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O dito e o apreendido: apropriação dos conceitos por parte dos
alunos do ensino médio
Zenaide soares dos santos Gatti1
RESUMO. O presente artigo busca relatar a experiência ocorrida dentro do
programa PDE, para professores do ensino público estadual do Paraná,
notadamente no que se refere à aplicação e resultados obtidos com o projeto
proposto, de intervenção em sala de aula. Verificar a apropriação de conceitos
históricos por parte dos alunos do ensino médio em eja (educação de jovens e
adultos) no CEEBJA de Toledo, unidade do centro, constituiu o objetivo da
proposta. A escolha recaiu sobre revolução, classe social e gênero discutidos
a partir do pensamento de Hannah Arendt, Edward Thompson e Joan Scott
respectivamente, enquanto Heinhart Koseleck fundamentou a reflexão a
respeito dos conceitos sua relevância histórica. Seguida de breve discussão
teórico-metodológica o texto apresenta a experiência e seus resultados.
PALAVRAS-CHAVE. Conceito. Revolução. Classe social. Gênero.
INTRODUÇÃO O discurso grassante entre educadores pouco tem se
alterado nas duas últimas décadas em relação àquilo apreendido pelos
alunos e operacionalizado pelos mesmos. Ao contrário, as queixas vêm
crescendo em relação à capacidade de leitura e interpretação daquilo
lido, seja no ensino básico, fundamental, médio e nas universidades.
Outro ponto de concordância entre os educadores é em relação à
quantidade e qualidade do lido e as justificativas, invariavelmente
pautam-se na concorrência desleal sofrida pela escola com o
computador e tudo ali contido. Seria rasteira, no entanto, a avaliação
da conjuntura educacional e ficaria comprometida a seriedade de
qualquer pesquisa caso fosse responsabilizada apenas a inabilidade
1 Professor a 18 anos da rede pública estadual do Paraná, mestre em História e doutora em educação.
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crescente na leitura realizada atualmente pelos estudantes. A
capacidade de ler um texto encontra-se relacionada ao domínio de
vocabulário, no caso específico de história, aos conceitos,
supostamente tratados ao longo das séries. Sem estes, qualquer
conhecimento possibilitador de abstração e compreensão da realidade
fica comprometido. Quando um professor fala de conceitos como
cidade, é necessário saber como as mesmas se constituíram ao longo
do tempo, logo conceituar cidade é saber diferenciar Atenas, Esparta,
Roma antiga, Tenochtichan no século XVI, de São Paulo, Tóquio e Beijim
em 2008.
As transformações na relação ensino e aprendizagem passam
necessariamente pelo conhecimento que o educador tem do seu ofício
e para tanto a pesquisa se apresenta imperiosa, e, realizá-la em seu
meio parece ser a maneira mais adequada de efetivar a compreensão
do exposto acima. Somente o conhecimento e a compreensão podem
levar a uma ação de mudança, tendo em vista a impossibilidade de
alterar o desconhecido.
Partindo deste pressuposto projetou-se o presente trabalho cujo
objetivo de investigação é a apropriação de conceitos de história, por
parte dos alunos do ensino médio em eja(educação de jovens e
adultos), a saber: revolução, classe social e gênero. Revolução é um
termo presente em todas as séries do ensino fundamental (5º a 8º
séries) e nos três de ensino médio. Expressões como revolução do fogo
e revolução agrícola aparecem na quinta série. No decorrer das séries
seguintes: revolução comercial, Revolução Inglesa, Revolução
Industrial, Revolução Francesa, Revolução Americana. Especificamente
na história do Brasil: Revolução Farroupilha e revolução
Constitucionalista de 1932. Tais conteúdos repetem-se no ensino
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médio. Logo o critério para a escolha do termo foi a repetição e seu uso
freqüente.
Classe embora recorrente em todo o ensino fundamental e médio é
difícil de ser tratado, pois, mesmo perpassando os conteúdos
permanentemente deixa de receber tratamento e cuidado em
momento específico, apresentando-se de maneira difusa, é
manejado pelo professor sem muito critério e serve para dar conta
de explicar tanto os conflitos ocorridos na Grécia e Roma antigas, no
escravismo moderno, no capitalismo, no período mercantilista,
durante a era da industrialização clássica quanto na atualidade. O
termo apresenta-se invariavelmente impreciso e fluido. Tais
constatações motivaram a escolha.
Por último, gênero. Este ainda não aparece nos livros didáticos, pois
as lutas femininas incluem-se na história das mulheres, ainda
firmadas na separação biológica. Diferentemente de revolução e
classe, gênero é um termo que na historiografia foi conceituado
recentemente. Margareth Mead o cunhou nos anos 40 do século XX,
porém nos estudos acadêmicos aparecendo como objeto de
discussão e pesquisa é projeta somente nos anos 80. Uma breve
verificação entre os professores de história apontou para o fato de
que um grande número desconhece elementos importantes
constituinte da discussão, e, portanto não explicitam o mesmo.
Outros reservam um tempo para discutir um capítulo específico
presente no livro didático produzido por professores do Estado do
Paraná onde está presente a história das mulheres, porém admitem
não haver discussão conceitual posto desconhecerem-na. Gênero é
problemático por ser recente tanto em sua constituição simbólica
quanto na concretude em termos sociais, políticos e culturais, por
isso justifica-se a escolha.
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O professor de história passa invariavelmente de duas a três horas/aula
por semana com seus alunos; quatro anos de quinta a oitava série e
mais três no ensino médio, no ensino regular. Em eja, atualmente são
dez horas semanais divididas em três encontros, para o fundamental,
e, oito horas em dois encontros semanais para o médio, ambos em um
semestre. É este o tempo tido para cumprir sua função dando conta
dos conteúdos propostos pelas diretrizes curriculares. Os conteúdos
encontram-se no interior de temáticas e ambos organizados de acordo
com uma visão teórico-metodológica e até epistemológica ora
construída de maneira mais democrática ora mais impositiva. As
mudanças invariavelmente contemplam menos as necessidades
apresentadas pelos envolvidos no processo educacional e mais as
alternâncias de poder. O resultado são professores cansados de seguir
modismos e desinteressados por propostas, mesmo as inovadoras e
significativas, encaminham-se receosos, desconfiados para os cursos
de capacitação e a apresentação de algo, por vezes importantes,
inclusive por seus pares resulta em resistência e negação, sem se quer
conhecer a proposta.
