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O assédio moral se insere nesse contexto, ajudando nessa tentativa de enfraquecer a carreira de Auditor-Fiscal da RFB e, consequentemente, toda a Instituição, a fim de que, mais facilmente, ela pudesse ser controlada em função dos interesses neoliberais.
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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E DIREITO
CLEBER MAGALHÃES
O ASSÉDIO MORAL NO SERVIÇO PÚBLICO BRASILEIRO:
O CASO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL
Niterói
2011
1
Cleber Magalhães
O Assédio Moral no Serviço Público Brasileiro:
o caso da Receita Federal do Brasil
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Direito (PPGSD) da Universidade Federal
Fluminense (UFF) como requisito parcial para a
obtenção do Título de Mestre em Ciências
Jurídicas e Sociais
Orientadora: Professora Doutora Marília Salles
Falci Medeiros
Niterói
2011
2
Cleber Magalhães
O Assédio Moral no Serviço Público Brasileiro:
o caso da Receita Federal do Brasil
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense (UFF) como requisito parcial para a obtenção do Título de Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais
Aprovada em 30/05/2011
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________________________ Professora Doutora Marília Salles Falci Medeiros (orientadora)
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense (UFF)
___________________________________________________________ Professora Doutora Elina Gonçalves da Fonte Pessanha
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
_______________________________________________________ Professor Doutor Ivan da Costa Alemão Ferreira
Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense (UFF)
3
Às vitimas do assédio moral que brigam contra
a ocorrência desse mal no ambiente do trabalho.
Sua luta não é em vão.
4
AGRADECIMENTOS
À Professora Doutora Marília Salles Falci Medeiros pela condução ao longo de todo o
processo de realização da dissertação e pela contínua generosidade.
Aos Professores Doutores Ivan Alemão e Luís Antônio Cardoso, pelas considerações à
época da qualificação, que me foram muito úteis para a realização dessa pesquisa.
Aos entrevistados que, gentilmente se dispuseram a falar sobre um assunto que, certas
vezes, lhes trazia várias lembranças ruins.
Aos professores e colegas do PPGSD da UFF, que dada a diversidade e interesse em
expandir os limites de suas formações inicias me trouxeram amplo quadro da sociedade
brasileira. Que o PPGSD permaneça e cresça. Esse é um local inigualável de troca de
conhecimentos e experiências na academia brasileira.
À Maria, ao João e ao Francisco, que tiveram que abrir mão de muitas horas de
convívio, a fim de que eu pudesse cursar o Mestrado.
Meu Muito Obrigado!
5
RESUMO
Na empresa privada o assédio é facilmente inteligível dentro da lógica do
neoliberalismo, hegemônica nas últimas décadas. A atual forma de exploração do trabalho
pressupõe o desemprego de muitos e o aumento da exploração daqueles que conseguem se
manter em seus empregos. O fenômeno assédio moral inseriu-se no Serviço Público, em
especial na Receita Federal do Brasil, dentro do contexto da onda do neoliberalismo que
atingiu não só nosso país, mas todo o mundo. Essa ideologia tornou-se quase consensual na
política e economia, fazendo com que mesmo em locais onde não houvesse uma direta relação
com os seus pressupostos seu poder impositivo se fizesse sentir. A pregação pelo Estado
Mínimo transmutou-se em ação por um Estado inexistente, que permitisse não só que a
economia cuidasse se si sem intervenção governamental, mas que qualquer regulação fosse
afastada. Para substituir órgãos estatais de atuação em fiscalização ou controle foram criadas
as Agências Reguladoras, que, na prática, revelaram-se ineficientes no cumprimento de sua
função legal. Para a Receita Federal também houve planos para a sua transformação em
autarquia ou agência reguladora. O assédio moral se insere nesse contexto, ajudando nessa
tentativa de enfraquecer a carreira de Auditor-Fiscal da RFB e, consequentemente, toda a
Instituição, a fim de que, mais facilmente, ela pudesse ser controlada em função dos interesses
neoliberais.
6
SUMMARY
In private enterprise the harassment is easily understood within the logic of
neoliberalism hegemonic in recent decades. The current form of exploitation of the work
requires many of unemployment and increased exploitation of those who manage to stay in
their jobs. The phenomenon of bullying was part of the Public Service, particularly in the
Federal Revenue in Brazil, within the context of the wave of neoliberalism that hit not only
our country but worldwide. This ideology has become almost a consensus in politics and
economics, so that even in places where there was a direct relationship with their assumptions
imposing its power to make her feel. Preaching by the State Minimum transmuted into action
by a non-existent state, that would not only take care that the economy is itself without
government intervention, but that any regulation should be rejected. To replace state agencies
to operate in supervision or control the regulatory agencies were created, which in practice
proved ineffective in fulfilling its statutory function. To the IRS were also plans for its
transformation into a municipality or regulatory agency. Bullying is part o that context,
helping in the attempt to undetermined the career of Tax Auditor, and thus the entire
institution, so that more easily it could be controlled by the interests of neoliberalism.
7
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
folha
Figura 1 – Cartilha do Sindipetro sobre assédio moral – capa 40
Figura 2 – Cartilha do Sindicato dos químicos SP sobre suicídio e trabalho – capa 41
Figura 3 – Cartilha do Sindicato dos Químicos SP sobre assédio moral – capa 42 Figura 4 – Cartilha do Sindicato dos Bancários PE sobre assédio moral - capa 43
Figura 5 – Cartilha do Sindicato dos Bancários PE sobre assédio moral – HQ 44/45
Figura 6 – Jornal do Sindicato dos Bancários PE 46
Gráfico 1 – Índice de insatisfação dos AFRFB 110
Gráfico 2 – Fatores de desmotivação no trabalho 111
8
LISTA DE TABELAS
folha
Tabela 1: Quadro comparativo entre assédio moral interpessoal e organizacional 25
Tabela 2 - Projetos de Lei sobre assédio moral na Câmara dos Deputados 54
Tabela 3: Mudanças na Legislação Trabalhista no Governo FHC 87
Tabela 4: Alterações na Legislação relativamente à RFB 108
9
SUMÁRIO
Introdução 10
Capítulo 1 – Analisando o Assédio Moral 15
1.1 – Definição do Fenômeno 15
1.2 - Tipos de Assédio 18
1.2.1 – Assédio Moral Organizacional 22
1.3 – Assédio Moral no Mundo 26
1.4 – Seria a Empresa um Sub-SistemaAutopoiético? 29
1.5 – O Assédio Moral no Brasil 34
1.5.1 – Legislação sobre Assédio Moral no Brasil 49
1.5.2 – O Assédio Moral no Judiciário 55
1.5.3 – O Assédio Moral na Mídia 57
Capítulo 2 – O Cenário Socioeconômico no Século XX 58
2.1 – Os Anos de Ouro 58
2.2 – Época de Crise 62
2.3 – A Nova Ordem Mundial 65
2.4 – E o Brasil? 68
2.4.1 – A Visão do trabalho no Governo Vargas 68
2.4.2 – A Legislação Trabalhista no Regime Militar 72
2.4.3 – O Neoliberalismo no Brasil 76
2.4.3.1 – A Legislação Trabalhista no período FHC 80
2.4.3.2 – A Reforma da Previdência no Governo Lula 87
Capítulo 3 – A Receita Federal do Brasil e seus Servidores 90
3.1 – Um Quadro Geral 90
3.2 – As Prerrogativas dos AFRFB 94
3.3 – As Mudanças (tentadas ou realizadas) na Legislação da RFB 97
3.4 – Uma Pesquisa sobre a Instituição 109
Capítulo 4 – Entrevistas com atores e observadores do assédio moral 114
Conclusão 130
Referências 136
10
INTRODUÇÃO
---- Seu ............, você está me sacaneando! Você vai ver!!!!
Vou baixar a tua gratificação. Vou te.............!!!!!!!!!
A fala exposta acima foi ouvida por mim no que foi meu primeiro contato direto com
o que, posteriormente, vim a entender como assédio moral. Quem falava era o chefe da
Unidade, que ouvia um colega de mais de 60 anos, muito educado, gentil e atencioso, cuja
única reação que teve às ofensas contra ele proferidas foi ficar paralisado, tamanho o
despropósito do discurso. Frise-se que estava em discussão apenas uma maneira de realizar
um procedimento administrativo, banal, sem grandes consequências para o trabalho da
Unidade como um todo. Era, até então, uma questão de análises diferentes sobre um mesmo
assunto.
Chocado com o que ouvia, e percebendo a falta de reação de meu colega, entrei na
discussão, também porque eu era o responsável pelo serviço. O chefe, entretanto, não quis
ouvir minha argumentação e a discussão terminou com palavrões e portas batidas com
violência.
A partir da minha reação, passei eu a ser o assediado....
Entrei na Receita Federal em novembro de 1995, como Técnico do Tesouro Nacional,
um cargo auxiliar do Auditor-Fiscal. Na Receita só há essas duas carreiras. Os outros
servidores que lá trabalham são, em geral, cedidos pelo Ministério da Fazenda ou funcionários
contratados ao SERPRO (Serviço Federal de Processamento de Dados). O SERPRO é uma
empresa pública, vinculada ao Ministério da Fazenda, criada em 1964, pela Lei nº 4.516, com
o objetivo de modernizar e dar agilidade a setores estratégicos da Administração Pública
brasileira. Os seus funcionários cedidos à Receita, em sua esmagadora maioria, pouco
entendem de informática. O SERPRO foi utilizado nas décadas de 1960, 1970 e 1980 para
arregimentar mão de obra pouco qualificada a fim de servir ao Ministério da Fazenda, sem a
necessidade de concursos públicos. Já os servidores públicos cedidos à Receita são agentes
administrativos e outros que sobraram de épocas passadas. São, por exemplo, datilógrafas,
auxiliar de artífice, inspetor de alunos, etc.
Em 1997, após outro concurso público, passei para Auditor-Fiscal do Tesouro
Nacional, carreira que, posteriormente mudou de nome para Auditor-Fiscal da Receita Federal
e, finalmente, com a fusão com a fiscalização previdenciária, em 2007, Auditor-Fiscal da
Receita Federal do Brasil. Neste cargo presenciei a situação descrita no primeiro parágrafo.
11
Depois dessa discussão foi-se percebendo, no trabalho, que aquele não tinha sido um
caso isolado. Alguns colegas já haviam passado por situações semelhantes com o chefe. Os
que sofriam as humilhações eram, em geral, mais velhos, ou pessoas que buscavam o melhor
para a coletividade, ou, ainda, aqueles que já estavam mais fragilizados, passando por
problemas particulares. Eram, como veremos mais adiante, os tipos clássicos de assediados.
Um grupo de colegas, então, decidimos, recorrer ao nosso sindicato para nos proteger
das ações daquele chefe e melhor entender o que estava ocorrendo. Tomamos contato, então
com o fenômeno do assédio moral, problema que estava se tornando grave na nossa
instituição, levando que o sindicato, inclusive, patrocinasse seminários sobre o tema, em
várias cidades em todo o Brasil. Houve seminários em Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador,
Fortaleza, Curitiba, Bauru e Marília. A cada encontro que participava me interessava mais
pelo assunto e buscava me aprofundar. Havia experiências impressionantes de vários
trabalhadores que sofriam com o assédio e, ao mesmo tempo, maneiras encontradas por
aqueles que queriam ajudar. Vi como os sindicatos buscavam se organizar para lutar contra o
assédio sobre seus filiados. Conheci experiências em saúde pública que levavam apoio
médico e psicológico aos assediados. Nesses seminários comecei, também, a ter contato com
os estudos acadêmicos sobre o assunto, que começavam a crescer em número e em qualidade.
Em, praticamente, todos os trabalhos acadêmicos relacionados ao tema assédio moral a
que tive acesso, o ambiente estudado foi a empresa privada. Nesses, a questão da ação por
aumento da produtividade do trabalhador esteve presente, em maior ou menor grau. Em geral,
nessas análises, tenta-se, mesmo que rapidamente, apresentar a problemática da mudança da
organização do trabalho, ocorrida nas últimas décadas e suas manifestações sobre a vida e a
saúde do trabalhador.
Por outro lado, nos poucos trabalhos sobre o assédio em organizações públicas, o
aspecto psicológico foi o principal viés utilizado para a análise do problema. Pouco ou nada
se discutia sobre a problemática socioeconômica do fenômeno. A própria Marie-France
Hirigoyen, criadora da expressão “assédio moral”, cita a existência em larga escala do
problema no setor publico, mas o remete a problemas de caráter psicológico. Segundo ela:
“No setor público assédio moral não está relacionado à produtividade, mas às disputas de
poder, a uma dimensão psicológica fundamental, à inveja e à cobiça.”1
1 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no Trabalho: redefinindo o assédio moral São Paulo: Bertrand Brasil, 2002, p. 125.
12
Minha intenção nesta dissertação é, justamente, fazer um caminho diferente. Buscarei
pesquisar a função do assédio moral no interior do serviço publico brasileiro, para entender o
porquê de sua existência naquele ambiente.
Na empresa privada o assédio é facilmente inteligível dentro da lógica do
neoliberalismo, hegemônica nas últimas décadas. A atual forma de exploração do trabalho
pressupõe o desemprego de muitos e o aumento da exploração daqueles que conseguem se
manter em seus empregos, como veremos melhor adiante. Mas o problema que se coloca é
encontrar a razão do fenômeno também existir no serviço público, haja vista que, a princípio,
lá não se busca a produtividade. Tentarei com essa pesquisa ajudar a entender o papel do
assédio moral na administração pública. Terá ele também a função de contribuir para
aumentar a produtividade do servidor ou existirão outras funções para sua existência.
Minha hipótese é que o fenômeno assédio moral inseriu-se no Serviço Público, em
especial na Receita Federal do Brasil, dentro do contexto da onda do neoliberalismo que
atingiu não só nosso país, mas todo o mundo. Essa ideologia, como veremos adiante, tornou-
se quase consensual na política e economia, fazendo com que mesmo em locais onde não
houvesse uma direta relação com os seus pressupostos seu poder impositivo se fizesse sentir.
A pregação pelo Estado Mínimo transmutou-se em ação por um Estado inexistente, que
permitisse não só que a economia cuidasse se si sem intervenção governamental, mas que
qualquer regulação fosse afastada. Para substituir órgãos estatais de atuação em fiscalização
ou controle foram criadas as Agências Reguladoras, que, na prática, revelaram-se totalmente
ineficientes no cumprimento de sua função legal. Para a Receita Federal também houve
planos para a sua transformação em autarquia ou agência reguladora. A ideia parecia ser
enfraquecer um importante órgão estatal de fiscalização, afastando-o da Administração Direta.
Entendo que a realização dessa transformação da RFB só seria possível com o
enfraquecimento da carreira dos Auditores-Fiscais que tinham prerrogativas legais e
constitucionais não muito compatíveis com a existência de uma economia que se controlasse
por si mesma. Creio que o assédio moral se insere nesse contexto, ajudando nessa tentativa de
enfraquecer a carreira e, consequentemente, toda a Instituição, a fim de que, mais facilmente,
ela pudesse ser controlada em função dos interesses neoliberais.
Buscarei estudar especificamente um local da Administração Pública brasileira, a
Receita Federal do Brasil.Tentarei, inicialmente, verificar a ocorrência do problema nessa
Instituição, analisando mudanças propostas ou efetivadas na legislação que a regula e ao
trabalho dos servidores que nela atuam. Analisarei os discursos de servidores da Instituição,
Auditores-Fiscais da RFB que, de alguma forma, tiveram contato com o problema. Buscarei
13
entender se o assédio moral lá existente se deve mais a aspectos individuais dos servidores
que praticam tal violência ou se há uma característica mais organizacional na ocorrência do
fenômeno. Toda essa análise será feita com a correlação com o que ocorre atualmente no
mundo do trabalho, no Brasil e em escala mundial, o chamado neoliberalismo.
Pretendo fazer, nessa pesquisa, uma rápida análise nas mudanças ocorridas no
capitalismo desde o final da Segunda Guerra Mundial até a data de hoje, no mundo e, em
especial, no Brasil, me detendo na problemática da exploração do trabalhador ao longo desse
período. Para tanto, utilizarei as análises de Eric Hobsbawn, Perry Anderson, David Harvey,
Antonio Gramsci, Ricardo Antunes, Emir Sader, José Meneleu Neto, Armando Boito Jr.,
Francisco de Oliveira, entre outros.
Este estudo teórico será feito no sentido da análise da inserção do assédio moral nesse
contexto de exploração do trabalhador e para tal também serão analisadas as publicações
existentes sobre o tema, no Brasil e no exterior.
O assédio moral será estudado em um local especifico do serviço público, a Secretaria
da Receita Federal do Brasil, por intermédio da análise da legislação publicada ou proposta
nos últimos anos referente aos direitos dos trabalhadores daquele órgão e de uma pesquisa
organizacional feita pelo Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social, do COPPE da
UFRJ, sobre as condições de trabalho daqueles servidores. Finalmente, são apresentadas
análises de entrevistas nove AFRFB que explanaram sobre o assédio moral Receita Federal do
Brasil, para delas obter suas impressões. Serão 3 dirigentes sindicais, 3 participantes da
Administração da RF e 3 pessoas que se dizem vítimas dessa violência dentro da organização.
A dissertação será dividida em 4 capítulos. O primeiro apresentara o conceito assédio
moral no exterior e no Brasil. Buscarei informar a origem do conceito e seus antecedentes na
Europa. Verificaremos as principais obras sobre o tema e a legislação que surgiu, então, em
face à grande discussão provocada por essa nova temática. No Brasil, entenderemos como o
conceito chegou na Universidade, nos sindicatos e a forma com a qual o Legislativo busca
responder à luta dos trabalhadores contra essa nova realidade, com a criação ou proposta de
leis reprimindo o assédio moral.
No segundo capítulo faremos um apanhado da sociedade contemporânea e como nela
se encaixa a questão do assédio moral, fugindo de uma explicação meramente médico-
psicológica para o fenômeno.
No terceiro capítulo, criaremos um quadro do órgão a ser analisado e o papel que seus
servidores nele detém. Verificaremos como mudanças realizadas na legislação nos últimos
14
anos possibilitaram o desenvolvimento do fenômeno dentro da Receita Federal do Brasil e
como seus servidores a elas se opõem. Analisaremos uma pesquisa organizacional na qual
estão expostas as condições de trabalho desses servidores, em seu dia-a-dia.
No quarto capítulo, serão apresentadas as respostas às entrevistas realizadas com 9
AFRFB sobre o assunto.
Ao final do trabalho será feita a conclusão, com a qual buscaremos englobar todo o
estudo realizado até então.
15
1 – ANALISANDO O ASSÉDIO MORAL
1.1 – Definição do Fenômeno
O psicólogo alemão Heinz Leymann, é considerado um dos primeiros a estudar o
fenômeno que viria, posteriormente, ser conhecido como assédio moral. Ao realizar pesquisas
no ambiente de trabalho, descobriu um comportamento agressivo entre os trabalhadores. Ele
acabou descrevendo um quadro geral do fenômeno, estudando vários de seus aspectos,
referentes às suas características epidemiológicas, os efeitos sobre a saúde e prevenção. Para
este pesquisador esse fenômeno se caracterizaria por ser:
A deliberada degradação das condições de trabalho através do estabelecimento de comunicações não éticas (abusivas), que se caracterizam pela repetição por longo tempo de duração de um comportamento hostil que um superior ou colega desenvolve contra um indivíduo que apresenta, como reação, um quadro de miséria física, psicológica e social duradoura. 2
Leymann chamou o fenômeno de mobbing, para diferenciá-lo do bullying. Para ele o
bullying na escola é muitas vezes fortemente caracterizado por atos fisicamente agressivos. A
parte física na atividade de bullying seria sempre marcante. Caso contrário ocorreria com o
mobbing no local de trabalho. O comportamento muitas vezes é feito de uma forma muito
sensível, mesmo tendo efeitos altamente estigmatizantes. Na verdade, a violência física seria
extremamente rara. Pelo contrário, o mobbing se caracteriza por comportamentos muito mais
sofisticado.
Em pesquisas realizadas na Suécia, na década de 1980, foi revelado que 3,5% da
população analisada sofreu com o assédio moral. Isso significaria que 154 mil pessoas da
população ativa de 4,4 milhões de trabalhadores na Suécia foram submetidos a esse tipo de
violência no trabalho. O tempo médio de desgaste para este grupo, submetido continuamente
a assédio moral, foi de 15 meses. Presumindo uma duração média de 30 anos no mercado de
trabalho, o risco do indivíduo de ser vítima de assédio moral é de 25%. Ou seja, um em cada
quatro trabalhadores entrando no mercado de trabalho corre o risco de ser submetido a, pelo
menos, um período de mobbing de duração mínima de seis meses, durante a sua carreira
profissional. Além disso, segundo esses estudos, na Suécia, de 10% a 20% dos suicídios são
decorrência do assédio moral no trabalho.
2LEYMANN, Heinz. The Mobbing Encyclopaedia.Disponível em http://www.leymann.se/ English/frame. html, acessado em 21/07/2010.
16
Em 1998, o psiquiatra e psicanalista Christophe Dejours lança o livro “Souffrance em
France: la banalisation de l’injustice sociale” (tradução brasileira: A Banalização da Injustiça
Social), no qual ele entende haver uma guerra econômica em razão da elevação crescente da
competitividade. Em nome dessa guerra admite-se atropelar princípios, já que os fins (a
sobrevivência da empresa) justificariam os meios. O que, anteriormente, era considerado uma
falta moral tende a ser tornar norma em um sistema moderno de administração das questões
humanas no mundo do trabalho. Essa guerra levaria a uma “ideologia do realismo
econômico”, que consistiria em fazer com que o cinismo fosse visto, agora, como força de
caráter, determinação, elevado senso de responsabilidades coletivas, de serviços prestados à
empresa e, por extensão, ao próprio interesse nacional.
Para ele, entretanto, a maquinaria da guerra econômica não seria um deus ex-machina.
Funcionaria porque as pessoas consentiriam em dela participar. A questão central para ele
seria responder “por que uns consentem em padecer sofrimento, enquanto que outros
consentem em infligir tal sofrimento aos primeiro”.3
Também em 1998, Marie-France Hirigoyen lança seu livro intitulado Le Harcèlement
Moral: La violence perverse au quotidien (tradução brasileira: Assédio Moral: a violência
perversa do cotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil), no qual, pela primeira vez, é usado o
conceito “assédio moral”, para falar da violência no cotidiano da família e no mundo do
trabalho. O livro torna-se um best-seller e abriu um grande debate nas escolas, universidades,
sindicatos, empresas, repartições publicas, revistas especializadas ou não, jornais e redes de
televisão.4 Em 2001 é lançado Malaise dans le travail (Mal-Estar no Trabalho: redefinindo o
assédio moral), no qual a autora se preocupa em melhor explorar o fenômeno assédio moral
no ambiente do trabalho, a partir das informações e críticas que chegaram a ela após a
publicação do primeiro livro.
Hirigoyen criou a seguinte definição de assédio moral, que é utilizada, inclusive, pelo
sítio do Ministério do Trabalho e do Emprego, na internet:
É toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, escritos, comportamento,
atitude, etc.) que, intencional e frequentemente, fira a dignidade e a integridade
física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima
de trabalho.5
3DEJOURS, Christophe. A Banalização da Injustiça Social. Rio de Janeiro: FGV, 7. ed., 2007, p. 17. 4FREITAS, Maria Ester; HELOANI, Roberto; BARRETO, Margarida. Assédio moral no trabalho. São Paulo: Cengage Learning, 2008, p. 25. 5HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-Estar no Trabalho. Redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2009, p. 17.
17
Em seu segundo livro, a autora apresenta diversas denominações do fenômeno,
mostrando, ainda, como ele é visto em vários países. O mobbing vem do verbo inglês tomob,
atacar, perseguir, sitiar. Consistiria em manobras hostis, frequentes e repetidas no local de
trabalho, visando, sistematicamente, a mesma pessoa.
O termo mobbing continuaria a prevalecer nos países nórdicos, na Suíça e na
Alemanha. Na forma como é utilizado atualmente, corresponderia, de início, às perseguições
coletivas e à violência ligada à organização, mas poderia incluir desvios que chegariam à
violência física.
O termo bullying é conhecido há muito tempo na Inglaterra. Vem do verbo tobully,
que significa tratar com desumanidade e grosseria. O bully é uma pessoa tirânica que ataca os
mais fracos. De início, não dizia respeito ao mundo do trabalho, restringindo-se mais à
violência existente nas escolas, principalmente com crianças e adolescentes. Depois o termo
se estendeu ao exército, às atividades esportivas, aos maus-tratos aos idosos e, finalmente, ao
mundo do trabalho. A palavra ainda é muito utilizada nos países de língua inglesa.
O whistleblower (denunciador) toma para si a tarefa de alertar a opinião pública sobre
malversações e atos de corrupção ou violações à lei nos órgãos públicos onde trabalha. Pode,
ainda, denunciar ações de empresas que apresentem perigo para a saúde ou segurança
públicas. Por isso, torna-se alvo de represálias por seus superiores. Em vários países de língua
inglesa, como Inglaterra, EUA, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, etc, foram
tomadas medidas para proteger os denunciadores, evitando, inclusive, que se tornem vítimas
de assédio moral.
No Japão o termo ijime é utilizado não só para descrever as ofensas e humilhações
infligidas às crianças nos colégios, mas também para identificar as pressões sobre os jovens
recém-formados ou sobre elementos perturbadores. O objetivo do ijime seria inserir e adaptar
os indivíduos no grupo. Durante muito tempo, os professores japoneses consideravam o ijime
um rito de iniciação necessário ao amadurecimento do adolescente.
Resumidamente, Marie-France Hirigoyen considera que o termo mobbing relaciona-se
mais a perseguições coletivas ou à violência ligada às empresas, podendo incluir desvios que
cheguem à ofensa física. O bullying seria mais amplo, indo de chacotas e isolamento até
condutas abusivas com conotações sexuais e agressões físicas. O assédio moral diria respeito
a agressões mais sutis e por isso, mais difíceis de caracterizar e provar, sendo que as agressões
físicas estariam, a princípio, afastadas.6
6Ibidem, p. 76 a 86.
18
Leymann sugere manter a palavra bullying para as atividades entre as crianças e
adolescentes na escola e reservando o termo mobbing para o comportamento de adultos no
ambiente de trabalho. Segundo ele, o mobbing envolveria comunicação hostil e antiética,
dirigida de forma sistemática por um ou mais indivíduos, principalmente para um indivíduo
que é empurrado para uma posição impotente e indefesa e lá mantido por meio de ações
continuadas. Essas ações ocorriam em uma base muito frequentes (definição estatística: pelo
menos uma vez por semana) e durante um longo período de tempo (definição estatística:
duração mínima de seis meses). Devido à alta frequência e longa duração do comportamento
hostil o resultado é considerável sofrimento mental, psicossomática e social. 7
Para Bradaschia, ainda não há um consenso sobre a definição do que seja assédio
moral e tampouco seus limites. As definições variam em função da frequência com que os
atos deveriam ocorrer (pelo menos uma vez por semana), da duração da situação de assédio
(de poucos meses até pelo menos um ano), dos tipos de atos que seriam aceitos como
ofensivos e até mesmo se o assédio sexual estaria ou não contido nos atos de assédio moral.
Por outro lado, há certo consenso na literatura acadêmica sobre o fato de o assédio moral
envolver um tratamento desleal por um indivíduo (ou indivíduos) dentro do ambiente de
trabalho, que não deve ter sido estimulado ou incentivado pela vítima e que deve durar certo
tempo. Porém, independentemente da definição, o importante é compreender que o assédio
moral se caracteriza pelo abuso de poder de forma repetida e sistematizada.8
1.2 – Tipos de Assédio
Hirigoyen levanta alguns tipos de pessoas que seriam preferencialmente atingidas pelo
assédio moral. O assediador buscaria pessoas atípicas. Não aceitar as diferenças seria um dos
elementos desencadeadores do fenômeno. Assim, um indivíduo diferente do padrão
previamente estabelecido já seria um potencial assediado. Tal rejeição poderia se dar por
diferenças perceptíveis como sexo ou cor da pele, mas também poderia se referir a diferenças
mais sutis.
Pessoas excessivamente competentes ou que se destacam no grupo também podem ser
vítimas de assédio moral. Em decorrência de suas personalidades, certas pessoas incomodam
chefes ou colegas, que se sentem ameaçados. Superiores hierárquicos inseguros ou
7LEYMANN, Heinz. Op. cit. 8BRADASCHIA, Carisa Almeida. Assédio moral no trabalho: a sistematização dos estudos sobre um campo em construção. 2007, p. 54.
19
incompetentes tendem a temer as pessoas muito independentes ou que tem personalidade
muito marcante ou, ainda, que demonstrem muita capacidade no trabalho.
Os trabalhadores que resistem à padronização também podem sofrer assédio. Sua
atuação perturba. São os conhecidos como “muito honestos” ou “excessivamente éticos”.
Eventualmente são criticados por serem idealistas.
Também sofrem os trabalhadores que não tem uma boa rede de comunicação. O
assédio moral seria uma “patologia da solidão”. Ataca-se, de preferência, os trabalhadores
isolados e quando existem os aliados, dá-se um jeito de privar os assediados da sua rede de
solidariedade.
Os trabalhadores “protegidos”, da mesma forma, são vítimas preferenciais do assédio.
As mulheres grávidas, por exemplo, por terem direito à estabilidade no emprego, seriam mais
frequentemente vítimas do assédio moral do que as outras.
Pessoas menos “produtivas” também seriam vítimas preferenciais de assédio moral.
Quando um trabalhador não é considerado suficientemente competente, veloz ou quando
demora a se adaptar às mudanças que ocorrem no ambiente de trabalho torna-se presa fácil
para a pressão dos superiores. Os idosos são o exemplo clássico deste tipo de assediado. Os
colegas, reféns do sistema de alta produtividade e desempenho que impera no mundo do
trabalho, também começam a isolar e, depois, a rejeitar o colega que estaria “atrapalhando” o
desempenho coletivo.
Quando um funcionário está com alguma dificuldade momentânea, encontrando-se
fragilizado, pode ocorrer o assédio por parte de seus superiores, aproveitando o fato de que o
trabalhador está com dificuldades de se proteger.9
Ainda segundo Hirigoyen, podemos verificar a existência de quatro tipos de assédio
moral: o descendente, o horizontal, o misto e o ascendente. O primeiro é o tipo mais comum,
no qual o superior hierárquico age sobre o subordinado, fazendo com que a vítima se sinta
isolada e tenha dificuldade de achar uma saída para o problema.
O assédio horizontal vem dos próprios colegas, sem nenhuma relação de subordinação
hierárquica. Pode ocorrer quando há disputa pelo mesmo cargo ou nos casos em que os
trabalhadores já introjetaram as novas condições de trabalho do neoliberalismo. Este tipo de
assédio horizontal geralmente tem a aceitação da empresa, na forma da ausência de interesse
em acabar com o problema. Ela busca acreditar que esse enfrentamento constitui uma forma
de “seleção natural” dos melhores trabalhadores. Também esse comportamento tira da
9 HIRIGOEN, Marie-France. Op. cit., p. 219 a 225.
20
empresa a responsabilidade de levar adiante o “trabalho sujo” do assédio moral, assim como
consegue minar a força de coesão do grupo de trabalhadores naquele local10.
Segundo Pages:
(...) a grande empresa capitalista obriga seus trabalhadores a aderir a todo um sistema de valores, uma ideologia, uma filosofia que incita as pessoas a se dedicarem de “corpo e alma” ao seu trabalho, a “vestirem a camisa” da organização. Essa adesão é fundamental para a manutenção do poder da empresa sobre seus funcionários e para a continuidade do seu sistema de alienação e dominação dos trabalhadores. Ela estabelece um sistema de crenças e valores, uma “moral de ação” apropriados para conseguir a adesão dos funcionários. 11
A boa imagem da organização é reforçada por um discurso ideológico a fim de não
deixar que os trabalhadores se conscientizem das contradições das políticas da empresa e das
próprias contradições sociais a elas subjacentes. Essa ideologia não é apenas imposta ao
trabalhador, de fora para dentro. É necessário que ele aceite introjetar esse discurso como seu,
como a única prática possível em um mundo extremamente competitivo e hostil. O sucesso
nessa política de introjeção cria no trabalhador processos sutis de auto persuasão, no qual o
indivíduo fornece subsídios para sua própria doutrinação. Feito da melhor forma, esse
processo ainda colabora para que o trabalhador acredite estar pensando de maneira livre, a
partir de seu próprio entendimento da realidade que o cerca12.
O assédio moral de tipo misto conjuga os dois anteriores. Algum trabalhador pode se
tornar o bode expiatório dos problemas da empresa, sendo responsabilizado pela ocorrência
dos problemas lá existentes, ou se tornando exemplo de um trabalhador que são se adequaria
aos “novos tempos”. Passa a ser hostilizado por todos, chefes e colegas do mesmo nível
hierárquico, se tornando modelo do trabalhador que se deveria ser evitar.
Finalmente, minoritariamente, temos o caso do assédio moral ascendente, quando os
subordinados se reúnem para atacar um superior hierárquico. Em geral não é levado a sério,
mesmo podendo ser igualmente destrutivo como os outros tipos de assédio. Nestes casos, a
vítima não sabe como se defender ou a quem se dirigir. Ocorre, muitas vezes, quando um
novo chefe vem de outro local do trabalho, sem ter relacionamento com os novos
subordinados, e tenta fazer modificações que desagradam a eles.
10LAHOZ, Ramón Gimeno. La presión laboral tendenciosa (mobbing). 2004. Tesis (Doctoral) Universidad de Girona. 11 PAGES, Max et al. O Poder das Organizações. São Paulo: Atlas, 1987, p. 75. 12 PAGES, op. cit., p. 86.
21
O assédio moral, por ser uma forma sutil de degradação psicológica, dificulta a tarefa
de reconhecer e identificar as situações ocorrência, porque a vítima é envolvida em um
contexto tal, que é levada a pensar que é merecedora ou mesmo culpada pelas situações
constrangedoras.
Legalmente, o assédio moral se caracteriza por uma série de fatos que afrontam o
princípio da dignidade da pessoa humana, disposto no artigo 1º, III, da Constituição Federal,
formando uma cláusula pétrea da nossa Constituição Federal. A dignidade da pessoa humana
traduz um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, tendo um efeito que vai
influenciar não só o Direito positivado em leis, mas também as atividades legislativa e
judiciária. Ele tem uma posição de “valor supremo” a dar fundamento a todo o ordenamento
jurídico brasileiro13.
Assim, não como negar a influência que a dignidade da pessoa humana possui na
esfera trabalhista e, especificamente, naquela inerente ao ambiente do trabalho.
O problema está em buscar elementos que caracterizem, de forma inequívoca, a
ocorrência do seu desrespeito, ou seja, a existência do assédio moral em ambiente de trabalho
específico. Além disso, muitas vezes, o que parece caracterizar, em uma análise baseada no
bom senso, um total desrespeito à dignidade humana, não é encarado desta forma pelo
Judiciário. Algumas sentenças parecem dar a entender que o trabalhador deve deixar sua
dignidade do lado de fora da porta da empresa. Não é raro que dignidade do trabalhador seja
concebida como algo de pouca importância. É o que se nota na seguinte fundamentação,
extraída de uma decisão judicial:
Embora o gesto de se entregar uma peça íntima do vestuário feminino aos gerentes do banco reclamado, a título de elemento de motivação para o desenvolvimento de suas atividades na agência bancária, tenha sido de extremo mau gosto e de duvidoso efeito prático, entendo que o ato por si só não gera constrangimento e muito menos assédio moral, como pretende o reclamante. Por mais grotesca e cômica que tenha sido a atitude do superintendente do Banco, os meros dissabores, aborrecimentos, desconfortos emocionais e irritações cotidianas não se prestam a configurar dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia no trabalho e até entre amigos no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, qualquer brincadeira ou gesto por mais estúpidos e debochados, que sejam, poderão ensejar reparação por danos morais. Processo: 01598-2005-005-03-00-2 RO, Data da Sessão: 14/06/2006, Data da Publicação: 01/07/2006, Órgão Julgador: Oitava Turma, Juiz Relator: Juíza Olívia Figueiredo Pinto Coelho.
13REZENDE, Leonardo de Oliveira. A Deteriorização de Poder dentro do Organismo Empresarial: uma análise do assédio moral no contrato de trabalho.
22
1.2.1 – O Assédio Moral Organizacional
Mais modernamente, alguns autores entendem que o assédio moral pode, em alguns
casos, ser entendido como uma prática organizacional da instituição. Ele estaria inserido nas
práticas de gestão das empresas, utilizado como instrumento da própria organização. As
práticas de assédio moral poderiam, em alguns casos, ser percebidas como inerentes à
organização ou à produção pelos superiores hierárquicos, bem como consideradas técnica de
gestão de pessoas na empresa. O assédio moral organizacional seria um instrumento de
controle e disciplina dos trabalhadores, mecanismo de redução do custo da mão-de-obra e do
aumento da produtividade14.
Adriane Reis propõe o seguinte conceito de assédio moral organizacional:
O assédio moral organizacional se configura pela prática sistemática, reiterada e frequente de variadas condutas abusivas, sutis ou explícitas contra uma ou mais vítimas, dentro do ambiente de trabalho, que, por meio do constrangimento e humilhação, visa controlar a subjetividade dos trabalhadores. O controle da subjetividade abrange desde a anuência a regras implícitas ou explícitas da organização, como o cumprimento de metas, tempo de uso do banheiro, método de trabalho, até a ocultação de medidas ilícitas, como sonegação de direitos (registro em Carteira de Trabalho, horas extras, estabilidade no emprego) ou o uso da corrupção e poluição pela empresa. Essa prática resulta na ofensa aos direitos fundamentais dos trabalhadores e pode se esconder no "legítimo" exercício do poder diretivo do empregador, caracterizando abuso de direito15.
Podemos, então, diferenciar dois tipos de assédio moral, o assédio moral interpessoal e
o assédio moral organizacional. O primeiro seria característico dos casos em que o agente
assediador prática os atos abusivos mais por características próprias ou particulares contra
uma ou mais pessoas, em especial. O segundo, para se caracteriza por destacar a manifestação
coletiva do assédio moral, ou seja, o assédio como instrumento de gestão e de controle do
empregador. “O assédio moral difuso e fomentado pela empresa surge como mais um
instrumento de controle e disciplina da mão-de-obra.”
