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CÉLIA ARAÚJO DE CARVALHO
O ELEMENTO CULTURAL LUTAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA
ESCOLAR: Um relato de experiência
São Paulo
2007
ii
CÉLIA ARAÚJO DE CARVALHO
O ELEMENTO CULTURAL LUTAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA
ESCOLAR: Um relato de experiência
Trabalho apresentado ao Curso de Especialização em Esporte Escolar do Centro de Educação à Distância da Universidade de Brasília em parceria com o Programa de Capacitação Continuada em Esporte Escolar do Ministério do Esporte para obtenção do título de Especialista em Esporte Escolar. Orientadora: Profª. Ms. Luciana Venâncio
São Paulo
2007
iii
CARVALHO, Célia Araújo de
O Elemento Cultural Lutas na Educação Física escolar: um relato de experiência
. São Paulo, 2007.
30 p.
TCC (Especialização) – Universidade de Brasília. Centro de Ensino a Distância, 2007.
1. Educação Física escolar 2. Lutas 3. pesquisa-ação Palavra chave.
iv
CÉLIA ARAÚJO DE CARVALHO
O ELEMENTO CULTURAL LUTAS NA EDUCAÇÃO FÍSICA
ESCOLAR: Um relato de experiência
Trabalho apresentado ao Curso de Especialização em Esporte Escolar do Centro de Educação à Distância da Universidade de Brasília em parceria com o Programa de Capacitação Continuada em Esporte Escolar do Ministério do Esporte para obtenção do título de Especialista em Esporte Escolar pela Comissão formada pelos professores:
Presidente: Professora Mestra Luciana Venâncio
Universidade Guarulhos - UnG
Membro: Professor Doutor Alexandre Luiz Gonçalves Rezende
Universidade de Brasília - UnB
São Paulo, 27 de fevereiro de 2007.
v
Aos meus alunos e alunas, pelo estímulo à busca constante. Aos meus colegas, pelo incentivo na caminhada profissional. À escola, como lócus desafiador da minha constante aprendizagem.
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço a todos aqueles que, direta ou indiretamente contribuíram para a elaboração deste trabalho e, de modo especial à professora Luciana Venâncio, pela exigência, incentivo e orientação constante.
vii
“Não há educação fora das sociedades humanas e não há homem no vazio”.
Paulo Freire, 2000.
viii
RESUMO
Este relato apresenta as experiências desenvolvidas junto a um grupo de alunas e alunos do 1º ano do 2º ciclo do ensino fundamental (5ª série) de uma escola pública municipal de São Paulo e divulga um estudo qualitativo com características metodológicas da pesquisa-ação considerando a linha da pedagogia de esportes do Programa Segundo Tempo, que ressalta as questões pedagógicas inseridas num processo de ensino-aprendizagem da iniciação esportiva, mais especificamente em relação ao elemento cultural lutas (esgrima e pugilismo) na tentativa de ampliação dos movimentos e do repertório motor dos estudantes envolvidos. São relatados neste estudo: os princípios curriculares pedagógicos: objetivos, conteúdos, estratégias e critérios de avaliação das referidas aulas para o componente curricular Educação Física. Procurou-se, enfatizar uma discussão a respeito de quais seriam os conteúdos, relevantes no contexto da disciplina em questão, suas funções e relações com a iniciação esportiva e a realidade local apresentada no que tange aos conceitos de agressão e agressividade e os significados da violência considerando as características pessoais e interpessoais das alunas e alunos e as demandas ambientais nas quais estão inseridos.
PALAVRAS CHAVES: Educação Física escolar, lutas.
9
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Foto 1 – Panorâmica de região de localização da escola ..............................................
Foto 2 – Levantamento de expectativas para planejamento participativo ......................
Foto 3 – Construção de material adaptado (florete) da esgrima ......................................
Foto 4 – Organização e aprendizagem dos movimentos ..................................................
Foto 5 – Apresentação do espaço de execução para esgrima ...........................................
Foto 6 – Experimentação dos movimentos básicos de esgrima .......................................
Foto 7 – Simulação de confronto/exploração do universo motor ....................................
Foto 8 – Apresentação dos movimentos básicos de pugilismo/boxe ..............................
Foto 9 – Experimentação dos movimentos básicos de pugilismo/boxe .........................
Foto 10 – Observação de execução de movimentos no pugilismo/boxe ..........................
10
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ............................................................................................ 9
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 2 LEITURA DA REALIDADE ..................................................................................... 14 3 LEITURA DA REALIDADE ESPECÍFICA ............................................................ 21 4 ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS OBSERVADOS NO PST
NA LOCALIDADE ............................................................................................... 25 5 ANÁLISES, CRÍTICAS E SUGESTÕES ................................................................... 28 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 20
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 32
APÊNDICES E ANEXOS ............................................................................................. 35
11
1. INTRODUÇÃO
O Programa Segundo Tempo – Especialização em Esporte Escolar promovido como
capacitação continuada pela Universidade de Brasília e pelo Ministério do Esporte abriu a
possibilidade de verificação, sob um olhar diferenciado, das práticas pedagógicas realizadas numa
determinada unidade educacional pública. Através do estudo do componente curricular lutas, aliado
à observação e constatação de coerência entre discurso e ação educativa, permitiu a possibilidade de
alteração criativa do trabalho desenvolvido com os alunos e alunas, de maneira a propiciar maior
conhecimento e compreensão das relações ensino-aprendizagem na realidade social apresentada.
É bastante comum encontrarmos nos programas de Educação Física desenvolvidos
anualmente nas escolas do município de São Paulo, e diferente não se fazia no conjunto da escola
na qual foram elaboradas e realizadas as vivências, uma ênfase dada à metodologia de
aprendizagem dos esportes numa abordagem tecnicista e mecanicista. (DARIDO, 2003).