Dentro do programa PDE o professor torna-se pesquisador, conhecendo
mais e melhor seu ofício, tenderá a compreender a necessidade de
inovação promovendo ele próprio a inclusão de conceituações atuais
cujo objetivo é dar conta de novas realidades tendo em vista as
mudanças provocadas por homens e mulheres outros mecanismos de
leitura desse novo real.
Ora os conteúdos são a centralidade, outras vezes as estratégias, ou
até as narrativas, os conceitos poucas vezes ou quase nunca, ocupam
tal lugar no interior deste processo. Uma afirmativa assim feita de
maneira aparentemente peremptória é confiável? A resposta é positiva,
posto ser resultado de observação atenta realizada ao longo dos
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dezoito anos de prática e mais proximamente no encontro dos
professores PDE em Faxinal do Céu, oportunidade em que os presentes
(em torno de cem) socializaram suas pesquisas. Tendo em vista a
exposição dos mesmos em pôsteres houve tempo para observação
detalhada apontando a conformidade entre a hipótese acima e aquilo
evidenciado pela exposição. A tônica centrava-se em conteúdos de
movimentos sociais, cultura afro-brasileira, consumismo entre os
jovens, identidade, o uso de recursos fílmicos e imagéticos em sala de
aula e dois trabalhos a respeito de gênero.
Um grupo de professores de história estava ausente (em torno de
trinta), logo no compto geral apenas duas pesquisas centram sua
investigação em conceitos, a da professora Vera Lúcia Scherer, de
Toledo, trabalha a partir da problemática da linguagem utilizada pelos
professores de história no ensino fundamental, especificamente nas
quintas séries, e, se esta possibilita a compreensão e a aprendizagem,
para tanto busca perceber as discrepâncias entre a proposta
apresentada e o aquilo expressado pelo professor em sala, além de
verificar junto aos alunos os termos e conceitos não compreendidos
durante as aulas. A outra pesquisa é a desta proponente. Portanto se
considerarmos o número de pesquisadores, em torno de 140, o risco de
permanência de certas problemáticas no ensino e aprendizagem de
história é grande.
Por uma série de motivos cuja discussão não cabe aqui os conteúdos
são tratados e os conceitos estão em seu interior, contudo cabe-se
perguntar: os alunos se apropriam? Quando chegam ao ensino médio
trazem consigo um cabedal mínimo que sirva como chave de leitura?
Operacionalizam tais conceitos?
Baseada no exposto acima parte-se do problema da apropriação dos
conceitos por parte dos alunos de ensino médio. Pensou-se a princípio
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ser insuficiente o número de três termos, porém a experiência apontou
ao final do trabalho um teria sido mais fácil de manejar.
REFERENDANDO A DISCUSSÃO. Os autores escolhidos para compor
a base da teoria e metodologia refletem as crenças da proponente
além das sugestões do orientador. Heinhart Koselleck pela erudição no
trato dos conceitos, Edward Thompson pelo avanço proposto nos de
classe e experiência e pela releitura sempre importante de Karl Marx,
Hannah Arendt pelas discussões inovadoras quando se trata de
revolução, além de Paulo Freire e Lev Semenovich Vigotsky por seus
estudos no processo do conhecimento e na relação ensino e
aprendizagem.
A centralidade do pensamento construtivista quanto ao
conhecimento pauta seus argumentos básicos na idéia de que as
reflexões permanentes, processo constante de montagem e
desmontagem de conceitos, os quais encontram-se intrinsecamente
ligados ao mundo físico e social ( Grossi, 1993), pois construir,
desconstruir e reconstruir estruturas de pensamento, julgamento e
argumentação são mais resultado de experiências vividas e menos
dádiva da natureza. Frente ao desafio do novo passa a abstraí-lo,
buscando entendê-lo conferindo-lhe significado ou resignificando-o
para então lhe dar sentido.
A intervenção consciente no mundo objetivado depende de uma
ação reflexionada, percebendo-se a distinção entre natureza e
cultura. Um dos papéis da educação, é precisamente, oferecer meios
para se pensar a realidade dos processos, problematizando-os, no
sentido dos educandos perceberem o estar-no-mundo para além das
determinações econômicas. Uma das formas plausíveis de realização
desta tarefa é o domínio dos conceitos e sua operacionalização, pelo
menos os elementares para cada idade série. Respeitar os limites de
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cada indivíduo, estudante, não significa negar a profundidade do
saber e com esta justificativa passar pelos conteúdos
superficialmente, sem oferecer instrumentos onde o resultado seja o
domínio da leitura do texto e do contexto.
Aqui se reafirma a condição humana em sua incompletude, sua
historicidade, seu destino social, mas principalmente a consciência
histórica como pressuposto da liberdade, e esta, como elemento
essencial da cognição.
Vigotsky trata a relação entre a palavra e seu sentido social como
algo intrínseco e indissociável, igualmente o faz entre pensamento e
linguagem. O pressuposto então é de que ao apreender o sentido
dos termos, novas percepções da realidade ocorrerão, provocando
alterações no conhecedor, e este terá condições de compreender-se
em sua historicidade. Retêm-se aqui a idéia de Paulo Freire e de
Marx. Para o primeiro os homens são incompletos e sua vocação se
consolida na relação social. O segundo afirma os homens e seu
eterno devir, embora objetivado no campo da produção, busca
transcendência, via conscientização. Hannah Arendt coloca a
liberdade como real quando há alguma forma de consenso, calcada
em ações onde um “nós” aponta o espaço dos homens na
pluralidade intermediada pelo diálogo, este levará ao consenso.
Ao fazer opções teórico-metodológicas os historiadores igualmente o
fazem em relação aos conceitos e estes constituem a base da escrita
da história. O professor, no interior do processo ensino e
aprendizagem, realiza processo semelhante, e mais, maneja os
mesmos buscando relacionar o escrito à vida objetivada. A
concretude do político, econômico e social, além das vivências e
representações culturais, passa a ser compreendida por intermédio
destes conceitos, muito embora nem sempre recebam o tratamento
adequado e o resultado seja ineficiente. Pode-se inclusive constatar
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em alguns momentos a inexistência de vinculação do sentido
histórico do termo ao conteúdo tratado e, portanto mais narrativa e
menos ciência. Esta lacuna passa a ter conseqüências no ensino de
história, disciplina muitas vezes vista mais como um cortejo necrófilo
e menos como construção conferindo aos envolvidos um ar de
desimportância.
