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O CRUZEIRO uma revista (muito) ilustrada Alberto Gawryszewski (org.) Coleção História na Comunidade – volume 3

O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

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Uma publicação do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI), do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina (Coleção História na Comunidade, v.3)

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O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

Alberto Gawryszewski (org.)

Coleção História na Comunidade – volume 3

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O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

Coleção História na Comunidade

volume 3

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ReitorProf. Dr. Wilmar Sachetin Marçal

Vice-ReitorProf. Dr. Cesar Antonio Caggiano Santos

Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-graduaçãoProf. Dr. Alamir Aquino Corrêa

Pró-Reitor de ExtensãoProf. Dr. Paulo Bassani

Pró-Reitora de EnsinoProfa. Dra. Fátima Cristina de Sá

Diretor do Centro de Letras e Ciências HumanasProf. Dr. Ludoviko Carnascialli dos Santos

Chefe do Departamento de HistóriaProf. Dr. Cristiano Gustavo Biazzo Simon

Coordenador do LEDiProf. Dr. Alberto Gawryszewski

Agradecemos

• Aos funcionários:

- CDPH/UEL; - Biblioteca Municipal de Londrina; - Comissão de Licitação/UEL; - Arquivo Público do Estado de São Paulo.

• Em especial, a Diretora da DM/UEL, Dra. Arlete F. da Silva Reis.

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Alberto Gawryszewski (org.)

Universidade Estadual de Londrina

Londrina • 2009

Coleção História na Comunidade

volume 3

O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

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Uma publicação do Laboratório de Estudos dos Domínios da Imagem (LEDI), do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina

Copyright© dos autores

Capa e editoração: Humanidades Comunicação Geral

Imagem da capa: O Cruzeiro, 26/04/1930 Imagem da contracapa: “Personalidades do ano de 1956”, O Cruzeiro, 06/01/1957

Tiragem: 1000 exemplares

Distribuição gratuita. Venda proibida.

Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CiP)

Toda matéria publicada é de inteira responsabilidade dos autores.

impresso no Brasil / Printed in Brazil

Feito depósito legal na Biblioteca Nacional

C957 O Cruzeiro : uma revista (muito) ilustrada / Alberto Gawrysewski (org.). Londrina : Universidade Estadual de Londrina / LEDI, 2009. (Coleção História na Comunidade, v.3) 90 p. : il.

Inclui bibliografia. ISBN 978-85-7846-067-9

1. Ensino de História. 2. Ilustração. 3. Fotojornalismo – Brasil – História. I. Gawrysewski, Alberto. II. Título.

CDU 930.1:77

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Apresentação

Sumário

7

9

35

55

89

Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de HistóriaAna Heloisa Molina

Ilustradores da revista O Cruzeiro Alberto Gawryszewski

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960 Jorge Luiz Romanello

Referências bibliográficas

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Sobre os autores

Ana Heloisa MolinaDoutora em História Social pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Professora Adjunto do Departamento de História da Universidade Estadual de [email protected]

Alberto GawryszewskiDoutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutorado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Professor Associado do Departamento de História da Universidade Estadual de [email protected]

Jorge Luiz RomanelloDoutor em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP-Assis). Professor do Departamento de História da Universidade Estadual de Londrina. [email protected]

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Apresentação

A publicação deste terceiro livro, da coleção História na Comunidade, é a continuidade da realização de um desejo: dar transparência às atividades científicas produzidas pelos professores da Universidade Estadual de Londrina (UEL), em especial do Departamento de História, que participam do Laboratório de Estudos dos Domínios da imagem (LEDi). É possibilitar um diálogo entre o saber científico e a comunidade.

Em agosto de 2006, foi criado no Departamento de História da UEL, na forma de projeto integrado (pesquisa/ extensão), o LEDI. Em três anos de existência, este tem desenvolvido diversas atividades relevantes. Entre elas podemos apontar: a realização, em maio de 2007, do I ENEIMAGEM (I Encontro Nacional de Estudos da Imagem – (www2.uel.br/eventos/eneimagem); a publicação da revista semestral Domínios da Imagem – http://www2.uel.br/cch/ his/dominiosdaimagem/ (em novembro de 2009 será lançado o número 05); cursos de extensão, e a realização, em maio de 2009 do ii ENEiMAGEM (www.uel.br/eventos/eneimagem).

Em 2008, o LEDI teve aprovado seu projeto junto ao PROEXT/2008- Programa de Extensão Universitária (ProExt Cultura), um programa dos Ministérios da Cultura e da

Educação, realizado com a colaboração da Fundação de Apoio à Universidade Federal de São João Del Rei (FAUF). Para este projeto partimos da afirmação contida nas Diretrizes Curriculares para o Ensino da História na Educação Básica, que diz que as imagens, livros, jornais, fotografias, filmes etc. são documentos que podem ser transformados em materiais didáticos de grande valia na constituição do saber histórico.

Este livro, que acompanha a exposição com o mesmo nome, foi concebido como mais um instrumento nas mãos dos professores na tarefa de dialogar com os alunos. Existem muitos trabalhos acadêmicos que tratam da revista O Cruzeiro e da fotorreportagem, mas nenhum dirigido ao público comum.

A exposição, composta por cerca de 80 banners (que podia variar conforme o espaço físico disponível), será montada em escolas,

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museus, associações esportivas, classistas e culturais. Foi dividida em tantas cinco partes, da seguinte forma: Capas; reportagens sobre diversos temas (lazer, policial, política, entre outras); propagandas; Riso (charge e caricatura); Assis Chateaubriand.

Este livro é formado por três artigos. No primeiro a autora propõe discutir as características essenciais dos periódicos enquanto fonte histórica e apontar sugestões para a sala de aula no Ensino Fundamental e Médio, recortando os temas propaganda, a construção dos papéis masculinos e femininos e variedades culturais e sociais no interior da revista O Cruzeiro delimitando as décadas de 1930 e 1940 para tal proposta.

O segundo artigo discute alguns ilustradores da revista O Cruzeiro. Optou-se em apresentar quatro importantes desenhistas: Belmonte; Nássara; Augusto Rodrigues e Borjalo.

Por fim, no último, o autor teve por objetivo escrever uma breve história da revista O Cruzeiro destacando aspectos gerais de sua trajetória de quase cinco décadas: o uso maciço de imagens; importância no cenário político e cultural brasileiro, estratégias de comunicação etc. Metodologicamente o autor recorreu, sempre que possível, a análise das imagens e dos conteúdos das reportagens discutidas dentro das tendências historiográfica atuais sobre a temática.

Espero que este livro, da coleção História na Comunidade (composta por nove livros), contribua para o debate do ensino de História e, especialmente, possa ajudar no resgate de um importante instrumento de cultura e lazer do Brasil, bem como formador de opinião, a revista O Cruzeiro.

Este material pode ser copiado, no todo ou em parte, devendo ser nomeada sua fonte. O download dos textos poderá ser realizado pela página do LEDI (http://www.uel.br/cch/his/ledi/ ), bem como dos vídeos produzidos e das imagens que compõem a exposição.

Boa leitura!

Alberto GawryszewskiCoordenador da coleção

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O uso de revistas, jornais e periódicos em aulas de

história para o Ensino Fundamental e Médio não é novidade.

Recortes de jornais, trechos e imagens de revistas pontuam

livros didáticos ou mesmo em textos preparados por

professores.

O desafio seria pensar tais fontes históricas

transformando-as em mediadoras culturais na relação de

ensino e aprendizagem em sala de aula.

Siman (2004) toma as idéias de Vygotsky para analisar

a construção e a aquisição do conhecimento (e da própria

subjetividade) a partir de matrizes sociais mediadas pela

cultura e pela linguagem.

Desta forma, o professor de História ao mediar as relações

entre os sujeitos e o objeto a ser conhecido (o conhecimento

histórico) inclui

[...] como parte constitutiva do processo ensino/aprendizagem, a presença de outros mediadores culturais, como os objetos da cultura, material, visual ou simbólica, que ancorados nos procedimentos de produção do conhecimento

Ana Heloisa Molina

Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista

O Cruzeiro na aula de História

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Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

histórico possibilitarão a construção do conhecimento pelos alunos, tornando possível “imaginar”, reconstruir o não vivido diretamente, por meio de variadas fontes documentais” (SIMAN, 2004, p. 88)

Neste sentido, procuramos relembrar algumas

características essenciais dessa fonte (periódico) e apontar

algumas sugestões para a sala de aula de História, recortando

os temas propaganda, a construção de papéis masculinos e

femininos e variedades, no interior da revista O Cruzeiro e

delimitando as décadas de 1930 e 1940 para tal proposta.

História e periódicos

Temos a possibilidade de leitura e escrita da história

tanto nos periódicos como por meio dessas fontes e como tal,

existem armadilhas passíveis de serem contornadas desde que

atentos a alguns cuidados.

Não podemos deixar de registrar o alerta de Ana Maria

de Almeida Camargo

[...] corremos o grande risco de ir buscar num periódico precisamente aquilo que queremos confirmar, o que em geral acontece quando desvinculamos uma palavra, uma linha ou um texto inteiro de uma realidade (apud LUCA, 2006, p. 117).

Mediante a essa não fragmentação, podemos pensar

jornais e periódicos como uma fonte rica para obtenção de

dados econômicos e a ampliação de aspectos da vida social,

política e cultural de um determinado período histórico.1

1 Entre outros pesquisadores, Gilberto Freyre, por exemplo, estudou aspec-tos da sociedade brasileira no século XIX a partir de anúncios de jornais, no texto “O escravo nos anúncios de jornais brasileiros do século XIX”. Recife, Imprensa Universitária, 1963 (LUCA, 2006, p.117)

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Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de História

Revistas, porém, necessitam de um grande cuidado.

Temos revistas ilustradas ou de variedades, e em grande

quantidade de títulos, em número crescente a partir do início

do século XX.

A leitura fácil e agradável e a abundância de temas e

imagens, em diferentes suportes como fotografias, desenhos,

charges e caricaturas, diagramadas de forma a chamar a

atenção dos leitores foram a tônica naquele momento.

Mas o que é uma revista de variedades? Luca (2006, p.

121) nos esclarece:

[...] poderia incluir acontecimentos sociais, crônicas, poesias, fatos curiosos do país e do mundo, instantâneos da vida urbana, humor, conselhos médicos, moda e regras de etiqueta, notas policiais, jogos, charadas e literatura para crianças, tais publicações forneciam um lauto cardápio que procurava agradar a diferentes leitores, justificando o termo variedades.

A autora alerta ainda para o uso deste termo no início

do século XX, onde a escolha “[...] não era arbitrária, antes

apontava para a relativamente pequena segmentação de

mercado. [...] Ainda que grande parte se autodenominasse

“de variedades”, é possível distinguir a intenção de atingir

públicos diversificados” (2006, p. 122).

Assim, as revistas de variedades procuravam atender ao

público feminino, masculino, infantil, esportivo, educacional,

literário, cultural e científico que no decorrer do século XX se

especializarão em segmentos distintos.

Procuremos atentar à materialidade das revistas em

diferentes momentos históricos ou perceber as mudanças

ocorridas em uma mesma revista em sua apresentação visual.

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Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Formato, tipo de papel, tamanhos de letras, diagramação

e disposição de imagens e textos, qualidade de impressão,

cores utilizadas, a divisão em seções, a distribuição de

títulos e subtítulos são alguns elementos que necessitam

de atenção, pois, tais apresentações propõem uma forma

de leitura, nada inocente, direcionando o olhar do leitor a

determinadas imagens ou manchetes em destaque, o que nos

coloca outros vetores: as orientações dos editores e o público

alvo de anúncios e reportagens, ou seja, o circuito produção,

circulação e recepção.

Feitos tais alertas vejamos as singularidades da revista

O Cruzeiro.

O Cruzeiro e o contar “a Verdade”.

O Cruzeiro surge em 1928 e a fotografia e a reportagem

adquirem novos sentidos e status o que proporciona a liderança

de vendas à revista.

A revista possuía circulação semanal, a primeira a

percorrer todas as regiões do país e pertencia ao conglomerado

“Diários Associados” sob a liderança de Assis Chateaubriand.

Com tiragem inicial de cinqüenta mil exemplares estabelecia um verdadeiro Record para os padrões da época chegando a circular 600.000.000 exemplares em média entre o meio e o final da década de 1950, atingindo um público estimado entre três e quatro milhões de leitores (devemos lembrar que cada revista normalmente era lida por várias pessoas) (ROMANELLO, 2009, p. 14).

A importância dessa revista no decorrer da primeira

metade do século XX pode ser mensurada pelos leitores

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Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de História

colecionarem tais reportagens acreditando guardar em suas

casas um pedaço da história do país e do mundo, “[...] uma vez

que os editores e fotógrafos de O Cruzeiro produziam no leitor

a sensação de contar “A Verdade” dos fatos, e não apenas uma

versão – entre muitas possíveis – sobre eles” (ROMANELLO,

2009, p. 16).

Fartamente ilustrada, com fotografias coloridas e

desenhos, com textos cuidadosamente redigidos para serem

lidos com rapidez e facilmente compreendidos, impressa em

papel de alta qualidade, que a tornava mais atraente, os temas

abordados ganham uma nova dimensão de apresentação e

recepção pelos leitores.

Uma breve parada para analisarmos os desenhos da

revista.

No período compreendido entre 1928 a 1940, as imagens

– desenhos, charges e fotografias – serviam muito mais para

explicar, ao acrescentar informações ao texto escrito. Ao

seduzir o olhar do leitor fazia com que este se interessasse

pelos assuntos apontados, e o direcionasse às informações

explicitadas pelo texto escrito.

Segundo Romanello (2009) o uso de desenhos era uma

opção, uma forma de atender ao gosto do público naquele

período, ainda muito acostumado a este tipo de comunicação,

pois os desenhos permitiam ressaltar detalhes e usar uma paleta

maior de cores, situação em que as fotografias começavam a

aperfeiçoar, bem como, as técnicas para imprimi-las.

Propagandas e a sedução do consumo

A publicidade irá atender às novas necessidades impostas

pelas mudanças da vida urbana e social do início do século XX

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Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

e a imprensa periódica a transformará em sua principal fonte

de recursos.

O anúncio se altera em sua estrutura e linguagem e os

reclames ocupam diferentes espaços seja em muros, bondes,

restaurantes, almanaques, jornais e revistas.

Pelas propagandas podemos perceber uma série de

elementos importantes na compreensão do cotidiano e da

dinâmica da sociedade em determinado período histórico,

como por exemplo, os diferentes estilos e padrões de vida,

as diversas expectativas dos vários grupos sociais, os papéis

delegados a mulheres, homens, crianças e idosos naquela

sociedade, os códigos de comportamento entre outros.

