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O ECLETISMO DE ROSSI BAPTISTA, UM ARCHITECTO-CONSTRUCTOR
ALMEIDA, Maria do Carmo B. E. de
1. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia- IFBA. Departamento Acadêmico de
Construção Civil- DACCivil. Rua Emídio dos Santos, s/n- Barbalho. 40301-015. Salvador, BA.
RESUMO
A pesquisa, desdobramento de um estudo mais amplo que contempla a modernização urbana de Salvador, investiga a produção arquitetônica de Rossi Baptista durante a Primeira República, período no qual sua atividade profissional foi mais intensa. Chegado a Salvador em 1911, Rossi Baptista foi um dos muitos técnicos estrangeiros que migraram para capital neste período, atendendo a um apelo do Governo ou as oportunidades que o mercado da construção civil oferecia. Diferentemente de seus conterrâneos, dedica-se aos projetos de particulares, estabelecendo-se na cidade. O levantamento dos projetos realizados por Rossi Baptista em Salvador está estruturado em etapas que seguem a divisão administrativa da cidade naquele período, em distritos, já tendo sido concluídos os distritos da Vitória, da Conceição da Praia e Pilar, setores onde as obras de remodelação urbana foram mais
intensas, juntamente com a Sé. Os primeiros resultados das análises apontam para uma produção arquitetônica de grande qualidade, cujo estudo contribui para a compreensão da atividade desses profissionais estrangeiros no território nacional. Identificar os rebatimentos de sua atuação na arquitetura local, no emprego de programas mais complexos, técnicas construtivas e repertório decorativo nas construções, são alguns dos objetivos da pesquisa.
Palavras-chave: Ecletismo; projeto de arquitetura; italianos
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
1. A modernização da Cidade da Bahia
O processo de modernização urbana da cidade de Salvador, iniciado ainda em meados do
século XVIII, ganha novo ritmo e velocidade com a chegada da República, em 1890. O novo
regime político coincide na Bahia com um período de plena afirmação econômica da
atividade cacaueira, vinculada a uma estrutura de produção e comercialização até então
inexistente, e que terá em Salvador o seu porto de distribuição mundial. Tudo concorre para
uma fase de progresso da cidade, consequência da projeção do comércio na economia local
e do papel que assumem os ricos negociantes, em grande parte estrangeiros, na sociedade,
o que estimula as aspirações de modernização do dito “mundo civilizado”.
Para atender a estes anseios, intervenções no espaço urbano são idealizadas e executadas
na medida em que os cofres públicos permitiam, priorizando os setores da cidade ocupados
pela elite local. Entre os anos de 1912 a 1916, um novo momento do processo de
modernização urbana pode ser percebido, quando José Joaquim Seabra assume o governo
do Estado pela primeira vez, com o apoio dos empresários e grandes comerciantes da
cidade de Salvador, marcando uma ruptura na política baiana entre o governo e as
oligarquias rurais.
J. J. Seabra , político de grande prestígio, ocupara o Ministério da Justiça e Negócios
Interiores (1902-1906) durante o Governo de Rodrigues Alves, quando se deram as grandes
remodelações urbanas da cidade do Rio de Janeiro. Ao assumir o governo da Bahia,
pretendia transformar a capital do estado numa cidade “civilizada”, dotando-a dos
[...] reaes melhoramentos que, como symbolos do nosso caminhar para a civilisação, e interrompendo a inércia do passado, se levantam do nada, e crescem, e se adeantam, e hão de ser, em próximo futuro, a irrecusável prova documental da creadora e patriótica actividade desta época (BAHIA, Mensagem..., 1913, p.15-6).
As reformas, de caráter higiênico e estético, tinham a pretensão de dotar a cidade de uma
imagem do progresso, tomando como referência os grandes centros europeus, quando
possível, e as obras em curso na cidade do Rio de Janeiro, como modelo mais próximo.
Executadas mediante empréstimos realizados em Paris, ao Credit Mobilier Français, e em
Londres, intermediados pelo empresário carioca Eduardo Guinle, as intervenções se
realizam através da atuação conjunta das três esferas da administração pública. As obras
do porto e a remodelação do Bairro Comercial, na Cidade Baixa e a construção da Avenida
do Estado (atual Avenida Sete de Setembro), na Cidade Alta, além de equipamentos de
caráter público, são priorizados pela gestão seabrista.