A escola é vista ou considerada um microcosmo da sociedade, já que mantém cristalizadas
algumas das práticas tal como acontecem no cenário social e, no que se refere à Educação Física
escolar, observa-se esse fenômeno na preferência pelas práticas coletivas esportivizadas nas suas
quatro modalidades tradicionais: futebol, voleibol, basquetebol e handebol.
Destinadas a acolher o interesse dos alunos, público infantil e adolescente compreendendo
basicamente as idades de 06 até 16 anos, estas práticas esportivizadas tornaram-se sinônimo de
atividade física, portanto itens básicos, e por vezes exclusivo, do conteúdo programático das aulas
de Educação Física.
Neste aspecto, Betti (1991) ressalta que entre 1969 e 1979 o Brasil observou a ascensão do
esporte à razão de Estado e a inclusão do binômio Educação Física/Esporte na planificação
estratégica do governo, de forma a colocar a escola a serviço dos objetivos ditados pela estrutura
esportiva de competição, principalmente a descoberta de talentos. Fato este que muito colaborou na
formação desse pensamento simplificado na Educação Física e, para muitos educadores, definiu-se
como base de sustentação de suas práticas pedagógicas.
Porém, a respeito da iniciação esportiva, sua inclusão no currículo escolar deve estar
comprometida com outros objetivos ampliados, que vão além daqueles especificamente
relacionados com o universo esportivo em sim mesmo. Na visão de Greco e Benda (2005),
Excluído: do
Excluído: da temática proposta
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Excluído: do componente curricular abordado
Excluído:
Excluído: sociedade
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12
convém destacar a importância de iniciação esportiva como meio de formação global do ser humano, proporcionando o desenvolvimento psicomotor, o desenvolvimento de capacidades cognitivas, a manutenção da saúde e da prática de atividades físicas e esportivas como um hábito. (p.21)
Apesar da ampliação dos debates e publicações de pensamentos em outras abordagens da
Educação Física escolar, a prática esportivizada ainda predomina e não se percebe grandes
alterações em seus principais objetivos, quais sejam: incentivo à competição exacerbada, conquista
de títulos e seleção de atletas.
Os professores de Educação Física freqüentemente combinam elementos de mais de uma
tendência em sua prática pedagógica, mas seus planejamentos parecem se relacionar a uma
abordagem predominante (Bracht et al., 2003; Celante et al., 2005), o que implica numa restrição
indevida dos conhecimentos da cultura corporal.
A manutenção dessas posturas educativas que, a despeito da crítica acadêmica, permanecem
vivas no cotidiano escolar, demonstram a existência de uma incoerência entre as novas teorias que
fundamentam a ação pedagógica, transmitidas ao longo da formação profissional, e as teorias em
uso efetivo nas aulas de Educação Física escolar.
No tema escolhido e apresentado em forma de relato de experiência, a inserção do elemento
cultural Lutas (esgrima e pugilismo/boxe) no conteúdo programático das aulas de Educação Física,
manifesta-se a preocupação de contribuir para transformação dessa realidade através da discussão
de uma intervenção diferente no processo de ensino-aprendizagem. Pretende-se, dessa maneira,
pautar-se numa reflexão contextualizada e organizada da ação educativa para superar o conceito de
prática esportivizada até então estabelecido e reforçado socialmente na Educação Física escolar.
Na aproximação e ênfase de pressupostos mais humanizadores para a formação do ser
integral e o conteúdo com abordagens nos enfoques psicológico, sociológico e político, buscou-se
romper com o modelo anterior mais tradicional de formação do físico, do caráter, por meio de
exercícios e modalidades esportivas hegemônicas. Como defende Darido (2004) a respeito da
importância das tendências,
na verdade, a introdução dessas abordagens no espaço do debate da Educação Física proporcionou uma ampliação da visão de área, tanto que no que diz respeito a sua natureza, quanto ao que se refere aos pressupostos pedagógicos de ensino e aprendizagem. (p.131)
Adentrando nesse universo, questionamentos surgiram, sobre o conteúdo indicado para ser
desenvolvido nas aulas e quais as suas finalidades, na tentativa de compor uma referência que
Excluído: (EF)
Excluído: ou seja, existe
Excluído: d
Excluído: referidas
Excluído: houve
Excluído: com
Excluído: diferente
Excluído: ,
Excluído: traduzida por
Excluído: para este componente curricular
13
conjugasse com a Educação Física, então em nova proposta, e suas conseqüências para a vida futura
dos alunos.
Portanto, pode-se questionar: Somente as aulas esportivizadas, nas modalidades coletivas
amplamente divulgadas na sociedade para crianças e jovens, são de algum modo suficientes para a
compreensão e apreensão de um repertório motor capaz de proporcionar uma leitura crítica de sua
atuação nesta mesma sociedade? Que tipos de movimentos caracterizam essas práticas? Os
elementos culturais selecionados são relevantes para garantir a autonomia dos alunos? As
modalidades esportivas consideram as características pessoais e interpessoais das crianças e
adolescentes? Em quais demandas ambientais estão inseridos os alunos? Sabemos que respostas
imediatas ou em curto prazo não alcançaremos para tais questões, portanto este recorte pode apontar
possibilidades, visto que se faz urgente uma mudança político-pedagógica constituída de
criticidade.
Nesse processo e de acordo com as perspectivas da unidade educacional na qual a
experiência foi desenvolvida, buscou-se no referencial metodológico de pesquisa-ação (Thiollent,
2005), a introdução do elemento cultural Lutas (Sanches Neto et all, 2006) nos conteúdos a serem
desenvolvidos na relação ensino-aprendizagem das aulas de Educação Física, vinculando-o à
reflexão sobre os aspectos de agressão e agressividade tão presentes nas relações escolares e
interpretados somente sob o viés da violência nas escolas.
