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O COTIDIANO DOS PRIMEIROS HABITANTES DA FREGUESIA DE NOSSA
SENHORA DE BELÉM: UMA EXPERIÊNCIA DE HISTÓRIA LOCAL NO ENSINO
FUNDAMENTAL.
Autora: Soely Aparecida Annes1
Orientador: Francisco Ferreira Junior2
Resumo
Este artigo tem por objetivo apresentar os resultados das atividades realizadas com
alunos do 6º ano do Colégio Estadual Padre Chagas, durante a implementação do
Projeto de Intervenção Pedagógica, elaborado no Programa de Desenvolvimento
Educacional (PDE). Utilizamos a metodologia da história local como forma de
abordagem no ensino da História do Paraná. Nossa proposta foi a utilização dos
primeiros registros de batismos da Freguesia de Nossa Senhora de Belém,
realizados pelo padre Francisco das Chagas Lima, disponíveis no Arquivo da
Catedral de Guarapuava. Partindo desses documentos procuramos levar os alunos
a entenderem como foi organizada e efetivada a Real Expedição de Conquista e
Povoamento dos Campos de Guarapuava.
Palavras-chave: História do Paraná; história local; Guarapuava.
1 Mestre em História dos Movimentos Sociais pela UNICENTRO/UNESP, graduada em Pedagogia e História,
professora de História no Colégio Estadual Padre Chagas.
2 Mestre em Historia Social pela Universidade Federal Fluminense, Professor Colaborador na Universidade do
Centro Oeste – UNICENTRO – PR.
1 INTRODUÇÃO
Ao iniciar o PDE (Programa de Desenvolvimento Educacional ) em 2010,
oferecido pela Secretaria de Estado da Educação, como forma de capacitação,
entendemos que um de seus objetivos é a busca de subsídios teórico-metodológicos
para a melhoria da prática docente. No momento em que estamos finalizando a
nossa carreira docente, voltar a universidade e estabelecer esse diálogo da prática
com a teoria, foi uma experiência gratificante. O afastamento de sala de aula pelo
período de um ano foi oportuno para olhar como com mais clareza as nossas
dúvidas e angústias, e a partir daí, buscar novas metodologias.
Desde 2003 quando tiveram início as discussões para a elaboração das
novas Diretrizes Curriculares da Educação Básica do Estado do Paraná (DCE‟s),
entendemos, na disciplina de História, a necessidade de romper com a prática
tradicional de ensino, que privilegiava a visão eurocêntrica. Dentro da nova
perspectiva de inclusão social, a proposta para o ensino de História considera a
diversidade cultural e a memória paranaenses, priorizando assim, as histórias locais
e do Brasil. Sugere que a partir delas sejam estabelecidas as relações e
comparações com a história geral. Essa nova prática exige não só uma
reformulação de conteúdos, mas também metodológica.
Atendendo as normas do programa e diante das dificuldades encontradas em
nossa prática docente, escolhemos a temática História e Historiografia Paranaense,
com enfoque na Lei 13.381 que torna obrigatória a inserção dos conteúdos de
História do Paraná na Rede Pública Estadual. Ao tentar implementar as novas
Diretrizes, sempre esbarramos no uso do material didático, pois os livros distribuídos
aos alunos ainda são estruturados na visão tradicional e eurocêntrica 3 e não
contemplam a história paranaense. Pela sobrecarga de trabalho, os professores
3 Eurocentrismo é uma idéia que coloca os interesses e a cultura européia como sendo as mais importantes e
avançadas do mundo. O eurocentrismo é um conceito que não é mais aplicado, pois atualmente sabemos que
não há uma cultura superior a outra, elas são apenas diferentes e devem ser respeitadas como tal.
encontram dificuldade na seleção de material e na metodologia empregada em sala
de aula, ao abordar os conteúdos de História do Paraná.