A discussão a respeito dos conceitos se apoiará basicamente em
Koselleck, estudioso do tema afirma que um termo passa a ser
conceito quando consegue realizar a síntese, ou seja, torna-se
generalizante de uma realidade a partir do momento em que “ganha
abstração e teorização”, “relacionando-se sempre àquilo que quer
compreender” torna-se um “coletivo singular”, contudo tal processo
dá-se somente com sua “formulação em termos lingüísticos”. O
autor ainda considera o fato dos conceitos receberem tratamento
sempre na relação texto/contexto, em seu significado fundante e em
cadeia com outros conceitos, explicando que embora a palavra
possa ser a mesma, seus significados são distintos, tendo presente a
língua, o tempo e as circunstâncias. Estes se encarregam de alterar
o significado primeiro. Para realizar a referida tarefa se faz mister
buscar em fontes adequadas o entendimento para haver um certo
controle sobre aquilo denominado pelo autor como diacronia.
(Koseleck, 1992)
REVOLUÇÃO. De Aristóteles e Políbio como nos estudos astronômicos
até o século XV revolução possuía o sentido de recomeço ou retorno e
aplicava-se às formas de governo. Ainda em Hobbes e Locke é possível
perceber a forte herança posto a aplicação da idéia de restauração na
Revolução Gloriosa. No século XVII o Dicionário da academia francesa
“definia revolução como vicissitude, grande mudança na fortuna, nas
coisas do mundo” ( Furet, p. XVIII, 1989).
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A positividade do termo aparece num terceiro significado rompendo
com a idéia até então de revolução como inovação e desordem cujo
desejo pautava-se no retorno a ordem estabelecida, esta passa a ser
um “divisor de águas na experiência histórica do gênero humano,
mudanças em profundidade, abrindo novas etapas na marcha
ascensorial da civilização.” (idem, ibidem)
Com a revolução Francesa passa a representar todas as revoluções
passando o termo a ser um “coletivo singular. Nasce o sentido moderno
do termo, pois pela primeira vez estabeleceu-se a relação teoria-
prática, a filosofia portadora dos princípios da Modernidade no aspecto
das leis naturais se afirma ao estabelecerem-se os direitos
constitucionais no interior da Declaração dos Direitos do Homem e do
Cidadão. Precisamente nesta revolução percebe-se a teoria orientando
a ação estabelecendo uma nova ordem.
Mais tarde Karl Marx discutiria profundamente a questão da mudança
social, econômica e política de seu tempo e propôs para o termo
revolução o conceito de dissolução onde á velha ordem se oporia uma
totalmente nova rompendo inclusive com a estrutura. A revolução é
neste caso instrumento de emancipação de seus protagonistas
Sofrendo influência de Marx, porém dentro de contextos semelhantes
posteriores, Hannah Arendt e Reinhart Koselleck propõem novas
acepções e reconceituam o termo no século XX. Ambos alemães como
Marx, são marcados profundamente pela experiência da segunda
Guerra mundial e pelo nazismo de Hitler.
Arendt afirma a revolução como algo inteiramente novo, transformação
completa na sociedade, perpassa meras mudanças, opondo-se a idéia
de que qualquer alteração em determinada sociedade pudesse
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significar revolução, pois, libertação, no sentido revolucionário, “veio a
significar que todos aqueles que haviam sempre vivido na obscuridade,
sujeitos a qualquer que fosse o poder, não apenas no presente, mas
através de toda a história, não simplesmente como indivíduos, mas
como membros da vasta maioria da humanidade, os pobres e os
humildes, deveriam todos erguer-se e tornarem-se soberanos
supremos da terra.” (Arendt, 1988) Utópica por vezes, acusada de
romântica em outras, trás em seu conceito a marca da experiência
vivida durante o nazismo e propõe significado ao termo no sentido de
força política cujo caráter libertador traria novos horizontes para a
humanidade. Homens livres da opressão almejariam a “constituição da
liberdade”, precedida do pressuposto de libertação, teria concretude ao
construir nova forma de governo, pois é somente no espaço público,
onde homens compartilham politicamente, é possível excluir a
violência, esta é essencialmente característica de domínios pré-
políticos.
Dificilmente estas concepções arentianas serão encontradas em livros
didáticos produzidos até o momento, o pensamento da autora ainda
permanece restrito a alguns círculos acadêmicos e talvez por meio do
retorno à academia o professor do ensino fundamental e médio possa
conhecê-lo e também a outros. Sendo assim esta é uma oportunidade
de colocar o estudante em contato com novas formulações e, portanto
compreender a realidade por outro viés.
A fonte básica de pesquisa de conceitos, pelos estudantes, no
presente, são os dicionários da língua portuguesa. Verifica-se a
inexistência de dicionários próprios de história, nas escolas e
igualmente o desuso por parte do professor de tal instrumento para
pesquisa. Levando, por vezes, à incorporação daquilo comumente
posto por um lingüista e não por historiadores. O resultado é a
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descontextualização, elemento imprescindível no processo de ensino e
aprendizagem desta disciplina.
Isto pode ser comprovado na medida da verificação do termo revolução
em dicionários onde rebelião, revolta, conflagração, sublevação
aparecem-se junto a idéia de transformação radical e violenta tanto em
estruturas políticas, econômica e social quanto nos aspectos científicos
ou artísticos.
CLASSE SOCIAL. Classe social diferentemente de revolução é um
termo delineado a partir da constituição das sociedades capitalistas e
mais precisamente tratada nos estudos de Karl Marx. As estruturas
sociais anteriores como as do feudalismo, escravismo ou ainda na
Grécia e Roma Antiga possuíam outras formas de estratificação,
portanto devido a sua complexidade não serão aqui tratadas, pois
ultrapassaria o objetivo desta pesquisa. Igualmente requer registro o
fato da conceituação do termo classe estar estreitamente veiculado
aos estudos sociológicos, logo a historicização parte do século XIX. A
proposição é partir precisamente de Marx e posteriormente Thompson.