Excluído: iniciação esportiva
Excluído: implementadas em 2006
14
2. LEITURA DA REALIDADE
Em substituição ao que antes se estabelecera como prática pedagógica pouco diferenciada
daquelas criticadas pela literatura e exercidas por profissionais da unidade educacional com seus
diferentes contextos de histórias de vida, formação inicial e formação permanente, organizou-se em
2005 como alternativa de transição para uma outra prática, a proposta de aprendizagem de esportes
abarcando aspectos das outras abordagens da Educação Física na tentativa de “aprender o jogo
jogando” para descaracterizar a aprendizagem do gesto técnico e a focalização no resultado.
Tanto para os professores quanto para alunos envolvidos nesta experiência, a adoção de
estratégias e diferentes intenções na aprendizagem, e na aprendizagem motora em específico,
tornaram-se um grande desafio. Porém, foi a partir daí que surgiu a demanda de novas experiências
para a ampliação do repertório, já que outros problemas motores necessitavam de solução.
A metodologia aplicada durante expressiva parte do ano letivo de 2005, a fim de contemplar
as necessidades e expectativas dos alunos e servir de alavanca para inserção e visibilidade de novos
métodos e práticas da Educação Física na escola, inclusive para os demais professores, foi colocada
como situação-problema para as turmas mistas dos 4ºs anos do ciclo II (8ªs séries), a estratégia de
aulas com realização de jogos em forma de competição entre as mesmas.
Percebeu-se a efetiva necessidade de organização dos grupos para as ações motoras
correspondentes já que as modalidades esportivas conhecidas eram referência. Por escolha e
adaptação a esta proposta, os recursos motores e a pontuação das equipes foram computados diante
dos critérios validados pelos próprios alunos em reuniões periódicas por representação indireta.
A decisão no sentido da escolha do conteúdo a ser abordado nas aulas, no entanto, alteraria a
organização do planejamento educacional. Os conteúdos programáticos foram articulados com o
contexto de relações dos envolvidos, estruturando-se em torno das necessidades dos alunos e a
convergência em um processo de ensino-aprendizagem eficaz que permitisse um olhar crítico para
outras formas do movimentar-se do ser humano.
A região onde a escola está localizada tem um contexto de baixo poder sócio-econômico. É
desprovida de saneamento ambiental e carece de equipamentos públicos (teatros, bibliotecas, casas
de cultura, clubes etc.) que garantam os direitos fundamentais de existência humana digna, entre
eles a prática de atividades físicas e de lazer, sejam elas voltadas à prática esportiva ou a outras
atividades da vida diária relacionadas ao movimento.
Excluído: e
Excluído:
Excluído: novos
Excluído: título de exemplificação, uma
Excluído: ou
Excluído: u
Excluído: . F
Excluído:
Excluído: mudança
Excluído: então
Excluído: das aulas
Excluído: e
Excluído: formaram o alicerce
Excluído: e
Excluído: ,
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Segundo Sposati (2000) em sua análise georeferenciada dos territórios da cidade de São
Paulo, que através de variáveis medem o grau de desenvolvimento humano, eqüidade, qualidade de
vida, autonomia, democracia e cidadania, aponta que na região em questão estão 22 dos menores
índices do estudo entre os 96 distritos do município.
As necessidades citadas acima caracterizam a o perfil da comunidade atendida nesta escola
de ensino fundamental localizada no extremo leste da cidade de São Paulo que, portanto, tem um
universo bastante restrito de ambiência sócio-recreativa além do espaço escolar.
A experiência pedagógica foi desenvolvida com e para alunos e alunas do 1° ano do ciclo II
(5ªséries F/G/H) com idade média entre 10 e 11 anos, regularmente matriculados na unidade
educacional e com histórico de acesso e permanência desde os primeiros anos de história escolar na
mesma comunidade e organização social. Os estudantes habitam nas redondezas da escola e gastam
no percurso entre casa-escola aproximadamente 05 a 10 minutos. Como estudam outras áreas de
conhecimento em turno diferente das aulas de Educação Física, fazem esse mesmo trajeto várias
vezes na semana em duas situações que caracterizam bem seu comportamento e expectativas
durante as aulas.
Especificamente relacionado às aulas de Educação Física, esse trajeto foi estudado via guia
de ruas em tempo estimado gasto de percurso e observação com registros das possibilidades e
confirmação das deficiências de políticas públicas nas áreas de convívio sócio-cultural. Assim
reforçada a necessidade de ampliação de horizontes educativos, abriu-se a exposição de outras
práticas desconhecidas da população em efetiva ação ou vistas somente por meio de TV/Vídeo.
Neste caso, as lutas aparecem listadas no rol destas novas aprendizagens, que no senso
comum são conhecidas e relacionadas apenas para defesa pessoal diante das adversidades dos
encontros. Assim também foram citados outros elementos culturais e suas respectivas características
de uso social (dança, ginástica, arte circense, etc...)
No contexto apresentado, as consultas de conhecimento tácito, declarativo e experenciado
pelos alunos serviram como episódio fundador e meta para a alteração de conceitos, procedimentos
e atitudes diante dos conteúdos da área de conhecimento.
Mesmo com um histórico de trabalho, em cargo efetivo na escola com 10 anos consecutivos
e ininterruptos, as práticas tradicionais eram dominantes e não permitiram muitas alterações no
quadro. A alteração do processo era vista com resistência. Portanto, esta etapa era caracterizada
pelo isolamento das práticas dos diversos professores, sem muito espaço para debates.
Excluído: .
Excluído: O trabalho
Excluído: aqui exposto
Excluído: desenvolvido
Excluído: H
Excluído: /
Excluído: , que tem características de um universo bastante restrito de ambiência sócio-recreativa além do espaço escolar.
16
O que de algum modo qualificou esta experiência que trago no relato foi a minha condição
de retorno à unidade educacional e a regência de aulas após 06 anos de afastamento para prestar
serviços de administração escolar ou serviços técnicos educacionais em unidades regionais de
coordenação educativa. Outras experiências e informações de diversas dimensões educacionais
trouxeram um outro ânimo à minha prática profissional.