Entendemos que a metodologia da história local e regional pode ser uma das
formas de abordagem da História do Paraná em sala de aula. Dentro do conteúdo
básico proposto nas DCE‟s para o 6º ano “As culturas locais e a cultura comum”,
elaboramos nosso projeto de Intervenção Pedagógica. A implementação do projeto
foi realizada com alunos do 6º ano do Colégio Estadual Padre Chagas. Nossa
proposta foi a utilização dos primeiros registros de batismos da Freguesia de Nossa
Senhora de Belém, realizados pelo padre Francisco das Chagas Lima, disponíveis
no Arquivo da Catedral de Guarapuava. Partindo desses documentos procuramos
levar os alunos a entenderem como foi organizada e efetivada a Real Expedição de
Conquista e Povoamento dos Campos de Guarapuava. Comandada por Diogo Pinto
de Azevedo Portugal essa expedição partiu de Curitiba em agosto de l809,
chegando aos Campos de Guarapuava em junho de 1810.
Ao analisar os primeiros batismos verificamos que encontram-se registrados
em dois livros: um dos brancos e índios e outro dos escravos; procuramos conhecer
e identificar os personagens da expedição. Nossa história oficial enaltece os
comandantes que desbravaram os sertões e fundaram vilas, os padres que
catequizaram os índios e espalharam a fé cristã. Para eles se erguem monumentos
e honrarias. E os outros integrantes da expedição? De onde vieram e o que
buscavam? Que dificuldades enfrentaram nessa viagem pelos sertões
desconhecidos? Quantas mulheres e crianças acompanhavam os soldados? E os
escravos? Como foram os primeiros contatos com os nativos? Como podemos dar
visibilidade aos outros atores desse processo? Essas foram algumas questões que
procuramos responder em nossas atividades de implementação.
Reconhecendo que a Real Expedição fazia parte de um projeto maior de
ocupação do interior do Brasil, com a chegada da corte portuguesa, os registros
paroquiais contem informações valiosas. Utilizados como fonte histórica, esses
documentos podem, atendendo a metodologia adequada, enriquecer nossas aulas
de História como material didático. Com certeza eles não trazem todas as respostas,
mas oferecem a possibilidade de uma nova metodologia e como ponto de partida
para novas pesquisas.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Ao seguir a proposta das DCE‟s aceitamos os novos rumos dados ao ensino
da história, na linha da Nova História e da Nova História Cultural, efetivada em
novos estudos e debates a partir da década de 1980. Sob sua influência, os
historiadores ampliaram suas temáticas, fazendo uso de novas fontes e colocando a
mostra sujeitos até então negligenciados pela história tradicional. Voltada
inicialmente para atender aos interesses do Estado-nação e para desenvolver nos
alunos o espírito patriótico, os objetivos do ensino de História tomam outras
dimensões que reforçam a importância dos estudos locais e regionais. Segundo
Bittencourt
Um dos objetivos centrais do ensino de História, na atualidade,
relaciona-se à sua contribuição na constituição de identidades. A
identidade nacional, nessa perspectiva, é uma das identidades a ser
constituídas pela História escolar, mas, por outro lado, enfrenta ainda
o desafio de ser entendida em suas relações com o local e o mundial.4
Ao optar pela abordagem da história local e regional para o ensino da História
do Paraná, nos colocamos diante de alguns conceitos, que dão suporte a ela. Neste
momento destacamos: cultura, cotidiano, identidade, memória e região.
O conceito de cultura aparece com destaque nas ciências humanas, com
múltiplas interpretações. Do Dicionário de Conceitos Históricos selecionamos duas
definições, que se ajustam aos estudos da história local.
(...) Bosi afirma que cultura é o conjunto de práticas, de técnicas, de
símbolos e de valores que devem ser transmitidos às novas gerações
para garantir a convivência social. Mas para haver cultura é preciso
antes que exista também uma consciência coletiva que, a partir da
vida cotidiana, elabore os planos para o futuro da comunidade. Tal
definição dá a cultura um significado muito próximo do ato de educar.5
4 BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4ª Ed. São Paulo: Cortez,
2011, p.121.
5 SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Henrique Maciel. Dicionário de Conceitos Históricos. 2ª ed. São Paulo:
Contexto, 2006, p. 86.
