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O fenômeno Merquior por José Mário Pereira novembro de 2001   Ninguém mais habilitad o para escrever um depoimento lim po e exato sobre José Guilherme  Merquior do que o jornalista (e ed itor da Topbooks) José Mrio !ereir a" que #oi por muitos anos amigo e colaborador do grande cr$tico e #il%so#o liberal& 'epoimento" na verdade" mais que limpo e exato comovente" como bem ressaltou ilson Martins num de seus rodapés semanais& *scrito para uma obra coletiva organi+ada por ,lberto -osta e .ilva ( O Itamarati na cultura brasileira, /ras$lia" 0nstituto 1io /ranco" 233 4)" 56 #en7meno Merquior8 n9o s% des#a+ um punhado de lendas maldosas criadas pela incansvel mquina de di#ama:9o esquerdista" mas mostra como a incr$vel mesquinharia ambiente buscou por todos os meios su#ocar a express9o de uma alt$ssima e nobre intelig;ncia" que sempre retribuiu o mal com o bem& << 6& de -&  "A mais fascinante máuina de pensar do !rasil ps# modernista $ irreverente, a%udo, sábio", na feli& e'press(o de )duardo Portella, José * uil+erme Meruior espantava pela  versatilidade e capacidade de metaboli&ar idéias -o !rasil do século .. sua obra foi um marco, e sua morte prematur a, aos / anos, no dia de aneiro de 11, um desastre incontornável para a cultura brasileira, ue d ele ainda tin+a muito a receber Identificado uase sempre como polemista $ o ue, em se tratando de Meruior, é redutor $ a riue&a +eur3stica de sua produ4(o intelectual está ainda por ser enfrentada sem a leviandade e a pre%ui4a mental contra as uais tanto se bateu Por muitos meses +esitei em escrever estas notas 5omente a paci6ncia e a compreens(o do poeta e +istoriador Alberto da 7osta e 5ilva, o or%ani&ador deste volume, conse%uiram p8r a nocaute meu uase p9nico em depor sobre o ami%o cua vida, no seu momento de maior esplendor criativo, acompan+ei de perto O fato é ue sua morte abrupta c+ocou a todos, em especial os ue esperávamos poder desfrutar de sua verve e inteli%6ncia por muitos anos Ima%ino ue a seus leitores também A idéia de condensar num te'to sua traetria intelectual e +umana, e também o drama dos dias finais, ue ele encarou com estoicismo, n(o é uma fácil tarefa Meruior completaria a%ora em abril :0 anos; n(o obstante, continua a ser dene%rido por muitos ue n(o o con+eceram nem o leram -(o poderia e' imir#me, portanto, de dar um testemun+o e fornecer al%uns elementos para um retrato da maior fi%ura intelectual de sua %era4(o, diplomata e'emplar e ser +umano inesuec3vel )spero, pelo menos, desen+ar um esbo4o, pálido ue sea, do ue José *uil+erme Meruior representou como personalidade e presen4a vital no mundo da cultura brasileira e internacional

o Fenômeno José Guilherme Merquior

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O fenômeno Merquiorpor José Mário Pereira

novembro de 2001

 

 Ninguém mais habilitado para escrever um depoimento limpo e exato sobre José Guilherme

 Merquior do que o jornalista (e editor da Topbooks) José Mrio !ereira" que #oi por muitos

anos amigo e colaborador do grande cr$tico e #il%so#o liberal& 'epoimento" na verdade" mais

que limpo e exato comovente" como bem ressaltou ilson Martins num de seus rodapés

semanais& *scrito para uma obra coletiva organi+ada por ,lberto -osta e .ilva ( O Itamarati

na cultura brasileira, /ras$lia" 0nstituto 1io /ranco" 2334)" 56 #en7meno Merquior8 n9o s%

des#a+ um punhado de lendas maldosas criadas pela incansvel mquina de di#ama:9o

esquerdista" mas mostra como a incr$vel mesquinharia ambiente buscou por todos os meios

su#ocar a express9o de uma alt$ssima e nobre intelig;ncia" que sempre retribuiu o mal com obem& << 6& de -&

 

"A mais fascinante máuina de pensar do !rasil ps#modernista $ irreverente, a%udo,

sábio", na feli& e'press(o de )duardo Portella, José *uil+erme Meruior espantava pela

 versatilidade e capacidade de metaboli&ar idéias -o !rasil do século .. sua obra foi um

marco, e sua morte prematura, aos / anos, no dia de aneiro de 11, um desastre

incontornável para a cultura brasileira, ue dele ainda tin+a muito a receber Identificadouase sempre como polemista $ o ue, em se tratando de Meruior, é redutor $ a riue&a

+eur3stica de sua produ4(o intelectual está ainda por ser enfrentada sem a leviandade e a

pre%ui4a mental contra as uais tanto se bateu

Por muitos meses +esitei em escrever estas notas 5omente a paci6ncia e a compreens(o do

poeta e +istoriador Alberto da 7osta e 5ilva, o or%ani&ador deste volume, conse%uiram p8r

a nocaute meu uase p9nico em depor sobre o ami%o cua vida, no seu momento de maior

esplendor criativo, acompan+ei de perto O fato é ue sua morte abrupta c+ocou a todos,

em especial os ue esperávamos poder desfrutar de sua verve e inteli%6ncia por muitosanos Ima%ino ue a seus leitores também A idéia de condensar num te'to sua traetria

intelectual e +umana, e também o drama dos dias finais, ue ele encarou com estoicismo,

n(o é uma fácil tarefa

Meruior completaria a%ora em abril :0 anos; n(o obstante, continua a ser dene%rido por

muitos ue n(o o con+eceram nem o leram -(o poderia e'imir#me, portanto, de dar um

testemun+o e fornecer al%uns elementos para um retrato da maior fi%ura intelectual de sua

%era4(o, diplomata e'emplar e ser +umano inesuec3vel )spero, pelo menos, desen+ar um

esbo4o, pálido ue sea, do ue José *uil+erme Meruior representou como personalidadee presen4a vital no mundo da cultura brasileira e internacional

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-ascido sob o si%no de =ouro, em 22 de abril de 1/1, na =iuca, &ona norte do >io de

Janeiro, fil+o de Maria Alves Meruior ?@ !elin+a e @anilo Meruior, advo%ado, José

*uil+erme era irm(o mais vel+o de 7arlos Au%usto, Marco Aurélio e Maria 7ristina A

fam3lia morava ent(o na rua @r 5atamini, /, apto /02, perto do 7olé%io BafaCette, ondeele estudou e, desde cedo, impressionou pela inteli%6ncia e precocidade @a primeira

 via%em D )uropa, ainda adolescente, trou'e um busto de Eoltaire $ t(o pesado ue seu

transporte se transformou num pesadelo familiar ) um dos primeiros presentes ue

%an+ou do pai foi a abertura de uma conta sem limite na livraria Beonardo da Einci, de @

 Eanna Piracini, no centro do >io

-a universidade cursou @ireito, mas entre os professores a uem mais se afei4oou est(o

@irce 7ort6s >iedel, de Biteratura, e Antonio *omes Penna, de Psicolo%ia F primeira

dedicou seu livro sobre @rummond, lan4ado na década de 0, afirmando ue ela"despertou em mim o amor da literatura do nosso tempo"; e era na casa do se%undo ue

muitas ve&es preferia +ospedar#se uando, á diplomata, passava pelo >io

-o in3cio da década de :0, Meruior dava aulas de estética em seu apartamento de 5anta

=eresa a alunos atra3dos por um anGncio de ornal ue ele mandara publicar ) foi a3 ue,

 á casado com Hilda, sua compan+eira de colé%io, recebeu para um antar em torno do

socilo%o americano =alcott Parsons, em ul+o de 1: Mas n(o uis tornar#se professor

universitário preferiu fa&er concurso para o ItamaratC, onde tirou o primeiro lu%ar )m

1:K, Manuel !andeira o convidou para or%ani&ar com ele a antolo%ia !oesia do /rasil 7olaborava ent(o em revistas como !raxis, .enhor, -adernos

brasileiros e ,rquitetura& )mbora á tivesse publicado arti%os no Jornal do /rasil  em 1,

s no ano se%uinte se vincula ao 5uplemento@ominical, ent(o diri%ido por >eCnaldo

Jardim -uma nota intitulada "!il+ete de editor= , publicada no alto da pá%ina em K0 de

abril de 1:0, l6#se

 , primeira colabora:9o de JGM nos chegou como centenas de outras através de nossa

se:9o 7orrespond6ncia& /astou ler o primeiro artigo para constatarmos que estvamos #rente

a um leg$timo escritor amplamente capacitado a colaborar conosco& !ublicamos o artigo e

tempos depois chegou outro comprovando a categoria intelectual de seu autor& Mais um ou

dois artigos de JGM vieram >s nossas m9os sem que o conhec;ssemos pessoalmente&

) finali&a o editorial

 ,qui estar ele" sem o compromisso do aparecimento semanal" mas mantendo um certo ritmo

em sua colabora:9o que pretendemos venha contribuir para a melhoria do n$vel de produ:9o

 poética em nosso meio&

-este 5uplemento @ominical do J/ Meruior assinou mais de 0 ensaios entre 1 e

1:2, al%uns de pá%ina dupla Os temas s(o estéticos, literários e filosficos "-eoolaLoon

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ou da espacio#temporalidade" ?110 n(o foi inclu3do em livro; "*alatéia ou a morte da

pintura I e II" ?2:11:0 e 001:1 também n(o Há aprecia4es devastadoras sobre livros

de poetas $ 6 p9o e o vinho, de MoacCr Néli', em 00:0; 6 dia da ira, de Antonio

Olinto, em 200:0; 6perrio do canto, de *eir 7ampos, e ?ento geral , de =+ia%o de

Mello, em 120::0;6de ao crep@sculo, de B6do Ivo, em 0K0::l; Tr;s pavanas, de

*erardo Mello Mour(o, em 0K0::1 Mas +á também elo%iosas considera4es sobre

7assiano >icardo, Murilo Mendes, MarlC de Oliveira, e até para o +oe descon+ecido

)dmir @omin%ues, cuo -orcel de espuma comentou em 0/02:1

-o prefácio ao volume -r$tica (4ABC<4ADA), de 10, afirmava, ri%oroso, sobre estes

arti%os

 Na época" os artigos nada indulgentes de minha coluna de cr$tica no 5@J!"