A publicidade não anuncia somente um produto, mas,

provoca um desejo. Esse desejo pode ser ao comprar um

produto possuir automaticamente as qualidades descritas pela

imagem e reforçadas pela seleção de palavras que a acompanha

como belo, forte, viril, saudável e sedutora. Recursos textuais e

visuais, as intenções empregadas para atrair o consumidor do

produto, as palavras chaves de persuasão propõem modelos

de comportamento e a manutenção de padrões estéticos a

diversas categorias sociais.

As propagandas veiculadas pelo O Cruzeiro eram

executadas em forma de desenhos ainda no início da década de

1950. Por meio desses desenhos oferecia ao consumidor uma

variedade de serviços e objetos como produtos farmacêuticos,

mobiliários, sapatos, bebidas entre outros. Destacam-se

os produtos dirigidos às mulheres, principal alvo da revista

enquanto um público consumidor em potencial, em especial,

os cosméticos e alimentos para a família como nas figuras 01,

02, 03 e 04 abaixo.

Comentemos as ilustrações.

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Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de História

A ilustração 01 nos traz informações textuais e visuais

interessantes. As propagandas da página à esquerda nos

anuncia, em desenhos, de cima para baixo, a loção Frank

Lloyd, aparentemente, unissex, com a chamada “ A loção

Frank Lloyd fica para o encantamento de todas as horas”;

no meio da página a esquerda, Vinovita “ É preciso que os

músculos e cérebros estejam vigorosos, isso só se consegue

com o poderoso tônico Vinovita” e abaixo, a publicidade dos

sapatos “Pompadoior. O sapato elegante que todas preferem”.

A página a direita é inteiramente dedicada à qualidade dos

biscoitos Aymoré, marca famosa, ainda hoje, no Rio de

Janeiro, pois “Um biscoito Aymoré appetece sempre. Em

qualquer occasião, ao café ou à hora do chá”.

A ilustração 02 nos proporciona outro viés. O uso de

fotografias interativas à palavra, marca do produto. Nesse

caso, a pasta Limol “ Faz uma pérola de cada dente” ocupa a

metade de duas páginas, com textos, em colunas, louvando

seus efeitos, e mulheres sorridentes abraçando as letras do

dentifrício. Vale observar que tal propaganda encontra-se

Ilustração 1. O Cruzeiro. 29/05/1937

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Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

abaixo de uma série de 04 fotografias de uma bela mulher

sorridente apresentando os cuidados necessários e charmosos

com os cabelos, em um diálogo sedutor entre as diversas

imagens, mesclando os produtos e suas mensagens.

A página escolhida para a ilustração 03 nos fornece

elementos instigantes. Temos a propaganda, com letras

destacadas, do produto cafiaspirina, (a atual aspirina) com o

texto “Eu me defendo trazendo sempre na bolsa um “carnet”

de cafiaspirina. Cafiaspirina o remédio de confiança contra

dores e resfriados, dor de cabeça e crises mensaes” ao lado

do logotipo dos laboratórios Bayer. Percebemos a figura de

uma mulher sorridente, prevenida, que possui um remédio

adequado tanto para a família (resfriados) quanto para

indisposições tipicamente femininas como as crises mensais

(leia-se as temidas cólicas menstruais).

É interessante notar que abaixo, em um retângulo menor,

e uma figura desenhada com tremores, temos o anúncio de

outro remédio contra dores de cabeça, o Transpirol: “Cuidado

com o primeiro arrepio. Transpirol evita resfriado, gripes,

Ilustração 2.O Cruzeiro. 13/05/1939

Page 18: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

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Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de História

dores de cabeça”. Ainda

na coluna esquerda, outro

anúncio para as senhoras,

em um pequeno quadrado

onde uma figura feminina

com barba propaga: “Bigode

de senhoras e verrugas.

Eliminação garantida.

Absolutamente sem

cicatrizes” e o endereço do

consultório do profissional

responsável pela proeza.

Na coluna da direita temos

anúncios de produtos

destinados à família como o Tônico infantil e desenhos de

duas crianças e acima, a pasta Kolynos, que “ embelleza seu

sorriso” é demonstrado pela fotografia de uma mulher branca

e loura, sorrindo.

Temos aqui elementos suficientes para refletirmos

alguns aspectos dessas mensagens tanto para o período como

para o contemporâneo: a ação de grande laboratórios (Bayer)

ou marcas (Kolynos) estrangeiros; o modelo ideal de mulher

como agente de propaganda (loura e branca); os cuidados

higiênicos associados à beleza do corpo (comprimidos para a

família e crises mensais, dentifrício que embeleza e eliminação

de pêlos por profissionais), o que nos propõe a pensar na

permanência, sutil, desses vieses em propagandas atuais (vide

especialmente aquelas veiculadas pelas vendas de cervejas,

as pastas dentais ou aparelhos que prometem acabar com os

incômodos da depilação em canais de shoppings virtuais).

Ilu

stra

ção

3. O

Cru

zeir

o. 1

7/0

6/1

939

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Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Os anúncios da ilustração 04 são demonstrativos que

a sedução para a compra de determinados produtos está

relacionada às idéias de força e energia. Temos então um

casal beijando-se apaixonadamente indicando que Sexuol é

aconselhado para os casos de fraqueza nervosa e ergastenia

(estafa) (observando que não há textos, mas, a imagem e as

palavras relacionando-as ao produto) e um homem rabiscando

em uma parede “nada de xaropes ou remédios”, pois, Uredol

em gotas é um “dissolvente do ácido úrico”.

Atentemos que estes anúncios estão localizados em uma

página a esquerda da revista, no canto inferior direito para

refletirmos sobre sua capacidade de atrair a atenção em meio

a outros textos, ou mesmo, os valores pagos pelos produtos

para anunciar em posições mais favoráveis, o que nos remete

também à capacidade de síntese entre imagens e palavras

chaves, exercendo um impacto visual

e promovendo significados de forma

direta ao público.

A leitura de imagens e textos

de produtos em propagandas nesse

periódico nos permite exercitar

alguns pontos: a crítica ao consumo

hoje (ao lidar com as informações que

nos são transmitidas pelos anúncios

publicitários podemos pensar acerca

do discernimento para o consumo

atual e o estímulo ao supérfluo);

a semelhança entre os produtos

oferecidos naquele período e hoje; os

Ilustração 4. O Cruzeiro. 11/02/1939

Page 20: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

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Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de História

modelos de propaganda, principalmente, os femininos; a

decodificação direta dos rótulos dos produtos no período

(Sexuol, Limol, Vinovita, por exemplo); as imagens

desenhadas das propagandas entre outros.

Mulheres e homens: lugares sociais e imagens

construídas

Podemos pensar que as imagens veiculadas em um

periódico nacional proporcionam determinadas construções

sobre o masculino, o feminino e a família que desejam

atingir.

Maria Paula Costa ao analisar a imagem feminina na

revista Cláudia nas décadas de 1960 a 1980 nos apresenta

algumas considerações pertinentes que podemos adotar nesse

item, atentando para os devidos períodos históricos.

A Revista Cláudia privilegiou a vida cotidiana feminina principalmente no âmbito familiar. No início dos anos 60, quando foi lançada, o perfil idealizado pelos editores seria a mulher casada, dona de casa, mãe e que teria no universo do lar o palco principal de suas experiências. O cotidiano familiar transformou-se em discurso nas páginas de Cláudia, e várias representações em torno do feminino e do masculino foram construídas, pensadas, inventadas e reinventadas no decorrer do período pesquisado (COSTA, 2009, p. 70).

Nos interessa aqui especialmente as construções e

reinvenções sobre o feminino e o masculino nas reportagens

apresentadas pelo O Cruzeiro.

Essa revista destinava seções direcionadas às mulheres

com títulos gerais como “Moda” ou “Culinária” e em um

período menor, por algumas décadas, possuía uma seção de

Page 21: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

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Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

conselhos femininos intitulada “Da mulher para a mulher”

com opiniões sobre um amplo leque de possibilidades, desde

a vestimenta adequada a determinadas ocasiões ao desejo de

ser independente, indagações presentes nas correspondências

de mulheres de todo país.

Nessas duas páginas da edição de 14 de agosto de 1943

(ilustração 05) temos elementos interessantes que nos dão

a dimensão desse moldar o público feminino. À esquerda,

a página apresenta uma reportagem sobre vitaminas (canto

direito superior): “A vitamina E e sua influencia sobre

os órgãos de reprodução”; três anúncios, dois tomando

grande parte das colunas a esquerda (“Lojas Dr Scholl para

o conforto dos pés”) e a direita (Realce os encantos de sua

cútis. Milhares de mulheres usam e recomendam o talco

Ross para realçar a beleza da cútis. Boratado, antisséptico

e confortante) e um pequeno quadro da “Casa e Jardim” no

canto inferior esquerdo. Entremeando as três propagandas

temos trechos das cartas destinadas à seção “Da mulher para

a mulher”, respondida por Maria Teresa.

Observemos algumas perguntas e excertos de

respostas:

Ilustração 5. O Cruzeiro.14/08/1943

Page 22: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

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Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de História

Jacy – Rio “Como conquistá-lo?”: Resposta: “No seu

caso ao que parece tudo marcha de maneira mais ou

menos satisfatória e, se for hábil, conseguirá, finalmente

chegar ao fim. Você bem o merece”.

Neném – Florianópolis “ só me casarei com trinta anos”.

Resposta: “Creio que deve pensar assim “só me casarei

quando encontrar alguém que ame” e estará com a razão.

O resto é literatura.”

Martha Lúcia – Rio “devo esperar que volte?” Resposta:

“[...] Aliás, antes do casamento, nenhuma situação deve

ser forçada e qualquer compromisso pode ser desfeito,

desde que represente sacrifício.”

Malita – Rio Grande do Sul “ acho que uma moça deve

ler tudo.” Resposta: “Discordo. Há coisas que nem

um homem, em díade adulta, deve ler. [...] E os livros

denominados “fortes” só podem cair nas mãos de criaturas

que possam compreendê-los convenientemente.”

Em meio a produtos para os pés, para beleza da cútis

e novidades para a casa, as indagações e respostas às cartas

possibilitam perceber a valoração da conquista e fisgar o

homem certo para o casamento e os compromissos com essa

instituição civil; o amor como premissa ao compromisso

matrimonial e as indicações de leituras a jovens, para

que essas não sejam envenenadas em suas concepções e

convenientemente encaminhadas à boa literatura. Essas

referências dizem respeito à família e ao lugar da mulher

como esposa e indivíduo a ser guiado, especialmente, em um

momento da história onde a mulher, devido ao período da II

Guerra, ocupa o mercado de trabalho e tem acesso ao voto, ou

seja, reorganiza e redimensiona seu papel na sociedade.

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Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Na página a direita, tomando metade da folha, a fotografia

de uma jovem sorridente, a beira da piscina, recostada em

uma espreguiçadeira em trajes de maillot, tendo crianças em

efeito borrado na água ao fundo.

Maria Teresa escreve mais longamente nessa seção

indagando sobre os “Perigos do amor” e responde a mais

correspondências como para a Funcionária – Rio, se esta

deve ou não usar óculos ou Juma – Rio Grande do Sul

sobre a renúncia ao amor ou ser “a outra”, onde a tônica,

nessa questão prende-se, para a conselheira sentimental,

às ilusões, relacionando-as aos perigos do amor, título de

chamada da página. As respostas de Maria Teresa (não

sabemos seu sobrenome, cargo ou se realmente era uma

mulher respondendo a outras) sugerem um reenquadrar e

moldar para o lar e as relações sociais, preservando assim, a

instituição família, um dos pilares da propaganda veiculada

pelo governo Vargas.

Sobre a figura da mulher conquistadora, mas,

enquadrada em determinados padrões, temos duas

propagandas interessantes.

As figuras 06 e 07 apontam produtos cosméticos com

apelos comerciais e sedutores.

O anúncio do creme Pond’s traz duas fotos e um

longo texto atestando as qualidades do produto para a

saúde da pele. As fotografias trazem uma jovem de cabelos

curtos e ondeados e sorriso sedutor. Abaixo a fotografia e o

depoimento da marquesa de Cambridge “bella cortezã de

Inglaterra” corroborando os efeitos promovidos e prometidos

pelo produto.

As semelhanças entre as figuras femininas selecionadas

apontam a aproximação, ou sua tentativa, entre modelos

Page 24: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

23

Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de História

estéticos internacionais

e a adequação ao público

feminino brasileiro, ou seja, se

até a cortesã inglesa utiliza um

produto acessível e facilmente

encontrado em farmácias,

porque não a mulher brasileira?

Lembremos, somente que o

termo “cortesã”, aqui, possui

a conotação de pertencente

à Corte, à nobreza, no caso, a

inglesa.

A ilustração 07 propaga

as vantagens dos productos

Satan com o título “Realce o

encanto de sua beleza” com o

desenho de uma bela mulher

cujas feições evocam a grande

dama do cinema Greta Garbo (1905-1990). A marca desse

cosmético sugere uma mulher fatal realçada pelos encantos

do produto calcada em uma atriz de grande apelo erótico,

mas, ao mesmo tempo, recatado, como toda mulher, leitora

de O Cruzeiro deveria ser. A atriz tomada como referência

para o desenho exerceu, durante sua atuação no cinema

norte americano (entre 1926 a 1941) uma aura de mistério, de

fascínio, inatingível, cujo filme A Dama das Camélias (1936)

tornou-se sucesso de público pela estória de uma prostituta

se redimir ao final da vida pelo amor, mas, esse amor não ser

possível de consagração, pois, a doença, devido aos excessos, a

ceifa da felicidade. Nessa película tais características tornaram-

se mais marcantes e consagraram internacionalmente a atriz,

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6.O

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Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

símbolo de beleza, encanto feminino e intocabilidade, daí, sua

referência em muitos produtos destinados às mulheres.

Os modelos masculinos, ou melhor, as possibilidades da

construção do masculino encontram-se nas ilustrações 8 e 9.

A reportagem, em duas páginas abertas, apresenta

o sugestivo título “Necessita o homem ser bello?” feita por

Maurice Romain, de Paris, no qual entrevista mulheres da

sociedade francesa na discussão desse interessante assunto.

As mulheres entrevistadas são caricaturadas em meio ao texto,

que possui as seguintes chamadas: “A força e a expressão, eis a

verdadeira belleza masculina, diz Germaine Dulac”; “Todo os

homens interessantes a quem conheci, diz Marguerite Deval,

eram feios”; “Escolha de preferência um marido bello, diz

Mme Yvonne Netter”. Os cantos das duas páginas apresentam

uma fotografia em tamanho grande, de Charles L Laskey, que

segundo a legenda que as acompanha nos informa que se

trata de “bailarino americano, considerado padrão de belleza

corporal”, agregando, ainda, as fotografias, em tamanho

Ilustração 7. O Cruzeiro. 24/02/1938

Page 26: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

25

Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de História

menor do astro hollywoodiano, Cary Grant, “Um homem

bonito” e Walter Connoly, na outra página com a legenda “Um

homem feio”.

