la e por isso foi realizada uma análise das postagens do blog e
dos vídeos do seu canal do Youtube (chamado “Boca Rosa”) que se referiam ao
processo de aprendizado sobre maquiagem e trajetória pessoal.
Uma vez que os principais métodos utilizados nesse trabalho foram a
entrevista em profundidade, a videografia e a netnografia (para a análise dos blogs),
estes serão discutidos em detalhes nos subtópicos a seguir.
3.3.1 Entrevista em Profundidade
A entrevista em profundidade é tida como um dos métodos qualitativos mais
importantes por McCraken (1988), pois através desse método pode-se vislumbrar a
visão de mundo dos indivíduos pesquisados através do ponto de vista que eles
mesmos trazem. É possível entender com mais proximidade suas práticas diárias,
as questões que são mais importantes e como a cultura na qual eles estão inseridos
pode impactar nas suas ações. Considerando-se que no momento atual da
76
sociedade questões como a escassez de tempo e a preservação da privacidade do
indivíduo estão cada vez mais em discussão, esse método aparece com grande
adequação para a coleta de informações, permitindo uma análise do mundo
experienciado pelo indivíduo sem violações de privacidade ou importunações
(McCRAKEN, 1988).
O uso do questionário nas entrevistas em profundidade é tido como
fundamental uma vez que permite que o pesquisador faça os mesmos
questionamentos para todos os entrevistados, permitindo que haja uma direção na
entrevista ainda que se tenha uma grande abertura para o aprofundamento das
questões trazidas pelos informantes.
Dentro da entrevista em profundidade, três técnicas foram utilizadas nessa
pesquisa para buscar informações mais aprofundadas sobre a construção dos
aprendizados e hábitos relacionados à maquiagem e à forma de atuação das fontes
de influência. Para isso, existem duas sessões dentro do questionário de pesquisa
para questões relativas à História de Vida do entrevistado e ao Método dos
Itinerários (DESJEUX, 2000) e foram utilizadas duas técnicas projetivas. Uma breve
discussão sobre cada um desses métodos será feita a seguir.
História de Vida
O objetivo da história de vida é permitir que o entrevistado conte aspectos da
sua vida da forma mais completa e honesta possível, aquilo de que se lembra ou
deseja contar, geralmente como resultado de uma entrevista guiada (ATKINSON,
2002). A narrativa da história de vida é importante para mostrar “as influências,
experiências, circunstâncias, temas e aprendizados mais importantes da vida do
indivíduo” (ATKINSON, 2002, p.125) contados por eles mesmos, de forma que pode
ser um importante recurso de coleta de informações em uma pesquisa. Além de
possibilitar uma maior compreensão sobre as experiências do indivíduo, a história de
vida permite uma análise dos diversos papéis sociais desempenhados pelo indivíduo
dentro de contextos sociais, morais e éticos (ATKINSON, 2002), possibilitando
também uma “compreensão do social, do coletivo, a partir de histórias individuais”
(MIRANDA, CAPELLE e MAFRA, 2014, p. 61).
77
Método dos Itinerários
O método dos itinerários, proposto pelo antropólogo Dominique Desjeux,
propõe uma “abordagem qualitativa que busca a compreensão das dimensões
materiais, sociais e culturais do consumo” (DESJEUX, 2000, p. 184). A ideia do
método dos itinerários é analisar uma sequência encadeada de ações no processo
de consumo ao entender que o consumo não é apenas a aquisição de um produto
de forma arbitrária por um determinado indivíduo e sim um processo que se inicia
com a tomada de decisão de compra e termina no momento do descarte final
(DESJEUX, 2000; CASOTTI, SUAREZ e CAMPOSY, 2008). A aplicação do Método
dos Itinerários ocorre a partir de uma escala microsocial onde são analisadas as
interações e práticas nos grupos em uma investigação qualitativa. Dessa forma, a
pesquisa deve ser realizada no local onde ocorrem as práticas de consumo e onde
os objetos são manipulados e guardados (CAMPOS, CASOTTI e SUAREZ, 2006)
através de entrevistas em profundidade aliadas a um processo de observação
simultânea a fim de compreender o universo social em que o mesmo se encontra
(CASOTTI, SUAREZ e CAMPOSY, 2008).
O método de Desjeux “parte da relevância da cultura material nas relações
sociais, mas utiliza em seu caminho de investigação o mapeamento de objetos e
espaços que compõem o meio do grupo pesquisado” (CASOTTI, SUAREZ e
CAMPOSY, 2008, p. 113), de forma que práticas cotidianas são tidas como mais
importantes para a análise do que o discurso em si do entrevistado, suas
explicações e justificativas.
A compreensão sistêmica do consumo, que parte da tomada de decisão de
compra e termina no descarte incorpora novos elementos no processo de
compreensão do ato do consumo e pode trazer novas perspectivas ao estudo do
comportamento do consumidor. O método dos itinerários então tenta reproduzir
metodologicamente a dinâmica de consumo através de sete etapas que comporiam
o processo de consumo, admitindo, no entanto, que de acordo com o estudo
realizado etapas adicionais podem ser consideradas. Para cada etapa devem ser
considerados os atores envolvidos, as negociações, os objetos e espaços utilizados
e as normas e tensões existentes (DESJEUX, SUAREZ e CAMPOS, 2014). As
78
etapas do método dos itinerários propostas por Desjeux (2000) e explicitadas por
Campos, Casotti e Suarez (2006) portanto são:
Etapa 1 - Decisão de Compra no contexto das relações sociais
Etapa 2 - Transporte até o local da compra
Etapa 3 - Compra
Etapa 4 - Estocagem
Etapa 5 - Preparo para o consumo
Etapa 6 - Consumo
Etapa 7 - Descarte
Além da observação da trajetória de consumo, ocupação do espaço e
movimentação dos objetos, segundo Beji-Bécheur e Campos (2008) é importante
também identificar as regras e normas que organizam e definem a dinâmica dos
comportamentos do consumidor, que podem ser divididas em: (1) regras de
exposição de objetos, que buscam perceber se os produtos estão escondidos,
disponíveis ou expostos intencionalmente (2) regras de presença de objetos, que
buscam entender quais produtos são proibidos, permitidos ou obrigatórios em
determinadas ocasiões e (3) regras de divisão do espaço, para compreender que
espaços são públicos, privados ou íntimos (para uma ou algumas pessoas que
moram na casa).
Assim, o método dos itinerários foi um dos métodos utilizados nesse estudo
para uma melhor compreensão das práticas de consumo e relação dos jovens
consumidores com a maquiagem, sendo que um foco maior foi dado nas primeiras
etapas a fim de se compreender quem são os principais influenciadores de compra e
como ocorrem esses processos de influência de consumo, questões principais
dessa pesquisa.
Método projetivo
A ideia por trás do método projetivo é ajudar os informantes a revelar
percepções, emoções, fantasias ou mesmo opiniões que seriam mais difíceis de
obter através de perguntas diretas, ainda que o pesquisador reforce que não existem
respostas certas ou erradas durante uma entrevista em profundidade (BELK,
FISHER e KOZINETS, 2013). De forma muitas vezes lúdica, o uso de técnicas
79
projetivas em uma pesquisa permite ao pesquisador fazer uma triangulação em
torno do assunto pesquisado, obtendo informações de forma direta (através das
respostas às perguntas do roteiro, por exemplo) e de forma indireta através de
diferentes métodos como associação de palavras, storytelling, compleção de frases,
montagem de painéis, etc., o que pode permitir uma aproximação maior à forma pela
qual o indivíduo imagina, pensa e age (ROOK, 2006). As técnicas projetivas
costumam então complementar outros métodos qualitativos e sua utilização possui
longa tradição nas pesquisas etnográficas (HEISLEY e LEVY, 1991 apud ROOK,
2006).
Diferentemente de outras técnicas de pesquisa, portanto, o método projetivo
opera através do questionamento indireto, formulando discussões através de
situações imaginárias, muitas vezes envolvendo outras pessoas. Com isso, objetiva-
se obter motivações provenientes de diversos níveis de consciência, principalmente
os níveis mais primários, onde não há restrições sobre o que seria “socialmente
aceito” e que permitiria encontrar as motivações, desejos e opiniões genuínos do
indivíduo (ROOK, 2006).
Ainda segundo Rook (2006), os métodos projetivos podem ser agrupados de
acordo com a quantidade de informação que pode ser coletada através deles
(variando entre baixa, média e alta) e a escolha do método a ser utilizado vai
depender dos objetivos da pesquisa e da profundidade da discussão sobre
determinado assunto que se pretende obter. Na presente pesquisa foram realizadas
duas projetivas, utilizando o psicodrama (BELK, FISHER e KOZINETS, 2013), onde
os informantes serão convidados a se colocar num determinado papel e aconselhar
personagens fictícios sobre que fazer, e uma técnica de projeção onde os agentes
de influência seriam considerados planetas e serem descritos em sua aparência e
características.
3.3.2 Videografia
O uso da videografia na pesquisa de comportamento do consumidor é de
certa forma recente. No passado, os aspectos visuais do comportamento do
consumidor eram amplamente ignorados pela maioria dos pesquisadores, o que
prejudicava suas representações sobre o mundo experienciado pelos consumidores
80
dentro de determinada cultura de consumo (KOZINETS e BELK, 2006). Ao perceber
essa grande lacuna em termos de metodologia de pesquisa ao analisarem-se
comportamentos de consumo dentro de uma sociedade cada vez mais mediada
pelos meios de comunicação, Russel Belk (um dos grandes pioneiros na utilização
de vídeos na pesquisa de campo durante a Consumer Odyssey) e Robert Kozinets
começaram a desenvolver uma série de pesquisas envolvendo o uso de videografia
nas pesquisas de comportamento de comportamento do consumidor, bem como a
incentivar outros pesquisadores a fazerem o mesmo. Além disso, os dois autores
foram os anfitriões de vários Association of Consumer Research Film Festivals, que
contam com mostras dos projetos de videografia de pesquisadores de vários lugares
do mundo (KOZINETS e BELK, 2006).
As dificuldades impostas pelo transporte das câmeras, utilização dos
equipamentos e edição hoje estão bem mais facilitadas pelas novas tecnologias de
captura e edição de vídeos, bem como pela internet, que com sua ampla gama de
informações disponíveis facilita o aprendizado de técnicas de captura e de utilização
de softwares de edição. Assim, o método hoje é mais acessível e oferece algumas
vantagens em relação aos métodos tradicionais. A filmagem de entrevistas, por
exemplo, uma das formas mais comuns de uso, traz grandes vantagens em relação
à gravação em áudio ou anotações de campo, pois permite a captura de formas de
expressão corporal e linguagem não-verbal que não são capturadas de outra forma
(BELK e KOZINETS, 2005). Apesar da presença da câmera poder interferir na
entrevista ou na observação, Belk e Kozinets (2005) apontam uma série de técnicas
e usos da câmera que podem minimizar esses efeitos. O uso de tripés, por exemplo,
colocando a câmera a certa distância bem como a explicação plena do processo de
pesquisa para o entrevistado podem minimizar o sentimento de invasão e tornar a
entrevista mais confortável para o entrevistado.
Kozinets e Belk (2006) apontam também para uma variedade de
metodologias para o uso da videografia na pesquisa de comportamento de
consumidor. Entre elas estão: (1) entrevistas filmadas, que como já mencionado
trazem o benefício de captura da linguagem não-verbal e do contexto (que pode
trazer grandes informações); (2) videografia de observação, que ocorre quando os
consumidores são observados diretamente no campo, uma vez que o interesse
nesse caso é maior no que os consumidores fazem do que no que eles dizem fazer
(BELK e KOZINETS, 2005); (3) autovideografia, que ocorre quando os próprios
81
consumidores capturam suas experiências em vídeo, muitas vezes com sua própria
narração em primeira pessoa; (4) videografia colaborativa, quando consumidores e
informantes trabalham juntos na filmagem e nas decisões editoriais sobre o produto
final da pesquisa; (5) retrospectiva, quando são utilizadas imagens de arquivo
juntamente com narrativas explicativas dos informantes e (6) videografias
impressionistas, quando são utilizadas diversas técnicas como animações,
entrevistas, observação de consumidores, comerciais, entre outros para mostrar
questões específicas sobre os consumidores e as formas de consumo.
Para os fins desse trabalho, portanto, essa metodologia será utilizada
principalmente para coletar os pontos de vista dos próprios consumidores dentro do
seu contexto de consumo. O objetivo é utilizar a autovideografia, chamada também
de vídeo-diário por Sunderland e Denny (2007) e que geralmente é vista como uma
técnica pouco intrusiva e que envolve uma participação mais ativa do consumidor
(KOZINETS e BELK, 2006). Nesse tipo de autoetnografia, que ocorre sem a
presença direta do pesquisador, os informantes tendem a ser mais espontâneos e a
demonstrar aquilo que é mais importante para eles, além de conseguirem mostrar de
forma mais clara certos rituais que eles não se lembrariam de comentar em uma
entrevista ou que seriam difíceis de explicar com detalhes (BELK e KOZINETS,
2005).
Além disso, conforme aponta Dion (2008) o uso do vídeo, bem como das
fotografias como instrumentos de metodologia de pesquisa é de grande importância
para uma melhor compreensão dos usos de produtos e serviços, permitindo verificar
os produtos utilizados, as diferentes formas de utilização, os rituais, os locais de uso
e as interações sociais associadas, entre outros aspectos. Esse método também é
vantajoso ao possibilitar a coleta de informações de usuários que podem ser difíceis
de entrevistar, como os jovens, grupo analisado nesse estudo.
Kozinets e Belk (2006) apontam também sobre a importância de se perceber
que material gravado pelos informantes do grupo pesquisado não se constitui em
uma verdade pura, apesar de ser mais próximo do mundo real do que de teorias que
vêm da pura observação. Segundo os autores, as videografias são narrativas,
representações que podem ser emocionais e que devem ser analisadas dentro do
seu contexto cultural. Sunderland e Denny (2007) realizaram diversas pesquisas
através de vídeo-diários como metodologia etnográfica (incluindo trabalhos com
82
jovens, foco desse trabalho) e apontam o sucesso no uso desse método, permitindo
um grande engajamento dos entrevistados que transmitiram suas reflexões,
pensamentos e ações que foram fundamentais para o resultado da pesquisa. Para
Sunderland e Denny (2007), é fundamental a consideração de que tanto a
performance do entrevistado no vídeo, ainda que não seja a mais natural possível
(por estar diante de uma câmera) e a análise do cenário de gravação, objetos que
aparecem em cena (e.g. mobiliário, decoração, vestuário escolhido e etc.) são
fatores de análise fundamentais que devem ser utilizados para uma análise cultural
e compreensão do contexto no qual aquela pessoa está inserida.
Para Dion (2008), essas descrições visuais do comportamento do consumidor
fornecem um rico material de análise das atividades de consumo e dos momentos
culturalmente significantes, possibilitando uma percepção de como os consumidores
percebem o ambiente físico e social do consumo. Uma vez que o objetivo desse
trabalho está em analisar a construção de aprendizados, fontes de influência e a
importância da maquiagem para o jovem consumidor, essa técnica aparece como
promissora para fornecer uma série de informações a partir do ponto de vista das
próprias consumidoras, possibilitando também uma maior compreensão do seu
contexto cultural.
3.3.3 Netnografia
Desenvolvida pelo antropólogo Robert Kozinets (1999, 2006, 2014), a
netnografia é uma metodologia de pesquisa que adapta as técnicas de pesquisa da
etnografia para um “estudo culturalmente orientado daquela interação social
mediada pela tecnologia que ocorre por meio da Internet e das tecnologias de
informação e comunicação (ou TIC) relacionadas.” (2014, p. 11). Cada vez mais,
segundo Kozinets (2014), os pesquisadores percebem que não se pode chegar a
uma compreensão adequada das interações sociais e culturais dos indivíduos no
momento atual sem que haja uma análise das interações possibilitadas pelas novas
tecnologias.
A netnografia utiliza informações disponíveis publicamente em fóruns, blogs,
redes sociais ou outras formas de interação possibilitadas pela internet que
possibilitem uma análise de culturas e comunidades desenvolvidas nesse contexto e
83
que podem ter um importante papel na construção e definição das práticas de
consumo (KOZINETS, 2006). A ideia defendida pelo autor não é que a tecnologia
passa a determinar a cultura, mas sim que elas “são forças codeterminantes e
coconstrutivas” (KOZINETS, 2014, p. 28) que atuam na modelagem e remodelagem
constante de identidades, lugares e corpos.
De acordo com Kozinets (2006), o método pode incluir tanto uma postura de
observação do pesquisador, que analisa as interações sem que o pesquisador
envolva-se com a comunidade analisada quanto uma postura de observação
participante, onde o pesquisador participa das discussões, podendo até mesmo
tornar-se um membro ativo da comunidade virtual. No ponto mais extremo de
participação na netnografia há ainda a chamada autonetnografia, onde o
pesquisador utiliza sua própria experiência online como fonte de dados e
observações para discutir práticas e significados de consumidores online. A Figura 7
demonstra os diferentes tipos de netnografia em um continuum de que parte da
baixa participação do pesquisador na comunidade online para um grau mais alto de
envolvimento e participação:
Figura 7: Diferentes tipos de netnografia. Fonte: Kozinets, 2006, p. 133, tradução nossa
Netnografia em blogs
Uma das possibilidades de aplicação do método netnográfico está na análise
de blogs, onde, diferentemente de fóruns públicos ou páginas comunitárias, o
“blogueiro” (aquele que criou e mantém o blog) torna-se a estrela de sua própria
página (KOZINETS, 2006). É ele quem define os assuntos das postagens, a
periodicidade e a forma que serão feitas. Apesar dessa característica pessoal do
blog poder ser vista como uma limitação para sua escolha como fonte de dados para
netnografia é importante ressaltar que o grau de influência atual dos blogueiros
principalmente nos consumidores mais jovens vem chamando muita atenção da
84
mídia convencional e dos anunciantes, que passam a ver os blogs como um novo
canal de comunicação alternativo aos tradicionais conglomerados das mídias
tradicionais.
Os blogs passam então a serem vistos como grandes influenciadores de
consumo e capazes de permitir um aprendizado sobre o estilo de vida dos
consumidores e os papéis que diferentes produtos e serviços desempenham em
suas vidas (KOZINETS, 2006). Uma análise aprofundada de blogs pode, portanto,
permitir a coleta de uma série de informações detalhadas sobre os consumidores e
suas práticas de consumo, opiniões, valores e significados que podem ter grande
utilidade para as empresas, conforme demonstra o trecho abaixo:
“Nas histórias de consumidores, as marcas são relacionadas à história, lugares, distinções sociais, habilidades, envolvimento pessoal, emoções, memórias de infância, autenticidade e devoção religiosa, e as compreensões advindas da netnografia são úteis na articulação de uma série de estratégias de branding e posicionamento com apelo mais amplo.” (KOZINETS, 2006, p. 139)
Para a presente pesquisa, diversos blogs e redes sociais relacionados à moda
e maquiagem foram acompanhados pela pesquisadora por um período de um ano e
meio para uma imersão no contexto pesquisado e uma maior compreensão da
linguagem e práticas de consumo compartilhadas. Além disso, foi feita uma análise
do blog Boca Rosa, um blog de grande reconhecimento (e alto número de
seguidores) com foco nas postagens em que ela compartilha informações sobre o
início do seu interesse sobre maquiagem e os motivos que a levaram à construção
do blog sobre o assunto. A escolha desse blog em específico está relacionada à
história pessoal da blogueira, nascida e criada em uma favela do Rio de Janeiro e
que teve através do blog teve uma ascensão social, o que trouxe mudanças em seu
comportamento de consumo. Embora o objetivo inicial fosse entrevistar a blogueira
Bianca Andrade, após inúmeras tentativas isso não foi possível. Por essa razão,
utilizou-se o rigor da metodologia netnográfica para observar o blog de forma
direcionada para entender sua trajetória enquanto consumidora.
Nesse trabalho, portanto, foi realizada uma observação não participante de
algumas postagens do blog Boca Rosa, mas não foi realizada propriamente uma
netnografia com todas as etapas propostas por Kozinets (2006).
85
3.4 Seleção dos entrevistados
Uma vez que o objetivo da pesquisa está em analisar as fontes de influência e
os processos de construção de aprendizado do jovem consumidor habilidoso de
maquiagem, buscou-se principalmente na seleção dos entrevistados jovens
pertencentes à chamada Geração Y, ou seja, nascidos entre 1979 e 1994 (LUEG et
al., 2006). Essa geração foi a primeira a se desenvolver junto com as novas
tecnologias de transmissão de informações por intermédio de um computador e da
Internet. Além disso, os indivíduos dessa geração nos dias de hoje têm uma parte
considerável de sua interação social através de redes sociais, blogs, wikis e
comunidades de marca, que permitem que pessoas de diferentes partes do mundo
com interesses em comum possam compartilhar ideias e colaborar de diversas
maneiras (GRINNELL, 2009; EZAN, MALLET e ROUEN-MALLET, 2014).
Para além da questão de geração, um importante critério para a seleção dos
entrevistados foi a expertise em relação à maquiagem, buscando-se então os
consumidores habilidosos, aqueles que possuem grande conhecimento sobre
produtos e práticas de maquiagem e que modificam os significados e usos dos
produtos, criando suas próprias experiências de consumo personalizadas (COVA,
2008). Seguimos também como inspiração o conceito de prossumidor de Toffler
(2014), quando este entende que o consumidor contemporâneo desenvolve
habilidades que permitem que ele produza coisas que poderiam ser contratadas de
outros prestadores de serviços. As atividades do-it-yourself são um importante
exemplo dentre as possibilidades de prossumo que geram valor através da criação
de produtos e da realização de serviços pelos consumidores para o seu próprio
benefício (XIE et al., 2008).
Para a análise das questões do presente estudo, é importante destacar que o
foco está no consumidor que sabe fazer sua própria maquiagem com muita
desenvoltura (inclusive para ocasiões especiais) e que geralmente não contrata
prestadores de serviço para esse fim, além de ter grande conhecimento sobre
marcas, produtos e técnicas que requerem habilidades específicas.
Esses consumidores são capazes de selecionar diferentes produtos e
combiná-los de forma a refletir sua personalidade e individualidade, em linha com o
consumo artesanal de Campbell (2004). No entanto, sabemos hoje que um
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consumidor mais habilidoso pode ter naturezas diversas, podendo ser desde um
consumidor doméstico, que aplica sua habilidade em seu círculo pessoal (CAMPOS,
2010), até uma blogueira ou blogueiro que compartilha seu conhecimento com
outros consumidores (SOARES, 2012), ou ainda um profissional de maquiagem que
se torna um prestador de serviço, obtendo uma remuneração a partir de sua
habilidade como maquiador (a) (CORDEIRO, 2014). Possivelmente, esses três tipos
de consumidores habilidosos terão trajetórias diferentes, e podem apresentar acesso
a fontes de influência diversas.
Dessa forma, a seleção de entrevistados para esse trabalho é conceitual, de
forma a buscar diferentes perfis de consumidores habilidosos para que a diversidade
de trajetórias, motivações e significados associados à maquiagem permita uma
análise mais ampla das tipologias e agentes de influência, foco principal desse
trabalho. Foram buscados, portanto, os três perfis abaixo:
● Expert - jovem com grande habilidade para se maquiar, que busca
informações e referências nas redes sociais ou em outras fontes mas não
possui blog e não é profissional da área. Esse jovem não contrata serviços de
maquiadores profissionais nem mesmo para eventos mais formais. Nesses
casos o próprio jovem se maquia e ainda é solicitado por amigas e familiares
próximas para ajudá-las com a maquiagem.
● Profissional - jovem que desenvolveu o gosto e a habilidade em relação à
maquiagem de forma que isso se transformou em profissão, como
maquiadores e professores de maquiagem.
● Blogueira - jovem que possui um blog sobre maquiagem onde compartilha
fotos, vídeos e tutoriais sobre o assunto, podendo ser ou não ser um (a)
maquiador (a) profissional.
Com esses três perfis buscou-se mapear pontos de semelhança e diferenças
entre esses consumidores nos quais o desenvolvimento de habilidades e a relação
com a maquiagem pode transformar jovens que constroem conhecimentos para si
mesmos em jovens que compartilham isso com os outros através das redes sociais
(transmissão online de conhecimento, muitas vezes de forma gratuita) ou como
profissão (de forma remunerada). Nas entrevistas em profundidade, buscou-se uma
87
compreensão de como esses conhecimentos e habilidades sobre maquiagem foram
construídos (WARD, 1974), quais agentes de socialização tiveram influência nesse
processo e como atuaram (MOSCHIS e MOORE, 1983; SHAH e MITTAL, 1997).
Para garantir a discussão de pontos comuns a todos os perfis e ainda buscar
um aprofundamento em questões específicas (para blogueiras e profissionais),
foram desenvolvidos três roteiros, incluindo questões padronizadas e algumas
questões diferenciadas para cada um dos perfis. Os roteiros encontram-se no
Apêndice A. Além das questões trazidas previamente, é importante ressaltar que
outros questionamentos surgiram a partir das discussões com os entrevistados e
foram aprofundados ao perceber-se a relevância do tópico para os fins dessa
pesquisa.
3.6 Perfil dos Entrevistados
Na seleção de entrevistados para os fins dessa pesquisa, o objetivo inicial era
entrevistar somente jovens mulheres, sendo que cada participante seria entrevistada
duas vezes com uma etapa intermediária de produção de vídeos pelas próprias
entrevistadas sobre a sua relação com a maquiagem (sem a presença do
pesquisador). No entanto, no decorrer da pesquisa optou-se por entrevistar um
homem para que também um outro tipo de consumidor de maquiagem geralmente
não considerado pelas pesquisas tradicionais sobre o assunto pudesse ser incluído
e analisado, trazendo novas perspectivas para o campo. Outra questão enfrentada
foi a dificuldade de participação dos entrevistados na etapa intermediária de
produção de vídeos e disponibilidade para uma segunda entrevista. Por essa razão,
foi entrevistado um segundo homem (maquiador) para substituir a entrevista de uma
maquiadora que desistiu de participar do restante do processo após a primeira
entrevista por problemas pessoais mas permitiu que sua primeira entrevista fosse
utilizada nesse trabalho. O tema e as perguntas iniciais de pesquisa foram portanto
ajustados para “consumidores habilidosos” para que essa nomenclatura fosse mais
abrangente à realidade encontrada e pesquisada.
Também foram realizadas entrevistas por Skype com vídeo (para mitigar
problemas de agenda dos entrevistados) e foram gravados alguns vídeos no
decorrer da própria entrevista. No caso de dois entrevistados os assuntos foram
percorridos na primeira entrevista com baixa participação na etapa de vídeos e
88
portanto não foram identificados insumos suficientes para uma segunda conversa (já
que essa última etapa estava mais relacionada a uma discussão sobre os vídeos
enviados).
Assim, para uma maior compreensão da ação dos agentes de influência no
aprendizado, formação dos hábitos e preferências da consumidora habilidosa de
maquiagem foram realizadas entrevistas em profundidade com 5 mulheres e 2
homens de Julho de 2015 a Fevereiro de 2016, além de uma análise com
inspirações netnográficas do blog Boca Rosa, onde a jovem compartilha
informações sobre sua trajetória de sua relação com a maquiagem, enquadrando-se,
portanto, nos objetivos desse estudo.
Dessa forma, foram realizadas 12 entrevistas que variaram de quarenta
minutos a uma hora e trinta minutos e 21 vídeos enviados pelo telefone através do
aplicativo de mensagens Whatsapp e através de links do Youtube que variaram de
30 segundos a 10 minutos. As entrevistas foram transcritas para posterior análise,
totalizando 301 páginas, além de anotações que foram feitas no momento da
realização da entrevista ou logo em seguida e foram posteriormente transcritas em
um diário de campo mantido pela pesquisadora, com 12 páginas.
