o Direito Penal Entre a Sociedade Industrial e a Sociedade Do Risco

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o Direito Penal Entre a Sociedade Industrial e a Sociedade Do Risco

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Pgina 22O DIREITO PENAL ENTRE A "SOCIEDADE INDUSTRIAL" E A "SOCIEDADE DO RISCO"Revista Brasileira de Cincias Criminais | vol. 33 | p. 39 | Jan / 2001Doutrinas Essenciais de Direito Penal | vol. 2 | p. 269 | Out / 2010DTR\2001\8Jorge de Figueiredo Dias rea do Direito: PenalSumrio: Resumo: Para fazer face sociedade do risco, deve o Direito Penal renunciar ou modificar o paradigma atual? O novo sculo e o novo milnio devem assistir persistncia da funo do direito penal de exclusiva tutela subsidiria de bens jurdico-penais, tanto individuais e pessoais como sociais e transpessoais? Ou deve o Direito Penal instrumentalizar-se como forma de governo, de propulso e promoo de finalidades de poltica criminal ou de tutela de ordenamentos morais? Essas so as questes bsicas tratadas, concluindo-se no sentido de que "a dogmtica penal deve evoluir, fornecendo ao aplicador critrios e instrumentos que no podem ser decerto os dos sculos passados como formas adequadas de resolver os problemas do sculo XXI, mas sem por isso ceder tentao de 'dogmticas alternativas' que podem, a todo momento, volver-se em 'alternativas dogmticas', incompatveis com a regra do Estado de direito e, como tal, democraticamente ilegtimas". Palavras-chave: Sociedade do risco - Funo do Direito Penal - Paradigmas. O doutor Rogrio Soares escreveu, vo l trs dcadas, um livro notabilssimo no conspecto do pensamento juspublicista mundial - se bem que o reconhec-lo possa custar sua modstia intelectual e ao seu impenitente (mas benfazejo) relativismo perante "as coisas" do Direito.* 1Desse estudo disse Anbal Almeida, em justa apreciao, "que, a ter tido a fortuna de ser escrito em ingls e lanado l fora, seria hoje, seguramente, um 'clssico moderno' sobre as vicissitudes do 'esprito pblico' nas actuais sociedades tcnicas com a complexidade prpria da nossa aldeia global delineada por Marshall Mc Luhan, ao mesmo ttulo que o so as obras conhecidas de Jrgen Habermas ou de Norberto Bobbio...". 2Nele se leva a cabo uma sntese do estado do direito pblico na transio da sociedade liberal "clssica" para a sociedade tcnica de massas, caldeada pela certeira premonio dos problemas fulcrais que a sociedade industrial avanada teria de defrontar e resolver um dia para manuteno e reforo do ideal democrtico. At ao ponto de se poder asseverar que nas pginas de Direito pblico e sociedade tcnica - ou sob elas - se contm j, claramente presente, o paradigma juspublicista prprio da sociedade industrial acabada do fim do sculo XX. Esta convico d-me ensejo para tomar uma tal sntese como pressuposto das consideraes que em seguida bordarei sobre o paradigma penal neste dobrar do sculo e sobre as suas esperanas de poder subsistir nos tempos que se avizinham ou em que j est imerso. Deixarei implcito o aludido paradigma juspublicista, na certeza de que por todos ser reconhecido que ele se interpenetra estreitamente com o paradigma penal e, em muitos pontos essenciais, constitui mesmo o seu suposto subjacente; e que, assim, aquele continuar presente nos momentos essenciais das consideraes posteriores. Que elas, na sua singeleza, possam ser gratas ao nobre esprito de Rogrio Soares, para quem foram pensadas desde o primeiro instante 3e a quem as dedico com a amizade e a admirao da primeira hora, acompanhadas do sincerssimo voto ad multos et bonos. I. A reforma do Cdigo Penal (LGL\1940\2) portugus de 1982, que teve lugar em 1995, introduziu no articulado um novo preceito - aquele que reputo o mais importante de todo o diploma, o do novo art. 40. - subordinado epgrafe "Finalidades das penas e das medidas de segurana" e que reza assim: "1 - A aplicao de penas e de medidas de segurana visa a proteco de bens jurdicos e a reintegrao do agente na sociedade. 2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa. 3 - A medida de segurana s pode ser aplicada se for proporcionada gravidade do ilcito e perigosidade do agente".Este preceito culmina, em minha opinio, toda uma evoluo poltico-criminal e dogmtica, cujo primeiro esboo sistemtico talvez possa ancorar-se na publicao na Alemanha, em 1966, da Parte Geral do Projecto Alternativo de um Cdigo Penal (LGL\1940\2); 4mas, mais do que isso, ele consubstancia, de forma exacta, o paradigma penaldas sociedades democrticas industriais do fim do sc. XX. Um paradigma cujas razes mais longnquas devem procurar-se no pensamento filosfico ocidental moderno a partir do sc. XVII e se exprimem por excelncia no racionalismo cartesiano; na doutrina jurdico-poltica do individualismo liberal cunhada pelos pensadores europeus coevos, sobretudo ingleses e franceses, e que teve na Revoluo Francesa a sua mxima realizao poltica e social; e na mundividncia antropocntrica e humanista que, por entre teses e antteses aparentemente irredutveis, haveria de se impor no nosso sculo e conduzir o movimento formidvel a favor dos direitos humanos e da sua afirmao em todos os tempos, lugares e condies. Um paradigma, por outro lado, que no mbito jurdico-penal deve reivindicar-se da sua filiao no movimento do Iluminismo Penal e em muitas das suas teses centrais, em particular as da funo exclusivamente protectiva do direito penal no sistema social, da natureza puramente secular deste direito, da interveno mnima e da sua necessidade. Um tal paradigma - de que o notabilssimo Tratado de direito penal de Claus Roxin oferece agora o mais qualificado testemunho poltico-criminal e dogmtico 5- corresponde, nas teses essenciais que o perpassam e lhe do fundamento, quilo que eu mesmo venho, modestamente, pensando e ensinando ao longo das ltimas trs dcadas. 6Se quiser desimplicar um tal paradigma - embora quanto em seguida afirme s a mim me vincule e no necessariamente ao pensamento de Roxin -, talvez que me atreva a faz-lo por meio das seguintes teses: 1. tese: Na inter-relao das trs disciplinas que conformam a "cincia conjunta do direito penal" - correspondente a um entendimento renovado da gesamte Strafrechtswissenschaft de que h um sculo falou v. Liszt -, o primeiro e indisputvel lugar deve ser concedido poltica criminal. Por duas razes principais: porque poltica criminal que pertence hoje definir o se e o como da punibilidade, isto , nesta acepo, os seus limites; e porque (de algum modo, conseqentemente) os conceitos bsicos da doutrina do facto punvel, muito para alm de serem "penetrados" ou "influenciados" por consideraes poltico-criminais, devem pura e simplesmente - e foi mrito indeclinvel de Roxin t-lo posto em evidncia 7- ser determinados e cunhados a partir de proposies poltico-criminais e da funo que por estas lhes assinalada no sistema. 2. tese - Funo do direito penal , exclusivamente, a proteco subsidiria de bens jurdicos, tal como Roxin a vem definindo h longo tempo. 8Apenas acrescentarei que se no trata da tutela de quaisquer bens jurdicos, mas s de bens jurdico-penais, entendendo por tais os bens jurdicos fundamentais vida comunitria e ao livre desenvolvimento da pessoa e que, por isso mesmo, ho-de encontrar refraco no texto e na intencionalidade da Constituio, em matria seja de direitos individuais, seja de direitos sociais, seja de organizao poltica e econmica. 93. tese - A aplicao de penas e de medidas de segurana comandada exclusivamente por finalidades de preveno, nomeadamente de preveno geral positiva ou de integrao e de preveno especial positiva ou de socializao; a culpa, segundo a funo que lhe poltico-criminalmente determinada, constitui somente condio necessria de aplicao da pena e limite inultrapassvel da sua medida. Enfatizarei, neste contexto, somente dois pontos que no encontram paralelo na doutrina roxiniana. um o de que, dentro do limite mximo permitido pela culpa, a pena deve ser determinada - como desde h muito defendo 10e em data recente, de forma pormenorizada e concludente, demonstrou Anabela Rodrigues 11- no interior de uma "moldura de preveno geral positiva", cujo limite superior oferecido pelo ponto ptimo de tutela dos bens jurdicos e cujo limite inferior constitudo pelas exigncias mnimas de defesa do ordenamento jurdico; dentro desta moldura de preveno geral positiva a medida da pena ser encontrada em funo de exigncias de preveno especial, maxime, de socializao. O outro ponto - que pode soar estranhamente aos ouvidos de quem desconhea o sistema legislativo portugus, mas que, no contexto internacional, j hoje encontra suporte em jurisprudncia do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem 12- o de que consideraes de preveno geral positiva, nomeadamente sob a forma de manuteno da tranquilidade social e de tutela da confiana comunitria nas normas, podem desempenhar papel essencial tambm no domnio da aplicao das medidas de segurana, nomeadamente das privativas da liberdade. Nestas trs teses poltico-criminais se consubstancia essencialmente, em meu modo de ver as coisas, o paradigma penal que nos acompanha neste fim de sculo. Mas no momento que passa natural - e salutar - que perguntemos: estar ele destinado a acompanhar-nos no sculo e no milnio que se avizinham? Ou haver j no horizonte sinais da necessidade de uma nova revolutio nas concepes bsicas, nomeadamente no que toca ao modo de produo da legislao penal, funo deste ramo de direito no sistema social e s finalidades a assinalar aplicao dos seus instrumentos naturais, as penas e as medidas de segurana? E, conseqentemente, sinais de uma "nova" poltica criminal" e de uma "nova dogmtica jurdico-penal? II. As perguntas que acabei de formular pem hoje qualquer estudioso perante o topos que, na esteira do socilogo Ulrich Beck, se tornou conhecido como o da "sociedade do risco". 13No posso aqui discutir a questo (alis interessante e, julgo, particularmente significativa para filsofos e juspublicistas) de saber se este topos se no inclui na problemtica mais vasta da ps-modernidade, quando no mesmo com ela se confunde. 