Além disso, a presença de outros colegas com habilitações diferenciadas, em caráter fixo ou
tão somente de passagem temporária pela escola, flexibilizaram as atitudes e posturas e
qualificaram as discussões internas diante da área de conhecimento e das práticas escolares.
Coloco em particular evidência a minha parceria com a Profª Ms Luciana Venâncio,
orientadora deste trabalho e que compõe o quadro efetivo de profissionais da mesma escola há 08
anos. Além de incentivarmos e questionarmos permanentemente a proposições indicadas nas
práticas pedagógicas, nos colocamos junto ao coletivo de professores em debate do conteúdo deste
programa de formação. Acréscimos diversos de dados complementares atualizados dos Institutos de
Educação Superior foram socializados pela docente citada.
Passamos então, e a partir deste contexto a tratar e assumir na nossa área, assim como nas
demais áreas de conhecimento instituídos no sistema escolar, um olhar de professores e professoras
pesquisadores.
Para o grupo de alunos envolvidos neste relato foi uma proposta precursora de mudanças, já
que éramos ambos estranhos um ao outro e para todos nós a relação com o componente curricular
também se mostrou inovadora.
Penso que diante da realidade com equipamentos públicos ou institucionais de caráter
esportivo, cultural ou de convivência escassos ou que surgem da pressão de grupos comunitários
que se apropriam dos espaços, geralmente públicos, administrando-os sob seus próprios recursos, é
ainda na escola que a criança e os jovens se aproximam do conhecimento e das possibilidades de
prática de tais manifestações expressivas e essenciais a sua vida social.
O relato apresentado foi pensado, articulado e desenvolvido na tentativa de contemplar essas
expectativas presentes na condição social da escola, de forma a tratar de conteúdos significativos
para os estudantes, ao mesmo tempo em que lhes forneciam novos elementos para uma ação crítica
de re-significação do sentido que são atribuído a esses conteúdos no contexto social.
Dentro da formalidade do sistema educacional e na garantia da aprendizagem plena, foi
decidido e contemplou-se a expansão do pensamento teórico e na prática das aulas de Educação
Física na escola, uma proposta de trabalho desenvolvida no ano letivo de 2006 que apesar de
Excluído: determinantes
Excluído: d
Excluído: exposta
Excluído: .
17
considerar as várias tendências presentes nas produções teórico-práticas, guardou maior
proximidade intencional com uma abordagem crítico-superadora (Soares et all, 1992), pedagogia
esta que levanta questões de poder, interesses, participação e contestação na relação ensino-
aprendizagem em determinado contexto e tempo histórico.
Assumir uma única tendência pode incorrer no erro de considerar que uma delas é melhor
que outra, e ainda que uma abordagem isolada “dê conta” de todos os aspectos do movimento do ser
humano e seus diferentes contextos – (teorias da ação e as teorias em uso), desconsiderando
inclusive os determinantes de ação profissional referendados pela formação acadêmica e as demais
formações as quais nos propomos em nossa carreira profissional.
Em contraposição, assumir uma postura eclética, que tenta articular diversas tendências
pedagógicas, por vezes enfraquece o caráter político e implicado da ação educativa, prejudicando o
alcance efetivo dos objetivos. Optamos por explicitar nossos compromissos e evidenciar de forma
clara as nossas opções metodológicas, analisando suas raízes teóricas e filosóficas diante do homem
e da sociedade.
De acordo com Soares et alli (1992) a tendência crítico-superadora tem características
específicas; é diagnóstica porque pretende ler os dados da realidade, interpretá-los e emitir um juízo
de valor, além de judicativa e teleológica que representa interesses e busca soluções na perspectiva
de classe de quem reflete.
Conforme Daólio (2004) citando Betti (1994), a Educação Física, por se constituir num
sistema sociocultural, possui uma teleologia, uma finalidade que é determinada por valores. (p 53).
Para o aluno ter consciência dos motivos-fins da educação física, ele deve construir
capacidade crítica para optar e incorporar valores à sua personalidade. (BETTI, 1994, p. 19).
Ainda em Daólio (2004) diz que Mauro Betti apóia-se em Ludwig von Bertalanffy (apud
BETTI, 1994a, p. 15), que afirma que em todas as noções usadas para caracterizar e explicar o
comportamento humano são conseqüência ou derivam de universos simbólicos...o ser humano
realiza constantemente atividades simbólicas para poder dar valor e orientar suas ações. (p.53)
O elemento cultural Lutas, pouco difundido conceitualmente e levado à categoria de esporte,
portanto trazido à reflexão como mais uma modalidade de competição, ou ainda instrumento de
agressividade foi abordado como uma construção histórica da humanidade, ligada e interesses
específicos e, atualmente, ainda em processo de construção pelos sujeitos interessados e envolvidos
com sua prática.
Excluído: ¶
Excluído: mais
18
Para entrar nesta temática reporto a Mergargee & Hokanson (1976) que apontam a
ocorrência de um ato agressivo como parte de uma relação social de superação diante de uma
situação instigante. Essa situação social instigante pode tanto ser de imposição como de libertação,
tanto de repressão como afirmação, atuando como um facilitador da expressão de agressão que age
sobre os fatores de inibição regidos por dados da personalidade que estão em contraposição à
expressão manifesta na agressão, geralmente culpabilizada socialmente. O fato de a instigação
superar a inibição significa somente que a agressão é possível, a partir do momento que a pessoa
toma uma posição diante da realidade social e que, portanto, não gera por si só um ato efetivo.
(p.03)
Assim sendo, se os fatores pessoais superam os fatores interpessoais, a expressão do ato
agressivo pode ou não ocorrer.
Em todos os momentos, escolhas de expressão são feitas em detrimento de outras, portanto o
que se revela é a condição constante de decisão. É provável que diferentes respostas competem
internamente, de forma inconsciente e num processo muito rápido. Essa estrutura complexa de
interação humana define os comportamentos e respectivamente as expressões.