Para Gosdall, Soboll, Schatzmam e Eberle:
O assédio organizacional é um conjunto sistemático de práticas reiteradas, inseridas nas estratégias e métodos de gestão, por meio de pressões, humilhações e constrangimentos, para que sejam alcançados determinados objetivos empresariais ou institucionais, relativos ao controle do trabalhador (aqui incluído o corpo, o comportamento e o tempo de trabalho), ou ao custo do trabalho, ou ao aumento de
14 COUTINHO, Aldacy Rachid. Poder Punitivo Trabalhista. São Paulo: LTr, 1999. p. 74. 15 REIS, Adriane. Assédio moral organizacional e abuso do poder diretivo do empregador: Texto elaborado para a Abrapso, 2007.
23
produtividade e resultados, ou à exclusão ou prejuízo de indivíduos ou grupos com fundamentos discriminatórios16.
São exemplos de assédio organizacional as seguintes situações, que se referem a denúncias
de assédio moral já investigadas pelo Ministério Público do Trabalho, apresentadas por
Gosdall, Soboll, Schatzmam e Eberle:
1 - empresas que desenvolvem atividade de teleatendimento ou telemarketing, nas quais os
trabalhadores tem seu tempo controlado até nos momentos que precisam se ausentar para ir ao
banheiro. Também lhes são impostas metas praticamente inexequíveis, gerando grande
pressão quando do seu não cumprimento. São empresas nas quais o assédio moral é utilizado
como estratégia para controle dos empregados, impedindo a formação de demandas
individuais e coletivas e, especialmente, aumento da produtividade, com o controle do tempo
de trabalho e do conteúdo das conversas com o cliente. O assédio moral é, dessa forma,
utilizado dentro da lógica organizacional da empresa.
2 - empresas que passam por processos de fusão ou incorporação e que não querem manter
muitos dos trabalhadores das empresas originais. Com a desculpa de realizar uma
reengenharia para manter/aumentar a produtividade, muitos empregados são descartados pela
nova empresa. Normalmente são lideranças sindicais, trabalhadores acometidos de doenças
crônico-degenerativas ligadas às suas funções (LER ou DORT, por exemplo), trabalhadores
com muito tempo de serviço, reconhecidos como referências pelos colegas, com algum tipo
de estabilidade provisória, etc. São rotulados como trabalhadores-problema, para a empresa e
para os próprios colegas. Vários mecanismos são usados para promover a desqualificação do
trabalhador: seu discurso e suas ações são atacados e é criado um processo de pressões e
humilhações, buscando enfraquecê-lo. O assédio moral organizacional se instala na empresa
como estratégia para forçar pedidos de demissão por parte dos trabalhadores assediados e,
assim, desonerar-se de verbas rescisórias que seriam devidas em razão da dispensa sem justa
causa.
3 - empresas que trabalham com vendas e utilizam de técnicas de humilhação e perseguição
como estratégia de estímulo para aumento dessas vendas por parte dos empregados. Ocorrem,
16GOSDAL, Thereza Cristina e SOBOLL, Lis Andrea Pereira (org.). Assédio Moral Interpessoal e Organizacional. São Paulo: LTR, 2009, p. 37.
24
muitas vezes, situações de ridicularização pública de empregados ou equipes que vendem
menos do que lhes é determinado, não alcançando as metas que lhes foram impostas. Há, por
exemplo, a obrigação de funcionários se sujeitarem a vestir-se de mulher e desfilar para os
colegas, imitar animais ou expor-se de qualquer outra forma ao ridículo.
No assédio moral organizacional não há, necessariamente, uma intenção deliberada do
agente assediador de fazer mal ao trabalhador, diferentemente do que ocorre nos casos de
assédio moral chamado interpessoal. Naquele existe uma escolha da empresa ou instituição
em agir de uma forma assediadora contra os trabalhadores. A ideia é usar o assédio moral
como estratégia de administração, para a obtenção maior controle dos empregados,
objetivando redução de custos, maior produtividade ou trabalhadores mais dóceis. No assédio
moral interpessoal mais frequentemente estaria presente a intenção de prejudicar
pessoalmente a vítima17.
No assédio moral interpessoal não é muito fácil, para a maioria dos trabalhadores que
convivem naquele espaço, perceber prontamente as ações do assediador como violência às
vítimas. Em geral, os ataques são mais velados, mais dissimulados. O assédio moral
organizacional, por outro lado,é, em geral, mais visível, sendo em regra percebido pela
maioria dos trabalhadores como parte da gestão da instituição. No caso, por exemplo, de
empresas que praticam assédio moral para evitarem o pagamento de multas rescisórias, os
trabalhadores percebem claramente essas ações como uma estratégia da empresa.
No assédio moral organizacional as humilhações, perseguições e pressões impingidas a
um ou alguns trabalhadores normalmente tem a pretensão de servir como exemplo aos
demais, para que estes se submetam aos objetivos buscados pela empresa ou órgão,
declarados ou não, não resistindo a esses objetivos. Além disso, no assédio moral
organizacional, diferentemente do que, em geral, ocorre no assédio moral interpessoal, a
maior parte dos trabalhadores de um ambiente de trabalho pode ser alvo das mesmas ameaças.
Também podemos encontrar diferenças entre os dois tipos de assédio moral quando
verificamos suas consequências jurídicas. Nesse momento, o maior diferencial do assédio
moral organizacional em relação do assédio interpessoal está nos mecanismos de tutela. Por
extrapolar a esfera de interesses do trabalhador ou trabalhadores assediados, o assédio moral
organizacional, com muito maior facilidade, abre espaço para a ocorrência da tutela coletiva,
a fim de que a ocorrência desse tipo de violência seja extirpada dos métodos de administração
da empresa, seja na fixação de multas administrativas, seja na pretensão de dano moral
17 GOSDAL e SOBBOL, op. cit. p. 40.
25
coletivo em face da empresa, em razão de seu maior potencial lesivo à saúde e dignidade dos
trabalhadores18.
Tabela 1: Quadro comparativo entre assédio moral interpessoal e organizacional ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO Assédio Moral Interpessoal Assédio Moral Organizacional
Objetivos e finalidades
Prejudicar, enquadrar, humilhar ou excluir, do grupo ou da empresa, a(s) pessoa(s) atingida(s).
Alcançar determinados objetivos empresariais ou institucionais relativos a índices de produtividade e/ou atingimento de resultados, ao controle dos trabalhadores e aos custos do trabalho.
Quem pratica
Superior hierárquico, colega do mesmo nível ou inferior.
Prepostos, gestores ou equipes de trabalho, por determinação administrativa.
Alvos da violência
indivíduos ou pequenos grupos setores específicos ou grandes grupos
Potenciais assediados
os que se afastam do perfil "padrão": são gestantes, idosos, negros, homossexuais, sindicalistas, idealistas, doentes, etc.
aqueles que atrapalham, de alguma forma a obtenção de maior lucro e/ou aumento de produtividade pela empresa e/ou instituição, ou seja, todos aqueles que resistem à exploração promovida pela empresa ou instituição.
Formas de participação da empresa ou Instituição
Omissão por parte da empresa ou instituição
Promoção e estímulo a essas práticas como prática de gestão de pessoas.
A partir de quadro de Gosdall, Soboll, Schatzmam e Eberle
18 Ibidem, p. 41.
26
1.3 – O Assédio Moral no Mundo
Na Austrália, em uma série de pesquisas empíricas conduzidas em diversos setores
industriais, com diversas amostras de trabalhadores foi solicitado que eles apresentassem suas
experiências com agressões no trabalho nos 12 meses anteriores. A maior parte das agressões
relatadas referia-se a ações psicológicas como ofensas e abusos verbais. 19
Na Alemanha, no lado ocidental, um estudo representativo feito em 2002, sobre o
fenômeno do assédio moral, revelou que mais de 800.000 trabalhadores foram vítimas desse
tipo de violência. No mesmo sentido, em outra pesquisa desenvolvida em 15 Estados
membros da União Europeia foi verificado que 16% dos trabalhadores daquele bloco
sofreram algum tipo de assédio moral.20
No Japão, mais e mais disputas referentes à violência no trabalho são apreciadas em
cortes de conciliação e decisão. O número de casos levados aos conselhos de abril de 2002 a
março de 2003 foi de 625.000. Destes 5,1% ou cerca de 32.000 relataram algum tipo de
assédio moral. Posteriormente, de abril a setembro de 2003, foi feito um total de 51.000
ações, das quais 9,6% referiam-se a assédio moral. Assim, o número desses casos pareceu
crescer, levando às autoridades japonesas a se debruçar sobre o assunto buscando mais
informações e soluções para o problema.21
Na França, muito em razão da grande discussão pública ocorrida sobre o fenômeno em
razão dos livros de Marie-France Hirigoyan, o assédio moral está tutelado pela Lei de
Modernização Social, aprovada em 17 de janeiro de 2002, sendo a definição do assédio moral
por tal legislação a seguinte:
Nenhum trabalhador deve sofrer atos repetidos de assédio moral que tenham
por objeto ou por efeito a degradação das condições de trabalho suscetível de lesar os
direitos e a dignidade do trabalhador, de alterar a sua saúde física ou mental, ou de
comprometer o seu futuro profissional. Nenhum trabalhador pode ser sancionado,
despedido ou tornar-se objeto de medidas discriminatórias, diretas ou indiretas, em
particular no modo de remuneração, de formação, de reclassificação, qualificação ou
de classificação, de promoção profissional, de transferência ou renovação do contrato
por ter sofrido ou rejeitado sofrer os comportamentos definidos no parágrafo
19 CHAPELL, Duncan e DI MARTINO, Vittorio. Violence at Work. Genebra, International Labour Office, 2006, 3. ed., p. 11. 20 Ibidem, p. 13. 21 Ibidem, p. 13.
27
precedente ou por haver testemunhado sobre tais comportamentos ou havê-los
relatado22.
Portugal, através da Lei n.º 99/2003 de 27 de agosto (novo Código do Trabalho),
consolidou que constitui discriminação o assédio a candidato a emprego ou a trabalhador,
entendo-se por assédio todo o comportamento indesejado, praticado quando do acesso ao
emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o
efeito de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante,
humilhante ou desestabilizador23.
Na África do Sul, um estudo feito em conjunto pela OMS (Organização Mundial da
Saúde)e pela ILO (International Labour Office) verificou que, no setor de saúde daquele país,
52% dos trabalhadores pesquisados no setor privado e 60,1% no serviço público sofreram
algum tipo de abuso verbal. 24
Na Itália, apesar de não haver tutela específica para o assédio moral, o Código Civil
em seus artigos 2.087 e 2.103, faz referências à “personalidade moral” do trabalhador. Lá, o
assédio moral é reconhecido como uma doença que autoriza o trabalhador que a ela foi
exposto o pedido de pensão por invalidez. A Corte Constitucional Italiana introduziu a
possibilidade do reconhecimento do assédio moral como doença ocupacional, caso a relação
entre as condições de trabalho e a situação patológica seja provada. Em razão disso, o
Instituto Nacional par Seguro contra Acidentes de Trabalho (INAIL) listou vários
comportamentos em ambiente de trabalho que podem ser considerados como estopim para a
ocorrência de distúrbios psicológicos. São eles: marginalização nas atividades do trabalho;
inatividade forçada, por não receber tarefas; não providenciar instrumentos de trabalho;
transferências repetidas e injustificadas; subutilização deliberada da capacidade profissionais;
atribuição deliberada de tarefas exorbitantes; negação sistemática de acesso a informação
adequada ou recusa a informação; exclusão de treinamentos; controle excessivo, etc.25
Na Grã-Bretanha, o British Crime Survey (BCS) estimou que houve 849.000
ocorrências violência no trabalho na Inglaterra e no País de Gales em 2002 e 2003. Desses,
22 FRANÇA. Loi n°2002-73 du 17 janvier 2002. Santé, Solidarité, Securité Sociale. Disponível em: http://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=LEGITEXT000005632119&dateTexte=20110314#LEGISCTA000006103539. Acessado em 02/03/2010. 23 PORTUGAL. Lei n.º 99 de 27 de agosto de 2003. Aprova o Código do Trabalho. Disponível em http://www.ces.uc.pt/aigaion/attachments/IL992003.pdf-c2846199ee256822985e217519882f68.pdf. Acesso em: 15/03/2010. 24 CHAPELL e DI MARTINO, op. cit., p. 14. 25 Ibidem, p. 150.
28
418.000 foram casos de ameaças26. Na Inglaterra o principal instrumento de tutela jurídica é
o Protection from Harassment Act de 1997, a qual é fundada sobre o princípio geral de que
uma pessoa não pode ser exposta a uma conduta que possa resultar moléstia no confronto com
outra pessoa:
Proibição de assédio.
(1)Uma pessoa não deve prosseguir uma linha de conduta:
(A)que equivalha a assédio a outra, e
(B) que ele sabe ou deveria saber que causa assédio a outros.
(2) Para os efeitos desta seção, a pessoa cuja conduta está em questão deveria saber
que isso equivale a perseguição de outra se uma pessoa na posse das mesmas
informações acreditaria que o comportamento foi de assédio.27
Nos Estados Unidos da América, uma pesquisa realizada pelo US National Institute
for Occupational Safety and Health (NIOSH) em 516 organizações privadas e públicas,
distribuídas por todo o país, demonstrou que em 24,5% delas foi reportada alguma ocorrência
de assédio moral no ano anterior. Lá, apesar de também não ter legislação específica, o que os
trabalhadores têm utilizado para se contrapor às ações de assédio moral são os Atos dos
Direitos Civis de 1964 que proíbem qualquer tipo de discriminação no trabalho em função de
cor de pele, raça, origem e sexo28.
No Canadá, a província da Columbia Britânica adotou em 1993 o Regulamento de
Saúde e Segurança Ocupacionais, que estabelecia proteção aos trabalhadores no local de
trabalho. O regulamento define violência como o uso de força física ou qualquer declaração
ou comportamento ameaçador que cause no trabalhador a crença que ele possa de alguma
forma estar sob o risco de dano. Várias outras províncias canadenses seguiram a mesma linha
de criar uma legislação que ataque a violência no trabalho29
Na Nova Zelândia, o “Health and Safety in Employment Act”, de 1992, está sendo
usado como base para desenvolver um guia para patrões e empregados saberem como lidar
com a violência no trabalho. Os empregadores têm o dever legal de buscar identificar
26 Ibidem, p. 15. 27 GRÃ-BRETANHA. Protection from Harassment Act 1997Disponível em: http://www.legislation.gov.uk/ukpga/1997/40/section/1. Acessado em 10/03/2010. 28 CHAPELL e DI MARTINO, op. cit.,, 29 Ibidem, p. 148-150.
29
potenciais perigos nos locais de trabalho. Além disso, precisam determinar sua importância,
isolá-lo, eliminá-lo ou minimizá-lo ao máximo possível30.
1.4 – Seria a Empresa um Sub-Sistema Autopoiético?
Em seus livros que tratam do assédio moral, Marie-France Hirigoyen, talvez
muito influenciada por sua formação médica, trata a fábrica como um ser-vivo doente. Assim
como existiriam patologias individuais, existiriam patologias coletivas. No âmbito das
empresas existiriam os mesmos perfis que nos das pessoas. “Certas organizações não se
preocupam em proteger as pessoas que empregam e permitem, por indiferença, que um clima
de assédio moral seja instalado”.31 A empresa é um sistema que consegue manter sua relativa
autonomia em relação ao meio, seu entorno. O assédio moral não provém da sociedade. Ele
seria criação do subsistema empresa, criado por suas condições próprias, internas. “Não se
deve banalizar o assédio fazendo dele uma fatalidade de nossa sociedade. Ele não é
consequência da crise econômica atual, é apenas um derivado de um laxismo
organizacional”.32
Segundo a autora, o assédio seria sempre resultante de um conflito. Restaria saber se
esse conflito proviria do caráter das pessoas nele envolvidas, ou se estaria inscrito na própria
“estrutura da empresa”. Nem todos os conflitos degenerariam em assédio. Para que isso
acontecesse seria preciso “a conjunção de vários fatores: desumanização das relações de
trabalho, onipotência da empresa, tolerância ou cumplicidade para com o individuo
perverso”.33 Ou seja, dentro do próprio subsistema autopoiético da empresa deveriam ser
analisados seus elementos numa interação auto-referente, circular. Parece que suas condições
tornam-se independentes do meio envolvente e permitem sua própria evolução, num ciclo
operativamente fechado, verificando-se sua diferença constitutiva em relação ao seu entorno.
Segundo Maturana e Varela, biólogos chilenos dos quais Niklas Luhmann
extraiu a ideia de sistemas autopoiéticos, o que define os seres vivos é a característica de
produzirem de forma contínua a si próprios, sendo essa forma de organização é chamada de
autopoiética. Os componentes moleculares de uma unidade viva devem estar relacionados
numa rede contínua que produz seus próprios componentes. Tudo isso ocorreria a nível do
metabolismo celular. Esse metabolismo produziria os componentes através da matéria e
30 CHAPELL e DI MARTINO, op. cit., p. 151. 31HIRIGOEN, Marie-France. Op. cit., p. 203. 32 Idem. Assédio Moral, a violência perversa do cotidiano. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000, p. 103. 33 Ibidem, p. 102.
30
energia provenientes do meio, mas a natureza do que é produzido com essa “matéria- prima”
é o resultado da rede de interações própria do ser vivo. Alguns componentes formam uma
fronteira, ou seja, um limite para essa transformação. Essa mediação limite nos seres vivos é
dada pela filtragem da membrana celular. No entanto, essa membrana não apenas dita o limite
das transformações, como igualmente participa desse processo. A relação causal possui uma
lógica circular e não linear. Essa relação expressa um paradoxo no qual seres vivos são
sistema abertos no que diz respeito ao fluxo de matéria e energia, mas são fechado em sua
dinâmica e transformação contínuas, ou seja, na reprodução das estruturas essenciais para a
sua manutenção. O paradoxo expressa-se pelo seguinte fato: o que é necessário produzir, é
autoproduzido, mas a autoprodução ocorre porque existe uma abertura ao meio. Seres vivos
são sistemas fechados e abertos, mas não abertos ou fechados, mas são fechados porque são
abertos ao meio que os cerca. O peculiar dos seres vivos, segundo Maturana e Varela, “é que
a sua organização é tal que seu único produto são eles mesmos. Donde se conclui que não há
separação entre produtor e produto. O ser e o fazer de uma unidade autopoiética são
inseparáveis”.34
Para Luhmann os sistemas sociais não possuem apenas autonomia de organização,
mas também possuem a capacidade de produzir, ou melhor, reproduzir seus próprios
elementos, e desse modo, acabam por se tornar independentes do meio, porém uma
independência de forma paradoxal, que para reforçar a clausura, precisa reafirmar sua
abertura.35
Os sistemas constituem seus elementos constituintes e processam suas operações
elementares unicamente a partir de si próprios, voltados para si mesmos e em clara distinção
face ao seu ambiente. Essa distinção permite a unidade dos sistemas que, ao constituírem seus
próprios elementos, suas próprias estruturas, são também autopoiéticos.
Sua relação com o ambiente ocorre através do acoplamento estrutural; embora
determinados sistemas só sejam possíveis em determinados ambientes, a comunicação
sistema-ambiente se dá tão somente através de “irritações” ou estímulos, cuja recepção e
eventual processamento dependem exclusivamente do sistema.36
34MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco. A Árvore do Conhecimento – as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2001, p. 55, citados por ARNAUD,André-Jean e LOPES Jr., Dalmir (org.)Niklas Luhmann: do sistema social à sociologia jurídica.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, pp. 3 e 4. 35ARNAUD,André-Jean e LOPES Jr., Dalmir (org.)Niklas Luhmann: do sistema social à sociologia jurídica.Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004, p. 8. 36SOBOTTKA, Emil Albert. Sem objetivo? Movimentos sociais vistos como sistema social in RODRIGUES, Léo Peixoto e MENDONÇA, Daniel de (org.). Ernesto Laclau e Niklas Luhmann. Pós-fundacionismo, abordagem sistêmica e as organizações sociais. Porto Alegre: EDIPUCSRS, 2006, p.118.
31
Para Luhmann, a diferença entre o que está dentro do sistema e o que se encontra fora
dele torna possível formar e preservar constantemente “ilhas de menor complexidade no
mundo”. O sistema social “aprende” a distinguir-se do seu meio ambiente e, assim, a
discriminar também a sua complexidade peculiar em relação à complexidade do mundo.37
Ainda segundo Luhmann, os sistemas sociais têm por função a apreensão e a redução
da complexidade. Servem para intervir entre a extrema complexidade do mundo e a
necessidade e possibilidade muito menores, do homem para a elaboração consciente da
vivência. Esta função é, pois, levada a cabo, em primeiro lugar, mediante a estabilização de
uma diferença entre o dentro e o fora. Os sistemas sociais constituem ao mesmo tempo, graças
ao seu sentido, as suas fronteiras e possibilidades do homem.38
Para Hirigoyen, o assédio moral é visto como um elemento constitutivo da empresa:
É um superior hierárquico que esmaga seus subordinados com seu poder. Na maior parte das vezes, é esse o meio de um pequeno chefe valorizar-se. Para compensar sua fragilidade identitária, ele tem necessidade de dominar e o faz tanto mais facilmente quanto o empregado, temendo sua demissão, não tiver outra escolha a não ser submeter-se. A pretexto de manter o bom andamento da empresa, tudo se justifica: horários prolongados, que não se podem sequer negociar, sobrecarga de trabalho dito urgente, exigências descabidas. Em princípio, o abuso de poder não é dirigido especificamente contra um único indivíduo. Trata-se, apenas, para o agressor de esmagar alguém mais fraco que ele próprio. Nas empresas, esse abuso pode transmitir-se em cascata, da mais alta chefia ao menor chefe na escala.39
Entretanto, como em um ser vivo, um sistema autopoiético por excelência, a empresa
doente, atacada pelo mal do assédio moral, teria cura. Pode ser estabelecido um plano de
recuperação do doente baseado em informação e sensibilização dos empregados sobre a
doença (assédio moral), formação de especialistas internos: médicos do trabalho;
representantes sindicais ou “pessoas de boa vontade” que queiram trabalhar como “pessoas de
confiança”; treinamento de funcionários para prevenir, detectar e “administrar” os casos de
assédio moral, etc.40
No Brasil vários autores vêm se debruçando sobre o tema “assédio moral”, nos últimos
anos. Roberto Heloani, por exemplo, escreve que o assédio moral “trata-se de um processo
disciplinador em que se procura anular a vontade daquele que, para o agressor, se apresenta como
ameaça”.41O autor apresenta o problema como resultante último de uma hipercompetitividade
37LUHMANN, Niklas. Sociologia como teoria dos sistemas sociais, in O pensamento de NiklasLuhmann. José Manuel Santos (org.), p. 81. 38Ibidem, p. 80. 39 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no Trabalho: redefinindo o assédio moral São Paulo: Bertrand Brasil, 2002, p. 82. 40Ibidem,p. 325-326. 41HELONI, Roberto. Op. cit, p. 5.
32
presente na sociedade atual. Para Luhmann, o sistema autopoiético requer sua produção,
transformação, adaptação em relação às transformações do seu meio (entorno). Mesmo sendo
a sua operacionalidade fechada, ela é plástica no sentido de que as suas intenções se auto-
reproduzem recursivamente caso haja modificações no ambiente em que o sistema está
acoplado, como forma de manutenção do próprio sistema. A autopoiesis requer sempre uma
interpretação semântica do sistema em relação às alterações do meio ambiente, no sentido de
o sistema auto-organizar-se semanticamente – e isto caracteriza a autopiesis.42 Parece que,
para Helony, a citada hipercompetitividade é uma “irritação”, ou estímulo, cuja recepção e
processamento dependem exclusivamente do subsistema autoreferenciado, autopoiético, a
empresa.
Maria Ester Freitas, por sua vez, afirma que o assédio moral é um problema
organizacional simplesmente porque ocorre dentro do ambiente de trabalho, entre pessoas que
são parte da estrutura organizacional. O assédio moral detém prerrogativas a partir de papéis
organizacionais e encontra respaldo em questões ou aspirações organizacionais, o que torna a
empresa co-responsável ou não-isenta pelos atos culposos ou dolosos que ocorrem em seu
interior. Segundo a autora, a organização-empresa “define, explícita ou implicitamente por
meio de sua cultura, determinadas estruturas”, padrões de relacionamento interpessoais ou
intergrupais e níveis de intimidade entre as pessoas que nela trabalham, bem como o que é
considerado importante e valorizado por ela; constrói ainda as condições e o ambiente em que
o trabalho deve ser feito e os graus de autoridade, autonomia e de responsabilidade dos
envolvidos43. Assim, também para essa autora, parece que a empresa se comporta como um
sistema autopoiético, possuindo uma clausura operativa, que lhe permite recriar os elementos
necessários à sua reprodução. Há uma interação auto-referente, recursiva, circular, de seus
elementos internos. A empresa define “estruturas”, “cultura”, “padrões”, e se mantém e
reproduz por intermédio desses elementos.
Segundo Luhmann, os sistemas sociais “estabilizam expectativas objetivas, vigentes,
pelas quais as pessoas se orientam. As expectativas podem ser realizadas na forma do dever-
ser, mas também podem estar acopladas a determinações qualitativas, delimitações da ação,
regras de cuidado, etc”.44 A empresa, seguindo-se os parâmetros expostos por Freitas,
delimita, como um sistema autopoiético, as opções possíveis e esperáveis a partir de uma
42RODRIGUES, Léo Peixoto. A (des)estrtuturação das estruturas e a (re)estruturação dos sistemas in RODRIGUES, Léo Peixoto e MENDONÇA, Daniel de (org.). Ernesto Laclau e Niklas Luhmann. Pós-fundacionismo, abordagem sistêmica e as organizações sociais. Porto Alegre: EDIPUCSRS, 2006, p. 60. 43 FREITAS, Maria Éster de. Assédio Moral no trabalho. São Paulo: Cengage Learning, 2008., p. 37. 44 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito. Rio de Janeiro: Edições Tempo Brasileiro, 1983, p. 52.
33
cultura auto-estabelecida, auto-referenciada. “As estruturas restringem o âmbito das
possibilidades de opções. Em termos imediatos elas delimitam o optável. Elas transformam o
indefinido em palpável, a amplidão em redução”.45
Em seu artigo É o Direito um sistema autopoiético? Discutindo uma objeção
oriunda do marxismo, Maurício Vieira Martins, faz, como o próprio título do artigo apresenta,
uma crítica com base na teoria de Karl Marx, na visão de que o Direito seria um sistema
autopoiético. Apesar de o texto focar a análise na obra de GüntherTeubner, em especial o
livro O Direito como sistema autopoiético, podemos verificar, inserido nele, críticas à teoria
de Luhmann sobre os sistemas sociais.
Segundo Martins, o próprio Teubner parece criticar a identificação do conceito de
autopoiesis com autonomia em Luhmann, mas ele mesmo usaria as duas expressões como
idênticas.46Uma visão do sistema autopoiético que fosse mais atenta à presença da economia
interagindo com o Direito seria uma vertente minoritária da argumentação de Teubner.47 E
mesmo essa visão mereceria ser problematizada quando se leva em conta o alcance mais
profundo e duradouro do sistema econômico e social.48
Para Marx, as leis da economia capitalista devem ser vistas como tendências sujeitas a
contra-influências, reconhecendo a mutiplicidade das causas ou determinações que operam
sobre a sociedade. Entretanto, mesmo que tenhamos em mente a necessidade de escapar de
um mero determinismo econômico, na linha de Kautsky, não há como fugir da extrema
importância que a economia política tem como influência na vida em sociedade.49
Luhmann, aliás, propõe ultrapassar a tradição iniciada por Hegel, de se acreditar em
uma dialética entre sujeito e objeto. Para ele não há contraposição entre ambos. No lugar do
sujeito encontrar-se-ia agora o sistema, em vez do objeto o mundo, em vez do problema da
contradição o problema da complexidade (que encerra contradições) e, no lugar da dialética, a
seletividade do comportamento.50
A crítica feita a uma visão do Direito como sistema autopoiético pode, também, ser
estendida a outros aspectos do social. A fábrica, ou a empresa, não pode ser vista como um
45Ibidem, p. 54. 46 MARTINS, Maurício Vieira. É o Direito um sistema autopoiético? Discutindo uma objeção oriunda do marxismo. In MELLO, Marcelo Pereira de (org.). Justiça e Sociedade: temas e perspectivas. São Paulo: LTR, 2001, p. 48. 47 Ibidem, p. 49. 48 Ibidem, p. 51. 49BOTTOMORE, Tom (org.). Dicionário do Pensamento Marxista.Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988, p. 99. 50 LUHMANN, Niklas. Sociologia como teoria dos sistemas sociais, in O pensamento de NiklasLuhmann. José Manuel Santos (org.), p. 81.
34
sistema autônomo, regido por suas próprias regras, mais ou menos independentemente do
meio que o cerca. Buscar entender os problemas graves de assédio moral que existem dentro
das empresas sem preocupar com as razões econômicas que dão suporte a este tipo de
comportamento carece de uma metodologia adequada. Não é admissível deixar de verificar
que tal fenômeno não ocorre isoladamente, em apenas alguns indivíduos sociais (sub-
sistemas) doentes, que precisam ser curados. O assédio moral precisa ser estudado como um
elemento presente da sociedade neoliberal que utiliza o utiliza como a outros mecanismos de
controle, com o claro intuito de maximizar a exploração de mão-de-obra, atualmente
rebatizada em reengenharia, gestão de qualidade, estratégia global, etc.
Da mesma forma que aceitar a existência do Direito como sistema autopoiético
(independentemente do ambiente de estudo: países “centrais” ou “periféricos”) parece carecer
de um maior rigor epistemológico, quaisquer outros estudos cuja metodologia não leve em
consideração que fatores externos ao “sistema” podem ser fundamentais para a sua
conformação e mesmo afetem diretamente em sua manutenção e reprodução, pode estar
fadada a realizar uma bela descrição de um fenômeno, com pouca sustentação na realidade
sócio-econômica.
1.5 – O Assédio Moral no Brasil
Segundo Margarida Barreto, uma das pioneiras do estudo do assédio moral no Brasil,
o fenômeno foi inicialmente uma preocupação dos sindicatos, antes de ser objeto de pesquisa
da Universidade. Atualmente, vários sindicatos por todo o Brasil se preocupam a ação do
fenômeno sobre seus filiados. Editam cartilhas, ministram cursos e participam de seminários
nos quais relatam suas experiências e lutas para vencer a violência. O Sindicato de
Trabalhadores em Educação do Terceiro Grau Público em Curitiba - SINDTESTE, por
exemplo, mantém uma equipe psicológica para dar apoio àqueles sindicalizados que sofre
assédio, buscando saídas para o problema.
O Sindifisco Nacional (ex-Unafisco Sindical), a partir do aumento de queixas de seus
filiados, Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, em relação às suas condições de
trabalho, em especial o relacionamento com suas chefias e com a própria Instituição, como
um todo, também começa a propor ações para conhecer e atacar o assunto. Em dezembro de
2001, uma publicação do Sindicato, a Revista Conexão, fazia um balanço da ação do
neoliberalismo dobre os trabalhadores brasileiros.
A redução do Estado e a flexibilização das relações de trabalho têm mostrado
35
um lado desumano para o trabalhador (...) os servidores públicos já perderam, nos últimos sete anos, 56 direitos garantidos na Constituição, e também enfrentam salários congelados, exigência de produtividade, chefias autoritárias e ameaças de perda de função, de atribuição e da estabilidade.O acúmulo de tantas perdas, obviamente, trouxe sequelas. Não é de estranhar que os principais problemas de saúde relacionados ao trabalho e que afligem o servidor público estejam diretamente vinculados à tensão: alcoolismo, estresse e LER (Lesões por Esforços Repetitivos), segundo levantamento preliminar da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condisef). Desde o início da década de 90, com a posse do governo Collor, o conceito de servidor público mudou muito. A ampla campanha montada na mídia, transformando o funcionalismo em marajás, preguiçosos e inoperantes,) criou grandes problemas de autoestima, como avalia a doutora em Saúde Pública, Tânia Maria Araújo: "Os servidores eram a externalização do sucesso, do trabalho reconhecido, do status. Com a reestruturação do serviço público isso acabou, houve um corte em sua auto imagem, uma perda do reconhecimento social51.
A matéria informava que de 1995 a 2001 cerca de 25 servidores públicos federais se
suicidaram tendo por motivo desespero, angústia e medo de perder o que lhes foi garantido
por lei. Segundo Margarida Barreto, ouvida pela reportagem da revista, uma vez instalado, o
adoecimento mental provoca marcas profundas. As pessoas têm a sensação de inutilidade, de
perda de identidade e impotência de viver. "Estar num ambiente que lhe menospreza, num
local de trabalho adoecido, faz as pessoas colocarem na superfície todos os seus problemas e
fragilidades". Segundo a matéria, foi o caso de auditora-fiscal da Receita Federal lotada no
Rio de Janeiro. Ao longo de dois anos, sua vida se tornou um inferno com a mudança de
chefia. Pressões, humilhações e avaliações de desempenho incorretas foram alguns dos
motivos que a levaram a adquirir uma sequência de problemas como hipotireoidismo
descompensado (aumento de peso e apatia), bronquite alérgica, agravamento de um problema
cervical, gastrite, estafa e estresse.
O plano de saúde do Sindicato já tinha registrado ao longo de 2001um crescimento
significativo na busca por apoio psicológico. De janeiro a agosto daquele ano, o atendimento
cresceu cerca de 36,9% em comparação ao mesmo período do ano passado. Como os demais
servidores, os AFRFB também sofrem com as consequências do desmonte do serviço público.
Outro AFRFB é utilizado, na matéria, como exemplo do resultado de avaliações na
RFB baseadas em critérios pouco objetivos, permitindo sua utilização de forma equivocada.
Ele recebeu nota baixa na primeira avaliação, quando da mobilização da categoria no ano de
2000. Para justificar essa avaliação, seu chefe teria passado desabonar sua imagem, com
fofocas e sugestão de comportamentos duvidosos, já que não foi possível apresentar uma
justificativa racional para a avaliação. O AFRFB, então, foi transferido para um depósito de
51 ROCHA, Daniella. Guerra Psicológica. Revista Conexão, Ano II, nº 14, dezembro de 2001. Disponível em: http://www2.unafisco.org.br/conexao/14/conexao14.htm. Acesso em: 04/04/2009.
36
selo de controle sujo, mal iluminado e onde entrava água quando havia chuvas muito fortes.
Depois de meses de angústia, ele finalmente conseguiu ser ir para outra Unidade da RFB.
Levou como saldo estresse, pressão alta e problemas cardíacos e necessitou de auxílio médico
e medicamentos. "Aguentei porque tive capacidade de entender o que ocorrendo acontecendo
comigo. E os que não conseguem?", questionava o auditor-fiscal, que tem mestrado em
Psicologia e especialização em teoria psicanalítica.
Em 2008 e 2009, o Sindifisco realizou vários seminários e palestras para tratar
exclusivamente de assédio moral. Em Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, Fortaleza,
Bauru, Curitiba e Limeira, AFRFB tiveram contato com experiências pessoais e estudos
sindicais e acadêmicos de inúmeras categorias, de todas as partes do país. Nesses seminários
também foi verificado que o problema existia na RFB e tendia a crescer, se não fosse
combatido com rapidez e veemência.
No “Seminário Assédio Moral nas Relações de Trabalho”, organizado pelo Sindifisco
em agosto de 2008 em Salvador, Margarida Barreto expôs que:
Os direitos humanos são a expressão direta da dignidade da pessoa humana. Direito e dignidade se relacionam com respeito. Temos direito a segurança e bem estar no meio ambiente de trabalho, direito a uma vida digna e trabalho decente. A dignidade pressupõe não-discriminar o outro, o respeito pela vida privada e familiar, a proibição de tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes52.
Ainda segundo ela, entre 2006 e 2007 houve um aumento de mais de 350% em casos
de danos morais na relação de trabalho.
No mesmo seminário, o Procurador do Ministério Público do Trabalho, Manoel Jorge
e Silva Neto, informou que 60% dos casos que dão entrada no Ministério Público são de
assédio moral.
Por sua vez, o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho - TRT/BA, Cláudio
Brandão, disse que, no Judiciário, a dificuldade maior ainda é provar a ocorrência do assédio
moral. Falou, ainda, que apesar da não existência de legislação específica, o combate ao
assédio moral tem apoio jurídico o texto constitucional, em seu artigo 1º, inciso V. Para o
magistrado, o assédio moral é um instrumento a serviço do sistema neoliberal e mesmo sendo
mais visível no âmbito privado pela demarcação explícita entre chefia e subordinados, já
contaminava bastante o serviço público.
O Sindipetro (sindicato dos trabalhadores ligados às empresas de petróleo, gás,
52 Disponível em: http://www.sindifisconacional.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=517%3AEventos+em+2008&catid=110%3Aeventos-sobre-assedio-moral&Itemid=167&lang=pt. Acesso em: 10/10/2010.
37
biomassa, etc.) no Estado do Rio de Janeiro publicou uma cartilha para esclarecer seus
filiados sobre o que era assédio moral e suas consequências para a saúde. Seu título era
“Assédio Moral – Acidente invisível põe em risco a saúde e a vida do trabalhador”. Nela foi
informado que era crescente o número de trabalhadores que procuravam o Sindicato a fim de
expor seus relatar situações que podiam ser caracterizadas como assédio moral. Segundo a
cartilha, a divulgação do fenômeno como violência no trabalho permitia que mais e mais
trabalhadores pudessem perceber que a submissão a situações humilhantes e constrangedoras
era um caminho para o adoecimento. Com a exposição do problema por intermédio da
cartilha, ficaria claro que os assediados eram vítimas que precisavam ser reconhecidas e
amparadas. (ver figura 1)
O Sindicato Químicos – SP (sindicato dos trabalhadores das indústrias químicas e
afins da Cidade de São Paulo e adjacências), publicou cartilha com o título “Suicídio e
Trabalho”, na qual são apontadas como causas do aumento do suicídio entre os trabalhadores
no trabalho pressões para cumprir metas, excesso de trabalho para trabalhadores que ficaram
após “reestruturações” de empresas, muitas tarefas, medo de perder o emprego, retaliações e
outras características de assédio moral. Cita como exemplo desse acréscimo de suicídios no
trabalho em nosso país o fato de que no período de 1993 a 1995, sintomaticamente a fase de
implantação do neoliberalismo, houve 72 suicídios entre trabalhadores do setor bancário.