A efervescência das obras em curso atrairia à capital um número considerável de
profissionais ligados à construção civil, insuficientes, entretanto, para o vulto dos trabalhos
idealizados para a cidade. A polêmica que se instala sobre o andamento das obras
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
questionava, inclusive, a quantidade e qualidade da formação dos profissionais que
deveriam transformar os velhos edifícios em “[...] prédios onde a architectura moderna
deixará seus traços elegantes e a hygiene, com seus preceitos salutares, assegurará a
estabilidade de seu estado sanitário” (GAZETA do Povo, 29/06/1912. Apud PERES, 1973. p.
03). A ênfase dada ao discurso higienista das intervenções, faz com que, em 23 de abril de
1912, o Diário da Bahia, em artigo denominado “As duas engenharias”, alerte para a
inexistência de profissionais competentes para sanear e embelezar a cidade, afirmando:
Nós não temos engenharia sanitária. Só poderemos ter engenheiros nacionaes dessa cathegoria, educando-os na escola prática das grandes construcções[...]. Saia o plano do esconderijo em que se acoitou. Queremol-o ás claras na mesa do estudo, para a colaboração dos competentes e com o carimbo não da engenharia de bondes, não no bacharelismo improfícuo, mas na engenharia sanitária, nessa especialidade dignificante, neste mister nobilíssimo, em que o geômetra, o architecto, o constructor das grandes obras de arte, se confunde com o hygienista (p. 01).
De fato, para além de especialistas nas grandes questões sobre a infraestrutura da cidade,
que então se apresentavam, as intervenções careciam de “artistas de profissões
elementares”. Em sua Mensagem a Assembleia ...., em 1913, o Governador J. J. Seabra
refere-se à carência desses profissionais, sendo necessário [...] com caracter de urgência, a
sua obtenção em São Paulo, no Rio de Janeiro e na Europa, especialmente em Portugal
(p.49-53). As proporções que assume a migração de técnicos da construção civil para a
capital, durante o período de maior incremento das obras de remodelação, é tal que provoca
críticas da imprensa local, que passa a questionar a qualidade dos serviços em execução.
Com ironia, a Gazeta de Notícias, em 19/06/1914, afirma que:
[...] funcionários honestos, competentes e antigos servidores municipaes, foram postos á margem para que não vissem, não testemunhassem, nem criticassem os moderníssimos planos de melhoramentos, as reformas, os estudos e as maravilhosas concepções dos profissionais importados [...] (p. 01).
As investigações sobre este contingente de profissionais da construção civil que atuaram na
cidade, neste período, ainda são embrionárias1. Suas origens, formações e percurso
profissional constituem um vasto campo para a pesquisa. É possível que muitos tenham
migrado do Rio de Janeiro, particularmente os de origem italiana, uma vez que estes
profissionais tiveram um papel eminente na execução da reforma urbana promovida por
Pereira Passos, anos antes, da qual participara o Governador Seabra.2. Godofredo Filho,
entretanto, atribui as obras de maior vulto então realizadas,
1 A este respeito, ver PUPPI, 1998.
2 Merece destaque o papel que teve Antonio Jannuzzi nas obras do Rio de Janeiro, certamente, o maior
construtor da cidade, comandando a “(...) mais equipada, moderna e eficiente empresa de construção, aquela que melhor estava em condições de respeitar um objetivo inadiável da reforma de Pereira Passos: a rapidez da realização”. (CAPELLI, 2015, p. 105).
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[...] a técnicos italianos aqui chegados a partir de 1912, no 1º Governo Seabra, quando o Secretário Geral Arlindo Fragoso e, sobretudo, o Intendente Julio Viveiros Brandão, buscaram abastecer-se em São Paulo de arquitetos, escultores, pintores, decoradores e artesãos especializados, com o fito de mudar, como pretenderam e em parte conseguiram, a grave e tranquila fisionomia plástica de Salvador.
A euforia suscitada na população pelas obras de modernização da cidade logo é tolhida pela
suspensão do crédito estrangeiro, em virtude da Primeira Guerra, na Europa, e de
problemas administrativos, provocando a paralisação de muitos serviços e o arquivamento
de outros. O grande número de dívidas do estado provoca a dispensa de inúmeros
trabalhadores das obras de remodelação, como anunciava em 23/04/1914 o jornal A Tarde,
profissionais que “(...) caloteados e famintos (...)partem aos magotes, seguindo “(...)oitenta e
tantos para o Rio e trinta e tantos para a Europa”(Apud LEITE,1996,p.73).Criticando o calote
passado nos operários, particularmente no estrangeiros, a imprensa preocupa-se com a
imagem negativa que eles levavam da cidade que se pretendia moderna e civilizada.