(...) cultura como o conjunto de realizações humanas, materiais ou
imateriais, leva-nos a caracterizá-la como um fundamento básico da
História, que por sua vez pode ser definida como o estudo das
realizações humanas ao longo do tempo. Tal percepção, no entanto,
só se desenvolveu plenamente com a Nova História, na segunda
metade do século XX.6
Outra abordagem que tomou força a partir da Nova História são as pesquisas
sobre o cotidiano, definido por Michel de Certeau como o lugar da invenção, onde
práticas ordinárias não seguem padrões impostos por autoridades políticas ou
institucionais. Silva e Silva destacam Agnes Heller, que ao definir o cotidiano afirma
(...) a vida cotidiana é a vida de todo o homem, e todos já nascem
inseridos na sua cotidianidade, na qual participam com toda sua
personalidade: com todos os sentidos, capacidades intelectuais,
habilidades manipulativas, sentimentos, paixões, idéias, ideologias.
Heller identifica e delimita as partes que constituiriam a vida cotidiana
como a organização do trabalho e da vida privada, os lazeres e o
descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a
purificação. 7
Ao utilizar o cotidiano como abordagem nos conteúdos de História do Paraná,
trazendo personagens e espaços ocultados pela historiografia oficial, o professor
pode mostrar aos alunos uma história mais humana, articulando a história individual
a uma história coletiva. Mas, alguns critérios devem ser observados pois,
(...) não devemos estudar o cotidiano de forma isolada ou enfatizando o lado „pitoresco‟ do passado. É preciso abordá-lo em uma íntima relação com as questões culturais, sociais, econômicas e políticas de cada época e sociedade.8
Para que o cotidiano tenha valor como fonte para o historiador ajudando nos
estudos da história local, Del Priore esclarece que
6 Op. Cit. p. 87.
7 Op. Cit. p. 76.
8 Op. Cit. p. 78.
(...) a história do cotidiano deve fazer-se através do estudo do habitual, mas
de um habitual imbricado na análise dos equilíbrios econômicos e sociais que
subjazem às decisões e aos conflitos políticos.9
Ligada aos debates em torno da diversidade cultural brasileira a noção de
identidade, já utilizada na Psicologia e na Antropologia, tornou-se um dos conceitos
mais importantes de nossa época, passa a ser também objeto de estudo da História,
num campo chamado Estudos Culturais. A construção das identidades sob o
enfoque sociológico e lingüístico levou ao aparecimento de diferentes conceitos:
identidade social, identidade étnica e identidade nacional; cada um com significados
e métodos de análise próprio.
Para o estudo da história local e regional vamos utilizar o conceito de
identidade social, iniciando com as contribuições da Psicologia Social e da
Antropologia. Segundo Silva e Silva para a Psicologia Social
(...) a identidade social é o que caracteriza cada indivíduo como
pessoa e define o comportamento humano influenciado socialmente.
(...) a personalidade, a história de vida de cada um, é bastante
influenciada pelo meio social, pelos papéis que o indivíduo assume
socialmente. Nesse sentido, a identidade social é construída para
permitir a manutenção das relações sociais de dominação. Além disso,
tomar consciência da própria identidade, tomar consciência de si é um
primeiro passo para alterar, se necessário, a identidade social, como
dominado. [A Antropologia tem outras abordagens para o conceito de
identidade social, presente na obra “O que faz o Brasil, Brasil” de
Roberto DaMatta que] (...) se preocupa em responder como se
constrói uma identidade social, e mais especificamente, como um povo
se transforma em Brasil. (...) uma pessoa cria sua identidade ao se
posicionar diante das instituições, ao responder às situações sociais
mais importantes da sociedade: como um indivíduo entende o
casamento, a Igreja, a moralidade, a Arte, as leis, etc., é o que define
sua identidade social. Esses perfis seriam construídos a partir das
fórmulas dadas pela sociedade, e não criados simplesmente pela
escolha individual.10
9 DEL PRIORE, Mary. História do cotidiano e da vida privada. In: Domínios da História: Ensaios de teoria e
metodologia. Ciro Flamarion Cardoso e Ronaldo Vainfas (orgs). Rio de Janeiro: Campus, 1997, p.266.