=!oesia  para amanh9=" incomodavam bastante vrios versejadores& Eoje receio que eles

incomodem principalmente o pr%prio autor" menos pela contund;ncia que pela suasuper#icialidade&

ualificado por Haroldo de 7ampos, em arti%o no caderno MaisQ da Folha de .& !aulo" de

"cr3tico conservador" ?10/2, á em outubro de 1:0 Meruior percebia $ e elo%iava $

a novidade do trabal+o de tradu4(o de Au%usto, irm(o dele, em *& *& -ummings& 43

 poemas

6 livro muito bem apresentado tra+ inclusive uma objetiva introdu:9o de ,& -& > técnica

de *& *& -& Huanto > vers9o para o portugu;s" é a melhor desejvel& 'e uma maneira geral" ,&-& manteve uma #idelidade digna de aplauso" e ainda por cima sem se restringir a um

servilismo antipoesia& N%s sabemos quantas ve+es o traddutore" por n9o querer ser traditore"

acaba mais traidor do que nunca&&& Mas a lealdade de ,& -& é muito mais ampla& *la

acompanhou a inven:9o de -ummings quando n9o é mais poss$vel a simples tradu:9o&

!asta e'aminar a rela4(o desses arti%os no J/, al%uns inclu3dos em 1a+9o do poema, para

 verificar o %rau de maturidade intelectual alcan4ado precocemente por Meruior )'i%ente

consi%o mesmo, resistiu a todos os apelos para reeditar seus livros iniciais @esculpava#se

di&endo ue muito tin+a a publicar antes de come4ar a reeditar -a antolo%ia de ensaios

lan4ada um ano antes de sua morte referia#se aos arti%os n(o inclu3dos no primeiro livro

 *xclu$ desta antologia todos os meus ensaios de estréia" todos os que publiquei desde lAIA no

 .uplemento 'ominical doJornal do !rasil" na revista 5en+or e em outros lugares e n9o recolhi

em minha primeira coletnea cr$tica" >a&(o do poema" de lABI& (&&&) /arrei sem remorso a

minha juven$lia& -omo di+ia meu saudoso amigo Murilo Mendes" precisamos ser

contemporneos" e n9o apenas sobreviventes" de n%s mesmos&

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-a confer6ncia ue fe& no P)- 7lub, em un+o de 11, por su%est(o afetuosa do cientista

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pol3tico 7elso Bafer, ue o trou'e ao >io, Antonio 7andido falou pela primeira ve&,

demoradamente, de Meruior )m 1 de setembro de 1, a meu pedido, o cr3tico enviou#

me a vers(o escrita de trec+o dessa fala, ue reprodu&i, em parte, na contra#capa da

reedi4(o de 1a+9o do poema" pela =opbooLs, em 1: =ranscrevo, por sua import9ncia, a

pá%ina inte%ral, s3ntese perfeita da  #orma mentis de Meruior

&&& #oi sem d@vida um dos maiores cr$ticos que o /rasil teve" e isto j se prenunciava nos

 primeiros escritos& Kembro como sinal precursor o ensaio que escreveu bem mo:o sobre A

can4(o do e'3lio" de Gon:alves 'ias" #a+endo uma descoberta que dava a medida de sua

imagina:9o cr$tica" entendendo<se por imagina:9o cr$tica a capacidade pouco #reqLente de

elaborar conceitos que t;m o teor das expresses meta#%ricas ou o v7o das cria:es #iccionais&

 *stou #alando do seguinte ao comentar a a#irma:9o costumeira que o #amoso poema é t9o

bem reali+ado porque n9o tem adjetivos" ele mostrou que a sua e#ici;ncia provém na verdade

do #ato de ser todo ele" virtualmente" uma espécie de grande express9o adjetiva" uma

quali#ica:9o sem quali#icativos" devido > tonalidade do discurso&

 Num de seus ensaios mais recentes ele disse que a #alta de in#orma:9o #ilos%#ica prejudicava a

maioria da cr$tica brasileira& 6ra" deste mal ele estava galhardamente livre& , sua acentuada

voca:9o especulativa e a vasta erudi:9o que a nutria lhe permitiram #a+er do trabalho cr$tico

uma investiga:9o que n9o se satis#a+ia em descrever e avaliar os textos" mas desejava

descobrir o sentimento entesourado e em seguida lig<lo a outros produtos da cultura& 'a$ um

cru+amento #ertili+ador" caracter$stico do seu trabalho o pensador José Guilherme Merquior

era capa+ de expor os seus pontos de vista com a expressividade de um escritor versado na

melhor literatura" enquanto o cr$tico José Guilherme Merquior era capa+ de interpretar os

textos ou tra:ar a articula:9o dos movimentos com a capacidade dialética de discriminar e

integrar" pr%pria da mente #ilos%#ica& !or isso" poucos #oram t9o capa+es de associar o

impulso do pensador ao olhar do leitor penetrante& Nele" era notvel a combina:9o de gosto

 #ino" arg@cia anal$tica" precis9o da s$ntese e trans#igura:9o re#lexiva&

 N9o espanta que" sendo dotado de tais qualidades" Merquior tenha podido com igual maestria

 #a+er anlises #in$ssimas e construir vises integradoras& *le sabia desmontar a #atura dostextos sem os redu+ir > mecnica #ormalista e inscrever as obras na seqL;ncia temporal sem

desli+ar para o esquema& .obrevoando esses dons" a linguagem adequada" expressiva" cheia

de #lama" parecendo comunicar > pgina o ritmo trepidante que #oi a sua vida de impetuosa

dedica:9o >s coisas mentais&

)m al%umas passa%ens de seus livros Meruior esbo4a uma autobio%rafia intelectual,

como, por e'emplo, em , nature+a do processo ?l2, escrito em cinco semanas por

provoca4(o do editor 5ér%io Bacerda

&&&o autor n9o deixa de considerar este livro um re#lexo de algumas das preocupa:es mais

vivas de sua gera:9o uma gera:9o condenada a aprender" na velhice do século" as li:es

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que a hist%ria contempornea j permite extrair da longa emula:9o de sistemas sociais no

nosso tempo&

Ou nas pá%inas introdutrias de -r$tica (4ABC<4ADA), ue reviu no Mé'ico, e l+e provocava

recorda4es dos primeiros anos de atividade

 Meu trajeto ideol%gico #oi passavelmente errtico até desaguar" nos anos oitenta" na prosa

quarentona de um liberal neo<iluminista& .e desde cedo mantive uma posi:9o constante a

recusa dos métodos #ormalistas" ent9o em pleno #ast$gio por outro lado meu quadro de

valores mudou muito" especialmente no que se re#ere > atitude #rente >s premissas estéticas e

culturais do modernismo europeu" ber:o da doxa huma$istica de nosso tempo&

 Antes, em abril de 11, no discurso de a%radecimento pelo pr6mio de ensaio do P)- 7lub,

ue li em seu nome na cerim8nia a ue n(o p8de comparecer, declarou

 *nsa$sta que procura n9o #ugir >s necessrias tomadas de posi:9o" e insiste em exercer a

escrita como discurso eminentemente cr$tico e autocr$tico" n9o posso deixar de receber a

distin:9o t9o expressiva com o sentimento de que o combate por uma literatura menos

 #ormalista" mais racional e mais humana" n9o é uma luta v9 embora seja travada contra

vrias das mais poderosas mitologias da nossa época& , honra é grande" o est$mulo ainda

maior meu agradecimento s% pode tomar a #orma de uma renovada #idelidade > de#esa das

letras contra toda supersti:9o ideol%gica&

*****

)m 1:: se%uiu para Paris, seu primeiro posto internacional, como terceiro#secretário,

levado por !ilac Pinto -essa época Meruior correu o risco de ser cassado dera

confer6ncias no I5)!, participara da or%ani&a4(o de um festival de cinema russo no MAM,

e, em !ras3lia, audara a coordenar uma e'posi4(o de fot%rafos cubanos, pelo ue teve de

responder a inuérito @epois trabal+ou em !onn, Bondres, Montevidéu, novamente em

Bondres, uma rápida volta a !ras3lia, a se%uir no Mé'ico, e mais uma ve& em Paris, onde

estava como embai'ador unto D Rnesco uando foi surpreendido pela doen4a ue o

mataria, meses depois, nos )stados Rnidos, em aneiro de 11

José *uil+erme Meruior fe& no ItamaratC uma carreira rápida e bril+ante, o ue n(o

si%nifica ue ten+a sido fácil Al%umas ve&es o vi irritado com intri%as e perse%ui4es

 veladas A&eredo da 5ilveira, por e'emplo, perse%uiu#o o uanto p8de, por identificá#lo

como funcionário e ami%o de confian4a de >oberto 7ampos @epois ue Meruior foi

promovido, mandou#l+e um tele%rama de cumprimentos >ecebeu imediatamente outro

de Meruior, repudiando as felicita4es ) um embai'ador da fam3lia e do sta##  de 7ollor

se op8s decisivamente D idéia de sua nomea4(o para o posto de c+anceler

Mas pertenciam também ao ItamaratC al%uns dos ami%os ue mais estimava na vida Paulo

>enato >oc+a 5antos, a uem dedicou o ensaio sobre *on4alves @ias; Jer8nimo Moscardo

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de 5ou&a, ue c+e%ou a morar em sua casa no per3odo de prepara4(o para o concurso do

ItamaratC; Alberto da 7osta e 5ilva, ue o audou a se safar de problemas burocráticos,

numa ami&ade ainda mais fortalecida pelo apre4o ue Meruior tin+a pela obra poética de

@a 7osta e 5ilva, pai; Marc3lio Marues Moreira, o interlocutor permanente e elo afetivo

com 5an =ia%o @antas; >ubens >icupero, cua clare&a mental e con+ecimentos de pol3tica

e'terna e economia eram para ele fonte de permanente consulta; e >oberto 7ampos, ue

sempre procurou audá#lo na carreira, como provam al%umas cartas do aruivo pessoal de

Meruior Nascinado por sua inteli%6ncia, 7ampos costumava enviar te'tos de sua autoria

para ue ele comentasse Noi ainda na casa de Meruior em !ras3lia, na noite do dia em

ue HenrC Sissin%er fe& confer6ncia na Rn! interrompida pelos estudantes, ue 7ampos

acertou os Gltimos detal+es de sua candidatura ao 5enado por Mato *rosso

-o come4o da carreira con+eceu 5an =ia%o @antas, ue se tornou seu ami%o Por especial

empen+o de Meruior, 5an =ia%o foi o paraninfo da turma de 1:K do Instituto >io

!ranco, ue escol+eu o ovem cr3tico para orador O conv3vio deles foi curto, mas afetuoso

