Upload
phungmien
View
221
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SULFACULDADE DE DIREITO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS CRIMINAIS
Gladson RoGéRio de oliveiRa MiRanda
o inQUéRiTo PoliCial nasoCiedade CoMPleXa
Brasília2007
Gladson RoGéRio de oliveiRa MiRanda
o inQUéRiTo PoliCial nasoCiedade CoMPleXa
Brasília2007
Dissertação de Mestrado para obtenção do título de Mestre em Ciências Criminais – Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Aury Lopes Jr.
Dedico este trabalho à Roberta, mulher da minha vida.
aGRadeCiMenTos
Dificilmentepoderiaagradecerdemodoadequadoatodosaquelesquemeajudaramnestetrabalho,massouespecialmentegrato: AoProf.Dr.AuryLopesJr.,pelainspiração,ensinamen-tos e pela paciente e incentivadora orientação. Àminhafamília,àqualtenhoasortedepertencer.
“Aquele que duvida e não investiga torna-se não só infeliz mas também injusto”.
Pascal
ResUMo
Aproblemáticaaserdesenvolvidaobjetivademonstrara legitimidadedas formasdeinvestigaçãocriminalclássicasqueseembasamnosubjetivismodosoperadoresestatais. Apesquisa,aofazerumhistóricodainvestigaçãocriminalimplementadapeloEstado,demons-tra as formasemqueaquela sematerializaem facedascaracterísticas sociais, econômicas,religiosasepolíticasdasociedade.Iniciou-secomumaanálisedediversosaspectossociais,taiscomoaonipresençaderiscoseausênciadecertezas,alémdaabreviaçãodosconceitosdeespaçoetempo,emfacedosavançostecnológicos.Inseriu-se,assim,ainvestigaçãopreliminarnadinâmicadoriscoedaaceleração,marcasindeléveisdasociedadecontemporânea.Enfatizaaindaotrabalhoasprincipaiscaracterísticaseaproblemáticaqueenvolveosvaloresprecáriosadotadospelasociedadeeseusreflexosnegativosnotratamentodosmarginalizadossubmeti-dosaoprocedimentodeinvestigaçãocriminalpolicial.Destacou-sequeainvestigaçãotécnicapodeseconsubstanciaremumimportanteelementoparapotencializaroexercíciodosdireitosfundamentais, por ter o condãode substituir osmétodos tradicionaisde investigação, cujosalicercessempreforamaexcessivasubjetividadeeoestigma,dando-se,assim,umpoucoderacionalidadeàatividadeestatal,potencializando-seospostuladosdeumainstrumentalidadeconstitucional.Trata-sedebuscar,na investigação técnica,medidasde reduçãodedanosdasentençainjustanoprocessopenal.Osinfluxosdacomplexidadenasformasdeinvestigaçãocriminaldemonstramaimportânciaquesedevedaràprovatécnicaparaangariarelementosfáticosdereconstruçãodeumaatividadedelitiva.Apesquisainsere-seperfeitamentenaáreadeconcentraçãodoprograma(violência)namedidaemqueéainvestigaçãopreliminaroprimeiroinstrumentodequelançamãooEstadoparaapuraçãodeumcrime(atoviolento).Adereàlinhadepesquisa,poisbuscanaprovatécnicaenaConstituiçãoinstrumentosdelimitaçãodopoderpunitivo,evitandoosubstancialismoinquisitório.
Palavras-chave: processo penal – sociedade complexa – investigação criminal.
absTRaCT
Theproblematicthebedevelopedobjectdemonstratetheeligibilityfromtheformsofinvestigationcriminalclassicalthatifbasementintothesubjectivityfromtheoperatorsestatais.Thisresearch,aftermakingahistoricalofthecriminalinvestigationimplementedbytheState,demonstratestheformsinwhichthatinvestigationmaterializesbeforesocial,economic,reli-gious,andpoliticalcharacteristicsinsociety.Webeganbyanalyzingthevarioussocialaspects,suchasthepresenceofrisksandlackofcertainty,aswellastheabbreviationofconceptsofspaceandtime,becauseoftechnologicaldevelopments.Wehaveinserted,thus,apreliminaryinvestigationoftheriskandaccelerationdynamics,indeliblemarksofthecontemporaryso-ciety.Thisworkalsoemphasizesthemaincharacteristicsandtheproblematicwhichinvolvesprecariousvaluesadoptedbysociety,anditsnegativereflectionsonthedealingwiththecri-minalsundergoingpoliceinvestigation.Wehavealsopointedoutthattechnicalinvestigationmightcometrueasanimportantelementtopotentializetheexercisingoffundamentalrights,forhavingthevirtuesofsubstitutingtraditionalmethodsofinvestigation,whosecornerstoneshavealwaysbeenexcessivesubjectivityandstigma,providingthus,alittlerationalitytotheStateactivity,overemphasizingthepostulatesofconstitutionalinstruments.Wesought,throu-ghtechnicalinvestigation,measurestoreducetheunjustharminthepenalprocess.Theinputofcomplexityofthevariousformsofcriminalinvestigationdemonstratetheimportanceweshouldgivetothetechnicalevidencetoobtainfactualelementsofconstructionofavalidfelo-niousactivity.Thisresearchisperfectlyinsertedinthefieldoftheprogram(violence),whileitisthepreliminaryinvestigationthefirstinstrumentthestateusestosolveacrime(violentact).ItisalsoinsertedinthelineofresearchforitsearchesinthetechnicalevidenceandintheConstitutioninstrumentstolimitthepunishmentpower,avoidingthesubjectiveinquiry.
Keywords: penal process – complex society – criminal investigation.
sUMáRio
INTRODUÇÃO ............................................................................................. 10
1. SOCIEDADECOMPLEXA:TEMPO,ESPAÇOERISCO ......................................... 13 1.1Onipresençaderiscoseincertezas ........................................................................... 13 1.2 A fragmentação das identidades modernas .............................................................. 19 1.3 A concepção do espaço-tempo ................................................................................. 21 1.4 A tecnologia na abreviação do espaço-tempo .......................................................... 24 1.5 A tentativa de contenção dos riscos .......................................................................... 26
2. ESBOÇO HISTÓRICO DA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR .................................... 30 2.1 Antecedentesdoinquérito ....................................................................................... 30 2.1.1 Investigação no período grego ....................................................................... 31 2.1.2 Investigação na Roma antiga ......................................................................... 32 2.1.3 Investigação no medievo ................................................................................ 37 2.1.3.1InvestigaçãodaaltaIdadeMédia ..................................................... 37 2.1.3.2InvestigaçãodabaixaIdadeMédia:origensdainquisição ............... 39 2.1.3.3Astécnicasparaadestruiçãodaheresia ............................................ 42 2.1.3.4Amanutençãodosistemainvestigativoinquisitorialpelos Monarcas ........................................................................................... 45 2.1.4InvestigaçãopenalnoBrasilColônia ............................................................ 48 2.1.5InvestigaçãopenalnaépocaModerna:sobreascaracterísticasda modernidade .................................................................................................. 50 2.1.5.1 Sistema processual penal acusatório e a investigação preliminar ..... 56 2.1.6Reflexosdopensamentoeuropeumodernonainvestigaçãocriminal preliminar no Brasil ....................................................................................... 63 2.1.7InvestigaçãonoséculoXX.Influxosproporcionadospelascaracterísticas das sociedades pós-modernas ........................................................................ 70
2.1.7.1AinvestigaçãocriminalnaAlemanhaeItálianoperíodoentre-guerras.72 2.1.7.2MétodosdeinvestigaçãoCriminalutilizadosapartirdaGuerraFria.. 75 2.1.7.3AherançadainvestigaçãocriminalutilizadapelaDitadurano Brasil/Aatividadepolicialbrasileiraeosdireitoshumanos .......... 78
3. INQUÉRITO POLICIAL NA SOCIEDADE COMPLEXA: A NECESSIDADE DE INSERIR TECNOLOGIA .............................................................................................. 82 3.1PolíciaJudiciáriaeoInquéritoPolicial .................................................................. 82 3.2 A inserção da tecnologia na investigação ................................................................. 95 3.3Investigaçãocibernética ........................................................................................... 96 3.4Investigaçãoeletrônica ............................................................................................. 101 3.5 Investigação nos crimes ambientais ......................................................................... 104 3.6 A investigação em fraudes e desvios ........................................................................ 110 3.7 Investigações laboratoriais ....................................................................................... 115 3.7.1ExamesdeDNA ............................................................................................. 115 3.7.2Investigaçãoquímicaemrelaçãoaosentorpecentesesubstânciasproscritas 116 3.7.3 Investigação em relação aos entorpecentes e substâncias proscritas ............. 118 3.7.4Examededisparodearmadefogo ................................................................ 121
CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 123
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA .................................................................................... 127
inTRodUÇÃo
Ainvestigaçãocriminalsempreacompanhouahistóriadahumanidade.Desdeospri-mórdios,almeja-sereconstruiradinâmicadefatostidosporcriminosos.Trata-sedepesquisadaverdadejurídica,comoescopodesesaberquando,dequemodoequemfizeraalgoqueacarretassedeterminadasconseqüênciasjurídicas.
ComodestacaFoucault,referidoanseionabuscadaverdadereceberaonomedein-quérito1eforautilizadonãoapenascomoformadeaplicaçãodoDireito,mas,também,pelasmaisdiversasáreascientíficas,aexemplodoquesedácomgeógrafos,economistas,botânicos,sociólogos,psicólogos,criminólogosouzoólogos,oqueconfereumstatus interdisciplinaràstécnicasdereconstituiçãodefatos.
Osaspectosdaevoluçãoouinvoluçãodainteligênciahumanaduranteosséculosre-fletiramnasformaspelasquaissebuscouareconstituiçãofáticadealgumevento,semprecombasenascaracterísticasdospovosocidentais,considerando-seasrealidadessociais,econômi-cas e políticas das sociedades ao longo do tempo.
Deinício,areconstituiçãoseconstituíaderituaisquebuscavamadescobertadaver-dade,oquesempreguardourelaçãocomasformasdeconvivênciasocial,comosacerdócioeprestígiosocialemdetrimentodaadoçãodeprocedimentossistematizadosprévios.
ComosurgimentoeincrementodoEstado,olitígioentredoisindivíduospassouaserregulamentadoporsistemaspré-estabelecidosdeprovas.DuranteaInquisição,instalou-setodoumarcabouçoformalregulandooprocessodeinvestigação,torturaeexecução,práticasqueultrapassaramasbarreirasdaIdadeMédia,podendoserverificadasinclusiveemgrandepartedas delegacias no presente.
Naépocamoderna,emfacedarevoluçãocientífica,ohomemenãoDeus,passouaserocentrodomundo,quebrando-sedogmasebuscando-seumaverdadeobjetiva.Aintensaproduçãocientíficadeentãorefleteatéosdiasatuaissobreastécnicasdeinvestigação.
1 Daanálisedasponderaçõesdoreferidoautor,tem-sequesuasreferênciasainquéritodizemrespeitoàinvestigaçãocriminaljudicialenãoaoquetemoshojenoBrasilcomoconceitodeinquérito,qualseja,ainvestigaçãopréviaaoprocessopenal,decorrentedaatividadedepolíciajudiciáriaadministrativa.
Galileuintroduziuoconhecimentomoderno,sendosuacontribuiçãoparaastécnicasdeinvestigaçãoatuaisincontestável.Comele,vislumbrou-sequeaexperiênciaserviriaparaaanálisedosdiversosfenômenos,sendoaciênciavistanãocomoevoluçãoe,sim,comorevolu-ção.Omundopassouaserinfinitoeabertocomarupturaentrerazãoefé,emcontraposiçãoaouniversomedievalqueerafinito,esféricoehierarquizado.Tambémhouverupturaemrelaçãoaosconceitosdeespaçoheterogêneocomocéueinferno,criando,assim,aorigemdoespaçodemocrático,tãopresentenosdiasatuaisemfacedaconectividadeglobal2.
Inovaram-se,assim,asideologiasbasilaresdoDireitoPenalmoderno,conformeres-saltaSalodeCarvalho:
...aleipenal–geral,anterior,taxativaeabstrata(legalidade)–advémdecon-trato social (jusnaturalismo antropológico),livreeconscientementeaderidoporpessoacapaz(culpabilidade/livre arbítrio),quesesubmeteàpenalidade(retributiva)emdecorrênciadaviolaçãodopactoporatividadeexternamenteperceptível e danosa (direito penal do fato),reconstituídaecomprovadaemprocessocontraditórioepúblico,orientadopelapresunçãodeinocência,comatividadeimparcialdemagistradoquevaloralivrementeaprova(sistema pro-cessual acusatório)3.
Combaseemtaispremissas,osdiversospaísescriaramseussistemasdeinvestigaçãocriminalquevariaramsegundoasconjunturaspontuais.
DuranteoséculoXX,ainvestigaçãosofreraosinfluxosproporcionadospelascarac-terísticasdassociedadespós-modernas.Ascaracterísticasdageneralidadedasregraspenais,sempreabstrata,universaleliberalapregoadapelamodernidade,quevalorizoudeformaextre-maoindivíduo,apropriedade,onacionalismo,aigualdadeeoprogressosemostraramfalíveisemfacedosacontecimentosdoséculoXX.
Atecnologiaevidenciouasdiferençasculturaisehistóricasdassociedadesedosindiví-duos.Aliadoaisso,emfacedevivermos,comodestacouUlrichBeck,emumaépocademoderni-dadedamodernidade,tem-seumaonipresençaderiscoseincertezasquerefletemnaformacomose percebe e se implementa a nova criminalidade e respectiva investigação criminal.
Osconceitosde tempoeespaço sofreramdrásticasmudanças.A idéiadepresente,passadoefuturocaiporterra.Segundoateoriadarelatividade,eventosqueestariamnofuturoparadeterminadoobservador,estãonopassadoparaoutro,enopresenteparaumterceiro.
Osmeiosdeinteraçãoemmassa,notadamenteatelevisão,otelefonecelular,areali-dade virtual e a internet têm efeitos intensos na redução da noção de espaço e de tempo. Surge umanovaformadecriminalidade.Eparaapurá-la,novasformasdeinvestigaçãoqueseinse-remnoparadoxodaprópriatecnologia.
2 GAUER,RuthMariaChittó.a construção do estado-nação no brasil. A contribuição dos egressos de Coimbra. Curitiba: Juruá,2001,p.103/106.
3 CARVALHO,Salode.Pena e garantias.2.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2003,p.43.
Comefeito,asnovas formasde investigação,aosubstituíremasvelhas técnicasdeinvestigação,quetinhamfortesupedâneonaconfissãoenaprovatestemunhal,utilizam-sedainformaçãoedatecnologiaparareconstituirosfatos,oquepodeensejar,poroutrolado,infini-taspossibilidadesdevigilânciaecontroleexacerbadosdoscidadãos.
Buscaapresentepesquisa,portanto,efetivarumcotejoanalíticoentreasdiversasfor-masdeinvestigaçãoqueseverificaramaolongodotempo,alémdeidentificarasprincipaiscaracterísticasdasociedadecomplexaeseusreflexosnasnovasformasdecriminalidadeeasua investigação.
Parapodermosrefletirsobreaproblemáticadainvestigaçãocriminalatual,ressalta-mososensinamentosdeRuthM.ChittóGauer,paraquemsedeve“analisaraquestãoparaalémdacriminalidade,poisestaquestãorepresentaapenasumdiagnósticodasidiossincrasiassociaise das desestruturações vividas no momento atual”4.Arremataque“todaequalquerformadecrimepodeserconsideradaumfenômenocomplexo,e,portanto,impossíveldeserexplicadosoboolhardeumasóciência”5.
Dessaforma,buscou-se,pormeiodeestudointerdisciplinar,comabordagemhistóricaeinteraçãodasdiversasformasdesaberes,emparaleloaosdelineamentosdeumasociedadecomplexa,evidenciarasnovasformasdeinvestigaçãocriminal.
Namedidaemqueseincorporamaoestudodainvestigaçãocriminalaspectosalheiosàdogmáticajurídica,permite-seincrementaraabordagemdareconstituiçãofática,aserobjetodeconsideraçãoporpartedosoperadoresdoDireito,sejamjuízes,promotores,advogadosepoliciais.
4 GAUER,RuthM.Chittó.AlgunsAspectosdaFenomenologiadaViolência.In: GAUER,GabrielChittó;GAUER;RuthM.Chittó(coord.).a fenomenologia da violência.Curitiba:Juruá,1999, p. 28.
5 GAUER,RuthM.Chittó.InterdisciplinaridadeeCiênciasCriminais.In: FAYETJr.,Ney.ensaios penais em homenagem ao Professor Alberto Rufino Rodrigues de Souza.POA:Lenz,2003,p.682.
1 soCiedade CoMPleXa: TeMPo, esPaÇo e RisCo
1.1 Onipresença de riscos e incertezas
Quantoao tema,devemserdestacadasascaracterísticasdeuma“sociedadede ris-cos”,conceitotrazidoem1980pelosociólogoalemãoUlrichBech.Aanálisedetaistraçoséimportanteaoobjetivoalmejadonopresentetrabalho,namedidaemqueopânicogeradonasociedadepossuireflexosnaatuaçãodobraçoestatalresponsávelpelamaterializaçãoinicialdapretensãopunitivadoque,porsisó,constituiameaças.
Em sua obra La sociedad del riesgo, referidoautordiferenciaumaprimeiraeumasegundamodernidade.AquelasefirmouapartirdoséculoXVIII,sendotambémchamadadesimples ou industrial,caracterizou-seporserumasociedadeestatal,movidaporfortesvínculosdeterritorialização,nacionalidadeefortementeindustrializada.Destacaoautorque,hoje,nofimdomilênio,encontramo-nosdiantedamodernização da modernização ou segunda moder-nidade,outambémmodernidade reflexiva.Essaevidenciaasinsuficiênciaseasantinomiasdaprimeiramodernidadeetentasuperarodesafiodecincoprocessos:aglobalização,aindivi-dualização,odesemprego,osubemprego,arevoluçãodosgêneroseosriscosglobaisdacriseecológicaedaturbulênciadosmercadosfinanceiros1.
Emboraohomemsempretenhaestadoenvoltoemriscos2,fossemrelativosàsguerras,fomesepestes,asociedademoderna,pormeiodatecnologiaedatécnica,emboraembasadanaprevisãoenototalcontrolesobreassituaçõesdeameaça,desenvolveuelamesmariscosquefogemaqualquerpossibilidadedecontrole3.
1 BECK,Ulrich;ZOLO,Danilo.a sociedade global do risco – uma discussão entreUlrichBeck eDaniloZOLO.Trad.port.:SelvinoJ.Assmann.TextodisponívelnaInternet:www.cfh.ufsc.br/~wfil/ulrich.htm.
2 CAVALCANTI,EduardoMedeiros. Crime e sociedade complexa: uma abordagem interdisciplinar sobre o processo de cri-minalização.Campinas:LZN,2005,p.150:“(...)aosefazeránálisehistóricapercuriente,outranãoseráaconclusãodequeasociedadefoisempreumasociedadederisco.Entende-secomoacertadatalobservação,atéporqueoviveremsociedadesignificacompartilharosriscos.”
3 KERCKHOVE,Derrickde,a pele da cultura – umainvestigaçãosobreanovarealidadeelectrônica.TraduçãodeLuísSoareseCatarinaCarvalho.Lisboa:Relógiod’Água,1997,p.126:“Aciêncianãosabeparaondevamosporqueabandonouo“porquê”àsdesvalorizadasreligiões.Nãopodesaberdofuturoporquedificilmenteconsegueavaliaropresente.”
14
Issoseevidenciaprincipalmenteapartirdasduasgrandesguerrasmundiaisquetorna-ramoséculoXXoséculodasguerras,commaisde100milhõesdemortos,númeromaisaltodoqueoverificadoemqualqueroutroséculo4.Tambémseevidenciouatotalimpotênciahuma-naemviveremummundodeincertezas,emfacedoHolocausto,dofascismo,deChernobiledos imperialismos comunista e americano.
Acertezaproporcionadapelaciêncianãotemmaislugar.Comefeito,Hawkingdes-tacaque
osucessodasleisdeNewtonedeoutrasfísicaslevouàidéiadodeterminismocientífico,expressapelaprimeiraveznoiníciodoséculoXIXpelocientistafrancêsmarquêsdeLaplace.Laplaceafirmouque,seconhecêssemosasposi-ções e velocidades de todas as partículas do universo em determinado momen-to,asleisdafísicadeveriampermitirqueprevíssemosoestadodouniversoemqualqueroutromomentodopassadoedofuturo5.
Jáaincertezaestáemtodolugar6,inclusivenasciências.Hawking,diferenciandoosprincípiosdacertezaedaincerteza,arrematadestacandosobreestaque:
Em1931,omatemáticoKurtGödelprovouseufamosoteoremadaincomple-tudesobreanaturezadamatemática.Oteoremaafirmaque,dentrodequal-quersistemaformaldeaxiomas,comoamatemáticaatual,semprepersistemquestõesquenãopodemserprovadasnemrefutadascombasenosaxiomasquedefinemosistema.Emoutraspalavras,Gödelmostrouquecertosproble-mas nãopodemsersolucionadospornenhumconjuntoderegrasouprocedi-mentos.OteoremadeGödelfixoulimitesfundamentaisparaamatemática.Foiumgrandechoqueparaacomunidadecientífica,poisderrubouacrençageneralizadadequeamatemátiaeraumsistemacoerenteecompletobaseadoemumúnicofundamentológico.OteoremadeGödel,oprincípiodaincertezadeHeisembergeaimpossibilidadepráticadeseguiraevoluçãoatémesmodeumsistemadeterministaquesetorna caóticoformamumconjuntofunda-
4 GIDDENS,Anthony.as conseqüências da modernidade.6.ed.traduçãodeRaulFiker.SãoPaulo:Unesp,1991,p.19.5 HAWKING,Stephen.O universo numa casca de noz;traduçãodeIvoKorytowski;revisãotécnicaAugustoDamineli.6.ed.SãoPaulo:Arx,2002,p.104.
6 COMTE-SPONVILLE,André.O ser-tempo: algumas reflexões sobre o tempo da consciência; tradução Eduardo Bran-dão.SãoPaulo:MartinsFontes,2000,p.53:“Oqueécontingente?Tudoaquilocujocontrárioéposssível.Seascadeiascausais são aomesmo tempomúltiplas, aleatórias e descontínuas, como se vê, desculpemos parênteses, emLucrécio,Cournotenafísicaquântica,cumpreconcluirdaíquequasetudo,nomundo,écontingente:cadaumdenóspoderianãoternascido(eraaté,antesdenossaconcepção,omaisprovável),Hitlerpoderiaterdispostoantesdabombaatômicaan-tes dos americanos, aTerrapoderia ter sidomuitodiferenteounão existir...E, domesmomodo, no futuro: é possívelqueeuestejavivoamanhã,comoépossívelqueeuestejamorto,épossívelqueaesquerdavençanaspróximaseleiçõescomoépossívelqueperca,épossívelqueahumanidadeaindaexistadaquiadoisanoscomoépossívelque tenhade-saparecidoentão...O real é caótico, comosedizhoje, emoutraspalavras, imprevisível,mesmoparaquemconhecesseprecisamentesuascondiçõesiniciais.Éporissoqueháhistória;éporissoquevaleapena,comodiziaAristóteles,‘dar-seàpena’:háescolhasafazerecombatesa travar.Orealépotênciadoscontrários,enósfazemospartedessapotência.”
15
mentaldelimitaçõesaoconhecimentocientíficoquesóveioaserreconhecidoduranteoséculoXX.7
Aoladodaconstantepresençadaincerteza,aidéiadequeanaturezaestavaàdisposi-çãodoindivíduonãomaissubsiste,eisqueomeioambienteseencontraesgotadoemfacedodesenfreadoconsumomundial.Maffesoli,referindo-seaatitudeseformasdepensardenossasociedadepresenteístaeconsumista,ressaltaque
trata-sedegozar,omelhorpossível,omundoquesetemparavereviver. Aprojeçãono futuronãopossuigrandesentido;o trabalhoé relativizadopormuitoscentrosdeinteresse;oquantitativocedelugaraoqualitativoeaodesejodefazerdavidaumaobradearte8.