10 SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Henrique Maciel. Dicionário de Conceitos Históricos. 2 ed. São Paulo:
Contexto, 2006, p.202 e 203.
Ao desenvolver os estudos sobre as identidades, a historiografia associa o
conceito de memória, confirmando as palavras do historiador David Lowenthal, que
segundo Silva e Silva afirma
(...) identidade e memória estão indissociavelmente ligadas, pois sem
recordar o passado não é possível saber quem somos. E nossa
identidade surge quando evocamos uma série de lembranças. Isso
serve tanto para o indivíduo quanto para os grupos sociais.11
Após destacar o historiador inglês Stuart Hall que critica o estabelecimento
de hierarquias culturais e Kathryn Woodward que considera a identidade uma
construção relacional, Silva e Silva reafirmam o objetivo da inserção do tema das
identidades para a historiografia e para o ensino da História.
(...) precisamos considerar que toda identidade é uma construção
histórica: ela não existe sozinha, nem de forma absoluta, e é sempre
construída em comparação com outras identidades, pois sempre nos
identificamos como o que somos para nos distinguir de outras
pessoas. (...) a globalização aproximou culturas e costumes e, logo,
identidades diferentes. Assim, a convivência com o diferente faz com
que as identidades aflorem. (...) Ao levantarmos em sala de aula a
bandeira do respeito à diversidade cultural, às minorias, estamos nos
inserindo na discussão sobre a identidade.12
Ao utilizar a história local e regional como abordagem para o estudo da
História do Paraná, um dos conceitos necessários é o de região. Também revisto
pela Geografia, o conceito de região ultrapassa os elementos naturais de relevo,
clima, vegetação e hidrografia. Segundo Bittencourt tal conceito atende atualmente
(...) uma concepção mais voltada para a forma pelas quais os
homens organizam o espaço, tornando-o particular dentro de uma
organização econômica e social mais ampla. Esse conceito de região
permite o trabalho do historiador, ao dedicar-se à constituição
histórica regional em um processo de mudança e transformação. É
possível entender a região como construção histórica, e não apenas
como divisões regionais administrativas.13
11
Op. Cit. p. 276.
12 Op. Cit. p. 204 e 205.
13 BITTENCOURT, Circe Maria Fernandes. Ensino de História: fundamentos e métodos. 4ª ed. São Paulo: Cortez,
2011, p. 162.
Retomando a importância do ensino de História na constituição de
identidades, vista aqui como construção social, é possível através de estudos locais
levar o aluno a reconhecer-se como sujeito que vive e se relaciona num determinado
espaço. É nossa intenção que, a partir dessa consciência de pertencer a um
determinado lugar, nas suas práticas cotidianas, os alunos passem a valorizar a sua
história e compreendam as relações que se estabelecem com o restante da
sociedade. Incorporando os conceitos de cultura, cotidiano e identidades, cabe ao
professor a organização de atividades que resgatem a memória local, tornando os
alunos sujeitos na construção do conhecimento histórico.
Considerando que um dos objetivos do nosso projeto era oferecer aos
professores uma possibilidade de abordar os conteúdos de História do Paraná,
julgamos oportuna a leitura e reflexão da análise feita por Steca14 sobre as obras
relacionadas ao tema. São obras que podem ser encontradas nas bibliotecas das
escolas públicas do Paraná:
“História do Paraná” de Romário Martins (1899) – apresentada em 14
volumes a obra aborda questões regionais do Estado, como aspectos
físicos, sócio-econômicos e políticos de forma cronológica e cíclica.
“Viagem através do Brasil” de Ariosto Espinheira (1952) – apresentada em
10 volumes, onde o livro VII trata da História do Paraná, com informações
de Geografia e História.
“História do Paraná” de Ruy Cristovam Wachowicz (1967) – com a 7ª
edição lançada em 1995 – além dos textos onde se desenvolvem os
conteúdos, traz leituras complementares adicionais, na forma de
documentos para serem analisados pelo aluno com a orientação do
professor.