Cary Grant (1904-1986) inglês, com 1,87m, alça ao

estrelato em 1935 com o filme “Vivendo em dúvida” junto à atriz

Katharine Hepburn. Símbolo de elegância masculina, estréia

a comédia “Levada da breca” (1938) e o musical “Prelúdio de

amor” (1937) consolidando uma carreira cinematográfica com

tipos boas praças, sedutores e defensor de valores familiares.

Walter Connolly (1887-1940) ator americano,

coadjuvante, atuando no cinema entre 1914 e 1939, era

conhecido por personagens rústicos, com uma figura rotunda

típica, representava normalmente papéis como empresários

exasperados ou chefes maus.

A disposição das fotografias, caricaturas, texto e

chamadas internas nos sugere que é desejável que o homem seja

belo, especialmente o eleito para o matrimônio, mas, a presença

de “força e expressão” e “interesse” para os menos favorecidos

constituem cabedal também para brilhar na sociedade, ao

Ilustração 8. O Cruzeiro. 20/08/1938

Page 27: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

26

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

menos, na francesa e porque não na brasileira, já que ressoam

por aqui muitos dos clichês europeus naquele momento.

A escolha dos atores do cinema e do bailarino como

padrão de comparação não foi casual. Tais referências conjugam

possuir ou não beleza plástica às qualidades expressas por

esses personagens, amenizando os possíveis “desajustes” ao

exercer determinadas características aceitáveis socialmente.

Ilustração 9. O Cruzeiro.14/05/1938

A ilustração 9 apresenta em duas páginas abertas, uma

reportagem especial para a revista realizada por A. Gugas,

“Para que os homens aprendam a cosinhar” e os seguintes

trechos do texto: “ Os homens estão aprendendo a cosinhar –

pois não. Isto também está sendo feito em Nova York, a cidade

das cousas surprehendentes. Não só as mulheres, donas de

casa devem saber a arte subtil de Vatel e seus discípulos, pela

falta de empregadas domésticas. Mas...quando as esposas

fizerem greve? Os barbados deverão ir para a cosinha e é esta

a razão pela qual.... estão pondo as barbas de molho! [...] E

são os homens de destaque social os alumnos mais assíduos.

Talvez porque estejam acostumados a comer bem, e não

Page 28: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

27

Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de História

queiram se arriscar a ingerir bifes de sola e arroz com Bispo”

A legenda: “Lavar pratos também faz parte do aprendizado”

constitui o toque de humor a um surpreendente assunto,

segundo inferimos pela reportagem.

As fotografias contribuem para reforçar essa “revolução”

masculina, já que a cozinha é um espaço consagrado da dona

de casa, mesmo para as esposas de “homens de destaque

social”. Um senhor jovem com barbas, em mangas de camisa,

aparentemente, batendo manteiga, supervisionado pelo

chefe e de homens confeitando um bolo, por exemplo, no

canto direito em coluna e outras fotografias com os alunos

observando cuidadosamente o chefe da escola de culinária

reforçam as frases do texto. Apesar de se tratar de um caso

na “surpreendente” Nova York repercutiria da mesma forma

em lares brasileiros? Talvez, como peculiaridade para a elite,

pois, o uso do termo surpreendente, por diversas vezes, alude

a exceção da situação.

Poderíamos indagar junto aos alunos quais os padrões

de beleza sugeridos pela sociedade, a influência dos meios de

comunicação e da cultura de massa na invenção de referências

masculinas e femininas e os papéis esperados para homens e

mulheres contemporaneamente a partir dessas duas últimas

ilustrações apontando para o poder de sedução e sugestão das

imagens e de palavras escolhidas para a construção de uma

sociedade que define claramente suas funções e lugares.

Variedades: o universo cultural e a sociedade em

flashes diversos.

Os temas culturais, a coluna social e a transformação

de elementos da sociedade e da paisagem em espetáculo

Page 29: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

28

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

constituem os motes de um periódico voltado a entreter e

informar o público.

Selecionamos três figuras, entre tantas, para pensarmos

esse item. Como comentado, por variedades entende-se

acontecimentos sociais, crônicas, poesias, fatos curiosos

do país e do mundo, instantâneos da vida urbana, humor,

conselhos médicos, moda e regras de etiqueta, notas policiais,

jogos, charadas e literatura para crianças entre os temas

propostos pela equipe editorial da revista.

A primeira ilustração tem como chamada “Doze anos

com Walt Disney”

As legendas das imagens correspondem à esquerda no

alto com os dizeres “ O

primeiro “Mickey” e a

primeira “Minnie” de

Disney em 1928. À direita

figuras de sua primeira

“Silly Sinphonies” em

1929”, com três caveiras

dançando.

Ocupando mais

da metade da página

uma cena do filme

Três Porquinhos com

a legenda “O primeiro

grande sucesso de Walt

Disney foi em 1933 com

os “Três Porquinhos” que cantavam “Who’s afraid of the big

bad wolf”. Continuação nas páginas seguintes”. Esse quadro

maior, levemente deslocado chama a atenção do público

infantil e também do adulto para a indústria cinematográfica

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Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de História

e de desenho animado em franca expansão, salientando os

principais personagens de Disney (os camundongos Mickey,

Minnie e o cachorro Pluto) e a animação, especialmente via

música, de histórias infantis clássicas.

Em meio às transformações tecnológicas da indústria do

cinema e da atração exercida, ainda hoje, pelo império Disney

de animação, convém refletir com os alunos o papel do cinema

na sociedade contemporânea, a expansão visual dos games e

jogos interativos e o reinventar da imagem cinematográfica

pela versão em terceira dimensão.

Ilustração 11. O Cruzeiro, 21/05/1938

A ilustração 11 alia a crônica poética sobre o morro e

imagens que o repórter José Conde, autor do texto, considera

como a paisagem humana. Nessa reportagem temos a autoria

das fotografias, que nesse caso, pertencem a Kikoler e a

chamada possui referências onduladas, como a própria idéia

de morro.

Vejamos trechos do texto:

Page 31: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

30

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

[...] Tudo foi afastando o pobre para os casebres de latas, do morro. Veiu o malandro: mixto de desordeiro e poeta. O samba era uma expressão da alma daquella gente. Triste, angustiado. Conseqüência da miséria do meio. A religião foi trazida pelos escravos da costa e aqui sofreu influencias da terra. Adaptou-se. Macumbas com “mãe de santo” e “filha de santo”. Com Xangô, Ogum, Exu. Com grande tristeza nos cantos de uma saudade estranha. Hoje o malandro desceu p’ra cidade. O andar bambo, a camisa listada. No morro ficaram as famílias pobres de operários e de marítimos que vão vivendo a vida ao seu jeito.

Nesse excerto podemos pensar alguns temas como: a

idéia de morro apresentada enquanto um lugar primeiramente

do malandro e depois do pobre; a descida do malandro à

cidade; a expressão do samba como elemento cultural das

classes sociais menos favorecidas; a religião africana e as

apropriações realizadas por seus moradores. Cabe perceber o

tom melancólico dado às macumbas de “mãe de santo” e os

cantos entoados por seus integrantes.

[...] negras lavando roupas, outras mulheres cuidando dos serviços caseiros, magras, caras de soffrimento. Uma venda, mais adeante (onde, de noite, os homens vêm beber e cantar sambas, para esquecer a vida). Crianças que não tem brinquedos, mas sabem brincar de roda... “Sou uma pobre viúva...Pobre de mim....”. Lá em baixo é a cidade grande se estendendo até longe. O mar. A bahia. Os edifícios sumptuosos. Coisa differente, que não é triste.

Esse trecho poético alia a descrição das mulheres pobres

e magras e os homens que vão ao bar a cantar os sambas em

contraste com os edifícios majestosos da cidade. O contraponto

pobreza-riqueza e a dura vida de seus personagens são descritos

nas histórias dos moradores como a de “[...] Vicência é viúva.

Page 32: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

31

Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de História

Cheia de filhos para criar. O marido ficou debaixo das rodas de

um bonde”; e os caminhos possíveis sonhados especialmente

pelas crianças. “Cada um tem o seu ideal. Esse menino deseja

ser marinheiro para correr mundo.”

As imagens da página à esquerda salientam uma criança

chorando, os barracos e as formas de cozinhar. Essas últimas

possuem como legendas “Cozinhar ao ar livre não enche

de fumaça a casa” e “ A bateria é pequena, e as cozinheiras,

milagrosas” indicando as dificuldades apresentadas e as

soluções encontradas pelas mulheres na sobrevivência

cotidiana.

O que une as duas páginas é uma fotografia deslocada

de crianças brincando de roda, tendo a paisagem de galpões

e trens a seus pés. À direita, como pilar, fotografias de duas

negras grávidas trabalhando: a primeira cortando lenha e a

segunda lavando roupa em uma tina. A legenda indica uma

contradição ou uma inversão da idéia de trabalho, como se no

morro não pudesse ocorrer o trabalho, ainda mais, o pesado

executado por mulheres, mesmo grávidas guerreando pela

sobrevivência: “Também no morro se trabalha... Trabalho

differente e pesado, sem direito a descanso quando alguém

está para nascer.”

A fotografia de crianças, dois meninos e uma menina,

registradas em ângulo de baixo para cima, o que valoriza a

dimensão a que se queira dar, fecha a reportagem. A legenda

sugere alento e a capacidade da infância em resistir em meio a

precariedade da situação: “A vida é boa de verdade para estes.

E, no morro, quantos motivos para grandes descobertas que a

alma infantil realiza sempre, dentro de mil insignificâncias...”

Temas atuais podem ser dialogados com as sugestões

promovidas por esta ilustração: a ocupação de morros por

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32

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

traficantes e a utilização de crianças no tráfico de drogas cada

vez mais cedo; os morros cariocas enquanto local de turismo

estrangeiro; a relação da religião com determinados setores

sociais e a infiltração de outros vieses religiosos naquele

espaço; os sinais de pobreza que foram captados pelas lentes

do fotógrafo e as mudanças ou permanências desses sinais e

principalmente, quais seriam as possíveis paisagens humanas

proporcionadas pelo morro hoje.

A ilustração 12 registra o desfile do Dia da Raça em 1937

e é uma cena perfeitamente adequada para conjeturarmos

acerca das estratégias adotadas pelo governo Vargas na

estruturação do Estado Novo.

Atentemos às propagandas em um primeiro momento.

Dispostas nos cantos esquerdos e no alto à direita têm produtos

voltados ao público feminino respectivamente: o dentifrício

Gessy “... clareia... sem desgastar o esmalte”; Metrolina “

antisséptico gynecológico para a Hygiene íntima da mulher”

e o perfume Organdy de Bazin “ a venda em todo o país. Os

perfumes tem, como as artes e as letras, os seus grandes

mestres e as suas obras primas. Organdy de Bazin é a grande

obra prima da perfumaria.”

As fotografias dos desfiles apresentam moças

uniformizadas e percebemos pelas legendas tratar-se de

escolas femininas, crianças de escolas municipais e moças

do Instituto Superior de Preparatório. Bandeiras, ordem,

uniformes, chapéus são a tônica dos registros fotográficos.

As legendas e o texto narram: “ O Rio de Janeiro assistiu

em 05 do corrente ao “Dia da Raça”. 40.000 crianças de nossas

escolas, colegiais, classes armadas, associações esportivas.”

E ainda: “Foi um espetáculo grandioso e confortador, uma

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33

Propagandas, masculino/feminino e variedades: a revista O Cruzeiro na aula de História

affirmação de pujança da nova geração do Brasil [...]. Nossa

objectiva procurou collher alguns aspectos da parada, que dão

idéia da sua imponência e grandiosidade”.

Temos aqui vários elementos interessantes para discutir

o período: o desfile do Dia da Raça (05/09) às vésperas do

desfile de independência (07/09); o uso de bandeiras e

uniformes, vetores fundamentais na organização visual de

corpo da nação, corpo social muito utilizado em governos

autoritários; a presença feminina ( a mulher enquanto

símbolo da nova raça); o diálogo com os produtos próprios

ao universo feminino (perfumes, higiene íntima, pasta dental)

relacionando raça/mulher/higiene; o próprio termo “raça”

utilizada naquele momento e os adjetivos e os termos adotados

pelo texto jornalístico (pujança, imponência, grandiosidade,

nova geração).

Ilustração 12. O Cruzeiro, 11/09/1937

Page 35: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

34

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Dessa forma, o termo “variedades” nas ilustrações

selecionadas agregou crônicas culturais, sociais e políticas

com o objetivo de apresentar flashes da sociedade, mas, sem

abrir espaços a maiores reflexões, onde até mesmo a pobreza

ganha tintas de poesia e melancolia.

Considerações finais

As sugestões ora proporcionadas nesse texto tomam

como premissa a atividade do professor em sala de aula com

o documento imagético e textual disposto em um periódico.

isso implica em pensar as etapas de apresentação desse

documento: a mobilização de conhecimentos prévios de

alunos envolvidos; a descrição (destacar as informações que

o documento possui); a explicação (associar as informações

com os conhecimentos anteriores); a contextualização do

documento na época, bem como, a identificação da natureza

do documento e finalmente, a verificação dos limites e os

interesses vinculados ao documento.

Dessa forma o uso de O Cruzeiro em uma aula de história

possibilita uma multiplicidade de questões que dialogam

com a contemporaneidade: a análise dos conteúdos dos

textos, o formato apresentado, as propagandas e anúncios, a

disposição de imagens e fotografias, as autorias envolvidas,

como o conjunto de informações está distribuído, a circulação

territorial, o consumo da revista enquanto produto cultural,

mas, também como mercadoria e o público a ser atingido.

Assim, essa fonte histórica, como outras possíveis de

serem utilizadas na organização de um conhecimento histórico

escolar, media reconstruções explicativas de um período, em

diálogos atuais, orientando alunos a atentar quanto às escritas

e narrativas históricas realizadas em diversos momentos.

Page 36: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

35

Alberto Gawryszewski

Ilustradores da revista O Cruzeiro

O editorial do número 01 da revista

O Cruzeiro deixava clara a importância da

imagem em sua composição: “O concurso da

imagem é nela um elemento preponderante.

A cooperação da gravura e do texto concede

à revista o privilégio de poder tornar-se

obra de arte.” Por ser uma revista nova

e moderna, apresentava-se como portadora de uma nova

mensagem usando novas tecnologias. O uso das imagens, em

especial da fotografia e da ilustração em cores, e de uma nova

diagramação foi pensado para mexer com os velhos hábitos e

criar novos modelos.