Dentre os muitos aspectos deste processo não contemplados com estudos específicos está
a produção arquitetônica de um grupo de profissionais italianos que contribuíram para
construção de uma nova imagem da cidade de Salvador, responsáveis pelos projetos dos
principais edifícios da administração estadual e dos novos equipamentos públicos da cidade.
Segundo os dados que registram a chegada de estrangeiros a Salvador, estes profissionais
chegaram em maior número durante os anos de 1905 e 1916, quando se encerra o primeiro
Governo Seabra, diminuindo a partir de então. Julio Conti, Filinto Santoro, Antonio Virzi,
Alberto Borelli, Raphael Rebecchi e Rossi Baptista, com diferentes graus de atuação, foram
alguns dos profissionais que marcaram a cidade com sua architectura moderna.
Neste contexto, destacamos a produção de Rossi Baptista que, diferentemente dos seus
conterrâneos, não se dedica aos projetos conduzidos pelo Estado, mas antes, aos de
residências e edifícios comerciais de particulares, dois dos quais, mereceram o tombamento
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural da Bahia- IPAC – o Palacete Catharino e o
prédio da Associação dos Empregados do Comércio. O estudo da obra de Rossi Baptista,
além de contribuir para a compreensão da atividade desses profissionais estrangeiros no
território brasileiro, e especificamente em Salvador, pretende identificar os rebatimentos de
sua atuação na arquitetura local, no emprego de programas mais complexos, técnicas
construtivas e repertório decorativo nas construções.
2. Rossi Baptista, architecto-constructor
A atuação profissional de Rossi Baptista na cidade de Salvador, como da quase totalidade
dos estrangeiros que aí trabalharam neste período, ainda apresenta grandes lacunas. Os
seus dados biográficos são desconhecidos. Sabe-se que chega à Bahia por intermédio do
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Comendador Bernardo Martins Catharino, em 1911, para quem elabora alguns projetos para
sua residência, e outros tantos na mesma época para a burguesia local. Segundo arquitetos
que chegaram a conhecê-lo no fim da vida, foi o único profissional do grupo de italianos
chegados na década de 1910 que fixou residência na cidade.
Sobre a sua formação também são conflitantes as informações. Apesar de apresentar-se
como arquiteto, sabemos ser comum e legal no período a atuação de profissionais que
projetavam e construíam sem que possuíssem a formação acadêmica das escolas de
engenharia ou arquitetura, apesar da reconhecida experiência; na tradição italiana, os
capomaestri. Nos projetos de sua autoria, as pranchas trazem sua assinatura de três
maneiras distintas: simplesmente assinadas, com carimbo e a designação de arquitecto-
constructor, ou como constructor (ainda que, nestes casos, não identifiquemos outro autor
para o projeto). Além disso, Rossi Baptista costumava assinar os seus edifícios com uma
pequena placa que o identificava como autor da obra.
Foto 01- Placa existente no Palacete Catharino, à Rua da Graça, identificando a autoria do projeto.
Da mesma forma como os seus conterrâneos, antes de se estabelecer na Bahia, Rossi
Baptista deve ter atuado em outros estados brasileiros, em cidades que também se
encontravam em processos de modernização urbana. A sugestão de que tenha vindo de
São Paulo, onde outros dois arquitetos, Domenizio Rossi e Cláudio Rossi, eram bastante
atuantes neste período não se comprova, apesar da coincidência dos sobrenomes, como
alerta o professor Paulo Ormindo de Azevedo (2006). Pesquisas mais recentes, entretanto,
que investigam a produção italiana nas obras de remodelação do Rio de Janeiro, indicam a
participação de Rossi Baptista na construção de imóveis na Avenida Central, o que
demonstra o prestígio profissional que deveria ter na cidade.