“História do Paraná” (1969) – coleção de quatro volumes editados pela
Grafipar durante o governo Paulo Pimentel – contou com a colaboração
dos autores Altiva Pilatti Balhana, Brasil Pinheiro Machado e Cecília Maria
Westphalen.
14
STECA, Lucinéia Cunha. A prática docente do professor de História: um estudo sobre o ensino de História do
Paraná nas escolas estaduais de Londrina. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Londrina, 2008.
“Coleção História do Paraná – Textos Introdutórios” (2001) – coleção de
cinco livros editados e distribuídos pela SEED – com pesquisas
desenvolvidas por professores da UFPR (Universidade Federal do
Paraná).
Destacamos também a obra “História do Paraná: do século XVI à decada de
1950”, publicada em 2002, de Lucinéia Cunha Steca e Mariléia Dias Flores, ambas
professoras da rede estadual de ensino. Voltado para os alunos do Ensino Médio,
com uma linguagem acessível, traz o estudo o Paraná por regiões, destacando os
fatos históricos e o desenvolvimento econômico de cada área. Também presente em
nossas bibliotecas, é um material que pode contribuir para a organização dos
conteúdos de História do Paraná.
3 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO OBJETO – O ENSINO DA HISTÓRIA
DO PARANÁ:
Após anos de lutas e debates, contando com o apoio dos mineiros e baianos,
os paranaenses emanciparam-se da Província de São Paulo. Em 19 de dezembro
de 1853 foi instalada a Província do Paraná, tendo como seu primeiro presidente
Zacarias de Goes e Vasconcelos. Segundo Wachowicz 15 logo no início do seu
governo, Vasconcelos confirmou a cidade de Curitiba como capital, apesar das
pretensões que tinham a esta regalia as cidades de Paranaguá e Guarapuava.
Acompanhando a evolução política e o crescimento econômico da nova
província iniciaram-se as discussões em torno da construção da identidade
paranaense. Com esse objetivo surgiu o Movimento Paranista, iniciado no século
XIX, tendo seu auge com a criação do Centro Paranista em 1927. Um dos líderes
do movimento foi Alfredo Romário Martins, nascido em Curitiba em 1874 , que
produziu mais de 70 livros sobre o Paraná. Aos 25 anos liderou a criação do
Instituto Histórico e Geográfico do Paraná, considerado uma das bases do referido
movimento.
15
WACHOWICZ, Ruy Cristovam. História do Paraná. 6ª ed. Curitiba: Gráfica Vicentina Ltda, 1988, p.123.
O crescimento econômico do Paraná com a produção de erva-mate
proporcionou um grande desenvolvimento urbano e cultural de Curitiba, capital do
Estado e centro do Paranisno. Segundo Peters o movimento reuniu artistas e
intelectuais e
(...) foi principalmente através das artes plásticas que se procurou construir
uma identidade regional do Paraná, para criar na população local um sentimento de
pertencimento a terra.16
Os paranistas criaram símbolos que, ligando aos elementos do passado,
faziam uma síntese histórica do Estado. O primeiro símbolo paranaense foi a
bandeira que, segundo Peters
(...) foi o símbolo mais antigo do Estado do Paraná, refletindo toda a influência
positivista e republicana, presente tanto no lema Ordem e Progresso, substituído
depois por Paraná, como no barrete frígio, cuja exclusão fez parte das
modificações feitas, provavelmente, por provocações populares em 1904.17
Seguindo uma tendência positivista, as festas cívicas locais e regionais eram
usadas para divulgar os símbolos paranistas, com a construção e inauguração de
um grande número de monumentos. Alem das obras de arte, as idéias paranistas
também eram expressas na pavimentação das ruas, em composições musicais e na
arquitetura. Peters acrescenta que
(...) os artistas paranaenses criaram um estilo próprio que se tornou marca; tendo
representações de grupos étnicos (índios e imigrantes), o pinheiro, a pinha, o mate e
a paisagem como temáticas recorrentes das suas produções.18
O Movimento Paranista também influenciou o ensino, através dos
Regulamentos para a Instrução Pública. O primeiro deles, implantado em 1895,
indicava pela primeira vez o ensino de um conteúdo ainda que mínimo, sobre a
16
PETERS, Ana Paula. O Movimento Paranista. In: Paraná espaço e memória: diversos olhares histórico-
geográficos. Claudio Joaquim Rezende e Rita Inocêncio Triches (orgs.) Curitiba: Editora Bagozzi, 2005.