Entre 1996 e 2005 foram 181 bancários que cometeram suicídio. Segundo a cartilha, as
mudanças ocorridas nas últimas décadas na forma de administrar e organizar o trabalho
aumentaram as incertezas do presente, o sentimento de injustiça no trabalho, o medo do
futuro, etc. “A forma de avaliar cada trabalhador pelas metas alcançadas explicita um modelo
de gestão votado exclusivamente para o bem estar do capital e indiferente ao adoecer/morrer
do/no trabalho”. (ver figura 2)
O mesmo Sindicato de Químicos e Plásticos de São Paulo e Região publicou outra
cartilha, com o título “Assédio Moral: violência psicológica que põe em risco a sua vida”.
Nela, além da explicação do que trata o fenômeno, é dito que houve sua intensificação no
mundo do trabalho, em razão da hegemonia internacional da política neoliberal e da
globalização. Mostra, ainda, que o assédio moral n trabalho deve ser considerado como um
risco não visível, porém sério e perigoso e reconhecido “como acidentes e doenças causado
pelas condições existentes no meio ambiente de trabalho”. Cartilha alerta, ainda, que apenas
0,2% das empresas têm política de combate ao assédio moral. (ver figura 3).
O Sindicato de Bancários de Pernambuco fez uma cartilha intitulada “Assédio Moral é
Ilegal e Imoral”. A cartilha foi parte de uma pesquisa nacional sobre assédio moral na
38
categoria bancária, realizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores do ramo
Financeiro. A cartilha utilizou de vários elementos gráficos como charges, quadros, tabelas,
histórias em quadrinhos, etc. para melhor divulgar o problema entre a categoria. A pesquisa,
feita com uma amostra de 2.609 bancários, apresentou os seguintes resultados, informados na
cartilha: 38,9% dos entrevistados disseram ter vivenciado pelo menos uma situação de
constrangimento nos últimos 6 meses; a duração média das agressões foi de 11, 13 meses; em
51,49% dos casos relatados, as agressões ocorriam várias vezes por semana; 7,97% dos
bancários se disseram agredidos por seis meses, pelo menos uma vez por semana; 63,71%
disseram que o agressor era o superior hierárquico; 60,72% se sentiam nervosos, tensos ou
preocupados. (ver figura 4)
Em julho de 2010 o mesmo Sindicato de Bancários de Pernambuco, no seu “Jornal dos
Bancários”, publicou quatro depoimentos de filiados que tinham sofrido assédio moral no
trabalho e informava que estava negociando soluções com a Fenabran, numa mesa temática
específica, a fim de atacar o problema.(ver figura 5)
Logo o fenômeno passou a ser estudado pela Academia. De 2006 até 24/06/2010,
estavam registradas no sítio “Domínio Publico”, do governo federal, 21 dissertações de
Mestrado e uma Tese de Doutorado nas quais o tema aparece em seu título. Além disso, no
acervo da Biblioteca Nacional aparecem 21 títulos sobre o tema, sendo que todos deles, foram
publicados a partir de 2000.
No ano de 2001, foi publicado o que é considerado o primeiro artigo sobre o tema no
Brasil, “Assédio Moral e Assédio Sexual: faces do poder perverso nas organizações” de
autoria de Maria Ester de Freitas, professora do Departamento de Administração Geral e
Recursos Humanos da FGV-EAESP, na Revista de Administração de Empresas53.
Na última década, várias pesquisas acadêmicas sobre assédio moral foram feitas em todo o
Brasil. Margarida Barreto realizou, em 2002, entrevistas entre 4.718 trabalhadores de diversas
categorias profissionais em todo o país. Foi verificado que, em média, 33% desses
trabalhadores afirmam ter sido assediados moralmente. A maior incidência de ocorrências foi
constatada na região Sudeste com 66%, seguida pela região Sul com 21%54.
No mesmo ano, foi realizada pesquisa entre funcionários do antigo Banespa, por
iniciativa da Afubespem (Associação dos Funcionários), na qual foram ouvidos 1.001
empregados do banco (452 homens e 549 mulheres), em 886 agências. Casos de assédio
53HELOANI, Op. cit. , p. 21. 54 Disponível em: http://cedoc.fenae.org.br/goldendoc/index.asp?op=download&appname=cedoc&basename=cedoc&file=991%5F137E%5Fdocumento. Acesso em 04/06/2010.
39
moral destacaram-se entre os efeitos das novas políticas e programas adotados a partir da
privatização ocorrida em 2000, quando o Banespa foi comprado pelo Banco Santander. Os
trabalhadores raramente ficavam sabendo do que ia acontecer e, muitas vezes, não têm sequer
informações adequadas sobre o seu trabalho. Cerca de 70% deles se sentiam sobrecarregados
de trabalho, 66% estavam frustrados com o que faziam e 93% se sentiam emocionalmente
esgotados. Para 34% dos entrevistados, o trabalho que realizam raramente era reconhecido
pela chefia55.
Em pesquisa realizada em 2004, via internet, entre servidores e funcionários de duas
instituições públicas no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, muitos entrevistados afirmaram
acreditar que as praticas organizacionais existentes nesses locais podem estar validando ações
de assédio moral. Segundo a pesquisa:
- 51,4% acham que a organização, sua estrutura e cultura, é promotora dessas
práticas;
- 25,7% acreditam que essas situações ocorrem ou ocorreram pelo desejo de dar o
cargo a outra pessoa e 28,6% pela influência de alguém que não gosta do
respondente;
- 22,9% apontam que as pessoas não são bem tratadas e 25,7% percebem um
ambiente doentio no trabalho;
- a má divisão de tarefas foi acusada de ser motivo das situações por 22,9% das
pessoas;
- os conflitos mal resolvidos são responsáveis pelas situações ocorridas na
percepção de 28,6%, sugerindo a dificuldade de relacionamento interpessoal e
organizacional, já evidenciadas;
- 28,6% descreveram outros motivos, destacando o conservadorismo da empresa,
práticas institucionalizadas pela cultura de acomodação no serviço público e
questões éticas56.
Os resultados de pesquisa realizada em 2008, entre trabalhadores na área de saúde na
região de Passo Fundo e adjacências, indicaram que a organização do trabalho nos serviços de
saúde estimula a ocorrência de situações de assédio moral e violência psicológica no trabalho.
Para os autores da pesquisa, nos serviços relacionados à área de saúde o trabalho está
organizado com base na competitividade e na busca desenfreada e inconsequente por maior
55Disponível em: Fenae,http://cedoc.fenae.org.br/goldendoc/index.asp?op=download&appname=cedoc&basename=cedoc&file=991%5F137E%5Fdocumento. Acesso em: 04/06/2010. 56PRZELOMSKI, Mariana Lima Bandeira. Investigando o assédio moral na organização pública
40
Figura 1 – Cartilha do Sindipetro sobre assédio moral - capa
41
Figura 2 – Cartilha do Sindicato dos químicos SP sobre suicídio e trabalho - capa
42
Figura 3 – Cartilha do Sindicato dos Químicos SP sobre assédio moral - capa
43
Figura 4 – Cartilha do Sindicato dos Bancários PE sobre assédio moral - capa
44
Figura 5 – Cartilha do Sindicato dos Bancários PE sobre assédio moral - HQ
45
Figura 5 – Cartilha do Sindicato dos Bancários PE sobre assédio moral - HQ - continuação
46
Figura 6 – Jornal do Sindicato dos Bancários PE
47
produtividade. Esse quadro seria o pano de fundo ideal para o aparecimento e o incremento
desses tipos de ocorrências contra o trabalhador57.
Em pesquisa realizada dentro das instalações de uma mineradora na cidade de Itabira
em Minas Gerais foi constado que em um universo constituído por trabalhadores de limpeza,
84,4% relataram sofrer pelo menos um tipo de assédio moral. O tipo de assédio mais
detectado foi o acúmulo indiscriminado de trabalho e atribuição incessante de novas tarefas.
Verificou-se que a mineradora não possui políticas sistematizadas no que se refere a práticas
de assédio moral por parte de seus funcionários. Oitenta e quatro respostas relataram ter
havido assédio por parte de funcionário da mineradora, a Vale, que monitorizava o trabalho
de limpeza de forma mal intencionada, com acúmulo indiscriminado da carga de trabalho e
atribuição incessante de novas tarefas. Ocorreram, ainda, 26 respostas que relatam haver
assédio ocorrido na mineradora que prejudica a saúde do funcionário; 18 respostas que
afirmam que há assédio ocorrido na empresa visando reduzir as possibilidades da vítima
comunicar-se com seus colegas e os próprios funcionários da mineradora; 15 respostas que
afirmam que há assédio quando o agressor lança mão de boatos para desacreditar a vítima, ou
impedir que mantenha sua reputação pessoal ou no trabalho. Finalmente, nove respostas
relatam que há assédio coibindo a vítima de manter contatos sociais.
Trinta e sete por cento dos funcionários afirmaram que o agressor tem consciência da
agressão e para eles o ato se dá por perseguição. “Ele me persegue”, foi uma das respostas
mais presentes no questionário. Os funcionários acham o agressor “arrogante” e “sem
coração” e por vezes os agridem “pelo simples fato de desejarem se mostrar por cima da
situação”.58
Para 46,3% funcionários que afirmaram que o agressor não tem consciência da
agressão. Há respostas como: “acho que ele age assim porque está pressionado pela diretoria”
ou “na verdade, acho que ele só pensa no lucro”. Em relação ao estilo dos gerentes da
mineradora, 46,9% dos funcionários responderam que os chefes dão muita importância à
produção e demonstram pouco interesse pelo indivíduo. Foram43,8% os funcionários que
responderam que eles têm interesse regular entre a produção e o indivíduo, e para 4,7% a
importância maior é pelo indivíduo e menor para a produção.
57RISSI, Vanessa. Assédio Moral e Violência Psicológica: perspectiva dos trabalhadores em saúde filiados ao Sindisaude de Passo Fundo, RS e região. São Leopoldo: 2009, Dissertação apresentada `a Universidade do Vale dos Sinos, Mestrado em Saúde Coletiva, p. 35. 58SILVA JUNIOR, Athos Ferreira. Assédio Moral: um estudo de caso no setor de mineração Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Administração, da Faculdade de Ciências Empresariais da Universidade FUMEC, 2008, p.47.
48
Em uma outra pesquisa, conduzida entre trabalhadores no estado do Ceará que
aguardavam atendimento na Delegacia Regional do Trabalho – DRT, a partir da definição de
assédio moral, 12,9% dos pesquisados auto-relataram serem vítimas em frequência, no
mínimo, semanal, nos últimos seis meses. Porém, utilizando um questionário contendo uma
lista de 22 atos negativos potenciais de assédio, 66,9% dos trabalhadores da amostra relataram
a exposição a, pelo menos, um ato negativo semanalmente, nos últimos seis meses. Os
pesquisados responderam com maior frequência que foram alvos de gritos e agressividade,
lembrados constantemente de erros e que se espalharam boatos a seu respeito. Indagados
sobre outras condutas consideradas negativas no ambiente de trabalho citaram como mais
comuns o não cumprimento de direitos trabalhistas, pressão para fazer hora-extra e liderança
intimidadora e hostil. As entrevistas semi-estruturadas revelaram que existe uma tendência à
naturalização dos atos injustos no trabalho, com muitas condutas negativas percebidas como
normais e comuns59.
Para muitos autores, apesar de só há pouco tempo o tema passar a constar das
pesquisas científicas, o assédio moral não pode ser considerado um fenômeno novo. Para se
entender sua ocorrência no Brasil, por exemplo, seria necessário conhecer a história da
colonização, na qual índios e negros foram sistematicamente assediados ou humilhados por
colonizadores que, de certa forma, julgavam-se superiores e aproveitavam-se dessa suposta
superioridade militar, cultural e econômica para impingir-lhes sua visão de mundo, sua
religião, seus costumes. Acreditar-se-ia, então, que a humilhação no trabalho ou o assédio
moral, sempre existiu, historicamente falando, nas mais diferentes formas.60
Mesmo que saibamos que a violência contra o trabalhador não é um assunto novo e a
humilhação dos subordinados por parte daqueles que detém o poder é recorrente não só na
Historia brasileira, mas de, praticamente, toda a Historia da civilização mundial, não podemos
perder de vista que o fenômeno “assédio moral” deve ser entendido dentro do contexto
socioeconômico no qual está inserido. O assédio moral é um fenômeno inserido na nova
ordem do capitalismo internacional, que emergiu a partir dos anos 1980, chamada de
neoliberalismo.
59 Gonçalves, R. C. O Assédio Moral no Ceará: Naturalização dos atos injustos no trabalho. Dissertação de Mestrado em Psicologia, Universidade de Fortaleza, Fortaleza, 2006. 60Ver HELOANI, Roberto. Assédio Moral – um ensaio sobre a expropriação da dignidade no trabalho. Disponível em: http://www.rae.com.br/eletronica/index.cfm?FuseAction=Artigo&ID=1915&Secao=PENSATA&Volu me=3&Numero=1&Ano=2004. Acesso em 21/06/2008, e PERES, Rosa Maria. A Visão do Enfermeiro Sobre o Assédio Moral no Trabalho: uma visão bioética. Disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/ pesquisa/Detalhe ObraForm.do?select_action=&co_obra=158898. Acesso em 24/06/2010, entre outros.
49
1.5.1 – A Legislação sobre assédio Moral no Brasil
No ano de 2000 foi criada a primeira lei tratando de assédio moral no Brasil, no
município de Iracemápolis, interior do Estado de São Paulo, em resposta a proposição de João
Renato Alves Pereira, vereador, ele próprio antiga vítima de assédio moral, em uma empresa
privada. O artigo 1º da referida Lei estabelece que ficam os servidores públicos municipais
sujeitos às penalidades administrativas pela prática de assédio moral, nas dependências do
local de trabalho de: advertência; suspensão (impondo-se ao funcionário a participação em
curso de comportamento profissional) e demissão. É longa a lista do que caracterizaria
assédio moral:
Todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-
estima e a segurança de um individuo, fazendo-o duvidar de si e de sua
competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira
profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como:
marcar tarefas com prazos impossíveis, passar alguém de uma área de
responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de idéias(sic) de outros;
ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar
informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com
persistência; subestimar esforços.61
Desde então, foram criadas mais de 50 leis municipais e estaduais em todo o país. O
Estado do Rio de Janeiro foi o primeiro a aprovar uma lei estadual, a Lei nº 3.921, de 23 de
agosto de 2002, vedando esta prática no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades estatais.
Diz o seu artigo 1º:
Fica vedada, no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades da administração centralizada, autarquias, fundações, empresas públicas ou sociedades de economia mista, do Poder Legislativo, Executivo ou Judiciário, inclusive concessionárias ou permissionárias de serviços estaduais de utilidade ou interesse público, o exercício de qualquer ato, atitude o postura que se possa caracterizar como assédio moral no trabalho, por parte de superior hierárquico, contra funcionário, servidor ou empregado e que implique em violação da dignidade desse ou sujeitando-o a condições de trabalho humilhantes e degradantes.
Estabelece, ainda, que:
Considera-se assédio moral no trabalho, para os fins do que trata a presente Lei, a exposição do funcionário, servidor ou empregado a situação humilhante ou constrangedora, ou qualquer ação, ou palavra gesto, praticada de modo repetitivo e prolongado, durante o expediente do órgão ou entidade, e, por agente, delegado, chefe ou supervisor hierárquico ou qualquer
61 IRACEMÁPOLIS. Lei nº 1163/2000, de 24 de abril de 2000, Iracemápolis, São Paulo. Dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal Direta por servidores públicos municipais. Disponível em www.assediomoral.org/spip.php?article56. Acesso em 15/03/2009.
50
representante que, no exercício de suas funções, abusando da autoridade que lhe foi conferida, tenha por objetivo ou efeito atingir a auto-estima e a autodeterminação do subordinado, com danos ao ambiente de trabalho, aos serviços prestados ao público e ao próprio usuário, bem como, obstaculizar a evolução da carreira ou a estabilidade funcional do servidor constrangido. 62
Todas as leis estaduais e municipais relativas a assédio moral referem-se a atos
praticados no interior do serviço público de cada unidade da Federação. A estipulação legal de
punições àqueles que praticam assédio moral no setor privado depende de lei federal, haja
vista que é competência do Congresso Nacional legislar sobre legislação trabalhista.
Apesar de na Administração Pública Federal ainda não haver um regramento que
estabeleça punições para os praticantes de assédio moral, o assediador pode receber punições
disciplinares, de acordo com o regulamento próprio.
Embora a Lei nº 8.112 de 1990 (RJU - Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos
da União, Autarquias e Fundações Públicas Federais) não aborde claramente a questão do
assédio moral, a conduta do assediador pode ser nele enquadrada. Lá há vários deveres que
devem ser cumpridos por qualquer servidor público, mesmo os investidos em funções de
chefia.
No Título IV da citada Lei estão previstas as condutas proibitivas e deveres do
servidor. Em relação aos deveres impostos aos servidores, tem-se que a prática de assédio
moral pode provocar, por exemplo, a violação dos deveres de manter conduta compatível com
a moralidade administrativa (artigo 116, inciso IX) e de tratar as pessoas com urbanidade
(artigo 116, inciso XI).
O Regime Jurídico Único também prevê que é proibido ao servidor promover
manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição (artigo 117, inciso V). Por fim,
a proibição de que ao servidor sejam designadas atribuições estranhas ao cargo que ocupa
(artigo 117, inciso XVII), é desrespeitada nas hipóteses em que o assediador determina que o
assediado realize tarefas que não fazem parte de suas atribuições. Assim, a prática do assédio
moral contraria vários dos deveres atribuídos por lei aos servidores públicos e desrespeita
proibições que lhes são impostas.
Nesse sentido, o RJU prevê também as penalidades disciplinares que podem ser
aplicadas aos servidores (artigo 127), dentre elas constando a advertência, a suspensão, a
demissão, a cassação de aposentadoria ou disponibilidade, a destituição de cargo em comissão
62 RIO DE JANEIRO, Estado. Lei nº 3.921, de 23 de agosto de 2002. Veda o assédio moral no trabalho, no âmbito dos órgãos, repartições ou entidades da Administração descentralizada, autarquias, fundações, empresas públicas e sociedade de economia mista. Disponível em http://alerjln1.alerj.rj.gov.br/contlei.nsf/f25edae7e64db53b032564fe005262ef/3dcfce02b06be53903256c2800537184?OpenDocument&Highlight=0,3921. Acesso em: 15/03/2009.
51
e a destituição de função comissionada. Dependendo das situações de ocorrência do assédio
moral e da intensidade de sua prática pode até ocorrer a demissão do servidor assediador.
Na Câmara foram propostos 18 Projetos de Lei tratando de assédio moral no trabalho.
O mais antigo deles (PL 4591/2001) é de 03/05/2001, e dispunha sobre a aplicação de
penalidades à prática de "assédio moral" por parte de servidores públicos da União, das
autarquias e das fundações públicas federais a seus subordinados, alterando a Lei nº 8.112, de
11 de dezembro de 1990. Encontra-se arquivado.63
O PL 4742/2001 introduz o art. 146-A no Código Penal Decreto-lei nº 2.848/1940,
dispondo sobre o crime de assédio moral no trabalho. É caracterizado assédio moral no
trabalho a desqualificação por meio de palavras, gestos ou atitudes, a autoestima, a segurança
ou a imagem do servidor público ou empregado em razão de vínculo hierárquico funcional ou
laboral. Foram apensados a ele os PL 4960/2001 e 5887/2001, que tratam do mesmo assunto.
Foi despachado à Comissão de Constituição e Justiça.
O PL 6/2003, também propunha alterar a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990,
que para dispor sobre a prática. Da mesma forma que o 4591/2001, foi arquivado.
Também foi arquivado o PL 1610/2003 que dispunha sobre a aplicação de penalidades
à prática de "assédio moral" por parte de servidores públicos da União, das autarquias e das
fundações públicas federais a seus subordinados, alterando a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro
de 1990. A razão do arquivamento foi por contrariar o disposto no artigo 61, § 1º, inciso II,
alínea "c", da Constituição Federal, que estabelece ser de iniciativa privativa do Presidente da
República as leis que disponham sobre servidores públicos da União e seu regime jurídico.
O PL 2593/2003 que altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT,
para dispor sobre a proibição da prática do assédio moral nas relações de trabalho foi
apensado ao PL 2369/2003 que dispõe sobre o assédio moral nas relações de trabalho e que,
por sua vez, foi apensado ao PL 6757/2010.
Dois de maio seria o Dia Nacional de Luta contra o Assédio Moral, segundo proposta
do PL 4326/2004.Foi arquivado.
O PL 6542/2006 propõe alterar o art. 652 da CLT (Consolidação das Leis do
Trabalho), dando competência ao juiz do trabalho para processar e julgar litígios decorrentes
de assédio moral no trabalho. A proposta encontra-se pronta para a pauta de votações do
plenário da Câmara.
O PL 33/2007 dispõe sobre o assédio moral nas relações de trabalho. Foi arquivado.
63 Todas as informações sobre projetos de lei na Câmara dos Deputados foram tiradas do sítio da mesma na internet: www.camara.gov.br.
52
O PL 1060/2007 dispunha sobre a aplicação de penalidades à prática de "assédio
moral" nas dependências da Administração Pública Federal Direta e Indireta por servidores
públicos federais. Foi devolvido ao autor por por contrariar o disposto no artigo 61, § 1º,
inciso II, alínea "c", da Constituição Federal, que estabelece ser de iniciativa privativa do
Presidente da República as leis que disponham sobre servidores públicos da União e seu
regime jurídico.
O PL 4593/2009 e o PL 6625/2009 que dispõem sobre o assédio moral nas relações de
trabalho também foram apensado ao PL 2369 que, por sua vez, foi apensado ao PL
6757/2010.
O PL 6653/2009 estabelece que as empresas tomarão medidas de prevenção
quanto às práticas de assédio moral, que é entendido como toda e qualquer conduta abusiva
que, de forma repetitiva e prolongada, exponha trabalhadoras e trabalhadores a situações
humilhantes e constrangedoras, em ofensa à sua dignidade e integridade psíquica, disto
decorrendo prejuízo das funções da pessoa diretamente ofendida e da produtividade da equipe
a que esteja integrada, com resultado de deterioração do ambiente de trabalho. Determina,
ainda, que empresas e empregadores responderão em face das medidas, inclusive judiciais,
intentadas por quem tenha sido vítima do assédio moral nas relações de trabalho. Por fim
estabelece que o assédio moral pode caracterizar demissão por justa-causa para o empregado
assediador ou “demissão indireta” pelo empregado que for assediado, nos termos do art. 483
da CLT. Foi apensado ao PL 4857/2009.
O PL6757/2010, originado no Senado Federal, chegou à Câmara em 05/02/2010.
Nele também está proposta mudança do art. 483 da CLT estabelecendo que o empregado pode
solicitar “demissão indireta” nos casos em que o empregador ou seus prepostos praticarem,
contra ele, “coação moral”, que se caracterizaria por atos ou expressões que tenham por
objetivo ou efeito atingir sua dignidade e/ou criar condições de trabalho humilhantes ou
degradantes. Está aguardando designação de relator.
O PL 7146/2010 foi apensado ao PL 6625/2009, que, por sua vez, foi apensado ao PL
2369 que, finalmente, foi apensado ao PL 6757/2010. Ele cria o Dia da Luta contra o Assédio
Moral.
O PL 7202/2010 estabelece que, independentemente de ser ou não por motivo de
disputa relacionada ao trabalho, a ofensa moral intencional no ambiente de trabalho deveser
considerada acidente de trabalho. Encontra-se esperando relator. Na tabela 2, há um resumo
dos projetos de lei propostos e sua situação atual.
53
O curioso é que apesar de não haver nenhuma legislação federal definindo assédio
moral ou estabelecendo punições a quem o pratica, a Lei 11.948 de 16 de junho 2009
estabelece,em seu art. 4°, que fica vedada a concessão ou renovação de quaisquer
empréstimos ou financiamentos pelo BNDES a empresas da iniciativa privada cujos
dirigentes sejam condenados por assédio moral, conforme vemos abaixo.
LEI Nº 11.948, DE 16 DE JUNHO DE 2009.
Conversão da Medida Provisória nº 453, de2008
Constitui fonte adicional de recursos para ampliação de limites operacionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES e dá outras providências.
.................................................
Art. 4o Fica vedada a concessão ou renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES a empresas da iniciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio ambiente. 64
64 BRASIL. Lei 11.948, de 16 de junho de 2009. Disponível em www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp?CodTeor=728172. Acesso em: 20/10/2010.
54
Tabela 2 – Projetos de Lei sobre assédio moral na Câmara dos Deputados
Projeto de Lei Data Assunto Situação
4591/2001 03/05/2001aplicação de penalidades a servidores públicos federais que praticassem assédio moral
arquivado
4742/2001 23/05/2001introduz art. 146-A no Código Penal,
criando o crime de assédio moral
despachado à Comissão de
Constituição e Justiça
4960/2001 01/08/2001 cria o crime de assédio moralapensado ao PL 4742/2001. Ver acima
5887/2001 11/12/2001 cria o crime de assédio moralapensado ao PL 4742/2001.
Ver acima
6/2003 18/02/2003
aplicação de penalidades a servidores públicos federais que praticassem assédio moral
arquivado
1610/2003
04/08/2003
aplicação de penalidades a servidores
públicos federais que praticassem assédio
moral
arquivado em razão de o assunto
ser de iniciativa privativa do
Presidente da República. CF, art.
61, § 1º, II, "c".
2369/200328/10/2003
altera CLT proibindo prárica de assédio moral no trabalho
apensado ao PL 6757/2003. Ver abaixo.
2593/200325/11/2003
altera CLT proibindo prárica de assédio
moral no trabalho
apensado ao PL 2369/2003, que foi apensado ao PL 6757/2010. Ver abaixo.
4226/200426/10/2004
instituia o dia 02 de maio como dia
nacional de luta contra o assédio moralarquivado
6542/2006
24/01/2006
alterar o art. 652 da CLT, dando competência ao juiz de trabalho para processar e julgar litígios decorrentes de assédio moral
pronta para a pauta de
votações no plenário da
Câmara
33/200705/02/2007
dispõe sobre assédio moral nas relações de trabalho
arquivado
1060/2007
15/05/2007
aplicação de penalidades a servidores
públicos federais que praticassem assédio
moral
arquivado em razão de o assunto ser de iniciativa privativa do Presidente da República.CF, art. 61, § 1º, II, "c".
4593/2009
03/02/2009
altera CLT proibindo prárica de assédio
moral no trabalho
apensado ao PL 2369/2003,
que foi apensado ao PL
6757/2010. Ver abaixo.
6625/2009
15/12/2009
altera CLT proibindo prárica de assédio
moral no trabalho
apensado ao PL 2369/2003, que foi apensado ao PL
6757/2010. Ver abaixo.
6653/2009 16/12/2009
empresas tomarão medidas de prevenção quanto às práticas de assédio moral e que empresas, empregadoras e empregadores responderão às vítima do assédio moral nas relações de trabalho. Por fim estabelece que o assédio moral pode caracterizar demissão por justa-causa para o empregado assediador ou “demissão indireta” pelo empregado
Apensado ao PL 4857/2009
6757/2010 05/02/2010
propõe mudança do art. 483 da CLT estabelecendo que o empregado pode solicitar “demissão indireta” nos casos em que o empregador ou seus prepostos praticarem, contra ele, “coação moral”, que se caracterizaria por atos ou expressões que tenham por objetivo ou efeito atingir sua dignidade e/ou criar condições de trabalho humilhantes ou degradantes
aguardando designação derelator
7146/2010 14/04/2010 cria o dia de luta contra o assédio moral
apensado ao PL 6625/2009, que, por sua vez, foi apensado ao PL 2369 que, finalmente, foi apensado ao PL 6757/2010
7202/2010 28/04/2010
estabelece que independentemente de ser ou não por motivo de disputa relacionada ao trabalho, a ofensa moral intencional no ambiente de trabalho deve ser considerada acidente de trabalho
aguardando designação derelator
Fonte: Câmara dos Deputados
PROJETOS DE LEI SOBRE ASSÉDIO MORAL NA CÂMARA DE DE PUTADOS
55
1.5.2 O Assédio Moral no Judiciário
Para Ferraz, que estudou as decisões judiciais relacionadas a assédio moral na Justiça
do Trabalho no Rio de Janeiro, em várias sentenças é verificado que os casos de assédio moral
são tomados como fatos isolados, sem que sejam feitas quaisquer menções ao contexto
socioeconômico de reestruturação produtiva e de privatização das empresas brasileiras. O
conteúdo histórico do conflito entre capital e trabalho é esvaziado nas sentenças judiciais, a
fim de que se possam se adequar ao pensamento técnico próprio do Direito. Vejamos a
sentença abaixo, na qual esse desconhecimento histórico é aliado à pausterização dos
acontecimentos, fragmento e ocultando o conflito de classes a eles subjacente. O caso refere-
se a empregados de um banco estatal que foi privatizado e, posteriormente repassado a outro.
Os funcionários que recorreram ao Judiciário dizendo-se vítimas de assédio moral eram,
muitas vezes, ligados ao sindicato da categoria. Eles foram transferidos para cidades longe de
seus trabalhos originais, em um lugar pouco salubre e fazendo trabalhos de nível muito
inferior às suas tarefas anteriores, por vezes sem nenhuma necessidade para a empresa.65
Compulsando detidamente os elementos dos autos, não restou provada qualquer perseguição pessoal ou retaliação específica contra a pessoa do reclamante, nem qualquer tipo de assédio moral. A partir do depoimento do próprio reclamante foi possível perceber que em função de um programa de reestruturação da empresa houve redução dos quadros, com a dispensa de empregados que não seriam necessários com o novo programa implantado. Assim, a falta de necessidade de mão-de-obra em mesmo quantitativo criou contingente de trabalhadores considerados excedentes, ensejando dispensas. Por força de medida liminar, os empregados dispensados foram reintegrados e tal situação perdurou até que a medida judicial que determinou a reintegração foi modificada. Ao término dos efeitos da medida que garantia a manutenção dos empregos, os trabalhadores foram novamente dispensados. Restou comprovado pelos depoimentos colhidos em audiência que não apenas o Reclamante como diversos outros empregados foram trabalhar em outros setores porque estavam sem função e os empregados precisam ser mantidos, por determinação judicial. Assim, um grupo de empregados foi de um setor a outro, no aproveitamento de mão-de-obra considerada pelo banco como desnecessária ou excedente por conta do programa de reestruturação implementado. Não houve assim qualquer ato específico de perseguição pessoal contra o Reclamante. O tratamento dado a ele também o foi para os demais que se encontravam na mesma situação. Não ficou comprovada discriminação contra sua pessoa. Não ficou demonstrada a retaliação alegada na inicial, a partir do momento em que o próprio Reclamante declarou que quando o Banco Bozzano adquiriu o Meridional houve mudança no perfil empresarial, com redução dos quadros em geral. Observa-se que foi criado um núcleo em Niterói para onde foram transferidos diversos empregados, justamente para que fossem aproveitados, já que a triagem de
65FERRAZ, Marina S. de Mendonça. Assédio Moral: estudo sobre os discursos contidos nas sentenças judiciais trabalhistas. Niterói: UFF, Programa de Pós Graduação em Sociologia e Direito, 2010, p. 78-79.
56
documentos que se fazia naquele local era desnecessária, como alegado pelo próprio Reclamante. O que foi possível perceber foi uma tentativa do Réu de manter os empregos com qualquer atividade para os excedentes, apenas para dar cumprimento à liminar de reintegração, sendo que ao final, não sendo possível a absorvição(sic) de todos, parte deles passou a ficar em disponibilidade remunerada em casa, comparecendo esporadicamente em determinado ponto apenas para atualização de danos(sic) ou uma espécie de recadastramento. Os salários eram pagos normalmente, durante o período de disponibilidade. O Reclamante não desempenhou função degradante ou incompatível com a sua condição pessoal. Aliás, declarou a testemunha que até mesmo gerentes ou outros empregados de e hierarquia funcional superior, inseridos no grupo excedente, faziam o mesmo serviço. O fato de o reclamante ficar em casa em disponibilidade remunerada não configura humilhação, pois a falta de trabalho decorria da falta de necessidade dos serviços. BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho (1 Região). Processo n 01036-2006-004-01-00-4, 4 Vara do Rio de Janeiro. Reclamante: Zenildo Magalhães da Cruz. Reclamada: Banco Santander Meridional S/A. Juíza: Maria Alice de Andrade Novaes. Diário Oficial da União, 27 jul. 2007.
Não obstante as constatações observadas por Ferraz em sua dissertação, já há
sentenças na Justiça do Trabalho que têm uma visão mais contextualizada do problema de
assédio moral no trabalho. Vejamos o seguinte acórdão do Tribunal Regional do Trabalho de
Minas Gerais.
ASSÉDIO MORAL INDENIZAÇÃO TRABALHISTA METAS EMOTES AUTO-SUPERAÇÃO EM FACE DE DETERMINADOPADRÃO DE PRODUÇÃO EMPRESARIAL PESSOA HUMANA EMÁQUINA DE RESULTADOS - Quando se fala em assédio moral,diante se está de um ato perverso e intencional, que produz sofrimento ao empregado. (...). A pós-modernidade, além das características tecnológicas relacionadas com a informação, assim como aquelas referentes ao comportamento humano, tem-se marcado pela competitividade, pela produtividade, pela superação constante de metas, pelos círculos de qualidade, pela otimização de resultados e pela eficiência. No entanto, é importante também que se respeite o ser humano, na sua limitação e na sua individualidade.Cada pessoa é um ser único, com seus acertos e eus desacertos, com suas vitórias e suas derrotas, com suas facilidades e suas dificuldades. (...). As descobertas tecnológicas acarretaram mudanças profundas nas relações de trabalho: maior produtividade; melhor qualidade; menor custo. Do empregado monoqualificado, passamos para o empregado poliqualificado (multifunctions orkers); do fragmento do saber do operário –uniatividade,passamos para o múltiplo conhecimento pluriatividade. No fundo, a pós-modernidade tem exigido cada vez mais do empregado,deflagrando modos de comando da prestação de serviço, que vão além do razoável. É preciso que o empregador não abuse deste direito inerente ao contrato de emprego e respeite o prestador de serviços, quando lhe exige resultados e atingimento de metas,sempre crescentes. Neste contexto, as doenças psíquicas apontam uma tendência para a maior causa de afastamento do trabalho no mundo, consoante dados da OIT. No Brasil, o quadro não é muito diferente. , o trabalhador pós-moderno, como o reclamante e tantos outros, não deve receber um tratamento excessivamente rigoroso e desrespeitoso, como se fosse uma máquina funcionando sob constante cobrança, a cada dia atingindo e superando metas propostas pela chefia. Processo: 00547-2007-017-03-00-5 RO, Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Minas Gerais. Turma: 4ª. Data julgamento: 07 jun. 2008. Disponível em: <http:/www.trt3.jus.br>. Acesso em:05 mar. 2009.
57
Parece que no Judiciário ainda não foi estabelecida uma jurisprudência. Talvez por ser
um fenômeno relativamente recente, com ausência de legislação federal e esparsa doutrina
escrita por juristas, não se tenha formado uma linha de entendimento mais consolidada entre
os magistrados brasileiros.
1.5.3 – O Assédio Moral na Mídia
Já na mídia impressa, o tema assédio moral surgiu em razão da divulgação dos
trabalhos iniciais de produção acadêmica, livros e da nascente legislação sobre o assunto.
Inicialmente o tema foi localizado em editorias de jornais que tratavam de assuntos gerais,
depois caminhou para as editorias referentes a emprego ou economia. As explicações para o
fenômeno, encontradas na mídia impressa, tendem a privilegiar uma explicação psicológica
para a sua ocorrência. Nelas está presente a preocupação em expor um caráter individualista
do assédio moral, privilegiando a relação pessoal. Uma visão mais ampla, coletiva, com
contornos sociais não aparece nessas matérias. Os discursos presentes na mídia impressa
banalizam o problema e criam “caricaturas” para os indivíduos envolvidos no problema. “O
caráter psicologizante versus a estigmatização produz sentido na sociedade contribuindo para
naturalizar o assédio moral no trabalho”. As notícias sobre o assunto desconsideram o
contexto de trabalho em que ocorre o assédio moral, refletindo uma análise superficial,
descola do processo histórico e social. “É atribuída uma responsabilidade de ordem pessoal
aos sujeitos envolvidos no assédio moral, de modo a estigmatizar os indivíduos”.66
As notícias sobre o tema nos jornais enfatizam um caráter particular do
assédio moral, minimizando os direitos coletivos dos cidadãos e dos trabalhadores. Os
assediados são representados como vítimas individuais, sofrendo nas mãos de chefes
perversos. O uso da expressão “vítima”, amplamente utilizada nas matérias
jornalísticas para se referir ao assediado, reflete uma compreensão de viés privado.
Quando as reportagens jornalísticas enfocam as ações judiciais que tem como tema o
assédio moral, o destaque é dado, também, ao enfoque privado, individual. O assédio moral
coletivo é pouco explorado. A ênfase é dada na compreensão do tema como um fenômeno
particular, favorecendo a interpretação das situações de conflito no trabalho como questões de
comportamento individual.67
66GARBIN, A.C. Representações na Mídia Impressa sobre o Assédio Moral no Trabalho [dissertação de mestrado]. São Paulo: Faculdade de Saúde Publica da USP; 2009, p. 140. 67ESPÍRITO SANTO, Izabel Godoy. As Transformações na Organização do Trabalho e o Assédio Moral, p. 145.
58
2 – O Sistema Socioeconômico no Pós-Guerra
Desde os governos de Ronald Reagan, nos EUA, e Margareth Thatcher, na Inglaterra,
na década de 1980, o capitalismo cria um movimento de reação à queda na taxa de lucro que
vinha se incrementando rapidamente desde o final da Segunda Guerra Mundial, em especial
com o surgimento dos Estados de Bem-Estar Social.