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Não se vinculando ao estado na projetação ou execução de obras públicas, Rossi Baptista
teve uma produção arquitetônica considerável no recorte temporal proposto para a
investigação, a Primeira República (1890-1930). O levantamento dos projetos elaborados
pelo arquiteto decorre de um trabalho mais amplo, que investiga o processo de
modernização urbana da cidade de Salvador. Da mesma forma que nas etapas anteriores, a
pesquisa se estrutura a partir da então divisão administrativa da cidade, em distritos, já
tendo sido identificados os projetos realizados para os distritos da Vitória, Conceição da
Praia e Pilar, trecho que, juntamente com a Sé, concentrou as grandes obras de
remodelação urbana.
Do que foi levantado até então, grosso modo, podemos classificar sua obra em dois grupos.
Concentrados no distrito da Vitória, os projetos residenciais destinados à burguesia local
destacam-se por programas mais elaborados e volumetrias que distinguiam o edifício no
contexto urbano. Nos projetos realizados para os distritos da Conceição da Praia e Pilar,
suas propostas contemplam muitas reformas e/ou reconstruções nos imóveis que sofreram
cortes para alargamento da malha viária e tem por condicionante o rigoroso gabarito
estabelecido para dar uniformidade ao conjunto arquitetônico.
Seu projeto mais reconhecido até hoje é o Palacete Catharino, situado na Rua da Graça,
local de moradia da burguesia soteropolitana no início do século XX. O edifício é tombado
pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia - IPAC, e, hoje, sedia o Palacete
das Artes. Quando da solicitação do seu tombamento, na década de 1980, o Departamento
de Obras do Município guardava em seus arquivos cinco propostas, sendo três delas de
autoria de Rossi Baptista. Possivelmente, foi o primeiro projeto que o arquiteto desenvolveu
em terras baianas para um empresário de grande prestígio na cidade, o que deve ter lhe
garantido certa notoriedade.
Na proposta escolhida, o edifício implanta-se praticamente no eixo da largura do imenso
lote, mas, pouco recuado da rua, permitindo ao transeunte a contemplação de sua
volumetria, ao tempo em que resguarda a privacidade do espaço doméstico. No mesmo
sentido longitudinal, desenvolve-se o agenciamento dos cômodos, organizados em três
pavimentos que observavam a hierarquia e o zoneamento das residências burguesas da
época: um térreo, com proporções de porão alto, destinado aos serviços, no pavimento
nobre, a zona social e no andar superior, a zona íntima. A articulação dos cômodos se dá
através de um longo corredor, no plano horizontal, e no vertical, através de uma escadaria e
um elevador, disposição que ainda traz resquícios de uma organização espacial da casa
colonial. O programa arquitetônico incorpora novos elementos como a sala de música, o
gabinete e o banheiro no corpo principal da edificação, ainda que traga uma capela
doméstica nas proximidades da zona social, uma herança da arquitetura tradicional.
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Foto 02- Fachadas principal e lateral do Palacete Catharino, de autoria de Rossi Baptista.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal/ Fundação Gregório de Mattos
Em consequência do partido adotado, a volumetria compacta destaca os principais espaços
de representação da casa, com avarandados que conferem algum movimento à
composição. Na cobertura, com planos bastante inclinados, destaca-se um mirante,
elemento comum nas residências burguesas deste período, situado em torreão trapezoidal,
revestido em ardósia.
Para o Comendador Catharino projetaria, ainda nestes primeiros, alguns edifícios comerciais
e outro edifício residencial, no bairro do Canela, que hoje, abriga a Escola de Teatro da
UFBA. Nas demais residências projetadas no distrito da Vitória pelo arquiteto, mais
modestas se comparadas ao palacete, encontraremos sempre a adoção de um programa
arquitetônico que incorpora os novos rituais da vida doméstica: à sucessão de salas que
compõem os espaços de representação da casa, liga-se um volume que agrupa os
cômodos da zona de serviço, e a zona íntima no pavimento superior. Os tratamentos
volumétricos realçam os cômodos mais importantes da casa, em composições que,
geralmente, se utilizam de varandas, bow windows (que podem abrigar ora uma sala de
música, ora uma sala de jantar) e pergolados, procurando conferir algum dinamismo ao
projeto.