17 Op. Cit. p. 269.
18 Op. Cit. p. 270.
história do Paraná. Em sua Dissertação de Mestrado 19 , Steca descreve as
modificações realizadas nos currículos escolares quanto ao ensino de História do
Paraná até a década de 1950, época em que os intelectuais paranaenses se
empenham em produzir obras destinadas às escolas. Observa que o Paranismo
sempre esteve presente na orientação dos conteúdos, priorizando a história política,
numa abordagem cronológica e factual, voltada para as séries iniciais do Ensino
Fundamental.
A preocupação de inserir os conteúdos de Histórica do Paraná nas demais
séries é recente, concretizada na Lei 13.381, de dezembro de 2001, inserida nas
atuais Diretrizes Curriculares. Lembramos que a visão positivista do Paranismo já
foi superada, mesmo assim o movimento contribuiu para a valorização da cultural
local.
Ao pesquisar a historiografia paranaense contemporânea observamos que os
estudos regionais vem ganhando força e essa tendência se reflete também no
ensino. Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e Médio
(1997) e as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná (2008) trazem em suas
propostas para o ensino da História a valorização da história local e regional.
Nesses documentos as atividades relacionadas com o estudo do meio e a localidade
são indicadas como renovadoras para o ensino da História e adequadas ao
desenvolvimento da aprendizagem.
Seguindo essa abordagem, elaboramos nosso projeto de implementação a
partir da leitura e análise dos primeiros registros de batismos da Freguesia de Nossa
Senhora de Belém, disponíveis no Arquivo da Catedral de Guarapuava. O que antes
era visto apenas como uma fonte histórica, pode ser levado para a sala de aula
como material didático, para ser lido e manuseado pelos alunos.
4 RELATO DA IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO
19
STECA, Lucinéia Cunha. A prática docente do professor de História: um estudo sobre o ensino de História do
Paraná nas escolas estaduais de Londrina. Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Londrina, 2008.
A implementação do projeto foi realizada com alunos do 6º ano do Colégio
Estadual Padre Chagas, no 2º semestre de 2011. Desde o início das atividades do
PDE na escola contamos com a participação efetiva da equipe pedagógica, que nos
deu o suporte necessário para que todas as práticas acontecessem.
Contamos com a colaboração dos professores das turmas de 6º ano que nos
indicaram alguns alunos que poderiam participar do projeto no contraturno,
utilizando como critério o interesse e a disponibilidade de tempo. Realizamos um
reunião para esclarecimento do projeto e distribuição de autorização para os pais,
destacando que as atividades seriam no colégio, em oito encontros semanais e
com data prevista para uma visita ao Arquivo Histórico da Catedral de Guarapuava.
Iniciamos as atividades no dia 26/09/11 quando os alunos devidamente
autorizados pelos pais, tiveram contato com o conteúdo do projeto. No Projeto de
Intervenção Pedagógica tínhamos previsto uma visita a Praça 9 de Dezembro para
inserir os alunos em nosso objeto de pesquisa. Considerando o custo da visita,
optamos por fazer uma pesquisa onde os alunos buscaram ajuda dos pais e
familiares para responder as questões sobre a praça, seus monumentos e sua
relação com a história de Guarapuava. No centro dessa praça destaca-se um
monumento com as cinzas do Padre Francisco das Chagas Lima. O resultado foi
bastante satisfatório, pois além de responderem, alguns pediram para os pais levá-
los até o local.