2.1 – Os Anos de Ouro
Entre 1946 e 1973, a economia mundial crescia a uma taxa explosiva. A produção
mundial de manufaturados quadruplicou entre o início da década de 1950 e o início da década
de 1970. O comércio mundial de manufaturados aumentou dez vezes. Também disparou a
produção agrícola, principalmente pelo aumento da produtividade das terras. A produção de
grãos por hectare chegou quase a duplicar. A indústria de pesca triplicou sua captura. Entre
1950 e 1973, o ano da crise do petróleo, o consumo total de energia disparou, triplicando nos
EUA. Após a Guerra, a era do automóvel atingiu a Europa e, um pouco depois, o mundo
socialista e as classes médias dos países da América Latina.68 O fordismo se espalhou para as
indústrias de todo o mundo. Bens e serviços antes restritos a minorias passavam a ser
produzidos para um mercado de massas. Os EUA nessa época, tornaram-se o modelo de
sociedade capitalista a ser seguido por todo o mundo Ocidental.
Essa “Época de Ouro”69 do capitalismo mundial teve nesse surto econômico muito do
desenvolvimento da tecnologia. As novas técnicas que passaram a ser empregadas no
processo produtivo eram, esmagadoramente, de capital intensivo. Cada vez mais se
necessitava de maciços investimentos e, cada vez menos se precisava de trabalhadores, a não
ser como consumidores. Entretanto, durante a época de ouro, o crescimento econômico foi
tão grande que pouco se fez sentir essa contínua e permanente dispensa da mão de obra.
Mesmo nos países industrializados, a quantidade de trabalhadores na indústria se manteve ou
até aumentou. Na década de 1960, a Europa tinha um índice de desemprego de apenas 1,5% e
o Japão, 1,3%.70A situação econômica dos trabalhadores na Europa melhorou muito,
68HOBSBAWN,Eric J. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das letras, 1995, p. 257 e seguintes. 69Ibidem. 70VAN DER WEE, Herman. Prosperity and upheaval: the world economy 1945-1980. Harmondswort, 1987, p. 77, citado por HOBSBAWN,Eric J. A Era dos Extremos: o breve século XX. São Paulo: Companhia das letras, 1995, p. 262.
59
comparativamente ao entreguerras. Além de suas rendas crescerem ano a ano, podiam contar
com seus estados de bem-estar social nos momento de necessidade.
Houve, nesse período, uma reestruturação e reforma do capitalismo que possibilitou
aos Estados planejar e administrar essa modernização econômica. A Grande Depressão da
década de 1920, causada pelo fracasso do mercado livre, os problemas econômicos e sociais
do entreguerras e as próprias razões econômicas advindas da Segunda Guerra Mundial,
fizeram com que os formuladores da política econômica percebessem que o mercado deveria
ser controlado pelo esquema de planejamento público de administração econômica. Os
políticos, autoridades e mesmo muitos homens de negócios do pós-guerra acreditavam que
um retorno ao livre mercado estava fora de questão. Alguns objetivos como pleno emprego,
contenção do comunismo, modernização de economias atrasadas ou arruinadas, tinham
absoluta prioridade para justificar a presença mais forte do governo.
Foi necessário o choque da depressão selvagem e o quase colapso do capitalismo da
década de 1930 para que as sociedades capitalistas aceitassem uma mudança na atuação do
Estado, tornando-o mais intervencionista. A democracia dos anos 20 deveria ser superada por
um pouco de intervencionismo estatal. Os trabalhadores deveriam ser disciplinados em
sistemas de produção novos e mais eficientes, enquanto que a capacidade excedente deveria
ser absorvida por despesas produtivas, infra-estrutura e, na pratica, gastos militares. Isso levou
o fordismo à maturidade como regime de acumulação plenamente acabado e distintivo. Ele
veio a formar um longo período de expansão do capitalismo que se manteve intacto ate
1973.71 Ate esse ano, o núcleo essencial do regime fordista manteve-se firme, estendendo os
benefícios da produção e do consumo de massas de modo significativo.
No pós-guerra, o fordismo, que se estabelecera nos EUA a partir da década de 1910,
alcança, praticamente, todo o mundo. Para Gramsci, antes da sua ocorrência, todas as
mudanças no modo de ser e viver tiveram lugar através da coerção brutal, ou seja, através do
domínio de um grupo social sobre todas as forcas produtivas da sociedade: a seleção ou
“educação” do homem adequado aos novos tipos de civilização, isto é, às novas formas de
produção e de trabalho, ocorreu com o emprego de mecanismos que levaram milhões à
margem da sociedade ou, mais simplesmente, eliminando-os. Historicamente, no
aparecimento de novos tipos de civilização, ou mesmo durante o processo de seu
desenvolvimento, há crises. Assim, a história da civilização foi sempre (e se torna hoje de
modo ainda mais acentuado e rigoroso) uma luta contínua contra o elemento “animalidade”
71HARVEY, David. Condição Pós-Moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 2008, 17 ed., p. 122 e 123.
60
do homem, um processo contínuo, frequentemente doloroso e sangrento, de sujeição dos
instintos naturais do ser humano a novas normas e hábitos de ordem, de exatidão, de precisão
cada vez mais complexos e rígidos, tornando possíveis as normas cada vez mais complexas de
vida coletiva, que são uma consequência necessária do desenvolvimento do “industrialismo”.
Esta transformação, sendo imposta de fora para dentro, traz resultados puramente mecânicos.
Mesmo que os resultados obtidos até o período no qual Gramsci seus famosos cadernos
tenham tido grande valor prático imediato, ainda não tinham logrado impor ao trabalhador
uma “segunda natureza”. O fordismo conseguiu racionalizar a produção e o trabalho,
combinando habilmente a força, com a repressão ao sindicalismo operário e o controle do
trabalhador, com a persuasão, representada pelos altos salários pagos pela indústria, diversos
benefícios sociais e hábil propaganda ideológica e política.72
Segundo Harvey: O que havia de especial em Ford (...) era a sua visão, seu reconhecimento explícito de que produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista.73
Já para o próprio Henry Ford, uma vez que as máquinas podiam ser reparadas:
Razão não vejo para que não se faça o mesmo com o corpo humano. Nenhuma lei o
proíbe. O grande problema é encontrar homens mentalmente próprios para
experimentá-lo, com base nos fatos que vão sendo reunidos. Há uma certa soma de
inércia mental que tem de ser removida sempre que se trata de promover uma coisa
nova. Uns tantos homens são suscetíveis de rápida modificação educacional, mas
leva tempo para a sociedade mover-se e consentir na adoção de um caminho
novo.74
A criação do novo operário pressupunha educação e controle. Para Taylor, a natureza
humana seria de tal sorte que muitos operários, abandonados a si mesmos, sem orientação
superior, dispensam pouca atenção às instruções previamente dadas. Assim, seria necessário
designar instrutores, chamados chefes funcionais, para observar se os trabalhadores entendem
e aplicam as instruções, em suma, para educar e controlar o novo trabalhador. Cada operário
teria sete chefes funcionais para supervisioná-lo: o inspetor; o chefe de turma; o chefe de
velocidade, encarregado de observar se a máquina estava sendo acionada na velocidade
conveniente e se as ferramentas adequadas estavam sendo usadas, a fim de que a produção se
72GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere: volume 4 – temas de cultura. Ação católica. Americanismo e fordismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, 2 ed., p. 262e 263. 73 HARVEY, David. Op. cit., 74 FORD, Henry. Minha Philosophia de Industria. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 192?,p. 19.
61
realizasse no menor tempo possível; chefe de reparação, contador; chefe de rotina e chefe de
disciplina.75 Tudo isso seria feito com base em uma “administração científica”, na qual não
caberiam mais considerações pré-concebidas. Não haveria razão lógica para que alguém
ficasse contra as mudanças, pois haveria cooperação íntima da administração com os
trabalhadores, de modo o trabalho seria feito de forma conjunta, de acordo com leis científicas
desenvolvidas, em lugar de deixar a solução de cada problema, individualmente, a critério do
operário. Afinal, mesmo que seu trabalho na prática, como chefe numa siderúrgica,
Bethlehem Steel Works, no final do século XIX, fizesse o número de operários necessários
despencar de 400 a 600 para somente 14076, Taylor escreveu, em sua obra prima, publicada
no ano de 1911:
A história da evolução dos negócios demonstra que todo aperfeiçoamento,
quer pela invenção de nova maquina, quer pela introdução de novo método, resulta no
aumento da capacidade produtiva do homem no trabalho e na baixa do preço de custo
que, em lugar de levarem os trabalhadores ao desemprego, tornam possível o emprego
de maior numero de homens.77
O aumento da atuação do Estado na economia, por sua vez, encontrou sustentação
teórica nas ideias de autores que não mais acreditavam na capacidade de regulação do
mercado. John Maynard Keynes pensava que para que as economias capitalistas atingissem o
pleno emprego e nele permanecessem era preciso a aplicação de políticas governamentais que
sustentassem a demanda efetiva. Era preciso dotar o Estado de instrumentos efetivos de
política econômica que lhe permitissem regular a taxa de juros, incrementar o consumo
mediante expansão dos gastos públicos e expandir a inversão por meio de empréstimos
públicos capazes de absorver os recursos ociosos. Para ele, era bem claro que com a crise pela
qual passava o capitalismo, o governo deveria assumir um papel ativo de complementar os
gastos privados, reduzindo impostos e realizando investimentos. A ampliação das funções do
governo supunha a tarefa de ajustar a propensão de consumir com o incentivo para investir
como único meio para “evitar a destruição total das instituições econômicas atuais e como
condição de um bem sucedido exercício da iniciativa individual.” Keynes temia que, à sua
época, as pessoas vissem os regimes autoritários de então, como o fascismo na Itália e,
principalmente, o stalinismo na URSS, como a única saída para resolver o problema do
desemprego, mesmo que isso custasse a liberdade. Acreditava que o mundo não poderia por
muito mais tempo aceitar o nível de desemprego e de crise socioeconômica que ocorria
75TAYLOR, Frederick Wislow. Princípios de Administração Cientifica. São Paulo: Atlas, 8. ed., 1990, p. 90. 76Ibidem, p. 15. 77Ibidem, p. 28
62
naquele período histórico. Ele, assim, acreditava nessa nova alternativa, qual seja, uma ação
mais direta dos Estados na economia. Suas propostas ganharam o mundo, principalmente após
a Segunda Guerra Mundial.78
Mesmo países com histórico de liberalismo econômico se renderam ao planejamento.
EUA e Grã-Bretanha, por exemplo, tiveram sua economia de guerra orientada. Para conseguir
um mundo de produção e comércio crescentes, pleno emprego e industrialização, todos
aceitavam um sistemático controle governamental e, inclusive, cooperação de movimentos
trabalhistas organizados, contanto que não fossem comunistas. A Era de Ouro do capitalismo
só foi possível com esse consenso de que a economia livre empresa precisava de controle
estatal.79 Os países que obtiveram sucesso nessa época de ouro tiveram sua industrialização
sustentada, supervisionada, orientada e até, em algumas vezes, planejada pelos governos. Ao
lado disso, a emergência dos estados de bem-estar social e sua preocupação com o pleno
emprego e redução de desigualdade social levou à criação de um grande mercado de massa
para produtos que, ate então, eram considerados supérfluos.
Por outro lado, a grande internacionalização da economia multiplicou a capacidade
produtiva, gerando uma divisão internacional de trabalho mais elaborada e sofisticada. Entre
países industrializados, o comércio de produtos manufaturados multiplicou-se por dez, de
1953 a 73.80
No Brasil, o plano SALTE, no governo Dutra, e, principalmente, o Plano de Metas, já
no governo Juscelino, forma tentativas de o estado influir mais diretamente na economia do
pós-guerra. O objetivo principal do Plano de Metas era “acelerar a acumulação, aumentando a
produtividade dos investimentos existentes e aplicando novos em atividades
produtivas”.81Propunha, como fim ultimo, elevar o nível de vida da população, gerando
oportunidades de emprego. O êxito do Plano corporificava a ideologia desenvolvimentista
dominante na época, fazendo convergir os interesses dos empresários, dos políticos, dos
militares e dos assalariados urbanos.
2.2 – Época de Crise
No início da década de 1970 havia a constatação de uma forte queda na taxa de lucro
no capitalismo ocidental. Essa queda foi ocasionada por diversos fatores socioeconômicos
78 KEYNES, John Maynard. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Atlas, 4. tiragem, 1992, p. 289. 79HOBSBAWN,Eric J. Op. cit., p. 268. 80Ibidem, p. 264. 81BRASIL. Lei nº 1.102, de 18 de maio de 1950. Aprova o Plano SALTE e dispõe sôbre sua execução. Disponível em http://br.vlex.com/vid/ordinaria-maio-aprova-plano-salte-sua-34043136. Acesso em: 10/03/2009.
63
como o aumento do preço da força de trabalho, conquistado durante o período pós-45 e pela
intensificação das lutas sociais dos anos 60, como o maio de 1968, que objetivaram o controle
social da produção. A conjugação desses elementos levou a uma redução dos níveis de
produtividade do capital, acentuando essa tendência decrescente da taxa de lucro.
Além disso, ocorria o esgotamento do padrão de acumulação com base no
taylorismo/fordismo. Houve uma incapacidade de se responder à retração de consumo que se
acentuava, ela mesma resposta à outra retração, a do emprego, com o surgimento do
desemprego estrutural e a maior concentração de capitais, em razão das fusões entre grandes
empresas e à hipertrofia da esfera financeira, subordinando o capital produtivo.82
Em resposta à grande crise pela qual passava o capitalismo, iniciou-se um processo de
reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, com o intuito
básico de reverter essa tendência de redução das taxas de lucro. Foi necessário criar uma nova
roupagem para o capitalismo, tentando traduzir com um discurso supostamente racional os
novos tempos de exploração que se iniciavam. A essa nova roupagem do capitalismo deu-se o
nome de neoliberalismo, cujos elementos mais característicos foram a privatização do Estado,
a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal, da
qual a era Thatcher-Reagan foi expressão mais forte. A isso se seguiu também um intenso
processo de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do
instrumental necessário para tentar repor os patamares de expansão capitalista anteriores ao
surgimento do Estado de Bem-Estar Social.83
Com a chegada da grande crise do modelo econômico do pós-guerra em 1973, quando
todo o mundo capitalista avançado caiu numa longa e profunda recessão, combinando, pela
primeira vez, baixas taxas de crescimento com altas taxas de inflação, as ideias neoliberais
passaram a ganhar terreno. As raízes da crise, afirmavam Hayek, Friedman e outros, estavam
localizadas no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, do
movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões
reivindicatórias sobre os salários e sua pressão parasitária para que o Estado aumentasse cada
vez mais os gastos sociais.84
Em 1961, Milton Friedman publicou o livro “Capitalismo e Liberdade” no qual ele já
escrevia que as medidas governamentais constituíam o maior impedimento ao crescimento
82ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 1ª ed. 8ª reimp. São Paulo: Boitempo, 2006, p. 29. 83Ibidem, p.31. 84 ANDERSON, Perry. O balanço do neoliberalismo, in Pós-neoliberalismo: as políticas liberais e o Estado democrático. SADER, Emir e GENTILI, Pablo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003, 6 ed., p. 10.
64
econômico dos EUA. Tarifas e outras restrições ao comércio internacional, taxação pesada,
com uma estrutura de taxação complexa e injusta, comissões reguladoras, fixação
governamental de salários e preços e mais um numero enorme de outras medidas forneciam
aos indivíduos um incentivo para ouso inconveniente e inadequado dos recursos e distorcia o
investimento das poupanças novas. “Precisamos de uma redução na intervenção do governo
para a estabilidade e o crescimento econômicos.”85
O remédio era manter um Estado ao mesmo tempo forte para romper o poder dos
sindicatos e no controle do dinheiro, mas frágil em todos os gastos sociais e nas intervenções
econômicas. A estabilidade monetária deveria ser a meta suprema de qualquer governo. Para
isso seria necessária uma disciplina orçamentária, com a contenção dos gastos com bem-estar,
e a restauração da taxa “natural” de desemprego, ou seja, a criação de um exército de reserva
de trabalho para quebrar os sindicatos.86
América Latina foi palco da primeira experiência do neoliberalismo. Ocorreu no Chile
depois do golpe de Pinochet. O golpe contra o democraticamente eleitogoverno social-
democrata de Salvador Allende foi fortemente apoiado pela CIA e pelos EUA, via o secretário
de Estado Henry Kissinger. Pinochet reprimiu violentamente todos os movimentos sociais eas
organizações política da esquerda e desmantelou todas as formas de organização popular
Baseado nas concepções econômicas de Milton Friedman e FriederichRayek,
sintomaticamente vencedores do premio Nobel de economia de 1976 e 1974, respectivamente,
o Chile de Pinochet começou seus programas de maneira dura: desregulamentação,
desemprego massivo, repressão sindical, redistribuição de renda em favor dos ricos,
privatização dos bens públicos. O neoliberalismo chileno de Pinochet pressupunha a abolição
da democracia e a instalação de uma ditadura militar, mas a democracia em si mesma,
segundo Hayek, não era um valor central do neoliberalismo. A liberdade e a democracia
poderiam facilmente se tornar incompatíveis, se a maioria democrática decidisse interferir
com os direitos incondicionais de cada agente econômico de dispor de sua renda e
propriedade como quisessem.87
Eu me convenci que a democracia, que se pretendia ou se imaginava devesse ser um freio ao governo, ou uma espécie de precaução no sentido de se evitar que o governo se torne indevidamente poderoso, produziu, na verdade, em face de certos equívocos ocorridos na sua implementação, efeitos contrários, e fez com que os governos se tornassem extremamente poderosos. Nossos parlamentos, em todo o mundo, se tornaram onipotentes, governando de forma ilimitada. A democracia, infelizmente, se tornou tão ligada aquele conceito, segundo o qual a
85 FRIEDMAN, Milton. Capitalismo e Liberdade. [Rio de Janeiro]: Artenova, 1977, p. 19. 86ANDERSON, Perry. Op. cit. 19 e 20. 87 RAYEK, Frederich August von. Hayek na UNB:conferencias, comentários e debates de um simpósio internacional realizado de 11 a 12 de maio de 1981. Brasília: Universidade de Brasília, 1981, p. 3.
65
opinião publica é que decide, eu às vezes imagino se ainda podemos salvar a expressão democracia.88
O mercado de trabalho foi "libertado" por restrições regulatórias ou institucionais
(poder sindical, por exemplo). Foi estabelecido o que foi chamado de “lógica de mercado”,
que constava em um conjunto de práticas tais como privatização do patrimônio público,
abertura da exploração dos recursos naturais para a iniciativa privada, facilitação do comércio
internacional, com redução ou extinção de barreiras alfandegárias, liberdade para
investimento direto e remessa de lucro ao exterior por parte de empresas estrangeiras.
A experiência chilena demonstrou, no entanto, que os benefícios não foram bem
distribuídos. As elites e os investidores estrangeiros conseguiram acumular riquezas enquanto
o povo em geral, se saiu mal. Este tem sido um tão efeito persistente nas políticas neoliberais
ao longo do tempo que pode ser considerado como estrutural para todo o projeto.89
2.3 – A Nova Ordem Mundial
O modelo inglês foi o pioneiro no primeiro mundo e o mais “puro”. O governo
Thatcher contraíram a emissão monetária, elevaram a taxa de juros, baixaram drasticamente
os impostos sobre os rendimentos altos, aboliram controles sobre os fluxos financeiros,
criaram níveis de desemprego massivos, reprimiram greves, impuseram nova legislação anti-
sindical e cortaram gastos sociais e se lançaram num amplo programa de privatizações de aço,
eletricidade, petróleo, gás, água, etc. O Governo conservador de Thatcher efetuou inúmeras
intervenções estatais para diminuir o poder dos sindicatos e assim, mais facilmente, impor o
modelo econômico neoliberal. Era um governo fraco no mercado livre mas forte para impor
esse “livre mercado”. 90
Experiências de governos neoliberais ao redor do mundo demonstram a hegemonia do
neoliberalismo como ideologia. O neoliberalismo que havia começado tomando a social-
democracia como exemplo do que deveria ser rechaçado, ganha os seus antigos inimigos,
fazendo com que os governos social-democratas se tornem os mais zelosos em aplicar, na
prática, as políticas econômicas neoliberais. Na Nova Zelândia, os governos trabalhistas
88Ibidem, p.41 e 42. 89HARVEY, David da internet 90SILVA,Sayonara Grillo Coutinho Leonardo da. Relações Coletivas de trabalho: configurações institucionais do
Brasil contemporâneo. São Paulo: LTR, 2008.p 60.
66
impuseram um programa neoliberal mais radical de todo o mundo capitalista avançado.91 No
Brasil, como veremos adiante, o Governo Fernando Henrique Cardoso, auto intituladosocial-
democrata, foi o grande produtor de medidas de viés neoliberal na década de 1990.
A desregulamentação financeira, colocada em prática pelos governos neoliberais, criou
condições muito favoráveis para uma inversão especulativa, bem mais que produtiva. Durante
os anos 1980 aconteceu uma explosão dos mercados de câmbio internacionais, cujas
transações, puramente monetárias, acabaram por diminuir a importância do comércio mundial
de mercadorias.
A Política deveria render-se aos argumentos supostamente racionais da Economia e
esta, por sua vez, seria gerida pelo Mercado. Buscava-se a instauração de um Estado mínimo,
em contraposição ao Estado de Bem-Estar Social que, segundo a ideologia do neoliberalismo
já era incapaz de lidar com as mudanças sofridas e requeridas pelo avanço da História. Esta,
aliás, foi declarada morta, pois com a queda do Muro de Berlim em 1989 e a transformação
das antigas nações socialistas da Europa Oriental em novos pólos do desenvolvimento do
capitalismo, restava claro, com base naquela ideologia, que o capitalismo era a única
alternativa para a humanidade.
O neoliberalismo alcançou êxito disseminando a ideia simples de que não há
alternativas para seus princípios. Segundo Rayek, especulando sobre uma superpopulação
mundial, se não quiséssemos matar grande parte da população, não haveria alternativa “senão
aderir àqueles princípios morais básicos que tornam possível a economia de mercado, ou seja,
os princípios da propriedade privada, do mercado competitivo, da concorrência e tudo o
mais”.92
Houve, então, nas décadas de 1980 e 1990, um movimento de valorização das
empresas, consideradas como os agentes responsáveis pela riqueza das nações. Elas levaram
adiante o aprofundamento do desenvolvimento tecnológico, a criação de mercados
“globalizados” e busca incessante de aumento de produtividade, a qualquer custo. Entra na
moda a expressão “reengenharia”, que seria fundamental à adaptação a esses novos tempos.
Eventuais prejuízos causados à sociedade como um todo e, em especial, aos trabalhadores,
seriam efeitos colaterais que deveriam ser suportados a fim de se conseguir a inserção das
empresas e dos países ao onipresente Mercado. Aos indivíduos, por sua vez, resta a
importância de serem os consumidores, muito menos importantes para o novo sistema do que
os cidadãos.
91 ANDERSON, Perry. Op. cit. p. 13 e 14. 92Ibidem, p. 3.
67
Nos países latino-americanos, nos quais foram adotadas as políticas econômicas do
FMI (Fundo Monetário Internacional) e do Consenso de Washington, o crescimento
econômico não veio acompanhado de redução de desigualdade ou pobreza. Além disso, houve
preocupação exagerada com os índices inflacionários e a luta para contê-los gerou, por vezes,
recessão e desemprego. Assim, enquanto que o mercado financeiro acumulava capital com a
baixa inflação combinada com juros altíssimos, principalmente no Brasil, os trabalhadores
sofriam com o desemprego em alta e a diminuição de direitos sociais.
As reformas propostas pelo Consenso de Washington expuseram os países que as
aplicaram a maiores riscos e esses foram divididos desproporcionalmente, suportados
principalmente por aqueles menos preparados. E, nesses países, foram os pobres que pagaram
o preço mais alto, com aumento de desemprego, perda de direitos sociais e trabalhistas,
recessão, etc. 93
Na verdade, problema semelhante também foi verificado nos países “ricos”. Mesmo
durante o período de crise econômica a partir de 1973, o crescimento econômico dos países
desenvolvidos continuou. Vistos como um todo, eles estavam mais ricos e produtivos do que
no início da década de 1970 e a economia global estava visivelmente mais dinâmica. O que
voltava aos países ricos era a pobreza de muitos de seus cidadãos, o que seria considerado
inadmissível nos períodos considerados de época de ouro. O desemprego na Europa Ocidental
que era de cerca de 1,5% na década de 1960, passou para 11% em 1993. Muitas economias
capitalistas vigorosas viam suas grandes cidades ter um aumento vertiginoso em sua
população de rua. Também em 1993 23 mil pessoas dormiam na rua em Nova Iorque. Em
1983, 400 mil pessoas forma classificadas como sem teto no Reino Unido.94
Entretanto, segundo o ideário neoliberal, estaríamos em meio a uma guerra econômica,
na qual estaria em jogo a sobrevivência econômica das empresas e, consequentemente, das
nações. O país que não conseguisse a inserção no mercado mundial, globalizado, perderia o
trem da História e seria relegado a um plano inferior. A empresa que não se encaixasse nesse
Mercado estaria próxima a fechar as portas. Na ânsia de sobreviver a essa guerra, seria
necessário excluir os fracos, os inaptos ao combate. Aos que conseguissem continuar na luta
seria exigido desempenhos superiores, maior produtividade, disciplina, abnegação, a fim de
93 STIGLITZ, Joseph E. El Malestar En La Globalización. Madrid: Taurus, 2002, p. 25 94HOBSBAWN, op. cit, p. 395.
68
superar os concorrentes. Buscava-se a saúde das empresas. Era necessário: “cortar a gordura”;
“enxugar os quadros”; “arrumar a casa”; fazer uma faxina”; “oxigenar”, etc.95
O argumento da guerra econômica serve à construção de um imaginário social no qual
todas as ações são econômicas. A sociedade gerida pela lógica e pela ideologia gerenciais faz
prevalecer um contrato social que vigora com base na instrumentalidade, transformando
cidadãos em meros consumidores. Aqueles que não podem consumir e/ou produzir são
excluídos. O medo de fracassar, de não estar à altura do que a empresa (ideologicamente
confundida com sociedade, nação), de perder seu emprego e, consequentemente, seu lugar na
sociedade, são companheiros constantes do indivíduo nesse mundo movido por uma ética de
resultados. Legitima-se, assim, um cenário no qual os indivíduos são mantidos sob pressão
contínua.
Essa organização neoliberal do trabalho quebra as relações e os contratos, legitima a
competição acirrada em todos os níveis e individualiza culpas e prejuízos pelo não
atendimento de metas descabidas. Além disso, a empresa se transforma em uma pessoa
jurídica dissociada de responsabilidades locais, pois a necessidade de sobreviver na guerra
econômica se impõe a qualquer custo. No final, o ambiente de trabalho transforma-se em um
lugar no qual a violência passa a ter morada permanente.96
Os seres humanos não foram eficientemente projetados para um sistema capitalista de produção. Quanto mais alta a tecnologia, mais caro o componente humano de produção comparado com o mecânico.(...) A tragédia histórica das décadas de crise foi a de que a produção agora dispensava seres humanos mais rapidamente do que a economia de mercado gerava novos mercados para eles. 97
2.4 – E o Brasil?
2.4.1 – A visão do trabalho no Governo Vargas
Já na década de 1910 estava ocorrendo um debate sobre a questão do trabalho no
Brasil no qual era discutido o papel na indústria no desenvolvimento do país, a necessidade da
intervenção estatal na economia e na própria questão social. Dentre vários outros temas, se
destacava a discussão sobre o fortalecimento do poder do estado, em especial, no Brasil, do
poder central e sobre sua competência para legislar sobre a regulamentação do trabalho. Da
95DEJOURS,Christophe. A Banalização da Injustiça Social. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2007, 7ª ed, p. 14. 96FREITAS, Maria Ester; HELOANI, Roberto; BARRETO, Margarida. Assédio moral no trabalho. São Paulo: Cengage Learning, 2008. 97 HOBSBAWN, op. cit, p. 404.
69
mesma forma que a crise econômica de 1929 atraiu adeptos a uma intervenção mais forte na
economia, o Brasil também escolheu esse caminho de maior participação da Administração
Pública nos assuntos sociais, em especial nos ligados à economia e ao trabalho.98
Nas décadas de 1930 e 1940 funda-se uma ideologia de valorização do trabalho e do
papel do trabalhador na sociedade brasileira. Ao mesmo tempo se estrutura uma legislação
que regulamenta o mercado de trabalho no país. Entendia-se necessária a intervenção estatal
para controlar o mercado de trabalho que no período da República Velha foi marcado por
conturbações criadas por manifestações grevistas no meio urbano. No mesmo sentido, o
trabalhador rural era considerado um abandonado à própria sorte. Com o Golpe de 1930
começa uma política coordenada de ordenação do mercado de trabalho, com a criação de
novas legislações trabalhista, sindical, previdenciária, além da instituição da Justiça do
trabalho. 99
A legislação social surgida durante o Governo Vargas pode ser entendida como um
conjunto de 4 vertentes de leis. A primeira foi a legislação previdenciária, ampliando e
generalizando as experiências pioneiras dos anos de 1920 com as caixas de aposentadorias,
pensões e institutos. A nova legislação previdenciária estabeleceu contribuições do Estado,
dos patrões e dos trabalhadores fim de garantir um patamar um mínimo de seguridade social,
com aposentadorias, pensões, etc. Também foi importante as leis trabalhistas propriamente
ditas, que passaram a estabelecer direitos mínimos em termos de jornada de trabalho, férias,
descansos semanais remunerados, etc. A legislação sindical, que, após longa discussão entre
as visões católica, dos industriais paulistas e corporativista,100 instituiu o modelo do sindicato
único por categoria e região, com monopólio de representação, tutela do Ministério do
Trabalho sobre as entidades sindicais, com poder de fiscalização das atividades e de
intervenção nas direções, a estrutura vertical por categorias na qual existiam sindicatos locais,
municipais, federações regionais congregando mais de um sindicato e confederações,
reunindo as federações, com abrangência nacional. Finalmente, foi fundamental a legislação
de criação da Justiça do Trabalho, contando com representantes de trabalhadores e
empresários, e competente para dirimir questões oriundas das relações de trabalho.101
98GOMES, Angela Maria de Castro. Burguesia e Trabalho: política e legislação social no Brasil, 1917-1937,p. 199 99GOMES, Angela Maria de Castro. A Construção do Homem Novo: o trabalhador brasileiro. In Estado Novo:
ideologia e poder. Gomes, Angela Maria de Castro et ali. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 151. 100 VIANNA, Oliveira. Problemas de Direito Sindical. Rio de janeiro: Max Limonad LTDA., 1943, p. 35 e ss. 101 MATTOS, Marcelo Badaró Matos. Trabalhadores e Sindicatos no Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2008, p. 62-63.
70
A implementação de direitos sociais estava intrinsicamente ligada à valorização do
trabalhador na nova ordem que teria sido inaugurada com a “Revolução de 1930”. Mais do
que um simples modo de prover a sua subsistência, o trabalho era apresentado pela ideologia
do novo Estado como um dever e um direito do cidadão. Ao mesmo tempo era uma tarefa
moral decorrente dos deveres daqueles que compunham a pátria e uma forma de realização
pessoal, para si e em interação com a sociedade.
O discurso ideológico oficial se constrói a partir da valorização da categoria trabalho.
O objetivo principal era a construção de um novo indivíduo, um novo cidadão, o “trabalhador
brasileiro”, consciente de suas obrigações para com a pátria e sabedor que sua inserção na
sociedade como cidadão só poderia advir da assunção de seu papel de trabalhador.
Segundo Gomes:
Podemos detectar também toda uma estratégia político-ideológica de combate à pobreza, que estaria centrada justamente na promoção do valor do trabalho. O meio por excelência de superação dos graves problemas sócio-econômicos do país – cujas causas mais profundas radicavam-se no abandono da população – seria justamente o de assegurar a esta população uma forma digna de vida, o que significava, em última instância, conduzi-la ao trabalho. Promover o homem brasileiro e defender o progresso e a paz do país eram objetivos que se unificavam em uma mesma e grande meta: transformar o homem em cidadão/trabalhador, responsável por sua riqueza individual e também pela riqueza do conjunto da nação.102
Assim, o trabalho seria o caminho para a obtenção de riqueza e cidadania. Conforme
já propunha o fordismo, era preciso criar o novo trabalhador, o novo homem necessário ao
novo mundo industrial que se estabelecia.
Dentre os instrumentos utilizados pelo Estado Novo para difundir sua ideologia estava
a revista Cultura Política. Ela circulou de março de 1941 até outubro de 1945. Era vendida nas
bancas de jornais do Rio de Janeiro e São Paulo. Conforme explicitava seu próprio subtítulo,
Cultura Política era uma "revista de estudos brasileiros", destinada a definir e esclarecer as
transformações sócio-econômicas por que passava o país. Além de relatar minuciosamente as
realizações governamentais, a revista funcionava como uma espécie de central de informações
bibliográficas, noticiando e resenhando todas as publicações sobre Vargas e o Estado Novo.
Era a revista oficial,vinculada ao Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão
responsável pelo controle e divulgação da ideologia do regime. Por ocasião do quarto
aniversário do Estado Novo, o próprio presidente Vargas enfatizou a importância de seu
caráter doutrinário na construção das diretrizes do Estado Nacional. Segundo seus editores,os
intelectuais tinham um papel de fundamental importância na estruturação da "nova ordem".
102 GOMES, op. cit. 151-152
71
Formadores da opinião pública, a eles cabia a função de unir governo e povo, traduzindo a
voz da sociedade. 103
Severino Sombra, um dos articulistas da publicação escreveu que:
Toda moderna concepção econômica, política e social deverá ter por base a idéia-fato: Trabalho. E todo programa voltado para o mundo novo a constituir será contido nesta fórmula: defesa, representação e dignificação do trabalho. SOMBRA, Severino. Trabalho e propriedade: horizontes sociais do Estado Novo, Cultura Política n 4, junho de 1941, p. 78.
Só o trabalho poderia servir como medida de valor de um individuo na sociedade. Da
mesma forma, só o trabalho poderia ser considerado como princípio orientador em um Estado
que vise o bem-comum. “A cada um segundo o valor social de seu trabalho, donde, como
consequência, (...) todo homem, por seu trabalho honesto, deverá deixar para seus filhos mais
do que recebeu deste país”. 104
O novo Estado formado após 1930 enfrentou a questão social não apenas como uma
questão operária. A intenção era enfrenta-la como um problema de todo o país, de todos os
homens e todas as classes, já que todos os que trabalham seriam trabalhadores, co-partícipes
na solução desse problema. Essa concepção via o trabalho sem distinções entre trabalho
intelectual e manual. O trabalho não poderia ser considerado apenas como modo de ganhar a
vida, mas sim, principalmente, forma de servir à pátria Foi criado o Ministério do Trabalho,
Indústria e Comércio com o objetivo de estabelecer medidas administrativas e legais para a
superação dos problemas que impedissem essa valorização do trabalho na vida brasileira.
Havia a preocupação em “promover modificações substanciais na capacidade produtiva dos
trabalhadores atuais e futuros”.105
A Constituição de 1937 estabelecia, em seu art.136, que“o trabalho é um dever social”.
O não trabalho, o ócio, era legalmente taxado como uma afronta à sociedade, uma
contravenção penal. Os artigos 59 e 60 da Lei de Contravenções Penais, Decreto-lei 3.688 de
1941 eram claros ao declarar como contravenções:
Art. 59. Entregar-se alguém habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita:
Art. 60. Mendigar, por ociosidade ou cupidez.
103Dados retirados de http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos37-45/Educacao Cultura Propaganda/CulturaPolitica em 22-12-2010. 104 GOMES, op. cit., p. 76-77. 105 Ibidem, p. 156.
72
Ressalte-se que o art. 60 só foi revogado em 2009, por intermédio da Lei 11.983. Em
relação ao art. 59, está claro que os ricos podem vadiar, só são proibidos aqueles que não tem
renda.
De acordo com Salgado Filho, segundo titular do Ministério do Trabalho, Indústria e
Comércio, a legislação trabalhista não tinha só o intuito de amparar os trabalhadores,
(...) mas, também, para manter a tranquilidade, pois [o Governo] está convencido que só na existência de direitos e obrigações recíprocas pode ser assegurada a ordem: porque não existindo leis e não existindo garantias em favor do trabalhador, este só tinha um meio hábil para a reivindicação de seus interesses, que era a violência (...). Foi portanto com satisfação que ouvi o intérprete da classe patronal julgar conscientemente a necessidade da legislação que o Governo Provisório organizou, dotando o país de regras norteadoras das relações recíprocas entre patrões e operários, ou melhor, na linguagem legal, entre empregadores e empregados. Transcrito da notícia “O Ministro do Trabalho em Porto Alegre”, do Correio da Manhã, de 06 de março de 1934, p. 5106.
O Governo Vargas empenhou-se em valorizar o “trabalhador nacional”. Era o herói
que sustentava o ideal do novo Estado Nacional. A ascensão social seria obtida com o
trabalho árduo, no dia a dia. Era seu dever trabalhar para o bem de sua família, da sociedade e
da pátria107.
Finalmente, em 1942, foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT,
reunindo, em um só corpo, a legislação que deu sustentáculo formal a essa ideologia do novo
Estado, no qual era fundamental o papel do trabalhador, como base desse novo mundo.
2.4.2 – A legislação trabalhista no regime militar
No Brasil, mesmo antes da ditadura de Pinochet no Chile, o Governo Militar, que
assumiu o poder com o Golpe de 1964, tinha como objetivo a mudança da legislação
trabalhista de então, gerada ao longo do primeiro governo Vargas e da Redemocratização Pós-
1945. Dentre as primeiras mudanças levadas a cabo pelos militares no poder estava a
alteração da estabilidade no emprego, conforme dispunha o art. 492 da CLT (Consolidação
das Leis do Trabalho), que estabelecia que o empregado que contasse com dez anos de serviço
efetivo na mesma empresa somente poderia ser despedido em razão de justa causa,
judicialmente apurada108.
Discurso do então Presidente da República, durante o regime militar, Humberto de
106 GOMES 107 Ibidem, p. 163. 108FERRANTE, Vera Lúcia Botta. FGTS: ideologia e repressão. São Paulo: Ática, 1978, p. 137. Todo este subcapítulo, inclusive as citações, foi baseado nessa obra.