A capa do primeiro número, por si só, já é um bom

exemplo da proposta do editorial. As capas eram assinadas

como se fossem quadros. Nas reportagens, propagandas,

enfim, em quase toda a revista se encontravam ilustrações

feitas pelo lápis de algum artista. As fotos também estavam

presentes e foram ocupando um espaço cada vez maior dentro

Page 37: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

36

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

da revista, mas não tiravam a beleza e a importância dos

desenhos, em especial dos desenhos satíricos.

Nossa preocupação neste trabalho não é discutir todas

as ilustrações contidas na revista O Cruzeiro, mas mostrar o

uso do cartum, da charge ou da caricatura em seu conteúdo.

Muitos foram os que contribuíram para O Cruzeiro com sua

arte. Como exemplo, podemos citar J. Carlos (1884-1950),

com ilustrações e capas; Guevara (?-1965), com caricaturas;

Appe (1920-2006), com caricaturas políticas; Alceu Penna

(1923-1980), em páginas duplas com a série As Garotas;

Millôr (1923), com a série Pif-Paf e Ziraldo (1932-), com a

Turma do Pererê.

Péricles (1924-1961), criador de um grande sucesso com

o personagem O Amigo da Onça, Carlos Estevão (1921-1970),

continuador da série com a morte de Péricles e criador de, entre

outros sucessos, Dr. Macarra e Ser Mulher, foram estudados

no primeiro volume da série História na Comunidade (volume

01), portanto, optamos por excluí-los deste volume.

Selecionamos quatro ilustradores da revista O Cruzeiro

para a abordagem neste estudo, a saber: Belmonte, Nássara,

Bordalo e Augusto Rodrigues. Outras seleções seriam

possíveis, pois outros ilustradores fizeram excelente trabalho

na revista e em suas carreiras profissionais.

Há uma diferença conceitual entre caricatura, mais

voltada para traços corporais do caricaturado, charge, mais

voltada para crítica a um fato específico e, por fim, cartum, este

com uma linguagem artística universal. A charge e a caricatura

possuem limites temporais e espaciais, já o cartum, não.

Acredito que o leitor ficará, ao final do texto, curioso

por conhecer ainda mais sobre os artistas aqui tratados, como

também pelos apenas nomeados.

Page 38: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

37

Ilustradores da revista O Cruzeiro

Belmonte

“Juca Pato está carecaDe tanto levar no coco...Ele apanha como peteca,Até parece pato choco...”

Os versos acima fazem parte de um maxixe (tipo de

música muito difundida no fim do século XIX e início do

século XX, propícia à dança de salão) que fez muito sucesso na

cidade de São Paulo nos anos trinta. Seu nome é “Coitado do

Juca Pato” e se refere a uma figura muito popular na imprensa

brasileira nas primeiras décadas do século XX (criado em

1925). “Juca Pato” é o personagem mais importante criado por

Belmonte. Hoje ele está associado a um importante prêmio

da Associação Brasileira de Escritores, dado anualmente:

o Prêmio “Juca Pato”. Mas seu nome já esteve associado a

propaganda de cigarros, água sanitária, graxa de sapatos,

entre outras coisas.

Sua figura, por si só, já expressava sua personalidade:

careca, óculos escuros, gravata borboleta, cabeça

desproporcional, terno preto, polaina. Ele representava o

povo brasileiro, com seus sofrimentos cotidianos, indagações

sobre a existência, mutretas políticas etc. Simbolizando o

cidadão comum, não poderia se dar bem, pois não é o povo

que paga o pato?

Segundo Belmonte: “O ideal de justiça e os anseios de

igualdade foram, em verdade, os princípios que moveram

meu Juca Pato... Seria o nosso Dom Quixote a lutar contra os

moinhos de vento não fictícios?”

Belmonte foi um paulistano por toda a vida. Nasceu

em 1897 e morreu em 1947 sendo enterrado em sua terra, na

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38

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

quadra 44 do cemitério São Paulo, onde, sobre a sepultura

há uma estátua de “Juca Pato”. Foi convidado para trabalhar

no Rio de Janeiro, mas sua “vida carioca” só duraria dois

dias, retornando para São Paulo. Também foi convidado

para ir para os Estados Unidos, mas se recusou. Era, talvez,

o mais importante desenhista fora do circuito carioca, que

concentrava a “nata” dos grandes chargistas e caricaturistas

(J. Carlos, Nássara, Theo, Álvarus etc.).

O período ditatorial do Estado Novo (1937-45) se

caracterizou pela repressão às diversas formas de expressão

coletiva, fosse reivindicatória ou cultural. O Departamento

de Imprensa e Propaganda (DiP) foi o órgão responsável por

divulgar as mensagens que interessavam ao Estado, realçando

as qualidades do líder Vargas, de suas propostas, pela difusão da

imagem do “bom trabalhador” brasileiro, detentor de direitos

trabalhistas e da proteção do Estado, e pelo combate contra

o “malandro”, o “sem-emprego”, o desocupado, que deveria

ser punido por não contribuir para o “engrandecimento” da

Nação. A censura sobre as artes não poderia ter sido diferente:

músicas, jornais, esculturas, romances etc., todos sofreram

com sua existência.

A censura direta às caricaturas trouxe mudanças de

conteúdo. O sentimento reinante para os caricaturistas

de humor no Brasil foi o da decadência de seu campo de

produção, atribuída à violência da censura. Sgarbi (apud

SILVA, 1989, p.27) nos informou que a caricatura política

deixou de existir para ceder lugar à caricatura de costumes

(fatos corriqueiros do dia-a-dia sem crítica ao estado). Álvaro

Cotrim (1965, p. 25), famoso caricaturista brasileiro, sobre o

mesmo período, disse:

Page 40: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

39

Ilustradores da revista O Cruzeiro

A partir de 1937, com a implantação do celerado DIP, a caricatura, especialmente a política, que havia dado tão belos frutos, perdeu, naturalmente, seu ímpeto, [...]. Como na França de Luiz Felipe, em 1834, ao rigor da censura, os nossos caricaturistas também se voltariam, como seus ancestrais franceses, para a caricatura de costumes, um tanto anódino.

Herman Lima (1963, p. 30) também reforça essa tese

da liberdade de criação do caricaturista citando um de nossos

maiores caricaturistas, J. Carlos:

Era assim que em pleno Estado Novo, falado à Revista da Semana, em agosto de 1944, o mesmo J. Carlos afirmava categoricamente a decadência vertiginosa da caricatura, entre nós, por falta de ambiente propício, porque ‘reproduzir nos jornais, deformando-a, a cara de pessoas ilustres, famosas ou conhecidas por qualquer motivo não tem nenhuma significação.’[...].

Belmonte enfrentou a censura do Estado Novo com

dignidade e coragem, até que foi obrigado também a se voltar

para a temática internacional, tão crítica quanto a que fazia

correntemente, mas com menos censura. Estas charges

tiveram reconhecimento de fora do país. Um dos políticos

mais caricaturados por Belmonte foi o chefe de propaganda e

subordinado íntimo de Hitler, Goebbels. Conta-se que, ao ver

os desenhos de Belmonte que lá chegavam, teria dito que o

nosso artista estava a serviço dos Estados Unidos e Inglaterra,

ou seja, receberia dinheiro para produzir aqueles desenhos.

Para a revista O Cruzeiro Belmonte criou uma charge

dividida em dois quadros, onde comparava dois tempos. Não

era uma proposta inovadora, pois na música, por exemplo,

já encontraríamos tal situação. O Brasil se transformava,

Page 41: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

40

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

urbanizava-se e se industrializava. Desde a reforma urbana que

ocorreu na cidade do Rio de Janeiro, em 1904, a elite buscava

romper com o passado colonial e imperial e mudar o perfil

das cidades com a construção de largas avenidas arborizadas

e de prédios com traços mais modernos. A revista O Cruzeiro

acompanhava e defendia essa transformação e visão.

A imagem ao lado,

por exemplo, publicada

no primeiro número da

revista O Cruzeiro, em

10 de novembro de 1928,

é muito significativa. Ao

fundo, na parte de cima,

temos o Pão de Açúcar,

gasômetro, arranha-

céus, avião, fábricas,

entre outras imagens.

Abaixo, em primeiro

plano, a palhoça, um

homem dormindo na

rede amarrada em uma

árvore e uma bananeira,

um caçador e uma onça, um formigueiro sendo atacado por

um tamanduá, um índio dormindo enquanto a carne humana

estava sendo preparada na panela e por aí vai. São personagens

retirados de pinturas clássicas brasileiras do século XIX, que

na perspectiva dos autores possuíam carga positiva. A revista,

ao contrário, buscava mostrar essas imagens representando

o Brasil atrasado, inclusive com um olhar preconceituoso,

já que defendia o Brasil Moderno, ou seja, tudo que poderia

barrar o progresso do país era denunciado e criticado, mesmo

Page 42: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

41

Ilustradores da revista O Cruzeiro

que fosse preciso adentrar em um discurso carregado de idéias

pré-concebidas.

O editorial do primeiro número de O Cruzeiro deixou sua

proposta: Porque é a mais nova, Cruzeiro é a mais moderna

das revistas. É este o título que, entre todos, se empenhará

por merecer e conservar: ser sempre a mais moderna num

país que cada dia se renova, em que o dia de ontem já mal

conhece o dia de amanhã; ser o espelho em que se refletirá,

em períodos semanais, a civilização ascensional do Brasil,

em todas as suas manifestações; ser o comentário múltiplo,

instantâneo e fiel dessa viagem de uma nação para o seu

grandioso porvir.

Propunha ser uma publicação em prol do progresso do

Brasil. Não só defender, mas também registrar a ascensão de

nossa modernidade. Nada mais sutil. O conceito de civilidade

passava pelo desenvolvimento urbano, pelo crescimento

industrial, pela adoção de costumes modernos no trajar, falar e

comer. As comparações, para ajudar a difusão e aceitação dessas

idéias pela população, foram

uma constante na revista.

Assim, Belmonte aceitou

a proposta da revista e a

defendeu com seus desenhos.

Assim criou a série Ontem

e Hoje. É claro que, como

veremos a seguir, seus traços

também tinham a meta do riso

e de uma crítica moral.

A imagem ao lado,

publicada em dois de agosto

de 1930, é muito curiosa. A

Page 43: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

42

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

comparação proposta por Belmonte é em todos os sentidos.

Vejamos a escrita: O homem – criação do mistério – teve

sempre atração ao misterioso... Há anos uma perna feminina

tinha todo o encanto das coisas ignoradas... Mas hoje que as

saias subiram, as pernas desceram de cotação! Na imagem

superior temos os prédios coloniais, buracos na via pública,

uma carruagem e um homem com sua roupa de época vendo

passar duas mulheres com cabelos presos, chapéu e longos

vestidos. Como diz a legenda, sem as pernas à mostra.

Na parte superior da imagem temos os prédios altos,

automóvel, mulheres acompanhadas de um homem, de outra

mulher e sozinhas. Homens conversando com homens e com

mulheres. A vestimenta de ambos os sexos compatível com a

modernidade, bem ao estilo americano da década de 20. As

mulheres usando o cabelo curto e com as pernas à mostra.

Belmonte não ousou colocá-las de calça comprida. A dúvida

é: se as pernas caíram de cotação, qual a outra parte feminina

que subiu de cotação? Veja-se que os vestidos agora são mais

justos. Para concluir, chamamos a atenção do cachorro rindo

para o leitor. Representa, talvez, alguma homenagem a um

cachorro do artista ou, quem sabe, foi puro prazer. Afinal, na

modernidade não é concebível cachorro abandonado na via

pública.

Outra imagem curiosa e divertida de Belmonte vem a

seguir. Diz o jovem à moça: A senhorita dá licença que eu a

acompanhe? Ela responde: Se o cavalheiro quiser. Na parte

inferior da imagem o diálogo quase que se repete: A senhorita

dá licença que eu a acompanhe? Se o cavalheiro puder... Na

parte superior temos a lentidão da liteira, que é carregada

por dois escravos descalços, sem camisa e com traços de

aborrecimento. Novamente a via esburacada e um prédio

Page 44: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

43

Ilustradores da revista O Cruzeiro

colonial ao fundo. Na parte inferior da imagem vemos um

prédio em linhas modernistas, a via pública sem buracos e um

policial, com olhar surpreso, mas representando a segurança

dos tempos modernos. A mulher com seu cabelo curto,

independente, dirige seu automóvel, deixando o cavalheiro

a “comer poeira”. As vestimentas mais uma vez com suas

transformações. Temos também a figura do cachorro. Agora

são dois, cada um no ritmo de seu tempo: no passado, lento;

no presente, ligeiro.

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30

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Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Nássara

Alá-la-ô ô ô,mas que calor ô ô.Atravessando o deserto do Saara,o sol estava quentee queimou a nossa cara,Alá-la-ô ô ô.Viemos do Egitoe muitas vezes nós tivemos que rezar:Alá, Alá Alá,Meu bom Alá,mande água para ioiô,mande água para iaiá,Alá, meu bom Alá...

Sucesso do carnaval de 1941. Autoria de Nássara e Haroldo Lobo

Antônio Gabriel Nássara é uma das personalidades mais

ilustres da História do Brasil. Como caricaturista, chargista e

compositor de samba produziu alguns dos desenhos de humor

gráfico e sambas que mais marcaram o imaginário popular

de seu tempo. A música Alala-ô é cantada até hoje. Podemos

somar: Floribela, Balzaquiana, Sereia de Copacabana e

Periquitinho Verde. Foi também locutor do Programa do

Casé, sendo assim um dos pioneiros do rádio, e criador de

jingle publicitário.

Como caricaturista e chargista trabalhou para os

principais meios de comunicação impressos do Brasil, entre

eles: revista O Cruzeiro, A Nação, Diretrizes, Última Hora e

Pasquim.

Nássara nasceu no Rio de Janeiro em 1910, cursando

arquitetura até o quarto ano na Escola Nacional de Belas Artes

(hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro). Seu primeiro

desenho publicado foi no jornal carioca O Globo, em 1927, mas

Page 46: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

45

Ilustradores da revista O Cruzeiro

somente na década de 30 é que se tornou profissional. Teve

uma vida profissional ativa até sua morte, em 12 de dezembro

de 1996, com 86 anos de idade.

Assim como as letras de suas músicas, que satirizavam

e criticavam a situação política, econômica e social brasileira,

seus desenhos também o faziam. Apesar de a letra acima,

por exemplo, não trazer nenhuma referência ao problema da

falta de água na cidade do Rio de Janeiro, à época capital da

República, a correlação é clara para os contemporâneos da

música.