A seleção dos entrevistados buscou investigar diferentes realidades a fim de
compreender de uma forma mais ampla e diversificada a ação das diferentes fontes
de influência, significados associados e o desenvolvimento de habilidades
relacionadas à maquiagem. Por essa razão, foram selecionados entrevistados com
diferentes graus de instrução, moradores de diferentes bairros e com diferenças de
poder aquisitivo e de trajetórias no processo de aprendizado do consumo de
maquiagem. Assim, o perfil de cada um dos entrevistados para os fins desse
trabalho pode ser observado no Quadro 3.
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Quadro 3: Perfil dos Entrevistados
Tipo de
consumidor Nome Idade Escolaridade Profissão
Local de
Moradia
Expert Camila 33 Ensino Médio
Completo Secretária Executiva
Teresópolis /
RJ
Expert Luisa 25
Ensino
Superior
Completo
Relações
Internacionais
Flamengo /
RJ
Maquiadora Fabiana 35 Ensino Médio
Completo
Técnica em
Laboratório e
Maquiadora
Portuguesa
(Ilha do
Governador) /
RJ
Maquiadora Erica 34
Pós
Graduação
Completa
Administradora e
Maquiadora Icaraí / Niterói
Blogueira Jana 27
Ensino
Superior
Completo
Designer de
Interiores
Barra da
Tijuca / RJ
Expert Axel 21 Ensino Médio
Completo Gerente de Loja Olaria/ RJ
Maquiador Daniel 29 Ensino Médio
Completo
Cabeleireiro e
Maquiador
Laranjeiras/
RJ
3.6 Procedimentos de análise
A partir das informações coletadas através das entrevistas e do diário de
campo (anotações mantidas pela pesquisadora no decorrer e após as entrevistas)
iniciou-se então a etapa de análise dos dados com uma primeira leitura detalhada de
todo o material transcrito. Neste momento, a leitura intencionava um mergulho
profundo e individual no universo de cada entrevistado. A partir daí, foram
identificadas temáticas transversais e emergentes, que permitiram a divisão do
material em blocos de discussões. Além dos temas inicialmente buscados, outras
90
discussões relevantes surgiram e foram posteriormente relacionadas a grandes
temas de análise ou tratadas em separado de forma complementar.
Para cada entrevistado foi feito um relatório com os pontos principais de sua
história de vida, contexto de consumo (com hábitos e comportamento de compra) e
a ação dos agentes de influência que foram citados e discutidos. Esse mesmo
processo de leitura e divisão temática foi realizado então com a segunda entrevista,
sendo que os temas coincidentes foram acrescentados ao relatório de cada
entrevistado na categoria correspondente, buscando-se conexões e complementos.
A partir desses relatórios com cerca de 15 páginas para cada entrevistado iniciou-se
então uma tarefa de comparações e contrastes para cada categoria identificada e
suas relações com a discussão teórica anteriormente apresentada.
Os vídeos enviados na etapa intermediária contribuíram com insumos para a
segunda entrevista. Embora o objetivo inicial dos vídeos fosse compreender melhor
a visão dos entrevistados sobre maquiagem e a ação de agentes de influência, o
seu conteúdo acabou sendo mais rico para uma compreensão das práticas e
significados associados ao uso de maquiagem.
A análise do blog Boca Rosa ocorreu através do acompanhamento das
postagens feitas no canal do Youtube e em outras redes sociais durante cerca de 1
ano, além da leitura de reportagens sobre a blogueira em outros sites e revistas.
Nesse período, buscou-se coletar informações sobre a trajetória de aprendizado de
consumo de maquiagem percorrida pela jovem, identificando agentes de influência e
motivações que a levaram a criar um blog dedicado ao assunto.
A análise final deu lugar a um detalhamento de territórios temáticos, como
agentes de influência ou trajetórias de formação do consumidor habilidoso. Por fim,
procedeu-se a um cruzamento entre esses territórios, propondo leituras conceituais
mais abstratas e abrangentes dos resultados (ex: relação entre os agentes de
influência e as etapas da trajetória de formação).
91
4.0 RESULTADOS
Nessa seção serão apresentados os principais resultados encontrados a partir
da análise das entrevistas e do cruzamento com a literatura discutida anteriormente.
Após contextualização dos significados atribuídos à maquiagem e práticas de
consumo dos entrevistados em cada categoria (consumidores expert, maquiadores e
blogueiras), será discutido o papel de cada agente de socialização nos diferentes
caminhos percorridos por esses jovens em seu crescente contato e evolução das
habilidades em maquiagem. Por fim, serão discutidas as dinâmicas de influência
desses consumidores e sua atuação enquanto prossumidores.
4.1 Contextualização dos Consumidores Habilidosos
Uma vez que escolha dos entrevistados para esse trabalho ocorreu de forma
conceitual, iniciaremos com uma caracterização empírica dos três grupos
pesquisados. Serão apresentados os significados atribuídos à maquiagem bem
como as diferentes práticas de consumo. De acordo com as informações levantadas
a partir das entrevistas, vídeos enviados pelos próprios entrevistados e conversas
através de aplicativos de mensagens instantâneas (Whatsapp), foi possível
identificar semelhanças e diferenças para além das categorias em que foram
conceitualmente divididos, que veremos a seguir.
Consumidor (a) Expert
O consumidor expert é aquele que possui conhecimentos avançados sobre
maquiagem, diferenciando-o dos consumidores comuns. Para esse grupo, foi
possível perceber uma forte relação entre o uso de maquiagem e a questão da
beleza e da autoestima, o que vai de encontro à questão da valorização da beleza
apontada por Bloch e Richins (1992) como resultado da relação encontrada entre a
atratividade do indivíduo, a autoestima e as respostas positivas recebidas dos
outros. Ou seja, em busca de uma sensação pessoal de bem-estar com a própria
imagem e de um reconhecimento social positivo dos outros, os entrevistados
utilizam a maquiagem como um grande artifício na busca da beleza, seja no intuito
de disfarçar imperfeições ou problemas na pele como espinhas ou olheiras ou para
amenizar mudanças que começam a ocorrer no rosto com a passagem do tempo:
92
“Hoje a importância da maquiagem é 100% porque eu não tenho mais 20 anos, e além de eu não ter mais 20 anos, está evidente o que caiu e onde vai cair. Também tem a questão de aparência mesmo (...) normalmente eu estou pelo menos com um rímel e um corretivo. Como eu tenho olheira, não dá para sair de casa sem corretivo.”. (Camila, 32 anos, secretária executiva, consumidora expert)
O rosto sem maquiagem pode se tornar um motivo de incômodo, e a
maquiagem atua como um agente de mudança na forma como o jovem se enxerga.
Luisa (25 anos) explica: “Com maquiagem eu me sinto mais bonita, mais confiante.
Você está normal e eu falo “nossa, estou horrível” daí passo maquiagem “agora deu
uma melhorada”.”.
Apesar disso, a relação das entrevistadas com a maquiagem parece ser
muito pessoal e ainda que possa existir um julgamento daquelas que não usam
maquiagem, esse aparece de forma muito sutil, geralmente associado a um
desconhecimento dos benefícios da maquiagem ou ainda estar relacionado a
questões de autoestima, numa visão compartilhada por jovens dos três grupos:
“Às vezes eu fico olhando a pessoa e tenho a impressão “será que a pessoa está meio borococho e por isso não se maquia?” porque não existe mulher que faça uma maquiagem, se olhe no espelho e não dê um gás. Às vezes eu olho para aquela pessoa e fico imaginando que é a correria e tal, fico imaginando a pessoa como ela estaria se estivesse maquiada, mas eu também fico pensando que talvez ela esteja daquele jeito porque ela não está bem, que ela está mal.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)
“(As mulheres que não se maquiam) é porque elas não descobriram a maquiagem ainda. Porque qualquer pessoa fica tão mais bonita e tem gente que não quer ficar tão mais bonita para o dia-dia, preferem sobressair mais num dia de festa.” (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)
É possível perceber que de acordo com as entrevistadas (mesmo entre
aquelas que não estão sempre maquiadas) o uso da maquiagem sempre traz
benefícios e toda mulher que sabe usar os produtos corretamente consegue
perceber como fica “mais bonita” com eles. Se a mulher não usa, as principais
93
razões apontadas seriam: (1) a pessoa não sabe usar, (2) está triste ou com algum
problema pessoal (3) ainda não percebeu os benefícios da maquiagem.
De todos os entrevistados, apenas Camila (32 anos) declara sentir um grande
incômodo com pessoas que não se maquiam, o que a faz às vezes tomar uma
postura mais ativa de incentivo aos cuidados pessoais. Apesar de pontuar que não
se vê como diferente ou especial por se maquiar, principalmente no trabalho (onde é
uma das únicas que se maquia), Camila diz se incomodar quando vê uma mulher
que é bonita e nunca usa maquiagem ou protetor solar, que para ela é de uso
essencial.
“...se a pessoa não usa protetor solar é um alienígena, porque eu me incomodo com isso, essa falta completa de vaidade numa mulher, não numa menina, porque na menina é justificável. Mas numa mulher às vezes isso me incomoda, porque a pessoa não usa uma maquiagem, está com a olheira gritando e não faz nada. Às vezes incomoda. Quando eu tenho uma certa intimidade eu falo “vamos começar a usar uns negócios?”, e normalmente eu descubro que a pessoa morre de medo porque nunca acerta tom de pele.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)
Sobre a sua rotina de maquiagem, Camila e Luisa carregam todos os dias
uma nécessaire com alguns produtos que servem para fazer e retocar tanto uma
maquiagem de dia a dia quanto para sair à noite. Esses produtos incluem base, pó,
corretivo, blush, rímel, batons, sombras e pincéis. No caso de Luisa, ela leva ainda
um delineador com pincel e perfume.
Figura 8 – Nécessaire e produtos de Camila
94
Figura 9 – Nécessaire e produtos de Luisa
O caso de Axel é um pouco diferente das outras jovens, uma vez que no dia-
a-dia ele utiliza poucos produtos (pó translúcido, máscara incolor para cílios e
protetor labial) mas nos fins de semana ou em alguns eventos especiais ele “se
transforma” para personificar uma personagem “drag queen” de sua criação,
chamada de Miss Nyx. Nesse momento então são utilizados base, paleta de
corretivos, pó translúcido, máscara para cílios a prova d'água e batom. A
sobrancelha e os traços do rosto são modificados para parecerem mais femininos e
ele usa roupas e maquiagem que adquire especialmente para essa finalidade.
Em relação aos itinerários de consumo, dois comportamentos de compra
distintos foram percebidos entre os entrevistados nas três categorias (consumidores
expert, maquiadores e blogueiros). É interessante notar que essa diferença
demonstra os efeitos da diferença de poder aquisitivo no comportamento de compra,
já que no grupo pesquisado encontramos jovens com diferentes níveis de
escolaridade e poder aquisitivo.
Para os três entrevistados (consumidores expert), a compra de maquiagem é
encarada como um processo a ser percorrido de forma individual e sem pressa.
Camila e Axel escolhem um determinado dia para “sair para comprar maquiagem” e
geralmente vão de ônibus. Embora saibam alguns dos produtos que querem testar
nas lojas, eles vão mais abertos a conhecer novos produtos. Ambos ressaltam a
importância de testar produtos na própria pele (como bases e corretivos) e aguardar
um certo tempo para perceber o efeito do produto.
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“Qualquer coisa que você vá fazer que seja base e pele, você tem que experimentar, foi uma das coisas que eu aprendi. Eu errei muito, gastei muito dinheiro com porcaria e errava o tom. (...) Quando eu vou comprar maquiagem, eu saio de casa sem maquiar, só com o meu BB Cream, porque se eu uso esse BB cream, eu tenho que ver como a maquiagem vai se comportar com a pele com ele, tem que testar na pele porque eu não saio de casa sem protetor solar. (...) Tenho que saber como a base, a pó e a maquiagem vão ficar com aquele produto.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)
“Você tem que pegar uma quantidade razoável de base, passar em uma parte do rosto, comparar com a sua pele e ficar com ela para ver. Eu fico andando no shopping que nem um maluco, eu vou no O Boticário, eu pinto a cara toda com mil coisas e vou para a praça de alimentação lanchar, com a cara de 300 cores diferentes, aí todo mundo fica olhando para minha cara pensando que eu sou maluco. Aí depois eu volto lá, olho de novo, tiro tudo e vejo qual vou levar.” (Axel, 21 anos, gerente de loja e consumidor expert)
Já no caso de Luisa, a jovem diz somente usar maquiagens importadas que
adquire quando viaja para o exterior ou quando amigos e familiares trazem para ela.
Sobre os poucos produtos nacionais encontrados entre a sua maquiagem, ela conta
terem sido presentes que nunca usa. A jovem afirma que quando chega à loja não
gosta de experimentar e compra diretamente: “Não consigo “gostei disso, vou ver e
depois...” não, eu gostei e pego. Nem experimento.”. Luisa conta ainda que aceita
sugestões do vendedor. “Eu aceito, porque eles vendem todo dia e tem mais
convivência do que eu, então tecnicamente eles devem saber mais.”. Ela conta
ainda que os vendedores são capazes de influenciá-la a comprar mais do que ela se
propôs inicialmente; ao perceber isso, ela às vezes tem que “fugir” deles. “Eu aceito
as coisas, caio no golpe. Quando eu estava em Londres eu falei “quero esse” e ele
“mas tem esse vermelho maravilhoso” “moço, muito caro, só vou levar esse, não me
oferece nada, não quero ver mais nada” é tipo isso, porque eu fico tentada.”.
Sobre as sugestões dos vendedores, Axel diz que não confia na opinião, já
que acha que o objetivo deles é puramente ganhar comissão, enquanto Camila diz
aceitar sugestões desde que o vendedor fale “a língua da maquiagem”:
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“O bom vendedor me ganha. E aí eu acho que é uma coisa que acho extremamente importante numa loja de maquiagem. Pra você ser vendedor de maquiagem você não precisa estar só maquiada, você tem que entender de maquiagem e saber dizer a diferença de um produto pro outro. Porque se você pega uma vendedora como eu, eu vou chegar lá e vou falar: "eu quero um rímel com textura mousse, que seja a prova d'água e com bico de ouriço. Se você não souber o que é, e eu sei na hora que a pessoa não sabe. Então qualquer coisa que ela vier sugerir eu não vou confiar, porque eu entendo mais do que ela. (...) Tem que falar a língua da maquiagem.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)
Sobre a frequência de compra, Axel (21 anos) conta que costuma comprar
maquiagem toda semana no dia da sua folga. Já Camila costuma ganhar produtos
da mãe e das amigas, então ela compra maquiagem apenas eventualmente, quando
os produtos que ela gosta acabam totalmente (já que ela corta as embalagens para
usar até o final). Para ela, comprar maquiagem “é um acontecimento” e precisa de
um dia reservado apenas para essa atividade. Axel (21 anos) também diz comprar
muita maquiagem pela internet através de sites “da China”, que entregam
maquiagens muito baratas. Ele diz que todo mês gasta pelo menos 50 dólares
nesses sites comprando roupas, maquiagem e perucas para a sua personagem drag
queen.
Embora afirme que a qualidade desse tipo de produto é muito inferior, Camila
diz ter alguns produtos “China”, expressão que ela utiliza para denominar “toda
maquiagem vagabunda que você compra no camelô”. O lápis que ela usa para
corrigir a sobrancelha por exemplo “é China”, mas ela diz que produtos para a pele
têm que ser de marcas boas, com qualidade.
Outra questão trazida por Luisa foi a compra por impulso. Ela se define como
“muito influenciável”, e além das dicas de blogueiras Luisa costuma aceitar
sugestões de pessoas próximas sobre produtos para experimentar: “Se alguém me
fala que é bom eu já falo que vou comprar, sou super influenciável. Se alguém fala
que é maravilhoso, e eu estou precisando, vou testar.”. Como ela acaba comprando
muita coisa, muitos produtos importados acabam sendo pouco utilizados, mas ela os
mostra com orgulho por sua beleza (ainda que pela embalagem). “Eu tenho uma
sombra maravilhosa da Chanel que foi mega cara, e eu usei uma vez. Daqui a
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pouco o negócio estraga e eu usei uma vez, é super linda.”. “Essa daqui é uma
paleta que você mesma constrói, da MAC, daí quando eu era mais nova eu comprei
e adorei essa roxa, mas nunca usei” (Figura 10).
Figura 10 – Paleta MAC de Luisa quase nunca utilizada
Luisa mostra ainda um batom (Figura 11) que comprou por impulso em
Londres (“a embalagem vende muito para mim”) e uma paleta da Urban Decay que
ela comprou por acender a luz quando aberta (Figura 12).
“Eu comprei um batom, que eu não sei onde eu vi, mas eu achei maravilhoso e precisei comprar. Eu estava Londres e gastei 60 libras num batom, assalto, mas ele é maravilhoso. Você está numa night e pega isso, o poder.”. (Luisa, 25 anos, relações internacionais e consumidora expert, grifo nosso)
“Esse aqui é muito bonito, abre e acendia a luz, lindo. Eu não uso cor, mas eu comprei e olha que lindo. Eu não uso isso, no máximo preto, mais básico. Eu sou muito básica para maquiagem no sentido de cor, prefiro tom neutro, até roxo para esfumaçar às vezes vai, mas isso aqui eu não vou usar nunca.”. (Luisa, 25 anos, relações internacionais e consumidora expert)
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Figura 11 –Batom do “poder”
Figura 12 – Conjunto de sombras que “acendia a luz” de Luisa
As maquiagens costumam ficar guardadas no armário do próprio quarto. O
local de maquiagem costuma ser no banheiro ou no próprio quarto (com a ajuda de
um espelho), mas algumas entrevistadas afirmam que hoje conseguem se maquiar
em qualquer lugar. Camila conta inclusive que assistiu a um tutorial na internet que
ensina técnicas para se maquiar no carro ou no ônibus em movimento. Já em
relação ao descarte de produtos, as entrevistadas tendem a doar produtos que não
vão usar (seja por que não gostaram ou porque o tom é diferente).
Axel resume as principais formas de descarte de produtos ao ser questionado
sobre o que já fez com produtos que tinha e não usava: “Dei para alguma amiga,
troquei por algum batom, vendi para alguém.”. No entanto, algumas entrevistadas
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comentam que já tiveram produtos que ficaram um longo tempo abandonados no
armário ou na nécessaire sem uso. Camila chega a comentar que já teve um
“cemitério de produtos”, mas que hoje joga fora (se já estão impróprios para uso) ou
doa para outras pessoas. “Já cheguei numa época que eu não fico guardando as
coisas que eu não vou usar, faço doação.”.
Esse termo “cemitério de produtos” é utilizado também por Casotti, Suarez e
Campos (2008) para discutir o estoque de produtos pouco ou nunca utilizados que
as mulheres guardam em estojos ou gavetas e que muitas vezes não são
descartados. Para as entrevistadas nesse trabalho, porém, hoje em dia guardar
produtos que não são utilizados é algo que deve ser evitado, por isso sempre que
têm uma chance elas doam os produtos para amigas ou familiares que se
interessam.
Com exceção de Axel, que diz sempre emprestar maquiagem, as demais
entrevistadas declaram nunca emprestar seus produtos. Luisa e Camila se definem
como egoístas mas dizem não se importar com isso. Luisa chega a dizer que essa
postura existe mesmo dentro da sua família. “Lá em casa a gente é meio egoísta
com as coisas, cada um tem sua maquiagem.”. O empréstimo quando ocorre com a
família ou amigos é para uso imediato, então a pessoa usa em certo momento e
logo depois devolve. Já Camila diz “Eu pego dos outros, mas ninguém pode pegar o
meu. Sou extremamente egoísta.”.
Maquiadores
“Mil por cento da minha vida é maquiagem.” (Erica, 34 anos)
Os maquiadores são consumidores com conhecimentos avançados em
maquiagem que decidiram investir na sua habilidade para transformá-la em
profissão. Apesar de enxergarem a maquiagem para fins pessoais e profissionais, é
possível identificar algumas semelhanças com os outros grupos pesquisados no que
se refere aos significados e práticas de consumo.
Assim como Camila (32 anos), Erica (34 anos) afirma que se maquia todos os
dias e só não utiliza maquiagem quando vai dormir ou quando está tomando banho.
100
“Vou para academia maquiada, vou para a padaria maquiada. Se tiver que ir à
portaria buscar uma encomenda, vou passar uma base no rosto.”. Já no caso de
Fabiana (35 anos), sua relação com a maquiagem hoje é um pouco diferente, e
embora costumasse se maquiar com grande freqüência, ela conta que tinha uma
“dependência” com a maquiagem para sentir-se bem consigo mesma e que
posteriormente passou a lidar de com isso forma diferente.
“Eu me sinto bem maquiada, mas eu não sou escrava, não sou refém da maquiagem. Já fui. Eu não ia na padaria se eu não usasse maquiagem.(...) Eu precisava me maquiar todos os dias sempre. Eu me maquiava para ficar em casa, para você ter uma ideia. Mas aos poucos, não sei se por trabalhar ou então até mesmo a rotina do dia a dia que você vai ficando mais cansada, hoje eu já me permito sair sem maquiagem.” (Fabiana, 35 anos, maquiadora, grifo nosso)
No caso de Daniel, embora costumasse usar lápis de olho, base e corretivo
quando adolescente, hoje o maquiador afirma utilizar pouca maquiagem, seja no dia
a dia ou para sair no fim de semana e em ocasiões especiais. “Muito difícil porque a
gente depois que começa a tratar dos outros fica um pouco sem paciência para
fazer para a gente.”, ele conta. Para o dia a dia ele usa protetor solar e um pó com
tom mais escuro que sua pele para fazer a marcação do rosto e por último um BB
Cream “levinho”.
Fabiana traz ainda um novo fator para o uso de maquiagem ao apontar que
as redes sociais acabam trazendo uma “obrigação” de usar maquiagem para que a
pessoa saia bem nas fotos. “Rede social te obrigou a se maquiar praticamente. É
muita selfie, muita foto, e quando você não posta as pessoas te marcam. Você corre
o risco de não estar bem.”. Assim, ainda que não use maquiagem durante a semana
para trabalhar, Fabiana geralmente se maquia quando vai sair “para estar
preparada” para essa exposição na internet.
Dos três maquiadores entrevistados, apenas Erica utiliza maquiagem
diariamente. Como utiliza fixador após a maquiagem, Erica conta que só leva uma
bolsinha com maquiagem quando sabe que vai precisar modificar a maquiagem para
alguma ocasião. “Vou para o trabalho, se depois eu vou sair para jantar ou algum
outro lugar, aí eu tiro a maquiagem toda, faço uma maquiagem mais elaborada, mais
bonita, pele mais bem feita, enfim. Para o dia a dia não carrego não.”.
101
Em caso de viagem, há uma grande preocupação com a possibilidade de
furto ou dano à maquiagem, e a bolsinha com as maquiagens (que são adequadas
ao clima e ao tipo de passeio que será feito) costuma ser levada na bagagem de
mão por todos os entrevistados nessa pesquisa. Erica conta inclusive sobre uma
ocasião em que teve as maquiagens furtadas:
“Quando morei na Nova Zelândia, morei lá durante 1 ano, fui acampar uma vez e deixei as coisas dentro do carro, minha mala inteira dentro do carro, minha bolsa a tiracolo também, tudo dentro do carro e fui dormir na barraquinha do lado do carro. Arrombaram meu carro e roubaram minha mala. Dentro da minha mala além de estarem todos os meus documentos, passaporte e tudo, estava minha bolsinha de maquiagem. Quando eu acordei "o que? Cadê minha maquiagem?", as pessoas "roubaram seu dinheiro, seu passaporte e você está preocupada com a sua maquiagem?", "fico sem comer, mas sem maquiagem eu não fico", peguei dinheiro emprestado, a primeira coisa que eu fiz foi entrar numa farmácia e comprar minha maquiagem toda.” (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)
Nessa ocasião, Erica conta ainda que pediu para uma amiga que trabalhava
para uma grande marca de maquiagem e cosméticos que enviasse para a Nova
Zelândia as maquiagens que ela costumava usar, e em uma semana ela repôs todos
os seus produtos.
Em relação aos itinerários de consumo, os comportamentos mostram
algumas semelhanças e diferenças com os outros grupos. O pertencimento a
classes mais afluentes ou a classes populares determinaram mais os padrões de
consumo de maquiagem do que o perfil de consumidor habilidoso (expert,
maquiadora ou blogueira). Erica (maquiadora), Luisa (consumidora expert) e Janaina
(blogueira) acreditam que as maquiagens importadas são muito superiores às
nacionais e por isso preferem esperar para comprar quando viajam (normalmente
uma vez ao ano) para conseguir preços melhores, já que em sua opinião como os
produtos importados chegam ao país com uma alta carga de impostos “acaba não
compensando” a sua aquisição aqui.
É interessante notar, entretanto, que através dos vídeos enviados ou durante
a entrevista na residência foi possível perceber que as três entrevistadas possuem
guardados alguns produtos nacionais, principalmente das marcas Contém 1g e
Quem Disse Berenice. Ao serem confrontadas com essa questão, todas justificam
102
que são produtos que ganharam de presente (sombras encontradas na casa de
Luisa), gratuitamente em promoções (batons de Janaina) ou exceções em relação à
qualidade dos demais (limpador de pincéis e corretivo de sobrancelhas que Erica diz
serem bons, “ao contrário dos demais produtos”).
Como costumam comprar maquiagens em viagens ao exterior, normalmente
antes elas fazem uma lista dos produtos que desejam testar e adquirir baseada na
reposição de produtos que acabaram e em novos produtos que foram sugeridos por
amigas, blogueiras ou que vieram de pesquisas na internet. Por estarem em outro
local, a ida até a loja acaba sendo através de um carro alugado, táxi ou ainda
utilizando transporte público. Já o momento da compra costuma ser uma ocasião
particular e os companheiros geralmente esperam do lado de fora ou aproveitam
para ir a outros lugares. “Meu marido já sabe que é o meu momento da viagem, ele
vai me deixar ali e vai viver a vida, vai passear.”, conta Erica. Ao chegarem lá, ela
costuma testar vários produtos, principalmente para a pele:
“Chego na Sephora, tiro a maquiagem toda e começo a experimentar, tiro e boto, tiro e boto. (...) Gosto de testar muitos produtos. Gosto de botar a base de um lado do rosto, outra base que já gosto muito do outro lado do rosto e fico andando na loja para ver quanto tempo ela vai ficar, qual é a diferença dela, enfim, como ela fica na pele, como sua pele vai responder depois que ela secar. Uma coisa é você passar a base e ver se ela é do seu tom, mas você não sabe como ela vai funcionar daqui a pouco quando ela secar.” (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)
No caso dos maquiadores Fabiana e Daniel, consumidores de classes
populares, geralmente eles vão de carro ou de ônibus para um shopping da cidade
onde encontram várias lojas de maquiagem importadas e nacionais. Assim como
outras entrevistadas, Fabiana diz que gosta de esperar para ver o efeito horas
depois, mas muitas vezes faz esse processo em dois dias, testando vários produtos
no primeiro dia e voltando no dia seguinte para comprar. “Sombra e essas coisas na
hora você já vê se é bonito e se dá para você comprar. Agora, base, corretivo e até
batom, delineador, lápis de olho, eu gosto de testar e voltar depois.”. Já Daniel testa
a maquiagem no pulso e muitas vezes na própria vendedora, para ver o efeito na
pele feminina. Sobre as sugestões dos vendedores, Fabiana e Daniel gostam e
103
aceitam sugestões daqueles que estão no dia a dia em contato direto com várias
marcas, enquanto Erica é mais relutante em aceitar as opiniões do vendedor, pois
diz geralmente já saber exatamente o que quer testar e comprar.