73
Alencar Castelo Branco, em fevereiro de 1966, critica a estabilidade:
Burlado pelos patrões e deformado pela escassa minoria dos trabalhadores que eu alcançam, o instituto da estabilidade tornou-se um autêntico instituto de inquietação. A situação atual estimula o empregador a usar artifíciose a buscar de qualquer modo a dispensa por justa causa, a fim de se livrar do ônus latente, ou então, a evitar que o empregado atinja 10 anos, indenizando-o antes de completar esse tempo, pelo receio de indisciplina, e descaso pela produtividade do trabalhador que atinge a estabilidade.109
Os setores governamentais tentavam, dessa forma, justificar a mudança no instituto da
estabilidade, “aperfeiçoando-o” enfatizando dois argumentos: o fato de que o empregador se
via “obrigado a burlar a lei, em razão de ser muito pesado o ônus da indenização nos casos de
demissão do trabalhador estável e a ‘tendência' de o trabalhador nessas condições se
transformar em um elemento prejudicial à produtividade da empresa.
Entre os empresários era recorrente o discurso de que a estabilidade gerava prejuízo
para as empresas. Segundo eles, ela geraria perda de produtividade em todas as empresas do
país. Era afirmado que os operários não trabalhavam depois da estabilidade da mesma forma
de como trabalhavam antes, quando havia o medo do desemprego. A produtividade seria
imediatamente afetada pela conquista da estabilidade já que o trabalhador passaria a produzir
menos.
Esse discurso ia ao encontro dos interesses do capitalismo internacional, que
acreditava que o fim do instituto da estabilidade ajudaria na condição de criações econômicas
mais favoráveis à penetração da empresa multinacional no Brasil. A partir desses interesses do
capital buscou-se criar no seio da população uma visão desfavorável à existência da
estabilidade, que pudesse gerar, com mais facilidade, a alteração da Lei.
O plano de ação governamental do Ministério do Planejamento se baseava na maciça
entrada de capitais estrangeiros no país, sendo que a estabilidade aparecia como obstáculo a
essa intenção.
Com a ocorrência do Golpe Militar em 1964 havia necessidade de se romper com a
ideologia do “paternalismo estatal-patronal” vigente anteriormente. A quebra da estabilidade
estava inserida neste contexto, com a sua substituição por novos programas que visassem a
inserção dos trabalhadores no novo contexto econômico elaborado pelo governo e seus órgão
de planejamento e organização. Tais programas propunham toda uma revisão da legislação
trabalhista e social,com a adequação do trabalhador ao que esperava o capital internacional.
Havia a necessidade de extinção do “passivo trabalhista”, que onerava a produção e, segundo
o discurso governamental, dificultava os financiamentos bancários, a fusão, a incorporação e a
109Discurso publicado na Folha de São Paulo em 1/3/1966.
74
venda de empresas.
Os responsáveis pelo “Programa de Ação Econômica do Governo”, traçado para o
período de 1964/1966, afirmavam ser indispensável a revisão de toda a legislação trabalhista,
na qual seria fundamental a extinção da estabilidade no emprego. Assim, o governo planejou
uma grande ação publicitária para formar na opinião pública uma ideia de necessidade de
mudança da legislação trabalhista, fundamental, segundo eles, ao desenvolvimento do país.
A nova legislação trabalhista pregava uma maior liberdade para o trabalhador junto ao
mercado de trabalho. Seria um novo trabalhador, mais adequado ao que dele esperava uma
nova economia. A estabilidade seria trocada por um fundo, o FGTS (Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço), que não prenderia o trabalhador a uma só empresa. Segundo o Presidente
Castelo Branco:
A estabilidade assim garantida por um fundo de economia permitirá criar uma consciência crescente de igualdade e oportunidade para todos os empregados, dar-lhes-á confiança e flexibilidade para pesquisar, no mercado de trabalho, e eliminará a sensação de injustiça, toda vez que, por problema de relações humanas, seja o operário dispensado.110
O governo militar favoreceu a internacionalização da economia brasileira por
intermédio de estímulos cambiais, e políticas trabalhista, financeira e creditícia. Essas
políticas foram levadas adiante com base em um discurso ideológico que seria necessário
eliminar os obstáculos à liberdade do empreendedor capitalista. Com as mudanças na
legislação trabalhista o governo buscava atender às exigências impostas pela política de
inserção da economia brasileira no sistema internacional.
A fim de preparar e estrutura institucional para o novo surto de “progresso”, a política econômica governamental, sob justificativa de correção de erros, modificou as condições de funcionamento dos mercados de capital e da força de trabalho. Para que a empresa privada pudesse funcionar em condições melhores, o estado interfere de modo mais profundo nas relações econômicas internas e externas. Propõe-se a aperfeiçoar as condições de expansão da empresa privada, nacional e multinacional. Difunde-se a crença de que as dificuldades e os obstáculos que a economia do País estava encontrando eram fruto de “distorções” introduzidas no sistema pelos adeptos do capitalismo nacional e do socialismo.111
Em outro discurso do primeiro Presidente militar, Castelo Branco, proferido em julho
de 1964, cerca de 4 meses após a tomada de poder, é clara a procura da reinserção da
economia brasileira ao sistema internacional.
O conceito de independência só é operacional dentro de determinadas condicionantes práticas... A preservação da independência pressupõe a aceitação de um certo grau de interdependência, quer no campo militar, quer no econômico, quer
110Discurso pronunciado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, em fevereiro de 1966, publicado na Folha de São Paulo em 4/3/1966. 111FERRANTE, op. cit., p. 338.
75
no político(...) No campo econômico, o reconhecimento da interdependência é inevitável, não só no comércio, mas sobretudo no tocante a investimentos (…) No caso brasileiro, a política externa não pode esquecer que fiemos uma opção básica que se traduz numa fidelidade cultural e política ao sistema democrático ocidental (…) Em vários períodos, nos últimos anos, o nacionalismo se agravou internamente, criando contradições em nossa política externa. Exemplo disso são os nossos contínuos protestos no plano externo contra a insuficiência de auxilio estrangeiro e dos investimentos de capital, no plano interno a adoção de atitudes restritivas e hostis ao capital estrangeiro (…) Após a opção básica feita com a revolução, o Brasil tratou de enveredar pela política da livre empresa e do acolhimento ordenado do capital estrangeiro (…) Essa ação da política externa pode exercer-se então no plano de investimentos e financiamentos mantendo-se contínua pressão para que estes aumentem em volume e sejam dados em condições mais flexíveis no plano do comércio externo, obtendo-se cooperação internacional para a estabilização do preço de nossos produtos de exportação, para a montagem de mecanismos de financiamento compensatório em caso de declínio dos preços desses produtos e, finalmente, abrir novos mercados (…) Em relação aos Estados Unidos da América, a política externa brasileira removeu, antes de tudo, a irreconhecível doutrina de nossas posições ambíguas e ao mesmo tempo de postulante. Temos a convicção de que o Brasil e a grande nação norte-americana cruzam seus interesses econômicos e comerciais no plano de uma digna política e de uma amizade recíproca..112
O já citado Programa de Ação Econômica trazia a previsão de entrada intensiva de
capital estrangeiro no País que permitisse a chamada reinserção da economia no mercado
internacional. Para isto se propunha a superar qualquer entrave que houve à esses
investimentos, como a necessidade de gasto com indenizações trabalhistas, como as previstas
pela estabilidade.
A supressão da estabilidade seria uma das exigências do capital internacional ao
chegar ao Brasil após 1964. As empresas estrangeiras dispostas a incorporar indústrias
brasileiras tinham interesse na eliminação do instituto da estabilidade, haja vista que, no caso
de compra de empresas nacionais, os custos decorrentes de demissões de estáveis seriam
arcados pelas incorporadoras. Assim, por detrás do aparente interesse governamental de
extirpar da legislação um ente jurídico defeituoso, o governo brasileiro facilitava a instalação
de empresas internacionais no Brasil.
342 Várias, aliás, foram as medidas tomadas pelo governo militar, logo após o Golpe, a
fim de facilitar o capital estrangeiro no Brasil. Dentre elas podem ser citadas:
a) Extinção da legislação que disciplinava a remessa de lucros para o exterior – Lei 4.390
de 1964;
b) Impedimento de desapropriação de empresas estrangeiras (Acordo de Garantia de
Investimentos Brasil/USA, em 06/02/1965);
c) Instituição de Decreto criando minas cativasde minério de ferro em favor de empresas
estrangeiras;
112Discurso publicado em O Estado de São Paulo em 01/08/1964
76
d) Anistia a empresas estrangeiras que sonegaram bens e rendas nos exercícios de
1963,1964 e 1965, via portaria nº GB-120, do Ministro da Fazenda;
e) Transformação da Eletrobrás em subsidiária da Light.
Em razão das opções realizadas pelo Regime Militar na área econômica, era preciso
aumentar os investimentos estrangeiros e para isso, acreditavam os economistas do regime,
era necessário que o capital internacional encontrasse condições mais propícias do que
aquelas que existiam então. Para o governo, essa sua política econômica só teria êxito se fosse
removida a estabilidade dos trabalhadores por tempo de serviço. Esse instituto era utilizado
como pretexto para o baixo investimento internacional no Brasil por volta de 1964.
Segundo o discurso oficial, então, a necessidade da mudança na legislação trabalhista
se justificaria em razão das distorções da lei de estabilidade, como a insegurança para o
trabalhador no período anterior à obtenção da mesma, a perda de produtividade que ocorria
para a empresa, a dificuldade de o empregado fazer carreira numa só empresa, o
afrouxamento da disciplina, as dificuldades para o remanejamento da mão de obra, a
acumulação de ônus financeiro, etc.
2.4.3 – O Neoliberalismo no Brasil Nas últimas três décadas o Brasil e o Mundo presenciaram grandes transformações, em
especial na economia. O neoliberalismo se tornou hegemônico em, praticamente, todo o
globo, trazendo à tona seu caráter destrutivo, acarretando monumental desemprego, uma
enorme precarização do trabalho e uma degradação crescente da natureza. A lógica é o
aumento da produção e produtividade a qualquer custo. O mercado foi tornado o Deus
Supremo, ocasionando desmontagem dos direitos sociais dos trabalhadores, desenvolvimento
de um individualismo exacerbado e grave degradação do meio ambiente.113
A partir do Governo Fernando Collor de Mello tiveram forte impulso as propostas de
desregulamentação, de abertura ao comércio exterior, de flexibilização, de privatização
acelerada, todas coerentes com o projeto neoliberal que começava a se implantar. Ao mesmo
tempo, a automação, a robótica e a microeletrônica,desenvolvidas no meio de uma recessão
econômica, deslanchavam um processo desemprego de um grande contingente de operários
industriais.
113 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao Trabalho.
77
O neoliberalismo estabelecido a partir da década de 1990 no Brasil estabeleceu-se com
base em quatro eixos: abertura ao comércio internacional; privatização de empresas públicas;
criação de regras que possibilitassem a desregulamentação do mercado de trabalho e redução
dos gastos sociais do estado. Grosso modo, podemos verificar que a maior parte dessas
políticas foram iniciadas no Governo Fernando Collor de Melo, aprofundadas por Fernando
Henrique Cardoso e continuadas, pelo menos, pelo primeiro mandato de Lula da Silva, com
exceção ao ponto relativo à diminuição dos gastos sociais.114
A abertura da economia brasileira às importações foi iniciada por Collor com a brusca
redução do imposto de importação e retirada de barreiras alfandegárias de muitos bens, em
especial daqueles que eram objeto de desejo da classe média. O então Presidente da república
chegou a referir-se aos automóveis fabricados no Brasil como “carroças”, em comparação aos
seus congêneres importados. Essa política de comércio exterior foi mantida por Fernando
Henrique que manteve uma sobrevalorização do real que gerou um crescente déficit comercial
com o exterior e redundou em um grande aumento de desemprego no país.
A privatização do setor produtivo público estabeleceu-se com Collor, nos setores
siderúrgico, petroquímico e de fertilizantes. Com FHC essa política de privatizações estendeu-
se para a telefonia, telecomunicações, transportes ferroviário e rodoviário, distribuição de
energia elétrica, bancos, etc. No governo Lula, apesar do arrefecimento dessa política de
privatizações, houve o leilão do Banco do Estado do Ceará, do Banco do Estado do
Maranhão, de 2,6 mil quilômetros de rodovias, empresas de produção e distribuição de
energia, etc.
A privatização dos serviços sociais acelerou-se com a entrega ao “mercado” dos
serviços de educação, saúde e o estímulo à previdência social privada, inclusive com
possibilidade de abatimento de despesas relativas a planos privados no Imposto de Renda da
pessoa física.
Uma importante medida relativa ao trabalhador foi a desindexação dos salários, tanto
nos macro planos econômicos iniciados no Governo Collor como no Governo FHC. Veremos
melhor adiante quais foram as mudanças relativas à legislação do trabalho, em especial
durante o Governo de Fernando Henrique Cardoso.
Além disso, ao longo da década de 1990 houve a associação de gastos sociais em
contínua queda com assombrosa elevação de gastos financeiros. Os juros da dívida tornaram-
114BOITO Jr., Armando. Neoliberalismo e corporativismo de Estado no Brasil. In Araújo, Angela(org.). Do corporativismo ao neoliberalismo. Boitempo, 2002.
78
se uns dos maiores do mundo, multiplicando o seu custo para as contas públicas brasileiras.
Essa política de juros altos, aliás, foi mantida durante todo o Governo Lula, elevando a dívida
a valores estratosféricos. A dívida externa brasileira que era de US$ 99 bilhões de dólares em
dezembro de 1989 subiu em junho de 2010 para US$ 225,172 bilhões, conforme estimativas
divulgadas pelo Banco Central (BC). A dívida bruta do governo passou de R$ 888 bilhões em
dezembro de 2001 para R$ 1,988 trilhões em novembro de 2010. Só de juros, segundo o
Banco Central do Brasil, foram pagos cerca de R$ 15 bilhões por mês, no ano de 2010. No
acumulado em doze meses, até janeiro de 2011, os juros nominais alcançaram R$200,5
bilhões (5,44% do PIB).115
Todas essas políticas de inspiração neoliberal foram justificadas com base em uma
ideologia que apresentava o Estado com gastador, incompetente e corrupto. Essas mudanças
realizadas apresentavam o mercado como o agente de transformação, que seria capaz, por
intermédio de seus mecanismos próprios, autorregular-se e estabelecer um novo modelo de
alocação de recursos, no qual toda a sociedade teria a ganhar.
O controle da entrada de bens no país, por exemplo, ao invés de se caracterizar como
uma fonte de proteção à indústria nacional, seria, nesse ideário neoliberal, uma fonte de
produção de monopólios e ineficiência. As indústrias brasileiras, que estavam protegidas de
uma concorrência livre, aproveitariam para impor seus produtos tecnologicamente defasados
em relação ao que era produzido no restante do mundo, por um preço muito alto. Empresas
estatais que cuidavam do oferecimento de serviços básicos à população, como água e esgoto,
eletricidade, gás, telefonia, etc, teriam se transformado em corporações nas quais o interesse
levado em conta seria só os dos funcionários ineficientes, produtores de serviços de baixa
qualidade. A “excessiva” regulamentação do mercado de trabalho impediria que os atores
sociais tivessem liberdade para discutir entre si para obterem acordos mais favoráveis. Assim,
criticava-se a legislação trabalhista e a justiça do trabalho por impedirem avanços nas
negociais entre patrões e trabalhadores.
Não se pode negar que uma economia como a brasileira, com forte presença estatal
combinada com uma cultura patrimonialista e com pouca transparência no trato da coisa
pública pode levar a um mau atendimento ao cidadão. Deve-se ressaltar, entretanto, que esse
discurso neoliberal, ao aproveitar certos elementos de mau funcionamento da Administração
Pública, cria o mito de que o mercado seria a solução para todos os males. A prática,
infelizmente, mostrou-se outra. Muitas vezes os serviços públicos privatizados ao longo das
115 Dados retirados do sítio do Banco Central do Brasil na internet. Disponível em: http://www.bcb.gov.br/htms/notecon3-p.asp. Acesso em: 02/02/2011.
79
décadas de 1990 e 2000 são os eu mais geram reclamações junto aos órgãos de apoio aos
consumidores. A ideologia, entretanto, cumpriu seu papel. O mito de que um Estado forte é
mais ineficiente do que o “mercado” se mantém.116
Na verdade,mesmo os maiores exemplos de nações neoliberais mantiveram uma forte atuação do Estado, no interesse do capital. Segundo Hobsbawn:
Após catorze anos no poder, o mais ideológico dos regimes de livre mercado, a Grã-Bretanha thatcherista, na verdade taxava seus cidadãos um tanto mais pesadamente do que eles o tinham sido sob os trabalhistas. (...) O maior dos regimes neoliberais, os EUA do Presidente Reagan, embora oficialmente dedicado ao conservadorismo fiscal (isto é, orçamentos equilibrados) e ao ‘monetarismo’ de Milton Friedman, na verdade usou métodos keynesianos para sair da depressão de 1979-82, entrando num déficit gigantesco e empenhando-se de modo igualmente gigantesco a aumentar seus armamentos.
Da mesma forma intervenção do Estado no neoliberalismo brasileiro permaneceu
forte. O Governo manteve sua atuação diária na economia. O controle dos juros e do câmbio
continuaram nos governos neoliberais. A política de privatizações só pôde ser efetivada em
razão dos subsídios governamentais, diretamente às empresas vencedoras dos leilões de
privatização, com o fornecimento de empréstimos com juros subsidiados e preços irrisórios ou
por intermédios de participação de fundos de pensão, controlados pelos próprios governos,
para fortalecer consórcios interessados na compra de alguma estatal.117
Por outro lado, setores da economia saíram das mãos do Estado para virarem
monopólios controlados por particulares. Distribuição de energia, água e esgoto, telefonia
fixa, siderurgia, etc. passaram a monopólios ou oligopólios sob o controle de alguns poucos
particulares.
Para a grande maioria dos trabalhadores, a hegemonia dessa política neoliberal
revelou-se desfavorável e complexa. Ela é desfavorável ao criar desemprego, reduzir os
salários, degradar as condições de trabalho, deteriorar o serviço público e possibilitar a
diminuição da proteção legal ao trabalhador. É complexa porque essa ideologia obteve
relativa aceitação junto aos trabalhadores. Houve uma “aceitação popular de uma ideologia
impopular”. 118
No discurso neoliberal, o alvo da revolta é localizado apenas no Estado e na intervenção estatal na economia e o funcionalismo público é apresentado como o setor privilegiado por excelência, contra o qual deve ser mobilizada a insatisfação popular. O objetivo político real é, cortando direitos e reduzindo os serviços públicos, tocar adiante a política de ajuste fiscal, que viabiliza a remuneração do capital financeiro, e abrir novas áreas para a acumulação capitalista. Perseguindo esses objetivos, o capital financeiro e seus representantes políticos apelam para os
116 BOITO Jr., op. cit., p. 63. 117 Ibidem, p. 401-402. 118 Ibidem, p. 65.
80
setores populares pauperizados e politicamente desorganizados, embrulhando a política de ajuste fiscal num discurso farsesco sobre a justiça social.119
Pioneiro no discurso de ataque aos servidores públicos, Fernando Collor de Melo foi
eleito, inclusive, pregando contra os “marajás” que seriam os grandes responsáveis pelas
mazelas do país. Fernando Henrique Cardoso seguia a mesma linha, criticando os privilégios
do funcionalismo público. O Governo Luís Inácio Lula da Silva, pelo menos em seu primeiro
mandato, não fugiu muito a essa regra. Do mesmo modo que elevou a meta de superávit
primário, o governo propôs, no seu projeto de reforma da previdência, o sacrifício das
aposentadorias dos servidores públicos. Nas campanhas publicitárias pela reforma da
Previdência, as aposentarias dos servidores públicos eram apresentadas como um mal
comparável com a escravidão. Em meados daquele ano,a equipe do governo Lula passou a
abertamente criticar os chamados “privilégios do servidor público”. Antônio Palocci, Ministro
da Fazenda, Ricardo Berzoini, Ministro da Previdência Social e Guido Mantega, Ministro do
Orçamento, Planejamento e Gestão,se revezavam no ataque aos servidores públicos e
aposentados em geral, apresentados à nação como“sanguessugas”.120
2.4.3.1 – A legislação trabalhista no período FHC Vamos apresentar algumas das alterações relativas à legislação trabalhista no Governo
Fernando Henrique Cardoso. Sem querer entrar na polêmica de que teria ou não ocorrido uma
verdadeira reforma trabalhista, é inegável que foram realizadas várias mudanças na legislação
do trabalho. Veremos algumas delas a partir de agora.
Inexistência de vínculo entre cooperativa e associado A Lei n° 8.949, de 9 de dezembro de 1994, acrescentou parágrafo ao art. 442 da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para declarar a inexistência de vínculo
empregatício entre as cooperativas e seus associados. In literis:
Art. 442. ........................................................................................................................
Parágrafo único. Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela."
119 BOITO Jr., Armando. A hegemonia neoliberal no Governo Lula, p. 16. Disponível em: http://www.unicamp.br/cemarx/criticamarxista/critica17-A-boito.pdf. Acesso em: 22/05/2010. 120 Ibidem, p. 24
81
Essa medida admite que os trabalhadores se organizem entre si para formação de uma
cooperativa de trabalho e prestem serviços a uma empresa sem que se caracterize o vínculo
trabalhista. Os trabalhadores não recebem os direitos trabalhistas previstos na relação
contratual. Esta medida abriu espaço para a criação de cooperativas com o objetivo de burlar
a legislação trabalhista. Este tipo de cooperativa, inclusive, está presente em setores que
oferecem mão-de-obra bastante qualificada, como centros de processamento de dados de
bancos, serviços de engenharia etc. É visível seu papel no processo de desestruturação das
relações de emprego com carteira assinada a impossibilidade de acesso aos diversos direitos
contidos no contrato de trabalho.
Redução de indenização aos trabalhadores rurais
A Lei nº 9.300, de 29/8/96 altera a Lei nº 5.889/73 (que regula as relações do
trabalhador rural) e dispõe sobre a redução de indenização aos trabalhadores rurais, através da
desconsideração de parcelas percebidas a título de salário "in natura". Estas parcelas passam a
não mais incorporar o salário para efeito de base para pagamento de verbas rescisórias. Fica
mais simples, assim, a demissão do trabalhador rural e a rotatividade no campo.
Denúncia da Convenção 158 da OIT
Em 11 de abril de 1996 o Presidente da República assina o Decreto n 1.855, que
ratificava a Convenção 158 sobre o Término da Relação de Trabalho por Iniciativa do
Empregador. A Convenção 158 estabelece, dentre os direitos do trabalhador, o seguinte:
Justificação do Término
Artigo 4
Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.
Artigo 6
A ausência temporária do trabalho por motivo de doença ou lesão não deverá constituir causa justificada de término da relação de trabalho.
Procedimentos Prévios ao Término por Ocasião do Mesmo
Artigo 7
82
Não deverá ser terminada a relação de trabalho de um trabalhador por motivos relacionados com seu comportamento ou seu desempenho antes de se dar ao mesmo a possibilidade de se defender das acusações feitas contra ele, a menos que não seja possível pedir ao empregador, razoavelmente, que lhe conceda essa possibilidade.
Recurso contra o Término
Artigo 8
1. O trabalhador que considerar injustificado o término de sua relação de trabalho terá o direito de recorrer contra o mesmo perante uma organismo neutro, como, por exemplo, um tribunal, um tribunal do trabalho, uma junta de arbitragem ou um árbitro.
Notificação à Autoridade Competente
Artigo 14
1. Em conformidade com a legislação e a prática nacionais, o empregador que prever términos por motivos econômicos, tecnológicos, estruturais ou análogos, deverá notificá-los o mais breve possível à autoridade competente, comunicando-lhe a informação pertinente incluindo uma exposição, por escrito, dos motivos dos términos previstos, o número e as categorias dos trabalhadores que poderiam ser afetados e o período durante o qual serão efetuados esses términos.
Entretanto, em 20 de dezembro de 1997, cerca de 10 meses após o início de sua
vigência, foi assinado o Decreto nº 2.100, denunciando a Convenção. A justificativa foi de
que ela estava tumultuando as relações de trabalho por meio de decisões judiciais com
entendimentos distintos e de que havia incompatibilidade entre o teor da norma e o novo
contexto econômico de globalização. Assim, continuou prevalecendo a legislação em vigor,
reforçando uma tendência histórica de insuficiência de mecanismos inibidores da dispensa
imotivada. Pode-se perceber que a denúncia da Convenção 158 está relacionada com o
programa geral de reformas proposto pelo governo FHC à sociedade brasileira.121
Previdência privada
Em 24 de julho de 1997 é assinada a Lei 9.477, que institui o Fundo de Aposentadoria
Programada Individual - FAPI, e o Plano de Incentivo à Aposentadoria Programada
individual, cuja intenção é possibilitar a instituição de Fundos privados que passem a
funcionar como previdências privadas complementares à previdência pública federal.
121 KREIN. José Dari. Balanço da Reforma Trabalhista de FHC. Disponível em: http://bdjur.stj.gov.br/xmlui/bitstream/handle/2011/18663/A_Reforma_Trabalhista_de_FHC.pdf?sequence=4 Acesso em: 16/12/2010.
83
FGTS para a privatização
A Lei 9.491 de 1997 altera o artigo 20 da Lei 8.036/1990, permitindo que até 50% das
contas do FGTS passem ser aplicados em quotas de Fundos Mútuos de Privatização. Assim, o
FGTS criado para financiar a habitação popular passa a ser utilizado pelo programa de
privatização do Governo Fernando Henrique Cardoso.
Contrato por tempo determinado
O contrato por prazo determinado, já previsto no artigo 443, parágrafos 1º e 2º
(incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967), da CLT, se refere a atividades temporárias
ou transitórias e ao contrato de experiência. A nova modalidade de contratação criada pela Lei
n.° 9.601/98, depende sempre de previsão em convenção ou acordo coletivo e abrange
qualquer atividade da empresa, devendo gerar, obrigatoriamente, aumento de postos de
trabalho (vagas).Essa Lei prevê a redução, em 50%, das contribuições sociais (salário
educação, contribuição ao Sistema S, ao Incra etc.) e, em 2%, do valor do depósito do FGTS,
além de dispensar o aviso prévio e a multa de 40% sobre as verbas rescisórias, como forma de
estimular as empresas a admitirem um número maior de trabalhadores. Cria-se, portanto, uma
divisão entre os empregados de uma mesma empresa: uns sendo contratados normalmente, e
outros contratados sem vários dos direitos básicos.
Além disso, a Lei estabelece preferência de créditos do BNDES às empresas que
adotarem o contrato temporário, reduz as contribuições sociais ao INCRA (que 99,3% da sua
receita originada nestas contribuições), ao salário-educação e ao financiamento do seguro
acidente de trabalho do INSS.
Contrato parcial
Os contratos parciais já estavam previstos na CLT, em seu artigo 58. A Medida
Provisória 2.164 de 2001 criou o art. 58-A que estabeleceu a jornada máxima de 25 horas
semanais para o contrato parcial. Além disso, a citada MP permite que o tempo de férias do
trabalhador seja inferior a trinta dias, inserindo na CLT o art. 130-A.
Suspensão do contrato de trabalho
84
A MP 2.164 criou na CLT o artigo 476-A, estabelecendo que o contrato de trabalho
pode ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em
curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração
equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de
trabalho e aquiescência formal do empregado. Nesse caso, como o instituto é de suspensão, o
empregador não é obrigado a manter o salário do trabalhador. É uma forma de diminuir os
custos com a mão de obra, sem que haja a correspondente despesa decorrente das
indenizações, aviso-prévio, multa do FGTS, etc., a que o empregador teria direito se fosse
demitido sem justa causa.
Banco de horas
A Lei 9.601 de 1998 estabeleceu uma mudança no art. 58, parágrafo 2 da CLT, que
passou a vigorar nos seguintes termos:
art. 59 …......................................................
§ 2º Poderá ser dispensado o acréscimo de salário se, por força de acordo ou convenção coletiva de trabalho, o excesso de horas em um dia for compensado pela correspondente diminuição em outro dia, de maneira que não exceda, no período máximo de cento e vinte dias, à soma das jornadas semanais de trabalho previstas, nem seja ultrapassado o limite máximo de dez horas diárias.
Posteriormente, a MP 2.164 de 2001, esticou o prazo de compensação de 120 dias para
um ano. Assim, o excesso de jornada que deveria ser compensado dentro da semana, pela
redação original da CLT, agora tem o prazo de um ano. Permite a contagem (débito e crédito)
de horas em favor da empresa e do empregado. Com esse novo sistema de compensação de
horários extras, a empresa pode organizar a utilização do tempo de trabalho conforme os seus
ciclos de produção durante o ano. O banco de horas é uma medida que procura ajustar a
determinação do trabalho à realidade produtiva da empresa. Além disso, o banco de horas
dispensa a negociação com os sindicatos acerca de mudanças temporárias na carga horária ao
longo do ano. As negociações podem ser feitas diretamente com cada trabalhador,
fragilizando sua posição.
Trabalho aos domingos
Posto em prática com a edição da Medida Provisória 1.878-64 de 1999, convertida na
Lei 10.101, de 2000, a liberação do trabalho aos domingos tinha com justificativa o aumento
de postos de trabalho que ocorreriam a partir de então. Na prática, entretanto, percebe-se,
85
aumentou a exploração daqueles que já trabalhavam, em especial no comércio, que são, agora,
obrigados a trabalhar também aos domingos. Mais tarde, já durante o governo Lula, a Lei
11.601/2007 cria o art. 6-A na Lei 10.101, estabelecendo a possibilidade de abertura do
comércio também aos domingos.
Participação nos lucros e resultados (PLR)
Também por intermédio da Medida Provisória 1.982 de 1999, posteriormente
convertida na Lei 10.101/2000, foi estabelecida a participação dos trabalhadores nos lucros ou
resultados da empresa, como “instrumento de integração entre o capital e o trabalho e como
incentivo à produtividade”. Com essa Lei as empresas buscam a introdução de uma
remuneração variável como forma de redução de custos fixos, a descentralização das
negociações para o interior das empresas e o comprometimento dos trabalhadores com o
aumento da competitividade. Na avaliação dos dirigentes sindicais, ela representa vários
riscos como: a não incorporação da produtividade nos salários; a substituição do reajuste
salarial por prêmios e abonos; o crescimento da remuneração variável, vinculando-a ao
desempenho individual, ou do grupo e/ou da empresa; a crescente individualização das
relações de trabalho, o aumento da concorrência entre os trabalhadores; a intensificação do
ritmo de trabalho; a redução dos postos de trabalho; e o estímulo à organização de sindicatos
por empresa.122
Comissão de conciliação prévia
A Lei n 9.958, de 12 de janeiro de 2000 criou os artigos 625-A a 625-B e 877-A e,
ainda, alterou o art. 876, estabelecendo as comissões de conciliação prévia com a atribuição
de tentar conciliar os conflitos individuais do trabalho. Qualquer demanda de natureza
trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia onde ela existir.
Além disso, os direitos acertados no âmbito da CCP não poderão mais ser reclamados
na Justiça do Trabalho, salvo nos casos em que se fizer ressalva explícita e não pode ser
anulado o acordo realizado na comissão. Assim, a CCP, que é uma instância privada, tem um
poder de flexibilização de direitos independentemente da ação de sindicatos ou do judiciário.
Pode adaptar as regras gerais para as situações concretas das categorias ou empresas, isto é,
flexibilizar a legislação geral às condições concretas de um determinado setor ou empresa.
122 Ibidem.
86
Trata-se de uma medida que tem o propósito de dar materialidade às mudanças na legislação
do trabalho em aspectos relacionados à remuneração, tempo e alocação do trabalho.
Sucateamento da Fiscalização do Ministério do Trabalho
Foram retirados poderes dos Fiscais do Trabalho por intermédio da Portaria Nº 865, de
14 de setembro de 1995 do Ministério do Trabalho. Em seu artigo 4 ela estabelece impedimento
de autuação de empresas pelos fiscais quando da discrepância entre as condições pactuadas
em convenção ou acordo coletivo e a legislação. Estabelece a norma:
Art.4º. A incompatibilidade entre as cláusulas referentes às condições de trabalho pactuadas em convenção ou acordo coletivo e a legislação ensejará apenas a comunicação do fato à chefia imediata, que o submeterá à consideração da autoridade regional.
Essa Portaria permite que acordos ou convenções reduzam direitos já fixados na
legislação, tornando livre a prática de negociação coletiva no sentido de estabelecer cláusulas
que prejudiquem diretamente aos trabalhadores. Esta portaria foi revogada pela portaria 143
de 2004, já no Governo Lula.
Abaixo há uma tabela com as mudanças ocorridas na legislação trabalhista durante os
mandatos de Fernando Henrique Cardoso, com as consequências decorrentes dessas
modificações.
87
Tabela 3: Mudanças na Legislação Trabalhista no Governo FHC
Legislação Consequências
Lei 9.601/1998 novos critérios para trabalho por tempo determinado; cria banco de horas; reduz as contribuições sociais e muda rescisão; desvincula o contrato por tempo determinado da natureza dos serviços.
Decreto 2.110/1996 denuncia a Convenção 158 da OIT; elimina mecanismos de demissão imotivada
Lei 8.949/1994 cooperativa de prestadores de serviço; descaracteriza vínculo empregatício
MP 1.709)1998 autoriza jornada de 25 horas semanais com salário e direitos proporcionais; dispensa sindicato da negociação.
MP 1.726/1998 autoriza suspensão de contrato de trabalho vinculada a processo de qualificação profissional.
Portaria 2, 29/06/1996 amplia possibilidade de utilização da Lei 6.096/1974, generalizando a utilização do contrato de trabalho temporário.
Lei 9.801/1999 Lei Complementar 96/99
disciplinam limite de despesa com pessoal na Administração Pública; regulamenta demissão de servidores públicos estáveis por excesso de pessoal.
Lei 9.061/ 1998 MP 1.709/1988
amplia para um ano o prazo de compensação das jornadas extraordinárias de trabalho; permite que a jornada seja organizada de acordo com as flutuações de produção ou serviço da empresa.
MP 1.878-64/1999 autoriza o trabalho do comércio varejista aos domingos, sem necessidade de negociação coletiva.
MP 1.053/1994 elimina a política de reajuste salarial automático; proíbe cláusulas de reajuste automático de salários nos contratos.
MP 1.906/1997 acaba com o índice oficial de reajuste do salário mínimo; cria o salário mínimo regional.
Lei 8.959/2000 possibilita a criação de comissões de conciliação nas empresas com mais de 50 empregados;
Lei 9.957/2000 estabelece rito sumaríssimo para dissídios individuais cujo valor não exceda a 40 salários mínimos.
Portaria MT 856/1995 impede a autuação da empresa quando há conflito entre a legislação e o acordo ou convenção coletiva; permite que acordos/convenções reduzam direitos acertados anteriormente.
A partir de tabela criada por José Dori Krein.
2.4.3.2 A Reforma da Previdência no Governo Lula
A Reforma da previdência foi considerada fundamental para o governo no primeiro
mandato do Presidente Luís Antônio Lula da Silva. Foi grande o empenho pela sua aprovação
por parte do governo federal, mesmo com muitas críticas demonstrando que causaria graves
prejuízos para os trabalhadores. Segundo Francisco de Oliveira:
O objetivo primordial da reforma da Previdência é de caráter fiscalista. Ela não está preocupada em ampliar os marcos da seguridade social, mas em restringi-la com o objetivo de fazer caixa. Em segundo lugar, há um objetivo mais sombrio, que é o de inventar os fundos de previdência complementar para atender àqueles que têm salários mais altos que os limites estabelecidos pela emenda constitucional. Isso
88
significa um mercado riquíssimo de seguros privados. (...) Portanto, o que se esconde por trás da reforma da Previdência são altos negócios. E altos negócios, no sistema capitalista, não se fazem sem negociata. Entrevista ao Jornal da Unicamp, em agosto de 2003.123
A Emenda Constitucional 41, promulgada em 19 de dezembro e publicada no dia 30
de dezembro de 2003 alterou as regras de concessão dos benefícios previdenciários dos
integrantes de regimes próprios de previdência social.
Apesar de o Governo Federal apregoar que a reforma da Previdência seria necessária
em razão de seu déficit, os próprios dados oficiais, confirmados inclusive por do Tribunal de
Contas da União, comprovam que o déficit apurado pelo governo decorre do fato de este
considerar, erroneamente, somente as receitas decorrentes das contribuições que incidem
sobre a folha de pagamento. Ao verificarmos o conjunto de contribuições sociais previstas na
Constituição Federal para o financiamento da Seguridade Social (Saúde, Previdência e
Assistência Social), constatamos que esta é altamente superavitária. Em 2002, ano anterior à
Reforma da Previdência, a seguridade social foi superavitária, em R$ 15 bilhões. Em 2003,
R$ 31,73 bilhões, e em 2004, R$ 42,53 bilhões. No quadro da página seguinte, preparado pela
ANFIP (Associação Nacional dos Fiscais da Previdência Social) vemos um quadro das
receitas e despesas referentes à Previdência Social. Note-se que as receitas de contribuições
sociais não são apenas aquelas advindas dos salários dos trabalhadores, mas também, dos
demais segurados da previdência social, da receita ou faturamento das empresas, do lucro, da
receita de concursos de prognósticos, do importador de bens ou serviços do exterior, etc.124.
A questão permanece até hoje, mesmo com a aprovação da Emenda. Segundo a
pesquisadora do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Denise Lobato Gentil:
Ainda com a retirada dos 20% da DRU (Desvinculação de receitas da União), há um superávit de seguridade social de R$ 72,8 bilhões, em 2007; R$ 67,8 bilhões, em 2008; e R$ 32,6 bilhões, em 2009, em plena crise financeira internacional e baixo crescimento. (...) Não dá para dizer que há necessidade de reforma em função de problemas financeiros exclusivos.125
123 LEVY, Cleyton. Francisco de Oliveira vincula reforma a interesses de mercado. Jornal da Unicamp, 24 de agosto de 2003, p. 6 e 7. Disponível em: http://www.unicamp.br/unicamp/unicamp_hoje/jornalPDF/225pag0607.pdf. Acesso em: 16/12/2010. 124 BRASIL. Constituição Federal, art. 195. 125 Palestrantes debatem Previdência Social e desmistificam o déficit. Revista Integração , Ano II, edição 13, novembro/dezembro de 2010, p. 14.