Para a revista O Cruzeiro produziu inúmeras caricaturas

de artistas e políticos brasileiros e estrangeiros e tinha sessão

intitulada Caricaturas do Nássara. A imagem a seguir,

por exemplo, com o título Água e Leite, traz uma situação

comum ao carioca e ao brasileiro urbano que era a falta de

água nas torneiras e o excesso de água no leite distribuído

para o consumo. Portanto, em uma mesma charge conseguiu

denunciar e fazer rir frente a dois problemas enfrentados

pela população. A mistura da água e leite era chamada de

“batismo” e objetivava o aumento do lucro do vendedor do

produto. Na primeira imagem temos a seguinte legenda: Eis

aqui os três “personagens” do drama da “Água no leite”. A

ingênua Mimosa, o inteligente Seu Manuel e a impossível

bica d’água. A mimosa é a vaca propriamente dita; o Seu

Manoel é o português que adultera o leite para aumentar seus

ganhos, e a bica d´água a responsável pelo produto adicionado

ao leite. Na segunda imagem vemos a cena de dois cientistas,

em seu laboratório, analisando uma suposta amostra de leite.

Chegam à seguinte conclusão: Depois de muitas horas de

inúteis trabalhos de pesquisa, os químicos resolveram mudar

de orientação; passaram a procurar a existência de leite na

água.

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Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

O Cruzeiro, 22/04/1944

O C

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Ilustradores da revista O Cruzeiro

Outra série produzida por Nássara para O Cruzeiro foi

Minha Luta, onde satiriza a figura de Hitler utilizando o título

do livro do ditador. De 24 de julho a 02 de outubro de 1943, o

leitor da revista pôde se deliciar com o seu humor destruidor.

A imagem anterior foi publicada em 14 de agosto de 1943.

As críticas das frases são, especialmente, dirigidas

a Mussolini, a quem chama de rinoceronte e responsabiliza

pelas dificuldades encontradas pela Alemanha na guerra em

função de seus atos estratégicos fracassados. Na primeira

imagem publicada, em 24 de julho, Hitler escreve que copiou

de Chaplin o bigodinho e a de Napoleão a mão dentro da

casaca. Em síntese, de um lado ridiculariza o ditador e conta

uma parte da História, na visão do artista.

Na imagem abaixo, publicada em 17 de junho de 1944,

podemos perceber que agora se chamava Charges de Nássara

e seguia o modelo de Belmonte, ou seja, trabalhava com dois

tempos, passado e presente. Mais uma vez a figura é Hitler, que,

no primeiro momento, domina o leão inglês, mas por ele depois

é derrotado. Churchill, Primeiro-Ministro da Inglaterra, joga

no lixo, com ar de satisfeito, o símbolo nazista, a suástica.

Page 49: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

48

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Borjalo

Mauro Borja Lemos, cujo nome artístico era Borjalo

nasceu em 15 de novembro de 1925, na cidade de Velho da

Taipa, estado de Minas Gerais. Faleceu em Teresópolis, em 19

de novembro de 2004. Por seu estilo de desenhar teria causado

um furor no meio artístico, ou seja, seus desenhos eram

compreendidos facilmente, mesmo sem o uso de palavras.

Além da revista O Cruzeiro, trabalhou para outras importantes

revistas e jornais brasileiros: A Cigarra e Manchete.

No fim dos anos 50 trocou a imprensa pela Televisão, que

ainda engatinhava. Passou pela TV Excelsior, TV Rio e, por fim,

a TV Globo, onde trabalhou até morrer. Foi nesta emissora que

criou, nos anos 70, para o programa Fantástico, a Zebrinha da

Loteria, que dava o resultado da Loteria Esportiva. Sua boca

e seus olhos se movimentavam quando

falava. De sua boca saía uma voz fina

e, quando o resultado do jogo não era

o esperado, ela gritava: ZEBRA! Outra

criação sua, que todos conhecem, é a

vinheta da Globo que faz Plim-Plim.

Um exemplo do que representava sua revolução artística

é a imagem ao lado, publicada em O Cruzeiro, no dia 29 de

julho de 1958. Não foi a primeira, mas a escolhi pela sua

beleza e simplicidade. Em realidade, trata-se de um cartum,

isto é, um desenho que possui linguagem universal, não se

limita ao tempo ou espaço específico. Neste outro caso estão a

caricatura e a charge que, em geral, só podem ser entendidas

no seu contexto, por seu público. Nesta imagem, o artista, em

uma caverna, copia pedaços de outra obra, ou conjunto de

obras, que se encontram pintadas na parede. São as conhecidas

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49

Ilustradores da revista O Cruzeiro

pinturas rupestres. O suposto autor das obras, o homem das

cavernas, parece não estar gostando do que vê: ou a invasão

de seu lar, ou da cópia de suas obras, ou dos dois.

Por produzir cartuns e por serem de excelente qualidade

plástica, Borjalo teve seus trabalhos distribuídos fora do Brasil.

Assim, foram publicados na Inglaterra, Estados Unidos, Itália,

França e Bolívia.

Page 51: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

50

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Outro cartum publicado na revista O Cruzeiro e que

mostra a genialidade de seus traços foi intitulado Borboletas.

As imagens emocionam e falam por si. O caçador sonha com as

borboletas, oferece flor, caça com o filho enquanto a borboleta

pai passeia com a borboleta filho e por aí vai...

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13/

07/

1957

O Cruzeiro, 09/04/1960

O Cruzeiro, 28/06/1958

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51

Ilustradores da revista O Cruzeiro

No final dos anos cinquenta, publicou diversos cartuns,

cada um com um tema, divertindo-se e divertindo os leitores:

farol, laço, baleia, hidroavião, entre outros mais variados

possíveis. Na página anterior apresentamos dois, um de 1958

e outro de 1960, para mostrarmos uma continuidade na forma

de expressão. Diferentemente de outros de seus trabalhos,

traziam o humor fácil. Buscava provocar o riso simplório

e mexer com as emoções de seus leitores. Era internacional

porque suas causas não estavam limitadas às fronteiras do

Brasil. Logo após esta série, sai da revista.

Augusto Rodrigues

Augusto Rodrigues foi outro genial artista plástico

a figurar nas páginas da revista O Cruzeiro. Como pintor,

caricaturista, chargista, educador, teve uma vida intensa.

Nasceu na cidade do Recife, estado de Pernambuco, no ano de

1913, filho de uma família abastada e tolerante politicamente

e de importantes jornalistas na cidade do Rio de Janeiro.

Sem formação acadêmica, estreou como ilustrador do jornal

Diário de Pernambuco. Depois partiu para a cidade do Rio de

Janeiro, onde seu tio, Mario Leite Rodrigues, proprietário de

jornais como A Manhã e Crítica o ajudou. Como caricaturista

e chargista político, trabalhou em diversos jornais: O Jornal,

Diário de São Paulo, Fon-Fon!, Tribuna Popular, entre

outros.

Na revista O Cruzeiro, além de reportagens, fez muitas

ilustrações. Um exemplo de suas reportagens é a que aparece

abaixo, onde trata de um tema de sua seara.

Page 53: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

52

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Tal como tantos outros desenhistas, no período do

Estado Novo partiu para charges e caricaturas de costumes

ou que tratavam de tema internacional. Ao travar uma luta

contra o nazi-fascismo internacional, sabia que combatia o

regime totalitário de Vargas. Desenhos seus com esse tipo de

perspectiva corriam o mundo, em especial na América Latina.

Um exemplo de charge de costumes, que buscava somente

o riso do leitor, é a intitulada Foot-ball (Futebol), publicada em

pleno Estado Novo, no dia 20 de janeiro de 1940. Apresenta,

de forma cômica, alguns personagens que compunham o

futebol: a esposa do jogador; o médico; o fotógrafo; o jogador,

o beque e, por fim, uma cena especial de um jogo. O fotógrafo

diz ao goleiro em plena ação: “Atenção! Fique firme! Não se

mova, que o flagrante vai sair na primeira página”. A esposa

O Cruzeiro, 01/06/1957

Page 54: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

53

Ilustradores da revista O Cruzeiro

do jogador se dirige ao marido e fala: “Não, Fernando! Não

pegue nesta bola! Está toda suja de lama”. O jogador, com

uma galinha morta na mão, pensa: “Este é o único jeito de me

iludir, quando gritarem: GALINHA MORTA!. Fingindo que

não é comigo...”. Na parte inferior direita, em uma cena onde

jogadores estão machucados (um sem a cabeça) e brigando

diz que é “um ligeiro acidente ocorrido entre o Paz e Amor

Sport Club e o Harmonia Foot-Ball Club”.

No quadro dentro da ilustração, pede perdão pela forma

como desenhou: “Perdão! O futebol é uma coisa séria![...].

No estádio moderno, são os espectadores que massacram o

juiz [...] ou os próprios jogadores, quando se trata de partidas

internacionais[...]”. Ou seja, na imagem ou no texto, ou em

ambos, a razão é o riso fácil, a descontração.

O Cruzeiro, 20/01/1940

Page 55: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

54

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Quando criança, teve muitos problemas nas escolas

em que estudou, sendo expulso de várias delas. Assim, esse

passado em que contestava a forma de ensinar, somado ao

fato de que compreendia que a escola não mudara desde seu

tempo, nem mudaria simplesmente com a redemocratização,

levou-o pensar na importância da arte para o ensino. Em 1948

fundou, com outros artistas que tinham a mesma preocupação,

a Escolinha de Arte do Brasil. Para Augusto Rodrigues e seus

companheiros, o regime democrático só se consolidaria com

cidadãos que soubessem preservar a paz e compreendessem

a condição humana, criando um meio social tranquilo e

saudável.

Hoje, Augusto Rodrigues é mais citado e estudado

como educador do que como pintor, embora sua proposta

pedagógica esteja toda relacionada com a arte. Desenvolveu

importantes trabalhos educativos, entre eles a organização

de exposições de arte produzidas por crianças brasileiras

em várias capitais da Europa. Todas essas atividades com a

educação o levaram a abandonar, quase que completamente,

a charge e a caricatura. Parou de trabalhar para os Diários

Associados e deixou de ilustrar O Cruzeiro.

Nos últimos anos de sua vida morou no bairro de Penedo,

cidade de Itatiaia, interior do estado do Rio de Janeiro, onde

faleceu, em 1993.

Ao finalizarmos este texto, espero ter contribuído para

a divulgação do trabalho desses ilustradores brasileiros. Por

sua arte se pode compreender melhor a História brasileira,

História política ou cotidiana, econômica ou da comunicação.

As imagens, neste caso, podem trazer o riso e a reflexão, mas

o importante é que representam uma forma de ver o mundo,

que era de muitos.

Page 56: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

55

Jorge Luiz Romanello

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

Introdução

Falar em poucas páginas da história daquela que foi uma

das mais importantes revistas que já circulou no Brasil não é

tarefa simples.

O Cruzeiro, de fato, mais do que uma revista ilustrada,

foi um modelo para a mídia brasileira, ou, melhor dizendo,

foi uma lançadora de modelos que motivou importantes

mudanças nas estruturas da própria comunicação do país.

Ao longo das décadas em que a revista circulou, as

matérias e reportagens veiculadas em suas páginas ganharam

a confiança dos leitores e eram, em larga medida, encaradas

como “A Verdade” sobre os fatos publicados, e não apenas

uma versão entre as muitas possíveis.

Nesta história, tão importante quanto sua

representatividade enquanto veículo de comunicação e sua

respeitabilidade junto ao público, foi o fato de conseguir

atingir, de maneira única, a afetividade dos leitores. Era

Page 57: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

56

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

comum encontrar pessoas que colecionavam as revistas, que

as guardavam semana após semana como uma referência

sobre os acontecimento, ou mesmo por sua beleza. Muitos

dos ex-leitores até hoje relatam em conversas informais, com

carinho, as lembranças das experiências de receber em casa,

ou de comprar nas bancas o esperado exemplar semanal da

revista.

Segundo eles, estes eram momentos habitualmente

vividos em família, e a chegada da revista aos lares é lembrada

em detalhes, como motivo de ansiedade para ler sobre os

acontecimentos da semana, ou, o mais comum, para saber

a última travessura feita pelo “Amigo da Onça”, o célebre

personagem criado por Péricles Maranhão e imortalizado nas

páginas de O Cruzeiro.

A variedade e a profusão de imagens foram suas

principais marcas, semanalmente a revista era ilustrada com

uma grande quantidade de fotos, cartoons, charges e desenhos

de todos os tipos, o que a tornava bastante atraente.

Em suas páginas os leitores – mas principalmente

as leitoras – encontravam cotidianamente uma enorme

variedade de assuntos: política, cidades, ciências, cinema,

teatro, o mundo do rádio, contos, moda, carnaval, história,

lugares exóticos, esportes, curiosidades e um sem número

de outros que se alternavam ou se sucediam semana após

semana, inseridos em meio a uma profusão de propagandas

de quase todos os produtos que se possa imaginar.

Para dar conta, ainda que parcialmente, de assunto tão

amplo e complexo, é necessário trabalhar simultaneamente

com a abordagem de várias perspectivas que se enredam na

história da revista.

Nesta perspectiva, é tão fundamental considerar a

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57

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

perenidade do periódico, quanto as mudanças técnicas – que

dizem respeito ao maquinário disponível, à adoção de novos

padrões editoriais e estilos fotográficos e etc. – ocorridas ao

longo das quase cinco décadas em que circulou. Da mesma

forma o poder e a influência de seu proprietário, Assis

Chateaubriand também devem ser considerados, entre outros

aspectos.

Esta história – que é apenas uma entre as muitas

possíveis e necessárias a respeito do tema e que não pretende

esgotá-lo – tenta contemplar, na medida do possível, estas

diferentes questões, considerando elementos pertinentes à

cada uma delas.

A implantação e os primeiros anos de O Cruzeiro

A história da revista O Cruzeiro confunde-se com a

história da vida do advogado e jornalista aventureiro, Assis

Chateaubriand Bandeira de Mello – conhecido publicamente

como Assis Chateaubriand e, pelos íntimos, simplesmente

como Chatô.

Nascido em 1892 em Umbuzeiro, na Paraíba, ainda

como estudante da Faculdade de Direito do Recife, lançou-

se na carreira jornalística, fazendo das polêmicas públicas

uma forma de se projetar. Chateubriand já havia descoberto

o poder desta prática – quando, ainda com 17 anos, travou

uma polêmica com Sílvio Romero pelas páginas dos jornais,

tornando-se momentaneamente o centro das atenções locais

(MORAIS, 1994).

Na época, 1909, Romero era um famosíssimo intelectual

e Chateaubriand, um ilustre desconhecido. A ousadia deste

feito projetou sua imagem.

Page 59: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

58

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Em 1916, recém formado e com apenas 24 anos, foi

admitido como professor da faculdade em que estudara.

Considerado muito jovem e inexperiente por muitos, teve sua

admissão contestada e somente conseguiu o cargo após uma

batalha judicial que movimentou influências de bastidores em

várias capitais.