5empre ue se referia ao autor de 'om Huixote um ap%logo da alma ocidental , fa&ia#o

com admira4(o, e %ostava de recordar suas idas D casa dele na rua @ Mariana, em

!otafo%o, onde a filosofia alem( e a literatura francesa $ notadamente Proust, uma das

pai'es literárias do anfitri(o $ eram o tema dominante >elembrava também, com

especial emo4(o, uma visita D casa de 5an =ia%o em Petrpolis na compan+ia de Hilda,

Marc3lio Marues Moreira e Jer8nimo Moscardo de 5ou&a, ocasi(o em ue o pol3tico serviu

canica com coco, sobremesa muito apreciada por Meruior

)m sua biblioteca, +oe no 7entro 7ultural !anco do !rasil, no >io, +á al%uns livros de 5an

=ia%o, entre eles um e'emplar de Figuras do 'ireito ?ed José OlCmpio, 1:2 dedicado "A

J *uil+erme Meruior, com a estima e admira4(o de 5an =ia%o @antas" A data é 2/ de

 ul+o de 1:/, menos de dois meses antes da morte do e'#c+anceler, Ds : da man+( do dia

: de setembro 5ob o impacto dessa morte, Meruior escreveu um arti%o e, como de pra'e,

consultou o ItamaratC antes de divul%á#lo )ra seu deseo publicar no Jornal do /rasil ,

conforme se l6 no pedido ue o ent(o terceiro#secretário enviou, no dia 1: de setembro de

1:/, ao c+efe do @epartamento 7onsular e de Imi%ra4(o do ItamaratC, solicitando "u3&o

favorável D publica4(o do referido te'to" -o protocolo, +á uatro rubricas e apenas uma

assinatura le%3vel $ a do secretário#%eral A ! B 7astelo !ranco -o parecer final, l6#se

"5 poderá ser autori&ada a publica4(o se o funcionário escoimar do arti%o toda opini(o

pol3tica, na forma dos re%ulamentos em vi%or -ada +á a opor aos merecidos elo%ios

pessoais" 7omo o arti%o nunca apareceu nas pá%inas do J/, é de se supor ue Meruior, a

ter ue suprimir passa%ens do te'to, preferiu n(o publicá#lo 7ontratempos D parte, ele n(o

dei'ava de recon+ecer ue devia ao ItamaratC o fato de ter reali&ado a traetria intelectual

ue con+ecemos

O emocionado arti%o de Meruior come4a assim

 Junto ao t@mulo de .an Tiago 'antas" ,#onso ,rinos e 1oberto -ampos #alaram dele como do

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mais dotado representante de sua gera:9o disseram da invenc$vel triste+a de ver

desaparecer" colhido aos cinqLenta e poucos anos" aquele exemplo superior de uma gera:9o

que" tendo chegado tarde ao poder" parece destinada a so#rer a sua #ugacidade até mesmo na

 perda prematura de alguns de seus melhores membros&

Inédito até a morte de Meruior, este te'to destaca o sentido peda%%ico da atua4(opGblica de 5an =ia%o para as novas %era4es e recon+ece a ori%inalidade de sua vis(o da

sociedade brasileira e das rela4es internacionais, ressaltando ue sempre sobrep8s ao

tosco moralismo $ tendo na época na R@- a mais alta representa4(o $ uma vis(o lar%a

dos problemas, amparada permanentemente numa ética e num entendimento 3ntimo da

"ra&(o +istrica" )m 1:, Meruior dedicou D memria de 5an =ia%o  ,rte e sociedade

em Marcuse" ,dorno e /enjamin"primeiro tratamento sistemático, entre ns, sobre a

)scola de NranLfurt

)m todos os postos onde esteve procurou difundir a cultura brasileira )mbai'ador no

Mé'ico, criou a cátedra *uimar(es >osa, além de ter reali&ado a compra da atual sede da

embai'ada por empen+o pessoal unto ao presidente José 5arneC Ali tornou#se 3ntimo do

poeta e ensa3sta Octavio Pa&, ue viria a saudá#lo na sua despedida, em nome dos

me'icanos, numa simpática festa or%ani&ada por Hilda nos ardins da embai'ada A

convite de Pa&, voltaria ao Mé'ico, á doente, para o seminário ")l si%lo .. Ba e'periencia

de la liberdad", or%ani&ado pela revista ?uelta e a =elevisa, participando do debate sobre

"Ba nueva )uropa, )stados Rnidos C America Batina", ao lado de @aniel !ell, Hu%+

=+omas, Mario Ear%as Blosa, Jean Nran4ois >evel =eve al%uns livros editados pelo Nondode 7ultura )conmica, a mais presti%iosa editora me'icana, e colaborou em revistas

como ?uelta, de Octavio Pa& e )nriue Srause; -uadernos O Kibros ,mericanos, de

Beopoldo Tea, e Nexos, de Hector A%uilar 7am3n Noi Srause, +istoriador ue estimava por

sua coraosa revis(o da +istria me'icana, uem mel+or escreveu sobre Meruior depois

de sua morte, no arti%o "O es%rimista liberal" ??uelta, aneiro de 12

(&&&) .ua maior contribui:9o > diplomacia brasileira no México n9o ocorreu nos corredores das

chancelarias ou através de relat%rios e telex" mas na tert@lia de sua casa" com gente de cultura

deste pa$s& (&&&) , *mbaixada do /rasil se converteu em lugar de reuni9o para grupos

di#erentes e até opostos de nossa vida literria& K se esqueciam por momentos as pequenas e

grandes mesquinhe+as e se #alava de livros e idéias e de livros de idéias& Merquior convidava a

gregos e troianos" escrevia em nossas revistas e procurava ligar<nos com publica:es

hom%logas em seu /rasil& (&&&) Merquior cumpriu um papel relevante #oi uma instncia de

clare+a" serenidade e amplitude de alternativas no dilogo de ambos os governos&

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Professor no Sin%Us 7olle%e, em Bondres, doutorou#se em letras pela 5orbonne,orientando de >aCmond 7antel, com tese sobre 7arlos @rummond de Andrade aprovada

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com louvor em un+o de 12 @epois de levar meses para acusar a remessa dos cap3tulos

ue Meruior l+e enviava, @rummond respondeu

 *u poderia tentar justi#icar<me alegando que esperava o recebimento do texto completo para

lhe escrever& Mas a verdade verdadeira é que" desde a leitura das primeiras pginas" me

bateu uma espécie de inibi:9o que conhe:o bem" por ser velha companheira de minhasemo:es mais puras& .e voc; estivesse ao meu lado nos momentos de leitura" decerto acharia

gra:a na di#iculdade e con#us9o das palavras que eu lhe dissesse& Talve+ até nem dissesse

nenhuma& * na minha cara a encabula:9o vis$vel diria tudo&&& ou antes" n9o diria nada" pois o

melhor da sensa:9o escapa a esse c%digo #ision7mico& .enti<me con#ortado" vitali+ado" vivo&

 Meus versos saem sempre de mim como enormes pontos de interroga:9o" e constituem mais

uma procura do que um resultado& .ei muito pouco de mim e duvido muito voc; vai achar

gra:a outra ve+ de minha exist;ncia& Pma palavra que venha de #ora pode tra+er<me uma

certe+a positiva ou negativa& , sua veio com uma a#irma:9o" uma #or:a de convic:9o que me

iluminou por dentro& * também com uma sutile+a de percep:9o e valori+a:9o cr$tica diante da

qual me vejo orgulhoso de nobre orgulho e&&& esmagado& *is a$" meu caro Merquior& *stou

 #eli+" por obra e gra:a de voc;" e ao mesmo tempo estou bloqueado na express9o dessa

 #elicidade&

=ambém doutorou#se na Bondon 5c+ool of )conomics, sob a batuta de )rnst *ellner $ de

uem viria a se tornar ami%o e introdutor da obra entre ns $ com tese sobre a teoria da

le%itimidade em >ousseau e Veber, publicada depois pela >outled%e W Se%an Paul, e ue,

no posfácio, em 10, D edi4(o brasileira finamente tradu&ida por Mar%arida 5alom(o,ualificou de "meu livro mais elaborado" )ste passou uase despercebido no !rasil,

embora ten+a provocado na In%laterra o mais vivo interesse acad6mico, %an+ando elo%ios

de Peter *aC, Jo+n Hall e Volf%an% Mommsen, o %rande especialista em Veber

)le poderia ter sido i%ualmente um cr3tico imbat3vel de artes plásticas, porue

acompan+ava tudo a respeito, mantendo#se atuali&ado sobre as novidades tericas no

setor Adorava Poussin, =iepolo, mas também escreveu sobre @e%as, Hodler, BC%ia 7larL,

BC%ia Pape, e outros Eea#se os eruditos ensaios ue dedica ao tema em  Formalismo e

tradi:9o moderna )m via%em a Nloren4a, á doente, fe& uest(o de rever a capela!rancacci, onde se encontram os afrescos de Masaccio, pintor ue tanto estimava Pode#

se mesmo di&er ue a Itália foi a sua pátria art3stica, e n(o escondia o deseo de, um dia, ser

nomeado embai'ador neste pa3s

< < <

uando decidiu candidatar#se D Academia !rasileira de Betras n(o ima%inava ue a

disputa com Arnaldo -isLier iria se prolon%ar por mais de um ano )'aminou as

possibilidades )screveu D m(o uma tabela com os nomes dos acad6micos por estado na

!a+ia, onde supun+a ter mais votos, os de Bui& Eiana Nil+o, Jor%e Amado, Herberto 5ales

e )duardo Portella Ao lado do Gltimo nome desen+ou um envelope, ou sea, Portella

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 votaria por carta O mesmo desen+o aparece ao lado do nome de Jo(o 7abral -a

+ori&ontal lia#se a lista por estados; na vertical os nomes dos membros da A!B a%rupados

se%undo as e'pectativas de voto "certos, prometidos, prováveis, poss3veis, certos para