89
Os principais pontos alterados pela EC 41/2003126 são:
Aumento da idade mínima para aposentadoria com a exigência de limite etário mínimo
de 55 anos para as mulheres e 60 anos para os homens. Os servidores públicos que já
integravam a administração pública podem continuar a se aposentar antes do limite de idade,
nestas circunstâncias sofrerão a redução de 5% por ano antecipado em relação ao limite etário.
Para os servidores que completaram os requisitos para aposentadoria em 2004 e 2005 o
redutor será de 3,5% para cada ano de antecipação.
O teto das aposentadorias e remunerações no setor público passou a ter como
referência a maior remuneração do Ministro do Supremo Tribunal Federal. Foi criado também
o subteto para os integrantes do Judiciário Estadual que corresponde a 90,25% da
remuneração do Ministro do STF.
Foi criada a contribuição previdenciárias de 11% para os servidores inativos e
pensionistas.
Para os servidores em atividade na data da promulgação da EC é mantida a
integralidade e a paridade se trabalharem até os 60 anos de idade e tenham 35 anos de
contribuição (homens) ou 55 aos de idade e 30 anos de contribuição (mulheres). Além de
terem 20 anos de serviço público, 10 anos na carreira e 5 anos no cargo em que se dará a
aposentadoria.
O valor do benefício de aposentadoria é calculado observando-se a média das
contribuições previdenciárias no período de trabalho, inclusive do período de contribuição ao
Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
Foi criado um teto de benefícios para o RGPS e para os regimes próprios. Os
benefícios que ultrapassarem este valor poderão ser pagos pelos fundos de previdência
complementar após sua regulamentação e criação. Estes fundos de pensão tem natureza
pública, não terão fins lucrativos e adotarão planos de contribuição definida sendo geridos
tanto pela administração pública quanto pelos servidores.
126Reforma da Previdência. Folha de São Paulo. 12 de dezembro de 2003. http://www1.folha.uol. com.br/folha/especial/2003/reformas constitucionais /previdencia-entenda.shtmlem 21-12-2010
90
3 – A Receita Federal do Brasil e seus Servidores
3.1 – Um Quadro Geral
A administração tributária tem como objetivo promover a arrecadação, provendo o
Estado dos recursos necessários ao cumprimento de suas funções. O inciso XXII do artigo 37
da Constituição Federal, considerando as administrações tributárias da União, Estados,
Distrito Federal e Municípios como atividades essenciais ao funcionamento do Estado, a
serem exercidas por servidores de carreiras específicas. Às Administrações Tributárias
compreendem quatro funções básicas:
Fiscalização – programação das atividades de fiscalização, aperfeiçoamento das técnicas
de fiscalização, auditorias e controles fiscais;
Tributação – elaboração de normas e procedimentos tributários, aplicação da legislação
tributária, contencioso fiscal e consultas;
Arrecadação – previsão da receita, aperfeiçoamento das técnicas de arrecadação,
controle de lançamentos de créditos tributários, controle dos agentes arrecadadores e
cobrança administrativas e
Informações econômico-fiscais – programação, registro e armazenamento de
informações econômico-fiscais, controle dos cadastros de contribuintes e controle de
documentos fiscais.127
A Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) é um órgão específico, singular,
subordinado ao Ministério da Fazenda. É responsável pela administração dos tributos de
competência da União, inclusive os previdenciários, e aqueles incidentes sobre o comércio
exterior, abrangendo parte significativa das contribuições sociais do País. Auxilia, também, o
Poder Executivo Federal na formulação da política tributária brasileira, além de trabalhar para
prevenir e combater a sonegação fiscal, o contrabando, o descaminho, a pirataria, a fraude
comercial, o tráfico de drogas e de animais em extinção e outros atos ilícitos relacionados ao
comércio internacional.
A administração aduaneira controla os fluxos de comércio exterior com vistas a
alcançar indiretamente a proteção e o aumento de riquezas nacionais. A administração
127 MARIA, Elizabeth de Jesus e LUCHIEZI Jr., Álvaro (org.). Tributação no Brasil: em busca da justiça fiscal. Brasília, 2010, p. 69.
91
aduaneira exerce jurisdição sobre o território aduaneiro, o qual compreende todo o território
nacional, conforme disposto no artigo 33 do Decreto-Lei nº 37/1966 e no artigo 2º do Decreto
nº 6.759/2009 (Regulamento Aduaneiro) inclusive espaço aéreo e águas territoriais. O
território aduaneiro é dividido em zonas primárias (portos, aeroportos e pontos de fronteira
alfandegados) e zonas secundárias (restante do território aduaneiro). Pessoas e mercadorias
são autorizadas a saírem do país somente em zonas primárias. Além disso, também
promovendo a segurança, inclusive por meio do combate ao tráfico de drogas ilícitas e armas.
As competências da Receita Federal do Brasil podem ser sintetizadas como:
• administração dos tributos internos e do comércio exterior;
• gestão e execução das atividades de arrecadação, lançamento, cobrança administrativa,
fiscalização, pesquisa e investigação fiscal e controle da arrecadação administrada;
• gestão e execução dos serviços de administração, fiscalização e controle aduaneiro;
• repressão ao contrabando e descaminho, no limite da sua alçada;
• preparo e julgamento, em primeira instância, dos processos administrativos de determinação
e exigência de créditos tributários da União;
• interpretação, aplicação e elaboração de propostas para o aperfeiçoamento da legislação
tributária e aduaneira federal;
• subsídio à formulação da política tributária e aduaneira;
• subsídio à elaboração do orçamento de receitas e benefícios tributários da União;
• educação fiscal para o exercício da cidadania;
• formulação e gestão da política de informações econômico-fiscais;
• atuação na cooperação internacional e na negociação e implementação de acordos
internacionais em matéria tributária e aduaneira128.
De acordo com as disposições do artigo 195 do Código Tributário Nacional
(CTN), não poderá haver nenhuma limitação legal ao direito de examinar mercadorias, livros,
arquivos, documentos, nem tampouco produtores, comerciantes ou industriais poderão se
eximir de exibi-los.
O artigo 197 do CTN traz um rol de pessoas ou entidades que são obrigadas a
prestar informações às Autoridades Administrativas. São elas:
I. os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício;
II. os bancos, casas bancárias, Caixas Econômicas e demais instituições financeiras;
128 BRASIL. Decreto nº 7.386 de 08 de dezembro de 2010. Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções Gratificadas do Ministério da Fazenda, e dá outras providências. Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/Decretos/2010/dec7386.htm. Acesso em: 04/02/2011.
92
III. as empresas de administração de bens;
IV. os corretores, leiloeiros e despachantes oficiais;
V. os inventariantes;
VI. os síndicos, comissários e liquidatários;
VII. quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe, em razão de seu cargo, ofício,
função, ministério, atividade ou profissão.
O artigo 198 do CTN garante o sigilo fiscal ou administrativo. A Fazenda Pública e
seus servidores são proibidos de divulgar informações obtidas em razão de ofício sobre a
situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o
estado de seus negócios ou atividades.
O artigo 199 prevê a cooperação da Fazenda Pública da União com os entes federados
para fins de fiscalização de tributos e o artigo 200, por fim, garante o direito das autoridades
administrativas federais de requisitarem força policial “quando vítimas de embaraço ou
desacato no exercício de suas funções, ou quando necessário à efetivação de
medida prevista na legislação tributária, ainda que não se configure fato definido em lei como
crime ou contravenção”. 129
A Receita Federal do Brasil (RFB), comandada pelo Secretário, é a maior Secretaria
do Ministério da Fazenda. São mais de 20 mil servidores, sendo cerca de 13.000 deles
Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (AFRFB). A sua distribuição geográfica faz-se
por intermédio de 10 regiões fiscais, cada uma controlada por uma superintendência. A 1ª
Região Fiscal tem competência territorial sobre os estados de Goiás, Mato Grosso, Mato
Grosso do Sul, Tocantins e Distrito Federal. A 2ª compreende os Estados do Pará, do
Amazonas, Amapá, Roraima, Rondônia e Acre. A 3ª, Maranhão, Piauí e Ceara. A 4ª, Rio
Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. A 5ª, Bahia. A 6ª, Minas Gerais.
A 7ª Região Fiscal, Rio de Janeiro e Espírito Santo. A 8ª, São Paulo. A 9ª, Paraná e Santa
Catarina e a 10ª, Rio Grande do Sul.
Às Superintendências estão subordinadas as Alfândegas e Inspetorias (em geral,
Portos, Aeroportos e Pontos de Fronteira Alfandegados130), que tratam dos tributos relativos
ao comércio exterior e as Delegacias, com competência para os tributos internos. Além
dessas, há as Delegacias de Julgamento, para onde são encaminhados os contenciosos
administrativos relativos a crédito tributário.
129 MARIA, Elizabeth de Jesus e LUCHIEZI Jr., Álvaro (org.), op. cit., p. 71. 130 Pontos de fronteira alfandegados são locais nas fronteiras do Brasil com outros países por onde podem passar, legalmente, pessoas e mercadorias, ou seja, onde há alfândega. O exemplo clássico é a Ponte da Amizade, na fronteira com o Paraguai.
93
Todos os AFRFB são escolhidos por concurso público, regidos pelo Regime Jurídico
Único da Lei 8112/90 e, como têm carreira típica de Estado, são remunerados por subsídio,
que é uma forma de pagamento que não admite adicionais como periculosidade,
insalubridade, tempo de serviço, etc. Entre outros, também são remunerados por subsídio os
juizes, os promotores, os procuradores e os advogados da União. Além dos AFRFB a única
outra carreira da RFB é formada por Analistas Tributários da RFB (ATRFB) que tem o papel
de auxiliar os AFRFB. Outros servidores do Ministério da Fazenda e empregados do
SERPRO são cedidos para trabalhar na RFB.
São atribuições dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, em caráter
privativo, entre outras:
a)constituir,mediante lançamento,o crédito tributário e de contribuições;
b)elaborareproferirdecisõesoudelasparticiparemprocessoadministrativo-fiscal;
c)executarprocedimentosdefiscalização,inclusiveosrelacionadoscomocontroleaduaneiro,
apreensãodemercadorias,livros,documentos,materiais,equipamentoseassemelhados;
d)examinaracontabilidadedesociedadesempresariais,empresários,órgãos,entidades,fundo
sedemaiscontribuintes,nãoselhesaplicandoasrestriçõesprevistasCódigoCivil relativas ao
acesso à documentação.131
As funções de chefes de unidades da RFB são, historicamente, ocupadas por AFRFB
ativos ou aposentados. Assim, são AFRFB os Superintendentes das 10 Superintendências, os
Delegados das Delegacias da RFB e Delegacias de Julgamento e os Inspetores-Chefe das
Alfândegas. O Secretário da RFB é uma função política e, assim,não é incomum sua entrega a
alguém que não seja da carreira. Entretanto, desde janeiro de 2003, no inicio do Governo
Lula, a Secretaria da RFB é ocupada por AFRFB.
Os chefes de unidade da RFB recebem gratificações, as chamadas DAS (Direção e
Assessoramento Superiores), de DAS-2 a DAS-4. Os Superintendentes recebem DAS-4. Os
Inspetores-chefe e os Delegados recebem DAS-3 (Alfândegas ou Delegacias de classe A e
especial, as maiores, e Delegacias de Julgamento) ou DAS-2. Os que têm DAS-3 podem
indicar seus chefes subordinados aos quais serão dados DAS-2, DAS-1, ou outro tipo de
gratificação chamada FG (Função Gratificada, para funções de menor relevância), conforme o
caso. O Inspetor-Chefe da Alfândega no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, por
exemplo, pode indicar 5 DAS-1 e 12 FG-1.
131 BRASIL. Lei nº 11.457 de 16 de março de 2007. Dispõe sobre a Administração Tributária Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Lei/L11457.htm. Acesso em 05/02/2011.
94
3.2 – As Prerrogativas dos AFRFB
Constitucionalmente, a Administração Tributária tem precedência sobre todas as
outras autoridades, no exercício de suas atribuições. A Constituição da República Federativa
do Brasil dispõe em seu artigo 37, inciso XVIII: “a administração fazendária e seus servidores
fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais
setores administrativos, na forma da lei.”132
Além disso, a legislação infraconstitucional apresenta, inúmeras vezes, regras que
estabelecem o poder do AFRFB. O Decreto 3.000/99 autoriza a entrada dos Auditores-Fiscais
da Receita Federal do Brasil nos estabelecimentos, bem como o acesso às suas dependências
internas sem formalidades diversas da sua identificação, pela apresentação da identidade
funcional. Ou seja, não há necessidade de mandado judicial para que os Auditores-Fiscais
entrem nas empresas.
No mesmo sentido vai a Lei nº 4.502, de 1964, ao estabelecer que, no interesse da
Fazenda Nacional, os AFRFB procederão ao exame das escritas fiscal e geral das pessoas
sujeitas à fiscalização sem necessidade de solicitação à autoridade judicial. Em caso de recusa
de apresentação dos livros, dos documentos, dos arquivos e dos dados, o AFRFB promoverá,
junto ao representante do Ministério Público, a sua exibição judicial, sem prejuízo da
lavratura do auto de embaraço à fiscalização.
O Decreto-Lei 37/66 determina, em seu artigo 35, que a fiscalização aduaneira tem
precedência na zona primária. Ou seja, nos portos, aeroportos e pontos de fronteira
alfandegados, naqueles locais por onde podem transitar mercadorias e pessoas indo e vindo do
exterior, a autoridade aduaneira tem precedência sobre as demais que ali exercem suas
atribuições.
O Auditor-Fiscal da Receita Federal é a primeira autoridade a ter contato com todas as
mercadorias importadas por portos, aeroportos e pontos de fronteira alfandegados. Mesmo os
bens objeto de contrabando como drogas e armas, são mercadorias (ilícitas, mas mercadorias)
e têm no AFRFB a primeira barreira ao seu consumo dentro do território nacional.
Por outro lado, o AFRFB é autoridade com maior facilidade legal para combater
crimes como a lavagem de dinheiro e a sonegação de impostos, haja vista poder entrar nos
estabelecimentos e solicitar/retirar os livros contábeis sem autorização judicial, além de ter
formação profissional própria para análise desse tipo de documentação.
132 BRASIL. Constituição da República, art.37, inciso XVIII.
95
Assim, o Auditor-Fiscal é, no Brasil, a autoridade relativamente à matéria tributária.
Ele detém o poder pessoal de lavrar autos de infração, independentemente de qualquer
referendo de qualquer superior hierárquico. A subordinação, entre AFRFB só se dá a níveis
administrativos. Na atividade fim da RFB, o AFRFB tem completa autonomia sobre seu
trabalho. Em contrapartida, a responsabilidade sobre suas atividades é exclusiva dele,
totalmente individualizada. Seu superior, a princípio, não tem responsabilidade pelos atos
praticados pelo Auditor-Fiscal.
Diferentemente do que ocorre em outros países, como na França, por exemplo, não há,
no Brasil, uma dupla jurisdição, com uma Justiça administrativa. O controle jurisdicional da
administração pública na França, por exemplo, é da competência de uma jurisdição autônoma,
a jurisdição administrativa. Isso significa que, em regra, aqueles litígios que envolvam
atividades da administração pública estão sujeitos a uma jurisdição própria, com uma
estrutura e organização próprias, distintas da jurisdição judiciária. Ou seja, naquele país, da
decisão prolatada na esfera administrativa não cabe recurso ao Judiciário comum. No Brasil,
de acordo com o que prescreve a Constituição Federal, em seu artigo 5, inciso XXXV, sempre
é possível o recurso ao Poder Judiciário. Assim, as decisões tomadas pelas autoridades
administrativas podem, sempre que o interessado quiser, ser revistas pelos juízes.
O trabalho dos AFRFB na lavratura de auto de infração é inquisitorial. Ele verifica a
ocorrência do ilícito tributário, colhe as provas que considerar necessárias, faz a adequação do
caso especifico à legislação pertinente e lavra o auto de infração, já estabelecendo as penas
respectivas. Se o auto de infração versa sobre crédito tributário (quando o litígio versa sobre
eventual algum tributo ou multa que o contribuinte deve à União), e o contribuinte não
interpõe impugnação ao auto de infração dentro do prazo legal, o ato torna-se juridicamente
perfeito. O contribuinte já passa a ser devedor da União e, se não pagar espontaneamente, o
caso é encaminhado à Procuradoria da Fazenda Nacional (PFN) para inserção no cadastro de
Dívida Ativa da União. Se, entretanto, o contribuinte interpõe recurso, seu caso é julgado em
primeira instância pelas Delegacias de Julgamento da própria RFB, em decisão colegiada de
turmas formadas por Auditores Fiscais e, em segunda instância, pelo Conselhos
Administrativos de Recursos Fiscais (CARF), do Ministério da Fazenda. Nesses as turmas de
julgamento são formadas de maneira paritária entre AFRFB e representantes de contribuintes.
Há casos, entretanto, que não há que se falar em crédito tributário. Por algum ilícito
cometido, ou mesmo por abandono da mercadoria, ocorre o perdimento da mesma. Quer
dizer, o AFRFB que está responsável pela fiscalização indica que o bem em questão deve
deixar de ser propriedade do contribuinte interessado e passar para o patrimônio da União.
96
Nestes casos, apesar da gravidade da pena, o julgamento de eventual impugnação do
contribuinte em relação a auto de infração que estabeleça o perdimento é julgado em instância
única, pelo Inspetor-Chefe ou Delegado da unidade da RFB onde foi lavrado o auto.
É importante ratificar que, diferentemente do que ocorre com outros servidores
também ligados à área de fiscalização no Poder Executivo Federal, o ato da lavratura do auto
de infração independe de quaisquer anuências de superiores hierárquicos. É um ato
administrativo simples, não composto. 133 No Banco Central do Brasil, no Tribunal de Contas
da União, no Ministério do Trabalho, na ANTT, diferentemente, para ficar em alguns
exemplos, os servidores que constatam alguma irregularidade em seu trabalho de fiscalização
em suas respectivas áreas de competência encaminham suas análises às suas chefias, a quem
cabe analisar os estudos e fazê-los prosperar, ou não. Se o chefe de uma Delegacia do
Trabalho encontrar algum problema técnico ou político em um estudo de um Auditor do
Trabalho poderá, por exemplo, arquivá-lo.
Daí verificarmos que é grande o poder individual do AFRFB. Essa impressão se
fortalece ao constatarmos que a jurisdição dos AFRFB é sobre todo o território nacional.
Assim, um Auditor-Fiscal lotado no Amapá pode ser convidado a realizar um trabalho
especial no Rio Grande Sul, sem prejuízo da legalidade dos atos lá praticados. O poder de
lançar tributos ou multas contra contribuintes é, então, distribuído entre todos os 13.000
AFRFB ativos, efetivamente trabalhando na RFB.
Sobre esse poder individual de cada AFRFB podemos identificar e analisar algumas
questões. Primeiramente, há o perigo de o servidor, de posse de um poder tão grande, utilizá-
lo para angariar vantagens pessoais, ao invés de buscar o interesse público. Essa, aliás, é uma
das principais argumentações daqueles que pretendem diminuir o poder dos AFRFB, como
veremos mais adiante. Para combater esse mal, a RFB conta com uma Corregedoria muito
atuante. O Corregedor-Geral é nomeado pelo Ministro de Estado da Fazenda, para um
mandato fixo de três anos, na duração do qual só sai da função em razão de decisão proferida
em processo administrativo disciplinar, condenação judicial transitada em julgado ou a
pedido134. De 1995 até 2010, foram aplicadas 823 punições, sendo 368 demissões, 20
133Meirelles, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 151-152. 134 BRASIL. Decreto nº 2.331 de 1º outubro de 1997. Dispõe sobre a Corregedoria-Geral da Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1997/D2331.htm. Acesso em: 12/01/2011.
97
cassações de aposentadoria ou destituições de cargo em comissão ou função de confiança, 164
suspensões e 271 advertências.135
O poder disciplinar é a faculdade de punir internamente as infrações funcionais dos
servidores. É uma supremacia especial que o Estado exerce sobre todos aqueles que se
vinculam à Administração por relações de qualquer natureza. Esse poder só deve ser exercido
a benefício do serviço, e a Administração é o único juiz da conveniência e oportunidade da
punição do servidor, dentro das normas específicas da legislação.
A aplicação da pena disciplinar tem, para o superior hierárquico, o caráter de um
poder-dever, uma vez que a condescendência pelo ato irregular praticado é considerada crime
contra a Administração Pública, segundo o que determina o Código Penal, em seu artigo
320.Todo chefe tem o poder e o dever de punir o subordinado ou fica na obrigação de levar o
fato ao conhecimento da autoridade competente, conforme o caso.136
Por outro lado, em relação ao assédio moral, o uso do poder disciplinar pode ser
muitas vezes exacerbado, e utilizado para perseguir e oprimir servidores subalternos. Há o
desvio de sua função principal, a faculdade de punir, internamente, as infrações funcionais
dos servidores no interesse da Administração, que busca, como finalidade, o bem comum137.
Para alguns autores, o assédio moral tende a ser mais frequente na Administração
Pública em razão de o chefe não tem o poder de dispor sobre o emprego do servidor. Não
podendo demiti-lo, teria como alternativa humilhá-lo e sobrecarregá-lo de tarefas inócuas.
Outro aspecto de grande influência seria o fato de no setor público muitas vezes os chefes são
indicados em decorrência de seus laços de amizade ou de suas relações políticas, e não por
sua qualificação técnica e preparo para o desempenho da função. Despreparado para o
exercício da chefia, e muitas vezes sem o conhecimento necessário para tanto, o chefe pode se
tornar extremamente arbitrário, buscando compensar suas evidentes limitações. Por outro
lado, escorado nas relações que garantiram a sua indicação, considera-se intocável138.
3.3 – As mudanças (tentadas e realizadas) na Legislação
O chamado “desmonte” da Receita Federal pode ser compreendido como um aspecto da reforma em curso no Estado brasileiro. Houve um conjunto de ações que buscaram
135 Informação obtida no sítio do sindicato da categoria AFRFB na internet. Disponível em: http://www.sindifisconacional.org.br/. Acesso em: 12/01/2011 136 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, 23.e., p. 109. 137 BATALHA,Lílian Ramos. Assédio moral em face do servidor público. 138SPACIL, Daiane Rodrigues, RAMBO, Luciana Inês e WAGNER, José Luis. Assédio Moral: a microviolência do cotidiano – uma cartilha voltada para o serviço público. Disponível em: http://www.buscalegis.ufsc.br/arquivos/Cartilha_AssedioMoral.pdf. Acesso em 12/12/2010.
98
esvaziar a missão institucional da SRF, com o objetivo de adequá-la à nova concepção de Estado que governo de inspiração neoliberal de FHC queria implantar no país.
Segundo Luiz Alberto dos Santos: A minimização do Estado exige a minimização de despesas com a máquina
administrativa. Formas baratas e práticas de arrecadação, portanto, são as preferidas por quem advoga este modelo. (...) Sem correr o risco de cair na teoria da conspiração, é preciso compreender que quanto mais 'funcional', 'barato' e 'enxuto' é um Estado, mais ele é permeável às decisões de governo. 139
Segundo Paulo Gil Holck Introíni, presidente do Unafisco Sindical de 1999 a 2001,
fim dos Governos Sarney e Collor, e durante o período Itamar Franco como Presidente da
República:
A Receita Federal pode agir com mais afinco contra os ilícitos tributários. Sempre que os governos estiveram enfraquecidos, a Receita pôde cumprir com mais desenvoltura seu papel institucional. (...) O Estado, como instituição planejadora, organizadora e gestora dos interesses da sociedade, atrapalha certo tipo de governo. A Receita foi mais forte quanto mais faltou aos governantes o respaldo para submeter o Estado a interesses políticos.140
Amparado na popularidade do Plano Real e na vitória eleitoral, o governo FHC
encontrou o cenário favorável à implantação das reformas pregadas pelos organismos
internacionais. Comprometido propostas neoliberais ditadas pelos organismos internacionais
como o FMI e o Consenso de Washington,o governo brasileiro deu muita importância em
alcançar o superávit primário. Para isso, buscou o recurso da arrecadação fácil e barata,
descuidando das implicações futuras que daí poderiam advir.
Já há alguns anos vem sendo criada uma extensa legislação que colabora, de uma
forma ou outra, para retirar do AFRFB suas atribuições há muito estabelecidas.
Em 22 de novembro de 1999 foi criado o Mandado de Procedimento Fiscal (MPF),
por intermédio da Portaria da Secretaria da Receita Federal nº 1.265. Os Auditores-Fiscais
que fossem fazer fiscalizações ou ações que objetivassem a verificação do cumprimento das
obrigações tributárias por parte do sujeito passivo, teriam que, a partir de então, depender de
uma ordem específica, denominada Mandado de Procedimento Fiscal – MPF. Da mesma
forma, qualquer diligência ou outras ações destinadas a coletar informações ou outros
elementos de interesse da administração tributária dependeriam, também, da emissão do MPF.
A citada portaria estabelecia, em seu artigo 6º, que as únicas pessoas autorizadas a
emitir o MPF seriam: I - o Coordenador-Geral do Sistema de Fiscalização e o Coordenador-
Geral do Sistema Aduaneiro, com competência sobre todo o território nacional; II – os
139O desmonte visto por dentro. Revista Conexão, ano I, nº 4, agosto de 2000, p. 27. 140 Ibidem, p. 27.
99
Superintendentes da Receita Federal em cada região fiscal, e III - os Delegados da Receita
Federal e os Inspetores de Alfândegas, chefes em suas Unidades. Um AFRFB que trabalhasse
em Curitiba, por exemplo, deveria ter a autorização prévia e expressa do Delegado da DRF
naquela cidade para realizar a fiscalização. Assim, um Auditor-Fiscal que trabalhasse
diretamente com o contribuinte não tinha mais autoridade para efetuar uma fiscalização sem
autorização do seu chefe.
Por outro lado, este dispositivo obriga os AFRFB a adotarem procedimentos que
podem inviabilizar o elemento surpresa nas ações fiscais, fundamental para a obtenção da
prova - a rapidez e o elemento surpresa são fundamentais para destrinchar esquemas que
envolvem mais de uma empresa, por exemplo.141
A burocracia criada com o Mandado de Procedimento Fiscal (MPF) tem atrapalhado o
trabalho da Receita Federal e até inviabilizado a cobrança de multas. No caso de uma
fiscalização acontecer em mais de um estado da federação, o processo se torna mais
complicado. Se um auditor de Minas Gerais (6ª Região Fiscal), por exemplo, precisar intimar
uma empresa do Rio de Janeiro que mantenha relações com a pessoa jurídica que está
fiscalizando, deve solicitar que um MPF seja emitido no Rio. Ele enviará a solicitação ao seu
chefe de fiscalização, que, em seguida, enviará o pedido ao delegado e este repassará ao seu
superintendente que, por sua vez, fará contato com o superintendente da 7ª Região Fiscal (Rio
de Janeiro). Chegando lá, o superintendente acionará o delegado da Fiscalização, para que
este, finalmente, emita o MPF.
Se o Auditor-Fiscal de Minas precisar fazer uma fiscalização no Rio de Janeiro, o
superintendente de sua Região Fiscal precisa solicitar ao coordenador de Fiscalização ou de
Administração Aduaneira da 7ª Região, de maneira fundamentada, um MPF. Com a
velocidade com que algumas empresas têm desaparecido no Brasil, a intimação, talvez nem
seja respondida. Nesse caso, o auto de infração e o lançamento de crédito tributário, por mais
que sejam emitidos de acordo com a legislação, não terão a resposta esperada. O Estado deixa
de arrecadar e o provável sonegador já teve tempo suficiente para abrir mais algumas
empresas fantasmas.
Se, no plano técnico, o Mandado de Procedimento Fiscal (MPF) é confuso e dificulta o
trabalho dos fiscais, no plano jurídico também há muitos problemas. A Receita Federal
141BRASIL. SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. Portaria SRF 1.265/1999. Dispõe sobre o planejamento das atividades fiscais e estabelece normas para a execução de procedimentos fiscais relativos aos tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal. Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/Portarias/Ant2001/1999/portsrf126599.htm. Acesso em: 02/02/2011.
100
fundamentou as mudanças nos procedimentos de fiscalização tomando como base o
Regimento Interno da RFB da época (aprovado pela Portaria do Ministério da Fazenda, nº
227, de 03 de setembro de 1998). Esse Regimento Interno dava poderes ao Secretário da RFB
de “expedir atos administrativos de caráter normativo sobre assuntos de sua competência". Há
ainda uma inusitada interpretação do artigo 196 do Código Tributário Nacional (CTN), que
delega à "autoridade administrativa que proceder ou presidir a quaisquer diligências de
fiscalização", a tarefa de "lavrar os termos necessários para que se documente o início do
procedimento, na forma da legislação aplicável, que fixará prazo máximo para a conclusão
daquelas (diligências)". Nesse caso, o secretário da Receita Federal investiu-se do poder de
regulamentar e alterar artigos do CTN, usando para isso um instrumento completamente
inadequado, uma norma hierarquicamente inferior, a Portaria 1.265/99. Além disso, os artigos
194 e 195 do CTN fazem alusão à competência e poderes das autoridades administrativas,
condicionando a regulamentação de procedimentos em matéria de fiscalização à "legislação
tributária" e alertando para a inaplicabilidade de "quaisquer disposições legais excludentes ou
limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos
comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou da obrigação destes de
os exibi-los.
Em sentença proferida no final de 2000, a 8ª Vara Federal, do TRF - 1ª Região
concedeu a segurança solicitada pelo sindicato dos Auditores Fiscais, então chamado
Unafisco, em mandado que questionava a legalidade e a constitucionalidade da Portaria
1.265/99, que instituiu o Mandado de Procedimento Fiscal. O juiz do processo considerou
“colidente com outras normas tributárias que ocupam patamares mais elevados” todo o artigo
5º da portaria, que prevê prazo de cinco dias para emissão de Mandado de Procedimento
Fiscal mesmo diante de “flagrante constatação de contrabando, descaminho ou qualquer outra
prática de infração à legislação tributária”. “Não há dúvida de que a exigência de prévia
emissão do MPF-E, para que o auditor possa cumprir o seu dever, ante a constatação da
ocorrência de fato típico, é medida de efeito concreto que hostiliza o disposto no artigo 95 da
Lei 4.502/64 c/c artigo 9º do Decreto-Lei 1.024/69 e cerceia o direito e dever, líquido e certo,
do auditor executor da fiscalização”, dizia a sentença. Ele também considerou que o AFRF
responsável pela execução do MPF “pode e deve agir imediatamente, sob pena de colocar em
risco os interesses da Fazenda Nacional e arcar com os rigores da lei”. Dessa forma, a SRF foi
obrigada a rever e a alterar o artigo 5º da Portaria 1.265/99. 142
142Processo 2000.34.00.007786-5, “CESSAR EFEITOS DA PORTARIA SRF 1.265/99”. Disponível em www.sindifisconacional.org.br/mod_download.php?id. Acesso em 02/03/2009.
101
A Medida Provisória nº 1.915 de 29 de junho de 1999, instituiu, por meio de seu
artigo 7º, a Gratificação de Desempenho de Atividade Tributária - GDAT, devida aos
integrantes da Carreira Auditoria da Receita Federal no percentual de até cinquenta por cento,
incidente sobre o vencimento básico do servidor. Na prática, aquele servidor que não
obtivesse o grau máximo na avaliação arcaria com uma redução salarial, em comparação com
o que recebia antes da instituição da gratificação. Ocorreram casos, inclusive, de Auditores
que casa tiveram seus vencimentos reduzidos, mesmo obtendo a avaliação máxima, sendo
necessária uma intervenção sindical junto ao Judiciário para que fosse cumprido o preceito
constitucional de irredutibilidade de vencimentos. Além disso, os critérios para a avaliação
eram subjetivos. Havia, por exemplo, quesitos como “dedicação e compromisso com a
instituição”, “qualidade e produtividade”, “atendimento ao público”, “conhecimento do
trabalho e autodesenvolvimento”, “criatividade e iniciativa” e “disciplina e relacionamento
interpessoal”, estabelecidos por uma Portaria do Ministério da Fazenda.143
A 12ª Vara do TRF – 5ª Região concedeu, em 2001, liminar a um AFRFB que
recorrera ao Judiciário contra o resultado de sua avaliação de desempenho referente aos meses
de abril, maio e junho de 2000. O juiz determinou a anulação da avaliação realizada pelo
superintendente da 3a Região Fiscal, com atuação no estado do Ceará, que baixava a
pontuação do Auditor, e fixou a GDAT (Gratificação de Desempenho por Atividade
Tributária) do Auditor-Fiscal pelo máximo.
Para o juiz responsável pela decisão, o excesso de poder conferido pelo instituto da
avaliação aos administradores da Secretaria da Receita Federal "é temerário", pois pode
"desvirtuar e até mesmo inverter" sua finalidade, que seria promover a eficiência no serviço
público. Ele destacou que, embora a eficiência seja hoje um dos princípios constitucionais que
devem reger o serviço público, "não é o único e nem mesmo o principal critério" para se
pautar a administração pública.
Os critérios para a avaliação são inteiramente subjetivos, é mais provável que disso resulte não um maior desempenho, mas uma relação hierárquica marcada pelo medo e insegurança, bem como o servilismo, obediência cega e acrítica, troca de favores e outros vícios que elevam ao cubo a ineficácia e a irracionalidade na atividade da administração pública. (...) O que deve ser perseguido não é a eficiência máxima – sonho de todo tecnocrata –, mas aquela compatível com os demais critérios, isto é, a eficiência 'ótima', um grau de desempenho tão elevado quanto o que permite a legalidade, a impessoalidade, a moralidade e a publicidade.144
143BRASIL. Secretaria da Receita Federal. Portaria 625 de 12 de abril de 2000. Dispõe sobre a Avaliação de Desempenho Individual dos integrantes da Carreira Auditoria da Receita Federal. 144Processo 2000.34.00.007786-5, “CESSAR EFEITOS DA PORTARIA SRF 1.265/99”.
102
O Projeto de Lei 77/1999, patrocinado pelo governo, propunha uma alteração no
Código Tributário Nacional e que retiraria as prerrogativas de lançamento de crédito tributário
dos auditores-fiscais, entregando-as à Secretaria da Receita Federal. Isso poderia levar com
que só os chefes fossem competentes para lavrar autos de infração, por exemplo,centralizando
em poucas pessoas, que poderiam ser indicadas para os cargos por motivos políticos, a
autorização para a fiscalização de uma empresa ou pessoa física suspeitas. Essa alteração não
foi aprovada, em parte pela grande pressão contrária feita pelo sindicato da categoria.145
A Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal nº 106 de 25 de agosto de
1998, editada durante uma greve dos servidores da RFB, autorizava “em caráter temporário” a
importação e exportação de mercadorias sem qualquer controle aduaneiro, bastando ao
importador a apresentação do extrato da Declaração de Importação (DI) ou Declaração de
Exportação (DE) documentos preenchidos pelo próprio interessado. Apesar de seu caráter
temporário, só foi revogada em 2009, pela Instrução Normativa nº 957, de 16 de julho. 146
A Lei 9.430/96, impede que os AFRFB representem ao Ministério Público por
crimes contra a ordem tributária enquanto não terminada a fase litigiosa administrativa. In
literis:
Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem
tributária definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, será
encaminhada ao Ministério Público após proferida a decisão final, na esfera
administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.
Esse artigo bloqueia a informação da ocorrência de um crime ao Ministério Público.
Ao mesmo tempo em que o AFRFB lavra um auto de infração em razão da verificação de
algum ilícito tributário configurado como crime, segundo a Lei 8.137/1990, faz uma
representação fiscal para fins penais que fica apensada ao auto de infração até o final da
decisão administrativa que julgar o auto. Na prática, esse artigo facilita a prescrição da
punibilidade criminal e permite que o suspeito infrator continue a cometer irregularidades por
mais tempo, haja vista que o MP demora mais a ter ciência do crime.
Ao juntarmos o art. 83 da Lei 9.430/96 ao art.34 da Lei 9.249/95, apresentado abaixo,
verificamos que o trabalho do AFRFB de contribuir para o combate dos crimes tributários fica
muito mitigada, haja vista que o agente que cometeu o delito pode, facilmente, escapar da
punibilidade.
145Projeto de Lei 77/1999. Altera dispositivos da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional. 146BRASIL, Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal. Instrução Normativa nº 957/2009. Altera a Instrução Normativa SRF nº 680, de 2 de outubro de 2006, que disciplina o despacho aduaneiro de importação, e revoga a Instrução Normativa SRF nº 106, de 25 de agosto de 1998.
103
Art. 34. Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na Lei nº 8.137, de 27 de
dezembro de 1990, e na Lei nº 4.729, de 14 de julho de 1965, quando o agente
promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes
do recebimento da denúncia.
Como se não bastasse, o REFIS (Programa de Recuperação Fiscal), criado pela Lei nº
9.964/2000, em seu artigo 15, impede a representação fiscal contra quem aderir ao programa.
Art. 15. É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e no art. 95 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no Refis, desde que a inclusão no referido Programa tenha ocorrido antes do recebimento da denúncia criminal.
Essa Lei ainda autoriza a pessoa jurídica que aderir ao Programa parcelar o débito em
até 60 meses e compensar multa e juros com prejuízos fiscais próprios ou de terceiros.
O Governo FHC também tentou transformar a Receita Federal numa autarquia, com
que se distanciaria da administração direta, adquirindo personalidade jurídica própria. Desde
1996, ocorreram tentativas de incluir a alteração institucional em projetos de reestruturação
salarial das carreiras da Receita.
Com a autarquização haveria a possibilidade de transformar a Secretaria da Receita
Federal numa agência executiva, esvaziada das funções do planejamento tributário.O Decreto
2.487, de 1998, que dispõe sobre a qualificação de autarquias e fundações como Agências
Executivas permite com um simples ato presidencial, segundo o parágrafo 2° do art. 1º,
transformar a Receita Federal autarquizada em uma dessas agências. Com a criação dessa
agência, os gestores da “nova Receita” poderiam fazer uma limpeza nos quadros, seja para
afastar os que não se enquadrassem nos novos critérios de "produtividade" ou simplesmente
para obter reduções de custos, como mandam os tais princípios gerenciais do neoliberalismo.