Entretanto,oqueimperaéaconsciênciadequeaciênciahumana,bemcomosuatec-nologia,nãoresolveramnemosproblemascausadospelanaturezaaohomem,nemosataquesdesteàquela9.
Contraasameaçasdanatureza,tentamosnosrefugiaremedificaçõesfortificadasaptasanãosucumbiraterremotos,enchentesousereshumanosindesejáveis.Jáemfacedosproble-mascausadospelaincorporaçãodanaturezaaosistemaprodutivo,emboranãotranspareçamumriscoatual,taiscomoautilizaçãopredatóriadaágua,poluiçãodoar,destruiçãodevege-taçãoeextinçãodeanimais,oqueseteméatotalausênciadeproteção,nãohácomofugir.Aescassezsefazpresentenasuperabundânciaalmejadapelamodernidade10.
Osbensnaturais,porseremlimitadoseosinteressesdohomemconsumistailimitados,fazemsurgirosconflitosdeinteresse,eisqueointeressedeumindivíduodeveprevalecersobreodooutro.Surgemaspretensõesresistidas.Aslides.Ossistemasjurídicosnãoabsorvemade-manda,eosgovernossemostramdiminuídos,eisqueosproblemasambientaisnãorespeitamfronteiras.Avontadedeprogressoeconômicosucumbefrenteàconseqüenteproduçãoderiscosquenãoselimitamapessoasegrupos,masatingemindistintamenteomundoglobal11.
Emboraopotencialdestrutivodatecnologiaalcançadopelasguerrastenhaevidencia-doacapacidadededestruiçãoemmassa,tambémproporcionouosurgimentodediversasnovastecnologias,hojetotalmenteimpregnadasemnossocotidiano,aexemplodediversosremédios,veículos e equipamentos eletrônicos.A sensaçãode segurançaque taisnovidadespoderiamcausar,cedemespaçoàintranqüilidade.Epior,emborasepossaafirmarquenossasociedade
7 HAWKING,Stephen.O universo numa casca de noz;traduçãodeIvoKorytowski;revisãotécnicaAugustoDamineli.6.ed.SãoPaulo:Arx,2002,p.138.
8 MAFFESOLI,Michel.a violência totalitária.PortoAlegre,Sulina,2001,p.25.9 MORAES.MárciaElayneBerbichde.A (in)eficiência do Direito Penal moderno para a tutela do meio ambiente na
sociedade de risco (lei nº 9.605/98).RiodeJaneiro:LumenJuris:2004,p.21.10 BECK.Ulrich.la sociedad del riesgo. Hacia una nueva modernidad.TraduçãodeJorgeNavarro,DanielJímenezeMariaRosaBorrás.Barcelona:Paidós,1998,p.13.
11 BECK.Ulrich.Op. cit.,p.19:“mientrasqueenlasociedadindustrialla‘lógica’delaproduciónderiquezadominaala‘lógica’delaproduciónderiesgos,enlasociedadedelriesgoseinverteestarelacion”.
16
nuncaforatãoestável,asensaçãodeinsegurançaésentidaemtodososlugares,mesmonoin-terior de nossas residências.
Oproblemadassociedadesegovernosnãoémaisodesabercomosedeverepartirdeformajustaariquezaproduzida,mas,sim,oderepartiradestruição,muitasvezesimper-ceptívelaossentidos,bemcomoosriscosdequeelaocorra,taiscomoosproblemasecoló-gicos(extinçãodeespéciesanimais,contaminaçõesnuclearesouquímicas,esgotamentodospotenciaishidráulicos),médicos,moraisesociaisqueoprocessodeproduçãoderiquezasproporciona12.
Ressalte-sequeosriscosnãorespeitamosestamentossociais.Comefeito,emborare-sidindoemumafortaleza,acobertadoporumbomsegurodesaúde,ecomrecursosfinanceirosmaisdoquesuficientesparasuamantença,oindivíduodeumaclassesocialtidapor“elevada”ficaimpotentefrenteàpoluiçãodoar,ouatémesmodiantedaingestãodealimentosgenetica-mentemodificadosquelhepossacausarprejuízoemsuasaúdeounadeseusfamiliares13.
Vivemosemumaépocapluralemqueohomemabandonouascertezas14 como a re-ligião, a ciência15, as forças danatureza, amoral, e passou a temeros riscosgeradospelasprópriasdescobertas, taiscomoapossibilidadedeclonarhumanos,osriscosambientaiseainstabilidadedomercadofinanceiro.
Nessesentido,destacaGiddens,verbis:
Nãoseriacorretodizerqueomundohojeémenosprevisíveldoqueeraan-tes.Adiferençaagoraéqueenfrentamossituaçõesderiscoqueoutrasgera-çõesnãotiveramqueenfrentar.Essesnovosriscosforamconstruídosoupeloimpactodaciênciaetecnologianasnossasvidas,incluindonossoscorpos,ou por profundas mudanças na estrutura da sociedade. O impacto da globali-zaçãocriacenáriosderiscoondenãotemosexperiênciasanterioresquenosorientemsobreoquefazerdiantedeles.Issovaidesdeavida pessoal,comoasestruturasdocasamentoedafamília–queestão mudando–,atéaecono-miaglobaleoutrasincertezasassociadasàinvasãodaciênciaedatecnologiaempraticamentetodososaspectosdoquefazemos.Éissoquequerodizerquandoafirmoquea imprevisibilidadeé estrutural.No sentidodequeela
12 BECK.Ulrich.Op. cit., p. 26/28.13 BECK.Ulrich.Op. cit.,p.43:“Losriesgosmuestranensudifusiónunefectosocialdebumerang:tampocolosricosylospoderososestánsegurosanteellos.Losefectossecundariosanteriormentelatentesgolpeantambiénaloscentrosdesupro-dución.Lospropriosactoresdelamodernizacióncaendeunamaneraenfáticaymuyconcretaenelremolinodelospeligrosquedesencadeanydelosquesebenefician.”
14 COMTE-SPONVILLE,André.O ser-tempo: algumas reflexões sobre o tempo da consciência; tradução EduardoBrandão.SãoPaulo:MartinsFontes,2000,p.53:“todososnossosconhecimentossãohistóricos,nenhumaverdadeoé.Demodoquenossosconhecimentossãoconhecimentos(nenhumconhecimentoéaverdade,masnenhumconhecimentoseriaumconhecimentosenãocomportasseaomenosumapartedeverdade)unicamentegraçasaoquenelesescapaàsuahistória.”
15 VIRILIO,Paul.a inércia polar.Lisboa:PublicaçõesDomQuixote,1993,p.76:“‘Adistinçãoentrepassado,presenteefuturo,aquioualém,temtãopoucosignificadocomoumailusãovisual’,escreviaEisteinnumacartadecondolênciasàfamíliadoseuamigoMicheleBasso...Condolênciaspelafisicaexperimentalclássica–oupelomenos,semdúvida,peloseuregime de visibilidade!.”
17
integra,paraobemouparaomal,omundoemquevivemoshoje.Nãoháescapatória.Éestruturaltambémnosentidodequeumareversãoaopassadonãoéconcebível.16
Aglobalização,“intensificaçãodasrelaçõessociaisemescalamundial,queligamlo-calidadesdistantesdetalmaneiraqueacontecimentoslocaissãomodeladosporeventosocor-rendoamuitasmilhasdedistânciaevice-versa”17,movidapelomercadoglobalizadoesemfronteiras,transformouoindivíduooraemconsumidororaemprodutor.Comefeito,Florianidestacaque,
comopanodefundo,doiscenáriosparecemdesafiaroscontendores:porumlado,oeconomicismodoFórumEconômico(Davos,NovaIorque)quenãosópropugnapormaisglobalizaçãodosmercados,docomércio,masconsideraaúnicasaídaviávelparaoPlaneta;poroutro,oFórumSocialMundial(dePor-toAlegre),quesecolocanaresistênciadoprocesso,comosmaisdiferentesmatizes,mas comumagrande coincidência de oposição ao neoliberalismoglobalizante18.
Associedadeseosindivíduos,sejamelesricosoupobres,nãomaisenfrentamnaçõesoupessoasinimigas,masriscoseperigosonipresentes,sejaumacidenteambientalquepodenosafetar,aindaquetenhaocorridodooutroladodomundo,umvírusdecomputador,oumes-mo um único indivíduo disposto a voar pelos ares e levar consigo um bom número de pessoas emfacedesuadescrençanessamesmasociedadeemquevive.
APós-ModernidadedesbancouaRazãoiluminista.Oumelhor,aprópriarazãosede-sestruturouasiprópria.NãoéoutraaconstataçãodeFranklinBaumer,quedestacouque
ohomemdoséculoXXperderaseupontodereferênciadentrodouniverso,perdendo“segurançasociológica”.Ressalte-sequeasduasguerrasmundiaisdeixaramàmostraasangústiasdohomemquenãoconsegue resolver seusproblemassociais.Existeumgrandepoderatravésdatecnologiaversus impo-tênciaedestruiçãonabuscadaresoluçãoaproblemaspolíticos.Assim,nuncaohomememtodaaidademodernahaviaseolhadodemaneiratãobaixa,umavezqueestavisãosubstituíaaidéiadehomemdotadoderazãoesenhordesi(enfraquecidadesdeDarwin).Copérnicodestruiuailusãocósmicadequeohomemeraocentrodouniverso;DarwindestruiuadohomemdeserumsersuperiorediferentedosanimaiseFreud,comapsicanálise,dáomaiorgolpe:
16 TrechodaentrevistacomAnthonyGiddenspublicadanocadernoMais!daFolhadeS.Paulode23demaiode1999,dispo-nívelnositehttp://www.revistadigital.com.br/tendencias.asp?NumEdicao=3&CodMateria=501.
17 GIDDENS,Anthony.as conseqüências da modernidade.6.ed.trraduçãodeRaulFiker.SãoPaulo:Unesp,1991,p.69.18 FLORIANI,Dimas.Conhecimento, meio ambiente & globalização.Curitiba:Juruá,2004,p.54.
18
ohomemnemsequereradonodesuacasa,oegonãodirigiatodaavontadeetrabalhodoespírito.19
Ohomempós-moderno,destituídoderazão,deterritório,deprojetoedecrençaemumfuturo,vênopresenteísmoenoconsumismoumaformadealiviarsuasangústias.Emborasaibaquealgoestáerradonasociedadepós-moderna,emfacedasaturaçãodosvaloresdamo-dernidade,nãosabeoquevirá,mastemumtemordaproximidadedocaos20.
Pornãoterconseguidodissipardossereshumanostodasassuasdúvidas,aocontrário,pordemonstraraincertezadosprópriosfenômenos,asciências,sejamhumanasouexatas,es-tãosendoconstantementehostilizadas.
Atecnologia,emboraproporcione“avanços”,traz,comocontrapartida,osriscos,prin-cipalmenteosqueafetamanaturezadeformaglobaloumesmoasuaessência,comoéocasodosorganismosgeneticamentemodificados.ComodestacaDimasFloriani,
...asincertezasgeradaspeloatualmodelodeexploraçãodosrecursosnatu-raisehumanosnoscondenamaexaurirasbasesmesmasdapossibilidadedecontinuarmosexistindocomohumanidade,numplanetajáexauridodesuascondições materiais de vida21.
AsCiênciasSociais,e,principalmenteoDireito,nãoconseguemfornecerasexplica-çõesesegurançatãoalmejadas.Aocontrário,muitasvezes,aAntropologia,SociologiaeoDi-reito,porexemplo,sãoutilizadosparajustificarasdiferençasexistentesentreossereshumanos.Nessesentido,Arenhart ponderaque
omitodaModernidade,propriamente,consisteemfazeroOutrocrerquesuasubmissãoaosuperioréfeitaparaobemdetodos,demodoacivilizá-lo,mo-dernizá-lo,ouseja,adominaçãoadquireumcaráterde‘emancipação’,“utili-dade”,“bem”do“bárbaro”.Consisteemvitimarodominadoconsiderando-ocausaculpáveldesuaprópriavitimaçãoeatribuindo-seaosujeitomodernoplenainocênciacomrespeitoaoatosacrificial;osofrimentodoconquistadoseriaosacrifícioouocustonecessáriodamodernização22.
19 BAUMER,FranklinL.o pensamento europeu moderno.V.II,TraduçãodeManuelaAlbertyeArturMorão.Lisboa:Edições70,1990,p.192.
20 GIDDENS,Anthony.as conseqüências da modernidade.6.ed.trraduçãodeRaulFiker.SãoPaulo:Unesp,1991,p.52:“Aoquesereferecomumenteapós-modernidade?Aforaosentidogeraldeseestarvivendoumperíododenítidadisparidadedopassado,otermocomfrequênciatemumoumaisdosseguintessignificados:descobrimosquenadapodeserconhecidocomalgumacerteza,desdequetodosos‘fundamentos’preexistentesdaepistemologiaserevelaramsemcredibilidade;quea‘história’édestituídadeteleologiaeconseguentementenenhumaversãode progresso`podeserplausivelmentedefendida;equeumanovaagendasocialepolíticasurgiucomacrescenteproeminênciadepreocupaçõesecológicasetalvezdenovosmovimentos sociais em geral.”
21 FLORIANI,Dimas.Conhecimento, meio ambiente & globalização.Curitiba:Juruá,2004,p.68.22 ARENHART.BiancaGeórgiaCruz.OprocessopenalbrasileiroàluzdafilosofiadalibertaçãodeEnriqueDussel.In: COU-TINHO,JacintoNelsondeMiranda(coordenador).Crítica à teoria geral do direito Processual Penal. Rio de Janeiro: Renovar,2001,p.208.
19
Giddens lecionaque“apossibilidadedeguerranuclear, calamidadeecológica, ex-plosãopopulacionalincontrolável,colapsodocâmbioeconômicoglobal,eoutrascatástrofesglobaispotenciais,fornecemumhorizonteinquietantedeperigosparatodos”23.
Nomundo,éevidenteafalênciadoEstadoProvidência.Atotalsubmissãoaosditamesdomercadomundialglobalizado,aburocraciaexacerbada,acorrupção,aconcentraçãoderen-das,odesempregoeaineficiênciademonstramàexaustãoaineficiênciadoEstado.Decorrên-ciadiretadetaisdelineamentoséaviolência,nãosóaqueconstituielementardediversostipospenais,taiscomoolatrocínio,estupro,extorsãomedianteseqüestro,homicídiosqualificados,masaviolênciadoscrimesdosquaiséautoropróprioEstadooupessoasaelediretaouindi-retamente ligadas.
Tentandoencontrarumbodeexpiatórioparaencobrirseusatosmuitasvezescrimino-sos,oEstado,descontrolado,recrudesceemrelaçãoaoscriminososcomuns,consideradososmales da sociedade24.
Apopulação,cadavezmaisinfluenciadapelocaosepelaparanóiadaviolência,exigeintensificaçãonapuniçãodosdelitos,permitindoedesejandoum“vale-tudo”nocombateàcriminalidadeemproldeumaalmejadapseudo-segurança.
1.2 a fragmentação das identidades modernas
ComodestacaStuartHall,estáhavendoumamudançaestruturalnassociedadesmo-dernas,comreflexosnosconceitosdeclasses,gênero,sexoenacionalidade,oque,decertaforma,deixaoindivíduodespidodeumlugarcertonasociedadeemquevive,bemcomodiantedesipróprio,emfacedaexperiênciadadúvidaedaincerteza25.
Noperíodomoderno,areligião,oEstado,asociedade,aciência,amoraleaarteerambastantesubjetivos,tudoeramuitocentradonoindivíduo26.
ParaHall, houve cincomomentos de descentramentodo indivíduo.Oprimeiro foiproporcionadopelopensamentomarxistaquesubjugouohomemaosrecursosmateriaisecul-
23 GIDDENS,Anthony.as conseqüências da modernidade.6.ed.trraduçãodeRaulFiker.SãoPaulo:Unesp,1991,p.127.24 BOFF,Leonardo.Aviolênciacontraosoprimidos:seistiposdeanálise.In discursos sediciosos.Ano1,nº1.RiodeJaneiro:Relume-Dumará,1996.
25 HALL,Stuart.a identidade cultural na pós-modernidade;traduçãoTomazTadeudaSilva,GuaraciraLopesLouro.7ed.RiodeJaneiro:DP&A,2002,p.9.
26 HABERMAS,Jürgen.O discurso filosófico da modernidade.TraduçãodeAnaMariaBernardo,JoséRuiMeirellesPerei-ra,ManuelJoséSimõesLoureiro,MariaAntóniaEspadinhaSoares,MariaHelenaRodriguesdeCarvalho,MariaLeopoldinadeAlmeidaeSaraCabralSeruya.Lisboa:PublicaçõesDomQuixote,1990,p.89:“Aeramodernagiraprimordialmentesobosignodaliberdadesubjetiva.Estaserealiza,nasociedade,sobaformadeumespaçodemanobragarantidopelodi-reitoprivadoparaprossecuçãoracionaldosinteressespróprios;noEstado,enquantoparticipação–porprincípioigualemdireitos–naformaçãodavontadepolítica;noforoprivado,sobaformadeautonomiaéticaeauto-efectivaçãonodomíniopúblicorelacionadocomestaesferaprivada,finalmente,comoprocessodeformaçãoconsumadoatravésdeapropriaçãodaculturareflexiva.Asfigurasdoespíritoabsolutoedoespíritoobjectivoassumiramtambém,daperspectivadoindivíduo,umaestruturaemqueoespíritosubjetivopodeemancipar-sedaespontaneidadenaturaldasformastradicionaisdevida.Nesteprocesso,asesferasnasquaisoindivíduoconduzasuavidaenquantobourgeois,citoyen e homme vão-se apartando eautomatizandocadavezmais.”
20
turaisquelheantecedem.OsegundoadvémdosestudosdeFreud,paraoqualnossaidentidade,sexualidadeedesejossãoformadosporprocessospsíquicosqueocorremnoinconsciente.Comoterceirodescentramento, citaSaussure,quearrematouquenós sequer somos sujeitosdoquedizemos,eisqueestamoscondicionadospelasregrasdelinguagemepelossistemasdesignifi-cadosdenossacultura.OquartofoiverificadoporFoucault,quedestacouqueoindivíduoestásubmetidoaconstanteobservaçãoecontroledesuasvontadeseprazeres,oquesedápormeiodopoderdisciplinardospresídios,escolas,quartéis,condomínios,dentreoutros.Oquintoforaofeminismo,quesintetizaosdiversosmovimentoscontraculturais,antibelicistas,ecológicos,dentrediversosoutros,sendoquecadaumdetaismovimentostemumaidentidadeprópria27.
O indivíduo, que desde os primórdios daModernidade se via de forma centrada ecomcertaestabilidade,hoje, temqueassumirdiversasidentidades,muitasvezesatémesmocontraditórias,sendoque,comoobjetosdopresentetrabalho,podemoscitarasfigurasdeju-ízes,promotores,delegados,enfimdetodososquefazempartedapersecuçãopenal,pessoasque,muitasvezes,quandovestidasemsuas“togas”,mudamcompletamentesuasidentidadespessoais.
Nesse sentido,Garapondestacaque“... o traje judiciáriocobreumduplocorpo:oprópriocorpodopersonagemqueovesteeocorpoinvisíveldosocial”28.
Ospossíveisacusadostambémterãoqueexpornoprocessosuasidentidades,sendoque,muitasvezes,terãoqueoptarporumaidentidadesobreoutras,adetrabalhador,adereli-gioso,adefeministaoumachista,aderacista,adeconservadoroudeliberal,ade“mocinhoou bandido”.
Éafiguradosujeitopós-moderno,quenãotemmaisumaidentidadefixa,permanente.Modificam-seasidentidadesdeacordocomasexigênciasculturais.Issosepotencializaextre-mamenteemfacedaglobalizaçãoedosantagonismossociaisqueformamdiferentesidentida-des para o indivíduo.
Oindivíduotemqueseadaptaràsproibiçõesquelhesãoimpostas.Habermaschamaatençãoparaapotencializaçãodasproibições:
Duranteoprocessodedesenvolvimentodohomemosseresquesedestacamdocontextoanimaldavidacomosujeitosconstituem-senãosópelotrabalho,mas também através de proibições.Os homens distinguem-se dos animaistambémemvirtude de a sua vida instintiva estar subordinada a restrições.
27 HALL,Stuart.Op. cit.,p.34/35,36,40,41/42e43/46.28 GARAPON,Antoine.bem julgar – ensaio sobre o ritual judiciário.Lisboa:InstitutoPiaget,1997,p.85:“Aparticipaçãoactivenoritualreclamaumapurificação.Essaéaprimeirafunçãodatogajudiciária.Esta,atravésdopercursoiniciático,operaumarupturenaquelequeavesteerecorda-lheosdeveresdeseucargo.Põetemporariamentefimàsimperfeiçõesdoministro,subtraindo-odasuacondiçãodemortal.Inversamente,atogaétambémumescudoprotector.Ocontactocomoim-puropodemostrar-seperigosoparaaquelequeoarriscasemestarpreparadoparatal.Aviolênciadocrimepodedesencadearadarepressão:cabeaoritualapontaraviolênciacorrecta,aquelaqueépura,estabelecendodeformainequívocaaseparaçãoentre‘estes’e‘aqueles’.Ousodaviolêncialegítimanãosujaasmãosdequemaexerce,vistoesseusoserautorizadopeloritual.Atogaprotegeráaquelesqueausamdequalquerconluiocomocriminosoedequalquerconfusãocomohorrordocrime. Essa protecção pode acabar por suscitar um sentimento de superioridade.”
21
Aomesmotempoeapardotrabalhosurgeopudorsexualeaconsciênciadamortalidade.Osritosdeinumação,ovestuário,otabudoincesto,mostramqueostabusmaisancestraissereferemaocadáverhumanoeàsexualidade–aocorponuemorto.Se tomarmosemconsideração tambémaproibiçãodohomicídiodestaca-seumaspectomaisgeral:éaviolênciadamorteedasexualidadeque são tabuizadas–umpoderque se exterioriza tambémnasculminaçõesrituaisdacelebraçãoedosacrifícioreligioso.Oexcessodequesurgeacriaçãoeoexcessodamortesofridaouconferidaviolentamentesãosimilaresaosexcessosculturais.29
Poroutrolado,Giddens,aoanalisaraglobalização,destacaqueesta
serefereàquelesprocessos,atuantesnumaescalaglobal,queatravessamfron-teirasnacionais,integrandoeconectandocomunidadeseorganizaçõesemno-vas combinações de espaço-tempo, tornando omundo, em realidade e emexperiência,maisinterconectado.Aglobalizaçãoimplicaummovimentodedistanciamentodaidéiasociológicaclássicada“sociedade”comoumsistemabemdelimitado e sua substituiçãoporumaperspectivaque se encontranaforma como a vida social está ordenada ao longo do tempo e do espaço30.
Poroutrolado,emfacedeseressencialmentedesigual,crescemmovimentosantiglo-balização,sejacomatuaçõesfundamentalistasverificadasprincipalmentenospaísesmuçulma-nos,sejacomosurgimentodeidentidades“locais”31.
Avisãodessepanoramaproporcionadopelaglobalizaçãoedeidentificaçãodosindiví-duoséessencialparaacompreensãodealgunsaspectosenfrentadospelossujeitosdoinquéritopolicial,comoadianteseexporá.
1.3 a concepção do espaço-tempo
Umadasnoçõesde tempoquepossuímosé ados segundos,dashoras,dias, anos,séculosemilênios,períodoscominícioefim.Entretanto,tambémexperimentamosotempocontínuo,linear,queteveorigemnoiníciodouniverso,ou,porquenão,antesmesmodisso.
29 HABERMAS,Jürgen.O discurso filosófico da modernidade.TraduçãodeAnaMariaBernardo,JoséRuiMeirellesPerei-ra,ManuelJoséSimõesLoureiro,MariaAntóniaEspadinhaSoares,MariaHelenaRodriguesdeCarvalho,MariaLeopoldinadeAlmeidaeSaraCabralSeruya.Lisboa:PublicaçõesDomQuixote,1990,p.218.