Em relação ao local que os produtos ficam alocados, os produtos pessoais e
os produtos que são utilizados profissionalmente são distintos e guardados em
locais separados. A maquiagem pessoal pode ficar no banheiro, nas gavetas ou no
armário, onde os produtos ficam misturados. Ao levarmos em consideração as
regras e normas que regem a dinâmica de comportamento do consumidor conforme
sugerem Béji-Bécheur e Campos (2008) é interessante notar que as maquiagens
não costumam ficar à vista, sendo guardadas em gavetas e armários.
Já o material de trabalho dos maquiadores fica em maletas onde os produtos
estão organizados em compartimentos ou nécessaires e separados por tipo de
produto (batons, rímeis, sombras, produtos para a pele, etc.).
Figura 13 – Maleta de trabalho de Erica com maquiagens e produtos para fazer penteados
104
Figura 14 – Conjunto de pincéis de Erica
Figura 15 – Produtos para a pele em uma bolsa específica
Pode haver inclusive uma diferenciação nas marcas que são utilizadas, como
relata Fabiana ao comentar que usa produtos mais simples e baratos e mantém os
produtos importados para usar em suas clientes:
“A minha nécessaire de maquiagem é a minha nécessaire de maquiagem. Eu tenho tudo ali. Minha base, meu pó, meu rímel, tudo, não uso nada que eu uso nas clientes. Os meus são todos vagabundos, de xing
105
ling, a não ser que eu vou para um casamento e quero aquele glitter lindo, quero aquele rímel 24h, não vou dizer que não uso, então vou lá e dou uma usada. Eu pego emprestada de mim mesma. O que acontece? Se eu ficar usando vai acabar, e outra, tem o lance pessoal, então eu prefiro não usar.” (Fabiana, 35 anos, maquiadora)
Fabiana (35 anos) também levanta a questão da importância das marcas
utilizadas por uma maquiadora para a sua credibilidade enquanto profissional.
Apesar de achar algumas marcas nacionais muito boas (em termo de qualidade), ela
acaba tendo que ter muitos produtos importados. “Eu preciso ter marcas na minha
bolsa, e se uma cliente olha um blush da Avon na minha bolsa eu não vou ter tanta
credibilidade assim, mas isso não quer dizer que a maquiagem da Avon é ruim.”.
“Então você come arroz e feijão a semana inteira, mas vai comprar seu pó da Shiseido, vai comprar sua base da Lancôme, vai gastar o seu dinheiro com Dior, mas não vai assumir para ninguém que você usa Avon, Mary Kay.” (Fabiana, 35 anos, maquiadora)
Já Daniel (29 anos) conta que sua primeira maleta de maquiagem completa
para trabalhar como maquiador foi composta de produtos da Avon comprados com o
auxílio financeiro de uma tia, e essa foi sua maleta de trabalho durante três anos. Ao
se mudar para o Rio de Janeiro, ele conta que jogou a maleta fora e começou a
pedir para que amigos trouxessem produtos de fora, montando aos poucos uma
nova maleta. Hoje ele ainda pede que os amigos tragam produtos importados, mas
também compra por aqui em lojas como a Sephora e usa alguns produtos
considerados “mais populares” como Mary Kay, apesar de afirmar que há uma
diferença entre como essa marca é vista no Rio de Janeiro e em São Paulo. Assim
como Fabiana, ele afirma que em geral as marcas nacionais são mal vistas pelas
mulheres que contratam maquiadores.
106
Figura 16 – Uma das três maletas de maquiagem de Daniel
O local de maquiagem costuma ser no quarto, no banheiro ou mesmo na sala.
No caso de Daniel, por exemplo, ele transformou a sala de seu apartamento em um
salão de beleza, que ele chama de “ateliê” (Figura 17). Para Erica, o local de
maquiagem é de grande importância, e por isso ela conta que ao se mudar para o
apartamento atual mandou fazer um espelho com uma iluminação ideal para fazer
maquiagem. Erica relata que pesquisou em vários lugares na internet e juntou as
informações para projetar o espelho com as luzes (Figura 18).
107
Figura 17– Salão de Daniel montado na sala da própria casa
Figura 18 – O espelho de Erica para fazer maquiagens
Blogueiras
As blogueiras são jovens que decidiram compartilhar seu conhecimento e
opiniões pessoais sobre determinado assunto com outras pessoas através das
redes sociais, o que as permite alcançar uma audiência de nível global. Para os fins
desse trabalho, buscou-se analisar a trajetória de duas blogueiras, sendo uma já
considerada famosa e outra ainda não conhecida. Assim, ao procurarmos trajetórias
e significados de consumo, deparamo-nos também com motivações e discussões
sobre a criação de um blog.
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Apesar de ressaltar que gosta muito de maquiagem, Janaina também conta
que hoje se relaciona de outra forma com maquiagem. A jovem afirma que
costumava associar o rosto sem maquiagem a “cara de doente” e não se reconhecia
sem estar maquiada.
“Minha relação com maquiagem mudou muito da época da faculdade para depois que me mudei aqui para o Rio. Meio que me escondia, eu tinha muita vergonha de minhas olheiras, de espinhas, eu usava aquilo... Eu não me reconhecia sem delineador. Todo mundo na faculdade só me via de delineador. Lembro que teve um dia que cheguei lá sem maquiagem, aí um cara do departamento falou "está tudo bem? Você está doente?", "viu, por isso tenho que usar maquiagem!”, porque eu ficava com cara de doente quando estava sem maquiagem. Para quem só me via de maquiagem, eu sem era eu com algum problema. Eu usava demais.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
Janaina conta que sua relação com a maquiagem começou a mudar quando
ela teve que ficar sem usar maquiagem nenhuma por um tempo por conta de uma
reação a um produto, e esse período fez com que ela reavaliasse como se sentia em
relação à maquiagem e sobre a necessidade de se maquiar todos os dias.
“...eu parei de usar todas as maquiagens pra ver se sarava, para ver o que era. Parei e usei ele de novo, deu espinha de novo, não igual antes, mas deu, eu falei "ah, é isso". Mas eu já tinha ficado um tempão sem usar maquiagem, indo para vários lugares sem maquiagem e não morri, nem me senti feia, falei: ah, não precisa. Daí comecei a fazer essa coisa de usar como se fosse um acessório.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
É interessante notar que enquanto no caso de Erica um problema de pele
desencadeou o início do uso de maquiagem, o problema de Janaina fez com que ela
reavaliasse sua relação com a maquiagem e a autoestima ao sentir-se bem mesmo
sem estar maquiada. Apesar de ainda gostar muito de maquiagem, para Janaina
hoje maquiagem é um acessório que ela escolhe quando usar.
“Tem roupa que você usa quando está mais relaxada e tem roupa que você usa mais quando você vai numa festa, maquiagem funciona mais ou menos assim, pra mim é um acessório. Uso quando estou a fim também. (...) É a minha relação com maquiagem. (...) Quando é uma festa não vou de forma alguma sem maquiagem, mas no dia a dia, eu posso
109
escolher um dia ir ao mercado de maquiagem e posso escolher ir ao shopping sem maquiagem.(...) Depende muito do meu humor.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
Sobre os itinerários de consumo, o comportamento de Janaina é semelhante
ao de Erica e Luisa. A jovem só compra maquiagem quando viaja para o exterior,
mas como já sabe os produtos que gosta costuma apenas repor seus produtos
favoritos. Através do vídeo enviado pela jovem após uma viagem aos Estados
Unidos, Janaina mostra que comprou duas ou mais unidades dos seus produtos
favoritos para que tenha “estoque” suficiente até a próxima viagem. Ela também
aproveita para comprar “produtos de farmácia” para testar, pois são mais baratos e
em sua opinião são ainda melhores que os de marcas brasileiras. Antes da viagem,
Janaina costuma pesquisar o preço dos produtos que deseja comprar e muitas
vezes até compra pela internet para ser enviado para o hotel onde está hospedada.
Porém, quando se trata de um produto novo geralmente indicado por alguma
blogueira, ela prefere testar na loja antes de comprar.
Já no caso de Bianca Andrade, a jovem conta que quando mais nova não
tinha condições de comprar produtos “de marca” e acabava comprando vários
produtos “no Saara”, região popular de compras no Rio de Janeiro. O seu grande
diferencial das outras blogueiras deveu-se justamente em apontar produtos
populares que se assemelhavam a produtos importados mais caros, que ela chama
de “primo baratinho”. Atualmente, enquanto blogueira em ascensão, Bianca recebe
frequentemente maquiagens de várias marcas e conta que só compra de vez em
quando algum produto para repor um favorito que acabou, mas que isso está
acontecendo cada vez menos, já que ganha muitas coisas.
Mas o que leva afinal uma jovem a resolver criar um blog? Através da
entrevista de Janaina e da análise das publicações do blog de Bianca Andrade é
possível apontar algumas motivações para a criação dessas comunidades virtuais. A
primeira é a de nível mais individual, sendo que o blog vem do desejo do jovem de
compartilhar suas opiniões a respeito de um ou mais assuntos. Nesse caso, o blog
está mais próximo de um “diário virtual” (EZAN, MALLET e ROUEN-MALLET, 2014)
do que de um canal com objetivos comerciais, como é o caso do blog de Janaina:
“Toda vez que alguém me pergunta "seu blog é de que?", é sobre mim, sobre a minha vida. Eu falo de
110
maquiagem que eu gosto, às vezes falo de música, às vezes falo só de alguma coisa que aconteceu na minha vida, de looks, não sei o que, mas é tudo referente a mim, aquele é o meu lugarzinho, onde eu público minhas coisas, nunca foi uma coisa muito comercial.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
Para Janaina o blog inicialmente era mais uma de suas redes sociais, já que a
designer de interiores conta que sempre gostou de criar e participar de comunidades
online. Essa necessidade de experimentação e busca de pertencimento vai de
encontro aos estudos de Ezan, Mallet e Rouen-Mallet (2014) sobre os nativos
digitais, jovens que estão vivenciando novas experiências através da interação
proporcionada pelas mídias sociais e facilitada pelos novos dispositivos portáteis
(como tablets e celulares). Janaina não pensava no blog como profissão, então as
postagens não eram regulares e ela falava sobre qualquer assunto do seu interesse.
“Tive todas as redes sociais que você pode imaginar. Tive Life Journal, My Space, tive tudo, desde adolescente eu era a nerd da minha turma com relação a redes sociais. (...) sempre tive coisas de colocar conteúdo na internet e quando comecei a ver esses youtubes, quando comecei a me maquiar e tal, eu tive vontade na época porque era mais uma comunidade que você fazia parte, só que você colocava os seus vídeos.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
Além disso, é importante destacar que Janaina considera que há uma
diferença entre “ser uma blogueira” e “ter um blog”. “Blogueira para mim é aquela
pessoa que tem o blog, ganha dinheiro, eu me sinto até meio intrusa quando alguém
fala que sou blogueira. Não gente, não sou blogueira, eu tenho um blog. Tem uma
diferença sabe?”. Como o blog dela ainda tem poucos seguidores, Janaina ainda
não consegue ganhar quase nada com ele e tem dificuldade em se considerar
blogueira.
A segunda motivação para a criação do blog seria a sugestão de amigos ou
parceiros (como namorados e maridos), nesse caso geralmente para que o jovem
compartilhe a sua expertise sobre determinado assunto, já reconhecido pelos outros.
No caso de Bianca, a blogueira conta em um dos seus vídeos4 que costumava tirar
4Vídeo Minha História com o blog | Como comecei? | #Último VEDA. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=yNORMYoSK94>. Acesso em 05 de Janeiro de 2016.
111
fotos das maquiagens que fazia e então postava no Orkut (a primeira rede social de
grande sucesso), e com isso ela recebia vários comentários e recados nessa rede
social, o que, segundo ela, “começou um barulhinho” em torno dela e de sua
habilidade para maquiagem.
Como ela costumava dar várias dicas de maquiagem para as suas amigas de
escola e adorava o blog de Andreza Goulart, as amigas começaram a sugerir que
Bianca criasse seu próprio blog. Com a ajuda de seu namorado, que fez o layout e a
ajudou com as questões técnicas, ela então lançou o seu primeiro blog chamado
“Bianca Andrade makeup”. Apesar de admirar as blogueiras que já eram conhecidas
na época, Bianca diz que no início não tinha grandes pretensões com o blog. Como
morava em uma comunidade onde “todo mundo se conhece” e “todo mundo sabe da
vida de todo mundo” e ainda estava na escola, muitas pessoas próximas sabiam da
existência do blog. Ela postava as fotos das suas maquiagens no blog e divulgava
no Orkut, e as pessoas próximas acabavam contribuindo para a sua divulgação
inicial, indicando para outras pessoas: “Uma menina fala para a outra: você viu o
Orkut daquela menina que posta maquiagem?”.
Ao perceber então que as demais blogueiras não falavam de marcas mais
baratas e populares e só usavam marcas mais caras (como MAC) ela começou dar
enfoque nas “dicas baratinhas” no seu próprio blog, o que criou um diferencial em
relação aos blogs existentes (Figura 19). Com o passar do tempo, tanto as amigas
de Bianca quanto outras meninas seguidoras do blog começaram a sugerir que ela
fizesse vídeos com o passo a passo das maquiagens ao invés de apenas postar
fotos. Bianca então criou um canal no Youtube e comprou uma câmera para
começar a filmar seus tutoriais de maquiagem.
112
Figura 19 – Postagem do “primo baratinho” no blog Boca Rosa em 28/05/16
Bianca conta que as pessoas que a seguiam no blog foram para o canal do
Youtube, o blog foi crescendo aos poucos e na primeira Beauty Fair (Feira
Internacional de Beleza Profissional) que Bianca compareceu ela conheceu outras
blogueiras e a própria Andreza Goulart, que a ajudou a montar o seu primeiro media
kit e a ensinou como e quanto cobrar por vídeos, inserções e parcerias com lojas e
marcas que começavam a procurá-la. Nesse caso, portanto, percebe-se que a
blogueira Andreza Goulart serviu como um importante agente de socialização para
Bianca no seu desenvolvimento enquanto blogueira, uma vez que ela serviu de
influência primeiro para o próprio aprendizado de Bianca sobre maquiagem, depois
para a criação de um blog e posteriormente contribuiu para o aprendizado direto
sobre profissionalização do blog (divulgação, tabela de preços, etc.).
A partir de uma divulgação em um jornal local da comunidade, reportagens
sobre o blog apareceram no Jornal O Dia e no Jornal Meia Hora, até que Bianca foi
convidada para participar de uma matéria no programa Mais Você com outra
youtubber, Bruna Vieira. A partir do dia de exibição do programa em diante, Bianca
começou a receber uma série ligações de empresas propondo parcerias e o número
de seguidores teve um grande aumento, transformando o blog em um negócio de
sucesso que hoje é a atividade de tempo integral da jovem.
A terceira motivação, portanto, e que pode tanto ser uma motivação inicial
como um desdobramento das duas anteriores é o desejo de “ficar famoso”. Embora
isso tenha acontecido progressivamente com algumas blogueiras de sucesso como
113
Bianca, hoje muitos jovens começam seus blogs com esse objetivo, já que hoje são
muito divulgados os casos de sucesso de algumas blogueiras que se transformaram
em celebridades, seja participando de programas de TV ou como garotas-
propaganda de marcas de sucesso e ganhando muito dinheiro e benefícios (como
produtos e viagens grátis) através dos blogs.
Janaina (27 anos) inclusive critica esse tipo de postura comercial porque vê
que algumas blogueiras nacionais fazem muita “propaganda escondida”, já que
recebem os produtos de graça de algumas marcas e indicam nos seus posts
(postagens no blog) sem buscar conhecer outros que existem no mercado para
comparar. Na opinião dela, as blogueiras internacionais demonstram mais
claramente quando é um post comercial e muitas vezes mostram que elas mesmas
adquirem produtos de várias marcas para testar e opinar sobre eles. Para Janaina
isso confere mais credibilidade em relação à opinião delas sobre os produtos.
Apesar disso, a entrevistada não descarta o blog como uma “possibilidade de
negócio” e diz que recentemente decidiu investir mais no blog e no seu canal do
Youtube com novos vídeos, “só que dessa vez numa questão mais profissional,
então uso uma câmara muito melhor, tenho uma iluminação muito melhor, uma
captação de áudio melhor, uma edição trabalhada e tal”. No entanto ela afirma que a
seleção de conteúdos continua sendo dos assuntos escolhidos por ela e não com
enfoque num assunto específico. “Não faço porque as pessoas querem ver tutorial
de maquiagem e daí vou postar tutorial de maquiagem. Tem tutorial de maquiagem
em meu canal, mas continua sendo o meu canal e eu posto as coisas que eu quero
falar para as outras pessoas.”, ela conclui.
4.2 A participação dos agentes de socialização na formação do consumidor
habilidoso de maquiagem
Segundo Moschis e Churchill (1978) “o agente de socialização pode ser
qualquer pessoa ou organização envolvida diretamente na socialização em razão da
frequência de contato com aquele que está aprendendo” (p.600). Esses agentes,
que segundo os autores seriam principalmente família, pares e meios de
comunicação de massa seriam responsáveis pela transmissão de “normas, atitudes,
motivações e comportamentos” (p.600) durante suas interações com os indivíduos
em várias situações sociais. Como discutido anteriormente, essa aquisição de
114
comportamentos e processos cognitivos pode ocorrer através de vários mecanismos
como a imitação do comportamento do agente, reforço através de recompensa
(reforço positivo) ou punição (reforço negativo) e o processo de interação social, o
qual seria menos específico, podendo envolver mais de um dos mecanismos
anteriormente mencionados (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978).
Os agentes trazidos por Moschis e Churchill (1978) foram mencionados pelos
entrevistados e ainda atuam na formação desses consumidores, mesmo que em
diferentes graus de intensidade. Já a Internet, que não estava contemplada nesses
primeiros estudos sobre socialização e só passa a aparecer recentemente em
artigos sobre o assunto (SHIM, SERIDO e BARBER, 2011) possui um papel de
grande importância como agente de socialização na contemporaneidade e pode
sugerir importantes alterações na intensidade e na forma de ação dos agentes de
socialização como tradicionalmente se conhecia. A seguir, cada um desses agentes
será analisado segundo as entrevistas realizadas.
4.2.1 Família
A influência da família como agente de socialização dos jovens sobre o
consumo de maquiagem apareceu de formas diferentes do que o esperado
inicialmente com base na literatura analisada sobre socialização, que geralmente
aponta a família como um dos principais agentes de socialização (MOSCHIS, 1985;
CARLSON e GROSSBART, 1988; MOORE, WILKIE e LUTZ, 2002), principalmente
no que se refere ao papel dos pais. Nos casos analisados para esse estudo, a
influência familiar acaba resumindo-se basicamente à figura da mãe, o que pode ser
compreendido principalmente em razão do objeto de estudo ser maquiagem, um
tópico geralmente associado ao universo feminino. Além disso, segundo Minahan e
Huddleston (2013), mães geralmente desempenham um papel mais ativo na
educação para o consumo do que os pais, já que costumam ser responsáveis pela
maior parte (quando não a totalidade) das compras domésticas e costumam levar as
filhas para participar desses momentos de compra com muito mais frequência do
que ocorre com os filhos. Segundo os autores, nesses momentos é que seriam
compartilhados muitos ensinamentos, valores e atitudes relacionados a consumo.
A pesquisa sobre consumo de maquiagem, no entanto, apresenta algumas
particularidades em relação a outras categorias de consumo familiar. A diferença
115
está no fato de que para ser ensinado e compartilhado, geralmente pressupõe-se
que o comportamento deva existir no agente de socialização, mas, com exceção de
Luisa (25 anos), que conta que a mãe sempre soube se maquiar bem, os demais
entrevistados apontam que a mãe não sabia ou sabia muito pouco a respeito de
maquiagem, e por isso não tinham como ensinar tecnicamente muita coisa. Erica (34
anos) exemplifica: “Minha mãe não tem muita técnica, ela não conhece muito de
maquiagem. Ela simplesmente falava para passar base no rosto, eu ia e passava
base no rosto de qualquer jeito, não tinha técnica, não tinha nada.”. E mesmo no
caso de Luisa, o conhecimento técnico que a mãe possuía não foi ensinado para
ela, já que sua mãe nunca a maquiou e quando Luisa começou a usar maquiagem
para sair ela nunca se arrumava na casa da mãe, e sim na casa das amigas.
Dessa forma, a família pode exercer diferentes funções enquanto agente de
socialização, ainda que não seja através do ensinamento sobre o uso propriamente
dito dos produtos. Uma das primeiras funções pode ocorrer ainda na infância,
quando os produtos pessoais da mãe ou de outras pessoas da família são
encontrados e passam a fazer parte de brincadeiras, sendo os primeiros contatos da
criança com maquiagem. Nesse momento a função da mãe é a de primeiro exemplo
de modelo feminino, e seus produtos representam todo o acervo disponível no
universo do jovem. Erica (34 anos) chega a dizer “acho que já nasci maquiada”, pois
desde pequena já gostava de brincar com as maquiagens da sua mãe e da sua tia, e
essa era uma de suas brincadeiras favoritas:
“Lembro que quando era muito pequena (2/3 anos), tem foto minha toda maquiada igual uma palhaça, claro, mas com batom, sombra. Então sempre foi uma coisa que me interessou. Lembro das gavetas de maquiagem da minha mãe, da minha tia, que era pra mim igual parque de diversão, sempre foi. Não sei se é para toda menina ou de fato eu tenho uma relação.” (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)
Também no caso de Camila (33 anos, secretária executiva), as primeiras
lembranças em relação à maquiagem vêm das brincadeiras de maquiagem com a
prima, onde elas maquiavam bonecas e elas mesmas, utilizando maquiagem própria
para crianças e também maquiagens da mãe. “Minha prima teve uma boneca que
era só a cabeça da Xuxa, que tinha um estojinho e a gente ficava maquiando, e ela
ficava que nem uma bruxa e a gente achava aquilo lindo.”, conta Camila. “Eu
literalmente entrava no guarda roupa da minha mãe, amarrava lençol como se fosse
116
vestido, sapato e eu catava as maquiagens da minha mãe e ela quase me matava
quando eu fazia isso.”.
Já no caso de Fabiana (34 anos, maquiadora), ela era muitas vezes criticada
por sua mãe por não gostar desse tipo de brincadeira geralmente associada com
meninas. Fabiana conta que quando era criança sua mãe dizia que ela “parecia um
homenzinho”, pois tinha o cabelo curto, não gostava de bonecas e adorava jogar
bola. “Minha mãe falava “meu Deus, essa menina não é vaidosa, não gosta de um
brinco” e quando eu fui crescendo que eu fui mudando.”.
Na passagem para a adolescência, a relação mãe-filhos vai se
desenvolvendo e a mãe enquanto agente de socialização passa a atuar de duas
formas principais que podem acontecer de forma conjunta ou individual: através da
transmissão da importância da questão da vaidade e da autoestima e por meio do
acervo disponível de maquiagem para uso individual ou compartilhado. No primeiro
caso, a influência materna está relacionada à transmissão da importância do
cuidado pessoal e do sentir-se bem consigo mesmo.
Nos primeiros contatos com a maquiagem (para além de batom e gloss),
geralmente os jovens são maquiados por outras pessoas porque eles não possuem
seus próprios produtos e não sabem como fazer. No caso de Janaina, a maquiagem
começou a ser usada para ir para as “festinhas de 15 anos” onde “todo mundo
estava mais ou menos arrumado” e as meninas estavam usando maquiagem. Nessa
época a maquiagem era feita por sua mãe com os seus produtos. “Acho que a
primeira vez que fui numa festinha ela deve ter comprado alguma coisa a mais, uma
base que botou na minha pele, alguma coisa assim, mas aí ela fazia.”. Assim, ela
usava maquiagem somente nessas ocasiões, maquiada por sua mãe, e nos outros
dias não usava nada pois os colegas da escola achavam estranho que se usasse
maquiagem na escola.
Bianca (20 anos) conta que desde pequena aprendeu a ser vaidosa com o
exemplo e incentivo de sua mãe, enquanto Erica (34 anos) explica que quem a
incentivou a começar a se maquiar foi sua mãe ao se preocupar em como ela sentia
mal e com a autoestima baixa por ter a pele com muitas espinhas na adolescência.
117
“Quando usei maquiagem para ir para o colégio, lembro que estava ficando muito mal por conta da quantidade de espinha que estava tendo. Aí minha mãe ficou com medo, eu adolescente, de ficar com vergonha. Ela passou uma base, e a primeira vez que ela passou adorei, era tudo vermelho cheio de espinha, passou uma base ficou lindo, porque ficou com a pele linda (...) Me senti ótima, fui para a escola me achando linda, maravilhosa.” (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)
Erica não se importava em ser a única maquiada para a escola porque para
ela era melhor estar maquiada do que mostrar o rosto cheio de espinhas. Nesse
caso, a função da mãe enquanto agente de socialização está na sua atuação como
“instrutora” que transmite informações gerais sobre os benefícios da maquiagem e
os usos dos produtos mas sem trazer conhecimentos técnicos específicos.
Uma situação semelhante aconteceu com Axel (21 anos, gerente de loja), que
conta que sua pele estava cheia de marcas e espinhas no início da adolescência e
que ele passou a pesquisar cosméticos que pudessem ajudar a resolver o problema,
mas eventualmente percebeu que teria que usar maquiagem para ajudar a disfarçar
o problema. Sendo menino, ele começou a usar os produtos de sua mãe e irmã,
“basicamente base e pó para deixar o rosto bom”, mas como elas possuem tons de
pele diferentes do dele (Axel é negro mas sua mãe é branca e sua irmã morena
mais clara), Axel conta que o resultado não ficava bom.
A questão de autoestima também levou Daniel a começar a usar maquiagem
e se relaciona também com a questão da sua homossexualidade. “A gente quando é
adolescente a gente sempre quer estar bem. Na minha situação, por ser gay é mais
complicado ainda porque a gente sempre quer estar muito bem apresentado”. Além
de questões de pele, Daniel também não se sentia bem pois se considerava
“obeso”. Ele foi aprendendo então a usar maquiagem para disfarçar algumas
características indesejadas do rosto. “Então eu usava muito corretivo para tapar
olheira, e por ser um pouco mais cheinho tinha uma cara muito grande, então
tentava mudar um pouco (o formato do rosto) para disfarçar.”. Daniel começou
usando as maquiagens da irmã e das amigas e com o tempo foi adquirindo alguns
produtos mais baratos para uso próprio.
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“Na verdade comecei acho que roubando algumas coisas da minha irmã. Como eu tinha muita amiga eu acabava usando algumas coisas delas também. Teve um período em que eu usava lápis de olho no olho, comprei lápis de olho. Eu sempre tinha uma base, um corretivo, um lápis de olho e um rímel incolor. Com isso eu conseguia sobreviver.”. (Daniel, 29 anos, cabeleireiro e maquiador)
Essa relação entre o uso da maquiagem e a autoestima é discutida por
diversos autores como Bloch e Richins (1992), que debatem a associação entre a
atratividade de um indivíduo e as respostas positivas recebidas dos outros, o que
motivaria uma busca pelo uso de adornos (como roupas e maquiagem, por exemplo)
na busca da beleza e da possibilidade de seus benefícios sociais. Os autores
pontuam que os adornos podem atuar de diferentes maneiras, sendo que a
maquiagem atuaria como uma camuflagem, “escondendo” imperfeições ou
características indesejadas no rosto, como é o caso de Erica (34 anos) e Axel (21
anos) com as espinhas.