14Como to-pouco poderei analisar o problema de saber se e como o fenmeno da globalizao 15se correlaciona e interage com a sociedade do risco. Seja como for quanto a estes pontos, parece-me hoje indiscutvel que a ideia da sociedade do risco suscita ao direito penal problemas novos e incontornveis. 16No cometerei a injria de expor, sequer em breves palavras, o contedo essencial das ideias que presidem ao tpico da "sociedade do risco". Direi apenas que, nas suas implicaes com a matria penal, ele quer pr em evidncia uma transformao radical da sociedade em que j vivemos, mas que seguramente se acentuar exponencialmente no futuro prximo. Uma tal ideia anuncia o fim de uma sociedade industrial em que os riscos para a existncia, individual e comunitria, ou provinham de acontecimentos naturais (para tutela dos quais o direito penal absolutamente incompetente) ou derivavam de aces humanas prximas e definidas, para conteno das quais era bastante a tutela dispensada a clssicos bens jurdicos como a vida, o corpo, a sade, a propriedade, o patrimnio...; para conteno das quais, numa palavra, era bastante o catlogo puramente individualista dos bens jurdicos penalmente tutelados 17e, assim, o paradigma de um direito penal liberal e antropocntrico. Aquela ideia anuncia o fim desta sociedade e a sua substituio por uma sociedade exasperadamente tecnolgica, massificada e global, onde a aco humana, as mais das vezes annima, se revela susceptvel de produzir riscos tambm eles globais ou tendendo para tal, susceptveis de serem produzidos em tempo e em lugar largamente distanciados da aco que os originou ou para eles contribuiu e de poderem ter como consequncia, pura e simplesmente, a extino da vida. Ora, diz-se, para tutela destes "novos" ou "grandes" riscos - afinal, dos riscos que ameaam as geraes futuras e que suscitam ao direito penal, no exacto dizer de Schller-Springorum a propsito do direito penal do ambiente, problemas de "mega-dimenses") 18- no est o direito penal que cultivamos, de decidida vertente liberal, suficientemente preparado. No o est - assevera-se -, desde logo, quanto ao seu modo prprio de produo legislativa: 19este no pode mais ser o da tradicional e geralmente aceite competncia legislativa reservada dos Parlamentos, conducente a alteraes na legislao penal politicamente difceis, por isso mesmo raras e sofrendo quase sempre de um endmico atraso relativamente a uma transformao social que agora se processa velocidade de uma comunicao global e instantnea e de um progresso cientfico e tecnolgico acelerado, radical e imprevisvel; e, por isso, um modo de produo inadequado a uma criminalidade organizada dominada por "senhores do crime", 20que ultrapassam j de muito a figurao clssica do white-collar criminal 21para se aproximarem do cenrio catastrfico, imaginado por Ziegler, de "donos" de um crime organizado instalado escala planetria, como fase ltima do capitalismo, que pe em srio risco a prpria democracia e faz assim recear uma ruptura civilizacional. 22No est o direito penal, por outra parte - argumenta-se -, preparado para a tutela dos grandes riscos se teimar em ancorar a sua legitimao substancial no modelo do "contrato social" rousseauniano, 23fundamento ltimo de princpios poltico-criminais at agora to essenciais como o da funo exclusivamente protectora de bens jurdicos, o da secularizao, o da interveno mnima e de ultima ratio. Porque se se quiser manter estes princpios, tal significar - assinalou-o Stratenwerth em duas conferncias a vrios ttulos notveis 24- a confisso resignada de que ao direito penal no pertence nenhum papel na proteco das geraes futuras; como, entre outros e principalmente, os temas dos atentados ao ambiente, da manipulao gentica e da desregulao da actividade produtiva se vo encarregando j de mostrar ou de prenunciar. No uma funo minimalista de tutela de bens jurdicos na acepo moderna, constituintes do padro crtico de legitimao, mas a atribuio sem rebuos, ao direito penal, de uma funo promocional e propulsora de valores orientadores da aco humana na vida comunitria - eis a nica via que se revelaria adequada aos desafios formidveis da "sociedade do risco". Aqui chegados, s um passo mais se torna necessrio para justificar a necessidade de uma nova dogmtica jurdico-penal. Na verdade, como podero os "novos" ou "grandes" riscos - que ameaam grupos indeterminados de pessoas, quando no a generalidade delas ou mesmo a humanidade no seu todo, e tm origem em actuaes profundamente diversificadas no espao e no tempo, ocasionadas no mbito de uma acentuadssima repartio de funes, de tarefas e de competncias - ser contidos ou obviados por um direito penal que continue a ter na individualizao da responsabilidade o seu princpio precpuo e cujo objecto de tutela seja constitudo por bens jurdicos individuais reais e tangveis (e portanto "actuais"), quando o problema posto por aqueles riscos por essncia indeterminado no seu agente e na sua vtima? Como podero manter-se exigncias - todavia postuladas por um princpio poltico-criminal da culpa isento de manobras dogmticas manipuladoras - como as dos critrios de aferio da causalidade, da imputao objectiva, do dolo e da negligncia, do erro e da conscincia do ilcito? Como pode continuar a manter-se a ideia - que todavia, uma vez mais, parece implantada mesmo no cerne do princpio da culpa - de que o delito doloso de aco constitui a forma "normal" e paradigmtica de aparecimento do crime, quando a conteno dos grandes riscos exige, pelo contrrio, uma criminalizao expansiva dos delitos de negligncia e de omisso? Como podero finalmente - para no alargar em demasia o rol das dificuldades - manter-se os princpios que presidem definio da autoria singular, quando, como atrs ficou j assinalado, existir as mais das vezes uma radical distncia temporal e espacial entre a aco e o resultado (trate-se de resultado de dano ou de resultado de perigo) em que se consubstanciam e se exprimem os grandes riscos? III. Este requisitrio torna-se muito mais denso e convincente quando se recubra com a veste da transformao radical em curso das convices filosficas fundamentais que vm conformando o pensamento ocidental dos ltimos trs sculos. Se me atrevesse a indicar a razo que est na base desta transformao, diria que ela se encontra na crise ecolgica de que tommos conscincia pungente neste ocaso do sculo XX e que nos obriga a colocar em novos moldes - ou, em todo o caso, em moldes diferentes daqueles que at h pouco tomvamos quase por axiomticos - toda a questo da relao entre o Homem e a Natureza. Com o que, no fundo, toda a velha questo da relao entre sujeito e objecto que de novo ressurge em toda a sua problematicidade. O que em tudo isto existe de essencial - como Stratenwerth, neste preciso contexto, justamente acentuou 25- nada menos que a inevitabilidade de superao do dogma da razo tcnico-instrumental ou razo instrumental calculadora 26que assim se proclama. Sobre uma tal inevitabilidade se pronunciou agora entre ns Anselmo Borges 27em termos que, na perspectiva aqui interessante, me merecem uma adeso to completa que no posso nem devo fazer mais do que atrever-me a sintetizar, com a fidelidade que estiver ao meu alcance, o seu pensamento. Tanto mais quanto os caminhos de superao preconizados por Anselmo Borges 28tiveram o efeito de despertar em mim uma ressonncia profunda, trazendo-me ao esprito uma linha de pensamento que, na companhia de Baptista Machado, eu prprio havia ensaiado nos finais dos anos 60 29mas que, sem haver de todo abandonado, 30me ficava de algum modo j guardada nos arcanos da memria. Nota Anselmo Borges como na formao da razo tcnico-instrumental concorreram, por paradoxal que possa parecer, o idealismo e o naturalismo, tanto num como no outro cabendo papel decisivo concepo da objectividade cientfica como Gegenstand e do sujeito como mera conscincia universal, intemporal e impessoal. Daqui uma razo instrumental de domnio, profundamente imperialista, que concebe o saber como poder segundo a expresso famosa de Bacon e v no homem, inebriado por aquilo que Horkheimer chamou a "doena da razo", o dominador absoluto do mundo e da natureza; e que haveria de encontrar na racionalidade do homo comomicus e no esprito do capitalismo a sua verso scio-econmica acabada, assente no dogma do progresso material ilimitado da humanidade. 31Um ensaio de "superao" desta razo passa antes de mais, seguramente, pelo reconhecimento dos benefcios que, para a humanidade, a tecnocincia permitiu. Mas tambm, e sobretudo, daquilo que constitui o legado da modernidade e das suas conquistas irrenunciveis: os direitos humanos, a secularizao, a razo crtica. Passa, por uma outra parte, pela conscincia progressiva e cada vez mais clara dos perigos e ameaas que ela faz desabar sobre a humanidade e pem em risco a prpria sobrevivncia do planeta. Mas tambm, em definitivo, pela tomada de conscincia de que, "extremamente poderosa no domnio dos meios, a razo instrumental de uma penria extrema na ordem e no reino dos fins humanos". 32Por isso aquela superao implica pr fim "cegueira ontolgica" em que radica a j longa tentativa de substituir o transcendental ontolgico pelo transcendental gnoseolgico, como meio de domnio do mundo pela tecnocincia. 33Como implica reconhecer em definitivo, no importa em que domnio do pensamento ou da cincia, a impossibilidade da ciso absoluta entre sujeito e objecto com que se quis animar o "projecto da objectivao total e da plena transparncia de pensar e ser". 