No dia 03/10/11 os alunos apresentaram as questões pesquisadas e assim
apresentamos alguns dados iniciais do nosso projeto. Utilizando algumas obras que
dispomos na biblioteca, relatamos a organização da Real Expedição de Conquista e
Povoamento dos Campos de Guarapuava e a presença do Padre Francisco das
Chagas Lima. Também preparamos os alunos para a visita ao arquivo, esclarecendo
que documentos iriam encontrar, o que deveriam observar e como manuseá-los. No
decorrer da semana, preparamos a nossa visita ao Arquivo Histórico, já agendada
previamente com os responsáveis pelo local, enviando comunicado aos pais.
No dia 17/10/11 saímos para o tão aguardado passeio, com 21 alunos e
contamos com a companhia da pedagoga Patrícia. Chegando ao Arquivo Histórico
da Catedral fomos recebidos pela funcionária Adriane, que mostrou o local onde os
documentos estão guardados, sua importância histórica e como tem sido
preservados. Passando para uma sala maior onde funciona a biblioteca da Casa
Paroquial, abrimos os dois primeiros livros de batismos que foram utilizados em
nosso projeto, para que os alunos pudessem manusear e conhecer de perto a
escrita do Padre Chagas, conhecido por ser patrono de nosso colégio. Nesse
momento os alunos não fizeram nenhuma anotação, apenas observaram e tiraram
as dúvidas que foram surgindo.
Em seguida atravessamos a rua e visitamos a galeria da Catedral Nossa
Senhora de Belém, local onde estão expostas peças que foram retiradas da igreja
como: capela de madeira, púlpito, confessionário, anjo de madeira, órgãos. Puderam
acompanhar o relato da Adriane sobre a construção da igreja, contado através de
uma galeria de fotos antigas. Finalizamos com a visita a Praça 9 de Dezembro, em
frente a Catedral, observando o monumento que homenageia o Padre Chagas,
também Patrono de nosso colégio. A visita foi satisfatória, os alunos participaram,
fizeram perguntas, tiraram fotos, e ficaram muito curiosos na galeria da Catedral.
Acredito que podemos aproveitar esse interesse para um novo projeto, tendo como
foco o Patrimônio Histórico.
No dia 24/10/11 iniciamos a análise do material didático, com a transcrição
dos registros de batismos dos brancos, negros e índios. A partir desse dia contamos
com a presença de onze alunos, que desenvolveram todas as atividades até o final
do projeto. Dividimos a turma em três grupos que receberam as transcrições dos
registros de batismos de brancos, índios e escravos. Para cada batizando, uma ficha
era preenchida, retirando dados para posterior análise. Os alunos não tiveram
dificuldade nesta atividade, apenas ficaram curiosos com o tipo de escrita, alguns
termos desconhecidos e também com os nomes diferentes. Esclarecemos que todas
as perguntas seriam respondidas no próximo encontro.
Lembramos que todo o material utilizado nessa atividade está disponível na
Produção Didático Pedagógica, podendo ser aplicado também nos conteúdos do
Ensino Médio.
No encontro do dia 31/10 realizamos uma pequena retrospectiva da Real
Expedição de Conquista e Povoamento dos Campos de Guarapuava, comandada
por Diogo Pinto de Azevedo Portugal. Distribuímos um mapa do Paraná sem a
divisão política atual para junto com os alunos traçar o possível trajeto feito pela
expedição, partindo de Curitiba até chegada em Guarapuava. Foi interessante, pois
os primeiros batizados foram realizados durante a viagem, nos acampamentos de
São Filipe e Linhares, e assim os alunos foram situando os espaços relatados no
documento. Nossa intenção é que ao ler os documentos, os alunos se colocassem
no lugar dos personagens e pudessem “viajar” com eles, descobrindo as conquistas
e dificuldades que passaram. Procuramos responder todas as perguntas que foram
surgindo, utilizando como fontes os livros de História de Guarapuava que dispomos
na biblioteca e que apresentamos aos alunos em todos os encontros.