Não cabe neste estudo o aprofundamento sobre a importância relativa de instigação,
inibições e fatores situacionais, assim como às disputas quanto às origens e a natureza de cada uma
dessas variáveis. Importa perceber que os diferentes pontos de vista não têm interesse apenas
teórico, pois apresentam conseqüências importantes para o controle social da violência.
Na experiência apresentada, foi considerado que a agressão é um elemento constitutivo do
ser humano para a sua realização expressiva. A agressividade será então o ato de resposta a uma
demanda onde a situação estimuladora supera a inibição controladora do mesmo, assumindo,
portanto, uma dimensão positiva de posicionamento, mesmo que tal posicionamento esteja
posteriormente sujeito a uma crítica ética, social e jurídica sobre sua adequação. Afinal, quando um
determinado ato de agressão pode ser visto como afirmação de si e reivindicação dos seus direitos e
quando se transforma em violência e desrespeito ao outro? Como evitar a violência sem fazer com
que as pessoas percam também a capacidade de se defender e lutar pelos seus direitos?
Por esta formulação de idéias, na simples presença da temática Lutas para discussão junto e
com os alunos no planejamento das atividades do ano letivo, foi observado um conhecimento tácito
reconhecido pelo seu significado no grupo social envolvido, traduzido unicamente como
instrumento de violência e não como manifestação expressiva que construída historicamente
tornou-se também uma modalidade de competição esportiva.
Excluído: da
Excluído: e
Excluído: a
Excluído: -
Excluído: ...o
Excluído: não
Excluído: agressividade
19
As manifestações corporais no entendimento de Daólio (2004) devem ser consideradas sob a
ótica da cultura,
tenho afirmado em outros trabalhos que “cultura” é o principal conceito para a educação física, porque todas as manifestações corporais humanas são geradas na dinâmica cultural, desde os primórdios da evolução até hoje, expressando-se diversificadamente e com significados próprios no contexto de grupos culturais específicos. (p.02)
O sentido em que se fala de cultura nesse relato é aquele que caracteriza os agrupamentos a
que se refere, preocupando-se com sua totalidade, digam elas respeito às maneiras de conceber e
organizar a vida social ou a seus aspectos materiais. Concordando o com a autora mencionada
anteriormente,
O profissional de educação não atua sobre o corpo ou com o movimento em si, não trabalha com o esporte em si, não lida com a ginástica em si. Ele trata do ser humano nas suas manifestações culturais relacionadas ao corpo e ao movimento humanos, historicamente definidas como jogo, esporte, dança, luta e ginástica. O que irá definir se uma ação corporal é digna de trato pedagógico pela educação física é a própria consideração e análise desta expressão na dinâmica cultural específica do contexto onde se realiza. (p.02-03)
A estratégia utilizada, neste caso específico foi contextualizar a luta num jogo prazeroso e
vinculado às necessidades de análise - antes, durante e após a ação - nas dimensões dos conceitos,
dos procedimentos e das atitudes conseqüentes deste, conferindo-lhe um caráter lúdico.
Para melhor compreensão, foram trazidas à reflexão e vivência, as idéias de alguns autores
que acreditam que as funções do esporte se materializam por meio de uma prática pedagógica,
preocupada com um desenvolvimento global dos alunos, respeitando os seus estágios de
crescimento e desenvolvimento, físico-motor, cognitivo e afetivo, e onde por meio de uma práxis
pedagógica adquira-se muito mais do que o aprendizado de gestos técnico-esportivos.
Centrada na intenção de verificar a pertinência dos conteúdos e contribuição na formação
geral dos sujeitos envolvidos, com ênfase no caráter pedagógico-educacional do elemento cultural
lutas, sua iniciação, construção histórica e utilização no meio social, procedeu-se a um
levantamento de conhecimentos prévios e reflexão sobre o movimento humano. Após esse
levantamento e a discussão em grupo, os estudantes concluíram que as lutas se caracterizaram como
uma manifestação humana, essencial à sobrevivência, de caráter sócio-cultural e, portanto com
espaço legítimo nos programas de Educação Física, além de apresentarem características de
movimentos, aspectos pessoais e interpessoais e demandas ambientais do ser humano (SANCHES
NETO et alli, 2006).
Formatado: Fonte: 11 pt
Excluído: o
Excluído: mencionado
Excluído: ra
Excluído: o
Excluído: Conclui-se
20
Completando o pensamento, Montagner (1993) diz:
O esporte não é educativo à priori. É preciso torná-lo um meio de
educação. Com isto, vê-se que o esporte poderá ser o que se fizer
dele, pedagógico, performático, alienador... (p.57)
Compreendendo melhor, espera-se que na escola, sem exceção, todos os alunos tenham a
possibilidade de apreender um movimento novo, uma ação nova. Porém, ao componente curricular
Educação Física não é dado a finalidade de transformar alunos em atletas. Pelo contrário, deve
propiciar-lhes a maior quantidade possível de experiências físico-motoras para ampliar o seu
universo de existência social.
Espera-se que os alunos a utilizem como uma organização vivida e assimilada para e durante
toda a vida, e ainda aqueles que se interessarem em competir até no mais alto nível, tenham a
possibilidade de fazê-lo com autonomia e criticidade, se garantido em continuidade e por outras
instituições, pois a fundamentação, as bases: motora, cognitiva (pensamento), psicológica, afetiva e
sócio-cultural para a aprendizagem e desenvolvimento de habilidades e capacidades ocorreu
também na escola.
Sugestão: concluir reforçando o aspecto principal da leitura da realidade
Formatado: Recuo: Àesquerda: 176,7 pt, Primeiralinha: 0 pt
Formatado: Realce
Excluído:
21
3. LEITURA DA REALIDADE ESPECÍFICA
Para dar conta de tal proposta de trabalho, a metodologia utilizada partiu da consulta e
formulação de princípios para o desenvolvimento das aulas durante o período letivo, através do
planejamento participativo (Okimura et alii, no prelo), onde a vez e a voz do alunado na sua
pluralidade e criticidade caracterizaram a construção do mesmo.