34Com isto toco o ponto que me parece verdadeiramente essencial no caminho da "superao" ensaiada. Reconhecido que no pode haver nem Filosofia, nem cincia de qualquer categoria, da natureza ou do esprito, 35sem supostos bsicos subjacentes, nestes entra, com importncia decisiva, a imagem do homem, ou o projecto de homem como ser dotado de uma liberdade que o acompanha como seu caracterstico e ineliminvel modo-de-ser, de uma liberdade que se realiza no mundo e que o obriga, como dever, "participao" na humanidade histrica. Justamente por aqui se tornando seu elemento determinante uma atitude de "abertura" e de "solidariedade" - no preciso sentido do "reconhecimento do outro" -, atravs da qual ele no recuse o seu contributo para a humanizao do mundo e da histria. 36Dentro desta perspectiva, por conseguinte, nada neutro - e muito menos cincias do esprito, ou do homem, como as que compem a "cincia conjunta do direito penal" - do ponto de vista axiolgico-antropolgico, a tudo estando subjacente aquela concepo do Homem e a correspondente ordem de valores individuais e colectivos, neste ltimos includa a natureza e todos os seus eco-sistemas. Um quadro axiolgico, este, sobre o qual os homens de hoje, perante os grandes riscos ecolgicos, tcnicos e sociais tm de lograr um consenso alargado, que haver de ser transposto e concretizado nas leis fundamentais dos pases. S assim - para de novo me acolher, ao terminar esta parte das minhas consideraes, ao pensamento de Anselmo Borges - se podendo ter a esperana de superar a crise da razo moderna e do seu imperialismo devastador: perante a ameaa comum de que somos objecto todos, e de que o sero seguramente ainda mais as geraes futuras, impe-se que a humanidade, se quiser ter futuro, se tenha de tornar sujeito comum da responsabilidade pela vida. 37IV. Isto dito, perguntemos de novo: a "superao" da razo tcnico-instrumental, associada emergncia da "sociedade do risco", implicar o abandono do paradigma penal actual, atrs sumariado, e a sua substituio/superao por outro? E se sim, por qual?1. Numa postura acentuadamente conservadora h os que, perante o dilema descrito, defendem a necessidade de continuar a guardar para o direito penal o seu mbito clssico de tutela e os seus critrios experimentados de aplicao. No que sejam surdos ao rudo trazido pela emergncia dos mega-riscos a que conduziu - e conduzir potenciadamente no futuro - o modelo de desenvolvimento prosseguido pela sociedade industrial avanada. O que afirmam que no pode - nem deve - pedir-se ao direito penal que se arvore em instrumento de tutela perante aqueles riscos, sob pena de nada se ganhar em mais efectiva proteco pessoal e social e de muito (ou tudo...) se perder na prossecuo de uma defesa efectiva e consistente dos direitos, liberdades e garantias das pessoas que constitui o patrimnio ideolgico inalienvel do Iluminismo penal. Para aquela proteco deve intervir, no o direito penal - sendo por isso de recusar in limine a pretenso de construir um "direito penal do risco" -, mas outros ramos de direito, nomeadamente o direito administrativo, e (porventura sobretudo) outros meios de controlo social no jurdicos. 38O que me afasta hoje radicalmente, em tese geral, desta via de (pretensa) solucionao do problema so duas consideraes de ndole bem diferente: uma a de que uma tal via no parece reconhecer a indispensabilidade, neste nosso tempo ps-moderno, de superao dos dogmas da razo tcnico-instrumental calculadora; outra - a que, falta de melhor, chamarei de ndole "moral" - a de que no valer a pena, nem sequer ser socialmente aceitvel, o cultivo de um direito penal que, seja em nome de que princpios for, se desinteresse da sorte das geraes futuras e nada tenha para lhes oferecer perante o risco existencial que sobre elas pesa. 39Decerto, de acordo logo com o bom princpio da ultima ratio da interveno penal, cabe um papel de primeira linha e fundamental a meios no penais e mesmo no jurdicos no domnio e controlo das fontes dos mega-riscos que pesam sobre a humanidade. Mas isto uma coisa que sem mais deve ser reconhecida, outra diferente - e inadmissvel - esquecer que para tanto so indispensveis, antes de tudo, normas de comportamento; e depois que estas, em si mesmas, no so suficientes, tornando-se em certos casos, nos mais graves, necessria a uma preveno que se espere minimamente eficaz a punio criminal das suas violaes. Em casos tais no vejo como possa pedir-se a (e esperar-se de) meios no jurdicos de poltica social, como o hoje to reclamado 40fomento das formas de auto-proteco da vtima (como pode ela, suposto que seja determinvel, auto-proteger-se da danificao da camada de ozono?) ou com o apelo pattico (e com sabor a pesada ironia de pedir o remdio ao causador da doena!) s foras auto-reguladoras do mercado. Se dos meios gerais de poltica social passarmos aos instrumentos jurdicos no penais, nem por isso o balano se torna mais animador. Praticamente nada se poder esperar da tutela jurdico-civil, 41submetida como se encontra a um estrito "princpio do pedido". Se, dentro de 20 ou 30 anos, se verificarem danos civilmente avaliveis no corpo ou na sade de certas pessoas, comprovadamente (!) imputveis a manipulaes genticas que hoje se operam sobre cereais, quem possuir legitimidade (e contra quem?) para intentar uma aco de responsabilidade civil minimamente destinada ao sucesso? E ainda que a possua: constitui esta uma via razoavelmente eficaz de defesa da humanidade perante o risco pressuposto que pode advir da manipulao gentica? O nico caminho apontado neste campo que parece ter alguma coisa por si , assim, o da preconizada transferncia da funo de tutela jurdico-penal para o mbito do direito administrativo, nele includo o direito administrativo sancionatrio, porventura sob uma forma reforada como a que hoje preconizada - embora eu deva confessar que no vejo ainda com um mnimo de clareza a definio do seu mbito, da sua extenso e dos seus instrumentos 42- em nome de um Interventionsrecht, de um "direito de interveno". Este caminho, repito, tem alguma coisa por si, mas s na medida em que, sendo, como disse, os grandes ou novos riscos fruto as mais das vezes de aces humanas annimas, quotidianas, socialmente insignificativas na sua individualidade e s socialmente relevantes pela sua repetio inumervel, a tutela jurdico-penal no poder surgir as mais das vezes na primeira linha (e, nesta acepo, como "autnoma"), antes sim subordinada exigncia de que apenas abranja ofensas inadmissveis e, por isso, sujeita a uma estrita acessoriedade administrativa. Mas isto uma coisa, e exactssima. Outra coisa, em minha opinio inexacta, pensar que o sancionamento das ofensas hoc sensu "inadmissveis" possa ser atribudo a sanes administrativas - no mximo, ao que vejo, de natureza contra-ordenacional -, ainda que "intensificadas". No falta quem a propsito lembre a velha crtica da "burla de etiquetas"; com razo at a um ponto em que eu me atreveria a falar de nada menos que de um pr o princpio jurdico-penal de subsidiariedade ou de ultima ratio "de pernas para o ar", ao subtrair tutela penal precisamente as condutas socialmente to gravosas que pem simultaneamente em causa a vida planetria, a dignidade das pessoas e a solidariedade com as outras pessoas - as que existem e as que ho de vir. 2. No outro extremo se colocam todos aqueles que preconizam a aceitao e o desenvolvimento de um direito penal absolutamente funcionalizado s exigncias postas por uma tutela, que assim se espera efectiva, dos mega-riscos que ameaam a subsistncia da humanidade. Dispe-se neste contexto j de uma diversidade de propostas e de ensaios de caminhos de soluo que, todavia, eu julgo poder reconduzir com justeza s direces que j atrs deixei referidas: 43alterao do modo prprio de produo legislativa em matria penal, retirando cada vez mais aos Parlamentos a reserva de competncia que em tal matria normalmente lhes assiste, para a atribuir aos Executivos; antecipao da tutela penal para estdios prvios (e inclusivamente ainda muito distanciados) da eventual leso de um interesse socialmente significativo, at ao ponto em que se perde, ao menos para a generalidade dos destinatrios das normas, toda a ligao entre a conduta individual e o bem jurdico que em definitivo se intenta proteger; alteraes dogmticas bsicas, no sentido do "enfraquecimento" ou "atenuao" de princpios como os que classicamente presidem individualizao da responsabilidade, imputao objectiva, culpa, autoria; consequente extenso, em suma, do mbito da tutela penal em assumida contradio com o princpio poltico-criminal da interveno mnima ou moderada. Tudo em nome de uma funo promocional de valores que tornaria o direito penal em instrumento de governo da sociedade e, por aqui, faria esbater - at ao desaparecimento - a linha de fronteira entre este direito e o direito administrativo. Tudo isto estaria, no todo ou em partes, na palavra ou no esprito do actual requisitrio a favor de um direito penal do risco. Devo com franqueza confessar que recuso tanto globalmente, como parcelarmente, toda esta perspectiva. Sem penetrar no mais fundo da questo que ela suscita - a famosa questo da legitimao da interveno penal, j atrs tambm aludida, 44a cujo entendimento iluminista mantenho integral fidelidade -, o que logo mais desfavoravelmente se me apresenta a cegueira que me parece revelar perante a necessidade de superao da razo tcnico-instrumental calculadora e o apego que, pelo contrrio, manifesta sua persistncia e, se possvel, sua intensificao. Tendo eu, em escritos anteriores, por vrias vezes e com insistncia, manifestado a minha crena nos benefcios que um pensamento funcional traz doutrina jurdico-penal, nunca quis ver nele o alfa e o omega da concepo penal 45e sempre reafirmei, pelo contrrio, a minha convico de que na preservao da dignidade da pessoa - da pessoa do delinquente e dos outros - "que radica o axioma onto-antropolgico de todo o discurso jurdico-penal". 