30 GIDDENS,A.Theconsequencesofmodernity.Cambridge:PolityPress,1990,p.64.In:HALL,Stuart.a identidade cul-tural na pós-modernidade;traduçãoTomazTadeudaSilva,GuaraciraLopesLouro.7ed.RiodeJaneiro:DP&A,2002,p.67/68.
31 HALL,Stuart.a identidade cultural na pós-modernidade;traduçãoTomazTadeudaSilva,GuaraciraLopesLouro.7ed.RiodeJaneiro:DP&A,2002,p.86.
22
Comefeito,Sponvilledestacaaexistênciadeduasformasdetempo:odaconsciência(temposubjetivo)eodorelógio(tempoobjetivo).
Naquele,oqueimportasãonossosmomentosdeprazeroudedesespero,dajuventudeedavelhice,todosrelacionadosànossavidainterior32.Éasucessãodopassado,dopresenteedofuturo.Nãoétãosimplesassim.Instigando-nossobreaconcepçãodetempo,Sponvilledisparaque
...opassadonãoexiste,umavezquejánãoé;nemofuturo,jáqueaindanãoé;quantoaopresente,ouelesedividenumpassadoenumfuturoquenãoexistem,ounãopassade“umpontonotempo”semnenhuma“extensãodeduração”e,portanto,jánãoétempo.Nada,pois,entredoisnadas:otemposeriaessanadificaçãoperpétuadetudo33.
Poroutrolado,otempodaalmaparecesertudo.Éinapreensívelecarregatudoeatodos,dando-seaidéiadequeopresentenuncacessa34.
Sobreaconsciência,Damásioensinaqueestaéa
chaveparaquesecoloquesobescrutínioumavida,sejaissobomoumau;éobilhetedeingresso,nossainiciaçãoemsabertudosobrefome,sede,sexo,lágrimas, riso,prazer, intuição,ofluxode imagensquedenominamospen-samento,os sentimentos,aspalavras,ashistórias,ascrenças,amúsicaeapoesia,afelicidadeeoêxtase35.
Notemporeal,otempodomundoqueexisteindependentementedasubjetividadedoserhumano,aidéiadepresente,passadoefuturocaiporterra.Segundoateoriadarelatividade,eventosqueestariamnofuturoparadeterminadoobservadorestãonopassadoparaoutro,enopresenteparaumterceiro.Assim,aocontráriodanomenclaturadeSponville,nãopodemoscha-marotempodomundode“tempodorelógio”,eisquejáseabandonouaidéiadequeexistiriaumtempouniversalquetodososrelógiosmediriam36.
IssoemfacedateoriadarelatividadecriadaporEinstein.Exemplificandotalteoria,Hawkingcitaoparadoxodosgêmeos:
32 COMTE-SPONVILLE,André.O ser-tempo: algumas reflexões sobre o tempo da consciência;traduçãoEduardoBran-dão.SãoPaulo:MartinsFontes,2000,p.15:“Comoadesgraçavemdepressaecomoélenta,quandoseinstala!Sim.Masbastaavidaparanosensinarisso.Comoafelicidadesefazvivaeleve,quaseimpalpável,quaseinapreensível!Comoofuturosefazesperar,comoopresenteescapa,comoopassado,àsvezes,nãopassa!”
33 COMTE-SPONVILLE,André.Op. cit., p. 18.34 COMTE-SPONVILLE,André.Op. cit.,p.49:“Souoquesou,nãooqueeraouserei:soumeucorpoatual,meucorpoemato,eessamaterialidadedeminhaexistêncianãoésenãominhapresençanomundo-minhapresençanopresente.”
35 DAMÁSIO,António.O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si;traduçãoLauraTeixeiraMotta;revisãotécnicaLuizHenquiquedeCastro.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2000,p.20.
36 HAWKING,Stephen.O universo numa casca de noz;traduçãodeIvoKorytowski;revisãotécnicaAugustoDamineli.6.ed.SãoPaulo:Arx,2002,p.9.
23
Nateoriadarelatividade,cadaobservadortemsuaprópriamedidadotempo.Issopodelevaraoparadoxodosgêmeos.Umdosgêmeosparteemumavia-gemespacialduranteaqualeleviajapróximoàvelocidadedaluz,enquantoseuirmãopermanecenaTerra.Porcausadomovimentodele,otempofluimaisdevagarnaespaçonave,conformevistopelo irmãonaTerra.Assim,aoretornardoespaço,oviajantedescobriráqueseuirmãoenvelheceumaisqueele.Emboraissopareçacontrariarosensocomum,váriasexperiênciasindicaramque,nessecenário,ogêmeoviajanterealmentevoltariamaisjo-vem37.
Sobreotemporeal, interessanteindagaçãoéaquelasobreoseuinício,eisqueissoimplicariaounãotertidoouniversoumaorigem.Combasenateoriadarelatividadequeprevêummodelodeumuniversoemexpansão38,Hawkingdestacaquearelatividadegeralmudouosrumos das discussões sobre a origem e destino do universo:
seasgaláxiasestãoseafastandoagora,significaquedevemterestadomaispróximasumadasoutrasnopassado.Hácercade15bilhõesdeanos,todasteriam estado umas sobre as outras, e a densidade teria sido enorme.Esseestado foi denominado átomo primordial pelo sacerdote católico Georges Le-maître,oprimeiroainvestigaraorigemdouniversoqueagorachamamosdebig-bang39.
Parareferidocientista,otempoeouniversoteriam,assim,uminícioquesederaemumagrandeexplosão,obig-bang.
JáPrigogine,combasenoprincípiodaincerteza,concluiqueotempoprecedeaexis-tência40.Ressaltaqueobig-bangforaumeventoúnico,umasingularidadequenãotemanálo-gosnafísica.Indagasobreoqueteriaexistidoantesdobig-bang,concluindocientificamentesobreapossibilidadedeagravidadesetransformaremmatéria,oquefariacomqueexistisseumpré-universo,havendo,assim,“apossibilidadedequeotemponãotenhacomeço,dequeotempoprecedaaexistênciadenossouniverso,setornaumaalternativarazoável”41. Sponville tementendimentoconvergente,tendodestacadoque
37 HAWKING,Stephen.Op. cit.,p.11.38 PRIGOGINE,Ilya.O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza;traduçãoRobertoLealFerreira.SãoPaulo:EditoradaUniversidadeEstadualPaulista,1996,p.170:“Segundoessemodelo,sevoltarmosnotempo,chegaremosaumasingularidade,umpontoquecontématotalidadedaenergiaedamatériadouniverso.Elseassocia,pois,aorigemdouniver-soaumasingularidade.Masnãonospermitedescreveressasingularidade,poisasleisdafísicanãopodemseraplicadasaumpontoqueconcentreumadensidadeinfinitadematériaedeenergia.”
39 HAWKING,Stephen.Op. cit., p. 22.40 PRIGOGINE,Ilya.O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza;traduçãoRobertoLealFerreira.SãoPaulo:EditoradaUniversidadeEstadualPaulista,1996,p.169:“Paramuitosfísicos,aceitarateoriadobig-bang como origem de nossouniversoequivaleriaaaceitarqueotempodeveterumpontodepartida.Haveriaumcomeço,etalvezumfim,dotem-po.Mascomoconceberessecomeço?Achomaisnaturalsuporqueonascimentodenossouniversoéumeventonahistóriadocosmosequedevemos,pois,atribuiraesteumtempoqueprecedeopróprionascimentodonossouniverso.”
41 PRIGOGINE,Ilya.Op. cit., p. 192.
24
o big bang ouDeus,especialmente,nãopoderiamseraorigemdoser:porque,paratanto,elesteriamdeseroutersido–ora,apartirdomomentoemquesãoouforam,fazempartedeseroudesuahistória,enãopoderiamnemprecedê-lonemproduzi-lo42.
Cabedestacarque,aoladodotempodaconsciênciaecomoconcepçãofísica,háaindaaidéiadetemposocial43.Nessecontexto,pode-sefalarnotempododireitoque,emborasejaconstruídoeapreendidocomonecessárioretornoaopassado,temsidoconstantementeacele-radopornossaimpacientesociedade,conformeadianteseressaltará.
1.4 a tecnologia na abreviação do espaço-tempo
Osmeiosglobaisdeinteraçãoemmassa,notadamenteatelevisão,otelefonecelular,arealidadevirtualeainternettêmefeitosintensosnareduçãodanoçãodeespaçoedetempo,eisquefazemtranscendernossaslimitaçõesfísicas,aumentandoasextensõesdenossocorpo.Kerckhovedestacaque“...estamosdefactoatornar-noscyborgsedeque,àmedidaquecadatecnologiaestendeumadasnossasfaculdadesetranscendeasnossaslimitaçõesfísicas,deseja-mosadquirirasmelhoresextensõesdonossocorpo”44.
Oespaçopassouaserumproblema.Ohomemestáasentiranecessidadedesedes-locar sem semover, o que é permitido pormeio das transmissões de imagens e de dados.Eventualmente,emcasodeserodeslocamentorealmentenecessário,essetemqueseromaisproveitosopossível,comautilizaçãodecelulares,ipods e notebooks45.
Recriamosdiariamenteanatureza.Mapeamosocódigogenético,tentamosaomáximoevitaroenvelhecimentoeamorte,encurtamososespaços,enfim,estamosamodificartodoocursonaturaldosfenômenosnaturais.OSTdestaca:
O domínio da protecção do ambiente revela-se igualmente um domínio reve-ladorda“destemporalização”.Sabemosagorabemqueosnossosmodosde
42 COMTE-SPONVILLE,André.O ser-tempo: algumas reflexões sobre o tempo da consciência;traduçãoEduardoBran-dão.SãoPaulo:MartinsFontes,2000,p.143.
43 OST,François.o tempo do direito.Lisboa:InstitutoPeaget,2001,p.12:“otempoéumainstituiçãosocialantesdeserumfenómenofísicoeumaexperiênciapsíquica.Nãohádúvidaqueeleapresentaumarealidadeobjetiva,tãobemilustradapelocursodasestrelas,pelasucessãododiaedanoite,oupeloenvelhecimentodoservivo.Tambéméverdadequedependedaexperiênciamaisíntimadaconsciênciaindividualquepodeexperienciarumminutoderelógio,oracomotempointerminá-vel,oracomoinstantefulgurante.Masqueroapreendamosemtermosobjetivosousubjetivos,otempoéantesdomaisumaconstruçãosocial–e,logo,umaquestãodepoder,umaexigênciaéticaeumobjectojurídico.”
44 KERCKHOVE,Derrickde,a pele da cultura – uma investigação sobre a nova realidade electrónica. Tradução de Luís SoareseCatarinaCarvalho.Lisboa:Relógiod’Água,1997,p.32.Àp.73,oautordestaca:“Inteligênciaartificial,sistemaspericiais e redes neurais estão a invadir todos os media integrandoas tecnologiaselectrónicas–atravésdadigitalizaçãouniversal–fazendoconvergiroáudio,ovídeo,astelecomunicaçõeseastecnologiascomputacionais”.
45 VIRILIO,Paul.a inércia polar.Lisboa:PublicaçõesDomQuixote,1993,p.30:“NoJapão,atelevisãoinvadiujáostaxiseoselevadoresdastorresmaisaltas.Proibido,comooscães,decircularnaspraças,oautomóveldeixoudefreqüentaraszonasparapeõesdecertosbairroscentrais,refugiando-senoperiférico,àesperadosuperperiféricoparisienseouaindadosistema laser ultra-rápidoesubterrâneoondeoautomóvelseconfundirácomometrô”.
25
consumoedeprodução,osnossosmodosdetransporteeasnossasformasdeocupar o espaço agravam as tensões entre o tempo curto dos ritmos industriais eotempolongodaincubaçãonatural,multiplicandoassimas“bombas-reló-gio”,cujoefeitoserepercutenasfuturasgerações.46
Ligamo-noscadavezmaisunsaosoutrosemfacedosacontecimentosglobais.Éaintegraçãoglobal,que,paradoxalmente, trazconsigoumchoqueinevitávelentreasdiversasculturas,conflitosmotivadosprincipalmentepelasdiferentesvelocidadesdospovos,notada-mente entre o ocidente e o oriente47.Viriliodestacaque
tornado-se amedida, a velocidade passa então a dividir a humanidade empovosesperançosos (osquecapitalizamo suficienteparacontinuarempro-jetando-ainfinitamente)epovosdesesperançosos(imobilizadospelainterio-ridadedeseusveículos técnicos,vivendoesubsistindonummundofinito).Tornado-seamedida,avelocidadetransforma-sena“esperançadoOcidente”–esperançadesupremacia,evidentemente,consubstanciadanoveículo,istoé,noseuvetortecnológico48.
Poroutrolado,emborasaibamosoqueocorredooutroladodomundo,nãodamosamínimaparaoqueocorrecomovizinho.Écomumaaversãoaopróximo,àsoutraspessoas.Tudooqueprecisamosestádentrodenossascasasenãoénecessáriocompartilharissocomninguém.Evita-seatémesmooesforçofísicoemfacedascomodidadesqueatecnologianosproporciona.Paratudoháumcontroleremoto.Viriliodestacaque
...comapróximachegadadoveículoaudiovisual,veículoestático,substitutodasnossasdeslocações físicaseprolongamentoda inérciadomiciliáriaqueacarretariaenfimotriunfodasedentaridade,deumasedentaridadeagorade-finitiva49.
Osmeiosdeinteraçãotecnológicosse,deumlado,tornaminfindáveisaspossibilida-desdoindivíduo,permitindo-lhemanipularomundonoespaço,paraanalisá-lonotempo,traz-nosadúvidasesomosmestresouescravosdosinstrumentosdanovaera.Comoexemplodas
46 OST,François.o tempo do direito.Lisboa:InstitutoPeaget,2001,p.40.47 KERCKHOVE,Derrickde.a pele da cultura – uma investigação sobre a nova realidade electrónica. Tradução de Luís SoareseCatarinaCarvalho.Lisboa:Relógiod’Água,1997,p.123:“...cadainovaçãotecnológicatrazumacontra-reacçãooposta:aglobalizaçãoencorajaahiperlocalização,queemmuitaspartesdomundolevaàagitaçãosocial,váriostiposderacismoeconflitosarmados.EstaéafacadedoisgumesdeBabelpresentenaredefiniçãodasidentidadeselealdadeslocais.Àmedidaqueospovossevãoglobalizando,enfatizarãotambémcadavezmaisassuasidentidadeslocais.AameaçadeumaBabelrevisitadaespreitounaGuerradoGolfo,naSomáliaenaantigaIugoslávia.”
48 VIRILIO,Paul.velocidade e política;traduçãoCelsoMauroPaciornik.SãoPaulo:EstaçãoLiberdade,1996,p.12.49 VIRILIO,Paul.a inércia polar.Lisboa:PublicaçõesDomQuixote,1993,p.35.
26
modificaçõesmaisevidentes,tem-sequeainternet,atelevisãoearealidadevirtualpermitemoestudodocorposocialpelasempresasepelosgovernos,aintensificaçãodavigilânciapolicialonipresente,e,principalmente,umamudançanarelaçãocasa/trabalho50.
Aprópria noção de dinheiro estámudando, como crescimento súbito das transfe-rênciaseinvestimentoseletrônicos,alémdascomprasdigitais.Épossívelcomprarobjetoseinvestiremempresasqueestejamdooutroladodomundosemsequersairdasalaemqueselocalizaocomputador.
Há clara confusão entre a realidade e a fantasia. As notícias se tornam diversão e acre-ditamosemtudooqueéexpostona“telinha”.Nãoatentamosparaastãocorriqueirasdistorçõesefetivadaspelaimprensacomatotalmanipulaçãodosacontecimentos,modificaçõesexigíveispela necessidade de brevidade51.Sónoséapresentadooquetemalgumautilidade.Éaculturade massas.
Aocontráriodoqueocorrecoma televisão,quedifundeaculturademassas,pormeiode imagensebens,proporcionandoàspessoasoqueelasquerem, tornando-asmerossujeitospassivosreceptoresdeumasucessãodeimagenssempossibilidadesdecontestaçãoou interação, a internetpermiteaverbalizaçãodigital,dandoensejoà reflexãoe reaçãoàsinformaçõesapresentadas,propiciandoumaculturadevelocidadecomtotalinteratividade52. Tornamo-nosnovamenteprodutores,comacessoaqualquerpartedomundoparaasmaisdi-versasfinalidades.
Os segredos não mais são mantidos. A internet tem o condão de propiciar uma overdo-se de informações para tudo e para todos. Redes de interação como o orkut ou o google permi-temacharquemouoqueestamosprocurandoemmerasfraçõesdesegundo.
1.5 a tentativa de contenção dos riscos
Àmargemdos“emtese”benefíciosdasociedadecomplexa,promovemosquesãoporelaexcluídosumaescaladadacriminalidadeviolenta,queéseguidadepertopelosabu-
50 KERCKHOVE,Derrickde.a pele da cultura – uma investigação sobre a nova realidade electrónica. Tradução de Luís SoareseCatarinaCarvalho.Lisboa:Relógiod’Água,1997,p.97:“Aspessoaspassarãomuitotempolongedeseulocaldetrabalho,noconfortoepazdassegundascasas,ascasasdecampo.Osquevivemnosubúrbiosvoltarãoaandardecomboioporqueesteslhesproporcionamaliberdadedemovimentosnecessáriaparamanipularumamáquinainteligente,ocomputa-dorportátilouumtelefonecelular,eissoépreferívelacontrolarumamáquinaestúpidacomoéoautomóvel.”
51 RAMONET,Ignacio.a tirania da comunicação;traduçãodeLúciaMathildeEndlichOrth.Petrópolis,RiodeJaneiro:Vozes,1999,p.62:“Oqueéverdadeiroeoqueéfalso?Seaimprensa,arádioouatelevisãodizemquealgumacoisaéverdadeira,istoseimpõecomoverdade...mesmoquesejafalso.Oreceptornãopossuioutroscritériosdeavaliação,pois,comonãotemexperiênciacontretadoacontecimento,sópodeorientar-seconfrontandoosdiferentesmeiosdecomuni-caçãounscomosoutros.Esetodosdizemamesmacoisa,éobrigadoaadmitirqueéaversãocorretadosfatos,anotícia‘verdadeoficial’.”
52 KERCKHOVE,Derrickde.Op. cit.,p.177:“Atelevisãotinhafeitodamaiorpartedajuventudeamericanahippies des-preocupados,disparandofotõesnosseuscérebros,receptivos.Contudo,àmedidaqueiamaprendendoafalarcomosecrãsatravésdoscomputadores,telecomandos,gravadoresdevídeoecâmarascaseiras,homensemulheresmuitojovensrecupe-raramaautonomiasuficientepararesistiraoconsumismoautomáticoereflexoetornaram-serapidamenteempresáriosdesucesso.”
27
sospoliciais.Amídiaeosgovernantesalmejamasegurançadetudocontratodos.DosEsta-dosUnidos,parteparaomundoo“tolerânciazero”,instrumentopolíticodeguerracontraocrime53.
Tentandocontrolaroincontrolável,asociedadeeoEstadosevalemdapuniçãopenal.ODireitoPenalétidocomoremédioparatodososmales.Problemascomasojatransgênicaou com os cibercrimes?Tipifiquem-sealgumascondutasquetudoseresolve.ÉoDireitoPenalmáximoabertamenteutilizadoparatentarresolverosproblemasdeumasociedadecomplexa.ComodestacaSalodeCarvalho,aopçãopolíticadoEstadopelousoarbitráriodopoderpuni-tivoéclara:“acertezaperseguidapeloDireitoPenalmáximoéquenenhumculpadofiquesempunição,àcustadaincertezadequealguminocentepossaserpunido”54.
OEstado,pormeiodoDireitoPenaledoProcessoPenal,tentadarosrumosqueaso-ciedadetemqueseguir.ViriliodestacaqueopoderpolíticodoEstadosósejustificaemfacedaexistênciadeumaclassetentandooprimiraoutra,oquesematerializapormeiodapolícia55.
Osindesejáveisdevemserafastados.Enquantoumdesempregadoestiveremseubar-raconafavela,tudobem.Massedesceomorroparapediresmolasoulimparovidrodenossoscarrosemtrocademigalhas,jáestáincomodando.Crescemasredesdisciplinareseointercâm-biocomoDireitoPenal.ODireitotemqueintimidartaispessoas.Assim,essaconcepçãoanti-garantistaganhaespaçoemnossasociedadeecadavezémaisaceitaepraticada,emdetrimentodorespeitoàdignidadedapessoahumana56.
Poroutrolado,osurgimentodeumaeconomialigadaaolucrativotráficodeentorpe-centestorna,aocrimeorganizado,aoscrimespolíticoseaoscometidospelapolícia,feznascerumalegislaçãorepressivanocombateataiscrimes.ComodestacaFoucault,aoladodoaumen-todoencarceramento,outroprocesso
...éoquediminuiautilidade(oufazaumentarasdesvantagens)deumade-linqüênciaorganizadacomoumailegalidadeespecífica,fechadaecontrola-da;assim,comaconstituiçãoemescalanacionalou internacionaldegran-des ilegalidades ligadas aos aparelhos políticos e econômicos (ilegalidadesfinanceiras,serviçosdeinformação,tráficodearmasededroga,especulaçõesimobiliárias),éevidentequeamão-de-obraumpoucorústicaemanifestadadelinqüênciasemostraineficiente.57
53 WACQUANT,Loïc.As prisões da miséria.Tradução,AndréTelles.RiodeJaneiro:JorgeZaharEd.,2001,p.30“DeNovaYork,adoutrinada‘tolerânciazero’,instrumentodelegitimaçãodagestãopolicialejudiciáriadepobrezaqueincomoda–aquesevê,aquecausaincidentesedesordensnoespaçopúblico–,alimentando,porconseguinte,umadifusasensaçãodeinsegurança,ousimplesmentedeincômodotenazedeinconveniência,propagou-seatravésdogloboaumavelocidadealu-cinante.Ecomelaaretóricamilitarda‘guerra’aocrimeeda‘reconquista’doespaçopúblico,queassimilaosdelinqüentes(reaisouimaginários),sem-teto,mendigoseoutrosmarginaisainvasoresestrangeiros–oquefacilitaoamálgamacomaimigração,semprerendosoeleitoralmente.”
54 CARVALHO,Salode.Pena e garantias.2.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2003,p.86.55 VIRILIO,Paul.velocidade e política;traduçãoCelsoMauroPaciornik.SãoPaulo:EstaçãoLiberdade,1996,p.28.56 MESSUTI,Ana.o tempo como pena;tradução:TadeuAntônioDixSilvaeMariaClaraVeronesideToledo;prefácioAl-bertoSilvaFranco.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2003,p.46.
57 FOUCAULT,Michel.vigiar e punir: nascimento da prisão;traduçãodeRaquelRamallete.28.ed.Petrópolis,Vozes,1987,p.253.
28
Entretanto,ébastanteevidenteadiferenciaçãonapuniçãodosmiseráveisemrelaçãoaosautores,porexemplo,decrimesfinanceiros,políticosequelesamaAdministraçãoPública.Infelizmente,emnossopaís,incomodamaisummendigoapediresmolasdoqueumpolíticoareceber“mensalão”,“mensalinho”ou,atémesmo,atransportardólaresemsuacueca.
Wacquant,analisandoasituaçãobrasileira,destacaaexploraçãosobreospobres,res-saltandoque
... desenvolver oEstadopenal para responder às desordens suscitadaspeladesregulamentaçãodaeconomia,peladessocializaçãodotrabalhoassalariadoepelapauperizaçãorelativaeabsolutadeamploscontingentesdoproletariadourbano,aumentandoosmeios,aamplitudeeaintensidadedaintervençãodoaparelhopolicialejudiciário,equivalea(r)estabelecerumaverdadeiradita-dura sobre os pobres58.
Noaspectodautilizaçãodoaparelhopenitenciáriocomoformadecontençãodosris-cosdasociedade,tem-sequeaexpansãopolicialepenitenciáriaéevidentetambémnospaísesdesenvolvidos.NosEstadosUnidos,paísdasoportunidades,jáéevidenteointensocrescimen-todaindústriacarcerária,quejáéexploradainclusiveembolsasdevalores59.