Depois de tudo resolvido decidiu não assumir o posto

e mudou-se para o Rio de Janeiro, disposto a construir uma

cadeia de jornais.

Na capital, desenvolveu diversas atividades como

advogado e empresário, nunca se afastando do jornalismo,

profissão a qual mais tarde se dedicaria quase exclusivamente

(MORAIS, 1994).

Em 1924 com a compra de O Jornal, publicado na

cidade do Rio de Janeiro, iniciou-se efetivamente a execução

do projeto acalentado a muito tempo. Com esta aquisição –

logo seguida pela compra do Jornal da Noite de São Paulo

– Chateaubriand fundava os alicerces dos Diários Associados

A partir da compra de O Jornal, a aquisição de jornais,

revistas, rádios, agências de propaganda, e outras empresas

do setor, não parou mais.

A revista O Cruzeiro integrou este grupo e transformou-

se em sua empresa mais importante.

Em 4 de maio de 1928 foi fundada a Sociedade

Anônima Empresa Gráfica O Cruzeiro, uma revista semanal

ilustrada (NETTO, 1998, p. 35). O título já existia e foi

comprado do antigo proprietário, Edmundo Miranda Jordão,

pela importância, vultuosa na época, de dois contos e 500

mil réis (Id. ibid., p. 35), e circulou com o título O Cruzeiro em

seus primeiros anos.

Este pequeno fato pode parecer pouco importante, mas

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59

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

por si só já revela detalhes sobre o funcionamento do mercado

editorial da época, na medida em que demonstra que outros já

percebiam o espaço e o potencial do mercado para a circulação

de mais uma revista, no segmento dos “Magazines”, como

foram chamadas mais tarde.

Até então não existia no Brasil uma publicação deste tipo

que atingisse todas as regiões do país, o que exigiu grandes

esforços e gastos e Assis Chateaubriand não mediu esforços

para concretizá-lo.

A revista definia-se em seus primeiros números, como

a “Revista Contemporânea dos Arranha-Céus”, numa clara

alusão aos grandes edifícios que erguiam-se nas megalóples

dos Estados Unidos e que começavam a ser construídos em

maior número também no Rio de Janeiro e em São Paulo.

Naquela época, difundiam-se no país as promessas

do progresso representadas pelas grandes cidades, pela

difusão da tecnologia e da eletricidade que, juntamente com

a construção dos arranha céus de concreto, formavam o

próprio Glamour do modo de vida urbano, considerado por

muitos – principalmente pela elite – como o melhor, mais

civilizado e, principalmente, como um modelo a ser seguido

pelos brasileiros.

No editorial1 do primeiro número – publicado em 10

de novembro de 1928 – a revista definia-se como moderna.

O texto de autoria de Carlos Malheiros Dias mais parecia

uma declaração de intenções a respeito desta modernidade

e associava a imagem da revista aos arranha céus, à

radiotelefonia e ao correio aéreo

1 Termos semelhantes foram utilizados em mais de 400.000 panfletos utilizados para promover o lançamento da revista.

Page 61: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

60

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Depomos nas mãos do leitor a mais moderna revista brasileira. Nossas irmãs mais velhas nasceram por entre as demolições do Rio colonial, através de cujos escombros a civilisação traçou a recta da Avenida Rio Branco: uma recta entre o passado e o futuro. Cruzeiro encontra já, ao nascer, o arranha-céo, a radiotelephonia e o correio aéreo: o esboço de um mundo novo no Novo Mundo. Seu nome é o da constelação que, ha milhões incontaveis de annos, scintila, aparentemente immovel, no céo austral, e o da nova moeda em que resuscitará a circulação do ouro. Nome de luz e de opulencia, idealista e realistico, synonymo de Brasil na linguagem da poesia e dos symbolos (O Cruzeiro, 10/11/1928).

Segundo Ursini (2000, p. 20) estes elementos

apresentavam-se enquanto índices de um novo estilo de vida

Os índices do moderno estilo de vida estão relacionados ao que a técnica proporciona, aos novos espaços conquistados por meio da modelação da cidade e aos usos desses espaços. São índices o telefone, a casa com garagem – mesmo que se não o possua, ainda –, o fogão a gás, o aparelhos domésticos movidos a energia elétrica, entre os quais estava o aspirador de pó, chamado na virada da década de 1930 de “máchina elétrica” ... A idéia por trás dessas novidades tecnológicas é a de transformação. Transformação que pode ser vista nas grandes cidades que se remodelam sem parar: abertura de vias, construção de eddifícios, de pontes ... um mundo novo que podia ser visto ao vivo ou em imagens fotográficas. O cenário preferido pela revista O Cruzeiro era a cidade do Rio de Janeiro, a capital da República.

Nesta concepção, integrava-se a própria urbanidade a

que já nos referimos, e o Rio de Janeiro é mostrado como

modelo e índice de desenvolvimento para um país inteiro (id.

ibid., p. 20).

Publicados também no primeiro número, os projetos de

reforma urbana propostos para o Rio de Janeiro, elaborados

Page 62: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

61

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

pelo urbanista Alfred Agache, integram uma reportagem sobre

o futuro da cidade. “O Rio de Janeiro de 1950” (O Cruzeiro,

10/11/1928) exemplifica estes sonhos de um futuro grandioso

para a capital do país. Neles, a cidade foi apresentada em

um estilo grandioso e futurista, os desenhos criavam a

sensação que em 1950 a cidade do Rio seria uma megalópole

integralmente constituída por prédios imensos, densamente

distribuídos entre ruas largas e avenidas, enquanto poderosos

holofotes iluminavam os céus. Todos estes elementos

símbolizavam o próprio conceito de modernidade da época.

Outras representações desta modernidade, também

podem ser encontradas na revista, como por exemplo, nas

propagandas dos mais diversos tipos de produtos, na presença

sistemática de reportagens sobre a aviação, ou mesmo na

glamourosa passagem do Graf Zeppelim pelo Brasil.

A passagem da “fantástica máquina voadora”, uma

legítima novidade tecnológica no mundo, produziu uma série

de reportagens em várias edições de O Cruzeiro. Nelas o tema

foi abordado pelos mais diversos ângulos, tendo sido motivo

do desenho de capa em mais de uma ocasião.

Na foto de página dupla 24 de abril de 1931 o engenho

aparece sobrevoando a cidade do Rio de Janeiro. A legenda

O Cruzeiro, 10/11/1928. http://www.memoriaviva.com.br/ocruzeiro

Page 63: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

62

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

destaca tratar-se do Graf Zeppelin, passando sobre o bairro

dos Arranha-Céus, no Rio de Janeiro – composição de Arnaldo

Fogmayer para O Cruzeiro.”

Neste desenho, de conotação tão realista que mais

parece uma foto aérea, predomina o discurso da modernidade

representado tanto no domínio da tecnologia de construção

de grandes edifícios, quanto da máquina voadora.

A fundação da revista era também parte de um projeto

político e criava um espaço que serviria para ajudar a construir

a figura de Vargas como candidato à sucessão presidencial nas

eleições de 1930.

Assim ao mesmo tempo o empresário juntava ao seu

rosário de órgãos de comunicação um tão sonhado magazine

de circulação nacional com sabor de entretenimento do tipo

fait divers e criava uma importante máquina de propaganda

política.

Com o advento da revolução de 1930 e a vitória de

Vargas, que tornaria-se ditador do país pelos próximos quinze

anos, o sucesso da revista parecia assegurado.

Em 24 de Janeiro de 1931, O Cruzeiro publicou uma

extensa matéria a este respeito, consagrando-lhe uma foto de

corpo inteiro na capa, provavelmente colorizada por processos

O Cruzeiro, 24/05/1931, p. 34 e 35

Page 64: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

63

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

químicos, ou pelo uso de técnicas gráficas, uma vez que as

fotos coloridas ainda não existiam.

No plano geral destaca-se a baixa estatura característica

de Vargas, minimizada na edição, embora a foto tenha sido

tirada de cima para baixo. inúmeros civis mas principalmente

militares cercam Vargas. Enquanto uns simplesmente olham,

ao lado esquerdo um bate continência, ao passo que outro à

direita, indica-lhe o caminho. Ao fundo pode-se identificar

alguma mulheres – elemento importante que demonstra sua

participação indireta na vida política uma vez que as mulheres

não possuíam, ainda, o direito de votar.

A escolha desta foto

possui um significado muito

importante, considerando-se,

como já foi dito, que não existiam

praticamente publicações de

circulação nacional, em primeiro

lugar porque muitos brasileiros

certamente conheceram a figura

de Getúlio Vargas por meio dela

e, em segundo, porque com seu

uso apresentou-se à nação uma

imagem única, quase oficial,

daquele que se apossara da representação de líder da nação

representação que seria largamente trabalhada nos anos

posteriores por iniciativa do DiP Departamento de imprensa e

Propaganda responsável pela produção da imagem de Vargas.

Da mesma forma, no interior daquele número, uma série

de longas reportagens procura apresentá-lo como um chefe.

Fotos de rosto, de sua juventude, e em atos oficiais resumem

uma trajetória apresentada de forma vitoriosa.

O C

ruze

iro,

24

/01/

1931

Page 65: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

64

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Na história da revista este apoio

aos políticos, não era uma postura muito

clara e principalmente quase nunca

assumida publicamente. O Cruzeiro –

assim como qualquer outro órgão de

comunicação de Chateaubriand – podia

publicar propagandas de campanha de

outros candidatos, da mesma forma que

publicava matérias, geralmente pagas,

a respeito das realizações de governo,

até mesmo de seus piores inimigos,

caso isto se fizesse necessário.

Este era um expediente interessante que garantia as

fontes de renda necessárias à sobrevivência de suas empresas ao

mesmo tempo em que mantinha junto ao público uma imagem

de imparcialidade, o que aumentava sua credibilidade.

O mais comum era que a resistência em liberar dinheiro

para propaganda por parte de algum governante, ou mesmo

pessoa influente, acarretasse destruidoras campanhas contra

sua imagem.

Na década de 1930 discutia-se na sociedade brasileira,

questões como a eugenia (a formação da raça) e a formação

da nação, na política, as idéias totalitárias ganhavam formas

mais definidas.

Estes temas refletiam-se em O Cruzeiro. A capa de 27 de

Dezembro de 1930 oferece um excelente exemplo disso, pois

reúne diversos aspectos destas discussões. Nela se produz um

discurso sobre a nação e a raça. Note-se que se trata de uma

criança branca, excessivamente grande e forte, o que produz

um estereótipo para o brasileiro, um ideal, um objetivo que

se desejaria atingir. Isto contrastava com a realidade, pois na

O Cruzeiro, 24/01/1931

Page 66: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

65

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

prática, uma boa porcentagem da população brasileira era

mestiça e raquítica e sofria com problemas de saúde, como

doenças parasitárias e desnutrição derivadas de deficiências

básicas de atendimento de saúde, de falta de informação,

problemas provocados, muitas vezes, pelo desinteresse e

simples descaso dos governantes e das elites.

As simbologias da nação complementam o quadro. No

corpo do garoto, aparecem: às costas, a bandeira brasileira

indicada pela cor verde; no cinto um coldre com uma arma; na

cabeça um quepe; ao seu lado um pequeno canhão, símbolos

militares que o transformam em um pequeno soldado. As

cores da bandeira estão também representadas ao fundo, o

azul representa um céu limpo e claro, uma imagem do infinito

e calmo que paira sobre tudo. Sobreposto a ele destaca-se

o amarelo de um sol nascente, significando possivelmente

o nascimento de novos dias para a pátria que, somados ao

branco da pele do menino e ao verde do quepe e da bandeira,

completam as cores nacionais.

Assim, uma das interpretações possíveis desta

mensagem é: pátria forte se constrói com um povo forte.

Discurso muito parecido ao

do fascismo italiano, que

vicejava na época, mais tarde

incorporado também pelo

nazismo.

Algum tempo após a

vitória de Vargas, Chateaubriand

começou a se desentender com

ele, processo que culminou no

apoio do jornalista à revolução

constitucionalista de 1932.

O C

ruze

iro,

27/

12/1

930

Page 67: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

66

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

A derrota dos revolucionários paulistas, pelas forças

varguistas, e as crescentes críticas a Getúlio Vargas nos anos

seguintes custaram caro a Chateaubriand. O ditador tentou

exilá-lo e acabou por prendê-lo por um breve período, mas,

segundo Aciolly Netto, ex diretor de O Cruzeiro e autor do

livro O Império de papel: os bastidores de O Cruzeiro, o

maior revés sofrido pela revista foi a execução de prestações

atrasadas da compra das rotativas alemãs da marca Hoegen.

As dívidas pendentes de várias empresas ligadas aos

diários associados junto a bancos públicos, como o Banco do

Brasil a Caixa Econômica Federal, foram usadas por Vargas

como tentativa de domesticar Chateaubriand. Tornar-se

inimigo do ditador quase destruiu os Diários Associados.

As empresas passaram algum tempo sem a liderança

direta do “Grande Capitão” – título pelo qual mais tarde

o Jornalista David Nasser trataria Chateaubriand em seus

editoriais – pois na época o empresário saiu do Brasil por algum

tempo para evitar maiores conseqüências derivadas da crise.

As limitações impostas representaram um duro golpe

nos projetos editoriais da revista, a tiragem caiu a modestos

15.000 exemplares semanais – menos de um terço dos

50.0000 iniciais – e cogitou-se inclusive a possibilidade do

seu fechamento.

A despeito destes reveses, o periódico atravessou os

tumultos e continuou a publicar os temas do cotidiano por

toda a década.

Os bailes de carnaval foram uma das marcas registradas

da revista e perduraram como assunto em suas páginas por

décadas. Eram dezenas de páginas ricamente ornadas de

fotos que cobriam os bailes de salão e alguns eventos de rua

promovidos particularmente pelas elites paulistas e cariocas.

Page 68: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

67

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

Na cobertura de um destes bailes no carnaval de 1931,

destaca-se o tubo de lança perfume, produto livremente

utilizado pelos foliões de uma sociedade conservadora,

paradoxalmente largamente utilizado até meados da década

de 1940 e desde então proibido.

O mesmo tratamento receberam os esportes de maneira

geral, com especial destaque para o futebol, que com grande

freqüência aparecia nas páginas da revista, sob a forma

de reportagens sobre os eventos nacionais, estaduais e

eventualmente regionais.

A coluna “Stadio” esteve presente desde os primeiros

números de O Cruzeiro e caracterizou o tratamento do

futebol durante quase toda a década seguinte. A manchete

da edição da seção em 23 de março de 1929 foi o embate

entre o time paulista “Palestra Itália” (atual Palmeiras) e o

carioca “Botafogo F.C’”. A foto mostra um jogador pronto

para cabecear a bola – fato técnico relevante em uma época

O Cruzeiro, 09/02/1931, p.27.