46No prosseguimento da via agora sob anlise crtica no vejo eu, pois, nenhuma superao da razo tcnico-instrumental, tal como ela se me afigura necessria. A Aufhebung afirmao, negao, supra-assuno. Ela tem deste modo como momento essencial e irrecusvel - disse-o j atrs - o reconhecimento das conquistas da modernidade e do patrimnio ideolgico em que assentam. Por isso se tem de recusar uma "evoluo" do paradigma penal que passe pelo pr em causa a defesa consistente e efectiva dos direitos humanos, o pluralismo ideolgico e axiolgico, a secularizao. Por isso, numa palavra, mantenho a ideia 47de que se deve recusar qualquer concepo penal baseada na extenso da criminalizao, em que o direito penal se transforme em instrumento dirio de governo da sociedade e em promotor ou propulsor de fins de pura poltica estadual. Seria o agora to apregoado Estado-Interveno ou Estado-Preveno que aqui reapareceria - estranhamente (ou talvez no!), o mesmo Estado que a dita Escola de Frankfurt tambm advoga, desde que ele seja radicalmente afastado do campo do direito penal e exclusivamente imputado ao mbito do direito administrativo. 48Neste contexto, creio, pode razoavelmente inserir-se tambm o teor que o tpico da sociedade do risco, no seu relacionamento com o problema criminal, assumiu em um certo pensamento anglo-saxnico, nomeadamente norte-americano. O que nele se indaga a possibilidade de levar ainda mais longe, neste campo, o dogma da razo tcnico-instrumental, sob a forma de uma razo calculadora ou actuarial. At ao ponto de a se falar j de uma actuarial justice, 49cujo propsito no seria mais o de actuar sobre a vida de pessoas individuais, propondo-se definir a sua responsabilidade, fazendo os culpados "pagar pelos seus crimes" ou transformando-os, mas o de regular certos grupos (de pessoas "perigosas") como parte de uma estratgia de gesto dos riscos. O que conduziria (muito para alm do problema em anlise), aqui sim, a uma radical substituio do paradigma penal que comecei por desenhar e da sua base de legitimao, agora procurada na mxima eficincia do sistema "em matria - so palavras justas de Pedro Caeiro - de reduo dos danos globais inerentes ao crime atravs de uma adequada redistribuio dos riscos, tanto no plano da preveno, como no plano da represso". 50O que, insisto, sobressai nesta concepo a tentativa de levar ainda mais longe - at aos limites - o dogma da razo tcnico-instrumental, em vez de reconhecer a necessidade urgente da sua superao. Mesmo no curando da questo prtica de saber se os grandes riscos so susceptveis de ser abarcados por uma razo actuarial e de ser integrados numa conta risco/prmio (se so susceptveis, neste sentido, de "socializao"), 51o que para mim est aqui sobretudo em causa , mais do que a "cegueira" de que atrs foi questo, a verdadeira "inimizade" pelo axioma onto-antropolgico do direito penal e por uma ordem axiolgica (mnima, mas nem por isso menos essencial) que da h-de por fora derivar para salvao da nossa sociedade e da sociedade futura. Nem a "eficincia" pode constituir base de legitimao democrtica; nem vejo como um sistema de justia actuarial possa eximir-se a cair numa nova e ainda mais contestvel "justia de classe", com a consabida substituio dos antigos "explorados" pelos novos "excludos". 523. Entre os dois extremos referidos assiste-se hoje a uma tentativa de solucionar o problema atravs da construo de uma espcie de via per mezzo que corre sob o designativo geral de "expanso do direito penal". 53Aos problemas prprios da sociedade ps-industrial deveria o direito penal responder atravs de uma poltica criminal e de uma dogmtica jurdico-penal duais ou dualistas. Dotadas de um cerne relativamente ao qual valeriam, imodificados, os princpios do direito penal clssico; e isto significaria um direito penal dirigido proteco subsidiria de bens jurdicos individuais, assente na individualizao da responsabilidade e conseqentemente na aco, na imputao objectiva e subjectiva, na culpa e na autoria tambm puramente individuais. E com uma periferia ou um mbito lateral especificamente dirigido proteco contra os grandes e novos riscos, onde aqueles princpios se encontrariam amortecidos ou mesmo transformados, dando lugar a outros princpios, de "flexibilizao controlada", 54assentes na proteco antecipada de interesses colectivos mais ou menos indeterminados, sem espao, nem tempo, nem autores, nem vtimas, definidos ou definveis e por conseguinte, numa palavra, de "menor intensidade garantstica". 55Mas princpios estes, em todo o caso - e aqui residiria o ponto principal e a especificidade desta concepo -, ainda formalmente pertencentes ao direito penal, embora substancialmente aparentados com os princpios do direito sancionatrio de carcter administrativo. Com a reserva absoluta em todo o caso - segundo Silva Snchez - de que todos os comportamentos ameaados com penas privativas de liberdade deveriam ser imputados, por razes bvias de defesa dos direitos, liberdades e garantias, ao ncleo duro (clssico) do direito penal, no sua flexvel periferia. Serei o ltimo a contestar o bom fundamento da diviso do direito penal em dois mbitos relativamente autnomos. Desde h muito, com efeito, me propus desenhar, com a nitidez possvel, 56a distino entre um direito penal clssico ou de justia e um direito penal administrativo ou secundrio (que nada tem a ver com as categorias das contra-ordenaes ou mesmo das contravenes). Como serei o primeiro a defender que este ltimo mbito - dominado pela circunstncia de os crculos dos bens jurdicos por ele protegidos deverem possuir uma relao de mtua referncia funcional com a ordem jurdico-constitucional dos direitos econmicos, sociais, polticos e culturais - deve ser penetrado com princpios dogmticos relativamente autnomos; tendo sido precisamente nesta base que cheguei a propor formalmente, para a ordem jurdica portuguesa, a elaborao de uma lei-quadro do direito penal econmico-social. 57No tenho com esta proposta porm em vista, por uma banda, a criao de um qualquer "direito penal a duas velocidades", 58de uma qualquer "periferia" que envolvesse o ncleo duro do direito penal clssico constituindo uma espcie de lugar mi-chemin entre o direito penal e o direito administrativo sancionatrio. Enquanto, por outro lado, uma tal proposta pensada e tem, creio eu, todo o sentido relativamente ao direito penal econmico-social prprio da sociedade industrial avanada, mas no se prope defrontar o problema especfico da "sociedade do risco" e constituir tutela capaz perante os mega-riscos ou os riscos globais que ameaam a existncia. Decerto que tambm a "sociedade do risco" tem que ver em boa parte com o modelo de desenvolvimento econmico no seu mais amplo sentido, prprio da sociedade industrial, e, nesta medida, acarreta problemas que podem sem esforo incluir-se no mbito do direito penal econmico-social. Mas tambm aqui, de um ponto de vista problemtico, tem sentido distinguir, para efeito de questionar a susceptibilidade da sua tutela penal, os problemas econmicos da sociedade industrial avanada e os problemas econmicos que reentram na sociedade do risco. Quanto a estes ltimos, a proposta agora em anlise parece-me equvoca e, em definitivo, inadequada: porque alm de ficar, ao menos in partibus, de novo a um passo da insuportvel "burla de etiquetas", acaba por trazer para o direito penal dois paradigmas diferentes e incompatveis, que a breve prazo havero de conduzir ao domnio de um sobre o outro - quando no ao esmagamento de um pelo outro - sob a forma, muito provavelmente, de uma invaso incontrolvel do "cerne" pela "periferia". 59V. A tutela dos novos ou grandes riscos tpicos da "sociedade do risco" deve assim continuar a fazer-se (tambm e subsidiariamente) por intermdio do direito penal, para tanto me no parecendo, em definitivo, que se torne necessria uma mudana radical do paradigma penal, com uma nova poltica criminal e uma nova dogmtica jurdico-penal. E nesta concluso julgo convergir Silva Dias, o autor portugus que at agora mais aprofundadamente estudou o problema, a propsito dos grandes riscos suscitados em matria de consumo. 601. De um ponto de vista poltico-criminal - mas, como sempre, com notrias e directas implicaes dogmticas -, a questo bsica que aqui se suscita, como Roxin lapidarmente a definiu, reside em saber se a introduo do topos da "sociedade do risco" na funo do direito penal tem por fora de significar o fim da proteco de bens jurdicos, "das ende der Rechtsgterschutzes". 61Esta questo no pode ser nem contornada, nem escamoteada. Por mim, responderia afirmativamente questo posta se considerasse que, para que o bem jurdico cumpra a funo de critrio legitimador e de padro crtico da incriminao que por fora lhe tem de ser assinalada dentro do paradigma penal actual, se torna indispensvel guardar um seu carcter extremadamente antropocntrico, que dele s permite que se fale quando esto em causa interesses reais, tangveis e portanto tambm actuais do indivduo. Um "entendimento monista-pessoal do bem jurdico", 62este, que se reivindica como o nico legtimo face a uma concepo liberal do Estado e se vem tornando, pelo menos at h bem pouco, cada vez mais insistente na literatura dogmtica jurdico-penal, estando na raiz de alteraes doutrinrias sensveis a propsito dos mais diversos problemas dogmticos. 63E a resposta afirmativa persistiria ainda quando me devesse ligar concepo segundo a qual bens jurdicos da comunidade s podem ser aceitveis se e na medida em que eles se constituam em meros mediadores tambm com interesses das pessoas. 