Há uma pluralidade nas relações do homem com o mundo, na medida em que responde à
ampla variedade dos seus desafios, o que não se esgota num tipo padronizado de resposta. A sua
pluralidade não é só em face dos diferentes desafios que partem do seu contexto, mas em face de
um mesmo desafio. No jogo constante de suas respostas, altera-se no próprio ato de responder.
Organiza-se. Escolhe a melhor resposta. Testa-se. Age. (Freire, 2000, p.47-48).
Essa opção se fixa na busca do aluno-sujeito, pois o coloca numa postura de auto-reflexão e
de reflexão sobre seu tempo e seu espaço.
Freire (2000) diz que
a auto-reflexão leva ao aprofundamento da tomada de consciência e
a conseqüente inserção na História, migrando de uma situação
espectadora para uma situação figurante e autora. (p.44)
Diante dessa condição, foram feitas as discussões sobre as manifestações de movimento
humano, sua construção histórica e cultural, já que após um quadro de experiências perceptivas
anteriores, essa relação antes direta, passa a ser mediada por conceitos e significados desenvolvidos
principalmente por meio da linguagem.
Na lista de manifestações humanas destacamos o elemento cultural lutas, com algumas
dificuldades, pois na discussão foi visto num primeiro momento apenas como estrutura motora nova
e não como combinação sobre estruturas globais em sucessivas combinações motoras e
coordenativas. Para Goyas (2005),
Todo movimento novo, com o mesmo conteúdo, deve ser incorporado àquele vivenciado anteriormente, àquelas estruturas já existentes, de múltiplas maneiras, em função das características e das necessidades técnicas dos diferentes gestos gímnicos. A construção desse sistema de estruturas específicas abre uma possibilidade de combinações indefinidas (criatividade).(p.79)
Desse modo, foi lançado o desafio dessa nova organização e criada a demanda para alcançar
o objetivo de enriquecimento das combinações motoras para ampliação do universo motor.
Formatado: Recuo: Àesquerda: 176,7 pt, Primeiralinha: 0 pt
Excluído: . Em
Excluído:
Excluído: acrescentamos
22
Betti (1999) citado por Daólio (2004) propõe a Educação Física cidadã, destacando três
princípios: inclusão, alteridade e da formação e informação plenas. Afirma ainda, que o profissional
de Educação Física deve considerar o outro (aluno) numa relação de totalidade, não como objeto,
mas com sujeito humano, ouvindo-o, conhecendo-o, aceitando-o como ser humano global. (p. 53)
No planejamento participativo foram definidas as quatro modalidades para experimentação,
das quais esgrima e pugilismo (boxe) serão aqui descritas, numa consideração de divisão
proporcional da necessidade de equipamentos/instrumentos adaptados (FOTO nº 2) além da
periodicidade das vivências, distribuídas igualitariamente no decorrer do ano letivo, ou seja, foram
02 (duas) modalidades por semestre, sendo neste relato esgrima no primeiro semestre e pugilismo
no segundo semestre de 2006, entre as outras.
Agregado ao conteúdo programático das aulas de Educação Física na escola, o elemento
cultural Lutas nas modalidades escolhidas, foi pesquisado nos seus conceitos e vivenciados de três a
cinco fundamentos das mesmas pelo grupo.
Nos procedimentos básicos de execução e numa adaptação ao que se refere às condições do
espaço/tempo e o desenvolvimento dos alunos.
Nos parágrafos a seguir faremos uma descrição das estratégias utilizadas:
Após o levantamento de conhecimento tácito sobre a modalidade escolhida, apresentou-se a
construção sócio-histórica das mesmas, divulgadas pelas respectivas federações, e passou-se
a construção do ambiente, do equipamento adaptado, similar ao oficial, necessário à
experimentação individual, que permitiu simular um duelo (FOTO nº 7) sem risco de
ferimentos dos envolvidos usando estrategicamente o jogo de forma lúdica.
Para a modalidade esgrima, foram confeccionados com papel jornal (FOTO nº 3) e por cada
aluno, um instrumento similar ao florete (haste flexível com empunhadura e a ponta
terminada em esfera) para a execução dos movimentos de: (1) saudação (FOTO nº 4), (2)
ataque (projeção do equipamento em direção ao oponente na tentativa de tocá-lo no peito
entre a cintura pélvica e a cintura escapular) e defesa (interceptar o toque adversário com
recuo corporal e bloqueio com o próprio equipamento), num espaço de atuação delimitado
por linhas distando aproximadamente uma da outra em 01 metro (FOTOS nº 5 e 6).
Para a modalidade pugilismo (boxe), foram utilizados por cada aluno, um colchonete
(FOTOs nº 8, 9 e 10 ) segurado com as duas mãos na frente do corpo/rosto como escudo de
proteção aos golpes, mediante a execução do colega oponente, nos movimentos de Jab:
golpe normalmente preparatório; Direto: golpe frontal; Upper: desferido de baixo para cima
23
no queixo do oponente; Cruzado: o alvo é a lateral da cabeça do adversário e Hook ou
gancho: golpe desferido na linha da cintura pélvica do oponente.
Após a experimentação tanto individual quanto coletiva, o grupo sistematizou a
aprendizagem, rediscutindo os significados anteriormente registrados (planejamento
participativo) em comparação com os significados construídos após a dinâmica proposta.
Na rotina de trabalho, parte da metodologia e utilizada para registro, um dos alunos fez o
relatório da aula considerando os questionamentos de o que foi tratado como tema na aula,
como ela se desenvolveu e quais as observações feitas pelo mesmo para alterá-la caso
achasse necessário fazê-lo.
Como avaliação do processo foram consideradas (1) na dimensão conceitual: as relações e
comparações estabelecidas e declaradas sobre conhecimentos específicos antes e após a
vivência; (2) na dimensão procedimental: a construção de combinações motoras tendo por
base o conhecimento já adquirido e o conhecimento específico exigido para a tarefa e (3)
dimensão atitudinal a participação e o envolvimento subjetivo e objetivo na proposta de
trabalho.