Em todos os entrevistados, é possível perceber a satisfação que o uso da
maquiagem traz e seu papel na autoestima através de expressões como “eu me
sinto mais bonita maquiada” e “me sinto mais confiante”. Luisa chega inclusive a
dizer “meu namorado diz “você está linda sem maquiagem” mas eu sei que não,
ninguém merece”, o que mostra que para esse grupo analisado a maquiagem
parece estar intimamente relacionada à questão da beleza e da autoestima.
O início do uso da maquiagem também marca uma transição da infância para
a adolescência e pode trazer à tona atos de rebeldia e enfrentamento do jovem com
seus pais, o que é comum nessa fase (GENTINA, PALAN e FOSSE-GOMEZ, 2012).
Além disso, percebe-se uma diminuição da influência dos pais e um aumento da
importância dos pares, como trazem Gentina, Decoopman e Ruvio (2013) ao
pontuarem que na adolescência há um estabelecimento de uma identidade própria
do jovem com uma redução da dependência emocional da família. No discurso de
Fabiana, vemos o esgotamento do modelo familiar como fonte única de aprendizado
e a busca por novos referentes presentes em novos ambientes frequentados pelas
jovens, como a escola:
119
“Às vezes eu comprava um batom escondido, vermelho, porque ela (a mãe) não gostava e eu passava quando eu chegava na escola, porque criança de batom vermelho não rola, mas era assim, andava que nem perua.” (Fabiana, 34 anos, maquiadora)
Aos poucos, a influência familiar para questões de vaidade e cuidados
pessoais vai transformando esse adolescente em consumidor, onde ele passa a
aprender sobre as funções de cada produto, ocasiões de uso e passa a participar
dos momentos de aquisição de novos produtos. Assim, a mãe passa a atuar como
provedora e depósito, onde os filhos recorrem para experimentar e dividir os o uso
dos produtos. Como os produtos foram escolhidos e comprados pela mãe, ela tem o
poder de determinar as ocasiões de uso e a seleção de produtos, bem como opinar
sobre o resultado final (no caso a maquiagem) através de críticas ou elogios e que
podem determinar os futuros contatos dos jovens com a maquiagem, o que é
discutido por Mittal e Royne (2010) na questão da influência intergeracional ou por
Shah e Mittal (1997) com o conceito de influência por controle de recursos.
Se no início da sua trajetória de aprendizado sobre consumo a escolha de
produtos estava relacionada a um „consumo tutelado‟ por parte da mãe (CASOTTI,
SUAREZ e CAMPOS, 2008), já que mãe participava do processo de compra e da
aquisição direta dos produtos, podendo restringir a compra de algum produto caso
desejasse, a partir do momento em que o uso de maquiagem passa a ser mais
frequente as jovens passam a ter um papel mais ativo na escolha e aquisição de
produtos, influenciando nos itinerários de consumo (DESJEUX, 2000). Em linha com
Mittal e Royne (2011), ainda que inicialmente levando em consideração a opinião da
mãe, começa a ocorrer um aumento contínuo da independência do jovem nas
decisões de consumo, mesmo que ainda haja dependência financeira da família.
Alguns entrevistados relatam ainda terem começado a compartilhar a nécessaire de
maquiagem com as mães:
“...pedia para minha mãe comprar, especialmente Lancôme (usava muito quando era nova). Viajávamos e comprávamos nos freeshops as maquiagens. Daí as maquiagens passaram não ser mais dela, eram nossas. Até eu começar a trabalhar de fato com isso, eram nossas maquiagens. (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)
120
“A gente comprava muita coisa para usar em conjunto. Sabe aquela revistinha da Avon? A gente comprava muita coisa na Avon e daí falava "mãe, gostei disso". Nosso tom de pele é parecido e dava para compartilhar. (...) A única coisa que lembro que era totalmente para mim eram aqueles gloss da Avon, esse eu usava até quando era adolescente, esse podia ir na escola. Essa era a única coisa que era só minha, mas o resto de maquiagem, minha mãe sempre comprava para mim e para ela, nunca foi assim "esses são meus produtos e eu te empresto de vez em quando", não, era nossa maquiagem, a gente comprava na revistinha e era nosso.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
No momento em que o jovem começa a se interessar pelo consumo de
maquiagem, ele começa a buscar mais informações sobre os produtos e a querer
adquirir produtos que sejam mais específicos aos seus gostos e à sua pele, seja
para continuar compartilhando com a mãe ou para montar o seu próprio conjunto de
maquiagem. Nesse sentido, nem a questão financeira acaba sendo uma restrição, já
que os jovens acabam encontrando formas diferentes de adquirir novos produtos.
No caso de Bianca (20 anos), a blogueira conta que ia com as amigas para o Saara
(região popular de compras no centro da cidade do Rio de Janeiro) com dez ou
quinze reais que ganhava da mãe e saía com uma série de produtos (“um batom,
uma base, um blush, um rímel”). Já Camila (33 anos) diz que “se tivesse que
comprar guardava dinheiro da merenda” e escolhia geralmente produtos da
“revistinha da Avon”, trazidas pela mãe ou por alguma vizinha. O desenvolvimento
da habilidade técnica mais adiante será motivado inclusive por esta escassez de
produtos de qualidade associada a um interesse acentuado em participar deste
universo de consumo.
Os produtos que a mãe possui e não usa também passam a fazer parte dos
processos de aprendizado e negociação entre mãe e filha, seja para que eles sejam
doados ou jogados fora. No caso de Camila, a mãe proporcionou o contato com
produtos importados considerados caros que ela não conseguiria adquirir facilmente,
já que sua mãe costuma ganhar muitos produtos importados no trabalho e “não usa
praticamente nada”, apenas “rímel, lápis preto e eventualmente batom”. Assim,
como muitas vezes ela não sabe usar o que ganha e não possui interesse em
aprender novas práticas de maquiagem, já que acha que “dá muito trabalho”, os
produtos ficam estocados sem uso no armário e Camila costuma pedir alguns para a
mãe. O contato com esses produtos trouxe uma grande mudança, pois Camila pôde
121
perceber a diferença de qualidade e durabilidade em relação aos produtos que ela
chama de “China” (produtos provenientes da China que são mais baratos e de
menor qualidade e durabilidade) e que costumava usar, mudando assim seus
parâmetros para escolha de maquiagem.
“Eu comecei com maquiagem “China” porque eu não tenho dinheiro. Então eu comprava maquiagem daquilo que meu bolso podia pagar, e aí você está passando na rua, vê aquele estojo maravilhoso todo colorido “quanto é?”, “4 reais”. Um estojo de um kit de sombras é no máximo 9,90, e você compra. E porque no inicio a gente não tem muita noção da diferença de um produto com conceito, com instituto de marca, de boa qualidade e uma coisa da China. (...) O “China” é para quebrar seu galho e lá na frente você começa a fazer um investimento a mais. Você começa a considerar que vale a pena pagar mais caro.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)
Por outro lado, o aumento do conhecimento sobre maquiagem pode fazer
com que o jovem comece a questionar as escolhas de produtos e o comportamento
das pessoas próximas sobre o armazenamento e a utilização de produtos:
“Minha mãe é aquela pessoa que comprava as coisas e guardava lá, eu lembro que tinha um blush dela, desde que eu era criança aquele blush estava lá presente, quando cresci falei "mãe, joga isso fora, já venceu". Comecei a tomar conta disso quando tive as minhas maquiagens, eu via a data de validade, arrumava e tal e minha mãe até hoje continua armazenando as maquiagens sem prestar atenção.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
“...é muito engraçado porque ela (a irmã) não sabe se maquiar, só que ela compra os produtos, fica tudo na gaveta, ela não usa nada, e eu me revolto com isso porque ela compra uns negócios legais. (...) eu roubo todas as maquiagens, "se você não vai usar eu vou usar", eu faço a maquiagem, faço a foto e mando para ela por Whatsapp, "gostou é teu" para ver se anima entendeu? (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)
A questão da distância física da mãe e/ou a ausência de produtos faz com
que o jovem acabe dependendo de outros agentes de socialização para o
aprendizado sobre o consumo de maquiagem, como é o caso de Fabiana (35 anos)
que conta que sua mãe teve um problema sério nos olhos e não usava nenhum
produto nessa região. “Minha mãe detesta maquiagem”, ela complementa. Fabiana
começou a usar maquiagem por influência das amigas mas não tinha quem a
122
ensinasse, não havia internet acessível na época e a mãe não tinha produtos que
ela pudesse usar em casa. “Eu comecei a fazer lápis, rímel, base, tudo sozinha.”, ela
conta, acrescentando que boa parte do seu aprendizado veio por ficar treinando em
casa na frente do espelho até conseguir fazer aquilo que queria com produtos que
comprava com um “dinheirinho” que ganhava de sua avó.
Em relação aos irmãos, o desenvolvimento de habilidades e a construção de
conhecimentos sobre maquiagem parecem acontecer de maneira diferente mesmo
no seio de uma mesma família, o que vai de encontro à discussão de Kerrane e
Hogg (2013) sobre a de construção de microambientes diferenciados dentro de uma
mesma família, onde irmãos podem ter acesso a diferentes oportunidades de
aprendizado sobre consumo com diferentes agentes de socialização apesar de
fazerem parte da mesma família e terem acesso aos mesmos recursos. Dos
entrevistados que possuem irmãs adultas, todas se importam menos com
maquiagem e muitas vezes não sabem utilizar os produtos que possuem. Esse fato
é ressaltado com frequência pelos entrevistados através de comparações entre a
evolução de sua própria habilidade e gosto estético e a de seus pares na família que
compartilham os mesmos traços familiares, culturais e financeiros. Apesar de
permanecerem por um determinado tempo no mesmo nível de conhecimento e
habilidade, em certo momento há uma mudança de trajetória com um aumento de
conhecimento e evolução de habilidade de um dos irmãos em relação a outro,
associado a uma determinada situação ou influência de um agente de socialização,
um “gatilho” capaz de modificar o comportamento de um indivíduo em relação a um
tipo de consumo.
O que acaba ocorrendo então é uma comparação do jovem habilidoso com o
seu par na família, um lembrete de seu conhecimento mais avançado e daquele
ficou “para trás”. Dessa forma, o jovem habilidoso passa a atuar como agente de
socialização ao ensinar técnicas e indicar produtos, o que os coloca em posição de
autoridade técnica sobre os irmãos, que se tornam aprendizes de consumo de
maquiagem. “Minha irmã é uma negação, é péssima. (...) Eu dou dicas para a
minha irmã, ela pede, ela fala “você passa base e eu fico toda manchada, o que
você faz?””, diz Luisa (25 anos). “A minha irmã, a única coisa que ela usa até hoje é
lápis de olho, pó compacto e rímel, batom sempre foi um gloss.”, conta Daniel (29
123
anos), o que para ele significa um padrão de consumo simples, que ele busca
estimular e instrumentalizar:
“Envio muito produto pela internet, pelo correio para ela e estou sempre ensinando ela. Hoje em dia com a tecnologia, eu maquio minha irmã pelo Face time. A gente faz a maquiagem dela pelo Face time, ela lá na casa dela e eu vou instruindo "coloca do lado direito a sombra preta, etc".” (Daniel, 29 anos, cabeleireiro e maquiador)
Ao possuírem uma série de produtos guardados sem uso, os “depósitos de
maquiagem” podem gerar conflitos entre os irmãos. No caso de Camila, a jovem
conta que se incomoda muito com o fato de sua irmã não usar maquiagem apesar
de comprar e muitas vezes até ganhar maquiagem de presente. Assim como Axel
fazia na adolescência com os produtos de sua irmã, Camila muitas vezes busca na
nécessaire da irmã produtos diferentes dos seus para usar, enxergando nas coisas
da irmã um depósito de produtos.
“No aniversario dela, ela ganhou um kit da L´Oréal Professional chamado “Black eyes”, é só para você fazer aquele olho Black, dark, punk, que eu acho lindo. E ela que é solteira e vai para balada, ia ficar um espetáculo e ela não usa, eu que estreei aquilo e só usei uma vez porque ela brigou comigo, mas até hoje ela não usou. (...) É uma parada show e eu não sei por que deram aquilo para ela, porque quem conhece a minha irmã sabe que ela não usa nada disso. Ela acha o máximo ganhar essas coisas, mas não usa e nem sabe usar.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)
Ao ser questionada sobre a diferença entre ela e sua irmã na relação com a
maquiagem, Camila primeiramente aponta diferenças de personalidade (ela é mais
extrovertida enquanto sua irmã sempre foi tímida) mas depois acaba relacionando
essa questão com as amizades. As amigas da sua irmã também não costumam usar
maquiagem e até no trabalho ela é incentivada a se maquiar mais, “mas ela se acha
com cara de palhaça”, o que mostra que realmente em algum momento do processo
de socialização há a ação de algum agente que pode transformar a relação do
jovem com determinada categoria de consumo:
124
“Eu acho que tem mais a ver com influência da amizade, porque eu também não sabia me maquiar, não tinha esse interesse todo por maquiagem. Até uma certa idade nós fomos muito parecidas com relação a maquiagem (..). Eu tento dar uma animada nela, porque fizeram a mesma coisa comigo. Essa minha amiga ficava se maquiando na minha frente e falava “Isso vai ficar bonito, isso vai ficar legal”.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)
Assim, podemos resumir as formas de atuação familiar na socialização do
consumidor como descrito no Quadro 4.
Quadro 4 – Funções e atuações da família no processo de socialização
Figura familiar Função enquanto agente
de socialização Forma de Atuação
Mãe Iniciadora:
Inicia o contato com a maquiagem.
Através da permissão de brincadeiras dos filhos com os seus produtos, onde ela atua como exemplo a ser
seguido e como único acervo disponível para contato
direto.
Mãe
Lembrete de auto-estima: Estimula a vaidade e
transmite a importância dos cuidados pessoais e da
autoestima elevada.
Através do seu próprio exemplo de comportamento. Atua como instrutora teórica
do uso básico de alguns produtos pois seu próprio
conhecimento geralmente é limitado.
Mãe
Transformadora: Atua no processo de
mudança do jovem para tornar-se consumidor ao
ensinar sobre os processos de escolha e aquisição de cosméticos e maquiagem.
Transmite informações e exemplifica o comportamento a ser seguido (ou modificado)
no processo de escolha e aquisição de maquiagem e
cosméticos.
Irmã
Referente reflexivo: Serve de comparação da evolução da habilidade do
outro.
Ao pedirem conselhos os irmãos se transformam em aprendizes de consumo e o
consumidor habilidoso passa a atuar como agente de socialização, ensinando
sobre os usos dos produtos. Os produtos guardados sem
uso podem gerar conflitos entre os irmãos.
125
4.2.2 Pares
Embora o conceito inicial de pares (“peers”) trazido por Ward (1974) refira-se
ao grupo de amigos de escola, ao analisar diferentes estudos sobre socialização é
possível perceber que não há uma conceituação única sobre a definição dos que
constituem esse grupo. Há autores que falam sobre amigos que fazem parte do
círculo social do jovem, sejam provenientes da escola ou não (GENTINA e BONSU,
2013) e há ainda aqueles que o definem como o grupo da mesma faixa etária do
jovem (MOSCHIS, 1978). De qualquer forma, o que essas definições trazem é
comum é apontar que esse agente de socialização atua com mais força por estar
bem próximo do jovem (seja em termos de faixa etária ou local frequentado)
passando a exercer grande influência justamente numa fase em que há um
processo de descobertas e de construção da própria identidade social (MOSCHIS e
CHURCHILL, 1978).
De acordo com a análise das entrevistas, no entanto, é possível perceber que
a influência daqueles que estão próximos pode ocorrer de diferentes formas e
através de pessoas com diferentes níveis de proximidade, não somente dos amigos
próximos e que estão dentro dos portões da escola. Nesse sentido, foram
identificados quatro grupos principais atuando de diferentes formas como
influenciadores: amigos, colegas de faculdade / trabalho e parceiros amorosos e
blogueiros. Dentro desse grupo temos pares que convivem de maneira próxima com
o jovem (amigos, colegas e parceiros) e cuja influência ocorre de maneira direta e
presencial bem como pares que são da mesma geração (ou de gerações próximas)
onde não há uma convivência real mas cuja influência ocorre de maneira mediada,
principalmente através das redes sociais.
Sobre a função desempenhada pelos pares na socialização do jovem,
encontramos aqueles que incentivam determinado comportamento, os que ensinam
e fornecem insumos para o uso dos produtos e há ainda aqueles que funcionam
como parâmetros para identificação de comportamentos sociais esperados em
certos contextos. Dividimos portanto os pares em três categorias principais de
acordo com o seu papel de influência na socialização do jovem: pares
incentivadores, instrumentalizadores e contextualizadores.
126
Pares incentivadores
A influência dos amigos pode ocorrer de diferentes formas. Uma delas seria a
sua atuação enquanto influenciadores de comportamento, o que no caso significa
estimular o uso de maquiagem como forma de pertencimento a um grupo. “Todo
mundo na escola fazia”, conta Fabiana sobre o seu início com maquiagem. Já
Camila conta ter sofrido uma pressão das amigas próximas para começar a se
maquiar:
“Eu tinha 2 amigas na época. Uma delas era a mais vaidosa, então ela usava muito olho pretão. Foi uma época que na música tinha muito artista que estava fazendo olho pretão, então estava na moda, e ela fazia em mim. “ah não Camila, você não vai sair com essa cara lavada e ficar só com esse batom” (...) Elas enchiam meu saco e acabavam fazendo.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)
O depoimento de Camila sobre esse período na escola permite inclusive
sugerir que na escala de pertencimento social de Gentina (2014) ela estaria em um
“clique”, um grupo de três pessoas no qual grande parte das conexões acontece
entre si. Nesse caso, Camila não parece ser a líder de opinião do grupo, já que suas
amigas a influenciavam a usar um tipo de maquiagem que na época não a
agradava.
Outra forma de incentivo vem dos parceiros amorosos, como namorados e
maridos. Embora esse agente de influência não seja citado nos estudos sobre
socialização, vários entrevistados mencionam determinada opinião ou atitude dos
parceiros que foi determinante em relação ao seu consumo ou comportamento em
relação a maquiagem. Assim, apesar de não transmitirem nenhum conhecimento ou
habilidade, os parceiros podem ter grande influência nas atitudes em relação ao uso
(ou não uso) de maquiagem.
O grande incentivador para que Janaina começasse a usar maquiagem com
freqüência foi o seu primeiro namorado sério, com cerca de 17/18 anos. Ela conta
que eles tinham uma grande abertura para apontar e elogiar outras pessoas que
considerassem bonitas, e o namorado sempre apontava meninas que usavam
maquiagem. “Quando comecei a namorar com ele, ele começou a falar alguma coisa
que era bonito menina com maquiagem, eu já tinha esse conhecimento meio que
armazenado. Aí fui e apliquei.”. Para agradá-lo, Janaina buscou aprender mais sobre
127
maquiagem e mesmo depois de terminar o namoro continuou buscando mais
informações e evoluindo nas técnicas de maquiagem.
Já Luisa conta que depois que começou a namorar sua freqüência de uso de
maquiagem mudou. “Hoje em dia eu me maquio muito menos, já namoro, sou
casada quase, vou perder meu tempo?”. Ao ser questionada sobre essa mudança,
ela diz que estar solteira ou em um relacionamento faz uma grande diferença, já que
na sua opinião a mulher solteira geralmente “tem a necessidade de chamar atenção”
e quando se está namorando o homem diz “está linda sem maquiagem” e muitas
vezes a mulher acaba usando menos. No caso de Fabiana, o marido foi justamente
o grande incentivador para que ela seguisse a carreira de maquiadora. “Um dia meu
marido falou “porque você não tenta trabalhar com isso? Porque você gosta muito, é
apaixonada, fica horas, vai dormir de madrugada vendo técnicas e dicas. Porque
você não trabalha com isso?”.
Além de sugerirem novos comportamentos, os pares em determinados
contextos podem ter uma função disruptiva5 (CHRISTENSEN, 2003), alterando a
trajetória dos jovens em sua relação com a maquiagem. No caso de Camila, um
acontecimento foi responsável por uma grande virada na sua relação com a
maquiagem. Ao fazer um procedimento estético que deixou uma marca na região
dos lábios e com uma festa para ir, Camila decidiu abrir sua nécessaire, que “tinha
corretivo e base, velho e destruído que alguém me deu, de um tom que não tinha
nada a ver com o meu, que estava jogado lá sem tampa.”, fez uma mistura de
produtos e colocou lápis preto, sombra e rímel e foi para a festa “na esperança de
que aquilo disfarçasse o roxo” que tinha no rosto. Camila conta então que foi
surpreendida por um elogio de um amigo de seu namorado, que fez com que ela
mudasse sua percepção à respeito de maquiagem:
“...o melhor amigo do meu namorado falou “Camila, você está parecendo estrela de cinema” (...) Depois disso, eu vi que a maquiagem realmente serve para você esconder um monte de coisa errada. (...) a minha preocupação era esconder aquela marca roxa, então consegui resolver o problema e estava ótimo, mas depois que você recebe um elogio você pensa “acho que dá para eu continuar por aí” e eu fiquei
5 O uso desse termo foi inspirado no conceito de inovação disruptiva de Clayton Christensen (2003)
ao entender sobre momentos em que um agente causa uma mudança de trajetória e gera novos comportamentos.
128
trocando figurinhas com essa minha amiga.”. (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)
Pares Instrumentalizadores
Além do incentivo para o uso de maquiagem, alguns pares atuam como
“professores”, no sentido de socialização do consumidor para a aquisição de
“habilidades, conhecimentos e atitudes” (WARD, 1974, p.2) sobre o consumo e a
utilização de maquiagem. Assim, eles contribuem de forma mais direta para o
aprendizado da jovem sobre maquiagem ao fornecer produtos, tirar dúvidas e ao
ensinar efetivamente técnicas e formas adequadas de aplicação da maquiagem,
seja de forma presencial ou mediada (através de redes sociais ou outras tecnologias
de informação).
No caso de Camila, quando a jovem começou a realmente se interessar por
maquiagem, sua melhor amiga tornou-se comissária de bordo, fez um curso
intensivo de maquiagem e Camila passou a ter acesso a maquiagens importadas. A
amiga comissária foi fundamental para o seu processo de aprendizagem sobre o
consumo de maquiagem e o desenvolvimento de habilidades técnicas. Além de
maquiá-la algumas vezes, a amiga ensinava a diferença entre os produtos e o “como
fazer”.
“Eu olhava e “como você fez esse olho? “Porque eu tento fazer e não consigo” “para você misturar, você tem que esfumar. Esse esfumado é difícil de fazer, então você tem que ter um pincel assim” e ela mostrava para mim. Muitas vezes eu estava na casa dela e ela estava se preparando para trabalhar (...). E eu vi que tem que ter técnica para você espalhar aquilo e isso e eu vi a mudança. “Ela me maquiou umas duas vezes, então a gente se empolga mais ainda.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)
Camila também conta que em determinada ocasião pediu que a amiga (que
iria fazer uma viagem internacional) trouxesse um rímel, e ao ser confrontada com o
questionamento sobre a finalidade do rímel que ela queria (volume, acabamento ou
alongamento de cílios), para o qual não sabia a resposta, a amiga enviou uma série
de fotos através de Whatsapp (aplicativo de mensagens pelo celular) explicando
qual era o objetivo de cada tipo de cerda. No caso de Janaina, uma amiga foi
responsável por ensiná-la a usar sombra, mas com seus próprios produtos. “Eu não
129
sabia usar sombra, daí uma amiga nossa em comum, eu ficava comentando isso
com ela, ela disse "eu te ensino". Daí fui para a casa dela um dia, ela pegou os
meus produtos e me ensinou a fazer a sombra, depois disso fui embora.”.
Já Luisa (25 anos) conta que quando quis começar a se maquiar sozinha não
pediu para ninguém ensiná-la (nem mesmo sua melhor amiga, que sabia se
maquiar) e procurou vídeos no Youtube com tutoriais de maquiagem. Axel (21 anos)
e Daniel também relatam terem aprendido uma série de técnicas e procedimentos
através de blogs e outras redes sociais, já que não tinham pessoas próximas com
conhecimento que pudessem ensiná-los. Nesse caso, os ensinamentos vieram de
forma mediada e distante, já que o agente de socialização (blogueiros) e o jovem
socializado nem mesmo se conhecem, mas há uma esfera de influência e
transferência de conhecimentos que podem modificar os comportamentos de
consumo.
Na visão de algumas entrevistadas enquanto adultas já com conhecimento
avançado em maquiagem, a busca pelo aprendizado das adolescentes com as
blogueiras na internet (pares digitais) parece ser inclusive mais indicada do que
aprender com uma amiga quando ambas estão quase no mesmo nível de
conhecimento, pois a jovem pode aprender de forma inadequada e isso pode
prejudicar a sua relação com maquiagem no futuro.
“Vai dar tudo ruim aí, porque as amigas dela vão vir com aquelas ideias de jerico, porque tudo da mesma faixa etária não vai dar muito certo, a mentalidade é praticamente igual. (...) Todo mundo diz para passar rímel, você taca aquele rímel preto, se suja inteira, vai borrar tudo, não vai saber como tirar o borrado, vai ficar parecendo um panda, fica com raiva e não usa mais.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)
Esse ponto também é reforçado pelo maquiador Daniel, que diz não adiantar
quando uma pessoa ganha ou compra maquiagens mas não sabe usar, pois se ela
não for “instruída” sobre “como fazer”, ela não vai conseguir usar e vai acabar
desistindo. Camila então sugere que conforme a pessoa fica mais velha e passa a
ter algum conhecimento sobre maquiagem, pode-se aprender de diferentes formas
com quem está próximo. “A colega de trabalho pode dar uma dica para ela, a
internet mostrar produtos legais e a amiga ensina.”.
130
Pares Contextualizadores
Além de incentivarem o uso de maquiagem e ensinarem a usar e combinar os
diferentes produtos, alguns pares desempenham papéis de regulação ao mostrarem
quais comportamentos são esperados em determinadas situações sociais, sejam
relacionados ao uso de maquiagem ou não. Assim, há um processo de adaptação a
um determinado contexto que pode modificar ou trazer novos comportamentos, que
podem inclusive ser encarados negativamente certo tempo depois, como conta
Janaina:
“Amiga vai fazer você usar a tatuagem no pescoço, short da Carla Peres, essas coisas que criança inventa e a outra usa igual, aí você vai olhar aquelas fotos depois "por que estávamos todas com essa sombra rosa?".” (Janaina, 27 anos, designer de interiores, blogueira)
O início dessa acomodação de comportamentos tende a ser em situações
relacionadas ao grupo de amigos na escola, onde muitas vezes um mesmo tipo de
comportamento é incentivado, como mostra o trecho acima. Posteriormente, a
entrada na faculdade ou o início de um novo emprego costumam ser situações onde
há uma adaptação de comportamento dos jovens para o uso ou não uso de
maquiagem. Nesse caso, a influência tende ser mais indireta na forma de trocas de
informações gerais ou através de uma pressão social (implícita ou explícita) para
adequação a uma determinada situação social (ou padrão de aparência) onde um
tipo de comportamento é esperado de seus membros. Essa postura vai de encontro
às discussões de Ward (1974) e de Moschis e Moore (1983) sobre motivações para
mudanças no comportamento do consumidor enquanto forma de adaptação a
determinados papéis sociais. No caso de Erica, sua primeira graduação foi em
moda, onde diz que as pessoas eram muito diferentes (“super estilosas”) e que foi
nesse momento que ela “se soltou”. “Eu era a „maquiadona‟, ia com sombra, aí
comecei usar total maquiagem, usava cílio postiço.”. Depois Erica fez faculdade de
administração, onde ela era a única maquiada mas não ia com uma maquiagem “tão
chamativa”. “Mas aí já me maquiava bem, não era aquela coisa de manhã estar
igual uma palhaça, como estava na faculdade de moda (era muita maquiagem). Ia
com base e tal, mas nada muito chamativo.”.