Do ponto de vista estilístico, nos projetos residenciais, sem aderir ideologicamente a uma
única linguagem do período eclético, Rossi Baptista, como um profissional do seu tempo,
transita nos diferentes repertórios arquitetônicos. Dos pastiches compositivos (para utilizar a
expressão do Patetta (1991)) daqueles projetos iniciais da década de 1910, encontraremos
o arquiteto nos anos seguintes projetando casas no distrito em estilo neocolonial ou ainda
como chalets estilizados, reproduzindo em argamassa a estrutura enxaimel. Neste período,
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estará instalado em seu escritório à Rua São João, nº 01, 2º andar, no Bairro Comercial,
onde também funcionava a Cia. da Serraria e Construções, de sua propriedade.
Vale a pena destacar o projeto realizado em 1929, pelo arquiteto para a Sra. Isabella
Padilha de Souza, na Ladeira da Barra, um “(...) prédio typo ‘american homes’”. Na casa de
180,00 m2, Rossi Baptista desenvolve um programa com duas salas, dois quarto, banheiro,
cozinha e terraço, dentro de um arranjo espacial distinto daquele que era comumente
utilizado no período. Um pergolado cobre o terraço que antecede as salas de visitas e de
jantar, cômodos intercomunicantes cujas portas oferecem a possibilidade de dilatar o
espaço da zona social da casa. Uma pequena circulação faz a distribuição para os quartos e
áreas de serviços. Para este programa mais enxuto, uma composição volumétrica
despojada dos ornatos pré-moldados e marcada pela horizontalidade do pergolado, um dos
elementos comuns em seus projetos.
A proposta, que poderia ser considerada já dentro da linguagem moderna da arquitetura,
encontrou resistência nos setores de análise da Intendência, sendo reprovada por Antonio
Lima, Chefe da Secção Technica, que considerou “(...) inadaptável ao local o typo de
construcção ‘american homes’(...)”. O projeto será aprovado apenas pelo Director da
Secção, após alguma polêmica.
Foto 03 – Projeto para uma residência “typo american homes”, na Ladeira da Barra, de autoria de Rossi Baptista.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal/ Fundação Gregório de Mattos.
Os projetos levantados nos distritos da Conceição da Praia e do Pilar referem-se a edifícios
comerciais. Ainda em 1912, recém-chegado a Salvador, Rossi Baptista realiza um projeto
para a reconstrução da Serraria Xixi, na Rua do Pilar, que sofrera um incêndio. A grande
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curiosidade para a aprovação da proposta esteve relacionada ao alinhamento do edifício,
situado em área das grandes remodelações urbanas. Como as instâncias federal e
municipal não conseguiam se entender a respeito da definição do alinhamento, o Intendente
Júlio Brandão manda arquivar as petições e as plantas até que se chegasse a um consenso,
apesar de aprovar o projeto!
São destes primeiros anos das grandes remodelações urbanas alguns dos projetos mais
interessantes de Rossi Baptista. Ainda em 1912, o arquiteto projeta um edifício para um
estabelecimento de pescado, da Companhia de Piscicultura, na Rua Manoel Victorino.
Devendo observar os novos alinhamentos para a área, o projeto responde a um programa
de uma peixaria, em um lote estreito e comprido, em vários pavimentos, solicitando ainda o
requerente a autorização para “(...) abrir uma valla para collocação de tubos de grés, que
conduzem a água do mar para dentro do prédio”. A distinção do projeto deve-se ao
tratamento dado às fachadas no limite do lote, nas quais a alusão à função comercial no
edifício é sugerida por um barco que rompe a platibanda sobre o espaço público, velas e
bandeiras. Este delírio decorativo subverte a rigidez da simetria das aberturas e da
modenatura, realçada pela platibanda escalonada, já empregada no projeto da residência no
Canela, tornando a proposta singular dentro de sua produção arquitetônica.
Foto 04 - Projeto para um estabelecimento de pescado, de autoria de Rossi Baptista.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal/ Fundação Gregório de Mattos.
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Os demais projetos comerciais realizados nesta fase terão condicionantes semelhantes. Os
novos alinhamentos, decorrentes do alargamento e retificação do traçado de algumas das
ruas do Bairro Comercial, e o gabarito de altura, que procurava garantir uniformidade e
monumentalidade ao centro financeiro da capital baiana. Nos lotes situados nas esquinas,
passa a ser obrigatório o uso do chanfro, o que oferecia uma série de possibilidades de
tratamentos volumétricos, destacando o edifício no espaço urbano.