Além disso, foram consideradas as condições de execução e a pertinência do tema diante das
relações estabelecidas entre os alunos, entre eles e a professora, assim como com os outros
colegas de outras turmas e demais representantes da comunidade educativa.
24
4. ASPECTOS POSITIVOS E NEGATIVOS OBSERVADOS NO PST NA
LOCALIDADE. Na realidade apresentada, a formação continuada do Programa Segundo Tempo, muito
pertinente e relevante à temática da Educação Física escolar e do desenvolvimento esportivo no
país, mostrou-se de algum modo bastante eficaz, mesmo na condição de ser realizada à distância.
Quando traz no bojo das informações, discussões e reflexões previstas, uma necessidade de
revisão de conceitos, procedimentos e atitudes das práticas educativas e pedagógicas referentes aos
temas propostos, permite uma qualificação do profissional, que se envolvido, aproxima-o mais de
uma posição de críticidade da sua própria prática e de outras práticas, experimentadas ou não.
Trago no decorrer do processo uma preocupação com a efetiva aplicabilidade do referencial
de iniciação esportiva no contra-turno das atividades escolares de crianças e adolescentes, já que
não é nesta área que concluo tal formação.
Iniciei as atividades do trabalho em equipamento público com tais características, porém as
dificuldades e condições de trabalho me fizeram optar pela área pedagógica exercendo-as em
escolas públicas de ensino fundamental, e fazendo a opção por uma das escolas nas quais trabalho.
Portanto, o que descrevi neste estudo foi realizado em equipamento educacional do sistema
formal de educação, rede municipal de São Paulo, com a crença de que os resultados coadunam
com as propostas do programa, mesmo porque no Brasil é ainda na escola que se vêem articuladas e
organizadas as interpretações e incentivos a práticas sociais e culturais.
Desta forma, foi na práxis educativa que tais elementos de estudo e intervenção foram
realizados, sob anuência de todos os tutores e da orientadora (que colaborou no final do programa
de formação) e com a certeza de aplicabilidade relevante ao universo em análise.
O relato apresentado foi um dos trabalhos conseqüentes de tal formação, associado às
experiências anteriores no histórico das práticas pedagógicas e uma ambiência favorável dentro de
uma unidade educativa onde o projeto político-pedagógico pauta por princípios semelhantes ao do
Programa Segundo Tempo.
Pesquisa e ação permanente na reflexão da prática esportiva sistematizada, assim como a
inclusão de outros elementos culturais no conteúdo programático das aulas de Educação Física,
tanto no desenvolvimento metodológico como nos processos de avaliação, numa tentativa de
propiciar a redução das situações de risco social têm sido os objetivos traçados e reformulados em
diversos períodos do decorrer letivo.
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Neste ambiente provocativo e de fomento a novas experiências é que se materializou o
desafio de introduzir a luta, nas modalidades esgrima e pugilismo (boxe) junto a crianças e
adolescentes tão envolvidos e alimentados com significados do imaginário social tão negativos
deste elemento cultural.
Acrescento que sob surpresa, em nenhuma das turmas foi detectado uma intencionalidade de
ferir ou machucar, não só por serem seus colegas de atividade, mas porque o foco dado nas
vivências foi amplamente discutido nas vertentes das dinâmicas de utilização do corpo na sua
relação sócio-histórica de produção e expressão humana.
Nenhum incidente, tão antecipado no planejamento das ações, foi confirmado. Daí concluir-
se que os encaminhamentos dados no trabalho para estes grupos e nesta realidade em particular
foram eficazes e alcançaram o objetivo de rediscutir as práticas de movimento dos envolvidos na
proposta e apontar possibilidades para outras turmas em anos e ou ciclos anteriores ou
subseqüentes.
É provável e esperado que diante de tais manifestações humanas nos âmbitos da educação,
da educação física, do esporte e do lazer, de forma ativa ou passiva, estes sujeitos (alunos e
professores) possam fazer leituras mais críticas e construtivas, percebendo novos dados e fatos para
a construção de um julgamento que considere diversos significados sociais.
Separar as duas questões
Da implementação e implantação do processo de formação proposto no Programa Segundo
Tempo, considero que as formas de controle e organização do sistema, nestes aspectos em
particular, precisam ser revistos e redirecionados.
A clareza de pertinência do desenvolvimento do trabalho ficou em suspenso por todo o
período de formação, justificada pela incerteza de que a semelhança de propósitos e a diferença na
formatação de desenvolvimento do programa em seus núcleos pudessem de algum modo ser
consideradas.
O isolamento, regional, também colaborou muito para que este estado de insegurança se
estabelecesse, prejudicando a organização dos tempos tanto para estudo como para apresentação
dos trabalhos.
Prazos e datas de entrega foram sempre respeitados, porém a troca de informações e
experiências com outros participantes do programa não se estabeleceram, prejudicando em muito o
processo criativo que é reforçado sempre pela presença do outro com seu olhar diferente.
Em todos os módulos, e na apresentação de alguns (poucos) tutores, não senti o acolhimento
necessário para uma continuidade colaborativa dos trabalhos, restando-me apenas a entrega das
tarefas.
Formatado: Realce
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Penso que pela característica do processo, e que muito me estimulou no início a participação
nesta nova relação de ensino-aprendizagem, os contatos podem não primar pela quantidade, porém
uma vez estabelecidos devem ser mais qualificados.
Proponho que sejam revistas as formas de relacionamento com os participantes, fazendo uso,
talvez, mais efetivo das novas tecnologias de comunicação em ambientes favoráveis às ambas as
partes, tanto no acesso quanto nos espaços e tempos de relacionamento.