64Tentemos entender-nos. Se com isto se quer dizer que os bens jurdicos colectivos existem por causa do Homem, ento difcil pr em dvida uma tal assero: isso sucede com tudo que fruto do esprito e do labor humano, com as suas construes e instituies, nelas includo o prprio Estado. Mas isto uma coisa - e evidente. Outra pretender que, entre os bens supra-individuais, s possam ser erigidos em bens jurdicos aqueles cuja razo de tutela seja em ltimo termo recondutvel proteco de bens jurdicos individuais e que portanto (nesta acepo e como defende Silva Dias) 65- se encontrem "dotados de referente pessoal", possuam um "ncleo personalizvel" ou sejam " unicamente... dedutveis a partir de bens jurdicos individuais": 66com a inevitvel consequncia de que tais bens jurdicos estariam sempre hierarquicamente subordinados aos bens jurdicos individuais, sendo a sua violao, por princpio, menos gravosa. A ser assim, diria eu ento que est aqui presente ainda - se bem que talvez s na "face oculta da lua"! - uma "concepo monista-pessoal do bem jurdico" perante a qual o tratamento jurdico-penal dos problemas da "sociedade do risco" parece implicar a alterao do paradigma penal assente na funo de tutela subsidiria de bens jurdicos. Mas questo bsica suscitada responderei definitivamente que no, enquanto puder conservar-me convencido do bom fundamento daquilo que a este propsito sempre pensei, a saber, que - sem prejuzo do axioma onto-antropolgico sobre o qual repousa toda a matria penal -, ao lado dos bens jurdicos individuais ou dotados de referente individual e ao mesmo nvel de exigncia tutelar autnoma, existem autnticos bens jurdicos sociais, trans-individuais, transpessoais, colectivos, ou como quer que prefiramos exprimir-nos a propsito. Claro que isto no constitui nenhuma novidade para a dogmtica jurdico-penal; e se da dogmtica passarmos ao direito legislado, seguro que a maioria dos cdigos penais, entre os quais o nosso, assume a construo dualista do bem jurdico que acabei de delinear. Mas verdade tambm que, sobretudo nos ltimos tempos, cada vez mais a dogmtica se centra (e progride) sobre os bens jurdicos individuais e cada vez menos sobre os colectivos. A tal ponto que talvez possa afirmar-se que, depois das investigaes fundamentais de Klaus Tiedemann, 67pouco se ter avanado na dilucidao da essncia dos bens jurdicos colectivos. Decerto: tais bens apresentam-se, por sua prpria natureza, como muito mais vagos e carentes de definio precisa, de mais duvidosa corporizao ou mesmo de impossvel tangibilidade. Mas nada disso impe uma mudana ou um abrandamento na proposio penal bsica segundo a qual funo exclusiva do direito penal a tutela subsidiria de bens jurdicos; porque tambm neste mbito de verdadeiros bens jurdico-penais que se trata. O que implica que se trabalhe no aprofundamento do seu estudo, se progrida no estabelecimento dos seus contornos e se tome sempre a benefcio de inventrio, com o auxlio indispensvel da ordem axiolgica jurdico-constitucional, a erupo de novos bens jurdicos deste tipo que apelem para a tutela penal. Os progressos indiscutveis alcanados em matria, por exemplo, de direito penal econmico, ou, de forma mais abrangente, de direito penal secundrio ou econmico-social, como mesmo em matria de direito penal do ambiente, 68mostram perfeitamente que a tarefa, sendo difcil, no de cumprimento impossvel. Sobretudo quando para o efeito se parta de uma reconsiderao aprofundada dos chamados bens colectivos. Se quisermos conferir ao direito penal uma funo de tutela perante os mega-riscos ameaadores da subsistncia da humanidade, ainda a preciso assentar em que o problema jurdico-penal , modestamente, um problema de ordenao social, concretamente, o de saber como possvel promover ou conservar os bens pblicos relativos aos fundamentos naturais da vida - face, nomeadamente, natureza trgica da relao entre o agente racional em seu prprio proveito e os bens colectivos. 69Ora, a criminalizao aqui legtima e pode afigurar-se necessria. Legtima, logo porque tais bens - como se torna particularmente visvel numa lei fundamental como a CRP 70- encontram refraco legitimadora mais que bastante na ordem axiolgica constitucional relativa aos direitos sociais, econmicos, culturais e ecolgicos. Necessria, sem grande dvida, de um ponto de vista de preveno geral negativa, porque ser razovel esperar que a punibilidade se revele susceptvel de influenciar o clculo vantagem/prejuzo - que pesem as teorias da escolha racional e as "tcnicas de neutralizao", 71que nestes domnios interviro com particular fora - de modo a promover a obedincia norma. Mas tambm e sobretudo de um ponto de vista de preveno geral positiva, de modo a reforar a disposio de obedincia norma da parte do cidado em geral fiel ao direito. Consideraes estas que valem no s para a pessoa individual, mas tambm, e de modo muito particular, para a actuao dos entes colectivos. Claro que se torna levar a reflexo muito mais fundo. Mas talvez o que fica pensado seja bastante para se concluir pela dispensabilidade de qualquer novo paradigma penal. At porque, no fundo, do que se trata nesta viso da funo do direito penal no de nenhum problema especificamente ps-moderno, em especial da (muito invocada, para depois ser mais facilmente exautorada!) absoro simblica das inseguranas comunitrias na sociedade do risco. Do que se trata antes de uma proteco efectiva de bens comunitrios, sejam eles ameaados por aces individuais abstractamente perigosas ou por aces em si mesmo e individualmente destitudas de perigo. E isto no nada de novo: no nada, v. g., que no suceda com os crimes de corrupo no seu mais amplo sentido, ou contra a sade pblica, ou contra o fisco, embora as situaes se no devam confundir. 72Por isso tambm, de resto, que aqui no vale a frmula optimista - cara referida "Escola de Frankfurt" - da "proteco de bens jurdicos por meio da descriminalizao", muito menos, como j houve quem pretendesse, em nome de uma mais efectiva proteco da Humanidade! Este optimismo - baseado em que um egosmo racional conduziria, mais facilmente do que a norma penal, omisso de comportamentos perigosos - no se afigura dotado de qualquer fundamento. Em concluso quanto a este ponto fulcral: a ideia de Stratenwerth de, a partir do tpico da sociedade do risco, fazer dobrar os sinos pela noo do bem jurdico, substituindo-a pela tutela directa de "relaes da vida como tais" ( Lebenszusamenhnge als solche) 73- e correndo nesta medida paralelamente ao movimento hoje em voga, neste preciso contexto, de uma progressiva juridificao das relaes sociais enquanto tais -, essa ideia no precisa, em meu entendimento, de ser aceite como forma de preservao da funo do direito penal perante os grandes e novos riscos. Como, de resto, o prprio Stratenwerth reconhece, ela conduziria no fundo a um requiem pela prpria funo do direito penal, pela questo da sua legitimao, e a um regresso a um direito penal moralista, protector da moral ou de uma certa moral 74e, assim, a um pequeno passo de se tornar em promotor ou propulsor de fins puramente ideolgicos. O que nada - mas rigorosamente nada - tem a ver com a por mim atrs preconizada assuno de um quadro de valores individuais e colectivos, correspondente a uma certa concepo do Homem, sobre o qual os homens de hoje, perante os grandes riscos ecolgicos, tcnicos e sociais tm de lograr um consenso alargado, que haver de ser transposto e concretizado nas leis fundamentais dos pases. De p continuar assim a atribuio s penas e s medidas de segurana criminais de finalidades exclusivamente preventivas, nomeadamente de preveno geral e especial positiva: porque se no torna ento necessria a ligao, maneira exasperadamente normativista de Jakobs, da concepo da finalidade sancionatria penal como estabilizao contrafctica das expectativas comunitrias na validade da norma violada a uma funo eminentemente simblica; antes uma tal ligao dever ser feita, numa postura que eu j uma vez caracterizei como scio-axiolgica, 75 proteco de bens jurdicos no s individuais, mas tambm sociais como tais. 2. Uma segunda ideia de primordial importncia que aqui deve ser acentuada a de que no vale sequer a pena pensar em assinalar ao direito penal a mnima capacidade de conteno dos mega-riscos prprios da sociedade do risco se, do mesmo passo, se persistir em manter o dogma da individualizao da responsabilidade penal. Mas a verdade que, j antes e independentemente de uma "dogmtica do risco", o preconceito do carcter individual de toda a responsabilidade penal (uma vez mais, um preconceito de raiz exasperadamente antropocntrica!) havia feito o seu curso e havia sido definitivamente abalado. E aqui a doutrina penal portuguesa 76encontra-se para tal bem melhor posicionada do que tantas outras que s muito recentemente ultrapassaram (quando tenham j ultrapassado...) os escolhos da incapacidade de aco e da incapacidade de culpa jurdico-penais que tradicional e axiomaticamente se considerava atingirem toda a responsabilidade penal de entes no individuais. Aceite, ao lado da responsabilidade penal individual (e no necessariamente a ela subordinado), o princpio da responsabilidade penal dos entes colectivos, torna-se todavia necessrio e urgente saber muito mais sobre ele, sobre a sua desimplicao prtico-normativa, sobre as suas relaes com a responsabilidade individual, sobre as exigncias que dele resultaro no plano do direito a constituir. Estou certo de que se ver ento que muitos dos problemas do dito "direito penal do risco" podem encontrar aqui adequadas solues, tornando menos instantes alteraes, que agora parecem indispensveis, na dogmtica da imputao objectiva, da comprovao do dolo, da negligncia e do erro, enfim, da autoria e da cumplicidade: se a chamada "criminalidade organizada", o que quer que por ela deva entender-se em perspectiva dogmtica, faz parte, ela tambm, do direito penal do risco, ento ela mostra exemplarmente como o progresso da dogmtica relativa responsabilidade penal dos entes colectivos constitui uma exigncia instante para a qual no existe alternativa. 