Poderiam, ainda, tirar do caminho funcionários "incômodos", que não se sujeitassem a todas
as ordens.147
Em 25 de novembro de 1999, o Presidente do PFL, então segundo maior partido da
base de sustentação parlamentar do do governo, apresenta um Projeto de Lei Complementar
que dispunha sobre os direitos e as garantias do contribuinte, conhecido como Código de
Defesa do Contribuinte, logo apelidado pela categoria dos AFRFB de Código de Defesa do
Sonegador. Se aprovada, tal proposta dificultaria muito o trabalho dos Auditores-Fiscais, pois
estabelecia diversos entraves ao seu trabalho. Efetivamente, a proposta de Lei, se aprovada,
147 Governo aposta alto na autarquização da Receita. Revista Conexão, ano II, n° 10, p.27.
104
facilitaria a sonegação, principalmente das grandes empresas, que têm possibilidade de arcar
com custos com assessoria jurídica e planejamento tributário. Abaixo estão algumas propostas
contidas no projeto:
• O Auditor-Fiscal da Receita Federal (AFRF) não poderia mais examinar documentos e
livros do ICMS e do ISS (art.37, parágrafo único);
• A ação judicial de quebra do sigilo bancário só poderia ser proposta após o encerramento do
processo administrativo que comprove a irregularidade fiscal (art. 43);
• As fiscalizações não poderiam durar mais de 120 dias, prorrogáveis por mais 120 dias (art.
46, parágrafo único);
• O AFRF não poderia mais solicitar auxílio de força policial, sem mandado judicial para
diligenciar ou fiscalizar no domicílio do contribuinte (art. 37, V);
• O termo de início de fiscalização deveria circunscrever, precisamente, o objeto a ser
fiscalizado e vincularia a Administração Fazendária (art. 46);
• Os devedores da União, estados e municípios poderiam participar de licitações (art. 14 e art.
50, que revoga o art. 193 do CTN);
• A personalidade jurídica somente poderia ser desconsiderada pelo Poder Judiciário (art. 16);
• O contribuinte prestaria informações à Secretaria da Receita Federal (SRF) apenas por
escrito, no prazo não inferior a cinco dias (art. 19, VIII);
• A RF deveria fornecer ao contribuinte, no prazo de 45 dias, resposta fundamentada de pleito
formulado, sob pena de responsabilidade funcional (art. 19, XII);
• O AFRF deveria avisar o contribuinte, com cinco dias de antecedência, quando for realizar
diligência (art. 23, parágrafo 2º);
• Antes de lavrar auto de infração, o AFRF deveria intimar o contribuinte a apresentar defesa
prévia para análise (art. 28);
• As consultas dos contribuintes teriam que ser respondidas no prazo máximo de 45 dias,
prorrogável uma única vez por igual período. A ausência de resposta no prazo implicaria
aceitação, pela Administração Fazendária, da interpretação e do tratamento dado pelo
contribuinte (art. 31, I e III).
Esse Projeto de Lei Complementar só definitivamente arquivado em 10 de janeiro de
2011. 148
148 Projeto de Lei 646/1999. Dispõe sobre os direitos e as garantias do contribuinte e dá outras providências. Autor: Jorge Bornhausen. Disponível em: http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=42572. Acesso em: 15/03/2010.
105
A Portaria SRF 695/99, conhecida como Portaria da Mordaça, determinava que o
AFRF deveria pedir autorização da administração para dar aulas ou palestras, mesmo fora de
seus horários de trabalho.149
A Portaria SRF 1.788/98 atacava o direito de greve ao proibir que os AFRFB em
estágio probatório participassem de paralisações da categoria. A inconstitucionalidade da
portaria foi reconhecida judicialmente, em processo ajuizado pelo Unafisco Sindical na 16ª
Vara Federal, em Brasília.150
A Portaria SRF 1.582/00 tentava limitar a atuação sindical, liberando por apenas cinco
dias úteis por ano a participação dos auditores em eventos sindicais e a apenas dois AFRFB
por unidade da SRF. Foi assinada dias após o Conaf (Congresso Nacional dos Auditores-
Fiscais da Receita Federal), em novembro de 2000. A medida caiu por meio da Justiça, que
garantiu o direito constitucional de liberdade sindical.151
Em 1999, o governo buscava a aprovação de uma alteração do Código Tributário
Nacional (CTN) – Lei 5.172/66 – que retiraria dos auditores a prerrogativa do lançamento dos
créditos tributários e da aplicação dos autos contra ilícitos fiscais. Essa prerrogativa passaria a
ser da instituição e não do agente público concursado. Tal proposta não vingou.
Apesar da maioria dessas alterações relativas ao trabalho dos AFRFB terem sido
propostas no Governo Fernando Henrique Cardoso, em meados de 2005 o sindicato dos
AFRFB, por intermédio de sua revista “Conexão”, ainda reclamava do desmanche da Receita,
no meio do primeiro mandato de Lula. Segundo o Sindifisco, havia carência de mão-de-
obra,fragilidade da infra-estrutura, lixo normativo e o processo de burocratização do trabalho
do auditor-fiscal, que comprometiam os resultados do trabalho de fiscalização. Para o
Sindicato, o desmonte da máquina administrativa, em especial, da Receita Federal foi
resultado direto da política de Estado Mínimo, “adotada pelos últimos governos”. Como
exemplo, relataram que na década de 1980 havia cerca de 12.500 auditores trabalhando na
instituição, enquanto que no final de 2004 eram 7.600. A terceirização seria a solução
149BRASIL, Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal. Portaria 695 de 21 de julho de 1999. Estabelece normas para participação de servidores em cursos e outros eventos similares que se realizem por iniciativa ou sob o patrocínio de pessoas jurídicas de direito privado ou de pessoas físicas. Disponível em: http://sijut.fazenda.gov.br/netacgi/nph. Acesso em 15/03/2010. 150 BRASIL, Ministério da Fazenda, Secretaria da Receita Federal. Portaria 25 de agosto de 1998. Dispõe sobre o estágio probatório dos integrantes da Carreira Auditoria do Tesouro Nacional. Disponível em: http://sijut.fazenda.gov.br/netacgi/nph-brs?s1=P0000017881998082501$.CHAT.%20E%20SRF.ORGA.%20E%2019980826.DDOU.&l=0&p=1&u=/netahtml/sijut/Pesquisa.htm&r=0&f=S&d=SIAT&SECT1=SIATW3. Acesso em 15/03/2010. 151 BRASIL, Ministério da fazenda, Secretaria da Receita Federal. Portaria nº 1582 de 23 de novembro de 2000. Estabelece normas para requerimento e concessão de dispensa de ponto de integrante da Carreira Auditoria da Receita Federal para participação em eventos promovidos pelas respectivas entidades sindicais. Disponível em: http://www2.unafisco.org.br/juridico/portaria_1582.htm. Acesso em 15/03/2010.
106
encontrada pela área econômica do governo para a carência de pessoal, a tem apontado como
solução o modelo de terceirizações, como forma de “economizar” na folha de pagamento para
utilizar os recursos em investimentos.152
Também proposta e aprovada no transcorrer do Governo Lula, a Lei 11.890, de 24
dezembro 2008, que dispõe sobre a reestruturação da composição remuneratória das Carreiras
de Auditoria da Receita Federal do Brasil, de iniciativa do Executivo, estabeleceu o Sistema
de Desenvolvimento na Carreira (SIDEC). O SIDEC determina que o desenvolvimento na
carreira dos AFRFB se dará “em virtude do mérito de seus integrantes e do desempenho no
exercício das respectivas atribuições”. Ele estabelece que a participação em programas e
cursos de aperfeiçoamento ministrados por escola de governo constituirá requisito obrigatório
para a promoção. Dispõe ainda que para fins de progressão, serão considerados os resultados
da avaliação de desempenho individual do servidor. A promoção, por sua vez, será baseada no
acúmulo de pontos a serem atribuídos ao servidor em virtude dos seguintes fatores:
Art 156 - ..................................................... I - resultados obtidos em avaliação de desempenho individual; II - freqüência e aproveitamento em atividades de capacitação; III - titulação; IV - ocupação de funções de confiança, cargos em comissão ou designação para coordenação de equipe ou unidade; V - tempo de efetivo exercício no cargo; VI - produção técnica ou acadêmica na área específica de exercício do servidor; VII - exercício em unidades de lotação prioritárias; e VIII - participação regular como instrutor em cursos técnicos ofertados no plano anual de capacitação do órgão. § 1o Além dos fatores enumerados nos incisos I a VIII do caput deste artigo, outros fatores poderão ser estabelecidos, na forma do regulamento, considerando projetos e atividades prioritárias, condições especiais de trabalho e características específicas das Carreiras ou cargos. § 2o Ato do Poder Executivo definirá o peso de cada um dos fatores, os critérios de sua aplicação e a forma de cálculo do resultado final. .................................................. Art. 159. O índice de pontuação do servidor no SIDEC poderá ser usado como critério de preferência em: I - concurso de remoção; II - custeio e liberação para curso de longa duração; III - seleção pública para função de confiança; e IV - premiação por desempenho destacado. Parágrafo único. Ato do Poder Executivo definirá em que casos será utilizado o índice de pontos do SIDEC e a forma de sua aplicação. 153
Dos oito fatores que influenciam no SIDEC quatro não dependem do AFRFB
avaliado. A julgar pela experiência da GDAT, a avaliação do desempenho individual poderá
152Estado Mínimo: o desmanche da Receita Federal Revista Conexão, ano V, n° 32, julho de 2005, p. 04. 153 BRASIL. Lei n° 11.890, de 24 de dezembro de 2008. Dispõe sobre a reestruturação da composição remuneratória das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil e Auditoria-Fiscal do Trabalho, de que trata a Lei nº 10.910, de 15 de julho de 2004...e dá outras providências. Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacao-1/leis-ordinarias/2008#content. Acesso em 15/05/2010.
107
ter critérios subjetivos (art. 158, inciso I). A ocupação de cargos de confiança e assemelhados
é de competência exclusiva das chefias (inciso IV). O local de exercício do AFRFB depende,
em geral, de sua colocação no concurso externo, de entrada na RF(VII). A participação como
instrutor depende de convite ao AFRFB (VIII).
Além disso, regulamento poderá estabelecer outros fatores e ato do Poder Executivo
estabelecerá os pesos de cada fator. Assim, é possível que aqueles fatores que não dependem
do AFRFB tenham um peso final muito maior para o SIDEC.
Finalmente, é informado (art. 159) que o índice do SIDEC pode premiar o servidor.
Ou seja, aquele Auditor-Fiscal que tem cargo de chefia ganha maior pontuação do que outro
que não é chefe (art. 156, IV). Com isso, ele tem maior possibilidade de ser selecionado para
outro cargo de confiança(art. 159, III), que, novamente, lhe dará maior pontuação, criando um
círculo vicioso no qual são privilegiados aqueles ligados à Administração. Por enquanto, o
Poder Executivo não editou os atos que regulamentarão o SIDEC.
Adiante é apresentada uma tabela com um resumo dessas mudanças na legislação com
referência a assuntos pertinentes ao trabalho dos servidores da Receita Federal, desde 1994.
Toda esta legislação foi mostrada no intuito de se verificar as inúmeras tentativas de
levadas adiante pelo governo federal diminuir o poder dos AFRFB, transferindo-os para o
chefe. Não há como negar que todas as iniciativas propostas mantém um viés de diminuição
do poder do AFRFB enquanto autoridade administrativo-tributária. Em todas as iniciativas de
criação de nova legislação apresentadas anteriormente há elementos que promovem a
diminuição das competências do Auditor-Fiscal, enquanto servidor, transferindo-as para as
chefias, em especial para os Inspetores-Chefe (nas Alfândegas) ou Delegados (nas Delegacias
da Receita Federal). Assim, o poder que é distribuído entre 200, 300 ou até 600 servidores em
cada unidade, passaria a se concentrar nas mãos de um só.
108
Tabela 4: Alterações na Legislação relativas à RFB
Legislação Título Assunto Situação
Portaria SRF 1.265/1999
Mandado de Procedimento Fiscal
AFRFB dependem de autorização das chefias para fiscalizar.
Substituído pela Decreto 6.104/2007, em vigor.
MP 1.915/1999 GDAT Gratificação com base em critérios subjetivos
Revogada.
PL 77/1999 Altera o CTN Retira prerrogativa de lançamento dos Auditores-Fiscais
Não aprovado.
IN SRF 106/1998
Exportação e importação
Autoriza importação e exportação sem controle aduaneiro
Revogada em 2009.
Lei 9.430/96, art. 83
Legislação tributária federal
Impede que AFRFB representem ao MPF antes de terminado litígio administrativo
Em vigor.
Lei 9.249/ 95, art. 34
Altera a legislação do IR Extingue a punibilidade de quem pagar o tributo antes da denúncia ao Judiciário.
Em vigor.
Lei 9.964/2000, art. 15
Cria o REFIS Impede a representação ao MPF de quem estiver incluído no Programa.
Em vigor.
Decreto 2.487/1998
Dispõe sobre agências reguladoras
Poderia transformar uma Receita autarquizada em agência
Em vigor.
PLC 646/1999 “Código de Defesa do Contribuinte”
AFRFB não poderia mais examinar documentos de ICMS e ISS e solicitar auxílio de força policial. As fiscalizações não poderiam durar mais de 120 dias. Os devedores da união poderiam participar de licitações, etc.
Rejeitada.
Portaria SRF 695/1999
“Portaria da Mordaça”
AFRFB precisa pedir autorização à Administração para dar aulas ou palestras, mesmo fora do horário de expediente.
Em vigor.
Portaria SRF 1.788/1998
Disciplina estágio probatório
Proibia que AFRFB em estágio probatório participassem de greve
Derrubada na Justiça.
Portaria SRF 1.582/2000
disciplinava liberação de servidores da RFB para participar de atividades sindicais
Limitava a participação de AFRFB a cinco dias úteis por ano e dois por unidade da Receita federal.
Derrubada na Justiça.
Lei 11.890/2008, art. 156 a 159
SIDEC – Sistema de desenvolvimento na Carreira
Avaliação subjetiva de AFRFB para fins de promoção e outros.
Em vigor. Falta regulamentação.
Fonte: Câmara de Deputados, Senado Federal e Sindifisco.
Creio que a razão da ocorrência de casos de assédio moral contra servidores públicos,
em especial aqueles lotados na Receita Federal do Brasil (RFB) se encaixa na ação de
desmonte do Estado Brasileiro. Busca-se transformar a RFB de um órgão de Estado para um
109
ente governamental, manipulado de acordo com os interesses dos poderosos de plantão. Para
fazer isso, entretanto, é necessário, preliminarmente, atacar os servidores desse órgão,
constitucionalmente constituídos como autoridades fiscais e administrativas, com atribuições
exclusivas, as quais nem os chefes do Executivo, do Legislativo ou do Judiciário têm.
Retirando o poder dessa categoria profissional poder-se-ia, com mais facilidade, levar adiante
o plano de fragilizar a Receita Federal do Brasil, no sentido de fazê-la atender a interesses
particulares.
3.4 – Uma Pesquisa sobre a Instituição
Em 2007 o Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ (Universidade
Federal do Rio de Janeiro, por meio do Laboratório de Tecnologia e Desenvolvimento Social,
foi procurado por integrantes do sindicato dos AFRFB, SINDIFISCO, à época, UNAFISCO,
que buscavam meios para melhor conhecer as condições em que trabalham os profissionais
que a entidade representa. O interesse em dispor dessa pesquisa devia-se à preocupação com
as transformações que vem sofrendo a carreira do auditor fiscal, em termos de conteúdo e
competência, assim como de padrão de remuneração e de condições para exercício de suas
funções.
Segundo o sindicato, o trabalho desses profissionais estaria cada vez mais focado na
função de arrecadar, em detrimento da busca de uma política fiscal justa.Apontaram ainda a
existência de uma forte pressão por produção. Haveria um desânimo entre os auditores e um
elevado número de licenças médicas concedidas por condições como síndrome de pânico,
depressão, hipertensão, etc.
O objetivo geral do estudo proposto foi fazer um diagnóstico das atuais condições de
trabalho dos auditores fiscais no Rio de Janeiro, de forma a identificar e qualificar o clima
organizacional e as condições de trabalho dos auditores fiscais.
A partir de conversas preparatórias com integrantes do sindicato, foi preparada uma
pesquisa quantitativa com os auditores fiscais. Essa pesquisa abrangeu as condições de
trabalho dos auditores fiscais e o clima organizacional em que atuam. Foi definido que, para
buscar o maior número possível de respostas, seria usado um questionário com grande
maioria de questões fechadas, que pudesse caracterizar: o perfil do respondente e sua visão
sobre suas condições de trabalho e sobre o clima e as relações no ambiente em que
desempenha suas funções, sem identificação individual.
110
Em relação aos dados obtidos pela pesquisa quantitativa, verificou-se que 55% dos
entrevistados estava insatisfeito em relação à exequibilidade das metas atribuídas à sua
unidade (delegacia ou alfândega) e 52% demonstravam insatisfação em relação às metas
individuais.
O relacionamento entre chefia e subordinados foi considerado insatisfatório para
33,3% do universo pesquisado, 46,2% estavam insatisfeitos em relação à política de
administração de pessoal, 56,2% quanto à valorização de qualidades e conhecimentos. 43,9%
demonstravam insatisfação quanto à experiência e capacidade das chefias e 69,3% em relação
ao processo decisório sobre o trabalho.
Eram 78,6% os AFRFB insatisfeitos quanto à visão de futuro da RFB. 25,8% se
disseram insatisfeitos com o apoio que recebiam de chefes e colegas enquanto que 28,6%
demonstravam insatisfação com seu superior hierárquico.
metas atribuídas à unidade
metas atribuídas ao servidor
relacionamento entre chefia e subordinado
política de administração de pessoal
valorização de qualidades e conhecimentos
experiência e capacidade das chefias
processo decisório
visão de futuro da RFB
apoio de chefes e colegas
superior hierárquico
0 10 20 30 40 50 60 70 80 90
Gráfico 1: Índice de Satisfação dos AFRFB
INsatisfação com (%):
Dentre os itens pior avaliados na pesquisa estavam a “concepção da política de RH”,
55º em 60 avaliados; “empenho da administração em valorizar o AFRFB”, 56º, “condições
para assumir chefias”, 57º.
Dentre os fatores de desmotivação no trabalho dos AFRFB forma citados pelos
entrevistados a relação com a chefia, 10,6%, tempo, recursos e condições para atingir meta de
produtividade, 24,5%, não ser valorizado e reconhecido pelo trabalho que executa, 38,4%,
não ser ouvido, 12, 1%.
111
relação com a chefia
falta de tempo, recursos e condições para atingir a meta
não ser reconhecido e valorizado
não ser ouvido
0,00% 5,00% 10,00% 15,00% 20,00% 25,00% 30,00% 35,00% 40,00% 45,00%
Gráfico 2: Fatores de Desmotivação no Trabalho
Em %
Dentre os principais motivos das licenças médicas, o estresse, a depressão e a estafa
aparecem com 23,2%, só perdendo para as cirurgias, 34,3%.
Segundo a pesquisa, parece que a satisfação com o trabalho influencia o número de
licenças médicas usufruídas. Os AFRFB que se consideravam muito insatisfeitos com o nível
hierárquico superior tiveram quase 15 vezes mais licenças médicas nos últimos cinco anos
anteriores à pesquisa do que aqueles que se diziam muito satisfeitos com as chefias.
Nas contribuições espontâneas obtidas pela pesquisa podemos destacar algumas falas
exemplificativas em relação à falta de política para recursos humanos:
“As chefias estão sendo escolhidas sem qualquer critério técnico.” “Os chefes estão sendo escolhidos sem o devido saber técnico.” “Diante do clima organizacional do momento há uma inversão de valores na escolha da ocupação dos cargos de chefia. Os funcionários competentes não querem ser indicados por falta de motivação, deixando o lugar vago para os servidores inexperientes, mas ambiciosos.”
Em geral os AFRFB manifestaram o desejo de serem respeitados, valorizados e
ouvidos pela administração da SRF. Eles solicitaram:
“Valorização profissional e remuneração justa.” “Que a alta cúpula da Receita Federal ouça mais os auditores.” “Tratamento respeitoso ao AFRF em todos os sentidos.” “Valorização profissional e remuneração justa.” “Plano de carreira, recuperação da autoridade funcional do Auditor”. “Respeito, legislação, plano de carreira, remuneração isonômica”.’ “Colocar todos os auditores trabalhando onde gostam, e, caso não seja possível (o que duvido), ao menos não colocá-los onde odeiam, prática bem comum na SRF.” “Gostaria de ser voltar a ser respeitado pelo trabalho que já realizei no órgão, gostaria de trabalhar no setor em que tenho melhor desempenho, gostaria que os auditores que ocupam cargos de chefia respeitassem os seus colegas subordinados...”
112
Houve também manifestação de desejo pelo preenchimento de cargos de chefia com
base na competência técnica:
“Escolha de chefia competente para as pessoas.” “Interação das chefias com seus subordinados e alguma perspectiva de ascensão funcional que não dependa de indicação política.”
Em termos institucionais, manifestaram o desejo de que a SRF tenha uma atuação autônoma de ingerências políticas, baseada em uma política fiscal justa:
“A Receita Federal não pode sofrer influência de políticos. Ela tem que ser autônoma e a legislação tem que privilegiar os decentes e punir os indecentes.” “A Receita tem que deixar de ser um órgão de disputas políticas.” “Tributação justa, inclusão digna dos demais servidores nos quadros da Receita (SOAPs e PCCs), administração moderna - justa, eficaz e eficiente -, eliminação de permanentes ameaças de perda de prerrogativas...” “Que a SRF não seja usada como instrumento de tortura para a classe média, e que possamos realmente tributar aqueles que têm capacidade contributiva.”
Da pesquisa realizada, podemos tirar algumas conclusões iniciais. De pronto
verificamos a insatisfação de muitos AFRFB com as chefias e o modo como a Instituição é
comandada. Alguns fatores de desmotivação são potenciais detonadores de casos de assédio
moral. Mal relacionamento com a chefia, falta de tempo, recursos e condições para atingir
meta de produtividade, sentimento de não ser valorizado e reconhecido pelo trabalho que
executa, reclamação por não ser ouvido pelos superiores são campo fértil para o lançamento
de sementes de assédio.
Problemas na escolha dos chefes também ajudam nesse quadro favorável à ocorrência
do fenômeno. Causam, muitas vezes dificuldades no relacionamento com os subordinados e
falta de apoio mútuo. Como dito por um entrevistado, as funções de chefia estariam sendo
ocupadas por “servidores inexperientes, mas ambiciosos”. Quando do contato com o sindicato
da categoria, foi informado que em várias unidades do Órgão estavam ocorrendo problemas
de assédio moral, em razão um novo estilo de comandar, por parte das chefias, que parecia
reproduzir um modo de conduta vindo de escalões mais altos da RFB. Parecia que os novos
chefes já eram escolhidos com base na existência desse perfil. Assim, a RFB buscaria para
assumir as funções de chefia pessoas com características que poderiam ser exploradas para
levá-los a transformarem-se em assediadores.
Deste forma, mais e mais exigia-se do servidor público da RFB a adequação ao
modelo de trabalhador perfeito, sonhado por Ford e Taylor no início do século passado e
113
analisado, posteriormente por Gramsci, quando da sua efetiva implantação. Os chefes para
realizar o controle dos “operários” já estavam escolhidos. A legislação foi transformada para
retirar a autonomia do servidor de ponta. Tentou-se, inclusive, com propostas de emendas
constitucionais, retirar algumas garantias históricas do servidor público, como a estabilidade.
Um dos critérios, aliás, para analisar o desempenho do servidor seria, sintomaticamente, a
produtividade.
O fordismo e, posteriormente o pós-fordismo, buscam através da criação de um novo
trabalhador, fazer surgir um novo homem. Esses conceitos tornam-se hegemônicos na
mentalidade social e agora parece ser o momento de se criar um novo servidor público.
No mesmo caminho há a ocorrência de assédio moral na Receita Federal. O fenômeno
está embutido na necessidade de cristalização do “Estado mínimo” da proposta neoliberal. O
quadro geral percebido com a pesquisa é de desânimo com o caminho trilhado pela Instituição
ao longo dos últimos anos e preocupação com a ocorrência de fenômenos que violentem o
trabalhador da Receita Federal, como o assédio moral. Chefes sem experiência, com pouco
conhecimento da história da Instituição mas com grande ambição são interessante instrumento
para a efetivação do fenômeno no Serviço Público federal e, em especial na Receita Federal
do Brasil. As respostas à pesquisa feita com os Auditores-Fiscais nos mostra a construção de
um cenário ideal para a ocorrência do fenômeno. Licenças médicas baseadas em estafa,
estresse e depressão são o exemplo clássico do que ocorre em organizações públicas
contaminadas pelo assédio moral.154
154 HIRIGOYEN, Marie-France, Mal-estar no Trabalho: Redefinindo o assédio moral, p. 124.
114
4 – Entrevistas com atores e observadores do assédio moral
As entrevistas iniciais foram feitas com três Auditores-Fiscais da Receita Federal do
Brasil que se disseram assediados moralmente pelos chefes das Unidades da Receita na qual
trabalhavam. Os três entrevistados escolhidos correspondem a três tipos clássicos de
assediados segundo Marie-France Hiregoyen: 1- aquele que está com alguma dificuldade
momentânea, encontrando-se fragilizado, no caso específico com uma doença prévia; 2 -
aquele considerado menos “produtivo”, “lento”, que demora a se adaptar às mudanças que
ocorrem no ambiente de trabalho e, por fim, 3 - aquele exemplo de trabalhador que resiste à
padronização exigida pela organização, considerado idealista.155 Esses servidores foram
entrevistados não só para expor suas experiências como para opinar sobre o fenômeno do
assédio moral.
Outros dois grupos de trabalhadores da Receita Federal também foram entrevistados a
fim de obter considerações de outros trabalhadores da Receita Federal que não foram , a
princípio, vítimas do assédio moral. Todos os entrevistados são Auditores Fiscais. Foram três
dirigentes sindicais e três administradores que ocupavam altos cargos de chefia na Receita
Federal do Brasil.
Com todos foi feita uma entrevista do tipo semi-aberto, nas quais as perguntas serviam
mais como um roteiro a fim de que os entrevistados pudessem melhor expor suas opiniões.
Dividi, então, os entrevistados em três categorias: assediados 1, 2 e 3, dirigentes sindicais 1, 2
e 3 e, finalmente, administradores 1, 2 e 3.
Todos os entrevistados tinham uma boa noção do que é assédio moral e concordaram
com a definição apresentada no sítio do Ministério do Trabalho na internet, que é a seguinte:
É toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, escritos, comportamento, atitude, etc.) que, intencional e frequentemente, fira a dignidade e a integridade física ou psíquica de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.156
O entrevistado assediado 1, que apresenta mais fortemente as características daquele
trabalhador que resiste à padronização exigida pela organização, achou que falta à definição
uma observação quanto à questão social:
“Me dá a impressão que a compreensão jurídica só entende o ente como psicológico.
155HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-Estar no Trabalho. Redefinindo o assédio moral. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 2009, p. 220 a 225. 156 Disponível em: http://www.mte.gov.br/trab_domestico/trab_domestico_assedio.asp. Acesso em: 25/06/2009.
115
Falta alguma coisa de cunho social. Falta a integridade social. Que, às vezes, não é
psicológica. Você está psicologicamente suportando aquilo, mas está degradando seu
ambiente social ou familiar, mas psicologicamente você está suportando aquilo. Você não
está se sentindo ferido.”
O assediado 2 discordou da necessidade de que os atos tenham que ser frenquentes
para que se caracterize assédio moral. Para ele “Você pode ter uma ação só que caracterize
assédio moral. Forçar alguém a um agir que vá contra ao que a pessoa queria.”
Em relação à opinião que os entrevistados têm sobre a existência de assédio moral na
Receita Federal do Brasil, nos grupos dos assediados e dos dirigentes sindicais todos foram
unânimes em afirmar que existe o tipo interpessoal e apenas um dirigente discorda da
ocorrência de assédio moral organizacional. No grupo de entrevistados formados por
administradores, apenas um entende ser possível sua ocorrência, mas apenas o assédio moral
interpessoal.
O assediado 2, aquele que mantém mais fortes os elementos encontrados no tipo de
trabalhador-vítima considerado menos “produtivo”, “lento”, que demora a se adaptar às
mudanças que ocorrem no ambiente de trabalho, acredita que:
“Na Receita existem o assédio moral interpessoal e o organizacional. Há aquele tipo
psicopata. Querem estar sempre no poder. O poder é o alvo deles. O poder de pessoas
doentes. Não é o poder para fazer o bem para o país, para você fazer o bem para o país. Não
é esse o sentido. ‘Eu mando, eu faço.’ Humilha o cara. Tem muita psicopatia nesse meio e tem
aqueles alienados, desinformados, não sabe nem o que ele diz. São formados, passam no
concurso, mas não sabem discernir. Fazem por isso.
Assédio moral organizacional existe na Receita com certeza absoluta. Está grudada
nela. Esse assédio moral organizacional não é só no Brasil. Vem do exterior. Existem os
perversos que querem manusear a Receita para que ela não faça seu trabalho. Essa
perversão vem de fora e aqui tem os marionetes. Esses elementos são preparados para ficar
numa posição estratégica e fazer o que o exterior quer fazer. O que aqueles países querem
fazer com outros países em termos de domínio. Esses alienados estão a trabalho desse tipo de
instituição. Existe um comando central nisso aí. Muitos são comandados sem saber, tipo
marionetes. Os líderes estariam em Brasília.”
Para o assediado 1:
“Acho que o assédio moral interpessoal e o organizacional existem na Receita
116
Federal. Interpessoal nessa questão de interesses escusos e muitas vezes por outros motivos
mais brandos e na própria Instituição, talvez por que os interesses escusos na própria
Instituição tenham ocorrido numa conversa com os dirigentes da Instituição e ela vai, de
forma dependente, uma maneira de desmerecer o funcionário se ele não estiver de acordo
com o modus operandi, que tende a fragilizar um pouco a fiscalização como um todo e quem
tenta se rebelar contra isso acaba se sujeitando a uma modelagem onde ele fica desmerecido.
Uma modelagem que vem proposta como uma nova visão da Instituição e um novo modelo de
agir.”
Para o assediado 3, aquele cujo perfil se encaixa no tipo daquele que está com alguma
dificuldade momentânea, encontrando-se fragilizado, no caso específico com uma doença
prévia :
“Do escalão intermediário para baixo a coisa não é tão pensada, mas nos escalões
superiores se gosta que não haja na Receita uma hierarquia profissionalizada. A hierarquia
nossa é muito mutante e acho que isso é utilizado pela classe política para dominar o Estado,
usada pelo Governo para dominar o Estado. A ameaça de o chefe perder a função é
constante. As decisões estão sempre contaminadas por esta questão, de defesa, de estar em
uma chefia de uma forma muito precária. Muita gente assume uma função de chefia na
Receita Federal por vaidade, por ser carreirista e acaba passando isso para baixo. E onde
isso é formado? No núcleo que não quer consertar isso. Porque aprendeu que é bom. Você
domina. As pessoas, na maior parte do tempo são escolhidas com esse perfil.
A função da Receita é arrecadar, mas o assédio não tem, basicamente, esse objetivo. O
assédio é feito para apresentar números, uma fotografia bonita para os superiores. Não
necessariamente aquilo é verdadeiro.”
A ideia do dirigente sindical 1 segue o mesmo caminho e vai mais além:
“Eu acho que tem assédio moral na Receita Federal. Assédio moral existe em todo
lugar. Mas é complexo esse negócio de assédio moral. Eu acho que tem vários aspectos
envolvidos. Aspecto psicológico, sociológico, educacional, cultural... Tem tanta coisa
envolvida nisso...
Assédio moral organizacional tem tudo a ver com o que a gente sofre aqui. A
usurpação das atribuições, a concentração do poder de decisão. A pessoa que faz um
concurso público para um cargo com determinadas atribuições e chega aqui e vê que não
pode fazer aquilo que era previsto na lei. Todas as atribuições estão concentradas no chefe. O
117
chefe chega para você e fala 'faz isso, faz aquilo, vai pra lá, vem pra cá'. O chefe tem poder
para prejudicar a sua vida. Você chega hoje à possibilidade de um Analista-Tributário ser teu
chefe, ele que é um auxiliar. Todo esse processo de pauperização, de perda de poder, de
validade do cargo é um caso clássico de assédio moral institucional, sim. Tem um tempo que
a Receita Federal vem numa pressão grande por produtividade. Porque a missão da Receita
Federal passou a ser arrecadar. A política do governo é arrecadar. Aquela coisa de combater
corrupção, tráfico... Toda aquela coisa que é a essência da educação fiscal é esquecida para
poder se arrecadar. Para arrecadar o governo faz qualquer coisa, inclusive acabar com
trabalhos nobres da Receita Federal se aquilo não estiver dando dinheiro diretamente.
Exemplo: Previdência Social. Estão deixando de fiscalizar a Previdência. O governo vai
naquilo que entra nos cofres para pagar as despesas. Se puder limitar a fiscalização naquilo
que vai dar mais dinheiro é assim que vai fazer. Se ali do lado estiver uma fraude, uma nota
calçada, ‘dane-se’. ‘Eu perdoo todo o crime desde que você me pague alguma coisa e entre
dinheiro no meu cofre.’
Para a Instituição, para a educação fiscal, para todo o país é um mal. É um processo
de assédio moral institucional.”
O próprio dirigente sindical 1 disse que já fora assediado:
“Já me senti assediado, apesar de não dar esse nome ao fenômeno. Com certeza foi
uma questão que teve a ver com a greve que houve pouco antes. Acredito que haja uma
ligação entre eu ter liberado um movimento e o fato.”
Para o dirigente sindical 2 não há dúvidas sobre a existência do assédio moral
organizacional dentro da Receita Federal:
“O assédio moral organizacional existe na Receita. Exemplos: você poderia ser
demitido se a avaliação fosse zero por três anos consecutivos ou cinco alternados. Isso não
passou, mas foi uma tentativa de implantar aqui na Receita. Não foi aprovado, mas poderia.
A mobilização da categoria não permitiu que isso acontecesse. Relatórios demasiados que
podem se caracterizar como métodos de controle exacerbados. A quantidade de processos
que um fiscal recebe que não consegue dar conta em um ano. Há a ameaça de processo para
os que não cumprem as metas. Então, não só a legislação como as práticas do trabalho do
cotidiano.”
Já o dirigente sindical 3crê na existência de assédio moral interpessoal mas não é tão
veemente quanto à ocorrência de assédio moral organizacional na Receita:
118
“Várias vezes os sindicato recebeu denúncias de casos de assédio moral. Houve vezes
que um associado acionava judicialmente um administrador por assédio moral. Eu acho que
existe assédio moral na Receita, especialmente em alguns setores que são mais cobiçados,
onde as pessoas querem mais estar lotadas. Existe algum tipo de constrangimento do tipo:
'Você faz como eu quero se não eu te mudo para outro lugar.' Não entendo como uma conduta
generalizada, mas como uma conduta individual. Está presente na conduta individual de um
ou outro administrador. Um administrador tira um Auditor-Fiscal que tem uma determinada
função, um determinado salário e existe um determinado patamar de responsabilidade e o
coloca para fazer qualquer outro trabalho de menor complexidade no sentido de humilhar
essa pessoa. No sentido de dar um efeito demonstrativo, profilático para as outras pessoas e,
com isso, pressionar todo um grupo e não só uma pessoa. Isso existe e é utilizado como um
instrumento de trabalho do administrador para impor sua vontade a um grupo de pessoas.
Punir uma ou duas pessoas como exemplo e, com isso, constranger as demais. Outra questão
é a luta de atribuições entre dirigentes administrativos e Auditores-Fiscais que não são
dirigentes administrativos na busca pelo poder organizacional. Neste aspecto a pessoa que
está na administração tende a querer puxar mais poder para si em detrimento do Auditor.
Como na Receita Federal nos temos um rol de atribuições que confere a qualquer Auditor-
Fiscal um nível de autoridade também, há uma disputa de autoridade entre aquele que está
no poder administrativo e aquele no exercício do poder fiscal. Não acredito no assédio
organizacional, mas numa coisa que está dentro da administração sem ser organizacional.”
O administrador 2, que diz acreditar na possibilidade de existência de assédio moral
do tipo interpessoal na Receita Federal coloca-se ao mesmo tempo como possível vítima e
agente involuntário de assédio moral. Acha difícil, entretanto, a existência de assédio moral
interpessoal na Receita Federal:
“Acredito que isso [assédio moral interpessoal] haja nas nossas unidades dependendo
do temperamento do chefe. É bem possível isso pode acontecer. Há a possibilidade que
aconteça na Receita.
Já me vi em situações em que poderia me considerar assediado. Havia uma norma
que não foi cumprida. Tinha uma norma posta. Talvez se continuássemos nos digladiando
chegaríamos a essa situação.”
Com relação à possibilidade de ter assediado:
“Não que eu tenha me excedido. Ela que era sensível demais. Essa pessoa deixou de
119
ser meu amigo. É possível que você machuque uma pessoa sem querer machucar, é. Conheci
alguns colegas cujo ímpeto pode ter machucado pessoas. Algum chefe teve a intenção de
efetivamente atingir alguém? Eu desconheço. Nós tínhamos alguns chefes que eram mais
nervosos, mas acho que essa posição individual da pessoa conta mais do que qualquer outra
coisa. Tem pessoas que são mais sensíveis e nós deveríamos olhar um pouco mais para essas
pessoas e tratar diferente e nem sempre conseguimos.
O assédio moral organizacional é menos provável que exista do que o outro. Na
gestão por resultado há um estabelecimento de metas, mas nunca presenciei nem ouvi uma
meta que não fosse exequível, a ponto que se disse que alguém tem que trabalhar mais de oito
horas, em regime extenuante.
Isso pode acontecer: de alguém não estar apto a alcançar aquela meta se sente
pressionado. Havia colegas com mais de 40 anos de serviço que não estavam em determinado
nível, podemos dizer, por culpa da administração que não ofereceu ao longo do tempo
treinamento necessário. Mas, com certeza todas as metas eram bem dentro do homem
médio.”