-isLier" -a primeira vota4(o nin%uém conse%uiu uorum -isLier tin+a em Austre%ésilo

de At+aCde, presidente da casa, seu mais poderoso aliado

Marcou#se nova elei4(o para meses depois O poder de ue di&iam estar Meruior

aureolado n(o contou -(o +ouve ministro nem presidente Ni%ueiredo fa&endo pedidos

constran%edores aos votantes Meruior teve de acompan+ar so&in+o o desenrolar da

campan+a O empresário José 7arlos -o%ueira @ini&, ami%o e compadre, p8s D sua

disposi4(o um peueno apartamento na 5á Nerreira $ rua onde morava sua m(e, @ona

!elin+a $ e ele vin+a para o >io nos fins#de#semana encontrar#se com eleitores e ami%os

)m novembro de 12, ele%eu#se, depois de lon%a disputa, D va%a de Paulo 7arneiro na

 A!B, vencendo por 22 votos contra 1 dados a -isLier e um a *eir 7ampos A recep4(o, na

 vitria, foi patrocinada pelo mesmo -o%ueira @ini&, ue recebeu, em seu apartamento na

!arra da =iuca, convidados em %rande maioria da repGblica das letras O discurso de

posse, ue muitos levam meses a escrever, Meruior fe& num fim de semana, e no dia da

cerim8nia, 11 de mar4o de 1K, c+e%ou D Academia de tá'i -ada ue su%erisse o poder

ue l+e era atribu3do

-esta ocasi(o entrevistei#o para a Qltima hora ?1K1112 e, entre outros assuntos,

per%untei#l+e sobre o liberalismo 5ua resposta

6 liberalismo moderno é um social<liberalismo" é um liberalismo que n9o tem mais aquelaingenuidade" aquela inoc;ncia diante da complexidade do #en7meno social" e em particular do

chamado problema social" que o liberalismo clssico tinha& 6 liberalismo moderno n9o possui

complexos #rente > quest9o social" que ele assume& R a essa vis9o do liberalismo que eu me

 #ilio&

5obre a validade dos conceitos de direita e esquerda afirmou

 *u acho que esse tipo de conceitua:9o est em grande parte esva+iado pelo uso demasiado

sloganesco que dele tem sido #eito& 6 problema da direita versus esquerda" usado na base doclich;" tem levado realmente a muito pouca anlise& R o caso t$pico em que a discuss9o produ+

mais calor do que lu+& Trata<se de palavras dotadas de uma grande carga emocional e que s9o

usadas para #ins puramente pol;micos na vida pol$tica e no combate ideol%gico& *u hoje sou

um cético em rela:9o ao uso dessas categorias&

<<<<<

O Gltimo ensaio de Meruior c+amou#se "5itua4(o de Mi%uel >eale", para o

 volume 'ireito !ol$tica Filoso#ia !oesia, coordenado por 7elso Bafer e =ércio 5ampaioNerra& Jr para a editora 5araiva, comemorativo do octo%ésimo aniversário de >eale

)mbora escrito em meio a e'ames médicos, pois a doen4a estava avan4ada, provocou o

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entusiasmo de >eale, ue em carta de de de&embro de l0 assim o e'pressou

 R uma anlise abrangente e pro#unda" ponto de partida essencial a qualquer nova indaga:9o"

a come:ar pelas observa:es sobre o culturalismo& ?oc; viu bem a correla:9o de meu

 pensamento com o de -roce" pois bem cedo #ui um leitor entusiasta de sua revista" 7ritica" que

renovou o pensamento italiano& (&&&) , in#lu;ncia de Eegel e Marx em minha #orma:9o #oiatenuada pela #iltragem croceana" revelando<se logo minha oposi:9o a Gentile e seu idealismo

= attualista"& (&&&) 6utro ponto que me impressionou #oi o seu paralelo com 1aOmond ,ron" a

quem me aproximo pela constante viv;ncia da problemtica #ilos%#ica em sintonia com a

 pol$tica&

=rabal+ador intelectual incansável e e'tremamente or%ani&ado, Meruior escrevia com

rapide&, praticamente sem corri%ir Rma ve&, á no aeroporto, de volta para Bondres, se

deu conta de ue n(o preparara seu arti%o semanal para o J/ Pediu#me ue conse%uisse

umas fol+as de papel e voltasse em meia +ora Nui passear pelo aeroporto e, uando

retornei, recebi o manuscrito e um novo pedido ue fi&esse a %entile&a de mandar

datilo%rafar e enviar, no dia se%uinte, ao Mario Pontes, do J/& )screvendo de Bondres, em

l: de outubro de l/, ao mesmo Mi%uel >eale, ue l+e estran+ara o sil6ncio dos Gltimos

meses, conta

 , ra+9o do meu sil;ncio é a in#indvel labuta de minha pena este ano" ora em pleno terceiro

livro& No primeiro semestre" redigi um estudo sobre Foucault" a sair aqui dentro de um ano" e

um exame cr$tico algo alentado do estruturalismo e sua seqLela Nrom 5aussure to

@errida (SI3 pgs&)& ,gora me encontro todo entregue a um volume" mais conciso" sobre o

marxismo ocidental& Todos encomendas locais& Mas deram e d9o trabalho releituras" novas

leituras" reaprecia:es&&&&

*****

Rm arti%o fundamental para a compreens(o do modo como Meruior pensava o !rasil

publicou#se na Folha de  .& !aulo em l00Kl "-ova >epGblica o +ori&onte social#

liberal" come4ava di&endo

-omo imaginar o /rasil da Nova 1ep@blica Talve+ n9o seja mau come:ar por uma

constata:9o a de quanto o nosso pa$s" até aqui" j conseguiu desmentir os estere%tipos mais

renitentes sobre a ,mérica Katina em seu conjunto

) finali&ava com um a%udo perfil de =ancredo -eves

Gra:as a seu senso hist%rico<#ilos%#ico do papel do *stado" Tancredo regenera a no:9o da

autoridade leg$tima entre n%s& 'a$ a tranqLila" suave impress9o que cerca" nesse homem

 proverbialmente a#vel" o sentido no entanto viv$ssimo da autoridade& 1eparem nas

montanhas de Minas delas emana uma majestade amena" muito diversa da

monumentalidade abrupta de outros relevos& ,lgo semelhante de#lui da ima%opotestatis de

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Tancredo& *ssa maestas sem pompa" mas sempre c7nscia da pr%pria dignidade" é a que

melhor consulta os requisitos do poder em reconstru:9o na transi:9o democrati+ante& (&&&) No

discurso de ?it%ria" Tancredo preconi+ou o re#or:o da democracia e a reanima:9o do

 princ$pio #ederal& 6 poder" na Nova 1ep@blica" admite" deseja desconcentrar<se& * pode #a+;<

lo" porque o que perder em concentra:9o ser ganho em autoridade& No ciclo atribulado da

nossa Huarta 1ep@blica" Juscelino nos ensinou o conv$vio com o desenvolvimento& , grande"

s%bria esperan:a da Nova 1ep@blica é que com Tancredo" nosso pr$ncipe civil" a na:9o

interiori+e de ve+ a viv;ncia da democracia& Hualquer coisa aquém disso seria indigna do

 /rasil moderno&

O deseo de interferir no debate social brasileiro levou Meruior a escrever, em diversas

ocasies, a pol3ticos com uem tin+a rela4es de ami&ade A José 5arneC, ent(o presidente,

endere4ou cartas +oe preciosas para a análise do seu pensamento pol3tico, como é

e'emplo a ue mandou de Bondres, em 1 de abril de 1

(&&&) , meu ver" seu governo ser um bombom o recheio é castelista (.arneO" Ke7nidas)" mas o

envelope de chocolate ser a ,lian:a 'emocrtica" com dominante !M'/&

 , alternativa governar também com o !'." me parece ir" se a dose #or muito alta" contra a

aspira:9o de mudan:a que anima o pa$s" e portanto poderia impopulari+ar& 6 que"

evidentemente" n9o pro$be o aproveitamento de um que outro nome nacional do !'.&

 , perman;ncia do !residente no !M'/ torna<se" por essa l%gica" a essa altura"imprescind$vel& .e ?& l est" para que sairia 6 @nico resultado prtico de uma eventual

 pre#er;ncia pelo !FK seria entregar o maior partido ao her%i de Eomero&

Huando o que seria conveniente cont;<lo" em sua condi:9o de alternativa latente para seu

 poder presidencial" aliciando para tanto boa parte do !M'/& -omo 1e#or:ando a liga:9o

 .arneO<KOra& Fa+endo talve+ Fernando Eenrique ministro (do exterior da pr%pria -asa

-ivil)& * sobretudo #a+endo desde j certos gestos simpticos > esquerda" embora 4a va sans

dire $ sem comprometer a linha moderada" social<liberal" que presidiu o nascimento da nova

rep@blica& PmaUapertura a sinistraU" sem exagero&

Hue gestos poderiam ser esses 'e imediato" vejo dois& Pm" o seu programa de

emerg;ncia" desde que assegurada a sua compatibilidade com o re#or:o e#etivo do combate >

in#la:9o&

 *ste ponto" meu caro .arneO" é absolutamente vital& ?& est sendo injustamente acusado

de n9o ligar para a severidade indispensvel da nossa postura econ7mico<#inanceira& N%s" os

literatos" seremos sempre acusados de mole+a nesse cap$tulo& 6 jeito é impedir a todo custo

que essa imagem #alaciosa ganhe terreno& , in#la:9o é de #ato o mais cruel dos impostos

sempre atinge principalmente a pequena classe média e as camadas populares" e a

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 preocupa:9o de domin<la n9o é nenhum preconceito direitista ou conservador&

-a mesma carta advo%a o reatamento das rela4es com 7uba, colocando#se D disposi4(o

para trabal+ar discretamente nesse processo

6utro gesto de grande charme para a esquerda reatar rela:es com -uba& U*les #icariammeio ano digerindo este pitéu" obrigados a achar que Up7" esse .arneO até que n9o é assim t9o

rea:a&&&U 

-uba hoje n9o o#erece maiores perigos na ,mérica do .ul& 6 guevarismo j era& * o

reatamento tem pelo menos tr;s vantagens para n%s

a) abriria um signi#icativo potencial de exporta:es brasileiras

b) permitiria ao /rasil in#luir" em boa medida" na conduta internacional de Eavana" como #a+ o México" em sentido moderador e realista

c) evitaria que" no #uturo" nosso reatamento se desse a reboque de uma

reconcilia:9o diplomtica -ubaVP.," reconcilia:9o essa" a médio pra+o" t9o certa

quanto o #oi o reconhecimento de !equim por ashington" na década passada&

)m 1X de outubro de 10, Meruior teve um encontro com o presidente Nernando 7ollor

de Mello na passa%em deste por Paris, a camin+o de Pra%a Eoltariam a se encontrar na

resid6ncia parisiense de !abC Monteiro de 7arval+o, uando conversaram a ss por uaseuma +ora -esta noite, 7ollor e'p8s suas idéias sobre um partido social#liberal e pediu a