3. No poderei curar obviamente, um por um, dos problemas dogmticos concretos atrs referenciados. Mas neles encontro um ponto comum, que de resto tem sido posto variamente em relevo pela dogmtica do risco como sendo aquele que suscita mais instantemente uma "nova dogmtica" e se poder consubstanciar na circunstncia de, dadas as caractersticas de anonimidade, de distncia e as mais das vezes de insignificatividade social das aces que esto na base dos riscos e, eventualmente, dos danos resultantes da concretizao destes para a humanidade, se tornarem necessrios novos e ( luz da dogmtica tradicional) anmalos critrios de imputao. Dito por outras palavras - e tomada a globalidade do problema pela sua parte essencial -, o que se passa que nestes domnios se torna indispensvel o reconhecimento de um acentuado enfraquecimento, atenuao ou "amolecimento" da relao entre a aco e o bem jurdico (no necessariamente o resultado!) protegido pelo tipo - mesmo para alm do que era doutrinariamente aceite (com reservas ou mesmo contre-cur) em matria de crimes de perigo abstracto. O tema demasiado largo para que eu possa consider-lo nas suas incidncias. Direi sobre ele apenas o seguinte: aceite, como sempre aceitei, a legitimidade e a constitucionalidade de princpio dos crimes de perigo abstracto - pressuposto que, como decidiu muito exactamente entre ns o Tribunal Constitucional a propsito de eventuais violaes do princpio da legalidade penal (ao qual poderia acrescentar-se o princpio da culpa), o tipo contenha ou torne suficientemente compreensveis "os critrios do ilcito penal - desvalor da aco proibida, desvalor do resultado lesivo e identificao do bem jurdico tutelado" 77-, no vejo por que razo o "enfraquecimento" da relao entre aco e bem jurdico haja forosamente de ir, no contexto em apreciao, ainda mais longe, conduzindo necessria aceitao de "critrios atpicos de imputao" que, quantas vezes, acabariam por significar a postergao (ou, no mnimo, a colocao entre parnteses) do princpio da culpa e da sua funo no sistema. O que me parece, sim, que os critrios da dogmtica mais recente podem aqui continuar a ser utilizados no essencial relativamente aos casos em que se indague da eventual responsabilidade jurdico-penal individual; enquanto, no captulo j atrs reputado central de toda esta problemtica, ainda esto por determinar com o necessrio rigor e concreo os critrios de imputao sempre que se trate de indagar da eventual responsabilidade jurdico-penal de entes colectivos: nada porm permite afirmar a priori que os critrios dogmticos que venham a ser considerados vlidos, nesta matria, para o direito penal tradicional, no possam tambm ser utilizados, com xito, no mbito do direito penal do risco. Com isto, cada vez mais se reconhecer - o que j hoje se pode dizer, todavia, uma concluso dominante - que o problema da imputao objectiva se no confunde com o (se no reduz ao) problema da causalidade; e que tal no implica desvaloriz-lo para questo a decidir de acordo com o puro convencimento do juiz, antes implica a sua normativizao definitiva, assente em uma objectivao mnima, de acordo com a funo que a categoria assume no sistema; e para a qual o critrio da criao ou da potenciao de um perigo78no permitido 79me parece destinado a ganhar cada vez maior importncia. Que, no domnio prprio do risco, intervenham com mais frequncia formas de imputao paralela, acumulativa (nomeadamente em matria de riscos para o ambiente) 80e outras que venham a ser determinadas coisa que poder, em meu parecer, integrar-se sem contradio na suma de conhecimentos de que a este respeito j dispe a dogmtica jurdico-penal. Isto dito, concluo que os perigos para a dogmtica jurdico-penal tradicional resultantes da famosa "antecipao da tutela" podem ser, tambm no mbito da sociedade do risco, esconjurados, em certos casos mesmo, se tanto se afigurar necessrio, tornando em crimes formalmente de dano tipos que, substancialmente, so na realidade de perigo ou mesmo de perigo abstracto. 81Decisiva a opo legislativa de valorar ou no valorar tais comportamentos como crimes; onde, h que reconhec-lo, se torna particularmente sensvel a "questo da legitimao", mas onde tambm, como ficou dito, no pode negar-se a existncia de bens jurdicos colectivos dignos e necessitados de tutela penal. Uma vez legitimamente tomada a deciso de criminalizao, no vejo onde tenham necessariamente de intervir "critrios atpicos de imputao" que ponham definitivamente em causa os princpios da legalidade e da culpa jurdico-penal. 4. Para alm dos problemas acabados de enunciar, muitos outros esto a ser trazidos a debate no requisitrio a favor de uma nova dogmtica jurdico-penal do risco.Assim, desde logo, o da imputao subjectiva, nomeadamente as questes relativas comprovao do dolo e do erro, mas relativamente s quais a situao no me parece substancialmente diferente (e porventura, de certos pontos de vista, at menos complexa) do que a que esbocei a propsito da imputao objectiva. verdade, por outra parte, que a definio da autoria parece poder suscitar, no mbito em considerao, problemas de grande complexidade. Mas tambm estes esto longe de ser desconhecidos, em particular no que toca aos crimes chamados, em geral, crimes de organizao. O que vale por dizer que a dogmtica que cultivamos possui j instrumentos capazes de uma evoluo que responda em parte a problemas especficos do direito penal do risco, nomeadamente 82atravs da ideia da autoria mediata por via do domnio-da-organizao. Em 1998, em Huelva, tive ocasio de participar, com Claus Roxin e Muoz Conde, em um atelier onde a questo foi discutida no contexto da criminalidade organizada. Facilmente concordarei que nenhum dos participantes se atreveu a defender que a categoria do domnio-da-organizao seria por si mesma suficiente para atalhar aos complexos e graves problemas que, relativamente quela espcie de criminalidade, se suscitam em matria de autoria; mas tambm nenhum fechou definitivamente a porta a um paulatino desenvolvimento do conceito e a uma sua aplicao alargada a domnios diferentes daqueles para os quais ele foi inicialmente pensado por Roxin. 83Se neste lugar fizermos intervir, uma vez mais, a ideia de que a dogmtica presente pensa a questo da autoria, de forma exclusiva, para o caso da responsabilidade penal individual, mas que importa agora pens-la tambm, em termos s relativamente diferentes, para a hiptese da responsabilidade penal colectiva, creio que ficam abertas boas perspectivas para que tambm neste ponto se encontrem respostas adequadas sem se tornar necessria qualquer dogmtica alternativa. exacto, ainda por outra parte, que uma fatia substancialssima dos crimes de que se quer ocupar a dogmtica do direito penal do risco sero crimes de omisso e, sobretudo, crimes de negligncia, sob a forma de negligncia grave ou grosseira. Isso torna necessrio e urgente reconhecer algumas deficincias da dogmtica que a est e trabalhar afincadamente na sua superao; mas, uma vez mais, no me parece exigir qualquer "dogmtica alternativa". Quero desde logo, neste contexto, juntar a minha voz de todos quantos proclamam que a diferena de ilcito e de culpa entre dolo eventual e negligncia consciente mal se compadece com a insegurana, a indeterminao e a obscuridade - sobretudo no momento da aplicao prtica do direito - que acompanham uma tal distino e tenho, por isso, a mais clara conscincia de ser este um dos pontos em que precisamos de saber muito mais. 84Como importa, por outra banda, rever os limites mnimos e mximos das molduras penais dos crimes de negligncia, quando no considerar com maior ateno e menor preconceito a sugesto, j antiga, de criar, a propsito de certos tipos objectivos de ilcito, crimes negligentes sui generis, ou mesmo um tertium genus de delitos abrangentes do dolo eventual e da negligncia consciente grosseira e dotados de molduras penais substancialmente agravadas. 85No sendo lcito levar mais longe a minha considerao, fico-me por aqui. Com a conscincia de que outros mbitos existem onde as especificidades da sociedade do risco podem suscitar ao direito penal total novos e interessantes problemas: o da tipologia das sanes e, em geral, o do direito processual penal, nomeadamente em tudo quanto respeita definio da vtima e admissibilidade e aos modos da sua participao no processo; o que, quanto a este ltimo ponto, assume entre ns particular interesse, perante a figura (com tendncias ainda incipientes e relativamente imprecisas de alargamento) 86dos assistentes como exclusivos titulares do bem jurdico protegido pela incriminao. Discutir a possibilidade de esta figura ter tambm - em termos ainda a precisar - lugar relativamente a certos crimes cujo bem jurdico protegido seja de natureza supra-individual ou mesmo colectiva 87 decerto uma tarefa que os anos prximos tornaro particularmente instante e mesmo inevitvel. V. Permitiro as consideraes anteriores retirar delas uma concluso definitiva relativamente questo posta - questo de saber se a proteco das geraes futuras, face aos grandes e novos riscos da sociedade ps-industrial, exige, paralelamente superao indispensvel do reino da razo tcnico-instrumental calculadora, uma mudana do paradigma penal e, por esta via, uma nova poltica criminal e uma nova dogmtica jurdico-penal?Face ao que deixei dito sobre a situao espiritual da sociedade industrial contempornea - que, insisto, foi claramente intuda no estudo de Rogrio Soares que comecei por citar -, fcil concluir que recuso por igual (embora por razes diversas e mesmo opostas) tanto uma acentuao funcionalista, empirista e eficientista do paradigma penal, que se sustentaria numa tentativa de reforar e levar ainda mais longe o dogma da razo tcnica instrumental; como uma radicalizao da perspectiva individualista e liberal, que porventura conduziria, no fim, ao retorno a uma funo moral atribuvel ao direito penal. Os caminhos do futuro direito penal passam antes pela superao daquela razo tcnica instrumental e, assim, pela redescoberta do axioma onto-antropolgico que preside funo penal, produtor de uma imagem do Homem com ser-com e ser-para os outros. Nisto reside a melhor proteco que o direito penal pode oferecer s geraes futuras, sem que para tanto precise de renunciar ao (ou modificar o) paradigma estabelecido pela modernidade. O novo sculo e o novo milnio devem, em concluso, assistir persistncia da funo do direito penal de exclusiva tutela subsidiria de bens jurdico-penais tanto individuais e pessoais, como sociais e trans-pessoais; porque essa funo exigida pela persistncia do iderio personalista, pelo patrimnio irrenuncivel dos direitos humanos, numa palavra, pelo quadro axiolgico de valores que nos acompanha desde o sculo XVIII e deve ser