NaEuropa,continentequecongreganaçõesquesempreforam,paranós,paísessub-desenvolvidos,referênciadeEstadosdobem-estarsocial,jáabandonamtaispolíticaserecru-descemaatuaçãodevigilânciaepunição.Wacquantdestacaque
... as políticas penais das sociedades da Europa ocidental tornaram-se, no conjunto, cada vez mais duras, mais abrangentes,masabertamentevoltadasparaa‘defesasocial’,emdetrimentodareinserção,justamentenomomentoemqueessassociedadesreorganizavamseusprogramassociaisnumsentidorestritivoeseusmercadosdetrabalhonumsentidopermissivo.60
58 WACQUANT,Loïc.As prisões da miséria.Tradução,AndréTelles.RiodeJaneiro:JorgeZaharEd.,2001,p.10.59 WACQUANT,Loïc.Op. cit.,p.91/92:“ApartirdomomentoemqueaCorrectionsCorporationsofAmérica,CorrectionalServicesCorporation,Securicor(sediadaemLondres)eWackenhutentraramnabolsa,aindústriacarceráriapassouaserumdosmimosdeWallStreet.Éverdadequeomercadodefinanciamentodasprisões,públicaseprivadas,movimentacercadequatrobilhõesdedólares.Etemumgrandefuturopelafrente:duranteapenasoanode1996,foraminiciadasaconstruçãode 26 prisões federais e 96 penitenciárias estaduais. A revista Corrections Building News, quepublicaacrônicadessesetordeatividade,temumatiragemdecercade12milexemplares.Acadaano,aAmericanCorrectionalAssociation,organismosemiprivadocriadoem1870quepromoveos interessesdo setor, reúneprofissionaise industriaisdo sistemacarcerárioparaumgrande‘salãodecarceragem’decincodias.Maisde650firmasexpuseramseusprodutoseserviçosporocasiãodoCongressodeOrlandoemagostode1997:entreosartigosexibidos,algemasforradasarmasdeassalto,fechadurasegradesinfalíveis,mobiliárioparacelastaiscomocolchõesàprovadefogoetoaletesemumasópeça,elementoscosméticosealimentares,cadeirasimobilizantese‘uniformesdeextração’(paraarrancardesuaceladetentosrecalcitrantes),cinturõeseletrificadosdedescargamortal,programasdedesintoxicaçãoparatoxicômanosoude‘rearmamentomoral’parajovensdelinqüentes,sistemasdevigilânciaeletrônicaedetelefoniadeponta,tecnologiasdedetecçãoedeidentificação,softwares detratamentodosdadosadministrativosejudiciários,sistemasdepurificaçãodearantituberculose,semesquecerascelasdesmontáveis(instaladasnumatardeemumestacionamentoafimdeabsorverumafluxoimprevistodedetentos)eas‘pri-sõeschavenamão’eatéumacaminhonetecirúrgicaparaoperardeurgêncianopátiopenitenciário.”
60 WACQUANT,Loïc.As prisões da miséria.Tradução,AndréTelles.RiodeJaneiro:JorgeZaharEd.,2001,p.119.
29
Omundoseguereferidalinha.Éavigilânciadetodoscontratodosembuscadeumapseudo-segurança. Virilio destaca:
Emtodasaslatitudes,oalojamentosocial,cidade-dormitóriooudetrânsito,implantadonoslimitesdascidades,àbeiradasauto-estradasoudasviasfér-reas,ossistemasdepedágiorodoviárioquecomtantainsistênciaogovernoquerinstauraràsportasmesmasdeumacapitaldespovoadapelaseleção,osquartéis-generaisdasforçaspoliciaisinstaladosnasproximidades,todoesseaparatoétão-somenteareconstituiçãodasdiversaspeçasdomotordafortale-za,comseusflancos,suasgargantas,suaspassagenssubterrâneas,suaschica-nas,aadmissãoeoescapamentodesuasportas,todoessecontroleprimordialda massa pelos órgãos da defesa urbana.61
Sobosdelineamentosdasociedadecomtaiscaracterísticaséquepassamosaanalisarainvestigaçãocriminalpréviaàfasejudicial.
61 VIRILIO,Paul.velocidade e política;traduçãoCelsoMauroPaciornik.SãoPaulo:EstaçãoLiberdade,1996,p.28/29.
30
2 ESBOÇO HisTóRiCo da invesTiGaÇÃo PRELIMINAR
2.1 antecedentes do inquérito
Faz-se necessária uma incursãohistórica sobre a investigaçãopreliminar diante doescopodeseanalisaroinquéritopolicialemumasociedadecomplexa,eisqueosaspectosdainteligênciahumanarefletindonoDireitosofreramevoluçãoouinvolução,deacordocomascaracterísticasdospovosocidentais,considerando-seasrealidadessociais,econômicasepolí-ticas das sociedades ao longo do tempo.
Ao longo da história, houve práticas judiciárias62 que tinhampor alvo conseguir areconstituiçãode fatodelitivo.Para tanto, seguiam-se rituaisquebuscavamadescobertadaverdade,oquesempreguardourelaçãocomfatoresdeterminantesdasmodalidadesdeconvi-vência social.
Nosprimórdiosdahumanidade,entretanto,nãohaviainvestigação,fosseemsuamo-dalidadepreliminaroudefinitiva,nãohavendoprocedimentossistematizadospréviosparaso-luçãodeconflitos.Comaburocratizaçãoestatal,surgemambasasmodalidades,sendoqueaanálisedecaracterísticasprincipaisdedeterminadosperíodoshistóricostemocondãodeauxi-liar o entendimento sobre a (des)necessidade e (in)efetividade de uma investigação preliminar ao processo penal em nossa sociedade contemporânea.
ComodestacaFoucault, a busca da verdade recebera o nome de inquérito63 e fora utilizadonãoapenascomoformadeaplicaçãodoDireito,mastambémpordiversasáreascien-tíficas,aexemplodoquesedácomgeógrafos,economistas,botânicos,sociólogos,psicólogos,criminólogosouzoólogos.Osurgimentodoreferidoinstituto,conformedestacaoautor,deu-senaIdadeMédia,consistindo,então,formadepesquisadaverdadejurídica,comoescopode
62 FOUCAULT,Michel.a verdade e as formas jurídicas.3.ed.RiodeJaneiro:NauEditora,2003,p.11,verbis:“Aspráticasjudiciárias–amaneirapelaqual,entreoshomens,searbitramosdanoseasresponsabilidades,omodopeloqual,nahistó-riadoOcidente,seconcebeuesedefiniuamaneiracomooshomenspodemserjulgadosemfunçãodoserrosquehaviamcometido,amaneiracomoseimpôsadeterminadosindivíduosareparaçãodealgumasdesuasaçõeseapuniçãodeoutras,todasessasregrasou,sequiserem,todasessaspráticasregulares,éclaro,mastambémmodificadassemcessaratravésdahistória–meparecemumadasformaspelasquaisnossasociedadedefiniutiposdesubjetividade,formasdesabere,porconseguinte,relaçõesentreohomemeaverdadequemerecemserestudadas.”
63 Daanálisedasponderaçõesdoreferidoautor,tem-sequesuasreferênciasainquéritodizemrespeitoàinvestigaçãocriminaljudicialenãoaoquetemoshojenoBrasilcomoconceitodeinquérito,qualseja,ainvestigaçãopréviaaoprocessopenal,decorrentedaatividadedepolíciajudiciáriaadministrativa.
31
sesaberquando,dequemodoequemfizeraalgoqueacarretassedeterminadasconseqüênciasjurídicas64.
Entretanto,jásepercebeantesdaIdadeMédia,duranteoImpérioRomano,osdeli-neamentosdeumainvestigaçãopenalpreliminarnosmoldesdoqueéaplicadoatualmenteemdiversospaísesocidentais.Vejamos.
2.1.1 investigação no período grego
NaGréciaAntiga,verifica-seapresençaestatalnasoluçãodeconflitos,estandoosci-dadãos,entretanto,tambémenvolvidosnabuscadeeventualfatodelitivo.Comefeito,emfacedointensoapegoaosdeuses,osatoresprincipaisdainvestigaçãopenalsesubmetiamaduelosejogos,ficandoojuiz65,aquemincumbiaprotegeroscidadãos,afastadodeparticipaçãoefetivanoprocesso,oquedelineiaumincipientesistema processual penal acusatório66.Nessesentido,AuryLopesdestacaque
aorigemdosistemaacusatórioremontaaoDireitogrego,ondesedesenvolvereferendadopelaparticipaçãodiretadopovonoexercíciodaacusaçãoecomojulgador.Vigoravaosistemadeaçãopopularparaosdelitosgraves(qualquerpessoapodia acusar) e acusaçãoprivadapara os delitosmenosgraves, emharmoniacomosprincípiosdoDireitoCivil67.
Muitasvezes,afigurasupremadomagistrado68reuniasacerdócio,justiçaecomandodacidade,nãohavendoqualquerdivisãodepoderes.Ojuizcapitaneavaosritos69,aoraçãoe
64 FOUCAULT,Michel.Op. cit., p. 12.65 FUSTELDECOULANGES,NumaDenis.A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia
e de Roma;traduçãodeJonasCamargoLeiteeEduardoFonseca.SãoPaulo:Hemus,1975,p.145:“Osgregostinhamumaexpressãogeralparadesignarosmagistrados:diziamoi en télei,queliteralmentesignifica‘osquesãodestinadosaoferecerosacrifício’,expressãoantigaqueindicaaidéiaqueprimitivamentesefaziadomagistrado.Píndaro,aoreferir-seaessespersonagens,dizque,pelasdádivasquefazemaolar,asseguramasalvaçãodacidade.”
66 CARVALHO,Salode.Pena e garantias.2.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2003,p.7,verbis:“NaGréciaenaRomarepublicana,porém,oprocessoerafundamentalmenteacusatório,dadoocaráterprivadodaacusação(nosdelitosnosquaisoEstadonãoeraofendido/interessado)eanaturezaarbitraldojuízo.”
67 LOPESJR.,Aury.introdução crítica ao processo penal (fundamentos das instrumentalidade garantista). Rio de Janei-ro:LumenJuris,2004,p.152.
68 REALE,Miguel.actualidades de um mundo antigo.RiodeJaneiro:LivrariaJoséOlympioEditora,1936,p.57/58:“Ofundadordacidade,oheroe,opatriarchaétambémocabeçadeumadynastiadereis.Aautoridadedosmonarchasrepousa,portanto,sobreacrençadeumasuperioridadenãohumana,massobrehumana.Dahioseucaractereressencialmentereli-gioso.Oreiconcentraemsuasmãostodosospodres,oreligioso,omilitareopolítico.Elleéochefeabsolutodasociedadepatriachal,ograndeproprietárioeomagistradosupremo.”
69 SEGALEN,Martine.Ritos e rituais contemporâneos;traduçãoMariadeLourdesMenezes.RiodeJaneiro:EditoraFGV,2002,p.17:“Rito,ritual,cerimônia,festa:qualéoconteúdosemântico?SegundoolingüistaÉmileBenveniste,apalavra‘rito’ teriavindoderitus,quesignifica‘ordemprescrita’, termoassociadoaformasgregas taiscomoartus‘ordenação’,ararisko‘harmonizar’,‘adaptar’earthmos,queevocao‘laço’,a‘junção’.Juntocomaraizarquederivadoindo-europoeuvédico(rta,arta),aetimologiaremeteessaanáliseàordemdocosmo,àordemdasrelaçõesentreosdeuseseoshomens,àordemdoshomensentresi.”
32
aintermediaçãodaproteçãodosdeuses,sendoescolhidoporcritérioshereditários,eisqueonascimentorevelavasatisfatoriamenteavontadedossenhoresdoscéus70.
Aoanalisaraspráticasjudiciáriasdosgregos,FoucaultanalisaatragédiadeÉdipo71,pelaqualinferequearealizaçãodaverdadejurídicaerafeitapormeiodeumjogo,nãoseuti-lizandoainvestigaçãodetestemunhas,constatações,inquéritoouinquisição,mas,sim,deumadiversão probatória72.Averdadeestavanãocomumjuiz,sentençaoutestemunha,mas,sim,comaquelequesaíssevitoriosonodesafio.
Jáemoutrapeçahelena,adoÉdipo-Rei,emquesefazreferênciaaumlitígiocriminal,comoqualsebuscasaberquemmataraoreiLaio,surgeafiguradeumpastorqueteriapre-senciadoodelito,tendocabidoàhumildetestemunhavencerospoderosossenhores73. Surgiu aoposiçãodaverdadeaopoder,conquistadademocraciagrega,quedesencadeouaelaboraçãode formas racionais de prova e de persuasão na obtenção da veracidade74.
2.1.2 investigação na Roma antiga
ODireitoromanofloresceupormaisdemilanos,refletindoasseguintesfasesdede-senvolvimento:1)Realeza(753-510a.C);2)República(510-27a.c.);3)Altoimpério(27-284);4)Baixoimpério(284-565);e5)Bizantino(565-1453).
EmtodooperíododoDireitoromanoantigo,eraforteadivisãoentreopúblicoeoprivado,oquetambémtinhareflexosnasearapenaleprocessualpenal.Haviaatosilícitospu-nidos pelo jus civile75 com penas privadas e os ilícitos reprimidos pelo jus publicum com penas públicas.
Nosprimórdiosdacivilizaçãoromana,avítimadeumdelitoouseusfamiliares,retri-buíamomalcomomal,semautilizaçãodequalquermétodoprocedimentalizadodebuscadofatoocorrido.Eraavingançaprivada,queevoluíraparaapenadetalião(olhoporolho,dente
70 FUSTELDECOULANGES,NumaDenis.A cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma;traduçãodeJonasCamargoLeiteeEduardoFonseca.SãoPaulo:Hemus,1975,p.146.
71 FOUCAULT,Michel.a verdade e as formas jurídicas.3.ed.RiodeJaneiro:NauEditora,2003,p.31,verbis:“AtragédiadeÉdipoé,portanto,ahistóriadeumapesquisadaverdade;éumprocedimentodepesquisadaverdadequeobedeceexa-tamenteàspráticasjudiciáriasgregasdessaépoca.PorestarazãooprimeiroproblemaquesecolocaéosaberoqueeranaGréciaarcaicaapesquisajudiciáriadaverdade”.
72 FOUCAULT,Michel.Op. cit.,p.32,verbis:“Umlançaumdesafio,ooutrodeveaceitaroriscoouaelerenunciar.Seporacasotivesseaceitoorisco,setivesserealmentejurado,imediatamentearesponsabilidadedoqueiriaacontecer,adescober-tafinaldaverdadeseriatranspostaaosdeuses.EseriaZeus,punindoofalsojuramento,sefosseocaso,queteriacomseuraio manifestado a verdade.”
73 FOUCAULT,Michel,Op. cit.p.54,verbis:“Estadramatizaçãodahistóriadodireitogregonosapresentaumresumodeumadasgrandesconquistasdademocraciaateniense:ahistóriadoprocessoatravésdoqualopovoseapoderoudodireitodejulgar,dodireitodedizeraverdade,deoporaverdadeaosseusprópriossenhores,dejulgaraquelesqueosgovernam.”
74 FOUCAULT,Michel.a verdade e as formas jurídicas.3.ed.RiodeJaneiro:NauEditora,2003,p.35,verbis:“HouvenaGrécia,portanto,umaespéciedegranderevoluçãoque,atravésdeumasériedelutasecontestaçõespolíticas,resultounaelaboraçãodeumadeterminadaformadedescobertajudiciária,jurídica,daverdade.Estaconstituiamatriz,omodeloapartirdoqualumasériedeoutrossaberes–filosóficos,retóricos,eempíricos–puderamsedesenvolverecaracterizaropensamento grego.”
75 MANZINI,Vincenzo.Tratado de derecho procesal penal;TraduçãodeSantiagoSentisMelendoeMarinoAyerraRedín.BuenosAires:EdicionesjurídicasEuropa-America,1951,p.3:“Elderechopenalprivadoconsentiaemgenerallaactio doli portodohechoinjustocometidosinviolenciaynoprevistoespecíficamenteporlaley.”
33
por dente)76.Giordanidestacaque“arepressãodoprópriohomicídio(parricidium),conside-radocomolesivoàpessoafísicaenãoaoEstadocomotal,cabiainicialmenteaosparentesdavítima e não a um órgão estatal”77.
Comaavocação,porpartedoPoderPúblico(cognitio),dadistribuiçãodajustiça78,certosdelitos,quecompunhamoDireitoPenalPrivado,erampenalizadospormeiodecompo-sição,atuandoorepresentanteestatalcomoárbitro,mascomfortespoderesinquisitoriais.Nacognitio,eranecessáriaainiciativadoautor,oqual,damesmaformaqueomagistrado,pode-riapromoveroandamentoedesenvolvimentodoprocesso,sendoque,aqualquermomento,poderiaocorreracordodeorigemarbitrale,muitasvezes,arbitrário,porbasear-seematosdeimpériodomagistrado,quesevaliadacoertio para impor suas determinações.
JánafasedaRepública,surgemasfigurasdospretores,encarregadosdedistribuiçãoda justiça,quepodiamdelegarsuasatribuiçõesaospraefecti jure dicundo,comopropósitodeatuaçãonasmaisdiversaspartesdaItália.Naapuraçãodelitiva,emfacedaduplicidadededelitos79,osprivados(injúria,furto,violênciaefraude)eospúblicos80(falsotestemunho,roubonoturnodecolheitaseparricídio),oprocesso,orasedesenvolviaperanteumajurisdiçãocivilordinária,cujapenaaofinalconsistiaemumamulta,oraseguiaperantetribunaisespeciais,quepodiaminfligircomopena,porexemplo,amorteeoexílio81.
Paradiminuirosabusosdoórgãojulgadornaaplicaçãodacoercitio,instituiu-seain-quisitio,queconsistiaemumaespéciederecurso(provocatio) a membros da comunidade82.
Issoporque,comojádestacado,oDireitoPenalPúblicodelineavacondutasqueeramseveramentereprimidasenecessitavam,porisso,deumainvestigaçãomaisacurada,sendo,por
76 BRASIELLO,UGO,voce“Delicta”cit.,in“Nuevo”,vol.IV,p.673,ApudTUCCI,RogérioLauria.lineamentos do pro-cesso penal romano.SãoPaulo:Bushatsky,1976,p.28:“Defato,emprincípio,olesadopodiavingar-se:desforrailimitadanumprimeiromomento,masquesetornavadepois,quandopossível,proporcionalàofensa(leidetaglione,aplicada,so-bretudo,noscasosdeiniuracorporal).Maistarde,admitiu-seacomposição pecuniária,comaqualseimpediaavingança,proporcionando-sesatisfaçãodeoutranaturezaaoofendido.”
77 GIORDANI,MárioCurtis.direito Penal romano.3.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LúmenJuris,1997,p.6.78 CRETELLAJÚNIOR,J.Curso de direito romano: o direito romano e o direito Civil brasileiro. rev. e aum. Rio de Janeiro:Forense,1998,p.409/410:“Aopassoqueosmagistradosjudiciários,denossosdias,têm,comofunçãoespecíficajulgar,aplicaraleiaocasoconcreto,sendofuncionáriosdecarreira,osmagistradosromanossãoeleitos,nemsemprees-pecializados,exercendo,muitasvezes,funçõespolíticas,aoladodasjudiciárias.Desconhecemosromanosoprincípiodaseparaçãodospoderesjudiciáriosepolíticos,quedominaomodernoDireito.”
79 TUCCI,RogérioLauria.lineamentos do Processo Penal romano.SãoPaulo:Bushatsky,1976,p.21:“...énadistinçãoentre delictum e crimenquerepousa,sobretudo,egenerosamente,adiferençaentreasduasprincipaismodalidadesdopro-cesso penal romano,quaissejamacorrespondenteaoprocesso penal privado,emqueoEstadoseapresentavacomoárbitro entre litigantesparticulares,eaatinenteaoprocesso penal público,quandooseuposicionamentoera,exatamente,odetitular do poder de punir,nointeressedacoletividade.”
80 MANZINI,Vincenzo.Tratado de derecho Procesal Penal;TraduçãodeSantiagoSentisMelendoeMarinoAyerraRedín.BuenosAires:EdicionesjurídicasEuropa-America,1951,p.4/5:“Elprocesopenalpúblico,emelcualelórganodelEsta-do,emlugardeatenerseúnicamentealresultadodelcontradictorioentrelaspartes,hacíaporsimismolasinvestigacionesnecesariasparalospronunciamentosdelcaso,debía,comomásadecuadoalfin,prevalecery,emefecto,prevaleciócommuchosobreelprocesoprivado.Emelprocesopenalpúblico,noeraelparticularofendidoquienhacíavalerumapretensiónjurídica,sinoqueeraelEstadoquienefectuabalapropiafuncióndedefesasocial.”
81 CRETELLAJÚNIOR,J.Curso de direito romano: o direito romano e o direito Civil brasileiro. rev. e aum. Rio de Janeiro:Forense,1998,p.302/303.
82 TUCCI,RogérioLauria.Op. cit.,p.119:“Aprovocatio,assimintroduzidacomoremédiosoberanoeapropriadoparaopor-se,ocidadãoromano,aoarbítriodomagistrado,constituiu-se,aomesmotempo,naprimeiraefundamentalgarantiadaquelecontraopodercoercitivodeste,naconsolidaçãodoprimeirotipodeprocessopenal–ocomicial(jáagoraconsubstanciado,comovimos,empronunciamentodomagistrado,comreclamatóriasubsequente,aoPovo,emAssembléiaReunido),e,ou-trossim,naformaçãodoprimeironúcleodoDireitoPenal,emRoma.”
34
exemplo,tipificadascondutasdecorrupçãodeagentesestatais,subornodetestemunhasoujuí-zes,receptaçãoeoutroscrimesqueofendiamoEstadopersonalizadonafiguradoImperador83.
Paraaapuraçãode taisdelitosgraves, instituiu-seumacomissãopermanente(qua-estio)que incorporavao iudicium publicum com jurisdiçãoparaconhecer e julgar casosdetaisespécies.Referidosistemadequaestiones perpetuaeestendera-seadiversosdelitos,sendocaracterísticamarcantedessafase,queocorreraatéfinsdaRepública,ainexistênciadeacordoentreossujeitosprocessuaisoumesmodepartes,emboraseobservasseométodo acusatório84,sendoqueafiguradoacusadorparticularforaposteriormentesubstituídapeladeumrepresen-tantedacomunidade,masaindacomsalvaguardadaimparcialidadedomagistrado85.
NoProcessoPenalPúblico,oEstado,visandoresguardarasegurançacoletiva,chama-vaparasiarepressãodelitiva.Deinício,noaltoimpério,ojuiz,indicadopelaspartes,eratidocomoimparcial,devendoguardareqüidistânciadaspartes86,situaçãoessaquenãosubsistiraemfacedafortecentralizaçãoeproteçãoaosinteressesestatais.
Talformadeprocessopenal,aaccusatio87,jánosfinsdaRepública,consistianoco-nhecimentoejulgamentopeloEstadodaaçãocriminosa,masali,diferentementedoqueocor-ria na cognitio88,oórgãojulgador,agoracolegiadoecompostoporcidadãos,apenasdiscutiaepronunciavaasentença,nãodandoinícioàaçãopenal,procedimentoestereservadoapenasaos cidadãos ou aos ofendidos89,muitomenosàinvestigaçãoprobatória.Destaseincumbia
83 GIORDANI,MárioCurtis.dreito Penal romano.3.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,1997,p.77.84 CARVALHO,Salode.Pena e garantias.2.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2003,p.7,verbis:“NosistemadaRepúblicaromana,oprocessoiniciavacomaaccusatio do ofendido ou do seu representante. Após a accusatiohaviaoprocedimentodepesquisadamaterialidadeeautoriapeloacusadornapresençadoacusado.Alegitimidadedainvestigaçãoerafornecidapelomagistradoatravésdeuma lexquedelegavapoderesparaprocederàbuscadasprovas(inquiriçãodetestemunhas,examededocumentoset coetera).Oacusado,ouseucomesmis,podiafiscalizarosatosdoacusadordemodoqueestenãopodiasequerpensarcoisaalgumaqueaooutronãofosseconhecida.Logo,oprocessoacusatóriocaracterizou-se,desdeoprincípio,comoactustriumpersonarum,público,oralecontraditório,noqualojuiznãotomavaainiciativadeapurarcoisaalguma,eondeoréuaguardava,emregra,asentençaemliberdade.Importantelembrarqueaaçãopúblicapopular(pública)nasceuposteriormente,comaintroduçãodosdelitoscontraacoletividade.”