Antes de iniciar as apresentações, coloquei no quadro algumas questões
provocativas para que eles fossem relacionando com os dados coletados nos
documentos. Iniciamos as apresentações de cada uma das fichas, procurando
chamar a atenção para todas as informações contidas. Para que as leituras não
ficassem monótonas, conduzimos o diálogo com o documento a partir de perguntas
como: “Quem era a Bernardina?”, “Que idade ela tinha quando foi batizada?”, “Que
nome recebeu o índio Candói após o batismo?” “E o Faingratain?” “Quem eram os
pais do escravo Manuel?” “Por que aparece no registro pai incógnito?”. Dessa forma
conseguimos manter os alunos atentos e participativos. Essas atividades tiveram
continuidade no dia 07/11 e foram encerradas em 21/11/11.
No encontro do dia 28/11/11 os alunos reuniram –se nos três grupos para a
confecção de desenhos e recortes para a montagem de um painel que seria exposto
no saguão do colégio. Devido a outras atividades que a escola tinha programado, e
por ser finalização do ano letivo, não foi possível a confecção do painel, mas
avaliamos o projeto através da produção de texto que os alunos elaboraram
individualmente.
Para finalizar a implementação do projeto, no dia 05/12/11 realizamos um
passeio “surpresa” que tínhamos prometido aos alunos. Visitamos o memorial do
Fortim Atalaia, construído em 2010 quando o município de Guarapuava comemorou
os 200 anos da chegada da Expedição comandada por Diogo Portugal. Uma
réplica da fachada do Fortim Atalaia foi construída no mesmo local onde os
integrantes da expedição acamparam em 1810 e onde tiveram os primeiros contatos
com os índios habitantes da região. Tiramos fotos, fizemos um lanche e encerramos
as atividades de forma alegre e tendo a certeza que os alunos aprenderam muito
sobre a história de nossa cidade.
Durante a implementação do projeto também realizamos o GTR (Grupo de
Trabalho em Rede), momento em que compartilhamos com outros professores a
experiência que estávamos vivenciando na escola. Sendo uma das formas de
formação continuada oferecido pela Secretaria de Estado da Educação, as
sugestões dadas pelos participantes contribuíram para o desenvolvimento das
atividades, lançando idéias para novos projetos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A implementação do projeto na escola finaliza o processo de formação
proposto pelo PDE e nos leva a refletir sobre o que pudemos avançar e que
contribuições deixamos para a aprendizagem de História. Levar os alunos ao
encontro dos documentos que fazem parte da história de sua cidade foi uma
experiência gratificante. As crianças são naturalmente curiosas e demonstraram
entusiasmo por conhecer o Arquivo Histórico da Catedral e os monumentos ao redor
deste. Fica claro que toda saída da escola, quando bem planejada, pode enriquecer
nossas aulas e despertar no aluno a vontade de aprender.
Para que esse trabalho não seja uma experiência isolada, necessitamos o
envolvimento de todos os professores da disciplina e a disposição de reformular os
planejamentos de História. Aprofundar os estudos das Diretrizes Curriculares e abrir
espaço para inserir novas metodologias é o caminho para uma aprendizagem mais
significativa. Em contrapartida, necessitamos que as leis sejam respeitadas para
que o número de alunos em sala de aula possibilite a aplicação de novas
metodologias. A experiência nos mostrou que o uso das fontes primárias em sala de
aula é possível , mas necessitamos de espaço físico adequado para que o diálogo
possa ocorrer.
A transcrição dos documentos exigiu uma preparação prévia, o que muitas
vezes impossibilita o professor de fazê-lo, diante do número de aulas e acúmulo de
atividades. O tempo reduzido para a pesquisa e seleção de materiais leva muitos
colegas professores a centrarem suas aulas no livro didático. Dessa forma
acreditamos que o material elaborado neste projeto contribuirá para o
enriquecimento dos conteúdos de História do Paraná, a partir da história local.
REFERÊNCIAS
ABUD, Kátia Maria; SILVA, André Chaves de Melo; ALVES, Ronaldo Cardoso.
Ensino de História. São Paulo: Cengage Learning, 2010.
BASSANEZI, Maria Silvia. Os eventos vitais na reconstituição da história. In: O
historiador e suas fontes. Carla Bassanezi Pinsky e Tania Regina de Lucca (orgs.)
São Paulo: Contexto, p. 141-171.
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