131
O que geralmente ocorre com a jovem, no entanto, é uma pressão do grupo
para uma adequação a um tipo de comportamento específico, o que vai em linha
com Ward (1974) ao discutir que a expectativa social em relação a determinado
comportamento pode influenciar o indivíduo na socialização. Luisa, por exemplo,
acabou sofrendo pressões opostas em diferentes momentos da vida. Ao entrar para
a faculdade, Luisa conta que se sentiu pressionada a começar a se maquiar todos
os dias pois as outras meninas iam bem arrumadas e maquiadas. “Você é meio que
obrigada.”, conta ela. Atualmente, Luisa atribui grande importância à maquiagem e
conta que para sair “precisa” estar maquiada, mas explica que no trabalho não usa
já que lá sofre um tipo de pressão contrária ao uso de maquiagem, uma vez que as
mulheres não se maquiam e quando ela vai maquiada acaba se “sentindo mal” pelo
jeito que as outras mulheres olham para ela.
“...as pessoas olham tipo “não era para você estar passando maquiagem porque ninguém usa maquiagem aqui” aí eu fico “é, acho melhor amanhã eu vir sem nada” e na maioria das vezes eu não vou de maquiagem para o trabalho, e quando eu vou as pessoas ficam me olhando assim e eu falo “esqueci, não deveria ter passado maquiagem”.” (Luisa, 25 anos, relações internacionais e consumidora expert)
Luisa conta que, apesar dessa repressão ao uso da maquiagem por parte das
suas colegas de trabalho, não acha essa situação ruim porque “é bom deixar a pele
respirando um pouco.” Ela conta que leu na Internet que usar maquiagem todos os
dias por um longo período de tempo não faz bem para a pele, além de deixá-la
oleosa e com espinhas, então ela até prefere “deixar a pele respirando” durante a
semana. No caso de Fabiana, a pressão social para que ela não usasse maquiagem
veio do próprio grupo de amigas e conhecidas, o que trouxe uma sensação de
desconforto:
“Olhar de mulher é tenebroso, então a gente chegava no lugar e as mulheres falavam “Para que isso tudo? Nada a ver” daí eu já me sentia mal “será que eu estou exagerada?”, mas não estava, a maquiagem era super tranquila para aquele local, para aquele ambiente, mas eu acabava me sentindo mal “eu não devia ter me maquiado”, eu chegava a incomodar. (...) Já chegou a ter caso de conhecidas minhas não irem no evento por vergonha porque eu ia estar lá maquiada e ela não ia saber se maquiar. Já aconteceu. “ah nem fui porque você ia chegar toda maquiada, de cílios postiços” assim.” (Fabiana, 35 anos, maquiadora)
132
Fabiana conta que se sentia muito mal com essas questões, pois ficava
parecendo que ela era “esnobe” quando diz na verdade ela estava usando a
maquiagem para sentir-se bem, bonita, “para sair bem na foto”. Hoje, dependendo
das pessoas que vão ao mesmo evento que ela, Fabiana já usa menos maquiagem.
“Se eu sei que a pessoa vai, eu passo só um lápis de olho e um rímel para a pessoa
não se sentir mal com a minha presença.”.
Já Erica (34 anos) comenta que por trabalhar com casamentos o contato com
outros profissionais faz com que haja uma grande troca de informações: “Acabo
encontrando com muito maquiador, cabeleireiro por trabalhar com isso. Estou
maquiando a noiva e tem um outro maquiando a mãe da noiva, tem outra
maquiando a madrinha, então trocamos muita informação”. Erica conta que muitas
vezes não ocorre somente uma troca de informações sobre técnicas e produtos,
mas sim um aprendizado relacionado a questões comportamentais da profissão (“o
que fazer e o que não se deve fazer”) ao acompanhar o trabalho e a postura de
outros profissionais.
Outro comportamento comum entre alguns dos entrevistados consiste na
troca de mensagens e opiniões sobre diversos assuntos através de mensagens de
celular para obter aprovação e saber a opinião dos pares, como contam Luisa e
Janaina. Luisa explica que hoje em dia costuma enviar fotos dos seus “makes e
looks” para as amigas através do aplicativo Whatsapp “para saber se está bom”.
“Sempre mando foto e tiro para as amigas, mas ninguém fala que está ruim.”, diz
Luisa. Já Janaina diz que ela e as amigas trocam informações sobre assuntos
variados no mesmo aplicativo, incluindo alimentação, moda e beleza:
“É muito pelo Whatsapp essas coisas e às vezes tenho um grupo de amigas que a gente troca muitas dicas de alimentação, de tudo, "está angustiada com isso", “a gente tenta isso”, "eu faço assim". Ou então perguntar assim "que produto vocês usam para hidratar o cabelo?", aí cada uma manda a foto do que usa. (...) não é um grupo só para isso, mas a gente compartilha esse tipo de coisa também.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
Nos casos acima é possível perceber os processos de socialização descritos
por Moschis e Churchill (1978), que seriam o aprendizado através da imitação do
133
que é feito pelo outro (modelling), reforço (elogio e crítica) e interação social, onde
os jovens trocam informações e através desse contato passam a ter contato com o
comportamento social esperado deles (MOSCHIS, 1985), além de informações
práticas sobre produtos, técnicas e conhecimentos que podem ser diferentes do seu
contexto familiar (MOSCHIS e CHURCHIL, 1978; LUEG et al., 2006). A diferença é
que hoje boa parte dessas trocas e interações ocorre através do celular, seja através
de aplicativos de troca de mensagens instantânea ou através das redes sociais.
Seus pares de contato muito frequente podem estar, em certos períodos, até
distantes física ou geograficamente.
Dessa forma, é possível resumir as características e a forma de atuação dos
diferentes tipos de pares no Quadro 5:
Quadro 5: Categorias de pares e sua esfera de atuação.
Categoria Tipo de Par Forma de influência
Incentivador Amigos; Parceiros
Amorosos
Incentivam o uso de maquiagem ao
afirmarem que as pessoas ficam mais
bonitas maquiadas.
Instrumentalizador Amigos; Blogueiros Atuam como "professores", ensinando o
uso de cada tipo de produto, técnicas e
procedimentos. Podem atuar de forma
presencial (geralmente em ambientes
privados, na própria casa ou na casa dos
amigos) ou mediada (através das redes
sociais).
Contextualizador Amigos; Colegas de
trabalho
Servem para compreensão do contexto,
identificação de padrões de
comportamento e normas sociais que
devem ser seguidas; são fontes de
comparação para adequação de
comportamento.
Por fim, levando-se em consideração que a socialização é um processo que
ocorre não só na infância e juventude mas durante a vida a vida do indivíduo
134
(WARD, 1974) e tendo em vista os diferentes tipos de influência que podem ser
desempenhados por aqueles que estão mais próximos (MOSCHIS, 1985), bem
como a necessidade de considerarmos o papel dos parceiros amorosos como
agentes que podem influenciar atitudes a respeito do consumo de maquiagem, é
possível portanto propor uma definição mais ampla de pares dentro do contexto da
socialização do consumidor.
A redefinição proposta nesse trabalho é então de que:
Pares são aqueles indivíduos da mesma geração ou de geração próxima que
fazem parte do círculo social próximo do indivíduo por uma escolha pessoal (amigos
e parceiros) ou situacional (como colegas de escola ou de trabalho).
Ao não definir especificamente o tipo de relação ou a faixa etária desse grupo
é possível incluir os amigos, colegas de escola, faculdade ou trabalho (que não são
amigos próximos mas podem exercer pressão social para um tipo de
comportamento) e eventualmente parceiros amorosos que podem influenciar
diferentes comportamentos a respeito do uso de maquiagem. Atuando de forma
direta e presencial ou mediada, esses pares podem atuar como incentivadores de
comportamento, como instrumentalizadores ensinando efetivamente sobre o uso de
maquiagem ou ainda servirem como comparativo de comportamentos sociais
esperados em certos contextos.
4.2.3 Meios de comunicação de massa e o novo papel da Internet
Nos primeiros estudos sobre socialização desenvolvidos nas décadas de 70 e
80 era marcante o discurso sobre a importância dos meios de comunicação de
massa como agentes de socialização do jovem, particularmente no caso da
televisão e da publicidade ao mostrarem realidades sociais e contextos de consumo
que podem ser bem diferentes daqueles que seus telespectadores possuem
(MOSCHIS e CHURCHILL, 1978; O‟GUINN e SHRUM, 1997).
No caso de Axel (21 anos), foi um programa de TV que desempenhou uma
influência disruptiva em sua prática de consumo, desencadeando um “momento de
virada” na sua relação com a maquiagem. Axel conta que quando tinha por volta de
14/15 anos encontrou na TV fechada um reality show sobre drag queens chamado
135
RuPaul’s Drag Race. Axel conta que ficou “deslumbrado” e que decidiu assistir mais
episódios para entender melhor sobre aquele mundo, o que foi aumentando o seu
desejo de conhecer e consumir maquiagem.
“Daí eu fui vendo, o programa foi amadurecendo, o nível foi subindo e aquilo ali me fez gostar mais ainda de maquiagem, porque eu tinha o conceito de maquiagem de que era aquela coisa social, uma pele legal, olho esfumado, batom vermelho e pronto. Quando vi aquilo, o nível (do jogo) subiu, eu vi que dava para fazer muito mais coisas com aquilo, e consequentemente a minha vontade de consumir maquiagem também cresceu muito.” (Axel, 21 anos, gerente de loja e consumidor expert)
Além de mostrar realidades que podem ser muito diferentes daquela em que
o indivíduo vive, o caso de Axel demonstra também que os programas de TV
também podem criar desejos ou aspirações em relação aos seus personagens e
realidades (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978). Através do programa, Axel conta que
passou a conhecer várias marcas e maquiadores e que passou a pesquisar técnicas
diferentes de maquiagem. Daí surgiu o seu interesse em criar a sua própria
“persona” de drag queen, que ela chama de Miss Nyx.
“A minha personagem nada mais é que uma maneira de combinar tudo o que eu gosto e ainda ganhar dinheiro com isso, porque eu sempre gastava muito do meu dinheiro e tempo e não tinha retorno, era só para o meu prazer.” (Axel, 21 anos, gerente de loja e consumidor expert)
Axel costumava maquiar a mãe e as amigas mas passou a investir em
aprender técnicas e a adquirir produtos para o seu próprio uso, para utilizar quando
estivesse fazendo apresentações. Ele descobriu que existem algumas atuações
para drags não só em circuitos LGBT mas também como DJs em festas de todos os
tipos e como arte performática em shows e inaugurações. E é justamente esse
senso estético e a ideia da performance que o interessa e que faz com que ele
deseje no futuro trabalhar só com isso.
“O que mais instigou a minha personagem nascer foi essa capacidade de encantar o público porque eu sempre quis trabalhar com teatro, dança, achava que isso tinha muito a ver, mas eu não sabia como juntar isso tudo, me faltava o viés e conhecer o RuPaul‟s Drag Race foi o que deu esse peteleco na minha cabeça. Eu ia juntar tudo o que eu gosto de fazer, ia
136
ter esse contato com o público de levar uma mensagem, fazer a diferença na vida de alguém com as coisas que eu gosto.” (Axel, 21 anos, gerente de loja e consumidor expert)
No caso da blogueira Bianca, o seu “momento de virada” com a maquiagem
ocorreu através da influência de uma blogueira chamada Andreza Goulart. Ela conta
que durante uma busca na internet de coreografias do grupo Pussycat Dolls (do qual
era fã), ela encontrou um vídeo que mostrava como era feita a maquiagem de uma
das integrantes, Nicole Scherzinguer. Bianca ficou interessada por achar que era um
vídeo da própria cantora ensinando a fazer sua maquiagem e resolveu assisti-lo,
mas para sua surpresa era o vídeo de uma blogueira:
“Foi aí, foi nesse vídeo que eu comecei a descobrir esse mundo de Youtube. Eu não fazia ideia que existia alguma outra youtubber além da Andreza Goulart...eu fiquei viciada!...Eu assistia um milhão de vídeos (...) E foi aí que eu descobri esse mundo de maquiagem e fiquei completamente apaixonada”.
(Bianca Andrade, 20 anos, blogueira6, grifo nosso)
Nesse caso, a Internet e as redes sociais foram responsáveis por mostrar
para Bianca os benefícios e as possibilidades que a maquiagem pode trazer. Não
houve pressão social direta de um grupo ou de uma pessoa, mas pode-se dizer que
houve um “incentivo online” para que ela iniciasse um comportamento (querer
aprender a se maquiar), já que a jovem pôde ver a existência desse e de vários
outros vídeos sobre o assunto que muitas pessoas já tinham assistido e
compartilhado.
Através da comparação dos casos de Axel e Bianca, é possível perceber que
para além do papel da mídia tradicional (televisão, revista e jornal), as novas
tecnologias de informação e principalmente o surgimento da Internet trouxeram
grandes mudanças para a sociedade e a Internet precisa ser incluída nos estudos de
comportamento do consumidor enquanto agente de socialização. Apesar dos
entrevistados para os fins desse trabalho serem todos considerados jovens, os
poucos anos de diferença entre eles mostram de forma clara as mudanças na forma
pela qual o jovem hoje busca de informações, particularmente sobre maquiagem.
6Trecho retirado do vídeo Minha História com o blog | Como comecei? | #Último VEDA do canal
Boca Rosa de Bianca Andrade. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=yNORMYoSK94>. Acesso em 30 de Abril de 2015.
137
Erica (34 anos) e Fabiana (35 anos), por exemplo, falam sobre a dificuldade
que tinham para encontrar mais informações sobre maquiagem quando eram
adolescentes. Erica conta que quando começou a se interessar mais por
maquiagem foi buscar em livros e revistas especializadas sobre o assunto, pois “não
tinha internet na época e nem computador em casa”. Quando ela saía para comprar
maquiagem com a mãe, portanto, ela conta que perguntava para a vendedora “o que
era bom”, já que não tinha como saber de muitas outras formas. Já Fabiana, ao ser
questionada sobre como procurava informações quando era mais nova diz “não
procurava, porque eu não tinha ferramenta.”. As “revistinhas de adolescente” tinham
no máximo algumas dicas, e por isso Fabiana conta que aprendeu a usar lápis, rímel
e base sozinha, pois “não existia Youtube” e ela não tinha outras pessoas e recursos
para aprender.
Apenas três entrevistados mencionaram algum tipo de aprendizado e
influência que veio através de meios de comunicação tradicionais. Janaina (27 anos)
conta que aprendeu a usar corretivo ao assistir ao maquiador Duda Molinos fazendo
uma maquiagem no programa da Ana Maria Braga, na TV Globo. “Antigamente era
assim, quando aparecia maquiagem você saia correndo para ver porque não tinha
como você procurar. Eu adorava quando alguma coisa falava de maquiagem.”.
Outra lembrança de Janaina refere-se ao tipo de delineado que ela fazia semelhante
ao de Jade, uma personagem muçulmana vivida pela atriz Giovanna Antonelli na
novela “O Clone”, exibida pela Rede Globo entre 2001 e 2002 e que foi um grande
sucesso na época. Janaina explica: “...muito tempo depois da novela eu usava
aquele delineado, então pode ter sido uma coisa que ficou no meu subconsciente.”.
Daniel relata: “eu não tinha acesso à internet, minhas pesquisas eram essas
revistas de Cabelo & Cia, Boa Forma…mas existe muita informação desnecessária
e prejudicial”. Com o tempo ele passou a acessar também tutoriais de maquiagem e
passou a conhecer novas técnicas e produtos. Axel também conta que assinava as
revistas Elle e Capricho e depois buscava outros conteúdos complementares na
internet. “Porque tinha muito tutorial de maquiagem, e eu lia muita coisa, conhecia
muito produto, então assim, era isso, e a internet complementava, porque aí eu
pesquisava marca, via os lançamentos e etc.”.
138
As entrevistas sugerem portanto dois movimentos em relação ao consumo de
mídia. Primeiro temos uma preferência do jovem pela TV fechada em detrimento da
TV aberta por conta da maior oferta de conteúdo segmentado. O segundo
movimento é ilustrado pela trajetória de Axel em que a busca por mais informações
(sobre tendências despertadas pela TV, pares ou família) tende a ocorrer através da
internet, particularmente nos dias atuais, onde o acesso à internet pode acontecer
através de diferentes plataformas portáteis (como laptops e celulares) e em qualquer
lugar.
“Eu nunca teria conhecido esse monte de coisas, por
mais que tenha revista e etc sem o computador,
porque eu ia ter o link na revista, teria a pessoa que
faz, mas não teria como procurar, não tinha um canal
ali, porque a revista está ali, é a revista daquele mês
eu li e acabou, tem outra no mês que vem com outra
coisa, eu tinha que dar uma continuidade àquilo que
eu estava vendo, e o computador servia muito para
isso.” (Axel, 21 anos, gerente de loja e consumidor
expert)
Uma das principais razões que explica essa mudança na esfera de influência
vem da própria natureza dos meios, já que nas mídias tradicionais a comunicação é
massificada, unidirecional e com pouca possibilidade de feedback direto, enquanto
nos novos meios de comunicação há uma interação contínua do usuário com a fonte
de informação, o que permite que ele pesquise e escolha o que quer assistir, ler ou
escutar. Além disso, o feedback é constante e qualquer usuário comum pode
compartilhar uma opinião, seus conteúdos e informações de forma rápida e
instantânea (BARCELOS e ROSSI, 2014). Esse processo de empoderamento
(“empowerment”) do consumidor com as possibilidades trazidas por essas novas
ferramentas de comunicação passa a mudar então as formas pelas quais os jovens
buscam informações sobre os seus assuntos de interesse. Janaina (27 anos), por
exemplo, conta que hoje usa os vídeos de canais de Youtube como entretenimento:
“às vezes vou lavar a louça e boto lá o vídeo para tocar, ao invés de ficar vendo
TV.”. Ou seja, ao invés de buscar um conteúdo que o interesse em canais de TV, o
jovem já prefere selecionar diretamente na internet os conteúdos que deseja assistir.
Assim, todos os entrevistados para os fins desse trabalho relatam a
importância da internet tanto para o seu aprendizado sobre maquiagem quanto para
sua atualização de conhecimento, seja através dos blogs de maquiagem ou de
139
pesquisas próprias através de ferramentas de busca. Janaina (27 anos) comenta
que no início desses canais de Youtube sobre maquiagem “era tipo uma
comunidade, tipo um Orkut. Você ia, a pessoa fazia vídeo, você comentava, ela
respondia, era uma coisa muito próxima assim.”. Dessa forma, Janaina conta que
através de um canal ela conhecia outros “porque alguém comentou no da Mariana,
aí vi e entrei, vi que tinha vídeo, aí começava a seguir (...) Você ia dentro da
comunidade se inserir ali.”. Esse comentário de Janaina vai de encontro à discussão
de Barcelos e Rossi (2014) e Gentina (2014) sobre a importância das mídias sociais
como meios de busca de informação e inserção em grupos com os quais os jovens
se identificam, o que é particularmente importante nesse período da vida dos jovens
de construção de identidade e onde há uma grande necessidade de pertencimento a
um grupo.
No mais, tudo que esses jovens não sabem e desejam saber hoje em dia é
resolvido através das ferramentas de busca na internet. Além de informações, os
jovens pesquisam sobre novos produtos e tendências de maquiagem:
“Por exemplo, se vou usar uma roupa de uma cor especifica para um casamento, gosto de ver, procuro na internet quais são essas festas, Oscar e tal, as pessoas com essa cor de roupa, o que elas costumam colocar, o que está usando, qual tipo de maquiagem atual. Estou sempre antenada no que está acontecendo em termos de maquiagem.” (Erica, 33 anos, administradora e maquiadora)
Além da pesquisa através dos mecanismos de busca, as redes sociais
aparecem com grande importância para o aprendizado sobre maquiagem, sendo
diariamente consultadas pelos entrevistados. Foram citadas nas entrevistas várias
redes sociais como Facebook, Pinterest, Instagram, Tumblr e Snapchat. O Quadro
6, abaixo, mostra como essas redes sociais funcionam para o aprendizado sobre
maquiagem.
140
Quadro 6: Características, funções e influência das redes sociais
Rede Social Contribuição para o aprendizado
Youtube (O “how to”)
No Youtube estão disponíveis diversos vídeos com tutoriais de maquiagens e são demonstradas técnicas e produtos. É a principal forma de aprendizado de maquiagem através da internet. “O Youtube te dá um passo a passo mesmo. (...) Foi por isso que aprendi pelo Youtube, porque tinha todas as etapas e tal. Lógico que tem gente que não faz direito e você não consegue ver, mas quem faz direito consigo discernir todas as etapas do processo para fazer o que eu quero, seja customizar uma roupa, maquiagem, qualquer coisa.” (Janaina, 27 anos)
Pinterest (A “inspiração” / Referência de
Gosto)
Nessa plataforma o jovem encontra inspirações de makes e looks além do passo a passo demonstrativo através de fotos. O Pinterest atua como referência de gostos, mostrando as tendências em diversos assuntos como decoração, moda e maquiagem. O usuário pode categorizar e criar suas próprias pastas para armazenar suas imagens favoritas. “Pinterest total fonte de inspiração. (Erica, 33 anos)
Instagram (A “inspiração” / Referência de
Gosto)
O Instagram serve como inspiração de produtos, looks e makes através de fotos enviadas tanto pelos próprios usuários como por grandes marcas. É uma plataforma com atualização mais rápida. “É mais rápido que o blog, mais dinâmico, é a foto que está ali, eu não preciso nem ler o texto se eu não quiser, eu vi, achei bonito, vou lá, dou like, tiro print e pronto, próximo.” (Axel, 20 anos)
(A Fonte de Novidades)
Como o acesso é constante a essa rede social, o Facebook funciona como um lembrete dos novos posts e vídeos postados. Os entrevistados também seguem várias marcas para ver novos lançamentos.
Tumblr
(Banco de Imagens)
Através do Tumbrl ao pesquisar um determinado tema o usuário acessa conteúdos multimídia como fotos, textos, gifs, etc.
141
“Tumblr é referência para tudo” (Axel, 20 anos).
Snapchat
(Os bastidores)
No Snapchat são postados vídeos curtos que são deletados após 24 horas pela própria plataforma. Serve para mostrar a rotina ou os bastidores de algum evento ou acontecimento. Geralmente o jovem acompanha amigos, blogueiros ou celebridades que postam geralmente para “conversar” com seus seguidores ou mostrar sua participação em um evento. A qualidade dos vídeos pode não ser boa por serem filmados geralmente com a câmera da frente do celular. São vídeos curtos e que somem em até 24 horas.
A grande vantagem do Youtube em relação às outras redes sociais parece
estar justamente nas características de seus vídeos, que permitem uma
demonstração passo a passo da atividade realizada, como a maquiagem, por
exemplo. Janaina aponta que ao separar diferentes momentos da maquiagem numa
sequência de fotos, muitas vezes não é possível mostrar o “truque”, o jeito como se
segura o pincel e como fazer determinado movimento, o que dificultaria muito
aprendizado através de redes sociais como Pinterest e Instagram, por exemplo. Seu
papel estaria mais relacionado à inspiração do que ao aprendizado sobre
maquiagem.
“Acho que essas plataformas tipo Pinterest, Instagram e tal... são mais para você se inspirar. Eu olho pra me inspirar. Eu vejo que tem uma cor de batom diferente ou um delineado diferente, acho bonito, daí tento fazer e tudo mais, mas ele não me ensina. Não consigo aprender com aquelas fotos em sequência "eu acho que é mais ou menos assim", não foi aquilo que me ensinou, aquilo foi mais para me dar "isso existe".” (Janaina, 27 anos, designer de interiores)
Já as blogueiras, particularmente, têm uma importância fundamental nesse
estudo, já que além dos vídeos com tutoriais que ensinam sobre técnicas de
maquiagem elas atuam como influenciadoras de comportamento de consumo.
Fabiana, por exemplo, nomeia a blogueira Alice Salazar como sua “musa
inspiradora” e diz que assiste tutoriais todos os dias. “Eu me atualizo, vejo produtos
que estão lançando, cores novas, tendências. Todos os dias eu me atualizo.”, ela
142
completa. Janaina (27 anos) já conta sobre uma blogueira que acabou influenciando
o próprio jeito através do qual ela se maquia:
“Teve uma menina no Youtube que aprendi muitas coisas técnicas com ela e acho que foi um exemplo pra mim, me definiu muito como eu me maquio hoje, essa preocupação em fazer pele, quando uso sombra gosto de esfumar muito, não gosto de linhas marcadas, é uma característica muito dela e eu acabei pegando. O nome dela é Mariana Santarém (...) A aparência dela não é uma coisa que quero copiar, mas a forma como ela ensinou as coisas, senti confiança e aí desenvolvi um estilo estético meu, mas com relação à maquiagem, ela me inspirou muito nessas questões técnicas.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
É possível perceber, portanto, que as blogueiras de sucesso são elevadas de
consumidoras comuns para referências no assunto e o seu bom gosto e alto
conhecimento técnico trazem um empoderamento que faz com que suas opiniões e
sugestões sejam altamente valorizadas, muito acima daquilo que é dito pela
publicidade tradicional. Essa discussão se alinha com a visão de McQuarrie, Miller e
Phillips (2013) sobre a potencialidade da internet e dos blogs e a noção de gosto
como capital cultural. Além disso, diferentemente da publicidade tradicional, os
produtos não são simplesmente anunciados, já que as blogueiras ensinam
justamente como utilizá-los e como combinar produtos de diferentes marcas para um
determinado make. Luisa, por exemplo, conta sobre a principal blogueira que segue
e diz que costuma comprar alguns dos produtos utilizados por ela nos vídeos:
“Eu sigo uma blogueira inglesa, ela é maravilhosa, Tânia Burr, e ela tem cada maquiagem maravilhosa e ela usa muito uma base da Chanel, diz que é muito boa, e eu ainda não testei porque comprar aqui é muito caro, então quando eu viajar eu compro e testo.” (Luisa, 25 anos, relações internacionais e consumidora expert)
Luisa conta que nem sempre a compra motivada pela sugestão das
blogueiras dá certo, mas ela continua contando com as opiniões daquelas que ela
segue. Ela cita o exemplo do blog “Dia de Beauté” da editora da revista Vogue Vic
Ceridono, que ela acompanha e já teve uma experiência com uma sugestão de
batom que não ficou boa. “A Vic é muito branca, mais branca que a gente e ela
adora batom que deixa a boca apagada, "se ficou bom nela, vai ficar bom em mim",
daí eu passei e ficou ridículo.”. Luisa acabou dando o batom para uma prima que
gostou.
143
De acordo com dos jovens entrevistados, é possível notar ainda que no início
do seu interesse sobre maquiagem ocorria um alto consumo dos blogs, já que eles
utilizavam esse canal para aprendizado e como fonte para indicação de produtos e
combinações. Com o passar do tempo e o aumento do seu próprio conhecimento e
habilidade para maquiagem, o uso desse canal passa a diminuir e elas passam a
buscas direcionadas por “novidades” ou dúvidas específicas. As ferramentas de
busca da internet passam a ser mais utilizadas para objetivos específicos e os
conteúdos já são mais selecionados e avaliados criticamente.
Assim, enquanto as revistas atualmente são apontadas pelos entrevistados
como veículos com pouca contribuição para o efetivo aprendizado, já que funcionam
mais como inspiração e ainda assim mostram “looks mais comerciais”, como pontua
Axel, a Internet é encarada pelos jovens como a melhor fonte a ser consultada para
o aprendizado de maquiagem. É importante considerar, no entanto, que para a
busca na internet é apontado que se deve filtrar as informações, pois podem ser de
fontes que não acrescentam, chegando até a “atrapalhar” caso a jovem não consiga
interpretar a informação recebida. “A internet pode ser uma grande amiga e também
uma destruição na sua vida, porque se você não conseguir interpretar não vai
conseguir melhorar a situação.”, diz Camila.