aperfeioado no futuro - mesmo num futuro onde tenha mudado radicalmente a relao entre o Homem e a Natureza. O direito penal deve continuar a resguardar-se de tentativas de instrumentalizao como forma de governo, de propulso e promoo de finalidades da poltica estadual, ou de tutela de ordenamentos morais - porque a mesmo abica o movimento de secularizao que se apresenta como um dos factores mais importantes de superao da razo instrumental. A dogmtica penal deve evoluir, fornecendo ao aplicador critrios e instrumentos que no podem ser decerto os dos sculos passados como formas adequadas de resolver os problemas do sculo XXI; 88mas sem por isso ceder tentao de "dogmticas alternativas" que podem, a todo o momento, volver-se em "alternativas dogmtica" incompatveis com a regra do Estado de direito e, como tal, democraticamente ilegtimas. Deste modo h o direito de esperar que os novos e grandes perigos da sociedade ps-industrial possam ser contidos dentro de limites ainda comunitariamente suportveis, num quadro axiolgico regido pelos valores da vida, da dignidade humana e da solidariedade; e comunitariamente suportveis tanto por ns prprios, como pelas geraes futuras que temos todos o dever indeclinvel de, dentro das nossas foras e da nossa previso, proteger. Tal como Anselmo Borges, 89lembro os versos de Hlderlin no poema Patmos: "Wo aber Gefahr ist, wchst/das Rettende auch": "Mas onde h perigo/Cresce tambm o que salva". Todavia, nem por ser assim ganhamos o direito resignao, comodidade das coisas feitas, imobilidade preguiosa sobre os resultados j alcanados, indiferena perante a novidade e a transformao. Antes importa acrescentar o nosso contributo, nas belas palavras de Baptista Machado, 90"ao de todos quantos habitam pertinho das coisas e no podem deixar de proclamar, olhando a histria e a vida: eppur si muove"! (1) Rogrio Soares. Direito pblico e sociedade tcnica. Coimbra : Atlntida, 1969. (2) Anbal Almeida. Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra (= BFD), 1993, p. 761. (3) Se bem que uma verso preparatria deste escrito tenha servido minha interveno no Colquio organizado pela Universidade Lusada por ocasio do doutoramento honoris causa de Claus Roxin (mar., 2000) e posteriormente a uma conferncia que proferi no Brasil, em Recife, no I Congresso das Amricas de Cincias Criminais, que teve como tema central "As cincias criminais e a realidade social do terceiro milnio" (maio, 2000). (4) Alternativ-Entwurf eines Strafgesetzbuches, Allgemeiner Teil, Tbingen : Mohr, 1996. (5) C. Roxin. Strafrecht, Allgemeiner Teil I, Mnchen: Beck,3 1997, sobretudo 2. H traduo espanhola da 2. ed. por Luzn Pea, Daz e Garcia Conlledo e De Vicente Remesal, Madrid : Civitas, 1977. (6) J em "A reforma do direito penal portugus. Princpios e orientaes fundamentais". Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra XLVIII, 1972, p. 117 et seq. e, por ltimo, em Questes fundamentais do direito penal revisitadas. So Paulo : RT, 1999, Captulos 1, 2 e 3. (7) C. Roxin. KRIMINALPOLITIK UND STRAFRECHTSSYSTEM, 2 1973. H traduo espanhola da 1. ed. alem (1970) por F. Muoz Conde, Barcelona : Bosch, 1972. (8) C. Roxin, como na nota 5, 2.(9) J. de Figueiredo Dias, como na nota 6, 1999, p. 65 et seq.(10) J. de Figueiredo Dias. Direito penal portugus. As conseqncias jurdicas do crime. Lisboa : Editorial Notcias, 1993, 301 et seq.(11) Anabela Rodrigues. A determinao da medida da pena privativa de liberdade, Coimbra : Coimbra Editora, 1993. (12) Cf. "Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, caso Silva Rocha c. Portugal. Deciso de 15 de novembro de 1996", com "Anotao" de A. Henriques Gaspar e de Maria Joo Antunes, Revista Portuguesa de Cincia Criminal (= RPCC) 7, 1997, p. 131. (13) U. Beck. Risikogesellschaft. Auf dem Weg in eine andere Moderne. Frankfurt : Suhrkamp, 1986. H traduo espanhola de Jorge Navarro, Daniel Jimnez e Maria Rosa Borrs, Barcelona : Paids, 1998. (14) Sobre a experincia da modernidade como contributo para uma cultura ps-moderna v. B. de Sousa Santos. A crtica da razo indolente: contra o desperdcio da experincia. Porto : Afrontamento, 2000. (15) Tambm ele tratado monograficamente por U. Beck. WAS IST GLOBALISIERUNG? IRRTMER DES GLOBALISMUS - ANTWORTEN AUF GLOBALISIERUNG. Frankfurt : Suhrkamp, 1997. H traduo espanhola de Bernardo Moreno e Maria Rosa Borrs, Barcelona : Paids, 1998. Sobre o tema, nas suas relaes com a criminalidade dos poderosos, cf. a excelente conferncia de A. Silva Franco. "Globalizao e criminalidade dos poderosos", RPCC 10, 2000, p. 183 e J. Faria Costa. "O fenmeno da globalizao e o direito penal econmico", neste mesmo livro. (16) Diversamente do que afirmei em escritos anteriores, p. ex. em "Oportunidade e sentido da reviso do Cdigo Penal (LGL\1940\2) portugus", do Centro de Estudos Judicirios (Org.), Jornadas de direito criminal. A reviso do Cdigo Penal (LGL\1940\2), I, 1996, p. 30 et seq. e como na nota 6, 1999, p. 71 et seq. Criticou-me a este propsito, com razo, A. Silva Dias, Proteco jurdico-penal dos interesses dos consumidores. Coimbra : Faculdade de Direito, policopiado, 1999, p. 12, nota 22. Uma 2. ed. deste estudo (2000), onde o autor leva j em conta a verso deste artigo que utilizei no Colquio da Universidade Lusada referido supra, nota 3, chegou ao meu conhecimento quando o presente artigo j estava praticamente concludo; todavia a esta 2. edio que se referiro as citaes posteriores. (17) Os "monolitos juridicamente corporizados" de que falou Rupp, Grundfragen der heutigen Verwaltungsrechtslehre, 1965, p. 224. (18) Schller-Springorum. Kriminalpolitik fr Menschen, 1991, p. 236 et seq., 364 et seq.(19) Sobre esta questo, em postura fortemente crtica, F. Mantovani, "Sobre a exigncia perene da recodificao", RPCC 5, 1995, p. 143 e J. de Figueiredo Dias, como na nota 16, p. 17 et seq.(20) De que na literatura portuguesa falaram com propriedade Cunha Rodrigues. "Os senhores do crime", RPCC 9, 1999, p. 7 e A. Almeida Santos. "Novo mundo, novo crime, nova poltica criminal", de prxima publicao na RPCC. (21) Desenhada pela primeira vez, como sabido, por E. Sutherland, "White-collar criminality", American Sociological Review 5, 1940. (22) Ziegler. Les seigneurs du crime - Les nouvelles mafias contre la dmocracie, Paris : du Seuil, 1998. (23) Jean-Jacques Rousseau. Du contrat social ou principes du droit politique. Paris : Classiques Garnier. (24) G. Stratenwerth. "Zukunftssicherung durch die Mitteln des Strafrechts?", Zeitschrift fr die gesamte Strafrechtswissenschaft ( =ZStW) 105, 1993, p. 679; e Das Strafrecht in der Krise der Industriegesellschaft, Rektoratsrede Basel, 1993. (25) Como na nota anterior, sobretudo ZStW, cit., p. 688 et seq.(26) Tambm poderamos dizer em portugus vernculo "razo instrumental actuarial". (27) "O crime econmico na perspectiva filosfico-teolgica", RPCC 10, 2000, p. 7. Cf. tambm agora, num diferente enquadramento, B. de Sousa Santos, como na nota 14. (28) Que expressamente refere a necessidade de uma "superao" no preciso sentido da Aufhebung hegeliana: como na nota anterior, p. 21 (29) J. Baptista Machado. Antropologia, existencialismo e direito, 1966. E depois o meu O problema da conscincia da ilicitude em direito penal, 1 1969. (30) Cf. o meus Liberdade - Culpa - Direito penal, 1 1976, esp. p. 137 et seq. e agora "Dos factos de convico aos factos de conscincia", na obra colectiva Ab uno ad omnes. 75 Anos da Coimbra Editora, 1998, p. 663. (31) Anselmo Borges, como na nota 27, p. 13 et seq.(32) Anselmo Borges, como na nota 27, p. 13.(33) Digo-o aproximando-me, uma vez mais, de Anselmo Borges, como na nota 27, p. 22, embora colocando entre parnteses a questo religiosa da Divindade, para me ficar, com M. Heidegger, Sein und zeit, 4 1935 e com M. Mller, Existenzphilophie im geistigen Leben der Gegenwart, 2 1958, pela questo ontolgica do Ser. (34) Anselmo Borges, como na nota 27, p. 23.(35) Includas, deste modo, tanto a cincia jurdico penal em sentido estrito (a "dogmtica jurdico-penal) como a poltica criminal e a prpria criminologia: cf. j J. de Figueiredo Dias/M. da Costa Andrade. Criminologia. O homem delinqente e a sociedade crimingena, 1 1984, p. IX e 41 et seq.(36) J. de Figueiredo Dias, como nas notas 29 e 30.(37) Anselmo Borges, como na nota 27, p. 31.(38) A posio que aqui tentei resumir corresponde que hoje defendida - entre muitos outros - por autores como W. Hassemer, p. ex. "Kennzeichen und Krisen des modernen Strafrechts", Zeitschrift fr Rechtspolitik, 1992, p. 10 e "Perspectivas del derecho penal futuro", Revista Penal 1, 1997, p. 37 e F. Herzog, p. ex. "Limites del derecho penal para controlar los riesgos sociales", Poder Judicial 32, 1993, e "Algunos riesgos del derecho penal del riesgo", Revista Penal 4, 1999, p. 54 e se vai j imputando a uma chamada "Escola de Frankfurt". (39) Nesta parte e nesta medida encontro-me completamente de acordo com as crticas que G. Stratenwerth, ZStW como na nota 24, dirige a todos quantos se recusam a reconhecer a existncia e/ou a especificidade do problema suscitado pela "sociedade do risco". Uma viva crtica s teses da escola de Frankfurt encontra-se agora tambm em Marinucci/Dolcini, "Diritto penale 'minimo' e nuove forme di criminalit", Rivista Italiana di Diritto e Procedura Penale 1999, p. 808 et seq.(40) Com boa razo poltico-criminal e criminolgica, em todo o caso: desenvolvidamente, M. da Costa Andrade. A vtima e o problema criminal. Coimbra : Coimbra Editora, 1980, esp. p. 44 et seq. e 227 et seq. e, em smula, J. de Figueiredo Dias/M. da Costa Andrade, como na nota 35, p. 393 e 411. (41) Menos pessimista, no que toca ao dano do ambiente, J. J. Gomes Canotilho. "Actos autorizativos jurdico-pblicos e responsabilidade por danos ambientais", BFD 69, 1993, p. 1 et seq., 55 et seq.(42) Tranquiliza-me a circunstncia de no ser s eu, mas os seus prprios propugnadores; leia-se a respeito W. Hassemer, Revista Penal como na nota 38, p. 40: "estes instrumentos 'os de um Interventionsrecht' esto ainda em gestao e tm de ser desenvolvidos, inclusive teoricamente". (43) Cf. supra p. 6 et seq.