Meruior para desenvolver o tema O paper ue produ&iu, s con+ecido por uns poucos

com os uais discutia enuanto o elaborava, s(o, no ori%inal, KK pá%inas datilo%rafadas,

nas uais estrutura uma "a%enda social#liberal para o !rasil", abran%endo sete temas a o

papel do )stado; b democracia e direitos +umanos; c o modelo econ8mico; d capacita4(o

tecnol%ica; e ecolo%ia; f a revolu4(o educacional; e % desarmamento e posi4(o

internacional do !rasil 5 n(o desenvolveu os itens d ee, su%erindo, á doente, ue

pedissem a >oberto 7ampos para fa&6#lo)sses te'tos, pensados como pro%rama de partido, escritos e ampliados a partir das

intui4es e indica4es de 7ollor, foram depois publicados por este, provocando uma %rande

confus(o nos ornais, ue o acusavam de pla%iar Meruior )m 6 Globode 10 de aneiro de

12, >oberto 7ampos, com sua natural lucide&, resumiu a uest(o "Eeo na atitude de

7ollor um procedimento normal a ualuer presidente, ue raramente escreve seus arti%os

e discursos A fi%ura do ghost<Writer é uma institui4(o mundial"

-os Gltimos anos, sempre ue Meruior vin+a ao !rasil marcávamos visita ao escritrio

do advo%ado Jor%e 5erpa, para uma "ausculta4(o" da situa4(o pol3tica e econ8mica dopa3s Meruior %ostava das análises de conuntura ue 5erpa sabia fa&er, da maneira como

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 via o !rasil em conson9ncia com o mundo lá fora A conversa também passava por temas

filosficos, pois 5erpa é um orte%uiano de carteirin+a, além de con+ecedor de filosofia

anti%a, em especial o Plat(o do .o#ista 7uriosamente, sempre ue sa3amos do escritrio do

advo%ado, ent(o na Pra4a Pio ., Meruior pedia para irmos até a i%rea da 7andelária

Postava#se a admirar o interior, fa&endo comentários estéticos, e nunca falava em reli%i(o

ou fé Mas penso ue, no 3ntimo, esses assuntos o acicatavam

Noi também Jor%e 5erpa uem pavimentou o camin+o de José *uil+erme Meruior até Ds

pá%inas de 6 Globo 7erto dia, depois de almo4armos na =E *lobo, na +ora da despedida,

>oberto Marin+o c+amou Meruior a um canto da sala Ei ue ele balan4ava a cabe4a

ne%ativamente, nauele eito ue s uem o con+eceu poderia entender ) ria @epois, no

carro, contou#nos o diálo%o ###"Meruior, voc6 tem al%uma coisa contra 6 GloboY" $

"-(o, @r >oberto, nada Por u6Y" $ "Porue nunca o vi escrevendo no Globo" 7ome4ava

ali, nauela tarde, a coluna , vida das idéias, ue estreou a : de de&embro de 1 e s

terminou pouco antes de sua morte, com um arti%o intitulado "O sentido de 10"

 A convite de 7ollor, Meruior estava em !ras3lia, a 20 de fevereiro de 10, para o almo4o

em torno do escritor peruano Mario Ear%as Blosa, ent(o candidato D presid6ncia do Peru,

mas tendo ainda ue enfrentar o se%undo turno das elei4es O almo4o, na casa do médico

)duardo 7ardoso, teve também a presen4a do empresário >oberto Marin+o @ois dias

antes Meruior me li%ara de Bondres, contando ue estava fa&endo as malas porue tin+a

recebido um telefonema de Marcos 7oimbra informando ue 7ollor o convocava a

participar desse encontro Os ornais lo%o come4aram a especular sobre suaspossibilidades ministeriais

 Eiaei para !ras3lia no dia se%uinte com @r >oberto e seu ami%o Zlvaro @ias de =oledo -o

+an%ar, nos esperavam Meruior e =onin+o @rummond, diretor da =E *lobo na capital

5u%eri a Meruior ue desse ao @r >oberto um uadro da situa4(o, e dei'amos os dois

conversando por uns 20 minutos @epois =onin+o entrou num carro com @r >oberto e

 Zlvaro, eu em outro, com Meruior, e rumamos para a I 1 do Ba%o 5ul, endere4o da

 bela mans(o do ami%o de 7ollor @espedi#me de Meruior e fui, com =onin+o e Zlvaro,

almo4ar na =E *loboPor volta das 1+K0, >oberto Marin+o c+e%ou do almo4o @escansou meia +ora no sofá da

sala de =onin+o, e lo%o aps se%uimos para o aeroporto -o avi(o, per%untei "O ue o

sen+or ac+ou do almo4oY Eiu c+ances em rela4(o D nomea4(o de Meruior para o

Ministério das >ela4es )'terioresY" ) o @r >oberto "-(o tive oportunidade de conversar

so&in+o com o 7ollor Aliás, ten+o pouca intimidade com ele, apesar de con+ec6#lo desde

peueno Mas o Meruior foi presti%iad3ssimo no almo4o A toda +ora o presidente

reportava#se a ele Pediu#l+e, inclusive, ue fi&esse o discurso de sauda4(o a Ear%as Blosa"

 F noite Meruior li%ou para comentar os fatos do dia @isse#me ue o presidente dera aele uma sala no Palácio para ue trabal+asse no discurso de posse ?depois modificado na

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se%unda parte por *elson Nonseca Meruior ficou em !ras3lia até a uinta#feira, e esteve

no 5enado, onde seu encontro com Nernando Henriue 7ardoso causou #risson entre

reprteres e fot%rafos 7ontou#me depois, de Paris, ue 7ollor o +avia sondado para o

Ministério da 7ultura, mas, diplomaticamente, fi&era ver ao presidente ue a nomea4(o l+e

traria uma redu4(o salarial drástica num momento em ue os fil+os JGlia e Pedro ainda se

encontravam em idade escolar -aturalmente teria aceitado o Ministério das >ela4es

)'teriores, o coroamento da carreira no ItamaratC, mas nunca lamentou, nem

demonstrou rancores de ualuer ordem n(o era do seu feitio >etomou os compromissos

profissionais em Paris; para 7ollor escreveu ainda um discurso, lido na >epGblica =c+eca

como sauda4(o a Eaclav Havel, e outro para ser dito em Portu%al

*****

Meruior era um contendor verbal rápido e certeiro, mas uerer redu&i#lo apenas a

polemista é um erro A propens(o ao debate de idéias, ue muitas ve&es levou#o a rebatercom dure&a os adversários, foi usada pela m3dia com fins facilitários Poucas ve&es se

procurou promover seriamente uma discuss(o profunda Os adversários usaram sua veia

pol6mica para desualificá#lo como fi%ura e'ponencial da direita se o ar%umento de

Meruior era forte $ e n(o +avia dGvidas de ue era um erudito imbat3vel $ ent(o a sa3da

era atacá#lo noutro flanco

Rm caso sintomático ocorreu uando c+amou a aten4(o para a presen4a de vários

pará%rafos de 7laude Befort em livro de Marilena 7+au3, sem as devidas aspas )m ve& de

desculpar#se $ afinal, Meruior nunca falara em plá%io, e sim em "desaten4(o", comodisse, em ul+o de l, na Folha de .& !aulo ">epito pela enésima ve& ue ao detectar a

presen4a de frases de Befort no te'to de Marilena amais me passou pela cabe4a ac+ar ue

ela o fa&ia com a inten4(o de esconder o leite" $ a filsofa paulista revidou batendo na

 vel+a tecla de direitaversus esuerda O fato é ue se armou uma tempestade em 5(o

Paulo, com direito até a abai'o#assinado e outras rea4es a&edas contra ele

=odos os ue n(o conse%uiam enfrentá#lo de forma minimamente ra&oável partiam para o

a%ravo )duardo Mascaren+as, por e'emplo, declarou ue Meruior praticava "terrorismo

 biblio%ráfico", isso porue seus livros tin+am muitas cita4es )m nen+um frumintelectual sério este tipo de ar%umento funcionaria )nt(o no au%e da fama $ por ter

declarado ue "amais broc+ara" $ Mascaren+as revelou, num pro%rama de televis(o em

ue Meruior era o entrevistado, ue se dera ao trabal+o de contar uantos nomes +avia

no 3ndice onomástico de ,s idéias e as #ormas Bo%o depois come4aram os debates entre os

dois no Jornal do /rasil  sobre a validade cient3fica e epistemol%ica da psicanálise O

 ornal n(o economi&ou espa4o Meruior declarara, no -anal Kivre, ue "a psicanálise era

uma doen4a do intelecto", e em "O avestru& terap6utico", arti%o publicado no J/, em K1 de

 aneiro de 12, completava 'escon#io que a pr%xima edi:9o do perspica+ =ratado %eral dos c+atos" de Guilherme

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 Figueiredo" trar um cap$tulo especialmente consagrado ao chato analisando" que"

decretando Utodo mundo neur%ticoU" n9o descansa enquanto n9o vence a Uresist;nciaU (ou torra

os pa$ses baixos) dos amigos e até conhecidos" no ign%bil a#9 de prostr<los no div9&

-o in3cio dos 0, o debate com os psicanalistas mobili&ou a imprensa Os arti%os de

Meruior no J/, onde colaborava, dividiram a opini(o dos intelectuais especialistas namatéria O psicanalista Mascaren+as respondia pela cate%oria -a época, di&ia#se ue seus

te'tos, antes de publicados, eram lidos por cole%as teoricamente mais preparados

7oincid6ncia ou n(o, o fato é ue lan4ou depois vários livros e amais recol+eu, em

nen+um deles, o material ue assinou durante a pol6mica )le encarnava a classe ferida, da

ual um dos %urus era Hélio Pelle%rino )ste veio a publicar um arti%o na Folha de .&