85 TUCCI,RogérioLauria. Op. cit., p. 77.86 CRETELLAJÚNIOR,J.Curso de direito romano: o direito romano e o direito Civil brasileiro. rev. e aum. Rio de Janeiro:Forense,1998,p.321:“Cabendo-lhejulgaroprocesso,ojudexdeveráobedeceracertosprincípiosestabelecidosemlei.Oprocessonãoédojuiz,édaspartes,sendoomagistradoumestranhoàlide.Dessemodo,aprimeiraqualidadequeseexigedojulgadoréaimparcialidade,aobjetividadeaojulgar.”
87 MANZINI,Vincenzo.Tratado de derecho Procesal Penal;TraduçãodeSantiagoSentisMelendoeMarinoAyerraRedín.BuenosAires:EdicionesjurídicasEuropa-America,1951,p.6:“EssiempreelEstado,tantoemlacognitiocomemlaaccu-satio,quien,tratándosededelictapublica,intervieneemelprocesoparadeclararlacertezadeldelitoypronunciarlasenten-cia.PeroemlaaccusatioelEstadoestárepresentadoporumsoloórgano(magistrado),cuyapotestadestátambiénlimitadaúnicamentealmeroejerciciodelafunciónjurisdicionalemsentidoestricto,estoes,aladeliberaciónyalpronunciamentodelasentencia.Emcambio,lãsiniciativasparadeterminarlapersecucióndeldelincuente,pararealizarlapretensiónpuni-tivapública,emumapalabra,paraejercitarlaacciónpenal,nopertenecenaumórganodelEstado,sinoaumrepresentantevoluntáriodelacolectividad,nomagistrado(accusator).”
88 GIORDANI,MárioCurtis.direito Penal romano.3.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,1997,p.96:“Omaisantigo sistema processual romano era o da cognitioquesecaracterizavapornãohavernecessidadedepartes(nosentidojurídico)epelaausênciadeformalidadesestabelecidaslegalmente(oqueensejavaoilimitadoempregodacoercitio). (...) A cognitio(conhecimentoespontâneo)fundava-senainquisitio.´Ointerrogatóriodoacusado,interrogatórioquejásenãoconhecenojuízopenaldeépocaposterior,deveconstituiropontocentraldoprocedimentoprimitivoporquantonenhuminterrogadopoderianegar-searesponderaomagistradoqueoinquiria.Aeste,aodepositáriodoimperium,era-lhepermitidoreceberdenúncias,istoé,testemunhosantecipados,detodasasmaneiraseporqualquermeio,eseudireito,eseudireitodecitareexaminartestemunhasnãopodiaterlimitações.”
89 TUCCI,RogérioLauria.lineamentos do Processo Penal romano.SãoPaulo:Bushatsky,1976,p.151:“Aquelequepre-tendessesustentaraacusação,deviaoferecerlibelo(postulatio,pettitio),contendoadelatiocriminis,istoé,aindicaçãodocrimenedaleiviolada;aomesmotempoemquesesubmetiaaojuízomediantejuramento(ius iurandum) se perseverturum in crimine usque ad sententiam.E,seváriosfossemosacusadores,opresidentedeviaescolher,dentreeles,omaisidôneoou o mais interessado (divinatio),parafazê-lo,permanecendoosdemaiscomosubscritptores.”
35
oacusadorprivadoquebuscavafazerainstruçãonecessáriaparaembasaraacusaçãojáefe-tivada,valendo-sededocumentose testemunhas,cabendoaoacusadoacompanhar referidaatividade.
Alémdasduasmodalidadesde investigação referidas,havia, também,umadecor-rente doDireito Penal extraordinário90, que englobava delitos que atingiam a organizaçãopolítica,taiscomoosdealtatraição,desobediênciaaórgãosestataissupremos,violaçãodepropriedade estatal, depredação de províncias, assassinatos e falsificação de testamentos91. IstosederanoBaixoImpério,ocasiãoemqueojuiz,agindoemnomedoImperadoresujeitoàfortehierarquia,investigavadeofícioeventuaisfatosqueensejassemsuspeita,instruindoedecidindo o litígio penal92.
Referidajustiçapenalextra ordinemseagigantara,englobandonovosdelitoseabran-gendoatémesmoesferadeatuaçãodoacusadorprivado,oquefezcomqueajurisdiçãopenaldosmagistradosfossemaiseficienteemboraconcatenassetraçosautoritários,comcaráteralta-menteinquisitório93.Acompanhandoastendênciasdeumregimeimperialforteecentralizador,houveinflaçãodemasiadadastipificaçõespenais.Condutasqueantesconsistiamviolaçõeseobrigaçõesdedireitoprivado,bemcomoexasperaçãodemasiadadaspenas,tudocomoobjeti-vodecontrolesocial,quesedavapormeiodarepressãodelitiva.
Jáseevidenciaemtalperíodoumaespéciedeinvestigaçãopenalpreliminarqueocor-ria antes das audiências e debates perante o magistrado94. O praefectus urbi era um funcionário públicovitalícioque,alémdeadministrarapolíciadeRoma,processavaejulgavaascausascriminais.Contavacomoauxíliodos irenarchae,curiosi e stationarii,agentespoliciaisaosquaisincumbiaaformalizaçãoescritadainstruçãoprocessual95.
Emtalperíodo,aatividadedomagistradoabrangiaacognitio,queconsistianoco-nhecimentoejulgamentodosdelitos,bemcomoacoercitio,atividadeinvestigativaentendidacomofunçãodepolícia,queentãoerarealizadacomoauxíliodefuncionáriosdosmagistrados
90 GIORDANI,MárioCurtis.Op. cit.,p.68:“Repressão Extraordinária,umasériedefatoreslevamomagistradoaatuarsingularmenteexercendoseuimperium extra legem.Assim,porexemplo,emfacedecategoriasdesereshumanosquenãoerampassíveisderepressãoordinária(osescravos,osnãocidadãos),oupessoasqueestavamsujeitasaumregimeespecial(militaresquecometiamcrimesnoexercíciodesuasfunções);omesmoocorriaquandoomagistradoseencontravadiantedefatosqueserevelavampuníveismasparaosquaisnãoexistiamleis,oqueimpediaaaçãojudicantedopovooudeumco-legiadodejuízes.Surgia,assim,umamplocampoemqueosmagistradosexerciamseuimperium coercitivo ultra legem.”
91 TUCCI,RogérioLauria.Op. cit., p. 77.92 MANZINI,Vincenzo.Tratado de derecho Procesal Penal;TraduçãodeSantiagoSentisMelendoeMarinoAyerraRedín.BuenosAires:EdicionesJurídicasEuropa-America,1951,p.51:“Teóricamenteelinquisitórioasumiócarácterdeprocesoextraordinário,yporestasunaturalezadebíacederelcamploalacusatóriocuantasvecessepresentaralaacusación:´Pen-denteinquisitione,siantesententiamsuperveniataccusatio,tunccessatinquisitiotanquamremediumextraordinarium`.Peroprácticamentetuvocaráterordinário,puesapareciacomoelmédiomáseficazparaéxpurgarecivitatemmalishominibus’.”
93 BONFANTE,Pietro.Istituzioni di Diritto Romano,Milano,1902,3.ed.,p.99/100.ApudTUCCI,RogérioLauria.li-neamentos do Processo Penal romano.SãoPaulo:Bushatsky,1976,p.84:“...ascaracterísticasdosiudicia publica extra ordinemseapresentavamcomoantitéticasàsdosiudicia publica legitima;acrescentandoque,nosistemanovo,osórgãosestatais,incumbidosdeconduziroprocessodesdeoinícioatéoseufinal,procediamcommuitaliberdade,querrelativamen-teàsformasprocessuais,quernotocanteàvaloraçãodascircunstânciasdocrime,àirrogaçãodapenae,ainda,àverificaçãodaspersonalidadesdosacusadores,dosofendidosedosréus.”
94 TUCCI,RogérioLauria.lineamentos do Processo Penal romano.SãoPaulo:Bushatsky,1976,p.177:“...haviaumaes-péciedeinstruçãoescrita,deque,comoesclaresse,Tuozzi,oselogia dos irenarchae foram os primeiros sinais: efetivava-se ela,comoantesressaltado,ex officio,sendoque,damesma,seincumbiam,nacidade,ospraefecti vigulum,enasprovíncias,os curiosi,osirenarchae e os stationarii,osquais,coligidasasprovas,compilavamoselogia ou nuntiationes,quesecons-tituiam a base da acusação.”
95 TUCCI,RogérioLauria.Op. cit., p. 183.
36
imperiais.Novamente,estavamosmagistradosaprocederdeofício,semnecessidadedequal-queracusaçãoformalaensejaracolheitadeprovas(inquisitio) para o seu convencimento.
Jáos trêsprimeirosséculosdaeracristãforammarcadosporperseguiçõesàIgrejaNascente.Neroproibira legalmenteoCristianismo.Comoeracrimesercristão,haviamjul-gamentosrealizadospelosmagistradosromanosqueatendiamcomsolicitudeaosanseiosdasclassespopulares,quelotavamestádiosparapresenciarosrituais,sempreemfacedaoposiçãodoscristãosàstradiçõeseantigascrenças96.
Punia-senãopelofato,maspelasimplescondiçãodeseroagenteumcristão.NãohaviasequersefalareminvestigaçãonamedidaemqueosimplesfatodeseaderiraoCris-tianismojáeracontrárioàordemestabelecida.Comefeito,bastavaumapalavraouumgestodoinvestigadoparaqueacondenaçãofosseproferida.Comaconfissãodaheresia,seguia-seocastigo.Já,emcasodenegaçãodaféespúria,aabsolvição97.Ocristãonãotinhadireitodedefesa,nãohavendonecessidadedeinstruçãonemdetestemunhasouprazos.Muitasvezes,osmagistrados,almejandoaapostasiaouadelaçãodenovosinfratoresreligiosos,submetiamocristãoatorturasquepoderiamduraranos.Haviaumdueloentreocristãoeomagistrado,sendoqueesteencaravaoobjetodainvestigaçãocomoumdesafioaservencido,sentindo-seojuizderrotadoquandoocristãopermaneciairredutível.Paraquetalnãoocorresse,criaram-seasmaisvariadasformasdetortura“científica”,quesubmetiaoacusadoaodesespero,cansaço,pânicoprogressivo,desistênciapsíquicaefísica,almejando-secomissoasuaderrota98.
Taispráticastinhamapenasfinsinvestigatórios,sendoque,emcasodecondenação,aindahaviaaposteriorpenalidadedeenvioaoscárceres,crucificação,queimanafogueira,de-capitação,enfrentamentodeferasnocirco,trabalhoforçadonasminasouexílio.Noimpérionãohaviapenadeprisão,masestaera largamenteutilizadaemsuamodalidadepreventiva,podendoosréuspassarmesesouanosencarceradosàesperadedecisãojudicial,sendotambémocárcereummétododealcançaraalmadoinvestigado99. No caso de desistência por parte dos
96 LESBAUPIN,Ivo.a bem-aventurança da perseguição – a vida dos cristãos no império romano.Petrópolis:Vozes,1975,p.18/19.
97 LESBAUPIN,Ivo.Op. cit., p. 20.98 LESBAUPIN,Ivo. a bem-aventurança da perseguição – a vida dos cristãos no império romano.Petrópolis:Vozes,1975,p.34:“EusébiodeCesaréiadáaseguintedescriçãodastorturasduranteaperseguiçãodeDiocleciano:‘Oramatavam-nosagolpedemachado,comoaconteceucomosdaArábia;oraquebravam-lhesaspernas,comofizeramcomosdaCapa-dócia;eàsvezespenduravam-nospelospés,sobfogolento,demodoqueeramasfixiadospelafumaça–foioqueocorreunaMesopotâmia;outrasvezescortavam-lhesonariz,asorelhas,asmãoseesquartejavamosdemaismembrosdocorpo,comosucedeuemAlexandria.SeráprecisolembraraquelesdeAntioquia,queimadoslentamentenagrelha,nãoparamorrer,masparasofreraindamais,eaquelesquepreferiampôramãodireitanofogoatocarnosacrifícioímpio?’‘OutrossofreramnoPonto(regiãodaÁsia)tormentoshorríveisdeseouvir:enfiavam-lhesagulhaspordebaixodasunhas,derramando-lhesnascostaschumboderretidodemodoatorrarmesmoaspartesmaisnecessáriasdocorpo’.Entreasmutilaçõesaquerecorriam,incluía-seacastração.Paraobteroquequeriam,chegavamapôrcabrestooucorrentesnabocadapessoaparamantê-laabertaoufazê-latomarovinhodaslibaçõesàforça.”
99 LESBAUPIN,Ivo.Op. cit.,p.37:“Comoseolugarjánãofossesuplíciosuficiente,ocárcereaindapossuíasuastorturases-pecíficas.Osreclusos,acorrentados,levavamgrilhõesnospése,piorqueisso,eramcolocadosnocepo(lignum ou nervus),instrumentofreqüentementecitadonasatasdosmártires.Consistiaordinariamentenumtroncocomburacosemintervalosregularesondeeramencaixadosospés.Osofrimentoeratantomaiorquantomaisafastadosficavamospésumdooutro;oquintoburacoparecetersidoadistânciamáxima,passadaaqualdava-seamorteporrompimentodoventre.Alémdissofreqüentementeosverdugosrecorriamaoestratagemadafomeedasede.”
37
cristãostorturados,estessesubmetiam,ainda,àcondiçãodetraidordaIgreja,portersucumbi-do aos pecados de renegação de Cristo100.
Osparticularesquenãoprofessassemafécristãseincumbiamdefazerasacusaçõeseapresentarasprovas.Nãohaviaumórgãopúblicodeacusação,sendo,entretanto,aomagistra-do facultado promover o início da persecução penal101.
ODireitoeclesiástico influencioua jurisdiçãocriminalqueconferiaexcessivospo-deresnapessoadojuiz,oqualrestringiaapublicidadeeincrementavaashipótesesdetortura,sempreemdetrimentodosdireitosedapresunçãode inocência,oqueconferiaaoprocessopenaldeentãoumcaráterextremamente inquisitório.
2.1.3 investigação no medievo
2.1.3.1 investigação da alta idade média
EmborasetenhadelineamentosbemcontornadosdeinvestigaçãocriminalnaGréciaantiga,ressaltaFoucaultqueonascimentodoquepoderiaserchamadodeinquéritogregonãopersistiu.Somenteapósséculos,jáduranteaIdadeMédia,pode-sefalarnoressurgimentodetalprocedimentoinvestigativo,commaissucessoegrandiosidadedoquepossuíaoseucongênerehelênico102.
Entretanto,antesdosurgimentodoInquéritotípicodoMedievo,oquesedaráapenasapartirdoséculoXIII,tem-seque,naAltaIdadeMédia(sécs.XaXII),olitígioentredoisindivíduos jáera regulamentadopelosistemadeprova.Ocorrequeali, inicialmente,nãosebuscavaprovaraverdade,mas,sim,aforça,oprestígioeaautoridadedequemdiziaalgoqueacarretasseconseqüênciasnasearapenal103 .
Istosedavatendoemvistaaprópriaestruturaprivadaepúblicaexistentenoperío-do inicialdaIdadeMédia.Comefeito,entremeadonosvastosacontecimentospolíticosqueocorreramapartirdamortedeCarlosMagno,tem-seofenômenodofeudalismo.Diantedofracionamentoedesentendimentosentrealinhagemdoreferidorei,aEuropaforaassoladaporinimigosexternos, taiscomoosnormandos,eslavos,húngarosemongóis, todoscomdiver-
100LESBAUPIN,Ivo.Op. cit.,p.50.101LESBAUPIN,Ivo.Op. cit.,p.32:“UmexemplotípicoéodeJustino,filósofoqueseconverteuporvoltade130,tornando-seapologistadocristianismo.EleeraconhecidoemRomacomocristão–mantinhamesmoumaescola–numtempoemqueoscristãoseramexecutadosporsuafé.Noentanto,deixaram-notranqüiloduranteanos;sóquandoseapresentoucontraeleumadenúnciaparticularéquefoipresoemartirizado.”
102FOUCAULT,Michel.vigiar e punir: nascimento da prisão;traduçãodeRaquelRamallete.28.ed.Petrópolis,Vozes,1987,p.20:“...aIdadeMédiaconstruiu,nãosemdificuldadeelentidão,agrandeproceduradoinquérito,julgareraestabe-leceraverdadedeumcrime,eradeterminarseuautor,eraaplicar-lheumasançãolegal.”
103FOUCAULT,Michel.Op. cit.,p.73,verbis:“Nenhumahistóriafeitaemtermosdeprogressodarazão,derefinamentodoconhecimento,podedarcontadaaquisiçãodaracionalidadedoinquérito.Seuaparecimentoéumfenômenopolíticocom-plexo.Éaanálisedastranformaçõespolíticasdasociedademedievalqueexplicacomo,porqueeemquemomentoapareceestetipodeestabelecimentodaverdadeapartirdeprocedimentosjurídicoscompletamentediferentes.Nenhumareferênciaaumsujeitodeconhecimentoeasuahistóriainternadariacontadestefenômeno.Somenteaanálisedosjogosdeforçapolítica,dasrelaçõesdepoder,podeexplicarosurgimentodoinquérito.”
38
gênciasétnicas,culturais,masque,entretanto,tinhampordenominadorcomumavontadedeusurpaçãoepráticadaviolência.EssaondadeterrorfezcomqueaEuropasefragmentasseesecerrasse,sendoafamíliaacéluladomundofeudal104,tantonaFrança,Inglaterra,Alemanha,Itália,PenínsulaIbéricaouEscandinávia.
Comefeito,comascidadesaindafrágeiseavidasocialdando-seemtornodosfeudoscomfortetendênciaàvidafamiliarediantedainexistênciadefoconoindivíduoisolado,erafreqüentearivalidadeentrefamílias,vencendoquemfizesseprevalecerseusinteressespriva-dos.Osdetentoresdepoder favoreciamas famíliasque lheserampartidárias105. Era intensa apotencializaçãodoslaçosfamiliaresougrupais,semprebaseadosnafidelidade, lealdadeeconfiança,sendorelegadosasegundoplanooPoderPúblicoeoindividualismo.Asociedadefeudaltinhaporespaçoprivadooprotegidolar,sendoque,emcasodeviagens,paraadefesacontraosagressoresoucontraopróprioPoderPúblico,formava-seumafamíliaartificialcomaintenção de auto-proteção106.Talformadeisolamentotambémserefletianosprocedimentosdecontrole e investigação provenientes do Poder Público107.
Naapuraçãodedelitos,valiacomocomprovaçãodeautoriaematerialidadeadimen-sãosocialdo indivíduooufamília,quedeveriamdemonstrarquepossuíamsolidariedade108,concatenandoparentesque atestassemsua condição social.Tambémhavia comprovaçãodotipoverbal,emqueumerrodegramáticaoudeutilizaçãoequivocadadasfórmulaspoderiaacarretar a perda no processo109.Existia aindaprovasde juramento, emqueperdiao litígioaquelequeserecusasseaprestá-lo,alémdeseremtambémcorrentesostestescorporais,maisconhecidoscomoordálios110.
104GIORDANI,MárioCurtis.História do mundo feudal: acontecimentos políticos.Petrópolis:Vozes,1974,p.10/11.105DUBY,Georges;traduçãoMariaLúciaMachado. História da vida privada, 2: da europa feudal à renascença. São Pau-lo:CompanhiadasLetras,1990,p.301.
106CAVALCANTI,EduardoMedeiros. Crime e sociedade complexa: uma abordagem interdisciplinar sobre o processo de criminalização.Campinas:LZN,2005,p.44:“SituadaentreosséculosVIIIeXII,aaltaIdadeMédia,tambémchamadadeReconquistaCristã,tevecomocaracterísticamarcante,sobretudonavidacomunitáriadaPenínsulaIbérica,a‘defesa militar dasterrasepopulaçõesjárecuperadasaosárabeseàreconquistadenovosterritórios’.Ainstabilidadeeinsegurança,destaforma,assinalamprofundamenteestemomentohistórico,faseemqueaspopulaçõessesentementreguesasimesmaseinstigadasaprocurarsuasprópriasforçasparacombaterosproblemasinternoseexternos,hajavistaaausênciadequalquerautoridadepúblicaforteeorganizada.”
107DUBY,Georges; traduçãoMariaLúciaMachado. História da vida privada, 2: da europa feudal à renascença. São Paulo:CompanhiadasLetras,1990,p.504:“Asociedadefeudaleradeestrutura tãogranulosa,formadadegrumostãocompactosquetodoindivíduoquetentasseselibertardoestreitoemuitoabundanteconvívioqueconstituíaentãoaprivacy, isolar-se,erigiremtornodesisuaprópriaclausura,encerrar-seemseujardimfechado,eraimediatamenteobjeto,sejadesuspeita,sejadeadmiração,tidoouporcontestadorouentãoporherói,emtodocasoimpelidoparaodomíniodo‘estranho’,oqual,atentemosàspalavras,eraantítesedo‘privado’.”
108FOUCAULT,Michel.vigiar e punir: nascimento da prisão;traduçãodeRaquelRamallete.28.ed.Petrópolis,Vozes,1987,p.59,verbis:“…quandoalguémeraacuadodeassassinatopodiaperfeitamenteestabelecersuainocênciareunindoàsuavoltadozetestemunhasquejuravamnãoterelecometidooassassinato.Ojuramentonãosefundava,porexemplo,nofatodeteremvisto,comvida,apretensavítima,ouemumálibiparaopretensoassassino.Paraprestarjuramento,testemu-nharqueumindivíduonãotinhamatadoeranecessárioserparentedoacusado.Eraprecisotercomelerelaçõessociaisdeparentescoquegarantiamnãosuainocência,massuaimportânciasocial.Istomostravaasolidariedadequeumdeterminadoindivíduopoderiaobter,seupeso,suainfluência,aimportânciadogrupoaquepertenciaedaspessoasprontasaapoiá-loemumabatalhaouemumconflito.Aprovadainocência,aprovadenãosetercometidooatoemquestãonãoera,deformaalguma,otestemunho.”
109FOUCAULT,Michel.Op. cit.,p.59,verbis:“Aconfirmaçãodequeaoníveldaprovasósetratavadeumjogoverbal,éque,nocasodeummenor,deumamulheroudeumpadre,oacusadopodiasersubstituídoporoutrapessoa.Essaoutrapessoa,quemaistardesetornarianahistóriadodireitooadvogado,eraquemdeviapronunciarasfórmulasnolugardoacusado.Seeleseenganavaaopronunciá-las,aqueleemnomedequemfalavaperdiaoprocesso.”
110FOUCAULT,Michel.Op. cit.,p.60,verbis:“Porexemplo,naépocadoImpérioCarolíngio,haviaumaprovacélebreim-postaaquemfosseacusadodeassassinato,emcertasregiõesdonortedaFrança.Oacusadodeviaandarsobreferroembrasa
39
Ainvestigaçãopenalprobatória,portanto,noiníciodoMedievo,consistiasempreemsaberquemeraomaisforte,sobosmaisvariadosaspectos,enãoquemeraodetentordaver-dade.Nãohavia,noiníciodaaltaIdadeMédia,umpoderjudiciário,cabendoaoterceiroqueinterviesse,emregra,osenhorfeudal,nãoequilibrarasforças,mas,sim,garantiraregularidadedoprocedimentoemanutençãodahierarquiasocial111.