Em Marx classe possui dois sentidos indissociáveis: primeiramente
aquele determinado pelo fator econômico determinado pelas relações
de produção e o outro quando os indivíduos tomassem consciência de
sua situação estabelecendo interesses comuns e objetivos políticos.
Thompson realiza exame das práticas sociais e do cotidiano e os
aponta como objeto das ciências humanas, pois sendo forjadas na
experiência, constituem estas, por excelência, matéria-base do
historiador. A filiação de do autor é o materialismo histórico, contudo
12
destaca de maneira singular a ambivalência humana do ser sujeito e
objeto, tanto sofrendo as determinações históricas quanto realizando
por meio da ação, tornando-se assim agente.
A classe acontece quando alguns homens, como resultado de
experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e
articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra
homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos
seus. A experiência de classe é determinada, em grande medida,
pelas relações de produção em que os homens nasceram - ou
entraram involuntariamente. A consciência de classe é a forma
como essas experiências são tratadas em termos culturais:
encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas
institucionais. (Thompson, 1987, p.10)
A experiência social é tomada neste sentido de “autofazer-se”, como
processo ativo que se deve tanto à ação humana como aos
condicionamentos sociais. A classe ocorre justamente aí: como
resultado de experiências comuns de homens e mulheres, na
articulação das identidades e dos interesses. A experiência é o
resultado das relações de produção enquanto a consciência relaciona-
se aos aspectos culturais, nas idéias, valores e tradições, é o auto-
reconhecimento produzido no interior do processo histórico, é o modo
como as pessoas se enxergam numa sociedade com determinada
estrutura, suportam a exploração e identificam interesses antagônicos;
no curso das lutas. Neste processo descobrem-se como uma classe, ou
seja, passam a ter “consciência de classe”.
GÊNERO. O poder aparece onde menos se vê e a imposição do mesmo
é realizada com o consentimento daquele que o sofre. Estas são duas
afirmações de Pierre Bourdieu ao tratar a questão do Poder Simbólico.
O referido autor empresta ainda ao presente trabalho sua tese a
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respeito da Dominação Masculina onde desnaturaliza tal estrutura de
dominação colocando como construção histórica. Bourdieu (1999)
contribui de maneira significativa nas questões educacionais na
medida em que discute as instituições sociais e seu papel de
reprodução colocando o imperativo da des-historicização das mesmas
liberando-as dos entraves para convertê-las em forças
transformadoras.
A ação política, condição da vida em comum, por excelência
processada no espaço público, prenuncia o novo, possibilidade de uma
nova simetria entre o mesmo e o privado. Este último permaneceu por
milhares de anos como lugar do feminino. Tais discussões pensadas no
interior dissimétrico da crise da tradição ocidental são sensível e
profundamente tratadas por Hannah Arendt, filósofa alemã que viveu
até 1975, pressupostos aos quais estará filiado o presente texto.
Conceitos como vida activa, composta por labor: trabalho repetitivo,
com um fim em si mesmo, sem característica de posteridade, próprio
de escravos e mulheres, seres sem direitos a existência pública, logo
distantes da ação e da existência política; obra é o trabalho de
fabricação, edificação, garantia de re-conhecimento, próprio dos
homens, embora sem a plena vivência pública realizem sua existência
com certa liberdade; já a ação caracteriza-se pela compreensão da
realidade por meio da ação política, ou seja, espaço público e ação
garantem a liberdade humana, a certeza de pertença (Arendt, 1993). A
questão feita é: as lutas sociais e femininas possibilitaram o exercício
da liberdade? Ao ocupar a cena pública as mulheres romperam com
certas tradições e construíram saberes novos?
Embora compondo a metade da humanidade e gerando a outra
metade, as mulheres foram tratadas como seres secundários, no curso
histórico das diversas sociedades tanto concretamente quanto nos
registros. Estes contemplavam o feminino longamente ao discorrer a
respeito de seus defeitos ou de como deveriam ser as atitudes
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esperadas de tal sexo. Os compêndios produzidos a partir de
representações masculinas possuíam assinatura de religiosos (padres,
bispos) ou compostos a partir do discurso médico buscando normatizar
os fazeres e pensares femininos.
Indistintamente a mulher passou a ser objeto e sujeito de pesquisas
recentemente. Englobada na categoria humanidade recebe olhar
mais atento a partir do momento que irrompe à cena pública
peremptoriamente nos movimentos sufragistas e mais recentemente
com o feminismo. Facilitado pela expansão dos meios de
comunicação, sua presença e insatisfação se fez notar
acentuadamente.
Novos problemas, novas abordagens, novos objetos aliados à
história vista de baixo, resultante de reflexões históricas sobre o
povo, minorias (embora as mulheres não sejam minoria quanto ao
número, foram assim tratadas no curso histórico), provocaram
alterações significativas no sentido da compreensão do real e de
como indivíduos e grupos constroem representações diferenciadas
de tal. Em decorrência de novas reflexões históricas com auxílio da
antropologia e da sociologia, passou-se a compreender que as
representações do real, para homens, mulheres, negros, brancos,
não são as mesmas. Em decorrência disso inicialmente a categoria
mulheres passa a elucidar melhor tais diferenças, contudo gera uma
série de novas discussões onde o próprio termo passa a ser tratado
com certa desconfiança, e, a expressão gênero surge somando às
tantas incertezas mais uma. Enquanto o termo mulher carrega o
peso da segmentação biológica, gênero seria adequado por tratar
feminino e masculino como construções culturais.
As discussões, os impasses e os problemas metodológicos vindos à
tona, com a Nova História, devem ser encarados para além de seus
15
limites; de empecilho à possibilidade, amparado pesquisadores das
diversas áreas do social quando por vezes lançassem sobre o
presente e o passado um novo olhar, mais perscrutador, mais crítico.
Muitos dos resultados são positivos, especialmente se pensarmos,
por exemplo, que o feminismo foi, ou é, um movimento, mas que a
história das mulheres não se encerra aí. Muito ao contrário. Há uma
clara percepção de que toda vez que se abre um documento
anteriormente lido, estudado, pelo qual anteriormente se escreveu a
história, sob um novo olhar, vem à tona um número significativo de
sujeitos históricos não antes percebidos. Neste momento, é
extremamente relevante pensar a história do passado como fruto de
pensares presentes. Isso leva a pensar nas resistências travadas
pelo sexo feminino no decorrer da história seus aprendizados e
conquistas, as rupturas de tradições cristalizadas e por vezes até
retrocedendo. Feminino e masculino foram, ao longo do tempo, em
distintas sociedades, forjados material e culturalmente,
determinando separação de papéis sexuais somados à divisões
étnicas e de classe, cristalizaram-se passando a ser tratados como
manifestações naturais biológicas não passíveis de transformações.