 !aulo?1K022 sob o t3tulo "7omi%o n(o, viol(oQ", onde procurava desacreditar Meruior

enfati&ando tratar#se de "funcionário de %overno anti#democrático" 7omo n(o apresentou

nen+uma refuta4(o terica relevante, levou Meruior a di&er "=rata#se de um pensadorsem idéias e um autor sem livros" -o arti%o#resposta, publicado no mesmo ornal no dia

l e intitulado ")scapismo e a%ress(o", Meruior contra#atacava

 ,s cr$ticas que venho dirigindo > psicanlise certamente possuem uma quota de stira"

irresistivelmente provocada pela pr%pria beatice que costumam exibir os c$rculos devotos de

 Freud& No entanto" desde o in$cio" isto é" desde junho de 4AD3" quando #oi lan:ado o livro O

fantasma rom9ntico" todos os textos em que procurei questionar a valide+ cient$#ica"

terap;utica e cultural da psicanlise expem vrios argumentos e vrias re#er;ncias a

 pesquisas emp$ricas" uns e outras inteiramente independentes" em si mesmos" do tom de stira

ou ironia presente nesses escritos&

Meruior n(o con+ecia Hélio pessoalmente -essa mesma época, fomos a uma %aleria de

arte em Ipanema, e, mal c+e%amos, noto pelo vidro o Hélio Pelle%rino -isso, al%uém vem

falar comi%o, e Meruior entra antes ue pudesse preveni#lo de ue Hélio estava lá Nico

acompan+ando de fora o ue se passa no interior, e da3 a pouco o veo em meio a um %rupo

onde se encontrava o psicanalista 7onversa lon%a, c+eia de risos )m se%uida ele vai para

outra roda uando consi%o me deslindar, parto a seu encontro, e me per%unta "uem éauele camarada simpáticoY" )ra Hélio Pelle%rino Meruior riu muito ao saber

Rma de suas maiores ualidades residia em saber apreciar o contendor inteli%ente As

discusses com Beandro Sonder $ de uem se tornara ami%o antes dos 20 anos, uando se

con+eceram nas sesses de cinema do MAM e lo%o passaram a trocar idéias em torno da

obra do mar'ista +Gn%aro *eor% BuLács $ e com 7arlos -elson 7outin+o, outro

compan+eiro pelo ual tin+a enorme afei4(o, contabili&ava#as entre seus pra&eres

intelectuais >espeitava cr3ticas a%udas, como a de >ubem !arbosa Nil+o

a 6 marxismo ocidental , em ul+o de l, na revista !resen:a ) seu primeirolivro, 1a+9o do poema, ainda +oe considerado um feito por t6#lo publicado aos 2 anos,

teve apresenta4(o de Beandro Sonder Mas, ao contrário de Beandro e 7arlos -elson,

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+ouve também os ue preferiram, para desviar a aten4(o, tac+á#lo, simplesmente, de

reacionário e intelectual or%9nico da ditadura

)ntre os muitos com uem polemi&ou estava o socilo%o Nrancisco de Oliveira, ue

Meruior considerava Ufilosoficamente incompetenteU, desafiando#o para um debate

pGblico O socilo%o recusou, mas se comprometeu a publicar ualuer ensaio ueo desafiante enviasse aos -adernos-ebrap, de ue era diretor Antes +avia dito ue s lera

um livro do seu adversário )m declara4(o D Folha de .& !auloMeruior atacava

")nuanto n(o acontece o debate eu ten+o duas tarefas para ele $ ler al%uns dos meus

livros e reali&ar com cate%orias mar'istas uma análise das reformas econ8micas

%orbatc+ovianas" Para Oliveira, o mar'ismo estava em plena vitalidade, enuanto para

Meruior eram vis3veis os sintomas de e'aust(o

Polemi&ou também com Mário Eieira de Mello, nos -adernos 1io,rte, sobre temas %re%os;

com 7arlos -elson 7outin+o sobre a democracia no interior do mar'ismo; com José Artur*ianotti; com o embai'ador Meira Pena sobre o pensamento de Jun%, e com muitos

outros Acusado por fi%uras como 7arlos Henriue )scobar de "empre%adin+o da ditadura

militar, servil servidor de um providencial cabide de empre%os para intelectuais

or%9nicos", rea%iu ualificando o adversário de "intelectual pi%meu e leviano"

>espondendo ao cr3tico literário Vilson Martins, ue comentara em dois arti%os,

publicados em un+o de l/ no J/"o livro 6 elixir do apocalipse ?1K, num te'to a ue

c+amou "O martinete", ironi&ou

 Minha #amigerada erudi:9o" j cansei de insinuar" mal passa de uma ilus9o de %tica& Na

maioria das ve+es em que é indigitada" ela parece re#letir apenas a ignorncia dos que a

acusam& .er minha culpa se" em nosso meio intelectual" volta e meia ainda se valori+a mais a

saca:9o do que a #undamenta:9o" o palpite do que o argumento" a alegre usurpa:9o de idéias

alheias do que o cuidado em identi#icar tradi:es de pesquisa e linhagens de pensamento 

=odas essas tomadas de posi4(o eram atitudes cr3ticas, n(o pessoais Ne& uest(o de

convidar Marilena 7+au3 a dar confer6ncia no Mé'ico $ e ela n(o aceitou 7erta ve&

referiu#se a 7aetano Eeloso como "um pseudo#intelectual de miolo mole" ) fundamentavaa opini(o "n(o compartil+o dessa vis(o pateta do !rasil de ue os %randes astros da

mGsica popular s(o intelectuais" 7onversando com 7aetano, +á tempos, dele ouvi ue,

depois desse episdio, certa noite em 5(o Paulo pediu a seu assistente para limitar a

aflu6ncia ao camarim aps o s+o[, porue um compromisso o obri%ava a sair t(o lo%o

finali&asse a apresenta4(o 5oube depois ue Meruior lá estivera, mas fora barrado pelo

assessor, ue n(o fa&ia a menor idéia de uem ele era 7aetano ac+ou %ra4a da

desinforma4(o de seu empre%ado, confessou ue %ostaria de ter recebido o ensa3sta, e

repetiu, divertido, a e'press(o "miolo mole", afirmando ue Meruior estava certo 7reio

ue a conversa entre os dois teria sido cordial3ssima

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=estemun+ei inGmeras rea4es +ostis a Meruior, em %eral de pessoas ue n(o o

con+eciam pessoalmente @arcC >ibeiro, por e'emplo, durante muito tempo s se referia a

ele com ironias ") o seu ami%o de direitaY", me per%untava Ou ainda "7omo vai o

prote%ido de >oberto 7amposY" -os seus cacoetes de +omem de esuerda, costumava falar

de supostas comisses recebidas pelo economista e diplomata e depositadas em nome de

pessoas 3ntimas dele, como Meruior -as reunies das man+(s de uinta#feira em seu

%abinete, c+amadas de "7ulturin+aUU $ uando acumulava os car%os de vice#%overnador e

secretário de 7ultura do )stado do >io de Janeiro, no %overno !ri&ola $ ve& por outra fa&ia

comentários maledicentes sobre Meruior e sua obra $ ue intu3a mas n(o tin+a lido

5urpreendi#me uando, um dia, @arcC me c+amou com ar aliciante, di&endo "Té Mario,

 voc6 tem falado com seu ami%o reacionárioY" 5abendo a uem se referia, respondi "Nalo

sempre" ) ele "Preciso de uma auda \ o se%uinte o !ri&ola uer eri%ir um monumento a

Tumbi dos Palmares Eamos ter ue abrir concurso, o ue é um desastre, porue pela lei

somos obri%ados a aceitar a escultura %an+adora, e ac+o a escultura ue se fa& +oe no!rasil uma merda A mais bela estatuária ne%ra ue á vi está no Museu !rit9nico, ue

possui uma ma%n3fica cole4(o de estátuas do !enim, na -i%éria 7omo nin%uém sabe a

cara ue tin+a Tumbi, min+a idéia é p8r no monumento desen+ado pelo Oscar ?-iemeCer

a cpia de uma dessas estátuas, mas para isso preciso de uma reprodu4(o em %esso de uma

delas Nale, por favor, com seu ami%o em meu nome, e di%a ue estou pedindo a auda

dele"

=elefonei imediatamente para Meruior, ue se prontificou a colaborar -em ima%inava a

confus(o burocrática em ue se metera -o Museu, ao e'plicar o ue deseava, l+e

informaram ue se tratava de patrim8nio nacional da -i%éria, e era necessário pedir

autori&a4(o Ansioso, a toda +ora @arcC per%untava pelo assunto Até ue Meruior

desembarca no !rasil tra&endo a deseada cpia, e me procura na vice#%overnadoria $

e'atamente numa uinta#feira, dia em ue osta##  cultural de @arcC se reunia numa sala ao

lado do seu %abinete ) c+e%a uando os membros desse consel+o come4am a sair e se

deparam com ele no corredor tra&endo uma cai'a debai'o do bra4o Muitos ficam

surpresos ao v6#lo, mas lo%o @arcC aparece e %rita "Meruior, ue pra&er v6#loQ" )

diri%indo#se aos outros "!em, pessoal, me despe4o de voc6s, porue ten+o muito o ueconversar com o Meruior e o Té Mario" )m se%uida nos arrasta para seu %abinete, e o

final da +istria está na Avenida Presidente Ear%as, no monumento a Tumbi dos Palmares

auela cabe4a é a cpia t(o deseada por @arcC e conse%uida por Meruior

 @epois disso, sempre ue ele vin+a ao !rasil almo4ávamos com @arcC, muitas ve&es em

seu apartamento, na esuina de !ol3var com Avenida Atl9ntica ) mudou a maneira do

antroplo%o se referir a Meruior @arcC passou a di&er ")sse camarada é realmente

muito inteli%ente" ) conversavam, conversavam muito uando da inau%ura4(o do

Memorial da América Batina, em mar4o de l, Meruior o audou nos contatos com osconvidados me'icanos ) veio a 5(o Paulo a convite de @arcC, o comandante do evento,

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ue +ospedou os convidados $ dele e do %overno de 5(o Paulo $ no MacLsoud Pla&a

@arcC também convidou Meruior a escrever na 1evista do /rasil , ent(o sob sua tutela A

camarada%em adensou#se ainda mais uando descobriu ue Meruior escrevera sobre

>ondon Ne& uest(o de incluir o arti%o no nGmero 1 da revista-arta, ue editava no

5enado, e redi%iu a nota "Eea aui o Meruior, ovem filsofo, avaliando >ondon, o maior

dos +umanistas brasileiros"