Talformadebuscadaverdadesedavaemfacedaprópriaestruturaeconômicaeso-cialdaaltaIdadeMédia,emqueacirculaçãoderiquezassedavamedianteguerras,saqueseherança,sendotênuealinhadedivisãoentreojurídicoeobelicoso.Assim,comooslitígiosvisavam,namaioriadoscasos,àcirculaçãodosbens,haviaocontroledosembateslitigiosospelospoderososquedominavamosvassaloseservos112.Quemeradotadodeforçabélica,faziaprevalecerosseusdireitos,docontrário,teriaquesesubmeteraopagamentoemtrocadaliber-dade ou de seus bens113.
2.1.3.2 investigação da baixa idade Média: origens da inquisição
DosséculosXIaoXIII,acontecimentoscomooincrementodocomércioedaburgue-sia,ocrescimentodemográfico,ofluxomigratórioparaascidades,ascruzadasnacionais114,odesenvolvimento comercial do Ocidente e o intercâmbio comercial propiciaram a formação de incipientesmonarquiasabsolutistas.Alémdisso,oPapasurgiacomooverdadeirolídereorien-tadordacristandade,constituídaporimperadores,reis,nobresecamponeses115.
As cruzadas pela fé renderamà Igreja não apenas benefícios espirituais,mas tam-bémtemporaisemundanos.Enquantoumgrandenúmerodenobres,cavaleiros,comerciantes,mulheresecriançasmorreramsemqualquerpropósito,algunsbeneficiadosobtiveramterras,títuloserecompensasqueeramtrazidasdaTerraSantaparaaEuropa116.OPapaexortavaos
e,doisdiasdepois,seaindativessecicatrizes,perdiaoprocesso.Haviaaindaoutrasprovascomooordáliodaágua,queconsistiaemamarraramãodireitaaopéesquerdodeumapessoaeatirá-lanaágua.Seelanãoseafogasse,perdiaoprocesso,porqueaprópriaáguanãoarecebiabeme,seelaseafogasse,teriaganhooprocessovistoqueaáguaoteriarejeitado.”
111GIORDANI,MárioCurtis.História do mundo feudal II/1: civilização.Petrópolis:Vozes,1982,p.276/277:“Cabiaaosenhorjulgarprocessoscivis,criminaiseadministrativos.Osjurisdicionadoseramtodososhabitantesdasenhoriaeviaderegra,todososquehouvessempassadovinteequatrohorasdentrodoslimitesdasenhoria.”
112MAFFESOLI,Michel.a violência totalitária.PortoAlegre,Sulina,2001,p.45:“Aclientela,avassalidade,oservo,etc.,sãooutrostantosexemploshistóricosdarelaçãoentreproteçãoedominação.Comojádissemos,adependênciaconfortávelqueéumafugadiantedodestino,diantedasoberania,sobreavida,nãoétípicadospovoscolonizados.”
113FOUCAULT,Michel. vigiar e punir: nascimento da prisão;traduçãodeRaquelRamallete.28.ed.Petrópolis,Vozes,1987, p. 63.
114GIORDANI,MárioCurtis.História do mundo feudal II/1: civilização. Petrópolis:Vozes, 1982, p. 529: “Entende-sepropriamente por cruzadauma expediçãooficialmente empreendidapelos cristãos doOcidente, sobos auspícios daSéApostólicacomvistasàlibertaçãodoSantoSepulcroeàdefesa,depoisquefoiinstituído,doreinocristãodeJerusalém.”
115GIORDANI,MárioCurtis.Op. cit., p.130:“Estamosaquiemfacedeumdostraçosmaismarcantesdasociedadedomundofeudal.Ointegrantedessasociedadepormaishumildequeseja´estáconvencidodequepertenceaummundounido;todadivisãosópodelevaràinfelicidade;eleaspiraàunidadeidealdosfieise,naverdade,aausênciadenacionalismo,apoliva-lênciadasmoedas,oempregodolatim,aidentidadedaféfacilitam-lheaconcepção`.Estaconcepçãodomundocristãoedavidacristãunenasmesmasreaçõesmentaisonobre,oburguêseocamponêssobaorientaçãodoclero.”
116CARVALHO,Salode.Pena e garantias.2.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2003,p.9:“AmodificaçãodoambientedoséculoXIIIprovocaumaprofundaalteraçãonaconsciênciasocialenaestruturaorganizal:tudoerarelati-vamentefácil(aosquefaziampartedaelite,éclaro);cadapessoaeraumsersegundosuaclasseeseusobrenome,uma‘virtus’medidapelasaçõesheróicas;aeconomiamonetáriadesorganizouosvaloresintroduzindoumavariávelinsensata;
40
cristãosamatarosinfiéisislâmicos,concedendo-lhes,paratanto,diversasgarantiasaseremconferidas em vida ou após a morte 117.
Entretanto,ahierarquiaeclesiástica,aoseenriquecer,foitomadaporumaarrogânciaclericalcomfortepropensãoàcorrupçãoeextorsõesinsuportáveisaincidirsobreosnobres,comerciantesecamponeses.Muitospadres ignoravamosfiéisesededicavamaocomércio,propriedades e amantes118.Tal situação fezcomquecadavezmaisparcelas substanciaisdapopulação,completamentealheiasaobem-estarespiritualetemporal,abraçassemoutrasreligi-õesqueoferecessemflexibilidade,tolerância,generosidadeehonestidadenãoencontradasnareligiãooficial119.
Diantedetaisdeserçõesenotávelquedanarenda,aIgrejadeterminavaaosreiseno-bresque,pormeiodeforçamilitar,suprimissemosheregesdeseusdomínios,sendoque,emtroca,receberiamrecompensasdepropriedadeconfiscadaseasmesmasindulgênciasprometi-daseconferidasaoscruzadosnaTerraSanta120.
Tinha-seassimintensajustificaçãoteocráticadoDireitoPenalmedieval,sendoqueapenanãosebaseavanolivrearbítrioouculpabilidadedoindivíduoporalgumfatoexternoquesehouvessecometido,massimnamoraloudeverdeconsciênciaindividual.Punia-seopecadomoraloureligiosoenãoalgumfatoexternoquelesasseasociedade,caracterizando-se,assim,um direito penal do indivíduo e não do fato121.
oserconstituíaumdadoestável;ohaverflutua;agora,cadauméaquiloquepossui...Estamosemumséculodealtonívelcultural:nãoéomaisotempodoêxtasefantástico;pesquisadoresindagavamsobreosmecanismoscausais;muitoúteisoscontatoscomomundoárabe,evoluídoemrelaçãoàEuropafeudal;daalquimiaàpsicologia,floresceminteressesexperi-mentais;Aristótelesoferecemapasenciclopédicos.Essegostosofisticadorejeitaosprocessos-espetáculoondeumúnicoeagonísticoatoliquidatodoojogo:duelos,juramentos,ordália,nãodizemoqueaconteceu;muitomenosrespondemaumconhecimentohistóricoadequadoaosvereditosemitidosemtidospelopetty jury,comovox patriae ou voix du pays. O sabertécnicoimpostopelasfontesromanasexigenovasmáquinasinstrutórias;sealguémdeveounãoserpunidoéassuntocientificamenteregulável;emprimeirolugar,devemserreexaminadososfatos,commétodosadequadosàculturadomi-nante;depoisconhecedoresdoCorpus Iurisoudoscânonesdirãoquantovalein iure o acontecido. Os antigos rituais não distinguiamasduasquestões,facti e iuris.”
117BAIGENT,Michael,LEIGH,Richard.a inquisição.Tradução:MarcosSantarrita.RiodeJaneiro: Imago,2001,p.20:“Alémdapermissãoparamatar,osbonscristãosobteriamremissãodequalquerpenaquejáhouvessemsidocondenadosacumprirnoPurgatório,edepenitênciasaserempagasaindanaterra.Seocristãomorressenesseesforço,prometiam-lheautomáticaabsolviçãodetodososseuspecados.Sesobrevivesse,seriaprotegidodecastigotemporalporqualquerpecadoquecometesse(...)Alémdosbenefíciosespirituaisemorais,ocruzadogozavademuitasoutrasproteçõesemsuajornadaporestemundo,antesmesmodepassarpelosportõescelestes.Podiatomarbens,terras,mulheresetítulosnoterritórioqueconquistasse.”
118BAIGENT,Michael,LEIGH,Richard.a inquisição.Tradução:MarcosSantarrita.RiodeJaneiro:Imago,2001,p.26/27:“Osbisposdaépocaeramdescritosporumcontemporâneocomo‘pescadoresdealma,commilfraudesparaesvaziarosbolsosdospobres’.OlegadopapalnaAlemanhaqueixava-sedequeocleroemsuajurisdiçãoserefestejavanoluxoenagulodice,nãoobservavajejuns,caçava,jogavaefaziatransaçõescomerciais.Asoportunidadesdecorrupçãoeramimensas,epoucospadresfaziamqualquertentativasériaderesistiràtentação.Muitosexigiampagamentoatépelarealizaçãodeseusdeveresoficiais.Casamentosefuneraisnãosefaziamsemquesepagasseadiantado.Acomunhãoerarecusadaatéqueserecebesseumadoação.Mesmoosúltimossacramentosserecusavamaosagonizantesenquantonãoseextorquisseumasomadedinheiro.Opoderdeconcederindulgências,remissãodepenitênciasemexpiaçãoporpecados,levantavaimensarendaextra.”
119SCHMIDT,AndreiZenkner.“Aviolêncianadesconstruçãodoindivíduo”.In: a fenomenologia da violência. Gabriel J. ChittóGauereRuthM.ChittóGauer(org.).Curitiba:Juruá,1999,p.126:“NoséculoIVocorreaconversãodoimperadorconstantinoaocristianismo.Talfatodesencadeiaumainversãodevalores:aIgrejaabandonaoplanoabsoluto e passa a relativizar-se,aopassoqueoEstadopassaaabsolutizar-se.Essaconversãotornouareligiãocatólicaoficial, levantouaquestãodoqueseriaumEstadoCristão.Nessesentido,podemosdizerqueaIgrejafoipostafaceafacecomomundo.Emoutraspalavras:aIgrejaadentrano mundo–e,porconseqüência,oindivíduotambém–,aopassoqueoEstadosaidele.”
120BAIGENT,Michael,LEIGH,Richard. Op. cit., p.28:“OPapatambémescreveuaoReidaFrança,exigindoquesefizesseuma‘guerrasanta’paraexterminarosheregescátaros,descritoscomopioresqueoinfielmuçulmano.Todososqueparti-cipassemdessacampanhaseriamimediatamentepostossobaproteçãodopapado.Seriamliberadosdepagamentodetodojurosobresuasdívidaseisentosdajurisdiçãodostribunaisseculares.”
121CARVALHO,Salode.Pena e garantias.2.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2003,p.15:“Oprimeiroaspectodaepistemologiainquisitvaseriaumaconcepção ontológica de delito. A análise do sistema penal não recairia sobre fato (pré)determinadopelaleipenalválidamas,aocontrário,seriadirigidaàpersonalidadedapessoaclassificadacomoperversa,
41
Aoladodascampanhasmilitarescontraoshereges,e,combasenainfluênciaeatua-çãonaIgrejadosDominicanosnaFrança,cujospregadoreserameducados,eruditos,aptosaodebatecomosinfiéis,aculturapassouaseconsistireminstrumentodepregação.IssosederatendoemvistaacontradiçãoentreaopulênciaeluxodosaltosescalõesdaIgrejaeaignorânciaedespreparoteológicodospadres locais,quenãoresistiamaosembatescomdescrentesemdisputas intelectuais sagradas.
DiantedetalsituaçãoinsustentávelparaaIgreja,em1233,oPapaGregórioIXinaugu-rouoficialmenteaInquisição,criandoumtribunalpermanenteemTolouse,corteestacompostaporinquisidoresdominicanos122,quereceberamautoridadepapalparaprenderossuspeitosdeheresiasemqualquerpossibilidadederecurso,alémdepoderemsentenciarinclusiveàmorte.Iniciava-se,comabênçãodivina,oinstrumentoadministrativodeextermínioemmassaoficialbaseadonalei,cujafonteeraamaisaltaautoridadeeclesiástica123.SobaInquisição,instalara-seumcomplexoformalparatodooprocessodeinvestigação,indiciamento,julgamento,torturaeexecução,quebuscavaomáximodedorcomomínimodesangue124.
TaispráticasultrapassamasbarreirasdaIdadeMédia,podendoserverificadasaindanoséculoXIX,nãomaiscomprestaçãodecontasaopapado,mas,sim,àsCoroas.NaEspanha,porexemplo,apenasem1834,foieditadoumdecretodesupressãoquelevaraaInquisiçãoaofinalnaquelepaís125.
Alémdoritualinquisitorialquejáseconstituíaemtorturapsicológica,haviaváriasengenhocasparaatormentarocorpoeaalmadosacusadosdeheresiaoubruxaria,taiscomooecúleo,osaca-unhas,atorturanaágua,sendo,entretanto,oinstrumentosupremodaInquisiçãoofogo,queconstituiabasedossistemasjudiciaisdaEuropa,osquaisseutilizavamdapiroma-niaparacastigarosparricidas,bruxos,traidores,dentreoutros126.
Taismétodosevidenciavamascondiçõesdoprocessoinquisitorial,quesecaracteriza-va pela ausência de regulamentação do procedimento e falta ou desvirtuamento e inutilidade da defesa127,alémdebuscadaverdaderealpormeiodatortura.
perigosa,herética.Acondutaimoralouanti-socialeoresultadoproduzidoseriamfrutosdaexteriorizaçãodamaldadedoautor.Estaconcepçãofoitraduzidanahistóriadahumanidadeeminúmerasversões,das doutrinas moralistas que identifi-cam no crime um pecado às naturalistas que vêem no crime um sinal de anormalidade ou patologia psicofísica do sujeito, até aquelas pragmáticas e utilitaristas que a este conferem relevância somente quando se mostra como sintoma especial e alarmante da periculosidade do seu autor.”
122BAIGENT,Michael,LEIGH,Richard.a inquisição.Tradução:MarcosSantarrita.RiodeJaneiro:Imago,2001,p.34:“oshomensdeDominicseriameducados,capazesdedebateerudito,deenfrentarospregadorescátarosouquaisqueroutrosem‘torneiosteológicos’.Podiamvestirroupassimpleseandardescalços,maslevavamlivrosconsigo(...)Dominictornou-seoprimeiroindivíduonahistóriadaIgrejaadefenderaculturacomoajudaeintrumentointegraisdepregação.”
123BAIGENT,Michael,LEIGH,Richard.Op. cit.,p.39.124PRADO,Geraldo.sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro: Lú-menJuris,1999,p.90:“Dabuscadaverdaderealrenascemostormentospelastorturas,dispostasaracionalmenteextraíremdosacusadosasuaversãodosfatose,namedidadopossível,aconfissão,fimdoprocedimento,preçodavitóriaesançãorepresentativadapenitência.Distintamentedasordálias,dospovosgermânicos,quepresumiamumamanifestaçãodasdi-vindadesporintermédiodeumsinalfísicofacilmenteobservável,ailuminaraverdadeefazerjustiça,atorturaimpunha-secomoprocedimentocientíficodeinvestigação,meio,portanto,consideradoàépocamaisevoluído.”
125BAIGENT,Michael,LEIGH,Richard.Op. cit.,p.100/101.126BAIGENT,Michael,LEIGH,Richard.Op. cit.,p.46.127EYMERICH,Nicolau. Manual dos inquisidores.Lisboa:EdiçõesAfrodite,1972,p.51:“Osmodosdesedefendersãoestes:aintervençãodeumAdvogadoqueoAcusadopossaconsultar,arejeiçãodastestemunhasnocasodeelesercapazdeadvinharquemfoiquedepôscontrasi,arejeiçãodoInquisidorefinalmenteaapelação.NãoseconcedeaoAcusadoumAdvogadosenãodepoisdeelenegaroscrimesdequeéacusadoeissodepoisdetersidoportrêsvezesadvertidodequedeveconfessaraverdade.OAdvogadodeveráserpessoacheiadeprobidade,sábioezeladordaFé.ÉnomeadopeloInquisidor.DeveráserobrigadoajuraredefenderoAcusadocomequidadeefidelidadeeaguardarinviolávelsegredosobretudooque
42
2.1.3.3 as técnicas para a destruição da heresia
AmetodologiadaInquisiçãopossuíaritualdedestaque,podendo-seconsiderá-lacomoprecursoradapolíciasecretadeStalin,daSSedaGestaponazista128.Quandouminquisidorchegavaaumacidade,comescoltaarmadaeequipedeescrivães,médicos,assessores,haviaumaespéciedeprocissãoque,apósexortarheresiastaiscomooislãeojudaísmo,anunciavaoevento.Posteriormente,era realizadaumaconvocaçãoparaqueaspessoasquequisessemdeclarar-seculpadas,apresentassem-se129.
Paralelamenteaisso,osclérigosmantinhamfortesredesinquisitoriaisdeinvestiga-ção,atuandoex officionadescobertadeeventuaishereges,adentrandoresidênciasecoletandodados sobre as condutas tidas por criminosas130.
Aaudiênciaeradotadadetotalpublicidadecomacessoatodos,sendoquetalpráticanãovisavaassegurararegularidadedoprocedimentoouintegridadedoinvestigado,mas,sim,aexposiçãoabusivaeespetaculardemerosuspeito,queeraestigmatizado131 por meio da não- aceitação perante a população local.
Ainformaçãocolhidadosdelatoreserainventariadaecatalogadaparaserfacilmenterecuperadaeutilizadaeminterrogatóriosposteriores.SeriaagênesedoquemaistardesevaleráoEstadomodernoparacontrolarseuscidadãos.LeonardoBoff,aoprefaciaraobraManual dos Inquisidores,destacouque
acaracterísticadessesistemadepoderéoautoritarismo.Autoritárioéumsis-temaquandoosportadoresdepodernãonecessitamdoreconhecimentolivreeespontâneodosmembrosdacomunidadeparaseconstituireexercer.Porissotemosavercomumsistemadedominação.Quandoháaceitaçãolivree
vireouvir.OseuprincipalcuidadoseráaconselharoAcusadoaconfessaraverdadeeapedirperdãodoseucrime,nocasodeserculpado.Arespostaqueoacusadoderdeverádá-ladevivavozouporescrito,deconcretocomoseuAdvogado,ede-verásercomunicadaaoFiscaldoSanto-Ofício.AlémdissoestacomunicaçãodoAcusado,conjuntamentecomoAdvogado,deveserfeitaempresençadoInquisidor.”
128CARVALHO,Salode.Pena e garantias.2.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2003,p.6,verbis:“...naIn-quisiçãoestáomodeloidealdaimplantaçãoderegimestotalitários,dosseusmétodosdetortura,decomosãotratadosdissidentespolíticosesociais,decomoisolarmilharesdepessoasproibidasdeconhecersuasorigensculturais,damisériadoscondenadosaosilêncioeàincomunicabilidade,doracismomascaradoemnovasideologiasedaapropriaçãodebenscomofiançadessescrimes.”
129BAIGENT,Michael,LEIGH,Richard.a inquisição.Tradução:MarcosSantarrita.RiodeJaneiro:Imago,2001,p.48:“Ossuspeitosdeheresiarecebiamum‘tempodegraça’–emgeraldequinzeatrintadias–paradenunciar-se.Seofizessemden-tredesseperíodo,eramgeralmenteaceitosdevoltanoseiodaIgrejasempenamaisseveraqueumapenitência.Mastambémeramobrigadosanomearefornecerinformaçãodetalhadasobretodososoutrosheregesqueconheciam.OinteresseúltimoaInquisiçãoerapelaquantidade.Estavadispostaaserbrandacomumtransgressor,aindaqueculpado,desdequepudessecolherumadúziaoumaisdeoutros,aindaqueinocentes.Comoresultadodessamentalidade,apopulaçãocomoumtodo,enãoapenasosculpados,eramantidanumestadodeconstantepavor,queconduziaàmanipulaçãoeaocontrole.Etodos,comrelutânciaounão,setransformavamemespiões.”
130EYMERICH,Nicolau. Manual dos inquisidores.Lisboa:EdiçõesAfrodite,1972,p.16,verbis:“...éprescritapeloConcí-lio de Tolosa: Em todas as paróquias se escolherão um ou dois padres e dois ou três leigos, pessoas de bem, a quem se fará prestar juramento, e que farão buscas freqüentes e escrupulosas em todas as casas, nos quartos, celeiros, subterrâneos, etc., com o fim de se certificarem se porventura não há herejes escondidos.”
131GOFFMAN,Erving.estigma.4.ed.RiodeJaneiro:LTC,1988,p.14,destacaaexistênciadeestigmanas“...culpasdeca-ráterindividual,percebidascomovontadesfracas,paixõestirânicasounãonaturais,crençasfalsaserígidas,desonestidade,sendoessasinferidasapartirderelatosconhecidosde,porexemplo,distúrbiomental,prisão,vício,alcoolismo,homossexu-alismo,desemprego,tentativasdesuicídioecomportamentopolíticoradical.”
43
espontânea de uma pessoa ou instituição de direção por parte dos membros da comunidade,entãoestamosdiantedalegítimaautoridade.Separadadessere-conhecimento,aautoridadedecaiparaautoritarismo.ÉoquevigorouevigoranaIgrejaromano-católicajáháséculos132.
Osinquisidores,cujopoderprovinhadaexploraçãodosmaisfracos,ouviamconfis-sõesedenúncias,sendoqueseusnomesbemcomoodastestemunhasjamaiseramreferidos.Eracomumqueaspessoassevalessemdoaparatodainquisiçãoparaacertarvelhascontas,vin-gar-see,atémesmo,eliminarrivaiscomerciais.Aspessoastemiamosvizinhosouconcorrentesprofissionais,sendoqueparaevitardenúnciasporoutros,oindivíduoseauto-incriminavacomescopodeevitarainquisição.Nãoerararoquecomunidadesinteirasconfessassememmassa.
Comoobjetivodeevitartalprática,astestemunhasquejuraramemfalsoeramconde-nadasmuitasvezesàprisãoperpétuaouapenaeivadadecrueldade,tornando-seoprocessoeatéacondenaçãodefalsostestemunhospartedoprocessoprincipal133.
O investigado recebiauma intimaçãopara comparecerperanteo tribunalda Inqui-sição, intimaçãoestaqueeraacompanhadapordeclaraçãoanônimadaacusaçãoquepesavasobreele.Sefugisse,repetia-seaintimaçãoportrêsdomingosconsecutivos,ocasiãoemqueeraformalmenteexcomungadoedeclaradoherege.
Casoatendesseàintimação,oinquisidorusavatodososmeiospossíveisparaarran-carumaconfissão,valendo-se,paratanto,deinterrogatóriosprolongados,isolamento,fomeetortura.Nassessõesde investigaçãoe interrogatóriosda Inquisição,asperguntas, respostas,reaçõesdoacusado,tudoeradevidamenteanotadopeloescrivão.
No interrogatório,apósjuramentosobreosEvangelhos,perguntava-seaoinvestigadoseunome,lugardenascimento,emquelocaismorara,seconheciaoassuntosobanálise,sobreavidadeCristo,razãopelaqualforapreso,suspeitasdequemodelatara,háquantotempoha-viaconfessadonaIgrejaequemseriaoseuconfessor,seguindo-sediversasperguntassemprevagasegerais,paraquenãosedesseaoacusadocondiçõesdeevasivasparaludibriaroinqui-sidor.Haviaumroldeperguntas religiosas todasmeticulosamenteelaboradasparaverificarse o investigado estaria mentindo caso respondesse de acordo com as previsões dos manuais. VejamosexemplosdeequívocosdosinvestigadoscitadosnoManual dos Inquisidores,frutodotrabalhodoFreiNicolauEymerich(1320-1399),verbis:
Oprimeirodosseusartifícioséoequívoco(...)seselhespergunta:Acreditas que Jesus Cristo nasceu de uma Virgem? Eles respondem firmemente,masdandoaentendercomissoafirmezacomquepersistemnasuaheresia.(...)Acreditas na ressurreição da carne? Sim, se essa for a vontade de Deus,res-pondemeles,comoquemcrêquenãoévontadedeDeuselescreremumtal
132EYMERICH,Nicolau. Manual dos inquisidores.TraduçãodeMariaJoséLopesdaSilva.RiodeJaneiro:RosadosTem-pos;Brasília:FundaçãoUniversidadedeBrasília,1993,p.23.