A Década da Mulher, de 1975 a 1985, marcou indelevelmente
distintos pontos do planeta, todavia seria difícil afirmar ineditismo
nas discussões e reivindicações, cuja gênese se perde no tempo. As
admitir-se a luta feminina somente a partir do sufragismo ou das
lutas feministas, nega-se a existência de resistências coevas,
marcadamente aquelas travadas cotidianamente e que marcaram a
história da presença de homens e mulheres neste planeta.
Igualmente resultaria na negação efetiva das mulheres como
sujeitos da história.
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A Dominação masculina (Bourdieu, 1999) é imposta pelo dominante,
mas igualmente vivenciada pelo dominado, de maneira suave,
invisível à suas próprias vítimas, exercida via comunicação e
conhecimento ou desconhecimento. Socialmente tal poder se exerce
em nome de uma língua, estilo de vida, cor da pele ou sexo, situação
essa paradoxal, pois transforma história em natureza e
arbitrariedades culturais em naturais. O masculino e o feminino são
construções arbitrárias e contingentes, processaram-se ao longo da
história da humanidade e somente a força do poder simbólico
consegue colocá-la como se as relações sempre tivessem sido dessa
maneira.
A assimetria entre os sexos deve ser buscada em construções
culturais, mas não somente, a análise da vida material, das
condições de produção onde se desqualifica certos sujeitos para
então explorá-los. A divisão social do trabalho esconde da mesma
forma uma divisão sexual do trabalho que na verdade é resultado de
escolhas orientadas.
O feminismo dos anos 60 e 70 foi um momento importante, crucial,
pois a idéia da diferença, da alteridade, implicando em mudança da
sociedade (Bobbio, 1992) prova de que a história das mulheres
reafirmava a questão do devir, negando e derrubando mitos,
denunciando assimetrias, questionando papéis, saberes, poderes
imbricados no cotidiano da sociedade moderna como verdades
prontas e acabadas, frutos da “natureza” feminina e masculina. A
primeira, ser imperfeito, nascida de uma costela curva de Adão.
Depois, sem retidão, personalidade fraca, mesquinha, deveria ser
mantida no recôndito do lar no mundo privado, condenada à finitude,
ao labor, ao fazer repetitivo e inalterado.
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O feminismo é fundamental por denunciar a opressão sofrida pelas
mulheres e coloca-se contrário à desigualdade material cuja
conseqüência é a desqualificação estratégia forjada no sentido de
construir o discurso e a prática de uma de inferioridade. A visão
conflituosa entre os sexos e a luta por igualdade mostrou ser ao
longo do tempo variaram conforme o lugar e a condição histórica a
qual se encontrava a mulher. (idem, ibidem)
Foi no interior das ciências sociais, na década de 70, que surgiu o
conceito gênero, tendo como centralidade a proposição de transcender
um sistema de relações baseado na separação social tendo como base
o sexo. Masculino e feminino passa a ocupar de maneira cada vez mais
freqüente o lugar dos termos homem e mulher, sendo este um esforço
de compreender os papéis sexuais a partir de construções
socioculturais e não apenas como determinação sexual procurando
compreender por um lado o processo da dominação masculina e por
outro a subordinação feminina.
“...uma modificação na condição da Mulher requer (e
provoca) uma modificação em nossa compreensão do
homem... A ameaça radical colo cada pela história das
mulheres situa-se exatamente neste tipo de desafio à
história estabelecida; as mulheres não podem ser
adicionadas sem uma remodelação fundamental dos
termos, padrões e suposições daquilo que passou para a
história objetiva, neutra e universal no passado, porque
essa visão da história incluía em sua própria definição de
ser mesma a exclusão das mulheres” (Scott, 1992, p. 90).
18
A idéia do relacional passa a estar presente, um somente existe em
relação ao outro e a dominação exercida com a submissão do outro.
Este passa a ser um dispositivo possibilitador de reflexões que
ultrapassam a escrita da história das mulheres a partir da
vitimização e do miserabilismo, abrindo possibilidade de discutir os
agentes sociais, suas práticas e representações considerando o
político, relações de poder, conflitos próprios da vida em sociedade e
historicamente construídos.
“Gênero é um elemento constitutivo das relações sociais fundadas
sobre as diferenças percebidas entre os sexos e o gênero é uma forma
primeira de representar as relações de poder." (Scott, 1992). Este é o
pressuposto de filiação da presente pesquisa, pensar o feminino e o
masculino no sentido da elaboração de seus significados ao longo da
história.
A partir do exposto acima ocorreu a construção dos textos destinados
aos alunos, sendo a base teórica mantida, apenas em nível acessível
de acordo com o perfil dos alunos. Mantiveram-se o conceito central de
revolução em Hannah Arendt, de classe social em Edward Thompson e
gênero em Joan Scott, todos principiados por uma breve historicização,
totalizando uma página e meia para cada tema.
ESTRATÉGIAS DE AÇÃO. Realizado o estudo teórico-metodológico,
haverá o contato com a escola CEEBJA de Toledo, com a diretora e o
professor da disciplina e da turma específica. Em seguida produzir-se-á
os textos a respeito dos conceitos a serem trabalhados. O contato com
os alunos ocorrerá em quatro momentos distintos: apresentação inicial
da proponente e do trabalho, encontro para verificação do
conhecimento a cerca dos conceitos. Esta etapa será realizada em
quatro horas/aula, com gravação das conversas, tendo antes prévia
19
autorização para tanto. Em aula seguinte ( dois encontros para não ser
cansativo) trabalhar os textos produzidos especialmente para a
intervenção acompanhado de recursos de áudio e vídeo. Ao final do
segundo encontro se verificará como os alunos se apropriaram daquilo
tratado.