Page 69: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

68

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

em que os equipamentos fotográficos eram grandes, pesados

e limitados. Isto nos mostra que as contendas interestaduais,

tão exploradas pelas mídias nos dias de hoje, tinham já seu

espaço editorial garantido há oitenta anos atrás.

Importante notar ainda que na página ao lado, à

esquerda, foi publicada uma matéria provavelmente enviada

por agências internacionais, a respeito das habilidades do

Marechal polonês José Pilsudsky. isto mostra que nas páginas

de O Cruzeiro, havia um pacífico convívio entre temas. Por

meio deste simples exemplo, pode-se perceber, como um

assunto de relevância internacional, a guerra, podia dividir

espaço com uma corriqueira reportagem sobre esportes, sobre

o lazer das pessoas.

É provável que este espaço dedicado a este esporte tenha

contribuído para torná-lo respeitado no Brasil.

O Rádio era outro assunto recorrente. No decorrer da

década de 1930, várias rádios foram anexadas ao crescente

patrimônio do Diários Associados. Este veículo era um meio

de comunicação que se desenvolvia de forma muito vigorosa

e apresentá-lo na revista produzia uma excelente propaganda

O Cruzeiro, 23/03/1929, p. 4-5

Page 70: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

69

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

sobre os eventos, programas e artistas que diariamente

chegavam ao interior dos lares brasileiros.

Estas reportagens tiveram grande importância em O

Cruzeiro até meados da década de 1950, quando começaram

a ceder seu lugar para as coberturas sobre a televisão, o novo

veículo que invadiu o Brasil em 1950.

A preparação de um programa de rádio, veiculado pela

“Rádio Tupi” – Chateaubriand era fixado em índios, tanto que

batizou uma série de empresas como Tupi, Coroados, Tamoios

etc –, foi objeto de uma matéria intitulada “Um Milagre

Radiophônico”. De autoria de Alceu Pereira, circulou em 23 de

fevereiro de 1939. Nela procurava-se levar ao conhecimento

do leitor as diversas etapas de elaboração prévia, necessárias

para uma transmissão ao vivo.

Desta forma aspectos corriqueiros para os funcionários,

tais como a seleção dos discos, a organização de partituras

para os cantores e o ajuste dos equipamentos, ocupam o

papel principal.O

Cru

zeir

o, 2

3/0

2/19

39, p

. 10

-11

Page 71: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

70

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

O mesmo ocorreu com os concursos de misses, as praias

e um sem número de outros aspectos abordados pela revista e

que passavam, assim, a integrar a vida cotidiana dos leitores

da revista naquela década.

Delineados por outras características, encontraremos

ainda presentes com freqüência, assuntos relacionados e

Ciência e a Tecnologia.

A década de 1940, os anos de fortalecimento e

consolidação

A década de 1940 pode ser considerada como um

período de fortalecimento político de Chateaubriand e

de consolidação de suas empresas e no qual a revista O

Cruzeiro estruturou-se e modernizou-se, tornando-se a mais

importante revista do Brasil das décadas seguintes.

No âmbito cultural da década de 1940 a revista destacava-

se por cobrir uma grande variedade de assuntos.

No cenário artístico, por exemplo, a atriz Carmem

Miranda era uma figura gloriosa e muito querida pelo público.

Seus personagens e trabalhos renderam várias reportagens

em O Cruzeiro. No entanto, mais importante do que isso, é

considerar que ela se tornou uma das poucas personalidades

brasileiras a ser representada na capa de mais de uma edição da

revista. Naquela altura, no início da década de 1940, a cantora

e atriz se transformava, com a colaboração de O Cruzeiro, em

um dos estereótipos da cultura brasileira.

Na capa publicada em 1941 aparece em uma fotografia

colorida – uma das raras que, ao que parece não sofreu

retoques, não se assemelhando, portanto, a um desenho.

Carmen Miranda foi fotografada nos seus tradicionais

Page 72: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

71

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

trajes exóticos e ornamentada com muitas pulseiras brincos e

colares, além do cabelo enfeitado com os conhecidos arranjos

de frutas tropicais e flores. É importante lembrar que esta

imagem é uma das imagens fundadoras, um ícone do cinema

brasileiro, uma indústria que dava os seus primeiros passos –

a companhia cinematográfica Atlântida foi fundada em 1941

– e que havia uma necessária circulação destas imagens no

circuito formado pelas várias mídias (cinema, revistas, jornais,

etc), cada uma delas interagindo em relação às outras.

A chegada da guerra redefiniu os acordos e alianças

políticas do país, redefinindo, desta forma, também os rumos

dos Diários Associados. Necessitando reunir politicamente o

país, Vargas refez alianças com todos os inimigos, entre os quais

estavam, de um lado, o liberal empresário de comunicação

Chateaubriand e, do lado oposto, por exemplo, Luís Carlos

Prestes, diretor do Partido Comunista brasileiro, preso havia

vários anos.

O Cruzeiro, 1941

Page 73: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

72

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Abrandadas as disputas – uma vez que até a morte de

Vargas, Chateaubriand devotou-lhe um ódio profundo – a

rotina de trabalhos lentamente se reestabeleceu e a revista

não só sobreviveu como prosperou solidamente.

A Segunda Guerra Mundial se tornou o principal

assunto da revista na década, e esteve presente em menor

escala, antes mesmo da entrada do Brasil no conflito.

As matérias enviadas pelas agências internacionais eram

publicadas em abundância. As coberturas variavam as

temáticas: hora apresentavam a preparação de tropas brasileiras

e sua atuação na guerra, hora eram as grandes batalhas navais

e aéreas que recebiam destaque; o desembarque das tropas

aliadas na Europa em 1944 e, a partir daí, foram publicadas

muitas matérias sobre a retomada de territórios conquistados

pelas forças do “Eixo”; mais tarde, sobre os acordos de paz e

esforços de reconstrução dos países envolvidos.

Vindas principalmente da Europa e dos Estados Unidos,

essas imagens eram, com frequência, diagramadas entre

mapas a respeito dos teatros das operações militares, que

esclareciam sobre a geografia dos acontecimentos. Eram ainda

acompanhadas de sugestivos títulos, subtítulos e comentários

sobre o desempenho dos aliados e suas vitórias, elementos

que, conjugados, davam a elas um tom de propaganda.

Estas reportagens enchiam muitas das páginas da

revista a cada número informavam e formavam a opinião

do leitor.

“O Drama de Leningrado” este foi o título conferido a

uma reportagem publicada no final de 1943 que tratava da

desocupação da cidade de Leningrado, na União Soviética

(hoje Rússia). O foco principal da cobertura, ilustrada com

fotografias do jornal americano The New York Times foi a

Page 74: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

73

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

luta dos sobreviventes da cidade que resistiu a anos de sitio

e intenso bombardeio, transformando-se, em função disto,

num símbolo de resistência aos nazistas.

As fotos destacam a cidade arrasada e em alerta contra

novos ataques das tropas alemãs, ainda próximas.

Em 1943, com a chegada do fotógrafo francês Jean

Manzon, iniciou-se uma fase de grande modernização em

O Cruzeiro, pois instituíram-se em suas redações novas

concepções estéticas de fotografia e novos modelos de

editoração. Estas mudanças foram fundamentais para que

nas décadas seguintes a revista se tornasse não só uma das

mais importantes publicações do mercado editorial brasileiro,

mas, principalmente, uma referência para outras revistas que

nasceram inspiradas no novo modelo.

Com o final da Segunda Guerra mundial em 1945, Vargas

encontrava-se politicamente desgastado e sua deposição foi

uma questão de tempo.

As artes faziam, cotidianamente, também, parte dos

assuntos de O Cruzeiro. Chateaubriand, um amante da cultura

O Cruzeiro, 11/12/1943

Page 75: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

74

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

clássica européia, desenvolveu várias ações e campanhas em

prol deste segmento.

A revista levava aos seus leitores opiniões de críticos de

arte e, por meio de extensas reportagens, promovia as mostras

e exposições ocorridas no Brasil e no mundo.

O C

ruzeiro, 0

3/11/194

5, p. 28

-29Em uma destas ocasiões, pode-se ver Assis

Chateaubriand passeando entre as obras da coleção particular

de Carlos Guinle. intitulada O Brasil terá sua galeria, a

matéria especial de Alceu Pereira comenta a importância das

iniciativas desenvolvidas neste setor, e destaca a participação

de “Chatô” na organização da mostra que se realizaria no

prédio dos Diários Associados. As legendas informam que

trata-se de obras de grandes e importantes artistas tais

como: Creuze, George Romney,

Nather e Murilo e que estariam

abertas à visitação do público,

o que deveria ser incentivado,

segundo Penna. No detalhe, a figura

de Assis Chateaubriand ao lado do

colecionador de arte George Guinle.

Page 76: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

75

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

Chateaubriand, pouco tempo depois, deu mais uma de

suas brilhantes cartadas, parte para a Europa, acompanhado

do jornalista e crítico de arte italiano Pietro Maria Bardi para

adquirir obras de arte a baixos custos em um continente

arrasado por anos de guerra.

De volta da viagem, de posse de vários quadros dos mais

famosos pintores da história, no final de 1947 fundou o Museu

de Arte de São Paulo, o MASP – hoje chamado Museu de Arte

de São Paulo Assis Chateaubrind, em sua homenagem. Esta

ação espetacular o inseriu de uma vez por todas na história

da cultura do país enquanto um de seus personagens mais

importantes, uma vez que hoje este é o mais importante museu

do gênero na América Latina.

A história da formação do acervo do MASP ilustra uma

faceta aventureira já conhecida do empresário mas mostra

também outra característica típica de sua personalidade, a

truculência. Os quadros adquiridos na Europa na fase inicial

de formação do museu foram comprados com empréstimos

de bancos públicos nunca pagos, e mais tarde com dinheiro

doado por fazendeiros e industriais pressionados por ele a

colaborar com a iniciativa cultural. Há vários exemplos de

pressões e intimidações levadas a cabo por Chateaubriand,

relatadas pelo escritor e jornalista Fernando Morais (1994),

na fascinante biografia de Assis Chateaubriand, Chatô o Rei

do Brasil: A vida de Assis Chateaubriand

1950 década de ouro de O Cruzeiro

Em O Cruzeiro, a década de 1950 iniciou-se sob a égide

do sucesso. O trabalho de Manzon, iniciado na década anterior,

frutificava a olhos vistos, a revista ascendia aos 200.000

exermplares, e o número de leitores também se multiplicava.

Page 77: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

76

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

David Nasser, jornalista talentoso formava com Manzon,

desde a década anterior, a maior dupla do jornalismo brasileiro

da época. Mesmo após a saída de Manzon das redações em

1951, outros jornalistas continuaram a praticar e a aprimorar

os modelos do moderno fotojornalismo canonizados pelas

maiores revistas da Europa e dos Estados Unidos.

O ano de 1950 marca, também, o retorno de Getúlio

Vargas à vida política do país, após um exílio voluntário de

cerca de 5 anos vividos no interior do Rio Grande do Sul.

A simples idéia do retorno do velho inimigo de

Chateaubriand causava-lhe repulsa, tanto que envidou

grandes esforços contra a eleição de Vargas. De qualquer

maneira, apesar de poderoso, Vargas agora voltava eleito e

sem os poderes ilimitados que a ditadura proporcionava.

As empresas ligadas aos Diários Associados

multiplicavam-se em ritmo acelerado e mais uma vez a

ousadia de seu proprietário marcou época na história dos

meios de comunicação do país. Em 18 de setembro de 1950

entrava no ar a primeira emissora de televisão da América

Latina, a “TV Tupi”.

Neste mesmo período as fotos coloridas aumentavam

de número nas páginas de O Cruzeiro e passavam a ocupar

cerca de 7 por cento das cerca de 200 fotos publicadas em

cada edição.

1954 foi um ano muito rico na história da revista,

principalmente em função das crises políticas e das

comemorações do aniversário de 450 anos da cidade de

São Paulo. Para um destes eventos, alguns índios foram

“importados” da região do Xingu, em nome da cidade. O

Cruzeiro participava ativamente na promoção da cidade e de

seu aniversário, publicando artigos e mais artigos sobre a beleza

Page 78: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

77

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

e a força da Capital Bandeirantes, enquanto Chateaubriand

promovia e participava das solenidades, e com isso promovia-

se também.

É fato bastante conhecido a paixão de “Chatô” pelos

índios, assunto muito recorrente na revista. Assim, ao passear

pelas ruas da cidade de mãos dadas com um jovem indiozinho,

em meio a outros membros da tribo Caiapó, consagrava-se

mais ainda no cenário cultural e tornava ainda mais público

o seu personagem, ligando a sua imagem a um assunto que

atraia a atenção do leitor no decorrer das décadas.

O Cruzeiro, 06/02/1954

isso mais uma vez demonstra que Diários Associados,

revista O Cruzeiro e Assis Chateaubriand interligavam-se de

maneira quase absoluta. O empresário defendia e ampliava

suas empresas, com o poder e a promoção pessoal que estas

lhe facultavam.

No mesmo ano mais uma crise política chegava ao

auge no país: Getúlio Vargas suicidou-se e um repórter de O

Cruzeiro conseguiu fotos exclusivas do presidente morto, as

tiragens chegavam a espantosos 700.00 exemplares e o público

estimado de leitores é de 4 milhões. A repercussão da morte

Page 79: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

78

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

do presidente teve, porém, desdobramentos inesperados:

um tumulto tomou conta do Rio de Janeiro e instalações de

jornais da cadeia dos Diários Associados foram depredados.

Chateaubriand foi acusado, juntamente com Carlos Lacerda

e outros, de ser o responsável pelo suicídio, em função da

campanha deflagrada contra Vargas.

Nos meses de setembro e outubro de 1954, uma série

reportagem produziu uma biografia do presidente destacando

aspectos pessoais e políticos de sua trajetória até o desfecho

trágico dos acontecimentos de agosto do mesmo ano. Dezenas

de fotos mostravam Getúlio em sua juventude e nos principais

momentos de sua intensa vida política.

“Getúlio o Homem”, de 16 de outubro de 1954, foi a

quarta e última da série, e mais parece uma retratação ou

pedido de desculpas velado, objetivando desfazer a imagem

negativa contra as empresas ligadas aos Diários Associados

e seu proprietário, que uma reportagem. “Morto nos Braços

da História” título que acompanha a foto da máscara

mortuária publicada no final da matéria (página a direita) liga

a reportagem ao texto da carta testamento e soa, ao mesmo

tempo, como uma grandiosa e respeitosa epígrafe tumular,

dedicada a um grande homem ou um grande líder.