133EYMERICH,Nicolau. Manual dos inquisidores.Lisboa:EdiçõesAfrodite,1972,p.29. p. 29.
44
mistério.(...)Crês que a usura é um pecado? Eles respondem: E vós, que é que vós credes sobre isso?Diz-se-lhes:Nós e todos os católicos cremos que a usura é um pecado.Elesentãojuntam:Também nós cremos. Subentenden-doquevós o credes. (...) Credes que Jesus Cristo encarnou no seio de uma Virgem? Eles respondem: Oh meu Deus! Porque me fazeis perguntas dessas? Tomais-me por um judeu? Eu sou cristão, creio tudo o que um bom cristão deve crer;subentendendoqueumbomcristãonãodeverácrernaquilo.(...)Acreditas que Jesus Cristo estava ainda vivo quando sobre a Cruz foi tras-passado por uma lança? Eles respondem: Tenho ouvido dizer que existe hoje grande discussão sobre esse assunto e sobre o da visão beatífica! Valha-me Deus, senhores, pondes toda a gente de cabeça à roda com essas contesta-ções! Dizei-nos o que devemos crer, porque eu bem desejaria não errar nun-ca na fé.(...)quandosãointerrogadossobrealgumpontodafé,respondem:Meu padre, eu sou um homem simples e pouco instruído; sirvo a Deus em simplicidade, ignoro essas subtilizas sobre as quais sou interrogado; é-vos fácil fazer-me cair numa armadilha e induzir-me em erro; em nome de Deus, não me façais dessas perguntas.134
Haviatambémmanhasqueoinquisidorempregavacontraasevasivasdoshereges.Emcasodepresunçãodequeoacusadocometeraumcrimepelascircunstânciasdesuaprisãooude-poimentodetestemunhasecarcereiros,oinquisidordirigiapalavrasdóceisaoinvestigado,atri-buindoaculpaaalguémquetivesseinfluênciasobreopretensocriminoso135,oudemonstrandocompaixão,fossepreocupando-secomofatodeoinvestigadoterquepermanecerpresodurantelongaviagemdointerrogante,sendoqueseriaavontadedesteliberardesdejáoacusado,oufos-secomapermissãodequeoheregerecebessevisitasqueoinstigariamaconfessarocrime.
Comoaheresiaeraumcrimedoespíritoquenãodeixavavestígiosouindíciosproba-tórios,aconfissãoeraarainhaetalvezaúnicaprova136.Seointerrogatórionãoaconseguisse,haviaoutrosmétodos!
A tortura,utilizadacomobuscadaverdadereal137,serviaparafazeroacusadoconfes-sarosseuscrimese,segundoo Manual dos Inquisidores,ocorrianosseguintescasos:
134EYMERICH,Nicolau. Manual dos inquisidores.Lisboa:EdiçõesAfrodite,1972,p.35/37.135EYMERICH,Nicolau. Op. cit.,p.39:“Repara,meufilho,tenhopenadeti;houvequemseduzisseatuasimplezaeagoraestástotalmenteperdido.Pormaiscriminosoquetusejas,maiscriminosoéquemteensinou;nãoqueirastornar-teculpadodopecadodeoutremenãoqueirassertambémtumestredepoisdeteressidodiscípulo;confessa-meaverdade,porque,comovês,euseitudo.Paraconservaresatuaboareputação,paratepodermandarempazparatuacasa,paraqueembrevetelibertareabsolver,tensquemedizerquemfoiquetecorrompeu.Tu,queviviasdeformainocente!”
136CARVALHO,AmíltonBuenode. Nós, juízes, inquisidores (ou da não-presença do advogado no interrogatório). In BONATO,Gilson(Organizador).Direitopenaledireitoprocessualpenal–umavisãogarantista.RiodeJaneiro:LumenJuris,2001,p.4:“Nãoéporacasoque–desdesempre–aconfissãotemsidoconsideradaa‘rainhadasprovas’,e,emboraadoutrinaensinequeelanãotemvalorabsoluto,emverdade,noplanodaprática–oquerealmenteimporta,porqueédaíqueocidadãosofreasconseqüências–aindahojeseuvaloréespetacular,quasedefinitivo:nosensocomumdosoperadoresjurídicos,éSIMa‘rainhadasprovas’.”
137LOPESJR.,Aury.introdução crítica ao Processo Penal (fundamentos da instrumentalidade garantista). Rio de Ja-neiro:LumenJuris,2004,p.159:“Alógicainquisitorialestácentradanaverdadeabsolutae,nessaestrutura,aheresiaeraomaiorperigo,poisatacavaonúcleofundantedosistema.Foradelenãohaviasalvação.Issoautorizao‘combateaqualquercusto’daheresiaedoherege,legitimandoatémesmoatorturaeacrueldadenelaempregada.Amaiorcrueldadenãoeraatorturaemsi,masoafastamentodocaminhoparaaeternidade.”
45
1.UmAcusadoquevariaassuasrespostas,negandoofatoprincipal.2.Aque-le que, tendo tido reputação de herege, e estando já provada a difamação,tenhacontrasiumatestemunha(mesmoquesejaúnica)aafirmarqueoviudizeroufazeralgocontraafé;comefeito,apartirdaí,umtestemunhosoma-doàanteriormáreputaçãodoAcusadosãojámeia-provaeíndicebastantepara ordenar a tortura. 3.SenãoseapresentarqualquerTestemunha,masàdifamaçãosejuntaremoutrosfortesindíciosoumesmoumsó,deveráproce-der-setambémàtortura.4.Senãohouverdifamaçãoporheresia,mashouverumaTestemunhaquedigatervistoououvidofazeroudizeralgocontraaFé,ouseaparecemquaisquerfortesindícios,umouvários,éobastanteparaseprocederàtortura.138
Findando-se as resistênciasdo investigado,ouvia-se e transcrevia-se suaconfissão.Liam-naeperguntavam-lheformalmenteseeraverdade.Searespostafosseafirmativa,regis-trava-seocaráterlivre,espontâneoesemmáculasdadeclaração.Após,eraproferidaasentençaeexecutadaapena139.
Seoinvestigadofossedealtapericulosidade,aexemplodosbruxos,oritualeraumpoucomodificadocomoescopodeevitarqueospoderessobrenaturaisdoréuenfeitiçassemoinquisidor140.Comautilizaçãodapsicologia,osinquisidores,quesevaliamdoestadodeapre-ensãodoacusado,inferindo-lhedesespero,conseguiamumeficazmeioprobatório.
2.1.3.4 a manutenção do sistema investigativo inquisitorial pelos monarcas
Areferidaformainvestigativainquisitivaperdurounotempomesmocomodeclíniodo sistema feudal e sacro.
Comefeito,nosséculosXIVeXV,ahistóriadocontinenteeuropeuficarámarcadapelaGuerradosCemAnosentreInglaterraeFrança,causadapelaprópriadesintegraçãodomundo feudal.As conseqüências do conflito que cabem aqui ser referidas foram o intensosentimentodexenofobiaenacionalismogeradospelaprolongadaduraçãodaguerra,notávelmobilidadesocial,causadapelabruscaalteraçãodepatrimônioemigraçãoparaascidades,comredução da condição de servo141.
138EYMERICH,Nicolau. Manual dos inquisidores.Lisboa:EdiçõesAfrodite,1972,p.208.139BAIGENT,Michael,LEIGH,Richard.a inquisição.Tradução:MarcosSantarrita.RiodeJaneiro: Imago,2001,p.54:“Paraasseguraronúmeromáximodeespectadores,asexecuções,semprequepossível,realizavam-seemferiadospúblicos.Oacusadoeraamarradoaumposteacimadeumapiradelenhaseca,altoobastanteparaservistopelamultidãoreunida.Maistarde,naEspanha,asvítimaseramàsvezesestranguladasantesdeascenderemapira,sendoassimmisericordiosamen-tepoupadasdaagoniadaschamas.”
140BAIGENT,Michael,LEIGH,Richard.Op. cit., p.132:“Quandoumabruxaeracapturada,tomavam-secomplicadaspre-cauçõesparaneutralizarseuspoderes.Afimdenegar-lheocontatocomaterra,eatravésdelacomasregiõesinfernais,carregavam-nasuspensa,numatábuaoucesta.Apresentavam-naaoseujuizdecostas,paraimpedirqualquertentativadeenfeitiçá-locomoolhar.Osjuízeseoutrosenvolvidosnojulgamento‘nãodeviamdeixar-setocarfisicamentepelabruxa,sobretudoemqualquercontatodeseusbraçosemãosnus’.”
141GIORDANI,MárioCurtis.História do mundo feudal: acontecimentos políticos,p.620,658/659.
46
Emtalcontexto,aspráticasjudiciáriasnaapuraçãodosdelitosemgeralvãocomeçarasemodificar,constituindo-semodelosqueserãoseguidosnaEuropaeportodoomundosub-jugadoporpaíseseuropeus.Adescobertaconsistiunamaneiradebuscaraverdadedenominadainquéritoque,tendoressurgidonosséculosXIIeXIII,éfrutodocrescimentonacirculaçãoetroca de bens.
Issosedeu tendoemvistaaconcentraçãodepodernasmãosdosmonarcas,oqueretirou dos indivíduos o poder de decidir ou resolver seus litígios. Cabia agora ao detentor do podertemporal,pormeiodeumPoderJudiciário,omonopóliodabuscadaverdadeabsoluta.Surgeafiguradoprocurador142,querepresentavaosoberanoesubstituíaavítima,namedidaemqueodelitonãomaisofendiaapenasesta,mas,sim,ohomemquerepresentavatodososdemais,oSoberano.Surgeoconceitodeinfraçãopenal,sendoqueocriminosonãoatentavaapenascontraoutroindivíduo,massimcontraasociedade,aleieosoberano,e,quandoperdiaolitígio,alémdeindenizaravítima,tinhaosbensconfiscadospelomonarca143.
Comoo soberano agora faz parte do litígio, não pode sujeitar-se a eventuais lutasbélicasparasaberquemseriaodetentordaverdade,nemmesmolimitar-seafiligranasfor-mais como causa de nulidade do processo144.Adotaram-se,então,doismodosde resolveroproblema,oflagrante,emqueoindivíduoerasurpreendidoaocometerodelitoeapresentadopelacoletividadeaosoberanoparaaplicaçãodapunição,eoinquérito,ritualqueeraseguidopara solucionarocometimentodecrimes,bemcomodemaisproblemas jurídicos145. Com o inquérito,congelava-seoflagrantedelito,transferindoaanálisedodelitoparaoutraépoca,mastratando dos fatos como se ainda estivessem presentes na consciência coletiva146.
Noprocedimentodoinquérito,opoderpolíticosedirigiaapessoascomconhecimentojurídico,sendoqueestasdeliberavam,procurandodescobriraverdadesobreocasoapresenta-do.Talprática,comojáreferido,foraamplamenteutilizadaedifundidapelaIgreja,quereali-zavainquéritoespiritualsobreospecados147.Assim,temosqueaorigemdoinquéritofoitantoadministrativa como religiosa.
Maisdoque frutoda racionalidade,onovoprocedimentodo inquéritodecorriadapolíticaedaformadeadministração,representandoomodus operandi dos detentores de po-
142EYMERICH,Nicolau. Manual dos inquisidores.Lisboa:EdiçõesAfrodite,1972,p.14.143FOUCAULT,Michel.vigiar e punir: nascimento da prisão;traduçãodeRaquelRamallete.28.ed.Petrópolis:Vozes,1987,p.66.
144EYMERICH,Nicolau.Op. cit,p.12,verbis:“ÉesseumgrandeebeloprivilégiodotribunaldeInquisição,odeosjuízesnãoteremqueseguiraordemjudiciáriaedeaomissãodequalquerformalidadededireitonãoviciaroprocesso,conquantonãosejamretiradasascoisasessenciaisaotratamentodacausa.”
145FOUCAULT,Michel.Op. cit., p. 68.146COMTE-SPONVILLE,André.O ser-tempo: algumas reflexões sobre o tempo da consciência;traduçãoEduardoBran-dão.SãoPaulo:MartinsFontes,2000,p.80:“Parareteropassado,aconsciênciacrêresistiraotempo,superá-lo,transcen-dê-lo.Eladeveserexterioraotempo,assimcrê,jáqueovêpassar:‘Sópodedizer‘osdiassevão’aconsciênciaquediz‘eupermaneço’.Talvez,masocontrárioéqueéverdade.Aconsciênciafazpartedopresente,epassanele,quenãopassa.Amemóriafazpartedodevir,queacarregaeacabaráapagando-a.”
147GIORDANI,MárioCurtis.História do mundo feudal: acontecimentos políticos,p.652/654,destacaosinquéritoseclesi-ásticosaoqualsesubmeteraJoanaD’Arc,sendooprimeiroefetivadoquandoestaqueriaganharasgraçasdeCarlosVIIparaqueesteapudesseauxiliarnosalvamentodaFrança,ocasiãoemqueaheroínafrancesaenfrentara,comlouvor,ascapciosasquestõespropostasporexímiosteólogos,eosegundo,propiciadopelotribunalinquisitorialquandodesuacondenaçãoàmorte em um fogueira.
47
der.Noentanto,aocontráriodoquesederaemsuagênese,notérminodaIdadeMédia,nãoguardavaainvestigação,emtese,tantarelaçãocomaimportânciasocialdoinvestigado,masbuscava-sesabersehouverainfraçãoàleiouàmoral,namedidaemqueestasandavamjuntasno medievo148.
Oprocesso,queanteserainiciadoporAcusação,ocorrendoquandoodelator,comoparte,propunha-seaprovaroqueafirmava,sujeitando-se,casonãolograsseêxito,àpenadetalião,tornou-seprocedimentodeexceção,emfacedosriscosedemoradolitígio.Osacusa-dores,chamadosprocuradoresfiscais,substituíramosparticularesnapromoçãodasacusações.Não estavam submetidos a penalidade caso não pudessem provar a acusação. Era a Denúncia,emqueoacusadornãoerapartee,casoaacusaçãointentadafossefalsa,nãoeranecessárioapagá-la,eisquepoderiaserútilemoutraoportunidade.
Comoformadeseiniciaroprocesso,existia,ainda,aviadaInquisição, empregada quandonãohouvesseDenunciadorouAcusador149. Podia ocorrer ex officio,quandosealmejavadescobrir o cometimento de eventual crime.
Eraosistemainquisitório,emqueospoderesdomagistrado,agoratemporal,abran-giamasatribuiçõesdosacusadoresprivadosoupúblicos.Ojuizinquisidorestáentãodespidodequalquerimparcialidade,eisqueagecomoumserprocessualonipotente,sendoparte,defe-sa,investigador,acusadorejulgador.
Nãoseresguardavasigilonasbuscas,oqueexpunhaaboafamadoinvestigado.Alémdisso,embora,deformageral,ninguémfosseobrigadoafornecerprovascontrasimesmo,casosetratassedeaçãoquedesrespeitasseomonarca,oacusadoeraobrigadoaforneceraosmagis-tradososmeiosnecessáriosparaqueopromotorfiscalfundamentasseacusação.
Foucaultdestacaque foiapartirdonascimentoeexpansãodo inquérito judiciário,quesederaaexpansãodopoderreal,namedidaemquesurgiraminquéritossobreriqueza,população,pessoal,recursos.Poroutrolado,apartirdosséculosXIVeXV,surgemciênciascomoEconomia,Estatística,Geografia,Astronomia,Botânica,Zoologia,Navegaçãoetc.,todasdecorrentesdamatrizinvestigativajudicialcujonascimentosederanoséculoXII.Arremataoautorque“todoograndemovimentoculturalque,depoisdoséculoXII,começaaprepararoRenascimento,podeserdefinidoemgrandepartecomoodesenvolvimento,oflorescimentodoinquéritocomoformageraldesaber”150.
Oinquérito,umavezdespidodasmazelas inquisitoriais, revolucionouosabereasformasprobatórias.Comefeito,antesestastestemunhavamnãoaverdade,masaforça,oque
148CARVALHO,Salode.Pena e garantias.2.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:Ed.LumenJuris,2003,p.15,verbis:“Nomedievo,oinstrumentalnormativodedefiniçãododesvioéconstruídocomacoligaçãoentreasnoçõesdedireitoemoral,perfazendoumaestruturahíbridadeilícitoparcialmentecivil(terreno)eparcialmenteeclesiástico,cujaofensamanifesta-sesimultaneamente contra Deus e o Príncipe.”
149LOPESJR.,Aury.introdução crítica ao processo penal (fundamentos das instrumentalidade garantista). Rio de Ja-neiro:LumenJuris,2004,p.156:“Essasubstituiçãofoifruto,basicamente,dosdefeitosdainatividadedaspartes,levandoàconclusãodequeapersecuçãocriminalnãopoderiaserdeixadanasmãosdosparticulares,poisissocomprometiaseriamen-teaeficáciadocombateàdelinqüência.EraumafunçãoquedeveriaassumiroEstadoequedeveriaserexercidaconformeoslimitesdalegalidade.Tambémrepresentourupturadefinitivaentreoprocessocivilepenal.”
150FOUCAULT,Michel.vigiar e punir: nascimento da prisão;traduçãodeRaquelRamallete.28.ed.Petrópolis,Vozes,1987, p. 74.
48
sedavapormeiodeartifíciosderetóricaoutestemunhosdeforçaoupoder.Comoinquérito,buscava-seapreendereconhecerofatoocorrido,suanaturezaequalidade,consistindoassimoprocedimento em verdadeira forma de saber.
2.1.4 investigação penal no brasil-Colônia
AinquisiçãoesistemaspenaisautoritáriosqueseguiamfortenaEuropa,mesmoapósofeudalismo,tiveremreflexosbastanteintensosnoBrasilcolôniaentreosséculosXVIeXVIII.Deinício,nossopaíseracárcereparaestratosmaishumildesdapopulaçãoportuguesaconde-nadosemPortugalportribunaisinquisitoriais151 ou por cortes civis em face do cometimento de diversoscrimestaiscomoracionalismo,bruxaria,muçulmanismo,sodomia,bigamia,adultério,cortedeárvorespertencentesdacoroa,homicídioeatéfurtodepequenaquantidadedetrigo152. Indivíduospertencentesasegmentossociaisque,noentenderdopodersoberanorégio,eramumaameaça,aexemplodosciganosecristãos-novos153,tambémeramperseguidosedegrada-dosparaaColônia154.
NoBrasil,emboraaquinãosetenhainstaladoumtribunaldeinquisição155,visitaram-nososjesuítaslisboetasque,atendendoaosinteressesdosescravocratasedoRei,pretendiamverificaroandamentodareligiãocatólicanaterradoscristãosnovos,consubstanciadoses-tesemameríndios,negrosemamelucos156,osquais,pormeiodeidolatrias,fossecultuandoícones, fossemanifestando rebeldia anticolonialista, eramacusadospela IgrejaCatólicadeheregesdostrópicos157.
151NOVINSKY,AnitaWaingort.a inquisição.SãoPaulo:Brasiliense,1982,p.31:“AInquisiçãoibéricaultrapassoudelongeacrueldadeeintensidadedaInquisiçãopapalnaIdadeMédia.Foiestabelecidacomaautorizaçãodopapa,masseuideali-zadorfoiorei,comoobjetivoprincipalnãoderesolverumproblemaaparentementereligioso,massocial.”
152PIERONI,Geraldo.vadios e ciganos, heréticos e bruxas: os degradados do brasil-colônia. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil:FundaçãoBibliotecaNacional,2000,p.71:“OLivroVdasOrdenaçõesFilipinasenumera256delitospunidoscomodegredo,cifraqueprovocouocomentáriodobarãoHomemdeMelo:‘Oquenosdeveajustotítuloadmiraréqueanaçãointeiranãofossedegredadaemmassa’.”
153BROMBERG,RachelMizrahi.A inquisição no Brasil: um capitão-mor judaizante. São Paulo: Centro de Estudos Judai-cosdaFFLCH/USP,1984,p.55.
154PIERONI,Geraldo.Op. cit., p.12:“NoBrasil,osdegredadosviviamemliberdade,porémeramresponsáveispelaprópriasobrevivência,ganhandoavidacomosoldados,marinheiros,agricultores,pedreiros,carpinteiros,padres,trabalhadoresemobraspúblicas,desbravadoresdeáreasdointerior,intérpretes,espiões,capitães-do-mato,pequenosfuncionáriosdaCoroa(damesmaCoroaqueospuniraemPortugal),pequenoscomercianteseproprietáriosrurais,curandeiros,visionários,mãesdefamília,parteiras,mendigos,ladrões,prostitutasetc.,cumprindopapeissociaisdiversos.”
155VAINFAS,Ronaldo.Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no brasil Colonial. Rio de Janeiro: Cam-pus,1989,p.215:“NuncahouvenoBrasiloextraordinárioemórbidoauto-da-fé,espetáculoqueaglutinavanoterreirodo
Paço,emLisboa,multidõesqueescarneciamoscondenados,apedrejavam-nosnocadafalso,contemplavam-nosnafogueira,extasiadas,erecebiamaomesmotempo,aliçãointimidatóriaqueoSantoOfícioapreciavaministraraopovocatólico.Comexceçãodasimprovisadas‘procissõesdefé’organizadaspelovisitadorFurtadodeMendonçanosfinaisdoséculoXVI,aencenaçãodoSantoOfícionoBrasilfoibemmodesta.TambémfaltaramàColôniaostemíveis´cárceressecretos`,opoderdejulgar,atorturae,porconseguinte,osdocumentos–depositadosquasesemexceçãonosbemguardadoscofresdoSantoOfíciolisboeta.MasnemporissodeixouainquisiçãodeatuarnoBrasildesdemeadosdoséculoXVI,apartirdainstalaçãoda diocese baiana.”
156VAINFAS,Ronaldo.a heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no brasil colonial.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1995,p.181:“Incapazdecompreenderacomplexidadeculturaldoprocessocolonizador,ovisitadorseinquietavacomatransgressãodasrestriçõesalimentaresdocalendáriocristão,amofinandoosmamelucoscomperguntastradicionais:‘PorquehaviamcomidocarnenosertãoemdiasproibidospelaIgreja?Quantasvezes?Quemhaviacomido?’.Chegavamesmoaperguntaraosmamelucossenãohaviafrutas,legumeseabóborasnosertãoquelhespudessemsaciarafome,substituindoacarnequeaIgrejainterditavaemcertosdiassagrados...”
157VAINFAS,Ronaldo.Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no brasil Colonial.RiodeJaneiro:Campus,1989,p.17:“Demonizaçãodavidacotidianadaspopulações,aculturaçãocristã,missãosalvacionista,ostraçosfundamen-
49
Osbispos,emboraformalizassemainstruçãodosprocessos,podendoouvirdenúncias,prender suspeitos,buscardocumentos,estavamvinculadosa inquisidoresvindosdeLisboa,sendoestesosúnicosquepodiamsentenciar.Taisprocedimentosdeinvestigaçãosenotabili-zaramnosEstadosdaBahiaePernambuco,entreosséculosXVIeXVIII,comoobjetivodeexpansãodeinteressesreligiososeeconômicosnaColônia158.
EmboraaquinãosedispusessedetodooarcabouçohierárquicoeclesiásticodaCo-roa159,osritosdamáquinainquisitorialpátriaeramsemelhantesaorealizadoemPortugal,sen-doquecabiaaoTribunalInquisitorialdeLisboaacompetênciaratione loci,ratione materiae e ratione personaesobreoBrasil,pormeiodosbispos,visitadoreseassessores.
Afixavam-seeditaisnasigrejas,exortandoosfiéisaconfessaremedenunciaremoshe-reges160,sempreexplicitandoascondutasheréticasproibidaspelaIgrejaCatólica,comocomercarnedeporco,bigamia,concubinatos,incestos,adultérios,alcovitagens,sodomia,homosse-xualismo,ouaguardaaosábado.Emcasodeconfissão,provajudiciáriaqueeratranscritanosautos,àsvezesnãoseeraexcomungadoenemsetinhaoperdimentodebens161.