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5. ANÁLISES, CRÍTICAS E SUGESTÕES
Considerando as condições sócio-econômicas entre outros fatores determinantes das
relações de trabalho/educação e suas conseqüências na interação de crianças e jovens a um
processo organizado de ensino-aprendizagem-treinamento com vistas a direcionar a iniciação
esportiva, o Programa Segundo Tempo apresenta-se como uma possibilidade viável e pertinente a
várias realidades encontradas no país.
Objetiva e prioriza a contextualização dessas crianças e jovens nas suas relações com o
ambiente em que vivem para que no seu processo de desenvolvimento possam valorizar-se
criticamente enquanto sujeitos autônomos e emancipados.
Para Greco & Benda (2005),
torna-se importante tanto à aquisição de experiências motoras e de jogos – que serão significativas para posterior aprendizagem de habilidades esportivas complexas – como também de hábitos motores essenciais para a existência do ser humano, possibilitando-lhe aquisições que auxiliarão o pleno exercício de sua cidadania. (p.10)
Na coincidência das garantias legais de acesso, a permanência e a qualidade de
aprendizagem de crianças e jovens como direito fundamental de educação básica e da etapa de
formação esportiva proposta pelo programa, absorvendo exatamente as idades compreendidas entre
03 e os 16 anos e como em muitas localidades a escola é o único equipamento social para construir,
reconhecer e defender tais proposições faz-se necessário acreditar e apoiar iniciativas desta
natureza.
Para tanto, o processo de formação continuada dos profissionais envolvidos além da
proposta de organização embasada em estudos dos mais qualificados nomes da área de
conhecimento dão crédito e estímulo para o desenvolvimento dos trabalhos.
As responsabilidades aumentam substancialmente diante das palavras de Krebs (1992)
citado por Greco & Benda (2005),
quando afirma que até o final do ensino fundamental, o professor deverá proporcionar uma vivência diversificada de movimentos, sem que haja exigência de um padrão ideal, caracterizando assim um sistema totalmente aberto. Isto é não existe execução errada de movimento. (p.15)
Há que se levar em conta que nesta relação a simples presença do outro, seja ele o aluno, o
professor, o colega, a menina, o menino, é a grande estimulação de aprendizagem, quando se
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confrontam as mais variadas percepções e respostas às demandas criadas neste ambiente
compartilhado.
A insistência na convivência compartilhada traduz-se como alternativa de administrar os
conflitos, conjugando a agressão (inata) com a necessidade de leitura do contexto para reação
transformando-se em defesa amorosa e não em agressividade.
Freire (2000) diz que relação de dominação, de exploração, de opressão já é, em si, violenta.
Não importa que se faça através de meios drásticos ou não. É há um tempo, desamor e óbice
(obstáculo) ao amor. Óbice ao amor na medida em que dominador e dominado, desumanizando-se o
primeiro, por excesso, o segundo, por falta de poder, se fazem coisas.
A coisificação, a mutilação da consciência não dá espaço para o esclarecimento, para o
racional e sim para o irracional, a vingança e a violência.
Colocar as lutas com suas características combativas dentro do programa das aulas de
educação física escolar como etapa de formação e compreensão dos diferentes elementos culturais
(jogo, brincadeira, esporte, dança, capoeira, ginástica, circo e atividades da vida diária), desde que
numa concepção para a construção da cidadania e futura emancipação no campo das idéias, das
ações e das atitudes, teve como propósito maior reforçar a convicção de que é preciso ler e
compreender os significados atribuídos a determinadas ações humanas e ressignificá-las diante de
outras demandas temporais, sociais, estéticas, econômicas, geográficas, políticas etc.
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6. CONCLUSÃO
Em síntese, avalio que o trabalho, pesquisa e ações desenvolvidas neste período de formação
e atuação profissional em muito contribuíram para uma progressão na reflexão pedagógica referente
à área de conhecimento da Educação Física escolar e das práticas corporais como um todo.
A proposta do Programa Segundo Tempo trouxe como premissa na base da qualificação
profissional essa mesma reflexão, e neste caso especifico alcançou seus objetivos na medida em que
estimulou tal procedimento de forma continuada tanto nas construções conceituais quanto na
mudança de atitudes frente a tais demandas.
O processo caracterizou-se como uma revisão de formação acadêmica, por vezes afastada do
foco de atenção constante, em vista das rotinas as quais estamos submetidos enquanto classe
trabalhadora neste país.
Neste viés explicamos, porém não justificamos, e isso se dê em parte devido à visibilidade
que ainda não tomou corpo na região leste de São Paulo – capital, das avaliações quantitativas do
Programa Segundo Tempo, os resultados pouco positivos que encontramos referente à compreensão
adversa que em geral se faz da Educação Física escolar, do Esporte e do Lazer como bens
fundamentais para o desenvolvimento das crianças e adolescentes.
Visto que atual governo prima pela garantia de direitos do cidadão brasileiro, percebe pouco,
na nossa região, esses dados figurando em documentos de divulgação, inclusive como ações
afirmativas de políticas públicas na temática aqui exposta.
Neste relato efetivamente escolar e diante de uma reflexão das teorias em uso e das teorias
em ação nesta área de conhecimento, reconheço uma relevância significativa de pesquisa docente,
que aplicada numa metodologia planejada intencionalmente para alterar e complementar os
conteúdos e estratégias antes desenvolvidas, re-posiciona conscientemente uma identificação e
construção profissional.
Espero como resultado maior, que as experiências para os envolvidos tenham contribuído
para percepção clara dos significados aos quais foram propostos, quais sejam: (1) a participação de
todos com suas reais condições e (2) a diversificação de seus elementos de constituição, numa
tentativa de ampliar seu universo de conhecimento.
Julgo que seja de extrema importância o estímulo à continuidade de experiências desta
natureza assim como sua divulgação, guardadas as devidas considerações de ambiência e
apuramento de um olhar aguçado nos objetivos aos quais se propõem.
Foram nestas perspectivas que este trabalho foi realizado e aqui exposto.
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7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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