(44) Cf. supra p. 4.(45) Como justamente nota, em anlise do meu pensamento penal, Maria Fernanda Palma, "Do sentido histrico do ensino do direito penal na universidade actual questo metodolgica", RPCC 9, 1999, p. 418 et seq.(46) J. de Figueiredo Dias, como na nota 10, p. 10. Que a via de compatibilizao se possa encontrar, como sustentou Luhmann a partir do seu Soziale Systeme. Grundriss einer allgemeiner Theorie, 1984, atravs do reconhecimento de contacto entre o "sistema pessoal" e o "sistema social" (v. M. da Costa Andrade. Consentimento e acordo em direito penal, Coimbra : Coimbra Editora, 1991, p. 19, 35, 107), uma hiptese aceitvel mas que aqui no deve ser explorada. (47) J. de Figueiredo Dias, como na nota 16, p. 31 et seq.(48) Cf. W. Hassemer. "Prvention im Strafrecht", Juristische Schulung, 1987, p. 257. (49) Fundamentais muitos dos artigos inseridos na colectnea Pat O'Malley (Ed.), Crime and the risk society, 1998, em particular o de Malcom Feeley/Jonathan Simon, "Actuarial justice: the emerging new criminal law", p. 375. (50) Pedro Caeiro, "Legalidade e oportunidade: a perseguio penal entre o mito da 'justia absoluta' e o fetiche da 'gesto eficiente' do sistema", artigo de prxima publicao na Revista do Ministrio Pblico; seguindo j de resto, nesta parte, um paper (no publicado) que serviu de guio sua interveno no I Programa de Doutoramento (11.04.2000) a decorrer na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, subordinada ao tema: "A relevncia da 'gesto de riscos' na preveno e represso criminal. Em especial: a chamada Nova Penologia na experincia americana". (51) Negam a possibilidade, ao menos por agora, Hilgendorf, "Gibt es ein strafrecht der risikogesellschaft", Neue Zeitschrift fr Strafrecht, 1993, p. 15 et seq. e Strafrechtliche Produzentenhaftung in der "Risikogesellschaft", Berlin : Dunker & Humblot, 1998, p. 24 e A. Silva Dias, como na nota 16, p. 5, 10. Compartilho em absoluto esta convico, dada, precisamente, a j tambm neste texto aludida indeterminao dos factos geradores, dos seus autores e, sobretudo, das suas vtimas, actuais e potenciais. (52) Insiste, com razo, neste ponto A. Silva Franco, como na nota 15, p. 196 et seq.(53) este, de resto, o ttulo do estudo de J.-M. Silva Snchez. LA EXPANSIN DEL DERECHO PENAL - ASPECTOS DE LA POLTICA CRIMINAL EN LAS SOCIEDADES POSTINDUSTRIALES, MADRID : CIVITAS, 1999. Esta construo parece merecer, no essencial, a simpatia de A. Silva Franco, como na nota 15, p. 222 et seq.(54) J.-M. Silva Snchez, como na nota anterior, p. 125.(55) A. Silva Franco, como na nota 15, p. 223.(56) Mas em moldes diferentes dos que a doutrina corrente imputa s construes dos anos trinta de Goldschmidt e de Wolf de um "direito penal administrativo". Com pontos essenciais da construo depara-se em J. de Figueiredo Dias, "Para uma dogmtica do direito penal secundrio", sep. da Revista de Legislao e de Jurisprudncia, 1984; "Vom Verwaltungsstrafrecht zum Nebenstrafrecht", Festschrift fr Jescheck, I, 1985, p. 79; e como na nota 6, 1999, Cap. 5. (57) J. de Figueiredo Dias, como na nota anterior, 1984, p. 40.(58) A expresso , uma vez mais, de Silva Snchez, como na nota 53, p. 124.(59) Por isso me parecendo v a esperana de W. Hassemer/ F. Muoz Conde, "La responsabilidad por el producto en el derecho penal", Valncia : Tirant lo Blanch, p. 37 et seq., 187 et seq., de que uma construo "dualista" constitua uma forma de impedir que a "modernizao" - aquilo que chamei a "periferia" - acabe por apoderar-se pouco a pouco de todos os mbitos do direito penal clssico. Precisamente o contrrio , como disse em texto, aquilo que julgo que poder acontecer! Na concluso crtica agora tambm A. Silva Dias, como na nota 16, p. 35 et seq.(60) Como na nota 16 e tambm, em certa medida, em "Entre 'comes e bebes': debate de algumas questes polmicas no mbito da proteco jurdico-penal do consumidor", RPCC 8, 1998, p. 515 e 9, 1999, p. 45. (61) C. Roxin, como na nota 5, 2, n. m. 25 et seq.(62) Hassemer, NStZ, 1989, p. 90 et seq. e em Allternativ-Kommentar zum StGB (= AK), 1990, vor 1, n. m. 274 et seq.(63) Alteraes de que apresentarei aqui apenas um exemplo: o que se est a passar em matria de fundamento e de mbito da da legtima defesa: cf. s - ressalvadas todas as diferenas entre as diversas concepes - C. Roxin, como na nota 5, 15, n. ms. 1 et seq. e 29 et seq. e, entre ns, Maria Fernanda Palma. A justificao por legtima defesa como problema de delimitao de direitos, 2 vol., Lisboa : AAFDL, 1990, e A. Taipa de Carvalho. A legtima defesa. Coimbra : Coimbra Editora, 1995. (64) Cf. de novo Hassemer, AK como no nota 62. (65) Como na nota 16, p. 29 et seq., 31. (66) Cf. p. ex. Hohmann. Das Rechtsgut der Umweldelikte, 1991, p. 189. E no mesmo sentido Hassemer, in Scholler/Philipps, Jenseits des Funktionalismus, 1989, p. 85 e 92. (67) K. Tiedemann. Tatbestandsfunktionen im Nebenstrafrecht, Tbingen : Mohr, 1969 e Wirtschaftsstrafrecht und Wirtschaftskriminalitt, I-II, Hamburg : Rowohlt, 1976. E sem dvida tambm agora - embora, como se viu, numa linha de todo no coincidente - de A. Silva Dias, como na 16, p. 38 et seq., passim. Cf. do ponto de vista do direito pblico, J. J. Gomes Canotilho. "Tomemos a srio os direitos econmicos, sociais e culturais", BFD 1988, p. 40 e, por ltimo N. Lpez Calera. HAY DERECHOS COLECTIVOS? INDIVIDUALIDAD Y SOCIALIDAD EN LA TEORA DE LOS DERECHOS COLECTIVOS. Barcelona : Ariel, 2000. Fundamentalmente no sentido do texto tambm Marinucci/Dolcini, como na nota 39. (68) Exemplar, a propsito, L. Kuhlen. "Umweltstrafrecht - Auf der Suche nach einer neuen Dogmatik", ZStW 105, 1993, p. 697. (69) Assim, e como se segue - a propsito, concretamente, do direito penal do ambiente -, L. Kuhlen, como na nota anterior, p. 720 et seq.(70) Cf. M. da Costa Andrade, sobretudo como na nota 46, p. 51 et seq. e 180 et seq.(71) Sobre elas J. de Figueiredo Dias/M. da Costa Andrade, como na nota 35, p. 235 et seq.(72) Com efeito, existe entre elas proximidade, no identificao. Porque, desde logo, em crimes como p. ex. os da droga, o que est em causa no so bens pblicos (como uma certa concepo paternalista pretende fazer crer), mas uma multiplicidade de bens jurdicos individuais: cf., por outros, J. de Figueiredo Dias, "Uma proposta alternativa ao discurso da criminalizao/descriminalizao das drogas", Scientia Ivridica 250-2, 1994, p. 193. (73) G. Stratenwerth, ZStW, como na nota 24, p. 692 et seq.(74) G. Stratenwerth, ZStW, como na nota 24, p. 694 et seq.(75) J. de Figueiredo Dias, como na nota 10, 303.(76) Cf. J. Castro e Sousa. As pessoas colectivas em face do direito criminal e do chamado "Direito de mera ordenao social". Coimbra : Coimbra Editora, 1972 (mas publicado em 1985); J. de Figueiredo Dias, como na nota 56, 1984, p. 72 et seq.; J. de Faria Costa, "A responsabilidade jurdico-penal da empresa e dos seus rgos", RPCC 2, 1992, p. 537 e T. Serra, "A autoria mediata atravs do domnio de um aparelho organizado de poder", RPCC 5, 1995, p. 303 e "Contra-ordenaes: responsabilidade de entidades colectivas", RPCC 9, 1999, p. 187. (77) Ac. 427/95, de 6 de julho, Acrdos do Tribunal Constitucional 31, 1995, p. 703. (78) Uso aqui a palavra "perigo", em vez da mais frequentemente utilizada, "risco", para sublinhar a evidncia de que no h aqui sinonmia com o sentido que a mesma palavra assume quando se fala da "sociedade do risco". Concorda com a separao das questes A. Silva Dias, como na nota 16, p. 26 e nota 55.(79) Critrio que tem o seu arauto mais qualificado e produtivo em C. Roxin, pela primeira vez em "Gedanken zur Problematik der Zurechnung im Strafrecht", Festschrift fr Honig, 1970, p. 133 e, por ltimo, como na nota 5, 11, B. (80) Aprofundadamente sobre este ponto Kuhlen, como na nota 68, p. 715 et seq. Cf. tambm j Maria Fernanda Palma, "A teoria do crime como teoria da deciso penal", RPCC 9, 1999, p. 549 et seq.(81) Na demonstrao e na concluso, muito exactamente, tambm A. Silva Dias, como na nota 16, p. 27 et seq.(82) E ainda aqui o mrito da concepo cabe por inteiro a C. Roxin, na sua obra fundamental Tterschaft und Tatherrschaft, 1 1963, especialmente p. 242 et seq.(83) Cf. respectivamente C. Roxin, "Problemas de autoria y participacin en la criminalidad organizada", Revista Penal 2, 1998, p. 61; J. de Figueiredo Dias, "Autoria y participacin en el dominio de la criminalidad organizada: el 'dominio de la organizacin'". Delincuencia organizada. Aspectos penales, procesales y criminolgicos. Huelva : Universidad, 1999, p. 99 e como na nota 6, 1999, Cap. X; F. Muoz Conde. "Dominio de la voluntad en virtud de aparatos de poder organizados en organizaciones 'no desvinculadas del Derecho'?", Revista Penal 6, 2000, p. 104. Cf. ainda entre ns, a propsito do crime de poluio, Anabela Rodrigues. Comentrio conimbricense do Cdigo Penal (LGL\1940\2), II, Coimbra : Coimbra Editora, 2000, art. 279., 30 et seq.(84) Cf. j Maria Fernanda Palma, como na nota 44, p. 441 et seq. e como na nota 80, p. 562 et seq.(85) Concorda A. Silva Dias, como na nota 16, p. 35 et seq.(86) Cf. J. de Figueiredo Dias/Anabela Rodrigues. "A legitimidade da sociedade portuguesa de autores em processo penal", na colectnea Temas de direito de autor, III, Lisboa : SPA, 1989, p. 107. (87) Como se ensaia j no processo administrativo relativamente questo da legitimidade: cf. por ltimo, J. Eduardo Figueiredo Dias. Tutela ambiental e contencioso administrativo. Coimbra : Coimbra Editora, 1997, especialmente p. 179 et seq.(88) Nestes termos Hirsch. "Strafrecht als Nittel zur Bekmpfung neuer Kriminalittsformen", in Khne/Miyazawa. Neue Strafrechtsentwicklungen in deutsch-japanischen Vergleich. Kln : Heymann, 1995. p. 13. (89) Como na nota 27, p. 24.(90) J. Baptista Machado. Nota prvia traduo portuguesa de Engisch. Introduo ao pensamento jurdico. Lisboa : Gulbenkian, 1964. p. LXIV. Pgina 22