 Ainda em mar4o de acompan+ei Meruior numa visita a Antonio 7arlos Ma%al+(es,

internado no Incor, ue nos recebeu de piama curto, sereno, Ds vésperas de submeter#se a

delicada cirur%ia no cora4(o F noite fomos antar com 7elso Bafer e sua mul+er MarC, e o

encontro no Nasano revelou#se uma del3cia, nem tanto pela comida mas pelas saborosas

+istrias ue ouvi de ambas as partes

*****

 A biblioteca de Meruior construiu#se em fun4(o de suas ur%6ncias intelectuais -osprimeiros anos predominou o interesse por temas literários uando se mudou para Paris,

doou D Rn! cerca de mil livros, afora os ue dei'ou no >io, na casa de sua m(e, na rua 5á

Nerreira, e no escritrio do pai -uma passa%em pelo >io, abriu várias cai'as de livros

separou al%uns, me deu outros e doou o resto para a institui4(o onde o pai trabal+ava

Havia de tudo nessas cai'as, desde a obra inteira de !ucLminster Nuller, ue leu em

 virtude do ent(o entusiasmo de Marc3lio Moreira pelo autor, até uma

inusitada MéthaphOsique du strip<tease, de um tal @enCs 7+evalier, ue me ofertou, Ds

%ar%al+adas, di&endo tratar#se de "leitura fundamental"

7+e%ando a Paris, intensifica a compra de livros de sociolo%ia e antropolo%ia \ o per3odo

de seu curso com 7laude Bévi#5trauss, de uem se tornaria ami%o, como se pode

depreender das inGmeras cartas trocadas ?e da nota de pesar ue enviou a Hilda, lo%o aps

a morte do e'#aluno, confessando ue "admirava em Meruior um dos esp3ritos mais vivos

e mais bem informados de nosso tempo" Já em Bondres, acentua#se na biblioteca a

presen4a de t3tulos de cun+o liberal, obras de Veber e >ousseau, ue foram usadas para a

reda4(o da tese de doutorado na Bondon 5c+ool of )conomics

Meruior contribuiu para a divul%a4(o pioneira no !rasil da )scola de NranLfurt 5eu ,rte

e sociedade em Marcuse" ,dorno e /enjamin, publicado pela =empo !rasileiro de

)duardo Portella $ e ao ual viria depois a se referir como livro e'cessivamente

+eide%%eriano $ é ainda +oe uma refer6ncia central ao tema @os pensadores tratados

neste volume, permaneceu o entusiasmo pelo +eterodo'o Valter !enamin -a revista de

Portella publicou muitos ensaios, além da entrevista ue, unto com 5ér%io Paulo

>ouanet, fe& com o pensador franc6s Mic+el Noucault, cua obra e'aminaria criticamente

depois, em livro publicado ori%inalmente na In%laterra e lo%o tradu&ido para várias l3n%uas

?inclusive o turco Há nos ensaios de 6 #antasma romntico um certo enfrentamentocr3tico Ds posi4es defendidas por Octavio Pa& )les ir(o, no entanto, estreitar rela4es no

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Mé'ico, em fun4(o do ideário liberal ue Meruior mais e mais defendia

José *uil+erme Meruior dividiu sua obra em duas cate%orias 1 cr3tica; 2 estética,

cultura, pol3tica -o primeiro %rupo se encontram 1a+9o do poema $ *nsaios de cr$tica e

estética?1:; , ast@cia da m$mese $ *nsaios sobre l$rica ?12; Formalismo e tradi:9o

moderna 6 problema da arte na crise da cultura ?1/; 6 estruturalismo dos pobres eoutras questes ?1; ?erso" universo em @rummond ?1; 'e ,nchieta a *uclides

breve hist%ria da literatura brasileira 0 ?1; 6 #antasma romntico e outros

ensaios ?10; ,s idéias e as #ormas ?11; 6 elixir do apocalipse ?1K; 'e !raga a

 !aris ?1: -o se%undo %rupo ,rte e sociedade em Marcuse" ,dorno e /enjamin

 *nsaio cr$tico sobre a escola neo<hegeliana de Frank#urt ?1:; .audades do carnaval

 0ntrodu:9o > crise da cultura ?12; , estética de Kévi<.trauss ?1; 6 véu e a

mscara ensaios de cultura e ideologia ?1; 1ousseau e eber dois estudos de teoria

da legitimidade ?10; , nature+a do processo ?1/; 6 argumento

liberal ?1; Michel Foucault ou 6 niilismo de ctedra ?1; 6 marxismo

ocidental  ?1; Kiberalismo antigo e moderno ?10 Isso para n(o falar dos te'tos

inéditos no !rasil, ue ser(o reunidos sob o t3tulo 6 outro 6cidente; os arti%os em 6

Globo, a serem publicados com o nome da coluna, , vida das idéias; e os dispersos em

revistas e ornais e ue n(o incluiu em livro

Há ainda a or%ani&ar as pol6micas, as entrevistas e a correspond6ncia, rica e variada, ue,

muitas ve&es, ele 'erocava antes de enviar -este caso est(o as cartas ue mandou a

*ilberto NreCre, a primeira delas escrita em !onn, entre 2 de ul+o e K de a%osto de 12,da ual destaco dois trec+os

 !re+ado mestre Gilberto FreOre"

Tive a honra e o pra+er de conhec;<lo pessoalmente em !aris" h uns S ou C anos" na

embaixada do /rasil (&&&)& N9o creio que o senhor se lembre do que me disse ent9o sobre o seu

 projeto de livro dedicado aos cemitérios pernambucanos(projeto que me deixou curios$ssimo"

ansioso pela possibilidade de comparar sua prosa necropolitana com os poemas tumulares de

 'rummond" Jo9o -abral e Murilo Mendes" meus poetas de cabeceira entre os nossos

modernos)&

 Fa:o" desde B3" uma cr$tica literria que procura enriquecer<se no contato com a #iloso#ia e as

ci;ncias humanas& (&&&) perten:o a uma gera:9o impregnada de hostilidade em rela:9o a

Gilberto FreOre& *mbora desconcertado por" ou contrrio a" mais de um ju$+o seu" n9o

compartilho esse sentimento" a meu ver preconceituoso& .ou relativamente imune seja >s

restri:es Ucient$#icasU a seu método sociol%gico" em geral #eitas por gente surda ao verdadeiro

exame de consci;ncia que a sociologia se vem saudavelmente entregando (basta ver" no

mundo alem9o" a cr$tica ao pseudo<objetivismo sociol%gico" desde um FreOer até" hoje" um

 Eabermas)" seja nos sarcasmos dos que se enraivecem ante a UimpossibilidadeU de ajustar as

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anlises s%cio<culturais de obras como 7asa#%rande W sen&ala ao #iguro UprogressistaU&

-essa lon%a carta, in3cio de uma firme ami&ade, Meruior aproveita para cobrar recente

declara4(o do socilo%o pernambucano

(&&&) discrepo da sua porretada em Kévi<.trauss& 6 senhor sabe muit$ssimo bem que n9o setrata de nenhum Umediocr9oU& -onhe:o bem a obra dele" #ui seu aluno no -ollXge de France

durante quatro anos& =ristes tropiues é um texto saboros$ssimo" de rique+a montaigniana"

mas n9o é" como o senhor n9o ignora" uma coisa central na obra cient$#ica de K&.& 6 que a$ se

di+ sobre um certo /rasil (especialmente paulista) n9o é" a#inal" t9o injusto quanto o senhor

sugere& Ninguém melhor do que o senhor tem condi:es" entre n%s" para aquilatar a rique+a de

 perspectivas de livros como Ant+ropolo%ie structurale e Bapensée sauva%e livros" sobretudo o

@ltimo" plenos de reas de converg;ncia com a anal$tica anti<idealista (anti<idealista sem

meta#$sica =materialista=" é claro anti<idealista no sentido em que toda aut;ntica sociologia

do conhecimento o é) e anti<etnocentrista de Gilberto FreOre& * K&.& n9o =desemburrou= no

 /rasil desemburrou nos *stados Pnidos" em contato com Jacobson" etc& ,lis" mesmo que

ele tivesse sido realmente injusto com o /rasil" e da$ n9o dever$amos n%s e Gilberto

 FreOre a fortiori $ aplicar nossa indulgente tolerncia brasileira ao caso Tolerncia que se

desdobraria em objetividade de ju$+o" permitindo o reconhecimento do valor da obra de

intelectuais menos amigos do /rasil&

Rma antolo%ia de te'tos de Meruior deveria incluir as pá%inas sobre Mac+ado de Assis

contidas em 'e ,nchieta a *uclides; o ensaio sobre *ilberto NreCre em ,s idéias e as #ormas; "A interpreta4(o estil3stica da pintura clássica" em Formalismo e tradi:9o

moderna; os cap3tulos finais de .audades do -arnaval ; "Malrau' contra *ide", em 6

estruturalismo dos pobres e outras questes; "O modernismo e tr6s de seus poetas", em 6

elixir do apocalipse; "*uerra ao homooeconomicus" e "Bin+as do ensa3smo de

interpreta4(o nacional na América Batina", em 6 argumento liberal ; a se4(o

"Psicanaliteratura", em 6 #antasma romntico; "O vampiro ventr3louo", "-a casa %rande

dos oitenta" e "A volta do poema", em ,s idéias e as #ormas, isso para n(o falar de seus

inGmeros ensaios publicados em revista estran%eiras, como "O lo%oc3dio ocidental", "Eico,JoCce e a ideolo%ia do alto Modernismo", ")m defesa de !obbio", e outros muitos inéditos

no !rasil

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)m 10, Meruior voltou a residir em !ras3lia, depois de uma temporada em Montevidéu

um pouco tormentosa $ até porue sua biblioteca tardou meses a ali c+e%ar $ mas ue

também l+e deu o clima prop3cio para aprofundar o con+ecimento da +istria pol3tica e

ideol%ica latino#americana, ao escrever o Gltimo livro, Kiberalismo ,ntigo e moderno,

principalmente na parte em ue trata de 5armiento e Alberti

-a capital brasileira trabal+ou ent(o com Nrancisco >e&eL na assessoria de Beit(o de