Um mês mais tarde outra avaliação ocorrerá. Esta tem como objetivo
perceber a operacionalização dos conceitos trabalhados, verificando
em que medida os mesmos permaneceram e se os alunos conseguem
perceber os conceitos de revolução, classe social e gênero em sua lida
diária, tanto em fatos quanto nos discursos, os quais podem ser em
jornais, revistas, internet, músicas, narrativas em quadrinhos e outros.
Tudo isso será descrito e fará parte do artigo final e do OAC, onde
estarão disponibilizados aos colegas a trajetória da investigação,
problemáticas principais e sugestões de trabalho.
A APLICAÇÃO DO PROJETO. Em uma turma de ensino médio,
matutino, com 11 alunos de faixa etária entre 20 e 53 anos de idade, 5
do sexo feminino e 6 masculino, se processou a experiência proposta.
Em agosto houve a entrega do projeto à direção, contato com o
professor em uma pequena reunião. Em setembro, nos dia 01, 03, 08,
10 e 16 e em outubro no dia 13 o trabalho se deu em sala, na efetiva
proposição do projeto. No primeiro encontro, no dia primeiro de
setembro, a conversa inicia girou em torno do programa PDE e do
porquê de minha presença e seu significado. Segundo os próprios
alunos havia desconhecimento do processo de formação dos
professores.
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Para iniciar a temática dos conceitos discorreu-se a respeito do
conhecimento e de sua relação com a leitura e o olhar sobre o mundo,
os homens e mulheres como seres históricos. A palavra, o termo e o
conceito igualmente foram explorados procurando apresentar e
exemplificar a diferença entre aquilo posto pelos dicionários da língua
portuguesa e o sentido dentro da história.
Inicia-se, após o intervalo, a discussão em torno de revolução. A
solicitação foi para expressarem-se livremente, sem medo de errar,
tendo em vista a importância de saber quais imagens e significado lhes
vinha à mente quando se referiam ao termo. O primeiro a manifesta-se
falou em mudança, na seqüência apareceu revolta, Diretas Já, “aquele
para tirar o Collor de Mello do poder”, “significa também uma reunião”.
Quando perguntado porque revolução significa reunião o aluno
responde que ” sem reunião não tem revolução, pode se juntar no
mundo inteiro, se a pessoa não ta satisfeita com o poder, faz reunião,
uma revolução.” Ao ser questionado se quando falava em reunião, se
referia a um grupo de pessoas com intenções em comum ela responde
“ que depende o caso, cada caso é um caso, tem reunião de vários
tipos, tem reunião de vários tipos” , outro aluno completa “ uma
revolução tem que enxergar o sentido, revolução não é reunião”.
Apareceram expressões “acho que revolução é a Francesa com
Napoleão Bonaparte, pra mim ela mexeu com um país que na frança
inteira, NE, num país inteiro, num foi só num estado. Para outra é
mudança “ Revolução Industrial, a força, a mão-de-obra, passou-se a
usar mais máquinas, usar mais inteligência porque é através da
inteligência que você toca as máquinas” O aluno anterior volta a dizer
que “ Revolução poderia ser uma coisa assim, vamos nos reunir, vamos
arrumar, arrumar aquilo que nóis não tamos satisfeito”.
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Tendo ouvido todos se percebeu, embora não de forma unânime, um
conceito presente, o de revolução como mudança, transformação, logo,
havia incorporação daquilo normalmente proposto dentro dos
conteúdos de história comumente presentes nos livros didáticos e
tratados pelos professores. Tendo realizado tal levantamento sugere-se
a leitura do texto produzido para a discussão. A cada parte lida seguia-
se a explicação e abertura de espaço para questionamento, sempre
explicando o sentido de termos menos conhecidos e contextualizando
cada momento histórico referendado.
Embora o novo apresente-se invariavelmente como desafio no sentido
da aprendizagem é menos custoso se comparado a desconstrução
tendo em vista a incorporação de habitus, neste caso específico de
pensamento. Cristalizados ao longo do tempo, assentados em camadas
superpostas, determinadas formas de conhecer requerem esforço
redobrado em sua desconstrução. É precisamente a problemática
enfrentada pelo professor quando pretende propor nova forma de olhar
para antigas práticas, o mesmo o é para o caso recorrente. Propor
pensar revolução e classe social por outro viés requereria esforço
redobrado tendo em vista as afirmativas anteriores estarem sendo
postas há décadas.
Contextualizar o período e o porquê da opção pela visão de Hannah
Arendt, a respeito de revolução, se fazia imperioso. A opção, em
termos de recursos para maior compreensão da proposta, recaiu sobre
uma produção cinematográfica americana cuja temática central é a
idéia de experiência. Uma jovem de família judia, radicada nos Estados
Unidos. Para além do desinteresse a personagem apresenta tédio e
impaciência quando seus pais e tios evocam o período da Segunda
Guerra Mundial, a ascensão do nazismo e mais precisamente as
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dolorosas experiências vividas por muitos deles nos campos de
concentração e na luta sobre humana pela sobrevivência.
É no interior deste contexto que se busca explicar o pensamento
exprimido por Arendt e propor novo olhar para a realidade atual tendo
presente que aquilo proposto durante a revolução Francesa, embora
seja de fundamental significância, no presente, não dá mais conta de
explicar uma série de situações além de esvaziar em parte o sentido de
devir.
Após a apresentação do filme retoma-se toda aparte final da discussão
e inicia-se a preparação para a temática seguinte, classe social. Os
alunos, ao serem questionados, apresentaram as seguintes
conceituações: classe como “ grupo de pessoas que pertence a
sociedade”, “posição na sociedade”, “empregado, gerente, dono”, “
escala social”, “ classe alta, média e baixa”, “ rico e pobre”.
Neste caso a explicação ocorreu no sentido de elucidar diferenças entre
castas, estamentos e classes, cada uma em seu contexto histórico,
objetivando a percepção da diferença no tempo e no espaço. Em
seguida houve a leitura do texto, abrindo espaço para
questionamentos e esclarecimentos.
No quarto encontro optou-se por iniciar com uma dinâmica. A mesma
consiste em anotar na frente de um papel as características próprias da
mulher e no verso as de homem. Propositadamente não se colocou
termos como masculino e feminino, pois o objetivo era levar a
discussão gerada pelo impasse presente de que muitas vezes fica difícil
precisar aquilo que é exclusivamente de um e de outro. O resultado:
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para alguns características de homens e mulheres eram mais ou
menos as mesmas e destacaram sinais físicos externo como barba,
bigode, falar grosso, ou saia, vestido e maquiagem, porém a maioria se
fixou em aspectos do caráter, do psicológico: carinhosa, responsável,
conquistador, esperto, vaidosa, mandona, valente trabalhador. Por fim,
alguém destacou a diferença biológica como a gravidez.