Aqui se insere a questão de o que fazer com o “homem não médio”. Doutrinariamente,
o mais velho, o menos produtivo é uma das vítimas potenciais do assédio moral. Ele não se
encaixa no novo padrão exigido do trabalhador pela Instituição. Assim, tem grande chance de
ser o próximo descartado.
O administrador 3 é bem claro quanto sua discordância da ocorrência de assédio moral
na Receita Federal. Para ele o assédio moral seria apenas um subterfúgio utilizado por algum
servidor insatisfeito com eventuais ações da chefia:
“Eu nunca percebi assédio moral na Receita Federal. Eu nunca vi nada que
caracterize assédio moral. Os funcionários são só sujeitos de direitos e não de deveres.
Utiliza-se equivocadamente esse conceito de assédio moral justamente por quem teve uma
vontade insatisfeita e aí utiliza disso daí e o grande culpado é o sindicato, na minha opinião.
As metas de fiscalização foram combatidas pelo sindicato porque isso é controle e eles
não gostam de controle. O mandado de procedimento fiscal foi combatido porque é controle.
Isso não atrapalha em nada.
Houve um funcionário que foi retirado do local no qual trabalhava e no outro dia ele
apareceu com uma licença de saúde dizendo que o delegado o havia assediado moralmente.
Simplesmente teve uma vontade desfeita e atecnicamente alegou que estava sendo assediado
120
moralmente e, inclusive, pediu remoção para outra Unidade.
Eu nunca vi ninguém perseguir ninguém na Receita. Nunca vi ninguém remover
ninguém com caráter punitivo. Basta o chefe cobrar aquilo que tem que ser feito para alguém
se sentir assediado.
Eu nunca vi assédio moral na Receita Federal de fato, dentro do conceito de assédio
moral. Chega uma administração que cobra o mínimo. Nunca vi uma administração que
fosse assim, tão exigente. Aí o funcionário viu isso que está na moda, o assédio moral, e traz
isso atecnicamente.”
Entendimento semelhante sobre o assédio moral na Receita Federal tem o
administrador 1:
“Eu não me recordo de nenhum caso que eu tenha presenciado assédio moral. Existe
uma tênue linha divisório entre o que é assédio moral, eu considero assédio moral e o que o
servidor entende como assédio moral. E, na verdade, não é assedio, é uma mera cobrança de
uma conduta mínima que o servidor tem que ter. A fronteira é tênue. O cara por não querer
trabalhar ou não ter o comprometimento mínimo usa o assédio moral para se defender.”
Certamente houve aqueles que se utilizaram da existência do assédio moral na Receita
Federal para obterem benefícios pessoais. A própria Marie-France Hiregoyen alertava sobre a
existência desse tipo “falso” assediado.157 Não se pode, é claro, confundir a exceção com a
regra. A existência de pessoas que ajam dessa forma não invalida a verificação da existência
real do fenômeno.
Entre os administradores também há outra importante diferença de opinião. O
administrador 2, diferentemente de seus colegas, não acredita que os servidores que se dizem
assediados o façam por má fé. Para ele, os colegas que se diziam assediados estavam
realmente se considerando assediados, apesar de isso não estar ocorrendo:
“É muito comum as pessoas dizerem que foram assediadas quando isso não houve. Os
colegas tinham certeza que tinham um direito que foi desrespeitado. [Outro colega] se sentia
ameaçado, assediado na cabeça dele.”
Também Hiregoyen já escreveu sobre a ocorrência de um sentimento de paranóia no
trabalho, quando o trabalhador se sente perseguido pelo seu superior, a ponto de chegar a um
157 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no Trabalho: redefinindo o assédio moral São Paulo: Bertrand Brasil, 2002, p. 74.
121
nível patológico. 158
A bem da verdade, os próprios dirigentes sindicais expuseram a ocorrência de casos
em que o termo assédio moral era utilizado por servidores interessados em fugir de suas
obrigações. Disse o dirigente sindical 1:
“Casos gritantes: pessoa que sempre trabalhou 4 horas por dia e se dizia assediado
porque o chefe queria que ela trabalhasse oito.”
E o dirigente sindical 2:
“As pessoas às vezes confundem assédio moral com um comportamento que não pode
ser caracterizado assim. Seria mais o uso do poder discricionário da chefia. Muitas pessoas
confundem o que é assédio moral com o poder discricionário da chefia. Aqui tem de tudo.
Tem a pessoa que se utiliza para ter um benefício.”
Segundo o dirigente sindical 3:
“Na Receita tem o assédio genuíno, mas acredito que tem gente que se aproveita do
quadro e se diz assediado quando na verdade quer assediar, em um assedio ascendente. Tudo
vira espírito persecutório. Tem o que não é muito afeto ao trabalho, tem o que quer outra
coisa. Tem o efetivamente assediado... E tem o chefe que assedia por motivos escusos, para
que as coisas saiam do jeito que ele quer, pelos bons e pelos maus motivos.”
Foi pedido aos entrevistados que se disseram assediados que explicassem por que e
como ocorreram os casos de assédio moral. O assediado 1 falou que o chefe queria que ele:
“Não realizasse trabalhos que eram minha função. Quando percebeu que eu daria
continuidade ao trabalho, optou por desmerecer todas as outras atividades, decisões que já
havia tomado no correr de um ano, fazendo com que eu, que era considerado uma pessoa
pró-ativa, que trazia à tona problemas com soluções agregadas de forma louvável, inverteu a
leitura de meu trabalho de uma semana para outra. Como se eu fosse uma pessoa negligente,
que tivesse tomado decisões que colocavam em risco o andamento do trabalho e toda a
Unidade. Sugerindo que eu tivesse contatos com facções criminosas e essa mudança foi
exatamente a partir do momento que eu não coadunei com a proposta de deixar de dar
andamento a vários trabalhos.
Esse mesmo assediador fazia isso aqui em momentos distintos, com pessoas distintas.
Várias pessoas viveram a situação de assédio, mas a maioria fica com medo de relatar. Só
158 Ibidem, p. 73.
122
comentavam em grupos pequenos. Havia medo em organizar e colocar no papel para
caracterizar que a atitude dele não era isolada, mas era na verdade, uma estratégia para
atacar. Essas pessoas ficavam com medo pelo poder hierárquico e pela deliberada e focada
intenção do assediador em não permitir descanso. Como numa luta de boxe, quando percebia
que a pessoa estava cansada, atacava mais ainda. As pessoas ficavam com medo porque
percebiam que seriam mais atacadas se registrassem essa insatisfação e acabavam
recuando.”
O assediado 3 relatou dois casos pelos quais passou. Primeiramente houve:
“Uma retaliação por não ter aceitado uma situação que era irregular. Fui retirado do
serviço onde queria trabalhar.
Mais recentemente, frequentemente o Chefe dava bronca nos fiscais que eram
subordinados a mim e eu percebi que ele queria de mim a mesma atitude. Se não me engano,
chegou a botar por escrito que os Fiscais não sabiam lavrar auto de infração, quando, na
verdade, não cabia o auto. A História mostrou que ele estava erado e não as pessoas que não
queriam lavrar o auto.”
Para o assediado 3, um pouco mais velho, considerado menos produtivo, não havia
justificativa aparente para o assédio moral sofrido por ele:
“ É isso que eu não entendo. Eu achei isso estranho. É uma explicação que eu não
consegui para mim. Por que ele pegou no meu pé. Eu não entendi. Nunca conversei com ele.
Era ele lá eu cá.”
As respostas ao assédio moral promovido contra esses servidores foram clássicas,
segundo o perfil dos servidores públicos que se sentem assediados moralmente: todos
entraram de licença médica159.
O assediado 1:
“A pressão ficou grande. Chegou um momento que o impasse era tamanho que acabei
tirando licença. Estava muito nervoso. O enfrentamento era muito direto. A tentativa de
desqualificar tinha se tornado uma missão sem volta para o dirigente que estava a assediar-
me moralmente. Acabei recorrendo a ajuda médica e me afastei por um período para
tratamento psiquiátrico. O assediador conseguiu seu objetivo: tirou-me da sua frente e
conseguiu tocar o seu projeto.”
159 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho. Redefinindo o assédio moral, p. 124.
123
O assediado 2:
“Entrei de licença médica.”
O assediado 3:
“Eu estava com problema de saúde e o assédio moral me atingiu psicologicamente,
acabei não ficando bem e me afastei do trabalho, fui afastado do trabalho pelo médico.”
Aos entrevistados que disseram acreditar na ocorrência de assédio moral na Receita
Federal, foi-lhes perguntado se detectavam algum momento na História em que isso tinha
começado.
O dirigente sindical 2 disse que:
“Houve uma mudança muito forte, um corte em um determinado momento, há dez,
quinze anos, no nível de cobrança e exigência das chefias de um nível até forte. Mas foi uma
mudança geral. As chefias, anteriormente, eram formadas por pessoas com bom tempo de
experiência, já com cabelos brancos. A partir desse corte, você começa a ter pessoas recém-
ingressas na carreira, que não tinham uma experiência grande na carreira passaram a ser
chefes. Isso pode ter contribuído para a mudança. As pessoas de perfil ‘durão’, ‘grosso’ eram
escolhidas para serem chefes. Vinham como o braço longo do porrete.”
Para o dirigente sindical 1:
“Qualquer medida impopular precisa de um feitor. Everardo Maciel [Secretário da
Receita Federal durante todo o Governo Fernando Henrique Cardoso] veio transformar a
Receita do que era num mero órgão arrecadador. Criou MPF, demissão de funcionários...
Isso não é assédio moral? Curva forçada na GDAT, celetização. Todas essas medidas foram
tomadas para domesticar uma categoria e um sindicato que colocaram PC Farias na cadeia,
havia poucos anos. Tudo foi feito para limitar o poder dos Fiscais. Simbolicamente, para o
Auditor-Fiscal, isso é um limitador. Agora tem, a 507 [MP que regula o acesso aos dados
fiscais do contribuinte]. Você praticamente inverteu o ônus da prova. Vamos ficar com o ônus
da prova para demonstrar que utilizamos [os dados fiscais] em razão do trabalho.
Exemplo de assédio moral? Everardo não nos recebia. O que ele queria? Enfraquecer
o sindicato. Ele nos recebeu uma vez, obrigado pelo Secretário Geral da Presidência da
República. Um colega que trabalhava em Ponta Grossa foi à Brasília pra reunião com o
Secretário da Receita e teve o ponto cortado.
Everardo entrou e botou seus homens para fazer o trabalho sujo e para fazer o
124
trabalho sujo precisa quebrar a resistência do sindicato, a resistência moral das pessoas.
Na época do Everardo Maciel, não tinha reunião com o sindicato por quê? Porque
não tinha concessões a serem feitas. Eles vinham para implantar um projeto. Era porradaria.
Botando caras escrotos. Tomando medidas para nos ferrar com medidas vindas do governo e
da própria casa. Do governo vinha celetização, da própria casa vinha a regulamentação da
GDAT. Era um jogo mais ou menos orquestrado para a coisa acontecer e pau em cima do
sindicato para a coisa acontecer.
A coisa não é Everardo, não é Rachid [Secretário da Receita Federal no Governo
Lula, de 2003 a 2008], não é pessoal. É um projeto político, de país, que está inserido nisso.
Se você quiser mudar isso, vai ter resistência dentro da casa do pessoal antigo da
administração, do Ministro, do empresariado que não quer ver os fiscais botando todo mundo
na cadeia, realmente fiscalizando, ser a coisa séria, ou seja, de quem realmente tem poder.
Mesmo no Governo Lula.”
Para o dirigente sindical 3, no Governo Fernando Henrique Cardoso se inicia uma luta
pelo poder no interior da Receita Federal:
“Essa coisa tomou corpo em 1995 e 1996 sob o argumento de que deveria haver uma
centralização de poderes até mesmo para coibir uma suposta corrupção que havia. Então
você tira poderes, centraliza em grupo de pessoas sob o argumento que se quer combater a
corrupção e, a partir daí se concentra o poder nas mãos de alguns, retirando o poder
decisório das mãos da maioria. Essa luta organizacional por quem manda na Instituição
começou em 96 e continua até hoje. É mais uma luta sindical em si do que uma luta de cada
auditor-fiscal com o chefe da unidade. Até 2002, vivemos o pior momento. Entre 98 e 2000 foi
o pico e de 2002 para frente houve um arrefecimento. A partir de 2007 nós conseguimos
recuperar algum terreno.
Existe uma noção de gerencialismo, de perfil gerencial na escolha de administradores
para a Receita. Se aproxima muito do perfil que se espera de um gerente de empresa privada.
É uma pessoa que domine, tenha o comando efetivo, tenha o poder sobre a repartição. Não é
o assedio que é incentivado, de certa forma a luta pelo poder administrativo é incentivada
pelo poder central.
Quem controla o Ministério Público? É cada procurador por si. O chefe
administrativo é apenas administrativo mesmo. No Judiciário é a mesma coisa. O Código
Tributário Nacional, em seu artigo 142, pulveriza o poder dentro da Receita. O princípio
125
seria ter entre o que é a Receita hoje e o que é o Ministério Público e essa visão não se
coaduna com a visão gerencialista, onde o administrador é que detém o controle absoluto,
daí essa disputa de poder.
Essa tentativa de concentração de poder começou quando houve uma tentativa de
gerencialismo em 1996. É uma política de governo que começou a mudar em 2003, quando
começou a haver uma outra corrente de pensamento político e houve um paulatino recuo, não
a ponto de voltar ao que era antes, porque o governo também tem suas contradições. Não é
por ser um governo teoricamente de um partido de trabalhadores que é um governo
trabalhista."
Para o assediado 2:
“Everardo Maciel estava botando em perigo toda a sociedade brasileira. Há pessoas
que querem mudar essa estrutura perversa, mas tem o outro lado...O Rachid foi capturado,
não tinha essa intenção. Uma pena, porque o cara é um poço de inteligência. Eu acho que
tinha aquelas pessoas que adulavam ele. Ele sofreu na mão do Everardo. Era trabalhador,
era dedicado. Mas aqueles grupos foram entrando e entrando na cabeça dele. Eu amo a
Receita Federal de coração. Eu amo muito a Receita Federal e queria muito que alguém
fizesse algo para mudar esse quadro que vivemos hoje. Porque é um perversão que existe na
nossa entidade. E eu não sei de onde vem isso. Por que fazem isso com a Receita Federal?
Botando pessoas dentro dos setores da Receita para acabar com os colegas que querem
elevar a Receita Federal. Tiram o tapete. Como a gente pode fazer para acabar com isso? Ter
aquela seriedade, aquele respeito pelo trabalho do colega. Amar a profissão, amar o local de
trabalho.”
Opinou o assediado 3:
“A partir da administração Everardo a coisa ficou muito forte, o ambiente de
perseguição aos funcionários. Aí você tem que ter a força contrária, a gente viu os casos que
aconteceram aqui e em outras unidades. E tem a reação natural da categoria. A fase do
Everardo foi a pior. No Rachid teve continuidade, mas não foi tão pesado com a categoria.
O assediado 1 disse que:
“Em 1998 quando eu entrei na Receita parecia que havia um estado de terror. Uma
repressão. Isso abrandou um pouco com o Rachid.
Acho que, em alguns momentos, chegava a ser pensada a escolha de dirigentes para a
126
Receita Federal com esse perfil, ou havia quem não tinha o perfil, mas o modelo já estava
preparado para quem sentasse na cadeira executasse aquele modelo de cobrança que
desvaloriza a pessoa, denigre a imagem dela, de que ela não conseguiria atender as
demandas estabelecidas pela Instituição como diretrizes gerais.
Na análise das propostas que vinham do Rachid e do Everardo era de tirar as
atribuições do Auditor-Fiscal e colocá-las como atribuição do órgão. De certa forma
desmoraliza uma pessoa que acreditava numa forma de defender o Estado, imbuído da
autoridade fiscal e, de repente, tira a autoridade do Fiscal e a coloca no Órgão.”
Em visão semelhante, disse o administrador 1:
“Na época de Rachid, colocaram o servidor em segundo plano. Os servidores não
foram valorizados. Brigou-se muito pouco pelos servidores nessa época. Com a velha máxima
que há colegas que não fazem nada. Tentou-se valorizar muito os chefes, quem estava nos
cargos de chefia. É uma teoria utilizada por grandes empresas: quem atinge nível de gerência
é muito valorizado, em termos salariais, em tudo. E a massa seria controlada por esses, é
menos oneroso. É mais fácil remunerar aquele grupo que está em cima para controlar aquela
massa. Na minha visão era o que estava sendo feito na Receita. Estava se dando muita ênfase
nos delegados e inspetores. Coisas que só o delegado podia fazer... Estava se centralizando
muito poder nas chefias das unidades e deixando o trabalho do Auditor como massa de
manobra. Parecia que eles queriam bons gerentes e controlando os bons gerentes a massa ia.
Se você age assim acaba jogando os bons no lixo e o cara acaba se desmotivando.”
Para o administrador 2 faltou atenção ao ser humano, por parte da chefia da Receita
Federal:
“É um diagnóstico muito claro que eu faço: por que nós enfrentamos, por vezes, esses
problemas no Serviço Público. Na área técnica, nós investimos muito em capacitação. A
nossa tecnologia recebeu, nas últimas duas décadas, investimentos substanciais e a muitos
anos identificamos que a pior gestão era a gestão de pessoas. Todos os problemas que
existem são decorrentes de uma falha humana, desconhecimento. No serviço público nós
temos um grave drama: nós não valorizamos as pessoas, nós não entendemos as pessoas, nós
não ouvimos as pessoas, então as pessoas se sentem desmotivadas, desamparadas. E isso
gera esse desconforto que estamos falando. Herdamos os vícios de um passado. As pessoas
deveriam ter o máximo de prioridade.”
Completa o dirigente sindical 2:
127
“Sofri muito com essa mudança no instrumental tecnológico.”
Para o administrador 3, entretanto:
“O objetivo da receita é arrecadar e isso foi muito bem feito pelo pessoal do Rachid.
Essa arrecadação que vem aumentando é consequência desse trabalho que foi feito.”
Alguns entrevistados dirigentes expuseram a razão de os sindicatos, em especial o dos
Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, Sindifisco Nacional, se preocuparem com o
tema assédio moral. Disse o dirigente 2:
“Está havendo uma mudança dos Auditores para identificar isso como possível
assédio moral e esteja havendo uma resistência e começando a lutar. A voz começava a gritar
dizendo que não dava mais. Havia uma exigência da categoria para que se fizessem
seminários.”
Segundo o dirigente 2:
“Começaram a acontecer os casos. Comecei a me deparar com isso. Pessoas que
vinham ao sindicato trazer um caso como assédio moral.”
O dirigente sindical 3 disse que:
“Nos últimos anos o assédio moral virou uma preocupação mundial. Isso se reflete no
nosso ambiente de trabalho. As denúncias se multiplicaram na Receita Federal. Como vários
associados se diziam vítimas de assédio moral isso passou a ser uma grande preocupação do
sindicato.”
Para o administrador 1:
“Uma das funções sindicais é estar voltado para os interesses e proteção da
categoria. É função do sindicato fazer esses questionamentos, mostrar qual é a realidade,
para evitar que esse tipo de coisa aconteça, tanto para impedir o assédio por parte de um
chefe contra seu subordinado como para alertar um colega sindicalizado que existe um
conceito, uma coisa filosófica, conceitual. Não o colega criar uma defesa, um escudo, para
que ele se proteger, deixar de fazer uma coisa que deveria estar fazendo e não faz. Serve
para que os dois lados estejam atentos a esse tipo de coisa. Até onde a administração exige
ou pode exigir do colega. A divulgação que o sindicato está fazendo é bom para os dois
lados, tem que haver, mesmo. Para o administrador saber até onde deve ir, para a coisa não
ficar pessoal e para o colega saber efetivamente, o que é assédio moral. Estou sendo cobrado
pelo trabalho ou porque o cara quer me sacanear.”
128
Para o administrador 2:
“E se o assunto não for discutido, pode estar acontecendo sem que as pessoas tenham
a intenção de fazê-lo. Se esse conhecimento não for produzido, às vezes as coisas acontecem
por ignorância. Na cabeça de algumas pessoas não é natural o ser humano querer ser
ouvido, ele teria que ser subserviente. Na Receita tinha isso.
Temos um plano de saúde vinculado ao sindicato. Se não atuarmos de forma mais
preventiva, porque o assédio pode levar a depressão. Pelo plano de saúde ele tem que fazer
uma espécie de medicina preventiva, para o bem da própria saúde financeira do sindicato.”
Entretanto, para o administrador 3:
“O sindicato é um mal necessário. O sindicato no Rio é um centro de fofoca.”
Finalmente, perguntados sobre o papel que a Receita Federal tem no país, o assediado
3 disse:
“Acho que algumas pessoas têm projeto para a Receita. Não a Instituição. Da forma
que a estrutura está montada, não servimos ao Estado, acabamos servindo mais ao Governo.
A gente viu antes da eleição. Do escalão intermediário para baixo a coisa não é tão pensada,
mas nos escalões superiores se gosta que não haja na Receita uma hierarquia
profissionalizada. A hierarquia nossa é muito mutante e acho que isso é utilizado pela classe
política para dominar o Estado, usada pelo Governo para dominar o Estado. A ameaça de o
chefe perder a função é constante. As decisões estão sempre contaminadas por esta questão,
de defesa, de estar em uma chefia de uma forma muito precária. Muita gente assume uma
função de chefia na Receita Federal por vaidade, por ser carreirista e acaba passando isso
para baixo. E onde isso é formado! No núcleo que não quer consertar isso. Porque aprendeu
que é bom. Você domina. As pessoas, na maior parte do tempo são escolhidas com esse
perfil.”
O dirigente sindical 3 disse que:
“Os dirigentes da Receita Federal são em geral bem intencionados querendo
aumentar a arrecadação. O que falta é a visão de justiça, de distribuição de renda. Falta na
Receita Federal pensar em termos de Estado. A Receita é muito eficiente quando se trata de
atender aos interesses do Governo. A Receita não pensa a longo prazo, pensa na arrecadação
de hoje até o final do ano. Não pensa no Brasil de 2030, por exemplo.”
Segundo o assediado 1:
129
“Geralmente se utiliza um discurso para justificar uma atitude para a qual se não
quer se colocar o motivo pelo qual ela está vindo à baila. O discurso de que o trabalho tem
que se organizar, se otimizar é louvável e de fato, tem se trabalhar nesse sentido sempre.
Resta dúvida se é isso mesmo que se quer pura e simplesmente ou se isso é uma estratégia
para que se atinja os objetivos. Que a Receita tem que melhorar, tem que modernizar, tem que
se preocupar com a produção com o ganho, sem dúvidas. Mas no caso aduaneiro é fácil de
ver que temos uma demanda externa que quer colocar produtos aqui e temos que ser céleres,
menos invasivos, funcionar menos como barreira aduaneira para que esses produtos entrem
de maneira mais fácil e essas corporações tenham seus lucros garantidos. No caso dos
tributos internos quando as pessoas vão desenvolver seu trabalho de fiscalização, em nome
da produtividade, da celeridade, as atividades sejam mais simplificadas e quando temos o
mandado de procedimento fiscal, que restringe o trabalho do Auditor e veio mesmo no
espírito de controlar que pode ter o lado de fazer com que o Fiscal não se perca numa
fiscalização muito abrangente mas pode ter o outro lado o Fiscal não ter uma fiscalização
abrangente por ter um interesse dirigido pela própria empresa fiscalizada que conseguiu
conversar com os dirigentes da Instituição Pública para que a fiscalização fosse mais
abrandada.
O País tem um projeto para a Receita. Quem está gerindo o Ministério da Fazenda e,
por sua vez, está exercendo um cargo de confiança do Presidente da República acaba tendo
que executar um projeto para o país. A Receita não é muito escutada no que ela tem de
experiência e percepção do que é uma justiça tributária. A Receita parece que está se
tornando cada vez mais um órgão executor. Não vejo que ela tenha um projeto para o país,
não.”
130
CONCLUSÃO
No primeiro capítulo deste trabalho começou-se traçando um perfil do conceito de
assédio moral. Verificou-se como os pioneiros no estudo do fenômeno ajudaram a criar um
entendimento sobre o assunto e sua importância no mundo do trabalho na sociedade atual.
Identificou-se o surgimento de uma nova visão do assédio moral no trabalho, o assédio moral
organizacional, diferenciando-se do assédio moral interpessoal. Viu-se que o assédio moral
está intrinsicamente ligado à nova vestimenta estabelecida para o capitalismo no final do
século passado: o neoliberalismo.
Passou-se, então, a expor um quadro da violência do trabalho, em especial do assédio
moral, ao redor do mundo. Vimos que esse é um assunto que preocupa vários países, que
consideram que o problema cresce preocupantemente. Tanto assim que em vários deles foram
criadas leis específicas para combatê-lo ou é utilizada legislação antiga, adaptada para
enfrentar a questão. Estabelece-se, assim, que o fenômeno é disseminado pela sociedade de
maneira globalizada, percorrendo a economia de todos os países que se curvaram ao ideário
neoliberal, de maneira mais superficial ou de forma mais aprofundada.
Ainda no capítulo 1, foi apresentado um quadro atual do assédio moral no trabalho em
nosso país. Foram, rapidamente, apresentadas as pesquisas pioneiras sobre o tema, assim
como as mais novas análises do problema presentes nos trabalhos acadêmicos. Não foram
esquecidas as ações dos sindicatos de várias categorias profissionais em todo o Brasil que, já
há algum tempo, se dedicam a informar seus associados sobre o problema para melhor
combatê-lo. Percebe-se que os sindicatos buscam, em geral, mostrar o fenômeno como uma
das novas formas de exploração do trabalhador. Apresentamos as primeiras iniciativas de
criação de leis municipais e estaduais sobre assédio moral no trabalho e as propostas de lei
hoje existentes no Congresso Nacional. A nova legislação e as propostas de criação de novas
leis sobre o assédio moral também demonstram que o assunto está presente na pauta de
problemas daqueles vereadores, deputados e senadores que têm o trabalho como um de seus
temas.Foi apresentada, ainda, a visão do Judiciário brasileiro sobre o assédio moral, da qual
parece ainda não ter sido formada uma jurisprudência preponderante sobre o tema. Ao lado de
algumas sentenças que vêem o assédio moral como um real problema do trabalhador,
colocado no contexto da produção, outras tendem a minimizar a questão, destituindo-a de
qualquer embasamento social. Finalmente, o capítulo 1 é fechado com uma análise de como o
assunto assédio moral é tratado na mídia, inicialmente voltada para seu aspecto mais
controverso ou caricatural.
131
Acreditando que o assédio moral no trabalho não pode ser encarado como um
problema de administração da empresa ou organização, dedicou-se um capítulo para
apresentar um rápido histórico da economia mundial da Crise de 1929 até o fim do Século
XX, com o intuito de fornecer elementos para a compreensão do novo trabalhador que é
formado e transformado ao longo desse período. O objetivo principal é demonstrar como o
assédio moral se encaixa perfeitamente na construção da nova exploração do trabalhador
advinda com o neoliberalismo, ao fim do século. Esquematicamente, para melhor
compreensão, apresentou-se o período da História conhecido como “Anos de Ouro”, no qual
houve um grande desenvolvimento econômico com base em planejamento e controle
desenvolvidos pelos Estados Nacionais, acompanhado de melhoria das condições de vida de
milhões de trabalhadores, em especial na Europa e nos EUA. Posteriormente, foi apresentada
a época da crise, que começou no início da década de 1970, acentuando uma tendência de
redução da taxa de lucro. Esse cenário histórico foi feito para sustentar a ocorrência da “Nova
Ordem Mundial”, proeminente a partir da década de 1980, com o surgimento e fortalecimento
do neoliberalismo.
Paralelamente, foi verificado que, no Brasil, durante a Era Vargas, foi criado um
modelo de trabalhador, identificado com a nova ordem que se estabeleceu, junto com uma
ideologia de valorização do trabalho e do papel desse trabalhador na sociedade. Vimos,
também, que no Regime Militar, inaugurado em 1964, houve a preocupação em “modernizar”
as relações do trabalho, adequando-as ao que delas esperava o capital internacional.
Finalmente, analisamos o neoliberalismo no Brasil, com Fernando Collor de Mello, Fernando
Henrique Cardoso e, pelo menos no primeiro mandato, Luis Inácio Lula da Silva. Verificamos
a mudança na legislação trabalhista no período FHC e a Reforma da Previdência no período
Lula.
Toda essa apresentação foi feita mostrando como essas mudanças se inserem no
contexto do neoliberalismo que se instalou no Brasil. As mudanças na legislação ocorridas ao
longo dos oito anos do Governo Fernando Henrique Cardoso apontam para a assunção das
práticas preconizadas por esse ideário, de retirada de direitos dos trabalhadores, apelidada de
flexibilixação. A “Reforma da Previdência”, já no Governo Lula, foi pelo mesmo caminho,
apenas utilizando o mote “déficit da Previdência” como explicação para a cassação de antigos
direitos da classe trabalhadora.
A fim de estudar as mudanças ocorridas na Receita Federal do Brasil nos últimos anos
e, em especial, tentar explicar a ocorrência do assédio moral nela, fez-se um quadro geral do
que é a Instituição e um perfil de seus trabalhadores, objeto deste estudo, os Auditores-
132
Fiscais. Foram mostradas, também, as mudanças ocorridas na legislação que buscavam ou
conseguiram retirar atribuições dos Auditores-Fiscais, em geral, transferindo-as para os chefes
das unidades da Receita Federal.
Finalmente foram apresentadas as falas de Auditores-Fiscais sobre o tema assédio
moral. Foram entrevistados AFRFB que se dizem assediados, dirigentes sindicais e
administradores.
Creio que ao final da análise feita e completado o roteiro proposto, podemos afirmar
que ocorre o assédio moral na Receita Federal do Brasil e essa ocorrência pode ser entendida
como reflexo do neoliberalismo que se instalou no país a partir da década de 1990. O novo
Estado Mínimo preconizado por essa ideologia, não pode conviver com sindicatos poderosos,
formados por trabalhadores que têm força para apresentar uma opinião embasada, oposta ao
discurso oficial, nem que tenham atribuições de Estado, que não fiquem ao sabor dos
interesses dos eventuais ocupantes dos Governos.
Já foi dito que um Governo neoliberal é, ao mesmo tempo, mínimo para garantir
direitos do trabalhador e grande para impor novas diretrizes àqueles que podem a ele se opor,
em especial os sindicatos de trabalhadores mais fortes.160 O fato de os Auditores-Fiscais da
Receita Federal possuírem um grande poder oriundo de diversas espécies de legislação:
regulamentos, decretos, leis ordinárias, leis complementares e, até da Constituição, não se
adequa a um tipo de governo que tende a flexibilizar não só os direitos dos trabalhadores, mas
todo e qualquer impedimento ao fluxo do capital na economia e na sociedade. Por exemplo,
não é considerado interessante que um único Auditor-Fiscal possa barrar a importação de
milhões de dólares de uma grande empresa, mesmo que a mercadoria que se tenta importar
seja prejudicial à economia do país. Da mesma forma, um único auto de infração lavrado
isoladamente por um AFRFB em face de uma empresa pode chegar a bilhões de reais,
prejudicando enormemente interesses de particulares ligados a ela.
Desde o primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso, ao lado de propostas de
mudança da legislação trabalhista em geral, foram encaminhadas ao Congresso Nacional
projetos de lei que visavam alterar a legislação relativa à Receita Federal, invariavelmente
buscando a retirada de poder das mãos do Auditor-Fiscal. Dentro da própria Receita, houve
mudanças da legislação infralegal, feitas com muito mais facilidade porque dependiam, no
máximo, de um decreto presidencial. Houve, também, uma mudança cultural na Receita, que,
a partir desse momento, como disse um entrevistado “no nível de cobrança e exigência das
160 ANDERSON, Perry. O Balanço do Neoliberalismo, in Pós-neoliberalismo: as políticas sociais e o Estado Moderno. SADER, Emir e GENTILI, Pablo (org.). São Paulo: Paz e Terra, 7 ed., 2007, p. 11.
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chefias”. Com um discurso de “modernização” da Receita foram criados vários mecanismos
que, mesmo algumas vezes promovendo uma efetiva atualização, em especial dos sistemas
informatizados utilizados, diminuíam o poder dos Auditores-Fiscais, transferindo-os para os
chefes das unidades ou mesmo suprimindo-os. Por vezes, essas alterações foram realizadas ao
arrepio da lei, fazendo com que, em vários momentos, o sindicato da categoria recorresse ao
Judiciário e conseguisse a suspensão dessas alterações.
Nesse contexto seria normal que fossem escolhidos chefes que tivessem perfil
adequado a essa nova proposta de administrar a Receita Federal. Conforme observado nas
entrevistas, várias vezes forma escolhidos servidores que tinham pouca história dentro da casa
e com personalidade que se adequava aos valores pregados pela Administração. Por outro
lado, havia a necessidade para a Administração de que os Auditores-Fiscais se encaixassem
no novo modelo para eles arquitetado. Dentro da proposta neoliberal era preciso que de
autoridades, com atribuições previstas na legislação e poder para interromper negócios e
impor pesadas multas aos contribuintes, os AFRFB se tornassem meros executores da política
governamental, ou da política da administração da Receita Federal.
Finalmente, com todo esse cenário armado, não é de se estranhar a ocorrência de
assédio moral na Receita Federal do Brasil. O assédio moral é reflexo do neoliberalismo que
se instalou no mundo a partir da década de 1980 e no Brasil com mais vigor a partir da década
de 1990. O ideário neoliberal penetra em toda a sociedade, a partir do setor privado da
economia, contagiando as mentes das mais variadas formas e atinge, em cheio, o setor público
da economia em todo o mundo, estabelecendo a sua hegemonia em todos os setores da
sociedade, no Brasil e no mundo. A Administração Pública brasileira, em especial a Receita
Federal do Brasil, objeto desse estudo, não formam um mundo a parte da sociedade. Fazem
parte dela, influenciando e sendo influenciada. Seus servidores são cidadãos que também
estão expostos a toda a propaganda ideológica que buscava fazer crer que o neoliberalismo
era o único caminho para a civilização. Assim, apareceram na Receita Federal Auditores-
Fiscais que assumiram com brilho os novos papeis de chefes, adaptados ao que propunha a
reengenharia da nova ordem mundial. Muitos devem ter se encaixado naquele perfil de adesão
“a todo um sistema de valores, uma ideologia, uma filosofia que incita as pessoas a se
dedicarem de ‘corpo e alma’ ao seu trabalho, a ‘vestirem a camisa’ da organização”,
conforme escreveu Pages.161 Assim, mesmo que conscientemente acreditassem estar
realizando o melhor para a administração, para sua “casa” e mesmo para o país, estavam, sem
161 PAGES, Max et al. Op. cit., p. 75.
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perceber, prisioneiros em uma teia de interesses que extrapolavam seu entendimento. Havia
outros AFRFB que já tinham vontade pessoal de assumir chefias e estavam dispostos a
cumprir e fazer cumprir ordens que fossem emanadas do eventual superior hierárquico, sem
interesse de fazer uma crítica prévia das suas consequências. Nesse quadro, também é natural
que se abram espaços para o aparecimento de assediadores de vários tipos, desde daqueles que
praticavam o assédio por acreditarem que assim se mostrariam mais rigorosos para seus
chefes até aqueles que já tinham um viés psicológico de assediador. Além disso, como em
qualquer organização, existem aqueles que se aproveitam dos cargos de chefia para obter
benefícios particulares para si, sem nenhum vínculo com os interesses da instituição e com o
objetivo do Serviço Público – o bem comum. Esses se aproveitam das funções de chefia e
utilizam todos os meios, inclusive o assédio moral, para alcançar seus objetivos.
De qualquer forma, independentemente do porquê da ação dos assediadores, se por
razão “carreirista”, pessoal, psicológica ou um misto de várias, o assédio moral se instalou na
Receita Federal. Tantos foram os casos levados ao conhecimento do sindicato e tantas foram
as histórias espalhadas entre os servidores que o assunto passou a fazer parte da pauta do
Sindifisco Nacional. A fim de se contrapor à violência, foram realizados seminários, artigos
foram escritos e cartilhas publicadas. O assédio moral existe na Receita Federal do Brasil e o
sindicato buscou atacá-lo.
Como já foi explanado anteriormente, houve aqueles que se utilizaram da existência
do assédio moral na Receita Federal para obterem benefícios pessoais. Isso, entretanto, não
pode levar ao descrédito daqueles que sofrem o problema na própria pele. Em um capítulo do
seu segundo livro sobre o tema, intitulado “As falsas alegações de assédio moral” Hiregoyen
alerta para que se tenha cuidado para que essas falsas alegações de ocorrência de assédio que
ocorrem “não venham a fazer cair no descrédito a realidade do que sofrem as verdadeiras
vítimas”.162
Caracterizada a existência do assédio moral na RFB cabe saber se a sua ocorrência
restringe-se ao assédio moral interpessoal ou se nela também existe o assédio moral
organizacional.
Apesar de os entrevistados assediados e dirigentes sindicais afirmarem com convicção
que ocorre o assédio moral organizacional na Receita Federal do Brasil, não foram
encontrados elementos suficientes com os quais se pudesse afirmar sua ocorrência. Se é
verdade que, muitas vezes, os atos que podem ser caracterizados como assédio moral são
162 HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no Trabalho: redefinindo o assédio moral São Paulo: Bertrand Brasil, 2002, p. 71.
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apresentados ás chefias superiores dos assediadores como elementos que os favoreceriam,
exemplos de sua capacidade de se impor aos subordinados, mesmo ao custo da urbanidade,
não encontrei o fenômeno como uma norma da instituição. Ele pode ser aceito, até
timidamente valorizado, mas sempre sub-repticiamente. Não há uma determinação
administrativa clara de sua utilização na Receita Federal do Brasil. Por outro lado, as ações
dos próprios servidores da Receita, os Auditores-Fiscais, basicamente, conseguiram refrear a
ocorrência do fenômeno. A exposição dos casos, por vezes às custas de abertura de feridas
psicológicas pessoais, a procura do sindicato, o recurso ao judiciário, a realização de
seminários, etc. foram, como disse um entrevistado, ele mesmo administrador, fundamentais
para que o assédio moral não se espalhasse ainda mais pela Receita Federal, nem por qualquer
outra instituição da Administração Pública.
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