“Às vezes é melhor olhar alguém mais velho porque já vai ter um discernimento um pouco melhor. Até as pessoas mais velhas às vezes fazem maquiagens para um certo público: maquiagem volta as aulas, maquiagem para adolescentes. Então dá para encontrar isso no Youtube também. Acho melhor do que de revista. Acho revista a maior enganação. Depois que aprendi a me maquiar, eu via aqueles tutoriais de revista e achava... Não está ensinando nada.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
4.2.4 Profissionais
Além dos tradicionais agentes de socialização e do importante papel da
Internet para o aprendizado do jovem sobre maquiagem, profissionais de beleza
foram citados por alguns dos entrevistados como influenciadores a respeito do seu
aprendizado sobre maquiagem. No caso de Erica e Fabiana, por exemplo, os cursos
profissionalizantes de maquiagem trouxeram um grande aprendizado sobre técnicas
144
e produtos, bem como ensinamentos sobre a forma de maquiar os outros e lidar com
clientes.
“Não tive um curso especifico pra ensinar a maquiar, fiz muitos cursos. (...) Não posso dizer que tive um professor que me ensinou tudo o que eu sei de como maquiar. Pode ter me ensinado muitas coisas a respeito, truques e coisas assim, a maquiagem em si não. É mais comportamental mesmo. Aprendi todos os truques que você usa... Errou uma maquiagem, como faz para consertar. O rímel ficou duro, o que eu faço para deixar ele molinho de novo. A gente aprende em curso.” (Erica, 34 anos, administradora e maquiadora)
Já Camila teve duas experiências bem diferentes ao ser influenciada por dois
profissionais ligados a estética e beleza. Após uma experiência ruim com um
profissional que sugeriu que ela usasse um lápis 2B para corrigir falhas e que ela
não conseguiu fazer, Camila resolveu pedir para que um outro profissional (designer
de sobrancelhas) a ensinasse a maquiar a sobrancelha. Nos relatos de Camila, é
possível perceber também a diferença de resultados entre um profissional que disse
o que ela deveria usar e outro que efetivamente a ensinou a usar o produto indicado.
“Ele fez uma (sobrancelha) e me mostrou, ficou lindo e eu perguntei o que ele usou, ele disse que usou esse lápis 2B, ele falou para eu fazer em casa que ia dar certo. Comprei o lápis, fiz em casa, saí duas vezes até que eu vi uma foto minha e eu descobri que estava ridículo, eu era praticamente a Frida com aquele negócio horroroso e foi um designer de sobrancelha que me deu essa dica, que ele realmente fez a minha sobrancelha e tinha ficado muito bonito, só que provavelmente eu não consegui utilizar a técnica correta para pintar aquilo.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)
“Eu descobri um outro designer de sobrancelha lá em Teresópolis e eu o vi fazendo a sobrancelha da mulherada, ele fez a da minha sogra e eu fui lá para fazer, voltei, fiz, e eu pedi para ele me ensinar maquiar. Aí ele me disse onde comprar o lápis, qual o tom de lápis para o efeito que eu queria e como eu deveria maquiar, então ele fez uma comigo olhando para cá e depois ele me mandou fazer a outra para eu conseguir acertar. Foi uma das poucas coisas da minha vida que eu tive um profissional me ensinando a fazer.” (Camila, 33 anos, secretária executiva e consumidora expert)
Outro agente citado como influência para a descoberta de novos produtos foi
o dermatologista, citado por Erica e Axel como um profissional procurado para tratar
os problemas de pele e que influenciou ao prescrever rituais de cuidados,
145
cosméticos e maquiagens próprios para o seu tipo de pele, como sabonetes
específicos e filtro solar com cor (que atua como base) além de oferecer amostras
de produtos que permitem a avaliação de novos produtos. Erica, por exemplo, já
conhecia através da internet o papel que a base para vitiligo poderia desempenhar
na pele para cobrir manchas mas só testou ao receber uma amostra do seu
dermatologista, e hoje utiliza com grande regularidade. Ao atuar como um
profissional com reconhecido conhecimento técnico, as recomendações do
dermatologista costumam ser bastante apreciadas e consideradas pelos
entrevistados.
4.3 Habilidades
Como pontua EKSTRÖM (2006) “socialização envolve aquisição de
competências” (p. 78), o que significa dizer que a partir da ação dos agentes de
socialização o jovem geralmente adquire e desenvolve habilidades de diversos tipos,
sendo que alguns acabam desenvolvendo mais essas habilidades do que outros. No
caso da maquiagem, uma habilidade fundamental a ser desenvolvida é a habilidade
manual, que possibilita a execução de diversas técnicas precisas como fazer o
delineado, por exemplo. Nesse sentido, algumas entrevistadas relacionam a
existência de uma habilidade manual para artes como pintura e artesanato (muitas
vezes desenvolvida na infância) com a habilidade atual para maquiagem.
Janaina, por exemplo, conta que desde criança sempre teve facilidade com
artesanato, o que era bastante incentivado pela sua mãe. “Eu via na Ana Maria
Braga e fazia as coisas, minha mãe chegava em casa e eu tinha feito alguma arte lá,
ela adorava. Ela incentivava muito essa coisa do artesanato, isso faço desde criança
mesmo.”. Janaina diz ainda que tem grande facilidade em lidar com pincéis, já que
fez faculdade na Escola de Belas Artes e teve aulas de pintura, o que a ensinou
também a desenvolver algumas técnicas, para fazer o delineado, por exemplo:
“...marco com um lápis primeiro e depois passo delineador. "Não posso errar hoje",
então faço todo o traço primeiro com lápis que daí é fácil de borrar e esconder,
depois eu passo delineador por cima.” Já Fabiana conta que sua mãe sempre impôs
que ela soubesse costurar e fazer artesanato (atividade com a qual a mãe trabalha
hoje), então ela diz que sempre teve muita facilidade com trabalhos manuais. “Eu
146
sou extremamente manual, operacional. Não sou muito de pensar, papel, sou muito
mais manual, eu gosto de fazer.”
No entanto, diante do desejo de aprender sobre maquiagem e da eventual
ausência de fontes de aprendizado, todos os entrevistados utilizaram o método da
“tentativa e erro”, ou seja, treinaram seus corpos através de um processo solitário,
repetindo e tentando diversas vezes até conseguirem o resultado desejado. “Eu era
a referência das minhas amigas, mas eu não tinha uma referência. Não tive uma
pessoa para perguntar, minha mãe não entendia de nada, ela gostava de
maquiagem mas ela não sabia sobre isso.”, conta Erica. “Me lembro que fui fazendo
sozinha e fui tentando aprender.”, conta Janaina sobre o aprendizado de como fazer
o delineado. Ela conta que fazia aula de dança espanhola e todo final de ano tinha
uma apresentação para a qual uma das meninas passava delineador nas outras, já
que ninguém sabia. “Aí teve um ano, não sei se ela não estava, eu peguei o
delineador e passei e foi indo, fui melhorando com o tempo, fui pegando prática.”.
Um traço comum em todos os entrevistados é, portanto, o autodidatismo, pois
ainda que tenham tido acesso a vídeos que ensinassem sobre maquiagem ou ainda
que tenham presenciado talentosos amigos se maquiando, o efetivo aprendizado do
“como se maquiar” veio através do treino solitário e repetido inúmeras vezes até que
o resultado fosse satisfatório. E cada técnica nova que chega ao mercado é tratada
dessa mesma forma, o que faz com que para o grupo entrevistado essa forma de
aprendizado se torne mais uma habilidade.
Além das habilidades técnicas, também são adquiridas habilidades
informacionais como a “língua da maquiagem”, um dialeto de termos e expressões
sobre tipos de produtos e técnicas que só aqueles que realmente têm conhecimento
e interesse sobre o assunto conhecem. Falar a “língua da maquiagem” é sempre
esperado dos vendedores das lojas de maquiagem, por exemplo, para garantir sua
credibilidade:
“A partir do momento que o vendedor falou a língua da maquiagem, eu sei que ele entende. Aí eu vou confiar no que ele está falando. (...) Eu vou chegar lá e vou falar: "eu quero um rímel com textura mousse, que seja a prova d'água e com bico de ouriço. Se ela não souber o que é, e eu sei na hora que a pessoa não sabe, então qualquer coisa que ela vier sugerir eu não vou confiar, porque eu entendo mais do que
147
ela.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)
Esse acúmulo de conhecimento é contínuo, e por isso todos os entrevistados
mencionam que continuam pesquisando e se atualizando sobre maquiagem, seja na
pesquisa de tendências ou sobre técnicas, produtos e marcas. Além disso, a
maquiagem e a moda acabam aparecendo de forma combinada em muitas
situações, então mesmo quando os entrevistados pesquisam sobre moda eles
também encontram informações sobre maquiagem e os dois assuntos geralmente
são de grande interesse dos entrevistados. Luisa (25 anos), por exemplo, segue o
Steal the Look, um site que contém dicas de moda e maquiagem para que a jovem
“siga o estilo” de blogueiras e celebridades que estão usando as tendências daquela
estação, e que também está disponível no Instagram, Facebook, Pinterest e
Youtube.
Com a evolução da sua habilidade e o aumento nos seus conhecimentos
sobre o assunto, o jovem passa a ser mais criterioso com as informações a que se
depara, sendo mais seletivo nas fontes de informação e tópicos que o interessam.
“Hoje quase já não salvo mais tutorial de maquiagem porque normalmente eu já sei
fazer, só quando surge coisa nova e são muito difíceis.”, conta Camila (33 anos).
“Hoje em dia não é mais necessário, você olha uma maquiagem e gosta, você vai e
faz a maquiagem porque as técnicas eu tenho.”, complementa Erica (34 anos).
A ausência de determinado tipo de produto no mercado, sua inacessibilidade
ou mesmo o desejo de se engajar em uma produção original podem fazer ainda com
que esse consumidor adquira habilidades para se engajar em atividades DIY (“do-it-
yourself”), como o projeto do espelho de maquiagem feito por Erica (que ela não
conseguiu encontrar do que jeito que queria) e o batom que foi feito por Janaina na
tonalidade que ela gostaria para usar em uma determinada ocasião.
“Fiquei em casa um dia "meu Deus, essa maquiagem combina com esse batom, eu preciso desse batom". Aí eu falei "vou dar um jeito", comecei a misturar aqui um batom que eu tinha, que era um pouco cor de boca, eu achei uma sombra roxa meio acinzentada e falei "acho que vai dar certo", eu fiz e ficou bem similar.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
Outro grupo de habilidades que podem ser adquiridas são mais operacionais
e aparecem mais nas rotinas das blogueiras, um dos perfis de entrevistados para
148
esse trabalho. Isso porque, além da habilidade com a maquiagem, a jovem precisa
aprender sobre iluminação, gravação e edição de vídeos, além de questões técnicas
relacionadas ao blog e ao upload dos vídeos no seu canal. Eventualmente, a
blogueira precisa desenvolver ainda a sua própria “personagem blogueira”, ou seja,
como ela vai falar com a sua audiência, que tipo de expressões vai usar, que
assuntos vai tratar nos posts, onde ela vai gravar e como vai estar vestida nos
vídeos (o que faz diferença em termos de imagem que ela vai passar), entre outras
informações. Isso tudo vai diferenciar a blogueira e acaba definindo o público que
ela atingir. No caso das maquiadoras Erica e Fabiana, com os cursos
profissionalizantes de maquiagem e o contato com outros profissionais do meio
novas habilidades vão sendo adquiridas sobre a relação com clientes, o
comportamento esperado no ambiente de trabalho, etc.
Na Figura 20 abaixo, buscou-se resumir as principais habilidades que vão
sendo adquiridas e desenvolvidas no que chamamos de consumidor habilidoso de
maquiagem. É possível perceber que essas capacitações ocorrem de forma
crescente, iniciando-se com as habilidades manuais, evoluindo para um
conhecimento de produtos e nomenclaturas específicas do assunto que formarão
um senso estético sobre maquiagem. A partir daí, o conhecimento avançado permite
que haja uma criteriosa seleção de novas informações, que pode servir apenas para
uso próprio ou transformar-se em profissão. Ao prosseguir para uma
profissionalização novas habilidades são construídas, relacionadas a conhecimentos
técnicos e comportamentais (como lidar com clientes, quanto cobrar, como filmar e
editar vídeos para o blog, etc).
4.4 Trajetórias do consumidor habilidoso
Levando-se em consideração as discussões que foram oferecidas até esse
momento, é possível perceber então que há uma mudança na ação dos agentes de
influência na formação do jovem consumidor na contemporaneidade. Uma vez que a
socialização é vista como um processo contínuo (WARD, 1974), pode-se perceber
ainda que os agentes de socialização vão exercer diferentes funções durante o ciclo
de vida do indivíduo. Faz-se necessário também nesse momento perceber quais
habilidades tendem a ser desenvolvidas em cada etapa do ciclo de vida do indivíduo
149
e quais são os gatilhos que podem transformar a relação dos indivíduos com a
maquiagem.
Figura 20 – Continuum de tipos de habilidades desenvolvidas.
O modelo conceitual de socialização do consumidor proposto por Moschis e
Churchill (1978) já considerava a idade e a posição no ciclo de vida como variáveis
antecedentes que poderiam influenciar na atuação dos agentes de influência e
consequentemente nos resultados do processo de socialização. Além disso, a maior
parte dos estudos de socialização está voltada para a infância e considera a
passagem para a adolescência como a fase em que a diminui influência da família
(que seria maior na infância) e cresce a importância dos pares como agentes de
socialização (JOHN, 1999; GENTINA e BONSU, 2013), o que já demonstra a
mudança de influência dos agentes de socialização. A diferença entre a socialização
de adolescentes e de jovens adultos foi também analisada por Singh, Kwon e
150
Pereira (2003), que corrobora essa perspectiva mesmo ao analisar jovens de
diferentes culturas. Como na presente pesquisa foram analisadas as diferentes
trajetórias de aprendizado de consumo da jovem habilidoso, é possível contribuir
também a essa discussão com um esquema que recupera o que foi discutido até
esse momento e mostra os principais agentes de socialização e a função que
desempenham em momentos chave da vida do indivíduo da infância até a vida
adulta, bem como as habilidades que são adquiridas em cada fase.
A ideia do esquema descrito na Figura 21 é demonstrar dentro do contexto de
cada fase da vida (excluindo-se a etapa da senioridade) quais funções são
desempenhadas pelos agentes de socialização no processo de desenvolvimento de
habilidades da criança/jovem/adulto para o consumo de maquiagem. Também são
demonstrados os “gatilhos” que desencadeiam mudanças de comportamento e
quais são essas mudanças e renovações que ocorrem a partir desses “momentos de
virada”.
Figura 21: Esquema de trajetórias percorridas pelo consumidor na formação de sua habilidade
151
Assim, a partir das diferentes trajetórias dos entrevistados analisadas até aqui
e de suas histórias de vida é possível perceber que na infância a família exerce uma
função normativa, já que ensina sobre as normas de comportamento e limites
esperados nas relações familiares e com as demais pessoas. Os primeiros contatos
com a maquiagem podem ocorrer na infância e vêm através da família, seja na
utilização de produtos da mãe e da tia como é o caso de Erica ou em brincadeiras
com outros membros da família como Camila, que brincava de maquiagem com a
sua prima.
A mãe particularmente exerce um importante papel de modelo a ser seguido
pela filha (“modelling”) e seus mecanismos de reforço (elogio ou punição) podem ser
de grande importância para o estímulo de alguns comportamentos na criança.
Embora não tenha aparecido de forma clara a questão da influência dos meios de
comunicação de massa (já que o foco desse estudo não é a socialização na
infância), eles também foram considerados nesse modelo em razão dos diversos
estudos nessa área que aparecem em John (1999) e demonstram a influência que a
mídia pode exercer no público infantil.
Nessa fase começam a ser desenvolvidas habilidades manuais através de
brincadeiras e/ou atividades de pintura e artesanato. Além disso, a criança começa a
perceber que é capaz de aprender algumas coisas sozinha (autodidatismo) e inicia o
desenvolvimento de um senso estético, sendo capaz de dizer aquilo que gosta ou
não gosta (como Fabiana e o batom vermelho que gostava de usar quando criança).
Assim, a criança começa a ser inserida nas atividades de consumo comuns e inicia
a construção de sua identidade.
A fase da adolescência é a que apresenta novos agentes de socialização,
pois os pares aparecem com grande influência e atuam para o aprendizado de
novos comportamentos de consumo e pela própria busca do jovem de inserção em
grupos do seu interesse (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978; LUEG et al., 2006). A
função normativa passa então a ser desempenhada não só pela família mas
também pelos pares contextualizadores, que servem para mostrar ao jovem os
comportamentos sociais que são esperados dentro de determinadas conjunturas
(como as “festinhas” de adolescentes). Começa a haver também uma função
disruptiva, já que em contato com os pares incentivadores novos comportamentos
152
podem ser estimulados (a influência das amigas para que Camila começasse a usar
maquiagem, por exemplo) e mesmo a mãe pode sugerir um comportamento
diferente que pode alterar relação do jovem com o consumo de maquiagem e com
sua própria autoestima (como a sugestão da mãe de Erica para que ela começasse
a usar maquiagem). Os meios de comunicação tradicionais e a Internet também
podem atuar como “gatilhos” de mudança, como é o caso de Axel com o programa
Ru Paul’s Drag Race e Bianca com a descoberta blog de maquiagem de Andreza
Goulart, funcionando de forma aspiracional.
Além da família (através do acervo de produtos disponíveis) e dos meios
tradicionais de comunicação de massa, os pares instrumentalizadores e
principalmente a Internet surgem para auxiliar no aprendizado do jovem sobre
maquiagem. Com a popularização do acesso, a Internet passa a ser a principal
forma pela qual o jovem vai buscar informações sobre maquiagem, seja para
aprender a se maquiar, verificar tendências, descobrir os melhores produtos para
depois comprá-los e ainda para se inserir em grupos que discutem e trocam dicas
sobre o assunto. Ainda que o interesse surja de outra forma (através dos amigos,
para agradar ao namorado ou para imitar uma estrela de TV), grande parte do
aprendizado costuma ocorrer através desse agente de socialização. Nas redes
sociais o jovem encontra não somente uma esfera de influência mas diversos
recursos para o aprendizado, justamente o “como fazer” que antes vinha somente
através dos ensinamentos das mães, irmãs, amigas ou de alguma revista ou
programa de TV (quando havia).
Além disso, como nessa fase da adolescência o jovem muitas vezes não tem
uma independência financeira, a família ainda exerce certa influência já que em
última instância determina a aquisição desses recursos, particularmente a figura da
mãe. Ainda assim, alguns dos entrevistados já começam a adquirir alguns produtos
para uso próprio ou começam a compartilhar maquiagens com a mãe.
As habilidades manuais evoluem e novas técnicas de maquiagem passam a
ser desenvolvidas através da “tentativa e erro”. O senso estético fica mais apurado e
o jovem começa a desenvolver o seu próprio estilo, entendendo que ele pode ser o
que quiser ao vislumbrar novas identidades possíveis através de amigos, Internet e
meios de comunicação de massa. O jovem começa a dominar a linguagem
153
específica relacionada àquele universo e a conhecer diferentes técnicas, produtos e
acessórios, o que aliado à sua habilidade crescente passa a diferenciá-lo aos
poucos do consumidor comum e a aproximá-lo dos consumidores habilidosos de
maquiagem.
Por fim, na fase adulta o consumidor habilidoso geralmente já estagia ou
trabalha e está em busca de sua independência financeira, o que o possibilita
adquirir os produtos do seu interesse e administrar suas práticas de consumo de
maneira independente dos pais. A partir de um processo de experimentação, os
jovens começam a descobrir quais são os produtos que funcionam para o seu tipo
de pele e para aquilo que desejam transmitir aos outros (CASOTTI, SUAREZ e
CAMPOSY, 2008). As funções normativas e contextualizadoras então passam a vir
dos pares, notadamente colegas de faculdade/trabalho e grupos de amigos. Novas
situações pessoais e profissionais podem estimular comportamentos distintos sobre
o uso de maquiagem (como o caso de Luisa na faculdade e no ambiente de
trabalho), e os pares instrumentalizadores e a Internet passam a ser fundamentais
para a descoberta de novos produtos e técnicas que ampliem os conhecimentos já
adquiridos.
Uma vez que nessa fase o adulto já tende a possuir a sua própria identidade
consolidada, ele passa então a se comparar com aqueles que estão próximos
(amigos e parentes) em relação à sua evolução enquanto consumidor habilidoso,
assumindo uma postura reflexiva. O consumidor habilidoso passa então de
socializado a agente de socialização e começa a tentar influenciar aqueles que
ficaram “para trás” em relação ao uso de maquiagem, notadamente amigos e
parentes (mãe, irmãs, etc.).
O acúmulo de conhecimento faz com que o consumidor habilidoso seja capaz
de selecionar criticamente as fontes e o tipo de informação buscada, geralmente
procurando sobre novos produtos ou técnicas que estão “na moda”, como Luisa e a
técnica do contorno. “Hoje está na moda aquele tal de contorno, não sei fazer, quero
aprender e eu sei que tem um produto maravilhoso para fazer um contorno que eu vi
no Instagram, no Steal The Look, e lá tem umas meninas que fazem um contorno
perfeito.”. Além disso, novas habilidades são desenvolvidas para atividades de DIY
quando os produtos desejados não existem no mercado ou não estão acessíveis no
154
momento desejado (como o espelho de Erica e o batom que foi feito por Janaina).
Para os jovens que se tornam maquiadores ou blogueiros, nessa fase são
desenvolvidas ainda novas habilidades técnicas e comportamentais relacionadas às
suas atividades profissionais (edição de vídeos, iluminação, postura profissional,
entre outras).
4.5 Dinâmicas de Influência
A fim de que pudessem ser analisados os agentes de socialização e as
trajetórias de aprendizado de consumidoras habilidosas de maquiagem, três
diferentes perfis foram selecionados conceitualmente: blogueiras, maquiadores
profissionais e jovens com alto conhecimento mas que não pertencem às categorias
anteriores (denominadas nesse estudo de experts). No entanto, conforme pôde ser
percebido nas seções anteriores, a ação dos agentes de socialização não parece
ocorrer de forma diferenciada para cada perfil; por vezes, um mesmo agente teve
grande influência em jovens de dois ou dos três perfis, então a ação de um
determinado agente não pode ser apontada como uma causa relevante para a sua
mudança de trajetória.
Isso quer dizer que devem existir outros motivos que expliquem o que leva um
jovem consumidor com elevado conhecimento e habilidade a tornar-se maquiador(a)
ou blogueiro(a) de maquiagem. De acordo com as entrevistas e a literatura
analisada, é possível propor que os fatores fundamentais por trás dessas trajetórias
são o reconhecimento social e a funcionalidade desejada para a habilidade (ou seja,
como o jovem deseja utilizar o seu conhecimento e habilidade). Assim, a esfera de
influência seria maior de acordo com cada papel representado por esses jovens,
como mostra a escala abaixo:
Figura 22: Círculo de influência do consumidor habilidoso
155
No caso do consumidor comum, o desenvolvimento da habilidade faz com
que pessoas próximas como familiares e amigos passem a reconhecer o seu
conhecimento mais destacado no assunto e a pedir dicas de maquiagem, ou ainda
solicitam que eles a maquiem em ocasiões especiais. Assim, de socializados essas
jovens passam a se tornar também agentes de socialização, como mostram os
depoimentos a seguir. “Já fiz sessão de maquiagem no trabalho uma vez para
ensinar todo mundo a se maquiar, todo mundo levou as coisas, eu disse “viu gente,
é fácil””, conta Janaina, além de mencionar que a mãe também costumava pedir que
ela a maquiasse. “Eu gostava de ver ela mais bonita, minha mãe sempre foi muito
assim desligada de questões de estética (...) Eu gostava quando eu tinha que
maquiar ela, ela me pedia e eu gostava.”. No caso relatado por Janaina, ocorre
ainda a “socialização reversa” definida por Ward (1974), já que Janaina passa a
ensinar e a influenciar as práticas de consumo de maquiagem da mãe, tendo
aprendido não só com ela mas a partir de outros agentes de socialização, como os
pares e a Internet (EKSTRÖM, 2006; SHIM, SERIDO e BARBER, 2011). Já Camila
é solicitada para dicas e ensinamentos inclusive pela sogra e pela cunhada:
“Eu vou lá, faço olho, elas não sabem fazer, traço de delineador. Uma é uma menina com 17 anos que ama maquiagem, como toda mulher em Teresópolis, mas tem dificuldade para poder executar as coisas. E minha sogra, grande dificuldade da mulher que usa óculos conseguir se maquiar, então eu ajudo ela também.(...) Elas me pedem para maquiar e me pedem dicas de maquiagem.” (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)
Nessa etapa, o jovem já possui um conhecimento avançado, troca
informações com pares e busca novas informações na Internet e redes sociais. O
desenvolvimento da habilidade faz ainda com que esses jovens prefiram fazer a sua
própria maquiagem mesmo em situações sociais em que geralmente são
contratados profissionais, como para casamentos.
“Acho que um maquiador bom para mim, que fosse melhor do que eu, seria alguém que cobrasse muito caro. Hoje em dia tem maquiador de R$ 500 que maquia pior do que eu. Não vou pagar. Não faz sentido.Para que eu vou gastar numa coisa se eu posso economizar? Prefiro fazer meu cabelo que não tenho como fazer este cabelo sozinha.”
156
(Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
No caso de Camila, a falta de confiança na maquiagem feita pelos outros e o
desejo de economizar com algo que ela sabia fazer bem fez com que Camila fizesse
a própria maquiagem mesmo no dia do seu casamento.
“A minha maquiagem eu fiz, porque eu não ia contratar uma pessoa pra fazer maquiagem em mim, que ia desmoronar, porque eu casei 15 de novembro num calor do cão no Rio de Janeiro, de manhã. Então eu sabia que ia me irritar. Então eu falei assim: "não, a maquiagem sou eu quem vai fazer, porque eu sei o que eu vou poder fazer sem me preocupar, ficar com aquela cara de panda, e depois curtir sem me estressar". (Camila, 32 anos, secretária executiva e consumidora expert)
Com a habilidade evoluindo, sendo reconhecida e requisitada por aqueles que
se encontram no círculo social próximo, alguns jovens optam pela profissionalização
como maquiadores ou por um compartilhamento da habilidade através da criação de
um blog. Em ambos os casos, geralmente há um motivador externo que incentiva
esse passo, como amigos ou familiares. No caso de Erica, quando ela foi se casar
teve muita dificuldade em achar um maquiador e percebeu nisso uma oportunidade:
“Vi que fazia uma maquiagem melhor do que
os profissionais. Tinha alguns casamentos
antes do meu em que era madrinha, daí ia no
salão para fazer o teste para quando fosse
casar. Chegava no salão e fazia o teste,
chegava em casa, lavava meu rosto e
maquiava. Tirava uma foto da maquiagem
que fiz no salão e da maquiagem que fiz, não
tinha comparação, minha maquiagem era
muito mais bonita. Então iria ganhar dinheiro
com isso.” (Erica, 34 anos, administradora e
maquiadora)
Mesmo procurando muito, no dia do casamento ela retocou a própria
maquiagem. “Eu me maquiei no salão do meu casamento, mas eu cheguei em casa
e fiz minha maquiagem por cima.”. Depois disso, várias pessoas começaram a
incentivá-la a se profissionalizar. “Acho que todo mundo que estava em volta de mim
na época falou, minha mãe falou, meu ex-marido falou, meus amigos falaram, todo
mundo "nossa Érica, você tem que fazer isso, você tem que trabalhar com isso".”.