Ao colocar em evidência os escritos os próprios alunos iam de dando
conta do quão estanque era a classificação pó eles estabelecida a
princípio. Então de onde vêm tais construções? Esta foi a interrogação.
Neste momento propus o termo gênero, o qual foi interpretado como:
“estilo”, “difícil”, “personalidade”, “mais calmo”, “estilo como as
pessoas se comportam”, “poder”, “gênero alimentício”, “ na língua
portuguesa o gênero literário lírico”, “hereditário” e por fim alguém
afirmou como “qualidade, gênero masculino e feminino”.
A opção neste caso específico foi historiar mais detidamente o feminino
e sua construção em relação ao masculino, notadamente dentro do
modelo cristão ocidental de feminilidade pautados nos símbolos Eva e
Maria e a cristalização dos mesmos tanto nas práticas quanto nas
representações. Apontou-se o gênero como construção sócio cultural e
no sentido de ainda ser novidade no teórico e no concreto. As reflexões
são recentes e a projeção da mulher no espaço público ainda reflete o
peso da história de dominação. Referendou-se igualmente “os poderes”
femininos sabendo-se não ser somente no espaço público sua
ocorrência, destacando a possibilidade de rompimento de tal situação.
O encaminhamento para o trato do termo gênero foi semelhante aos
anteriores: leitura do texto, comentários, momento de tirar dúvidas.
Somente no encontro posterior procurei estabelecer relações entre as
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temáticas retomando os conceitos e propondo pensar revolução, classe
social e gênero como componentes históricos da luta de homens e
mulheres por cidadania visando a construção de uma sociedade mais
igualitária. Neste momento, conforme combinado com os alunos,
iniciou-se a avaliação cujo objetivo consistia em diagnosticar o nível de
compreensão, apropriação e operacionalização dos conceitos. O
trabalho consistiu em procurar imagens em revistas as quais
evocassem mais proximamente a compreensão de cada um a respeito
dos assuntos tratados e mais precisamente dos conceitos.
Múltipla eram as possibilidades: montar uma pequena história única,
relacionar um conceito ao outro, tratá-los individualmente. O
importante era apontar o entendimento de cada um, fazendo uso de
imagens atuais (as revistas eram edições mais ou menos recentes, dos
últimos três anos) com aquilo anteriormente tratado. A atividade
ocupou o restante da aula.
Finalmente a última etapa processada um mês após, objetivava
verificar a real compreensão, pois se acredita que se houve
aprendizagem efetiva há permanência configurando-se uma
representação e esta permanece produzindo operacionalizações,
igualmente procurar perceber se os mesmos expõem suas angústias ou
até se a questão da aprendizagem é importante para eles como o é
para os educadores. Optou-se pela construção de uma narrativa, por
parte dos alunos, servindo para expressar o seguinte: O que ainda
vocês se lembram dos conceitos trabalhados? Os conceitos chamaram
a atenção, por quê? Vendo televisão, ouvindo o rádio, ao ler jornais ou
revistas alguma notícia chamou a atenção, tendo em vista os
conceitos? O que acreditam que poderia ser feito para os estudantes
aprenderem mais e melhor? De que maneira você aprende mais e
melhor?
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Notadamente se faz mister no primeiro momento explicitar algumas
das características do grupo para então expor os resultados. A turma
composta por doze alunos entre vinte e cinqüenta e três anos. Os três
mais jovens, do sexo masculino, evidenciaram menor interrupção no
processo educacional formal, pois aos vinte ou no máximo aos vinte e
um concluirão o ensino médio, os demais contam histórias de falta de
oportunidade e de abandono da escola pelo trabalho, notadamente as
mulheres, duas delas, hoje na faixa dos quarenta anos, casaram-se aos
quatorze, momento no qual o estudo tornava-se desnecessário, na
visão da sociedade da época, isto segundo seus respectivos
depoimentos. Apenas o aluno de cinqüenta e três anos apresentou uma
versão diferente, o mesmo afirmou entender-se, em sua época que ter
o ginásio era o suficiente, considerava-se então importante tal
formação e desnecessária sua seqüência, pois, onde residia, no Rio de
Janeiro, haviam colégios do chamado científico. A média de tempo de
afastamento da escola foi de vinte a vinte e cinco anos, poucos
advindos de escolas rurais multiseriadas, mas a maioria aponta sua
formação inicial como fraca.
Outra questão a destacar é fato de todos serem trabalhadores, embora
não haja grande novidade nisso, se faz necessário colocar em pauta os
horários e a jornada enfrentada. Tal situação reflete em quesitos
indispensáveis visando a avaliação do projeto, quais sejam:
assiduidade e pontualidade. Por trabalharem à noite ou residirem no
interior muitos chegam algum tempo após o início e não raras vezes se
retiram antes da aula encerrar-se. As faltas são freqüentes e nos seis
encontros apenas em um estavam todos, inclusive nas avaliações; na
primeira dez e na segunda, sete.
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RESULTADOS E DISCUSSÕES. Inicialmente a reação, ao ler as
produções, foi de decepção, mesmo podendo fazer uso dos textos e
das anotações por vezes apontadas no caderno, muitas se quer
reproduziram aquilo posto, outros reafirmaram o senso comum. Pouca
ou nenhuma relação fizeram entre as imagens e os conceitos ou
contestaram o exposto. Aparece em dois trabalho a guerra embora
esta não tenha sido relacionada à revolução, afirmam “a guerra não é
solução para a solução dos problemas”. Logo se percebe a associação
entre revolução e guerra. Torna-se impossível para o educador ignorar
certas dificuldades evidenciadas por terminadas afirmações, a saber,
“a guerra como fundamental para ter um país bom e chegar no poder”
O mais coerente de acordo com aquilo trabalhado apontou: revolução
como “mudança da construção humana”; classe social “é formada por
homens com interesses em comum”. Nove entre dez repetiram classe
social no sentido de separar ricos e pobres.