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 Abreu e voltou a dar aulas na Rn!, onde praticou uma consultoria informal, audando com

seus contatos a tra&er ao !rasil %randes nomes do pensamento internacional no momento

de maior efervesc6ncia da editora dessa universidade, ent(o sob a dire4(o do também

diplomata 7arlos Henriue 7ardim

Bo%o come4aram a falar ue era "o intelectual da ditadura", responsável pela reda4(o dediscursos 7urioso ue nunca ten+am imputado a mesma acusa4(o ao mineiro >e&eL, ue

com ele trabal+ava -essa época, Meruior me contou ue, numa reuni(o no palácio com

 vistas a impedir a constru4(o do Memorial JS, desen+ado por -iemeCer, fi&era apenas um

comentário aos adversários do proeto "Acaba de sair em Bondres uma obra

importante, Makers o# Modern -ulture, onde s foram inclu3dos dois brasileiros, 7arlos

@rummond de Andrade e Oscar -iemeCer Pe4o considerarem o fato" O memorial acabou

sendo er%uido -(o necessariamente por artes de sua retrica, mas o episdio di& bem da

liberdade de opini(o e senso do relevante ue impre%navam os aspectos mais corriueiros

de sua vida

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 E6#lo trabal+ando era interessant3ssimo fa&ia de in3cio, na sua letra miGda inconfund3vel,

um peueno roteiro, ue com os anos foi ficando cada ve& mais redu&ido e taui%ráfico

-(o usava fic+as ou computador, mas, uando se pun+a a escrever, o te'to ia saindo

pronto, limpo, sin8nimo de uma or%ani&a4(o mental impressionante Os ori%inais de 6

liberalismo ,ntigo e moderno, por e'emplo, ue me mostrou no Mé'ico, pareciam

psico%rafados )scritos em in%l6s, D m(o, como tudo o ue produ&iu, n(o tin+am rasuras, vacila4es ou emendas

)studioso de tempo inte%ral, Meruior sempre ironi&ou a sua "t(o propalada erudi4(o" A

certe&a de ue o con+ecimento é infinito o fe&, obsessivamente, tomar contato com tudo o

ue considerava relevante em várias l3n%uas, através de inGmeros ornais e revistas

especiali&adas, ue devorava com apetite )ntrar com ele numa livraria ?e fi& isso de&enas

de ve&es no !rasil e no e'terior era uma e'peri6ncia intelectual indescrit3vel 7on+ecia

tudo Até o dia de sua morte permaneceu lGcido, com a vivacidade e o +umor ue fi&eram

dele n(o s o ami%o ideal, mas o ensa3sta ele%ante, o ine'ced3vel cr3tico de poesia, e opolemista implacável, sempre disposto, porém, a aplaudir o adversário inteli%ente Até o

fim acalentou proetos, entre os uais o de um lon%o ensaio sobre o modernismo

5obre a Gltima confer6ncia, em Paris, o embai'ador >ubens >icupero $ a uem Meruior

dedicou, unto com 7elso Bafer, o ensaio ")m defesa de Eico contra seus admiradores" $

anotou em seu diário

 !erto do #im" mobili+ou as #or:as restantes para o que seria sua @ltima palavra a palestra de

abertura do ciclo U6 /rasil no Kimiar do .éculo 24U" organi+ado por 0gnacO .achs& Foi em 4Y de

de+embro de 4AA3& Tomei o trem para ir escut<lo em !aris e voltei a Genebra na mesma

noite& Minha impress9o #icou registrada nesse escrito da época U&& &tive quase um choque #$sico

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ao rev;<lo& *stava devastado pela doen:a sua cor" seu olhar" seus tra:os #aciais" sua extrema

 #ragilidade e magre+a pareciam de alguém que tivesse retornado da casa dos mortos& No

entanto" quando come:ou a #alar" sem texto escrito" sem notas" num #ranc;s l$mpido como

gua da #onte" o audit%rio se desligou do drama a que assistia& 'urante quase uma hora"

acompanhamos como a hist%ria do /rasil se renovava sob os nossos olhos por meio da

sucess9o e do entrechoque dos diversos projetos que os brasileiros sonharam para o pa$s desde

a independ;ncia& Terminada a palestra" #oi a ve+ de Eélio Jaguaribe #alar& *xausto com o

es#or:o descomunal" José Guilherme cru+ou os bra:os sobre a mesa e neles repousou a cabe:a"

no gesto de um menino debru:ado sobre a carteira da sala de aulaU&

Meruior lutou contra o irracionalismo na cultura, os ataues D ra&(o +istrica, os

formalismos na arte, sempre procurando inserir o !rasil em suas refle'es Os ensaios ue

produ&iu nos Gltimos anos dei'am claro a preocupa4(o ue o moveu no sentido de

entender as peculiaridades da pol3tica e da crise institucional brasileira Acompan+ava cominteresse o ue estavam produ&indo intelectuais como VanderleC *uil+erme dos 5antos,

Hélio Ja%uaribe, Nábio VanderleC >eis e José Murilo de 7arval+o Noi um solidário

compan+eiro intelectual, procurando audar como podia Ds ve&es a editar um livro, como

fe& com o primeiro de )valdo 7abral de Mello; outras, empen+ando#se com seu

caracter3stico entusiasmo em fa&er c+e%ar D Academia fi%uras nobres como )varisto de

Moraes Nil+o, a uem dedicou o Gltimo ensaio; revendo e su%erindo acréscimos a Afonso

 Arinos $ ue o c+amava de "meu fil+o" e o beiava no rosto $ uando o memorialista

finali&ava o livro ,mor a 1oma Ei#o também procurando audar )duardo Portella a seinstalar em Paris, para onde se%uira como diretor da Rnesco; mostrando#se atencioso com

Jo+n *ledson uando este come4ou a se interessar por Mac+ado de Assis; e empen+ando#

se, unto a cole%as acad6micos, para tra&er Pedro -ava aos uadros da A!B em 1K )

paro aui porue %estos dessa nature&a eram a t8nica de sua personalidade

O pensamento maduro de Meruior forou#se principalmente no conv3vio de intelectuais

como >aCmond Aron, seu mestre e ami%o, fi%ura cativante, de %estos sbrios, fala mansa e

ol+ar inetado de ironia, com uem passamos, no come4o da década de 0, um dia

inesuec3vel no >io; )rnst *ellner, o antroplo%o e terico do nacionalismo, cua refuta4(oepistemol%ica da psicanálise tanto fasc3nio e'erceu sobre ele; PerrC Anderson, o terico

do )stado absolutista e editor da NeW Ke#t" com uem %ostava de debater as uestes

tericas do mar'ismo; o sa%a& cr3tico literário HarrC Bevin; o erudito +istoriador Arnaldo

Momi%liano, ue o iluminou no enfrentamento cr3tico D obra de Noucault; Bes&eL

SolaLovsLi, autor de uma +istria intelectual do mar'ismo ue lia e recomendava; Bucio

7oletti, a%udo analista das contradi4es da dialética; e -orberto !obbio, por suas refle'es

sobre a democracia e o liberalismo

 Al%uns o supun+am um pedante, fi%ura sem +umor, incapa& de se ale%rar com astrivialidades da vida mundana -ada disso *ostava de comer bem, de viaar, de ouvir boa

mGsica, de admirar bons uadros, n(o passava sem o perfume Armani, e, embora n(o

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li%asse para bebida, fa&ia uest(o de tomar caipirin+a sempre ue vin+a ao !rasil )mbora

n(o pudesse ficar muito tempo ao sol devido D pele branca, certa ve&, distra3do, mer%ul+ou

de culos e acabou por perd6#los no mar de 7opacabana

=in+a fascina4(o por detal+es numa adapta4(o cinemato%ráfica da obra de Proust,

c+amou min+a aten4(o para as costas da bel3ssima Ornella Muti *ostava de contar e ouvirpiadas de toda nature&a, inclusive erticas, e divertia#se em compor dedicatrias usando

nomes famosos -uma bio%rafia de Alma Ma+ler escreveu "Ao ovem e distinto brasileiro,

@r José Mario Pereira Nil+o, pedindo#l+e indul%6ncia para com todas as corn3feras fi%uras

ue povoaram a vida de Alma, com a perene admira4(o e as cordiais sauda4es do José

Pereira da *ra4a Aran+a, Ai'#les#!ains, aneiro de 1"

)ra capa& de comprar um livro mesmo ue apenas um trec+o o interessasse, e tin+a

memria prodi%iosa Rma ve&, de férias no >io, me li%ou per%untando se possu3a uma obra

de Pierre Manent sobre o liberalismo, porue precisava confirmar uma cita4(o Apan+ei olivro na estante e Meruior disse "Eea no cap3tulo tal @i& mais ou menos assimY" ) o

ouvi citar, sem tirar nem p8r, um pará%rafo inteiro Admirava os aforismos de Bic+tenber%,

a obra de Musil, 7anetti e !or%es $ com uem passou uma tarde em !uenos Aires, em

10, e de uem %an+ou um livro de H A Volfson sobre 5pino&a ue +á anos perse%uia

-(o perdia encena4es do diretor italiano *ior%io 5tre+ler, e se tornou ami%o de *láuber

>oc+a, a uem considerava, "com a lucide& da sua loucura, o mel+or sism%rafo da

turma de :0" -os Gltimos tempos uase n(o lia romance, mas leu e %ostou de ?iva o

 povo brasileiroZ, de Jo(o Rbaldo >ibeiro)ncerro este depoimento sobre José *uil+erme Meruior $ o intelectual, o esteta, o

pensador, o cr3tico, o polemista e'traordinários, mas também o fraternal ami%o $

narrando mais uma cena reveladora de sua personalidade sin%ular )m !oston, com

Hilda, para nova consulta sobre a saGde, aproveitou para marcar uma visita D editora

=[aCne, ue finali&ava a edi4(o de Kiberalism 6ld and NeW& -o encontro com o

médico, ouviu com resi%na4(o o dia%nstico de ue tin+a pouco tempo de vida Hilda,

sempre cuidadosa, su%eriu ue fossem para o +otel, mas ele n(o uis dali mesmo,

apoiando#se na compan+eira de toda a vida, rumou para a editora, onde o a%uardavam7omportou#se lá como se nada de errado estivesse acontecendo 7om a cordialidade

+abitual, verificou os detal+es sobre a publica4(o, fe& su%estes uanto D capa do livro ue

tanta ale%ria l+e dera escrever $ e, sabia a%ora, amais veria impresso $ e despediu#se

sem dei'ar a menor suspeita de ue em breve partiria para uma outra esfera do tempo

 

>io de Janeiro, 11#20 de fevereiro de 2001

 

Page 24: o Fenômeno José Guilherme Merquior

8/18/2019 o Fenômeno José Guilherme Merquior

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