157
Sua primeira cliente foi uma amiga noiva que abriu mão de outro maquiador mais
experiente para que Erica a maquiasse em seu casamento e começou a indicá-la
para outras noivas. Hoje Erica é tão solicitada para dicas de melhores produtos que
fez uma lista pronta de maquiagens que ela indica e já envia direto para quem pede.
A diferença principal entre as trajetórias está justamente na esfera de
influência atingida. No consumidor expert, tanto a aquisição de conhecimento como
a evolução da habilidade estão voltadas para o seu próprio usufruto e de acordo
com as suas necessidades, e sua esfera de influência está restrita aos amigos e
familiares próximos, onde há contato frequente. Já no caso dos entrevistados
maquiadores, desde cedo eles se tornam referência das amigas e influenciadores de
comportamento em relação à maquiagem. Fabiana conta que quando começou a
aprender a usar os produtos levava maquiagem para a escola e ensinava para as
amigas, enquanto Erica conta que na adolescência “quando tinha festa era todo
mundo na minha casa e eu maquiava todo mundo.”. “Eu era a referência das minhas
amigas”, ela completa.
O jovem que decide pela profissionalização, portanto, gosta de utilizar o seu
conhecimento e habilidade não só para si mesmo mas também para os outros,
ampliando sua esfera de influência. Isso ocorre uma vez que a profissão funciona
com base na divulgação e no boca a boca, onde uma cliente satisfeita indica para
outras do seu círculo. “Se uma cliente gosta de você, todo mundo gosta de você,
mas se uma cliente não gosta de você, acabou.”, conta Fabiana. Assim, o
maquiador ensina e influencia pessoas próximas, gosta de ser elogiado e
reconhecido pelo seu trabalho e essa possibilidade de utilizar as suas melhores
habilidades para deixar outras pessoas se sentindo mais bonitas parece ser
fundamental para esse grupo. Daniel chega a se emocionar ao falar sobre isso:
“Quando a gente realiza um trabalho que a gente vê a satisfação da cliente pelo trabalho que você realizou, é muito mais válido do que o dinheiro que a gente ganha. Só em você saber que você está fazendo bem, com isso você está podendo fazer o bem, você está levantando a autoestima, não tem valor que pague. (...) Depois que a gente aprende a trabalhar com essas coisas a gente acaba sendo visto mais ou menos como Deus. As suas amigas olham para você e te vêem diferente porque elas sabem que você vai fazer aquilo ali e vai ficar bem feito. É maravilhoso. Não tem uma palavra que possa definir a emoção. Você fazer uma cliente e ela
158
olhar no espelho e ela falar "estou linda", poxa foi você quem fez!” (Daniel, 29 anos, cabeleireiro e maquiador)
Ainda assim, a relação de influência do maquiador com os outros é direta,
one-to-one, e os ensinamentos podem ser modificados de acordo com a interação
do socializador com o socializado. Erica, que oferece cursos de automaquiagem,
conta que adapta o curso às necessidades das alunas, ao que elas desejam
aprender e se desenvolver ao invés de oferecer módulos fechados, assim como
Daniel, que reforça utilizar os produtos que a cliente já tem em casa para seus
cursos.
“Não adianta eu dar um curso com o meu material, porque o material é completo, é de profissional. Uma cliente minha não tem em casa 3 maletas de maquiagem para se maquiar. Ela vai ter no máximo uma nécessaire. Se ela for muito perua ela vai ter uma mini maletinha. Então eu ensino ela a sobreviver com o que ela tem, com o material que ela tem, com a base dela, com o pó dela e daí quando acontece de ela estar em um evento que eu não tenho como comparecer para a maquiagem a gente faz pelo face time.” (Daniel, 29 anos, maquiador)
Daniel conta que quando a cliente está em outro local ou cidade que ele não
pode comparecer para maquiar ele ensina e acompanha a maquiagem através de
uma conexão por vídeo à distância ou algum aplicativo que permita uma conversa
em vídeo. Essa relação mais próxima diferencia o trabalho desses maquiadores em
relação a outros cursos de automaquiagem oferecidos por grandes marcas, que
costumam ser de módulos pré-definidos como maquiagem para noite, maquiagem
de dia a dia, entre outros. O maquiador passa então a influenciar não só familiares e
amigos mas também seus clientes e outros profissionais com os quais ocorre uma
grande troca de informações. Como se interessa em conhecer novos produtos e
acompanhar as tendências da moda, a Internet e as redes sociais ainda são grandes
fontes de influência e aprendizado.
Finalmente, no caso da blogueira, a vontade de compartilhar os seus
conhecimentos e o desejo pelo reconhecimento social de sua habilidade chega ao
grau mais alto, já que através da internet e do seu “efeito megafone”
(MACQUARRIE, MILLER e PHILLIPS, 2013) é possível alcançar milhares (ou até
159
milhões) de seguidores de qualquer lugar de mundo e atuar de fato como alguém
que influencia pessoas.
Além disso, diferentemente do consumidor expert e até do maquiador, o
blogueiro pode desenvolver um contato direto com grandes marcas que o
influenciam e que são influenciadas pelo seu comportamento no ambiente das
mídias sociais, já que os blogueiros indicam seus produtos favoritos, comparam
diferentes marcas e ensinam o “como fazer”, o que muitas vezes é a barreira que
impede o consumo de alguns produtos (não saber como utilizá-los). Os meios de
comunicação exercem uma influência de ordem aspiracional ao serem uma forma da
mostrar ao mundo a sua importância e popularização. Bianca Andrade, por exemplo,
já participou algumas vezes de programas da Rede Globo como o “Mais Você” e o
“É de casa” e recentemente foi capa da Revista Todateen, declarando nessas
ocasiões tratar-se de uma “grande realização7”. Por outro lado, o fato de os meios
de comunicação convidarem blogueiras para os seus programas mostra que eles
percebem e assumem a importância que essas blogueiras têm para o seu público,
mostrando a influência exercida por essas jovens.
As blogueiras e blogueiros ensinam para adolescentes e adultos de qualquer
lugar do mundo o passo a passo de diferentes tipos de maquiagem (das mais
simples às mais complexas) e indicam quais são os melhores produtos a serem
utilizados para cada finalidade. Tudo isso de forma mediada pela tecnologia, à
distância. Diferentemente então da ação do maquiador, que adapta a sua
transmissão de conhecimento em função das características pessoais da cliente e
suas necessidades específicas de conhecimento, no material postado pelo blog
acaba havendo uma padronização da informação para certos assuntos escolhidos
pelo próprio blogueiro, que não conhece de fato todos os seus seguidores. Além
disso, os blogueiros também influenciam e são influenciados pelos outros blogueiros
do mesmo segmento, já que levam em que consideração o que os outros estão
fazendo, que assuntos estão fazendo sucesso nos canais de vídeos e algumas
vezes ainda atuam em parceria para atrair novos seguidores.
7Trecho retirado do vídeo Mãe virei capa de revista.Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=yvjAXNcaZf4>. Acesso em 05 de Junho de 2016.
160
Com base no que foi discutido até esse momento, a Figura 23 mostra um
esquema que busca explicar a trajetória de consumidores expert que podem buscar
a profissionalização e/ou o compartilhamento de opiniões e conhecimentos em
escala global. Além disso, o esquema demonstra as ações de influência recebida e
de socialização, bem como os agentes envolvidos nas trajetórias do consumidor,
maquiador e blogueiro (a). Por fim, o esquema demarca as diferenças encontradas
nas ações de prossumo e cocriação, tópico que será discutido em seguida.
Figura 23: Modelo de dinâmicas de influência dos consumidores habilidosos
Uma importante discussão que a análise dos diferentes caminhos que podem
ser percorridos traz refere-se à questão da habilidade desses jovens enquanto
prossumidores. Em todas as trajetórias, é possível perceber que os consumidores
habilidosos atuam como consumidores-produtores através da modificação nos usos
e significados associados aos produtos, a exemplo do conceito de consumidor
criativo de Cova (2008). Alguns dos entrevistados mencionam, por exemplo,
produtos que tem uma utilidade determinada mas que passam a ser utilizados de
outra forma, como Erica, que diz usar uma base indicada para pessoas que tem
vitiligo como uma base de maior cobertura, que ela geralmente utiliza para sair à
noite. Ela conta que descobriu esse produto ao assistir um vídeo promocional na
161
internet que mostra um modelo com várias tatuagens que utiliza essa base para
escondê-las. Erica conta que testou o produto ao ganhar uma amostra de seu
dermatologista e que hoje usa no rosto todo.
Já Camila diz saber aproveitar os produtos que tem para conseguir diferentes
efeitos. Ela conta saber fazer um “olho gatinho” mesmo sem ter um delineador,
através de um lápis preto, e ainda que utiliza um pó que ganhou e é mais escuro que
a sua pele para outra finalidade, no caso para fazer o efeito do contorno, capaz de
afinar o rosto. Já Fabiana, ao contar sobre seu trabalho com maquiagem artística,
diz que vários materiais como papel higiênico e unha postiça são utilizados como
matérias primas para criar os efeitos visuais na maquiagem como ferimentos e
deformações.
No caso de Bianca, seu vídeo com maior número de visualizações no canal
Boca Rosa do Youtube até agora é justamente um vídeo em que a jovem ensina
como fazer o efeito de cílios postiços sem curvex, com o auxílio de uma colher e
utilizando um pó facial para engrossar os cílios8. Além disso, como ela precisava
gravar os vídeos para o seu blog mas não tinha muita infraestrutura em casa
algumas improvisações eram feitas. Para melhorar a iluminação dos vídeos, por
exemplo, como Bianca não tinha uma iluminação profissional ela utilizava duas
luminárias que apoiava em algum móvel, além de utilizar a tábua de passar roupa da
sua mãe (com uma toalha em cima) para apoiar as suas maquiagens durante a
gravação dos tutoriais, já que ela não tinha uma penteadeira9. Na seção “sobre mim”
do blog ela inclusive se define como “rainha da gambiarra”.
Além dos novos usos dos produtos e de improvisações técnicas, os
consumidores habilidosos podem ainda improvisar seus próprios produtos para
preencher uma lacuna de mercado, como Daniel, que diz poder utilizar uma mesma
base para pessoas brancas e negras. “... faço misturas, pego um pouco da base
clara, misturo com um pouco de pó compacto mais escuro, com uma base de um
tom abaixo da que é para a sua pele, para eu conseguir ao mesmo tempo te
maquiar e fazer uma marcação.”, conta ele. 8Vídeo Quer cílios gigantes? Vem comigo! do canal Boca Rosa de Bianca Andrade. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Nccj-qXpAMs>. Acesso em 05 de Janeiro de 2016. 9Vídeo Por trás das câmeras S2 Um dia de gravação comigo! do canal Boca Rosa de Bianca
Andrade. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=BGRUHndkx08>. Acesso em 05 de Janeiro de 2016.
162
O consumidor habilidoso pode ainda improvisar mesmo que os produtos
existam no mercado e que seja possível adquiri-los. Nesse sentido, Janaina (27
anos) conta sobre um batom da MAC utilizado pela socialite Kylie Jenner e que ela
decidiu ter mas não queria comprar, e sim fazer a troca através do “back to MAC”,
um programa de trocas onde o consumidor troca seis embalagens vazias de
produtos MAC por um batom ou uma sombra da linha regular. Como esse batom
que ela queria foi lançado na linha especial, Janaina resolveu aguardar a entrada
dele na linha regular e decidiu tentar fazer seu próprio batom em tom semelhante.
“... eu falei "vou dar um jeito", comecei a misturar aqui um batom que eu tinha, que
era um pouco cor de boca, eu achei uma sombra roxa meio acinzentada e falei
"acho que vai dar certo", eu fiz e ficou bem similar.”.
Para fazer o batom, Janaina então utilizou um pote vazio de um creme da
Clinique, pegou um lápis que funcionava como batom e ficou “destruindo” o batom
para depois juntar com uma sombra. Ela conta que sabe da existência de vídeos
que ensinam a fazer batom, mas que ela utilizou a sua própria experiência para
pensar numa forma de fazer.
“Eu tenho por experiência de trabalhar com pintura, você pega o pigmento e coloca lá numa coisa para dissolver ele e transformar e você conseguir passar ele com um pincel. Qualquer tinta que você compra pra pintar na verdade ela é esse pigmento que normalmente é um pó que eles misturam lá com um troço e você consegue pintar, mas alguma vez na vida ele já foi pó. Acho que fiz essa conexão "vai dar o mesmo efeito".” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
Por conta desse conhecimento, Janaina ainda guarda alguns produtos que
estão esfarelados (como blush e sombra) para que um dia possa recuperá-los ao
assistir tutoriais que ensinam como fazer isso. “Eu quero assistir um negócio
daqueles e fazer. Bota álcool, aperta, parece que o negócio fica de volta como era
antes. Eu fico guardando pra chegar nesse momento que vou ter essa paciência de
fazer isso.” Além disso, ela mostra nos vídeos enviados que guarda alguns potes
vazios para essas “misturinhas” de produtos. O que ela costumava fazer com mais
frequência eram as misturas de corretivos diferentes em busca do tom ideal para a
sua pele, sendo que certa vez a própria vendedora sugeriu um outro produto para
essas “misturas”, o que sugere que esse tipo de comportamento da consumidora
habilidosa não seria um fato isolado.
163
“Uma vez eu fui na MAC e quis comprar, só tinha o mais claro, não tinha o mais escuro, a vendedora me recomendou um outro corretivo deles que como era só para fazer a misturinha, era mais barato e eu podia misturar e ele ia ter as mesmas propriedades do outro porque ia misturar com o outro e só ia alterar um pouco a cor dele. Aí ela me recomendou um menorzinho, eu comprei esse e o mais claro eu comprei do tipo que eu já comprava normalmente. Aí eu misturava isso, um corretivo com o outro.” (Janaina, 27 anos, designer de interiores e blogueira)
É possível ainda a idealização de projetos com base na identificação de
lacunas no mercado, ainda que o processo de DIY descrito por Wolf e McQuitty
(2013) não seja feito por completo pela própria pessoa. Erica, por exemplo, ao
reformar o apartamento e identificar a necessidade de ter uma iluminação adequada
para se maquiar fez um projeto de espelho para a sua bancada. “Pesquisei em
muitos lugares "qual é o espelho ideal para maquiagem", foram vindo várias
imagens, várias coisas, várias informações, fui pegando uma coisa de um e de outro
e fui fazendo. Quando me mudei para cá mandei fazer esse espelhinho.”.
Em linha com o conceito de consumidor artesão trazido por Campbel (2004),
a maquiagem traz na sua própria essência uma correlação ao se tratar de uma
reunião de produtos diferentes que são utilizados pelas pessoas como “atos criativos
de expressão de sua individualidade” (p.46). Os produtos são combinados, utilizados
uns sobre os outros e o resultado é uma miscelânea que é totalmente nova, como
uma tela de pintura que é resultado da combinação de várias tintas diferentes.
Nos casos relatados acima, podemos ver ações de prossumo e DIY que são
feitas em uma escala individual, para o próprio uso do individuo. Além disso, há uma
visão crítica dos produtos existentes no mercado e essas ações muitas vezes são de
reação dos indivíduos a lacunas existentes ou ofertas que não atendem às suas
necessidades específicas. Já no caso das blogueiras, a atuação como
consumidoras-produtoras torna-se um pouco diferente, já que elas produzem
conhecimento que é disseminado nos blogs e ainda podem lançar os seus próprios
produtos no mercado de consumo, como Bianca do blog Boca Rosa (que foi
analisado nesse trabalho) que lançou uma linha de esmaltes em parceria com a
marca Studio 35 (Figura 24). A blogueira definiu a paleta de cores e participou da
definição da estratégia de comunicação da coleção. Esse movimento vem se
tornando comum entre as blogueiras mais famosas, como a coleção de paletas de
164
sombras e pincéis da blogueira Camila Coelho em parceria com a Sigma (Figura 25)
e a linha de batons da Pausa para Feminices (da blogueira Bruna Tavares) com a
Tracta. Ou seja, de consumidoras e influenciadoras as blogueiras tornam-se
produtoras não somente de informações mas também de novos produtos em
parcerias com as empresas. Assim, essas blogueiras passam do prossumo
individual para ações de cocriação institucionais, aliadas às grandes empresas de
consumo.
Figura 24 - Linha de esmaltes Boca Rosa da blogueira Bianca Andrade em parceria com a Studio 35
Figura 25 – Coleção Nightlife by Camila Coelho em parceria com a Sigma
165
Essa relação das grandes marcas com as blogueiras relaciona-se com o
conceito de Consumer Made de Cova (2008) ao mostrar essa conjuntura
possibilitada pelas evoluções tecnológicas que permitem uma aproximação entre as
empresas e os consumidores, que assumem cada vez mais um papel ativo nas suas
experiências de consumo. A ação das marcas de enviar produtos gratuitamente para
as blogueiras, por exemplo, é uma forma incentivar a divulgação dos mesmos de
forma “descompromissada” diretamente para o público-alvo, o que se relaciona com
a copromoção, um dos territórios possíveis das práticas de cocriação segundo Cova
(2008).
No entanto, o fato dessas empresas estarem procurando blogueiras para
lançar produtos em parceria já demonstra práticas de coinovação onde as blogueiras
atuam como consumidoras criativas, participando dos processos de
desenvolvimento de novos produtos. A blogueira Camila Coelho, por exemplo, conta
que participou de todo o processo criativo da sua linha de maquiagem com a Sigma,
já que participou das escolhas do tom, acabamento (matte, cremoso) e tipo de
produto (em pó, líquido, bastão, etc.). No seu blog, Camila comenta ainda o
lançamento do batom dessa coleção que foi o primeiro batom a ser lançado pela
Sigma10, demonstrando que a empresa aproveitou a parceria com essa blogueira de
sucesso para lançar e divulgar uma nova linha de produtos. É possível perceber,
portanto, que a aproximação das empresas com os consumidores está cada vez
maior, principalmente se considerarmos os consumidores influentes como as
blogueiras. Vale notar, entretanto, que ao invés de buscar o engajamento de vários
consumidores algumas empresas parecem buscar consumidores-chave com grande
conhecimento e alto nível de influência para engajar nessas práticas de cocriação.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nessa seção serão apresentados os principais achados no decorrer dessa
pesquisa, as contribuições que podem ser feitas ao corpo teórico dos estudos de
socialização do consumidor, beleza e aos recentes estudos que analisam os novos
papéis do consumidor (como consumidor-produtor), bem como demais
10
Review: my nightlife collection with Sigma. Blog Camila Coelho. Acesso em 12 de Janeiro de
2016. Disponível em:http://camilacoelho.com/en/2015/09/24/review-minha-colecao-nightlife-com-a-sigma/
166
contribuições. Em seguida, serão apresentadas as implicações gerenciais desse
estudo para o mercado e as sugestões de pesquisas futuras a partir dos pontos aqui
analisados e discutidos.
5.1 Revendo a trajetória da pesquisa
O principal objetivo da presente foi investigar o papel desempenhado pelos
agentes de socialização na formação do jovem consumidor habilidoso de
maquiagem na atualidade. Buscou-se investigar em que medida cada um dos
agentes apontados por Moschis e Churchill (1978), ou seja, família, pares e meios
de comunicação atuaram no jovem para a transmissão de conhecimentos,
habilidades e atitudes relativos ao desempenho do seu papel enquanto
consumidores (WARD, 1974) no contexto atual, além dos significados associados ao
uso da maquiagem para esses jovens.
Esse trabalho trouxe uma conexão entre duas perspectivas teóricas que
discutem sobre a formação e atuação do consumidor no mercado. Por um lado
temos as teorias de socialização do consumidor (WARD, 1974; MOSCHIS e
CHURCHILL, 1978; MOSCHIS, 1985) onde são discutidas as formas pelas quais os
consumidores adquirem “conhecimentos, habilidades e atitudes relevantes para o
desempenho das suas funções de consumidores no mercado” (WARD, 1974, p.2). A
importância desses estudos está em compreender de que forma o contexto
sociocultural em que as pessoas estão inseridas, bem como suas relações sociais e
familiares são capazes de influenciar a aquisição de competências para o consumo
que podem se perpetuar por toda a vida do indivíduo (EKSTRÖM, 2006).
Por outro lado, temos as perspectivas que investigam o consumidor cada vez
mais ativo e engajado no consumo, com diferentes denominações na literatura como
prossumidor (TOFFLER, 2014; COVA e COVA, 2012), consumidor-produtor (COVA,
2008) ou consumidor artesão (CAMPBELL, 2004). Embora não haja uma definição
única, discute-se um consumidor capaz de realizar não somente atividades passivas
de consumo mas também de engajar-se em práticas de cocriação de produtos e
serviços com as empresas ou para si mesmos por meio de atividades de DIY (faça-
você-mesmo) ou práticas colaborativas através das redes sociais (GRINNEL, 2009).
Assim, através das novas possibilidades de busca e troca de informações
possibilitadas pelas recentes tecnologias e pela web 2.0 (GRINNEL, 2009) o
167
consumidor passa a estar cada vez “empoderado” (COVA, DALLI e ZWICK 2011) e
com ferramentas que lhe possibilitam contestar o que lhe é oferecido pelo mercado,
buscando novas opções para o seu próprio consumo ou ainda compartilhando
opiniões e ideias com outros consumidores instantaneamente. Com base ainda no
conceito de consumidor artesão de Campbell (2005), buscou-se nesse trabalho
discutir o consumidor habilidoso, ou seja, aquele que possui habilidades manuais,
técnicas ou informacionais que o diferenciam do consumidor tradicional nas suas
atividades de consumo.
Dessa forma, uma vez que os primeiros estudos de socialização do
consumidor remontam às décadas de 70 e 80, quando Internet não estava presente
de forma massiva, o presente estudo buscou compreender como ocorre o processo
de socialização do jovem consumidor habilidoso de maquiagem na
contemporaneidade. A escolha de analisar a socialização do jovem deve-se a uma
lacuna percebida na literatura de estudos relacionados a esse grupo, já que a maior
parte dos estudos discute a socialização na infância (EKSTRÖM, 2006). Dado que a
socialização é um processo que ocorre durante toda a vida do indivíduo (WARD,
1974), nas diversas fases da vida do indivíduo encontramos agentes que passam a
atuar de forma diferenciada, seja ensinando e influenciando determinados
comportamentos, seja restringindo atitudes a respeito do consumo do indivíduo.
Além disso, os estudos sobre socialização consideram o grupo analisado
(crianças ou adolescentes) de maneira generalista, e não foram encontrados
estudos que correlacionam socialização do consumidor com as novas perspectivas
do prossumidor (TOFFLER, 2014; COVA e COVA, 2002) e principalmente que
estudam possíveis diferenças na trajetória de aprendizados e esferas de influência
do consumidor habilidoso. Esse estudo busca portanto abrir novas possibilidades de
pesquisa ao perceber que os consumidores podem desenvolver habilidades
diferenciadas com base na sua relação com determinados agentes de socialização e
tornarem-se socializadores com grande poder de influência.
Para atingir os objetivos propostos para o presente estudo optou-se por uma
abordagem qualitativa multimétodos, incluindo entrevistas em profundidade com
técnicas de história de vida, método dos itinerários de Desjeux (2000) e técnicas
projetivas, além da análise de um famoso blog de maquiagem inspirando-se no
168
método netnográfico (KOZINETS, 1999). Foram também analisados diversos blogs
de moda e maquiagem e conteúdos relacionados ao assunto em diversas redes
sociais (Facebook, Instagram, Youtube) por cerca de um ano e meio. A pesquisa foi
dividida em três etapas, sendo a primeira e a última de entrevistas em profundidade
com uma etapa intermediária de produção de vídeos pelos próprios entrevistados,
denominada de autovideografia (KOZINETS e BELK, 2006) e que forneceu
importantes insumos para a segunda entrevista.
A seleção de entrevistados foi feita de forma conceitual ao perceber-se com a
análise da literatura existente que ao investigar diferentes perfis de consumidores
habilidosos de maquiagem poderiam surgir semelhanças e diferenças capazes de
delinear as diferentes trajetórias de aprendizado de consumo e construção das
esferas de influência que essas pessoas teriam sobre outros consumidores, o que
não seria possível através de uma seleção tradicional com base apenas no critério
sócio-econômico, já que a habilidade superior para a maquiagem precisava ser
claramente reconhecida.
5.2 Contribuições à literatura
Como resultado desse estudo, foi possível perceber uma mudança na esfera
de influência dos tradicionais agentes de socialização em relação aos primeiros
estudos das décadas de 70 e 80. Essa mudança deveu-se principalmente ao
surgimento de novas tecnologias de informação, notadamente da internet e das
redes sociais. Com a web 2.0, as possibilidades de compartilhamento de
informações entre empresas e consumidores e principalmente entre os próprios
consumidores trouxe um “empoderamento” do consumidor, com novas
possibilidades de busca de informações, criação e disseminação de produtos, idéias
e opiniões. Assim, a Internet surge como um agente de socialização e passa a ser a
mais importante fonte de transmissão de conhecimento a respeito de maquiagem,
ainda que as demais fontes ainda desempenhem papéis no aprendizado sobre
consumo.
A família, originalmente apontada na literatura como o principal agente
responsável pela transmissão de conhecimentos e comportamentos de compra
(MOSCHIS, 1985; MOORE, WILKIE e LUTZ, 2002), aparece nesse estudo de forma
mais secundária no que se refere ao aprendizado do consumo de maquiagem. A
169
mãe, figura principal nesse contexto, tem o seu papel mais relacionado à
transmissão da importância dos cuidados pessoais e da autoestima e como
fornecedora dos primeiros produtos, seja compartilhando a sua própria maquiagem
ou adquirindo novos produtos para as filhas. No grupo pesquisado, portanto, a mãe
não aparece como um agente que ensina efetivamente o “como se maquiar”, já que
praticamente todas as mães foram descritas pelos entrevistados como mulheres que
sabem pouco sobre produtos e técnicas relacionadas à maquiagem. Com o tempo, a
influência da mãe sobre maquiagem diminui cada vez mais até que, na fase adulta,
geralmente a filha passa a influenciar os hábitos de consumo da mãe, ocorrendo,
portanto, a chamada socialização reversa (WARD, 1974).
Em relação aos pares, na fase da adolescência e passagem para a fase
adulta esse é um agente que passa a ter grande influência sobre o jovem, o que vai
de encontro a outros estudos de socialização (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978;
JOHN, 1999; GENTINA e BONSU, 2013; GENTINA, 2014). Na busca por um
pertencimento social, o jovem considera a opinião daqueles que estão próximos e
pode adequar o seu comportamento a uma determinada postura, ainda que diferente
daquela que ele aprendeu e deseja. Ao falarmos de pares, a presente pesquisa
demonstrou que são influenciadores os amigos próximos, os colegas de
escola/faculdade/trabalho e os parceiros amorosos. Nas situações relatadas pelas
entrevistadas, em muitos casos os pares influenciaram tanto para que elas
começassem a se maquiar (para agradar o parceiro ou “arrumar-se melhor” para ir à
faculdade) quanto para que elas deixassem de usar maquiagem em situações onde
as demais pessoas não usam maquiagem (a fim de evitar desconfortos sociais com
amigos e colegas de trabalho). Além disso, amigos próximos também atuam como
“professores”, ensinando sobre técnicas e usos de produtos, e sua opinião é de
grande importância e credibilidade, acima mesmo da Internet e sua grande
quantidade de informações, já que sua visão costuma ser vista como a mais
confiável devido à relação de amizade estabelecida. Assim, a presente pesquisa
contribui para a literatura de socialização ao propor uma definição mais ampla de
pares, que inclui tipos e funções particulares: aqueles que fazem parte do círculo
social próximo do indivíduo por uma escolha pessoal (amigos e parceiros) ou
situacional (como colegas de escola ou de trabalho).