Gênero por ser inusitado é mais facilmente absorvido, porém o
referendam menos na relação masculino/feminino e mais
homem/mulher, aparecendo a luta pelos direitos, pelo reconhecimento
da igualdade e o sonho romântico do casamento. A construção
sociocultural em nenhum momento aparece.
A avaliação subseqüente ocorreu em treze de outubro, e, conforme o
exposto anteriormente objetivou verificar o quanto havia permanecido
e a atitude dos alunos diante desta forma de trabalho. Construir um
texto narrativo sem o uso de material escrito, apenas procurando
responder os questionamentos anteriormente expostos.
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Quanto aos conceitos e sua forma de tratamento, no interior de
conteúdos, foram unânimes em destacar sua relevância afirmando “
tudo nos fazem lembra dos conceitos que foram trabalhado, porque
eles estão presentes em nosso dia a dia”, contudo igualmente
destacam o fato de não lembrarem: “não lembro muito bem a respeito
do que trabalhamos”, “ na época achei que tinha aprendido bastante
mas para ser cincera já esqueci tudo”, “ não me lembro de nada” . Para
ocorrer o aprendizado reafirma o discurso corrente para que fique em
minha mente teria que estar lendo sobre eles várias vezes, mas como
isso não é possível, já me esqueci de quase tudo,”.
Admite-se a importância da leitura, a necessidade de sua prática diária,
contudo paralelamente usam sempre o argumento da falta de tempo
desfilando uma lista de prioridades, nisto reforçam a visão cultural da
formação escolar no sentido de responder à necessidades econômicas
e de reconhecimento social, ter emprego melhor, não ser ignorado
pelos demais, “ser alguém”. Chama atenção o fato de colocar em
terceira pessoa “acho que eles têm que querer aprender...”, como se a
pessoa não fosse estudante e nem identifica-se com o processo.
Em relação aos conceitos é possível avaliar a produção positivamente
se comparada com a primeira, notadamente ao realizarem relações.
Muitos conseguem estabelecer conexões significativas destacando
reportagens a respeito de mulheres mutiladas sexualmente e as
questões de gênero realizando nexos importantes com revolução.
Outros destacam as relações de classe repetindo a separação entre
ricos e pobres. Revolução, termo mais destacado e melhor conhecido
ao ser avaliado o quesito oralidade, neste momento desaparece.
O gênero aparece em três narrativas, cujo destaque é a relação
masculino/feminino e suas determinações socioculturais. Tal fato me
levou a refletir sobre a máxima de que é mais fácil aprender algo novo
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do que desaprender para aprender de outra forma, aja vista a
insistência de repetir classe e revolução conforme construções mentais
anteriores, ou seja, os conceitos propostos para serem pensados
diferentemente daquilo cristalizado apresentam-se demasiadamente
reticentes.
Ao conversar com os professores estes reafirmam o cansaço em repetir
determinados conteúdos e os alunos demonstrarem fastio pela
repetição, contudo aprendem pouco ou quase nada, posto esquecerem
rapidamente ou então passada a avaliação, o que foi retido não
consegue dar conta de operacionalizar novas informações fazendo uso
daquilo trabalhado. As relações inexistem e o conteúdo é visto como
algo ‘vencido’, descartado. Neste sentido a defesa de trabalhar os
conteúdos por meio dos conceitos, ou temáticas, me parece uma forma
de tornar menos vazio o conhecer, inviabilizando o descartar daquilo
anteriormente estudado. Obviamente o estudo da história por meio de
temas está contemplado no DCE, notadamente dentro do ensino
médio, porém no fundamental a organização é cronológica. Sem entrar
na polêmica discussão, algo, aliás, não cabível neste artigo, defendo
que a organização cronológica conteudista não leva se quer ao domínio
de ferramentas essenciais ao estudante do ensino fundamental e
menos ainda à formação da consciência histórica.
Se no ensino médio a proposta é temática, a qual oportuniza tratar
mais proximamente os conceitos, encontra o professor despreparado e
resistente à mesma. Ocorre a exposição do tema, trabalha-se imagens
fílmicas e outros recursos, contudo aos serem questionados percebe-se
que fica é menos os conceitos pautados em cientificidades e mais o
discurso do professor cuja narrativa é pautada na descrição das
características e nos conflitos. Acostumados a concentra-se na fala e
deixando de lado a leitura dos textos, os alunos captam fragmentos
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passando a ter uma noção geral sem especificar ou dar conta de
análise mais verticalizada. Na somatória dos conteúdos e até das
temáticas passa a ser difícil encontrar algum discernimento tornando-
se um emaranhado sobressaindo-se algum entendimento e muita
confusão . Ao fazer a experiência de perguntar direto o que é, o aluno
descreve de tudo menos o solicitado. Para ficar claro exemplifico outra
experiência anteriormente realizada repetidas vezes por mim. Ao tratar
da temática feudalismo procuro conceituá-la e posteriormente
explicitar suas características, conflitos, contradições, o papel da igreja,
da nobreza e a vida dos servos. Durante a avaliação solicito a
conceituação perguntando o que é feudalismo. As respostas são até
interessantes, aqueles cuja presença é contínua em sala constroem um
texto, porém destaca e repetem praticamente tudo aquilo posto, sem,
contudo escrever feudalismo é isto
Ao final desta experiência, embora limitada pelo tempo e pelas
contingências próprias do momento, somadas ao tempo de educadora
da proponente, além da conversa com colegas inclusive da área de
física e matemática, é possível, pelo menos neste momento concluir
que se faz mister eleger um determinado número de conceitos, de três
a seis e trabalhá-los durante o ano todo tendo presente o fato destes
encontrarem-se presentes em vários conteúdos sendo revolução classe
social e gênero pertinentes e passíveis de investigação que servirão
de base para todo um ano ou semestre de trabalho. Ao tomar uma
temática possível como a “era das revoluções” é um terreno fértil para
tratar as experiências e as lutas de classe e ponto central no sentido de
discutir os novos papéis femininos. Afirmo com isto que a apropriação
dos conceitos por parte dos estudantes requer o conhecimento destes
por parte dos professores e um esquema de trabalho onde a idéia de
processo de aprendizagem esteja presente, o imediatismo compromete
os resultados, logo somente a retomada contínua poderá reverter o
quadro atual.
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