O Cruzeiro, 16/10/1954

Page 80: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

79

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

Outra prática recorrente na revista era procurar ensinar

ao leitor a respeito de fotografia. Esta era uma maneira

de valorizar as próprias imagens publicadas e tornava-se

necessário em função das rápidas e constantes mudanças

ocorridas neste campo a partir da década de 1940.

Outra faceta importante de O Cruzeiro foi a sua prática

pedagógica. Era comum encontrar uma série de orientações

sobre o comportamento masculino e feminino, moda, culinária

etc.

Também a fotografia procurava interar o público sobre

os debates no campo da fotografia, um esforço para educar

de maneira mais direta o olhar do leitor, fornecendo-lhe

informações sobre as tendências internacionais do setor.

Publicavam-se matérias especializadas e fotos vencedoras

de concursos e mesmo resumos de exposições nacionais e

internacionais. Isto ajudava a valorizar de forma mais direta

o repórter fotográfico, o principal agente na produção das

fotorreportagens desde meados da década anterior.

A reportagem No mundo da fotografia de João

Martins, constituíu-se em um esforço para ensinar o leitor a

perceber as particularidades e as diferenças entre uma foto

acadêmica e uma fotografia moderna.

O Cruzeiro, 10/11/1956

Page 81: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

80

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

A foto acadêmica foi representada por A visão do

semeador, em que o austríaco Leopold Fisher retrata um

homem semeando um campo, fotografado em segundo plano

atrás de eixos de trigo, que formam o primeiro plano, já no

terceiro, um campo arado com pequena mata ao fundo.

Na imagem à direita da reportagem acima, mais

parecendo uma pintura modernista completando as páginas

de abertura da reportagem, encontramos Dança fantástica

do tcheco-eslovaco Adolf Rossi, que retrata um grupo de

dançarinas, fotografadas enquanto giravam saias rodadas. O

efeito da exposição longa transforma tudo – saias e pessoas

em movimento – em borrões, realçando o efeito de pintura.

A mensagem da reportagem como um todo demonstra

a preferência de seu autor pelo estilo moderno, a começar

pela distribuição do espaço visual entre as duas imagens. A

visão do semeador, uma foto retangular, aparece em tamanho

menor, à esquerda da página dupla de abertura da reportagem,

ao passo que Dança fantástica, ocupa cerca de uma página e

meia do lado oposto. Há ainda o endosso das legendas cujo

conteúdo é bem claro:

SUPERACADEMISMO. As visões do semeador [...] é um trabalho de montagem bem característico de um estilo fotográfico que, hoje em dia é relegado por muita gente à categoria de sub-arte. [...] Representa, realmente um superado produto da câmera escura. Já Dança fantástica é descrita da seguinte forma: SUPERMODERNISMO, Dança fantástica [...] é um inconfundível da arte fotográfica modernista, revolucionária, que atualmente tem adeptos intransigentes.

Em meados da década, a revista apresentou uma série

de reportagens e matérias internacionais que enfocavam a

paisagem de outras regiões do mundo e os costumes de seus

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81

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

povos. Isto não constituía por si só uma novidade, pois este

tipo de matéria comparecia com uma certa freqüência em O

Cruzeiro, porém após a introdução do fotojornalismo, suas

características mudaram: América Latina, Antártida, Goa,

Líbano e Pólo Norte adquiriram contornos espetaculares,

efeito reforçado pelo uso de fotos coloridas.

Na reportagem sobre uma viajem de David Nasser ao

“continente gelado” promovida por O Cruzeiro em 1959

intitulada Na Rota do Pólo Norte, acentua-se o caráter

etnográfico (de descrição dos costumes de um determinado

grupo humano) envolvido em tais viagens, como trazer ao

público brasileiro a paisagem e os costumes dos esquimós.

As legendas destacam tais características, chamando a

atenção para o fato de tratar-se de uma população que vive

ornada com suas roupas e botas longas em vermelho e branco.

Vistos em suas roupas coloridas, transitando pelas ruas de

Godthaab, capital da Groenlândia, e em outros lugares, gentes

e paisagens compõem um quadro impresso nas páginas da

revista. Devidamente emoldurados pela edição detalhada,

chegavam como um pacote cultural fechado ao leitor, que

poderia interessar-se por algum ou por diversos dos aspectos

abordados.

O Cruzeiro, 31/01/1959

Page 83: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

82

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

As estradas em construção criavam representações

– e eram representações em si mesmas – da modernidade,

veias de fluxo da economia pujante, mas, principalmente,

representavam a possibilidade de grandes viagens de carro,

materializavam momentaneamente sonhos de liberdade,

realizadas sobre quatro rodas. Esta imagem aproximava os

brasileiros das classes médias dos modelos propagados nos

Estados Unidos, ou seja, materializava-se uma aspiração que

ajudava a criar no país uma sensação de pertencer ao mundo

considerado desenvolvido.

Naquele momento construíram-se, modernizaram-

se ou ampliaram-se muitas estradas por todos o país,

prodígios quase sempre associados à genialidade e ao

empreendedorismo de “JK”, assunto este que fornecia fluxo

permanente de material para a revista. A tipologia que fundou

– ou remodelou – discursos, apelando particularmente para

sua espetacularização, foram as representações criadas a

partir das obras de construção realizadas em áreas onde

predominavam as selvas. Ambientes tratados como hostis,

verdadeiros inimigo do país, devendo por isso serem vencidos

pelos “heróico trabalhadores”, legítimos representantes da

“coragem do povo brasileiro”, que trabalhava penosamente

em sua construção para a afirmação da nação, esse processo

criou discursos visuais fundamentalmente apoiados em uma

relação antagônica entre homem e natureza.

A monumentalidade das obras foi fartamente realçada,

a revista explorou sucessivamente o contraste fornecido pelas

escalas. Comparou- homens com tratores de esteira e outras

máquinas. O próprio maquinário com a extensão das obras e

seu nível de dificuldades, além de carros e outros elementos

que caracterizam a ação humana, foram muito usados, criando,

Page 84: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

83

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

com isso, o efeito de contraste com o contexto fornecido pela

natureza. Da mesma forma, as fotos aéreas ofereciam acesso ao

macro contexto em que se desenrolam as histórias, reforçando

ainda mais sua importância.

Em setembro de 1959, uma foto aérea muito escura,

disposta em duas páginas, trás o título Belém Brasília: a selva

vencida, em grandes letras brancas. O que se vê é uma fenda

larga e clara, um trecho totalmente desmatado, e uma clareira

onde se vêem alguns casebres, representa a estrada, em meio

a uma densa vegetação. Abaixo outra foto, menor, mostra

quando Whaldir Bohund [um dos engenheiros responsáveis

pelas obras] testemunha o entusiasmo de JK no dia em que

foi derrubada a última árvore da BR 14. Logo abaixo, o texto

legenda confirma a vitória do homem, sua conquista em uma

luta de titãs e o benefício que sua construção trará à região.

A Belém Brasília é uma realidade – Epopéia daqueles que

venceram a Floresta amazônica em 60 a Amazônia ligada

ao resto do País por via rodoviária e integrada na economia

nacional.O

Cru

zeir

o, 1

2/0

9/1

959

Page 85: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

84

Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Naquela época, as fotos aéreas não eram um recurso

novo em O Cruzeiro. Neste caso específico, porém, não é na

grandiosidade da obra – que somente pode ser percebida em

imagens aéreas – que reside o valor mais intrínseco do seu

uso, mas no efeito contrário, ou seja, no ato de mostrar em

que tipo de contexto, no caso, a selva fechada, se insere a obra,

de forma a ressaltar que muito embora se trate de uma obra

monumental, realizada ao longo de milhares de quilômetros,

a custa de muito esforço, vista do alto e de muito longe torna-

se pequena, em meio à imensidão da selva.

Esta serve para contrastar os detalhes tomados ao nível

do chão – fartamente explorados em outras imagens tomadas

em planos médios, ou fechados – exatamente para relativizar

o contexto em que está sendo construída a estrada, além

dos títulos e legendas que reforçam os valores da “epopéia”

que tais construções representam, e que custaram a vida de

heróicos engenheiros e operários.

Nas páginas seguintes da reportagem, uma série de fotos

mostra em detalhes, homens e máquinas em seus esforços para

vencer a lama e a mata, enquanto as legendas complementam

as informações afirmando que Apesar do lamaçal, máquinas

funcionam em novos lanços e Moderna máquinas funcionam

24h por dia na terraplenagem, ou ainda Mesmo onde há

máquinas, o esforço do caboclo é indispensável. Além delas, a

fotos aéreas destacam localidades que a construção de pontes

envolve no “processo civilizador”. E os títulos reafirmam

o porte da batalha empreendida contra a natureza, onde

Árvores de até dois metros de espessura eram comuns como

barragem na abertura da estrada.

As cidades atravessam a década de 1950 como um tema

importante em O Cruzeiro. A cidade de Nova iorque era a

Page 86: O CRUZEIROuma revista (muito) ilustrada

85

Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

megalópole por excelência e encabeçava a lista das capitais

mundiais do concreto. Aparecendo como uma verdadeira

ode ao poder e força do homem, ao representá-la na revista

em geral, enfatizava-se o domínio dos arranha-céus que

projetavam uma certa frieza, o que não significa que não se

invocasse aspectos de sua beleza e fascinação como cidade de

costumes cosmopolitas.

Muito em função das semelhanças físicas e por

representarem os centros econômicos nos dois países, Nova

Iorque, pelo seu gigantismo, inspirava a comparação com

São Paulo, a maior e mais urbana das cidades brasileiras

do período. Assim, é comum encontrá-las representadas

através de seus principais signos: a profusão dos grandes

edifícios e avenidas, os automóveis, e a constante referência

a esta urbanidade, onde a natureza ocupa papel de pouca

importância. Mas serão também comparadas nos problemas

sociais e desumanização gerados por este gigantismo. Em

New York, José Amádio e João Martins produzem uma

narrativa pessoal, procurando apresentar as fotos como

extensões de seus próprios olhares, ação que as legendas, em

tom pessoal, reforçam.

Ao mesmo tempo em que o subtítulo comenta A maior

e mais complexa cidade do mundo, assemelha-se a uma

garotinha de saia curta e idéias compridas, a maioria das

fotos publicadas focam o concreto. A maior parte das legendas

– muito técnicas – resumem os números colossais das redes

de metrô, de distribuição de vapor e outros, que procuram

valorizar os aspectos dinâmicos da megalópole, seu trânsito

maravilhoso, reservando um pequeno espaço para retratar [...]

a velha York, materializada na vida noturna e Times Square.

No conjunto dessas imagens, uma chama

particularmente a atenção. Fruto de uma tomada aérea

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Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

da cidade, disposta atravessada em duas páginas, fecha a

reportagem. Nela aparece um mar de concreto composto

por prédios de diversas alturas, entre os quais se destacam

imensos arranha-céus. O título considera que Cada vez mais o

homem constrói a sua solidão, ao passo que sob uma pequena

foto sobreposta no canto – onde se pode ver um arranha-

céu fotografado de baixo para cima – a legenda confirma a

perspectiva dizendo que É assim que a gente vê o coração

de New York [...]. Ou seja, do ponto de vista do observador

posicionado na calçada, a cidade é muito alta, avassaladora,

ângulo que acentua a insignificância e impotência do ser

humano perante tamanha imponência na altura dos edifícios

da cidade.

Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que erigiam-

se essas odes ao concreto, na prática, em meados da mesma

década, o desenvolvimento urbano do país apresentava

peculiaridades típicas da estrutura de um país marcado por

sua formação intrinsecamente rural, embora existissem as

grandes cidades

No final da década de 50, não tínhamos megalópolis no Brasil. Apenas duas cidades, Rio e São Paulo, possuíam mais de 1 milhão de habitantes. O espaço urbano era ocupado por cidades médias e pequenas, que constituíam verdadeiras ilhas na medida em que as precárias redes rodoviária e ferroviária existentes dificultavam a integração regional (Fundação Braudel, p. 9).

Se por um lado o número e o tamanho das cidades

não atribuíam a elas um caráter definidor na paisagem e

nas estatísticas, de outro, seu crescimento se acelerava ao

passo que a sistemática associação da idéia do progresso

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Uma história da revista O Cruzeiro 1930-1960

com a imagem das cidades refletia-se nos modelos de

desenvolvimento que eram propagados, da mesma forma que

era influenciado por eles, movimento que se consagrava na

projeção do Brasil Moderno.

O país era reportado com o entusiasmo típico da época, o crescimento industrial, o aumento vertiginoso das cidades, e as benfeitorias do cotidiano promovidas pelas maravilhas industriais, registravam a certeza do país estar trilhando o caminho da modernidade [...] (BAITZ, 2003, p. 56).

Brasília por sua vez, encarnava toda essa simbologia do

novo e o moderno, ao mesmo tempo em que sintetizava todos

os valores do período e as ambições do presidente.

A capital que nasceu por acaso no comício goiano [...]. Simboliza esta cidade o tom que o presidente da república imprimia ao país, dinamismo, coragem, tenacidade, pioneirismo desbravador e audácia, fruto da vontade política associada ao espírito de aventura. [...] Em sua utopia, Brasília faria a ponte entre o projeto moderno de Juscelino Kubitschek de Oliveira e o modernismo mineiro doa anos 20 (GOMES, 1991, p. 145-147).

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Revista O Cruzeiro: uma revista (muito) ilustrada

Esta reportagem, que clamava as maravilhas e

competências de JK e do povo brasileiro, paradoxalmente

prenunciava o início de uma década de desastres para o país: o

governo de Juscelino aproximava-se do final e as tempestades

da conturbada passagem de Jânio Quadros se aproximava,

e traziam com elas os maus presságios de uma ditadura que

comandaria o Brasil com mãos de ferro a partir do Golpe

militar de 1964, por mais de 25 anos.

Chateaubriand adoeceu no início dde 1960 e apesar

de seus esforços para continuar à frente de suas empresas,

não conseguia superar as debilidades por ela causada. Os

Diários Associados sofreram então duros golpes, oriundos

das mudanças políticas decorrentes do golpe apoiado por

seu proprietário e, mesmo, de mudanças no cenário cultural

do país: a televisão avançava para tomar o lugar da principal

mídia e as revistas ilustradas começavam a se enfraquecer em

todo o mundo.

Com seu falecimento, em 1968, a derrocada da

revista tornou-se inevitável e acelerada e culminou com seu

fechamento em 1975.

Conclusão

Ao finalizarmos este capítulo, esperamos ter oferecido

elementos importantes para a reflexão a respeito da “Revista

O Cruzeiro”. Esperamos ainda que sua leitura colabore para o

entendimento da história recente do Brasil e para uma reflexão

crítica a respeito das relações dos meios de comunicação com

a sociedade atual.

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