Praticamente todos os programas destes edifícios serão desenvolvidos em grandes espaços
delimitados pelas paredes perimetrais e por aquelas estruturantes do projeto, nos quais há a
definição da caixa da escada e dos equipamentos sanitários, então, exigidos pelas novas
legislações que passam a normatizar a cidade e as construções. O emprego de grandes
vãos, adaptáveis aos muitos usos, seria facilitado pelo emprego cada vez maior no período
das estruturas de concreto armado.
Na composição das fachadas destes edifícios, Rossi Baptista empregara mais uma vez
repertórios distintos, conferindo um caráter individual a cada imóvel, particularizando-o
dentro do conjunto uniforme que se pretendia. Pontos comuns podem ser apontados, como
a marcação do primeiro pavimento com bossagem, o ritmo das aberturas e o coroamento da
platibanda, quando a hierarquia das fachadas fica evidente através do uso de cartelas e
acrotérios que indicam os logradouros mais importantes da área. Os tratamentos das
superfícies já se apresentam mais sóbrios, clássicos até, em composições marcads por
pilastras, cornijas e frisos, como bem exemplifica o projeto para o British Bank of South
America, na Rua Miguel Calmon, em 1914.
Foto 05- Projeto para o British
Bank of South America, de autoria
de Rossi Baptista.
Fonte: Arquivo Histórico Municipal/ Fundação Gregório de Mattos.
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Nos anos de 1920, Rossi Baptista, trabalhando em conjunto com Urbano Baptista, que se
identifica como construtor, além dos projetos de arquitetura, passa a assinar também o
cálculo estrutural dos edifícios. É o caso do projeto de reforma e ampliação de um
pavimento de um imóvel à Rua Portugal, em 1928, quando apresenta cálculo de vigas e
planta de formas. Figurativamente, a ampliação do edifício substitui no trecho original as
aberturas em arco ogival, comuns nos prédios comerciais do início do século XX, por vergas
retas, possivelmente, apontando a adoção de uma linguagem mais “limpa” no tratamento
das superfícies das fachadas, postura também identificada no projeto da residência da
Ladeira da Barra, no mesmo ano.
A investigação da trajetória profissional de Rossi Baptista mostra as transformações do fazer
arquitetônico ao longo da Primeira República. Independente da discussão sobre a sua
formação acadêmica, sua produção demonstra o domínio da profissão e a criatividade que
distingue os seus projetos dos demais do período. As transformações e as permanências
em sua prática projetual, além da sua obra em outras cidades, sua origem e formação, são
etapas de um trabalho de maior duração. O estudo de sua obra, além de contribuir para a
compreensão da atividade desses profissionais estrangeiros no território brasileiro, pretende
identificar os rebatimentos de sua atuação na arquitetura local, no emprego de programas
mais complexos, técnicas construtivas e repertório decorativo nas construções.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Maria do Carmo B. E. de. A Victória na Renascença Bahiana: a ocupação do
distrito e sua arquitetura na Primeira República (1890-1930). 1997. Dissertação (Mestrado).
Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 1997.
AZEVEDO, Paulo O. A arquitetura e o urbanismo da nova burguesia baiana. In: JORDAN,
Kátia ET alli.De Villa Catharino a Museu Rodin Bahia:1912-2006. Salvador: Solisluna,
2006.
LEITE, Rinaldo C. N. E a Bahia Civiliza-se... Ideais de civilização e cenas de anti-civilidade
em um contexto de modernização urbana. Salvador 1912-1916. 1996. Dissertação
(Mestrado).Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 1996.
MENSAGEM apresentada à Assemblea Geral Legislativa do Estado na abertura da 1ª
sessão ordinária da 12ª legislatura pelo Dr. J. J. Seabra, Governador do Estado. Salvador:
Secção de Obras da Revista do Brasil, 1913.
PATETTA, Luciano. L’architettura dell’Eclettismo:fonti, teorie e modelli, 1750-1900. Milão:
Citta Studi, 1991.
4º Seminário Ibero-Americano Arquitetura e Documentação Belo Horizonte, de 25 a 27 de novembro
PERES, Fernando da Rocha. Memória da Sé. Salvador: Macunaíma, 1973.
PUPPI, Suely de Oliveira. A arquitetura dos italianos em Salvador, 1912-1924.
Monumentos de traços europeus e modernização urbana no início do século XX.
Dissertação (Mestrado). 1997. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São
Paulo. São Paulo, 1997.