170
Por outro lado, as mídias tradicionais (TV, jornal e revista) apresentam uma
influência cada vez menor, uma grande mudança em relação às pesquisas que
apontavam a TV e as propagandas como importantes agentes de socialização e
influenciadores de consumo (MOSCHIS e CHURCHILL, 1978). Os entrevistados na
faixa dos 30 anos apontam que poucas informações sobre maquiagem apareciam
em jornais e revistas e sua pouca influência sobre o aprendizado de maquiagem
acontecia principalmente na época em que ainda não havia internet. Além disso, a
TV fechada começa a aparecer como uma alternativa de conteúdos mais
segmentados, mas seu papel fica mais relacionado a uma influência aspiracional do
que a uma transmissão de conhecimento sobre maquiagem.
A ascensão da Internet muda completamente esse cenário com a grande
quantidade de informações rapidamente disponíveis, o que faz com que esse agente
se torne, portanto, o grande agente socializador do jovem na atualidade. Através das
plataformas colaborativas, redes sociais e blogs, os jovens conseguem acompanhar
vídeos com o passo-a-passo de maquiagens, resenhas sobre produtos e dicas de
moda e beleza em geral com outros consumidores, já que agora todos com acesso
às ferramentas são capazes de produzir seus próprios conteúdos e atuar como
influenciadores de opinião em larga escala (McQUARRIE, MILLER e PHILLIPS,
2013). Assim, vê-se como fundamental que os futuros estudos sobre socialização
passem a considerar o papel da Internet enquanto agente de socialização, uma
inclusão portanto aos agentes tradicionais de socialização.
Outros agentes de socialização como médicos dermatologistas e profissionais
de beleza também foram citados pelos entrevistados como agentes que indicam e
ensinam sobre o uso de novos produtos, o que não aparece em estudos anteriores
sobre socialização. Além disso, de forma geral, foi possível perceber que os agentes
de socialização tiveram níveis de influência diferenciados de acordo com as
diferentes etapas da vida do indivíduo. Enquanto nos primeiros contatos da infância
a família possui um papel importante, a passagem para a adolescência já mostra o
surgimento dos amigos como importantes agentes socializadores, influenciando
hábitos de consumo e de fato ensinando o uso de diferentes produtos. A diferença
em relação à boa parte dos estudos de socialização está no papel da Internet, que
passa a ser a principal fonte onde os jovens buscam informações sobre técnicas,
produtos e tendências. Através da Internet os jovens aprendem o “como fazer” com
171
blogs e tutoriais geralmente feitos por outros jovens, pesquisam as opiniões de
outros consumidores e blogueiros sobre produtos novos e já consolidados (já que
esses blogueiros de maquiagem tornam-se referências no assunto) e trocam
informações com amigos através das redes sociais e aplicativos de mensagens
instantâneas.
Uma importante contribuição à literatura advinda desse trabalho refere-se às
trajetórias percorridas pelos jovens no processo de evolução e reconhecimento da
sua habilidade para maquiagem. Embora não tenha sido possível destacar uma
ação ou agente de socialização responsável pelo desenvolvimento da habilidade, foi
possível perceber a satisfação dos entrevistados em terem suas habilidades para
maquiagem reconhecidas pelos outros, desde cedo, quando algumas jovens como
Erica e Fabiana começaram a influenciar as amigas e a serem as “maquiadoras
oficiais da turma” quando ainda eram adolescentes. Esse reconhecimento social da
habilidade passa então a ser um grande catalisador de novos aprendizados sobre o
assunto. A partir das entrevistas, portanto, foi possível construir um esquema de
trajetórias e influências que demonstra os caminhos que podem ser percorridos
pelos jovens. Ao alcançar determinado nível de conhecimento e habilidade para
maquiagem, o jovem muda de papel, passando de socializado a agente de
socialização e começa a influenciar familiares e amigos, sendo inclusive requisitado
para fazer a maquiagem dos outros e para fornecer dicas e produtos. Com essa
evolução, esses jovens deixam inclusive de contratar maquiadores profissionais
mesmo em situações onde esse profissional é geralmente envolvido, como para
casamentos.
O desejo do aumento do reconhecimento social da habilidade e o apoio de
familiares e amigos podem levar o jovem a decidir profissionalizar-se como
maquiador, seja através de cursos profissionalizantes ou do autodidatismo (com o
apoio dos ensinamentos transmitidos pelas redes sociais). Como maquiador, o
jovem ainda aprende com as redes sociais, amigos e outros profissionais com os
quais tem contato, mas passa a influenciar não só os amigos próximos e familiares
mas também conhecidos e pessoas indicadas, que passam a formar uma rede de
clientes através principalmente do boca-a-boca. Trabalhar para melhorar a
autoestima do outro passa então a ser uma grande motivação para o trabalho desse
jovem.
172
Uma outra trajetória possível do consumidor habilidoso, decorrente do
trabalho enquanto maquiador profissional ou não é criar um blog sobre maquiagem e
compartilhar dicas e ensinamentos para qualquer pessoa interessada no assunto de
qualquer lugar do mundo, ampliando significativamente as possibilidades de
influência e reconhecimento social. O blogueiro passa a ser muito influenciado por
outros blogueiros do mesmo segmento e ainda por grandes marcas, que passam a
se aproximar para incentivar a divulgação dos seus produtos.
Em relação à literatura de consumidor-produtor, o presente trabalho busca
contribuir em relação à discussão sobre as habilidades que esse “consumidor
artesão” (CAMPBELL, 2004) possui, bem como mostrar as habilidades que são
adquiridas para o melhor desempenho das suas funções para si ou para os outros.
Foi possível perceber então que a maioria dos entrevistados afirma possuir grande
habilidade manual para práticas como pintura e artesanato, o que também pode
ajudar a explicar sua grande habilidade no manuseio de pincéis e combinação de
cores e produtos. Além disso, o consumidor pode ainda aprender e formular técnicas
para desenvolver seus próprios produtos de maquiagem (como batons e bases) e
acessórios relacionados (como o projeto do espelho de maquiagem de Erica). No
caso dos blogueiros, além do desenvolvimento de habilidades mais operacionais
como iluminação, filmagem e edição dos conteúdos, a crescente aproximação com
as marcas facilita práticas de cocriação de novos produtos (COVA, DALLI e ZWICK,
2011; VARGO e LUSH, 2004), sendo cada vez mais comum que blogueiras famosas
lancem os seus produtos e coleções (como batons, sombras e esmaltes) em
parceria com grandes marcas, participando de grande parte das etapas de
desenvolvimento desses produtos.
Em relação à literatura sobre beleza, esse estudo contribui com a literatura
existente ao mostrar que uso da maquiagem está intimamente ligado a uma questão
da autoestima. Enquanto algumas jovens utilizam diariamente a maquiagem para
disfarçar imperfeições percebidas e valorizar traços considerados mais atrativos,
bem como amenizar mudanças no rosto que começam a aparecer com a passagem
do tempo, outras já apresentaram esse comportamento mas hoje não se consideram
mais “escravas da maquiagem” e consideram seu uso como uma questão de
escolha, relacionada principalmente a ocasiões (como sair com os amigos,
namorado/marido, festas, etc.). O uso desenfreado das redes sociais e o
173
compartilhamento de fotos e “selfies” traz também uma nova razão para o uso de
maquiagem: estar bem na foto e transmitir uma boa imagem para os outros através
das redes sociais. Apesar dessas diferenças no uso da maquiagem, as
entrevistadas vêem mulheres que nunca usam maquiagem como pessoas com
problemas pessoais e questões de autoestima baixa ou que “ainda não descobriram
o poder transformador da maquiagem”. O “não uso”, portanto, não é visto tanto
como uma escolha pessoal e sim como o resultado de um problema pessoal ou
desconhecimento sobre o assunto.
5.3 Implicações Gerenciais
O presente estudo contribui para o mercado ao demonstrar que hoje a grande
fonte de influência no comportamento e aprendizado do jovem sobre maquiagem é a
Internet, principalmente através das redes sociais. Trata-se um movimento de
horizontalização do aprendizado, entre pares (e não mais entre mãe e filha) e
potencializado pelas redes sociais. O movimento que começa a ocorrer de
aproximação das empresas com os blogueiros é relevante e deve fazer parte das
estratégias de comunicação e marketing das empresas, já que é lá que esse jovem
busca informações sobre os produtos e forma de usá-los. Ao ver determinado
produto utilizado em um vídeo, por exemplo, o jovem já pode encontrar o link e fazer
a aquisição direta do produto. Além disso, estreitar relações com blogueiras de
sucesso também pode ser interessante para ações como o lançamento de coleções
em parceria e para as quais as blogueiras passam a fazer muita propaganda para os
seus seguidores e a utilizar em vários de seus vídeos com milhares e até milhões de
acessos.
Como os jovens assistem cada vez menos TV aberta e lêem cada vez menos
revistas e jornais nas formas tradicionais, tudo indica que o uso dessas mídias para
propaganda de maquiagem faz cada vez menos sentido, e esse estudo aponta que
sites e blogs de moda e maquiagem são os melhores lugares para investimento em
anúncios direcionados ao público jovem. Além disso, esse jovem tem voz ativa e
quer ser ouvido, o que mostra que as empresas precisam abrir novos canais de
comunicação direta com esses consumidores, criar comunidades de marca que
possam engajá-los e ouvir suas opiniões e ideias que podem ser fundamentais para
o lançamento de novos produtos e para sua a própria sobrevivência no mercado, já
174
que um cliente com um experiência ruim pode ter um alcance massivo e prejudicar
(às vezes de forma irreversível) a reputação da marca.
Foi possível perceber também uma forte relação feita pelos entrevistados
entre moda e maquiagem, o que demonstra novas possibilidades de parceria entre
marcas de maquiagem e vestuário para divulgação cruzada de seus produtos,
oferecendo soluções completas de “looks” e “makes” para esse público.
5.4 Sugestões de estudos futuros
Com base no estudo realizado, é possível apontar algumas questões que
podem ser aprofundadas em pesquisas futuras no campo do comportamento do
consumidor e que não foram exploradas a fundo nesse trabalho por questões de
escolhas metodológicas e delimitação de pesquisa.
Em primeiro lugar, vale notar que o grupo pesquisado nesse trabalho mora
e/ou trabalha na cidade do Rio de Janeiro. Ainda que o grau de influência dos
agentes de socialização tenha grande relação com as etapas de vida do indivíduo e
as inovações tecnológicas daquele momento, as trajetórias de aprendizado sobre o
consumo, itinerários e significados associados ao uso de maquiagem podem ser
diferentes se considerarmos outros estados brasileiros, que apresentam aspectos
culturais diversos. Duas entrevistadas chegam inclusive a mencionar a relação
diferenciada das mulheres com a maquiagem em diferentes regiões do Brasil.
Enquanto Janaína conta que em Salvador (sua cidade natal) as mulheres não
costumam usar muita maquiagem e que sua mudança para o Rio de Janeiro
modificou sua relação com a maquiagem, Camila comenta que em Teresópolis
(cidade onde mora), o clima é mais ameno e as mulheres costumam usar muita
maquiagem mesmo para situações cotidianas como ir ao mercado, o que seria
diferente dos hábitos das mulheres que moram na cidade do Rio de Janeiro, onde o
calor extremo pode dificultar o uso constante da maquiagem. Isso mostra, portanto,
que uma seleção de entrevistados de outras regiões do país pode trazer diferentes
resultados nessas categorias de pesquisa.
Outra possibilidade de pesquisa futura refere-se ao consumo de produtos de
beleza por homens. Uma vez que há uma tendência de aumento nos cuidados
pessoais por homens e uma oferta cada vez maior de produtos destinados a esse
175
público, é interessante pesquisar quais são as diferenças em relação ao processo de
socialização para o consumo e itinerários de compra de cosméticos e outros
produtos de beleza que muitas vezes são somente associados ao público feminino.
Além disso, na presente pesquisa optou-se por entrevistar dois homens, sendo um
deles um jovem consumidor de maquiagem principalmente enquanto forma de
construção de sua personagem drag queen. O consumidor homossexual,
particularmente se considerarmos aqueles que se atuam como drag queens,
costuma ser negligenciado pela literatura de consumo embora sejam grandes
consumidores de maquiagem e produtos de beleza, além de sua forte relação com a
moda. Trata-se, portanto, de outro nicho de pesquisa que pode ser explorado para
além das discussões sobre gênero e sexualidade.
Em relação à literatura sobre socialização, foi possível perceber a diferença
no grau de influência dos agentes de socialização de acordo com a etapa no ciclo de
vida do indivíduo. Ao discutirmos os agentes de socialização na infância,
adolescência e na fase adulta, a etapa da senioridade acaba não aparecendo por
uma questão de delimitação da presente pesquisa. Mais uma vez partindo do
princípio de que a socialização ocorre durante toda a vida do indivíduo (WARD,
1974), algumas questões podem ser levantadas para pesquisas futuras: quais são
os agentes de socialização que mais influenciam o consumo dos idosos? Há
mudanças no comportamento de consumo com a chegada da senioridade? A família
aparece como agente socializador na figura dos filhos através da socialização
reversa (WARD, 1974)? Como os idosos se adaptam aos novos produtos e às
mudanças tecnológicas? Quem ensina e como isso influencia os comportamentos
de consumo desse grupo? Essa discussão sobre a socialização de idosos pode abrir
novas oportunidades de pesquisa no campo.
Finalmente, é possível apontar algumas possibilidades de pesquisas futuras
com base na pesquisa e na literatura de consumidor-produtor. Foi possível perceber,
por exemplo, a diferença nas novas formas de produção realizadas pelos próprios
consumidores seja na concepção ou construção de produtos indisponíveis no
mercado (como o espelho de Erica e o batom no tom desejado de Janaina), na
utilização de produtos de maneiras diferentes das originais para um determinado
resultado e na produção de conhecimento. Cada uma das essas formas de atuação
do consumidor como produtor pode servir como delimitação para um estudo na área.
176
Além disso, a percepção do consumidor nesse contexto (ou seja, se ele se vê como
poderoso ou explorado), a visão das empresas desse “empoderamento” e o novo
tipo de relacionamento consumidor-empresa podem ser discutidos mais a fundo em
novas pesquisas.
177
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APÊNDICES
186
APÊNDICE A – ROTEIRO DAS ENTREVISTAS - PRIMEIRO DIA DE ENTREVISTA - Bom dia / tarde / noite. Eu sou estudante de mestrado do COPPEAD / UFRJ e estou realizando uma pesquisa sobre consumo de maquiagem. O que vamos fazer é um bate papo informal sobre a sua experiência de consumo com esses produtos. Meu principal interesse aqui é a sua experiência pessoal. Não existem respostas certas nem erradas, o que importa é o que você pensa. Estou visitando várias casas, conhecendo muitas mulheres, e mergulhando em suas vidas. Vamos falar hoje e depois vamos marcar um outro dia. Nos dois encontros falaremos de assuntos diferentes também. O mais importante é você contar o que você sente, lembra, pensa. Não existem respostas certas nem erradas. O que importa é o seu ponto de vista. Gostaria também, quando fosse necessário, fotografar alguns dos produtos que você mencionar. Em nenhum momento você aparecerá nas fotos ou será identificada. São apenas os produtos, ok? Pode ser? A seguir vou ler com você um documento que é um procedimento padrão que realizamos para todas as pesquisas que fazemos no meu núcleo de pesquisa da UFRJ. (Ler a autorização de entrevista e imagem, pegar assinatura e deixar uma cópia com a entrevistada). Normalmente gravamos as entrevistas com esse gravador para facilitar nosso trabalho. Dessa forma, posso me concentrar na nossa conversa, ao invés de ficar tomando notas. Essa gravação será escutada por mim e por pessoas no centro de pesquisa com quem trabalho neste projeto, ok?
ROTEIRO PADRÃO (CONSUMIDORA EXPERT)
Nome: Idade: Ocupação: Bairro de Moradia: Escolaridade:
PERGUNTAS INICIAIS/ QUEBRA-GELO:
● Quem mora aqui? Qual o grau de parentesco, idades e ocupações?
● Você tem irmãos que não moram com você?
● Sobre os seus pais, qual é a ocupação deles? Ambos trabalham? Em quê?
Escolaridade?
● Como é a sua rotina no dia-a-dia?
● O que você faz no seu tempo livre?
● O que geralmente você faz no fim de semana?
● (Se trabalha) Trabalha de segunda a sexta? Viaja muito a trabalho?
● Se não trabalha, ganha mesada? De quem?
Beleza / Maquiagem (perguntas gerais)
187
● Que importância a maquiagem tem para você? Por que você gosta de se
maquiar?
● Em que ocasiões você se maquia? Por que (para cada uma delas)?
● (Se a entrevistada se maquia para trabalhar) As outras mulheres no seu
trabalho também estão sempre maquiadas? Por que você acha que isso
acontece?
● Que diferença a maquiagem do dia-a-dia (ou para ir trabalhar) tem para a
maquiagem que você faz para ir a um casamento, por exemplo?
● Quais são os seus produtos favoritos? Quais são as suas marcas de
maquiagem favoritas? Por quê?
● Rotina de maquiagem: Onde você se maquia? Como é a sua rotina de
maquiagem (passo a passo)?
● Como você escolhe a make que você vai fazer para sair? O que você leva em
consideração na escolha dos produtos que você vai usar em cada tipo de
maquiagem (para trabalhar, para sair, em um casamento)?
● Com quanto tempo de antecedência você começa a se maquiar? Alguém
participa/ influencia esse processo?
História de Vida
● Você se lembra dos seus primeiros contatos com maquiagem? Como foi? Em
que época?
● Você lembra da primeira vez em que você se maquiou? Foi para ir aonde?
● Alguém te maquiou? Quem? De quem era a maquiagem? Como foi?
● Desde quando você se maquia?
● Nessa época em que você começou a usar maquiagem, como você se
sentia?
● Você lembra de algum fato marcante dessa época?
● Com quem você aprendeu a se maquiar? Mais alguém? O que essa pessoa
te ensinou? Em que situações? Onde vocês faziam? Com os produtos de
quem?
● Que papel a sua mãe teve nessa fase de começar a se maquiar? Como era a
sua relação com ela?
● As suas amigas se maquiavam também? Vocês trocavam informações?
Como era isso?
● (Se tinha irmãs mais velhas) Sua(s) irmã(s) se maquiava(m)? Como era a sua
relação com ela(s)? Vocês trocavam informações?
● E as outras meninas da escola/curso/faculdade? Tinham meninas que se
maquiavam mais do que você? O que você achava delas?
● Tinham meninas que não se maquiavam nunca? O que você achava delas?
● Você emprestava ou pegava emprestado maquiagem? De quem? Por quê?
● Quem era um exemplo para você?
● Quem era sua professora de maquiagem?
188
● Como você aprendeu a se maquiar sozinha? Alguém te ensinou a se
maquiar? Como foi esse processo? Em que fase da sua vida isso começou a
acontecer?
● Onde você procurava informações sobre maquiagem? O que esses lugares
traziam de informação (marcas, passo a passo de maquiagem)? Qual era a
sua fonte favorita de informações?
● Quem você acha que mais te influenciou nesse início (sobre a escolha de
produtos, o processo de se maquiar, etc.). Por quê?
● No início de quem era a maquiagem que você usava? Você comprava,
ganhava, herdava ou pegava emprestado?
● (Se ganhava ou pegava emprestado) De quem? Em que ocasiões?
● (Se comprava) Onde comprava? Quem ia com você? Como você ia?
● Que produtos você usava?
● Em termos de maquiagem, tinha algum produto proibido de usar? Por quem?
● Tinha algum produto que era proibido de pegar emprestado (da mãe ou das
amigas)?
● Onde você guardava maquiagem?
● Você compartilhava a maquiagem com alguém?
● Quando você passou a se maquiar com mais freqüência? Aconteceu alguma
coisa que incentivou isso?
PRÁTICAS ATUAIS DE MAQUIAGEM
● E hoje, onde você busca informações sobre maquiagem (novos produtos,
práticas, etc.)?
● Você acessa blogs de maquiagem? Quais? O que você mais gosta deles? O
que você não gosta? Em que ocasiões do dia você consulta blogs? É
frequente ou é pontual?
● Você acessa algum site especial sobre o assunto? Procura tutoriais no
Youtube? Quais? Segue alguém no facebook ou instagram? Em alguma outra
rede social? Em que ocasiões do dia consulta as mídias sociais? É frequente
ou é pontual?
● Você se inspira em maquiagens de novelas, filmes ou grandes eventos, como
o Oscar? Como você faz quando você gosta de algum make?
● Pensando no blog, no youtube, instagram, e outros que você mencionou até
agora. Qual é a diferença entre eles? Para que serve cada um?
● Pensando em pessoas com quem você troca, aprende, conversa sobre
maquiagem. Quem são as pessoas hoje com quem você interage sobre
maquiagem? O que você aprende ou troca especificamente com cada uma?
● A sua mãe/irmã(s) gosta de se maquiar? Vocês trocam informações sobre
maquiagem? Em que ocasiões vocês trocam sobre maquiagem?
● Você troca informações com as suas amigas sobre maquiagem? Em que
ocasiões vocês trocam sobre maquiagem?
189
● Você hoje empresta ou pega emprestado maquiagem? Em que ocasiões?
Com quem? Por quê?
● O que tem que ter na sua bolsinha de maquiagem (em casa)? O que é
obrigatório? O que é não é imprescindível? Que tipo de produto você não
gosta?
● O que tem de maquiagem na sua bolsa? O que é obrigatório? O que é não é
imprescindível?
● O que você leva em termos de maquiagem quando você vai viajar? O que é
obrigatório?
● Com que freqüência você compra maquiagem?
● Como você decide comprar maquiagem? Você busca informações em algum
lugar (sites, revistas) ou com alguém? Quem?
● Onde você geralmente compra maquiagem? Como você vai até lá? Você vai
com alguém?
● Você experimenta antes de comprar? Busca informações com a vendedora?
● O que você leva em consideração para decidir pela compra?
● Você pergunta a opinião de alguém sobre a maquiagem (se ficou boa,
adequada, etc.)? Quem? Por que a opinião dessa pessoa é importante?
● O que você faz se ganha uma maquiagem que você não usa? Ou de uma
marca que você não gosta?
● Você maquia sua mãe/irmã(s) / amigas? Elas te pedem opinião sobre
maquiagem? O que você acha disso?
● Por que você prefere fazer você mesma a sua maquiagem, mesmo em
ocasiões especiais, ao invés de contratar profissionais?
● Tem algum outro comentário que você queira fazer sobre esse assunto que
não tratamos aqui?
PERGUNTAS ESPECÍFICAS PARA BLOGUEIRAS
PRÁTICAS ATUAIS DE MAQUIAGEM
● Você mantém um blog? Há quanto tempo?
● Como você teve a idéia de começar um blog que fala sobre maquiagem?
● Sobre que assuntos você posta? Com que freqüência?
● De onde você tira as idéias para as postagens?
● Como você vê o blog daqui a cinco anos?
● Você acessa outros blogs de maquiagem? Quais? Qual o diferencial que você
vê do seu blog em relação aos outros? O que você mais gosta? O que você
não gosta? Em que ocasiões do dia consulta dos blogs? É frequente ou é
pontual?
190
PERGUNTAS ESPECÍFICAS PARA MAQUIADORES
● Como o gosto por maquiagem transformou-se em profissão? Como foi esse
processo? Alguém te influenciou nesse processo? Alguém foi contra?
● Há quanto tempo você trabalha com isso?
● As pessoas próximas e você (mãe/irmãs/amigas) te pedem opinião sobre
maquiagem? O que você acha disso?
● Como você busca informações para manter-se atualizado (a)?
INSTRUÇÃO PARA O DIÁRIO EM VÍDEO
(Agora eu vou deixar com você um roteiro com algumas instruções para a
gravação dos vídeos. A idéia é que você registre a sua preparação em diferentes
situações: quando você estiver saindo para trabalhar, quando estiver se arrumando
para sair ou para ir a uma festa, coisas sim, mostrando a sua escolha de produtos, o
local em que você está se arrumando e o seu processo de maquiagem.)
191
APÊNDICE B – INSTRUÇÕES PARA A ETAPA DE PRODUÇÃO DE VÍDEOS E
FOTOS ENTREGUE AOS ENTREVISTADOS
Prezado (a) entrevistado (a), Mais uma vez muito obrigada por sua disponibilidade em participar de nossa pesquisa. Sua entrevista é muito importante para esse projeto da Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Já realizamos a primeira etapa das entrevistas. Em breve, teremos nosso segundo encontro. Para isso, gostaria que você preparasse algumas coisas para nossa conversa ser ainda mais rica:
1. Vídeos: Com o auxílio da câmera do celular, filmadora ou webcam (o que
ficar mais confortável para você) gostaria que você gravasse de 3 a 5 vídeos
(de até 5 minutos cada) registrando com essa máquina coisas, momentos ou
espaços que tenham a ver com o momento de consumo de maquiagem para
você. Se possível, mostre o momento em que você se prepara para maquiar,
a escolha os produtos que vai utilizar e o processo de maquiagem.
2. Fotos: Fique à vontade para tirar fotos desses e de outros momentos que
tenham a ver com o seu consumo de maquiagem ou com a importância da
maquiagem na sua vida. Fotos das suas makes ou dos seus looks completos
seriam ótimas contribuições, lembrando que você não será identificada e que
esse material não será divulgado externamente.
Gostaria que você enviasse esse material para o meu whatsapp ou para o e-mail. Não precisa enviar tudo de uma vez, você pode enviar assim que você fizer o registro.
Qualquer dúvida, meu telefone é XXXX-XXXX. Muito obrigada desde já, Atenciosamente, Flávia Fracalanzza - Pesquisadora do COPPEAD / UFRJ
192
APÊNDICE C – TÉCNICAS PROJETIVAS UTILIZADAS AO FINAL DA SEGUNDA ENTREVISTA Pesquisadora: Agora eu vou te propor duas situações e gostaria de saber a sua opinião sobre o que essa personagem deveria fazer. Não existe certo ou errado, é a sua opinião sobre o assunto. 1ª Projetiva Situação 1: Julia tem 15 anos e quer começar a usar maquiagem. Quem ela deve procurar para aprender, pegar dicas de produtos e como aplicá-los? Pode escolher mais de um.
Mãe
Irmã mais velha
Colegas de escola
Internet (blogs,tutoriais no Youtube, etc.)
Programas de TV e Revistas de adolescente
Por que você escolheu essa(s) pessoa(s)? O que você acha que cada uma delas vai ensinar? Situação 2: Renata tem 20 anos e começou a trabalhar em uma empresa onde percebe que todas as outras mulheres estão maquiadas. Ela então decide que quer aprender a se maquiar de forma adequada para esse ambiente. Onde ela vai buscar informações sobre produtos e formas de se maquiar? (Por que você escolheu essa(s) pessoa(s)? O que você acha que cada uma delas vai ensinar?)
Mãe
Irmã mais velha
Colegas de trabalho
Amigas (de fora do trabalho)
Internet (blogs,tutoriais no youtube)
Revistas (Marie Claire, Nova, etc.)
Por que você escolheu essa(s) pessoa(s)? O que você acha que cada uma delas vai ensinar? Que diferença você vê entre a situação anterior e essa? 2ª Projetiva Agora falando sobre você, eu queria propor uma brincadeira. Eu queria que você imaginasse que todas as pessoas ou fontes (considerando Internet) que te ensinaram ou influenciaram de alguma maneira são planetas, e eu quisesse saber
193
como são esses planetas, que características e que importância eles têm para você. Eles se relacionam? A importância deles foi maior em algum período do que hoje? Existem outras pessoas que você não conhece ou não tem relacionamento e te influenciaram também? (prima, tia, colegas de trabalho, vizinha, personalidades, etc.)