AmarcadaInquisiçãonaColôniaeraomedo,inveja,ciúmeeódioquepropiciavamasconfissõesedenúnciasentreaaterrorizadapopulaçãolocal.Muitosacusavamparasedefender,taleraomedodaInquisiçãodifundidoemumpânicogeneralizadocriadopelachegadadosvisitadores e convocação do povo por meio dos pregões162.
Àsprisões,efetivadasquasesempresemprovas,seguia-seoconfiscodosbens,alémdatorturafísica,queerafreqüentementeutilizadaparaaobtençãodeumaconfissãomaiscom-
taisdaReformaCatólicanaEuropaestiveramsimultaneamentepresentesnosdomíniosibéricosdoultramar.Massenosvoltamosagoraparaotrópico,outradeveseraperspectiva:háqueseconsideraroespecífico,oquesevinculaàdescobertadeummundonovo,gentesdesconhecidas,terrasestranhas,semperderdevistaofenômenomaiordocolonialismo.”Àp.38,referidoautordestaca,ainda:“Ameríndiosluxuriosos,colonosinsaciáveis,negroslascivos,mulatasdesinquietas,senhoresdesregrados,sinhásenciumadas,opecadoestavaemtodasasgenteselugares.Atodos,semexceção,cabia,portanto,inti-midar,ameaçar,castigar–foioquepensaramosseguidoresdeTrentonoultramarportuguês.Atendendoatantaslamúriaseapelos,jánoprimeiroséculonossosbisposenviaramvisitadoresarastrearospecadosdetodoseapuni-loscomorigordaleieclesiástica.Nãotardaria,ainda,paraquejáSantoOfíciolisboetaenviasse,tambémele,oseuprópriovisitador,acres-centandoàintimidaçãojesuísticaopânicodafogueirainquisitorial.”
158NOVINSKY,AnitaWaingort.a inquisição.SãoPaulo:Brasiliense,1982,p.76:“Apesardeem1580oSantoOfíciojáterdelegadopoderesinquisitoriaisaobispodaBahia,paraenviarosheregesaLisboa,foisomenteem1591queoarquiduquedaÁustria,governadoreinquisidoremPortugal,nomeouumvisitador,HeitorFurtadodeMendonça,parairaSãoTomé,CaboVerdeeBrasil,inquiririn locooshabitanteseiniciarosprocessosinquisitoriais.EssevisitadorficounoBrasilde1591a1595,inquirindoprimeironaBahiaeemseguidaemPernambuco,eregistrouemseusnovelivroscentenasdeconfissõese denunciações.”
159SIQUEIRA,SôniaAparecidade.a inquisição portuguesa e a sociedade colonial.SãoPaulo:Ática,1978,p.124:“Com-preendiamosquadrosdaInquisiçãoemPortugalosseguintesservidores;apartirdafiguracentralesoberanadoInquisidor-Geral:Inquisidores,Comissários,Visitadoresdasnausedaslivrarias,Qualificadores,Promotores,Procuradoresdaspartes,Notários,Meirinhos,Solicitadores,Tesoureiros,AlcaidesdosCárceres,Guardas,epessoalaserviçodoInquisidor-Geral,doConselhoedosTribunais,taiscomoCapelão,Médico,Cirurgiões,Barbeiros,Dispenseiros,Cozinheiros,PorteirosdaCasaeMesadoDespacho.Finalmente,nabasedoedifícioinquisitorial,ficavamosfamiliares.”
160NOVINSKY,AnitaWaingort.Op. cit.,p.10:“Apalavraherege origina-se do grego hairesis e do latim haeresisesignificadoutrinacontráriaaoquefoidefinidopelaIgrejaemmatériadefé.”
161VAINFAS,Ronaldo.Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no brasil Colonial.RiodeJaneiro:Campus,1989,p.219.
162VAINFAS,Ronaldo.Op. cit., p.232/233:“ApopulaçãomiserávelesuperexploradadaColônia–forros,desclassificados,índios,escravos,criados–foimuitoacusadadefaltasmoraisesexuais,perfazendo41%dosdenunciados;emcontraparti-da,somente15%dosacusadospertenciamàgreidossenhoresdeengenho,altosfuncionáriosdagovernançalocal,juízes,autoridadeseclesiásticas,mercadoresefazendeiros,unidosemregraporlaçosdeparentesco.Eramesses,noentanto,osquemaisdeletavam(48%)econfessavamnagraça(37%),juntamentecomossetoresintermediáriosdeadvogados,pequenosfuncionários,clérigos,religiososetrabalhadoresassalariados:35%dosdelatorese40%dosconfitentes.
50
pleta.Emseuinterrogatório,alémdefazerreferênciassobreasuagenealogiaeelementosdecrença,oréutinhaodireitodeindicarnomesdepessoasqueconsiderassesuasinimigas,masnãopodiatomarconhecimentodosindivíduosqueodelataram.Assentençasiamdesimplespenitênciasespirituaisatéamorte163.
SãoessesosdelineamentosdainvestigaçãopenalnoBrasilqueevoluíraparaoinqué-ritoconformeseexporáinfra.
2.1.5 investigação penal na época Moderna: sobre as características damodernidade
ComarevoluçãocientíficaqueseiniciaranoséculoXV,selou-sedemorteodestinodasociedademedieval,queseencontravainseridaemumuniversofinitoefechado,compapéissociais predefinidos, alémde totalmente verticalizada em face da organização em estamen-tos164.
Ohomemmoderno,individualista165passouaseroprotagonistadasmodificaçõesso-ciais,sendoqueafontedopodernãomaisprovinhadocampoteológico,massim“destemun-do”,emfacedaautonomiaeliberdadedoserhumano.ComodestacaStuartHall,
osujeitodoIluminismoestavabaseadonumaconcepçãodapessoahumanacomoumindivíduototalmentecentrado,unificado,dotadodascapacidadesderazão,deconsciênciaedeação,cujo“centro”consistianumnúcleointerior,queemergiapelaprimeiravezquandoosujeitonasciaecomelesedesenvol-via,aindaquepermanecendoessencialmenteomesmo–contínuoou“idênti-co”aele–aolongodaexistênciadoindivíduo166.
163BROMBERG,RachelMizrahi.A inquisição no Brasil: um capitão-mor judaizante. São Paulo: Centro de Estudos Judai-cosdaFFLCH/USP,1984,p.57.
164HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Tradução de Ana Maria Bernardo, José Rui Mei-relles Pereira, Manuel José Simões Loureiro, Maria Antónia Espadinha Soares, Maria Helena Rodrigues de Car-valho, Maria Leopoldina de Almeida e Sara Cabral Seruya. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990, p. 79: “Asciências modernas destacaram-se da aspiração à razão característica da tradição filosófica. Com elas inverte-se a re-lação clássica entre teoria e práxis. As ciências da natureza, que produzem conhecimentos passíveis de ser utili-zados na técnica, transformaram-se numa forma de reflexão da práxis e na primeira força produtiva. Elas perten-cemàestrutura funcionalda sociedademoderna.Numoutro sentido isto éválido tambémpara as ciênciasdoespírito. Écertoqueestasnãoservemareproduçãodavidasocial,massimacompensaçãodasinsuficiênciassociais.Asociedademodernaprecisa‘deumórgãoquecompenseasuaa-historiciedadeequemantenhaomundohistóricoeespiritualabertoeactual,oqualelatemdecolocarforadesi’.”
165DUMONT,Louis.o individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna.Riode Janeiro:Rocco,1985,p.37:“...quandofalamosde‘indivíduo’,designamosduascoisasaomesmotempo:umobjetoforadenóseumvalor.Acomparaçãoobriga-nosadistinguiranaliticamenteessesdoisaspectos:deumlado,osujeitoempíricoquefala,pensaequer,ouseja,aamostraindividualdaespéciehumana,talcomoaencontramosemtodasassociedades;dooutro,oser moralindependente,autônomoe,porconseguinte,essencialmentenão-social,portadordosnossosvaloressupremos,equeseencontraemprimeirolugaremnossaideologiamodernadohomemedasociedade.Destepontodevista,existemduasespéciesdesociedades.QuandooIndivíduoconstituiovalorsupremo,falodeindividualismo;nocasooposto,emqueovalorseencontranasociedadecomoumtodo,falodeholismo.”
166HALL,Stuart.a identidade cultural na pós-modernidade;traduçãoTomazTadeudaSilva,GuaraciraLopesLouro.7ed.RiodeJaneiro:DP&A,2002,p.11.
51
Havia intensanecessidadede sevencer asdúvidas, controvérsias edogmasque sesedimentaramnasociedademedievaldecadente.Buscava-seaverdadeobjetivapelarazão,quesevaliadetentativasdesedescreveromundopormeiodeleiseprincípios,fossesoboaspectodocosmos,danatureza,daarte,dasociedade,dapsicologiaedapolítica167.
Comefeito,doséculoXVIaoXIXhouvemapeamentodocampoteóricocombase,principalmente,nospilaresaseguirdestacados.
NoséculoXVIII,emborafossemevidentesasdificuldadeseaincertezadascomuni-cações,quefaziamomundoparecermaiordoqueé,comoincrementodaeconomia,indústriaecomércio,capitaneadoprincipalmentepelaGrã-Bretanha,fornecedoradeferroviasefábricas,aspolíticasracionais,atendendoàsnecessidadesdosetorprodutivo,passaramavisaraopro-gressocientíficoetecnológico168.
Avidasocialouindividualpassouagiraremfunçãodoamanhã,compropensãoemdireçãoao futuro.Qualquer sociedadeanalisada, fosseumaeuropéiaouuma triboafricana,teriaque,necessariamente,percorreromesmotrajeto.Tinha-seahistóriacomosendolinear,comgênesenopontocorrespondenteàbarbárie,sendoque,comoprogresso169,associedades“menosdesenvolvidas”atingiriamumfim,acivilização.OtempohistóricopriorizouoDeviremdetrimentodoSer.Assim,asociedadeeravistadeformahomogeneizada,nãoseenfatizan-doasdiferençasporventuraentreelasexistentes170.
SeaeconomiamundialdoséculoXIXfoiformadaprincipalmentesobainfluênciadarevoluçãoindustrialbritânica,suaideologiaepolíticaforamtraçadasfundamentalmentepelaRevoluçãoFrancesa.AFrançaforneceuagrandepartedomundoostemasdepolíticaliberal,radical-democraciaenacionalismo,pormeiodecódigosnapoleônicosemétodosdeorganiza-çãotécnicaecientífica171.
Oparadigmadaracionalidadepermitiuigualartodasasdiferençasentreassociedades,eisquetodasdeveriamsepautarpelosaberepeloprogresso172.
167BAUMER,FranklinL.o pensamento europeu moderno.V.I,TraduçãodeManuelaAlbertyeArturMorão.Lisboa:Edi-ções70,1990,p.52.
168HOBSBAWM,Eric J.A era das revoluções: Europa 1789-1848, traduçãodeMariaTerezaLopesTeixeira eMarcosPenchel.RiodeJaneiro:PazeTerra,1977,p.37:“Aapaixonadacrençanoprogressoqueprofessavaotípicopensadordoiluminismorefletiaosaumentosvisíveisnoconhecimentoenatécnica”.Àp.44,ponderaoautor:“Oquesignificaafrase‘arevoluçãoindustrialexplodiu’?Significaqueacertaalturadadécadade1780,epelaprimeiraveznahistóriadahuma-nidade,foramretiradososgrilhõesdopoderprodutivodassociedadeshumanas,quedaíemdiantesetornaramcapazesdamultiplicaçãorápida,constante,eatéopresenteilimitada,dehomens,mercadoriaseserviços.Estefatoéhojetecnicamenteconhecidopeloseconomistascomoa‘apartida’paraocrescimentoauto-sustentável.”
169MAFFESOLI,Michel.a violência totalitária.PortoAlegre,Sulina,2001,p.151:“Oprogressoéumavastamatrizquecompreendeagranelaciência,atécnica,aprodução,arazão,afelicidadeeaigualdadee,paradoxalmente,sãotodosesseselementosqueverificamosnoquejásepôdechamardesociedadedecontroleedominação.”
170GAUER,RuthMariaChittó.A modernidade portuguesa e a reforma pombalina de 1772.PortoAlegre:EDIPUCRS,1996,p.15/27.
171HOBSBAWM,EricJ.Op cit., p. 71.172DUMONT,Louis.o individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna.RiodeJaneiro:Rocco,1985,p.93:“Umadasgrandesforçasmotrizesqueestiveramativasnodesenvolvimentomodernoéumaespéciedeprotestoindignadocontraasdiferençasoudesigualdadessociais,namedidaemquesãofixas,herdadas,prescritas–decorrentes,comodizemossociólogos,da‘atribuição’enãoda‘realização’individual–queressasdiferençassejamquestãodeautori-dade,deprivilégiosedeincapacidadesou,emmovimentosextremosedesenvolvimentostardios,deriqueza.”
52
Entretanto,essapadronizaçãodoaperfeiçoamentoeadeterioraçãodaqualidadehu-manaservirameservemparajustificaradominaçãodealgunspovossobreosoutros,comodestaca Maffesoli:
Aconseqüênciadessa“soberbaprogressista”équeopassado,a tradição,aanterioridade, é sempreovínculoda inferioridade.Pode-se com isso com-preenderondeseenraízaoimperialismo,ahegemoniadequeseprevaleceoOcidenteedoqualpensadorestãodiferentesentresi(?)comoA.ComteeK.Marxsefizeramosvates.Apardessemovimentodesubstituiçãosepodedizerque,paradoxalmente,adoutrinadoprogressopodesetornarumaideologiaestática,porque,seasdiversasontologiasvalorizamanaturezacomoreferentesúltimos,oidealdoprogressoconsideradoemsi,afastandoosaspectoscontraditóriosdetodopro-gresso,fezdadominaçãodanaturezaonovoreferentemaior,eissotalvezsejaoque,noseudesenvolvimentocego,torna-seocontráriodoquefoiafirmadonaorigem,e, assimcomooobservaM.Horkheimer, ´reforçaaopressãoeexploraçãosocial,ameaçaemcadafasetransformaroprogressonoseucon-trário,abarbárie173.
Noque se refere à produção científicaque embasou as teorias damodernidade174,podemoscitaralgunscientistasqueevidenciaramcomdestaquearacionalidade.Copérnico,comsuateoriaheliocêntrica;Kepler,queabordaraatrajetóriaorbitaldosplanetas;Newton,comaleidagravidade;Beccaria(Dei delitti e delle pene,1764);Verri(Observações sobre a tortura,1804);Rousseau(O Contrato Social,1764);Montesquieu(L’esprit des lois,1748)eprincipalmenteGalileu,comestudossobreageometria,termologia,hidrostática,ópticafísicae dinâmica175.
Pode-sedizerqueGalileuintroduziuoconhecimentomoderno,eisquesuacontribui-çãoparaahistóriadacivilizaçãofoiincontestável.Comele,incorporamosasseguintesidéias:1)aexperiênciaserviriaparaaanálisedosdiversosfenômenos;2)diferenciaçãoentrequali-dadessecundáriasousubjetivas(cor,odor,sabor)equalidadesprimáriasouobjetivas(forma,figura,número);3)enquantoAristótelesfalavaemcorpospesadoseleves,Galileuabordavacomosedavaaqueda;4)aciênciaeravistanãocomoevoluçãoesimcomorevolução;5)omundopassouaserinfinitoeabertocomarupturaentrerazãoefé,emcontraposiçãoaouni-versomedievalqueerafinito,esféricoehierarquizado;6)eliminou-seoespaçoheterogêneo,
173MAFFESOLI,Michel.a violência totalitária.PortoAlegre,Sulina,2001,p.182.174GAUER,RuthMariaChittó.A modernidade portuguesa e a reforma pombalina de 1772.PortoAlegre:EDIPUCRS,1996,p.17:“Acriaçãodeumsaberativocriouumarupturacomosaberestático;ocorteepistemológicoalterouaformadohomemveromundoesevernomundo.Oconhecimentopassouaserconduzidodeformaasesubmeteràexperimentaçãoaprópriarealidadeobservada,aomesmotempoqueaexperimentaçãotevequeretornaràrealidadeparatransformá-la;dessaformacriou-seapossibilidadedeaciênciatransformaranatureza..”
175GAUER,RuthMariaChittó.a construção do estado-nação no brasil. a contribuição dos egressos de Coimbra. Curi-tiba:Juruá,2001,p.103.
53
porexemplo,céueinferno,criando,assim,aorigemdoespaçodemocrático;7)comparaçãodanaturezaedoprópriohomemaofuncionamentodeumamáquina176;8)relaçõesentreho-mensecoisas,enquantonomedievosóhaviarelaçãoentrehomens;9)oindivíduoésermoralindependente,autônomoeessencialmentenãosocial;10)anaturezaserviriaparabeneficiarahumanidade177.
Acontribuiçãofoiimensa.RuthGauerarrematadestacandoque,paraRedondi178,oconjuntodasidéiasevaloresdamodernidadechamava-seGalileu,queeramuitasvezescom-paradoemimportânciaaCristóvãoColombo.Aautoradestaca,aindaque,paraDumont“...oparadigma da igualdade encontra-se no modelo galileano do movimento retilíneo uniforme: um únicopontomovendo-senoespaçovazio”179.
Importantedestaquefoiaquestãodeanaturezaganharenfoquecentral,emfacedassucessivasrevoluçõesdoscientistasreferidos.Entretanto,aespecialatençãoao“natural”sedeuprincipalmentepelapossibilidadedeohomemdominaromeio,emfacedasnecessidadespráti-casdeumasociedadeurbanaesocialcrescente,interessadaemnovasobras.Eraafilosofianatu-ral,quebuscavaoreinohumanodoconhecimento,proporcionadopormeiodossentidos180.
Asidéiasdacivilizaçãodasluzesestenderam-seportodoocontinenteeuropeu.NoséculoXVIII,taisidéiasforamaprofundadasesecriaramcondiçõesparaasciênciassociaisdoséculoXIX,quesebasearamnoparadigmadaigualdade,cujoexpoenteeminenteéoDireitoNatural181.
Sobesseprisma,nascemasmanifestaçõescontráriasaosregimesautoritárioseabso-lutistas,namedidaemqueoshomensnasciamlivres,iguaisefraternosentresi.Olegisladordeveriarespeitartaisfundamentos,fosseparaliberalizaraformadeestruturaçãodogoverno,fosseparaprotegeraampliarosdireitosdosindivíduos,alargandosempreodomíniodaliber-dade individual182.
176BAUMER,FranklinL.o pensamento europeu moderno.V. I,TraduçãodeManuelaAlbertyeArturMorão.Lisboa:Edições70,1990,p.67:“Atendênciaprincipaldonovo‘sistemadomundo’,comolhechamouGalileu,eraexcluirdana-turezatodaouamaiorpartedassuasqualidadesespirituaisehumanas.Anaturezacontinuavaaserpictórica,maseraagoradescrita,demodocrescente,nãocomoumorganismo,mascomoumamáquinaouumrelógio.Assimseoriginouofamosouniversocomummecanismoderelógio,queprendeuaimaginaçãoeuropéiaduranteosduzentosanosseguintes.”
177GAUER,RuthMariaChittó.a construção do estado-nação no brasil. a contribuição dos egressos de Coimbra. Curi-tiba:Juruá,2001,p.103/106.
178REDONDI,Pietro,Galileu Herético.SãoPaulo,CompanhiadasLetras,1991.p.85/87.ApudGAUER,RuthMariaChittó.a construção do estado-nação no brasil. a contribuição dos egressos de Coimbra.Curitiba:Juruá,2001,p.107.
179GAUER,RuthMariaChittó.Op. cit., p.109:“Naideologiamoderna,oindivíduoéosermoralindependente,autônomoeessencialmentenãosocial–emprincípio,empensamentoésocialdefato:eleviveemsociedadeno‘mundo’”.
180BAUMER,FranklinL.o pensamento europeu moderno.V.I,TraduçãodeManuelaAlbertyeArturMorão.Lisboa:Edi-ções70,1990,p.47/48.
181DUMONT,Louis.o individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna.RiodeJaneiro:Rocco,1985,p.87:“Paraosmodernos,sobainfluênciadoindividualismocristãoeestóico,aquiloaquesechamadireitonatural(poroposiçãoaodireitopositivo)nãotratadeseressociais,masdeindivíduos,ouseja,dehomensquesebastamasimesmosenquantodepositáriosdarazão.Daíresultaque,naconcepçãodosjuristas,emprimeirolugar,osprincípiosfundamentaisdaconstituiçãodoEstado(edasociedade)devemserextraídos,oudeduzidos,daspropriedadesequalidadesinerentesaohomem,consideradocomoumserautônomo,independentementedetodoequalquervínculosocialoupolítico.Oestadodenaturezaéoestado,logicamenteprimeiroemrelaçãoàvidasocialepolítica,emquesomenteseconsideraohomemindividual;alémdisso,comoaprioridadelógicaconfunde-secomprioridadehistórica,oestadodenaturezaéaqueleemquesesupõequeoshomensviviamantesdafundaçãodasociedadeedoEstado.
182BAUMER,FranklinL.o pensamento europeu moderno.V.I,TraduçãodeManuelaAlbertyeArturMorão.Lisboa:Edi-ções70,1990,p.258.
54
Hobbes,representantedeumaprimeiraondademodernidadeinaugurandooindivi-dualismo,rompetotalmentecomareligiãoeafilosofiatradicional,aofazerespeculaçõesso-breoestadodenaturezaeoDireitonatural,destacandoqueopodersoberano,conferidopelocontrato,eraoúnicoaptoadeterminaroqueeraounãolícito.EmboraDeusfosseocriadordomundo,nãoeraolegisladorimediato183.
OEstadoModerno,formadocontratualmenteconformedestacavaRousseau,deveriaobservaravontadepopulareabuscadaigualdadenaconsecuçãodafinalidadedebuscarasuafinalidadesocial184.Locketambémreagiraàsidéiasabsolutistas,sendoque,conformedesta-caSaloeCarvalho,seuraciocínio,queforaabasedogarantismoedodireitoderesistência,desenvolvera-se
...emquatroassertivas:(1ª)asleisnaturaispodemservioladas;(2ª)asvio-laçõesdasleisnaturaisdevemserpunidaseosdanosreparados;(3ª)opoderdepuniredeexigirreparaçãocabe,noestadodenatureza,àprópriapessoavitimada;(4ª)queméjuizemcausaprópriahabitualmentenãoéimparcialetendeavingar-seemvezdepunir185.
Talidéiadecontratualismo186 fora fertilmente assimilada pelas novas ideologias sobre oprocessopenalpropagadaspelaEscolaClássicadoDireitoPenal,capitaneadaporBeccariae Pietro Verri.
Beccaria,em1764, inovandoopensamentopenal ilustrado,pregavaa limitaçãododireitodepunirporpartedosoberano,oqualnãopoderiasebasearemumacondenaçãosu-pedaneadaemacusaçõessecretas,feitasemprocessosquetinhamafinalidadedeconseguiraconfissãopormeiodetortura187.
183GOYARD-FABRE,Simone.os fundamentos da ordem jurídica;traduçãoCláudiaBerliner.SãoPaulo:MartinsFontes,2002,p.56:“...aordemjurídico-políticadoEstado-Leviatã,consideradadeumpontodevistafundamental,nãosereduzaoformalismodalegislaçãocivil.EmboraHobbesrecuseoesquemadualistadatradiçãojusnaturalistaclássica,aleidenaturezacontinuasendoumparâmetroimpossíveldeeliminardesuateoriapolítica.Mesmoquandodáàleidenaturezaumperfilpoucohabitualjáque,estatutariamente,elaé‘umaconclusãoouumteoremadarazão’ejáque,funcionalmente,elaéessepreceitoteológicoracionalsegundooqual‘todohomemdeveesforçar-sepelapaz`,aindaassimelareinasobrealegislaçãocivil.Portanto,aleicivildeterminadapeloPodersoberanonãobastaemsimesma:emsuaforma,elaéomeiodealcançarofimrepresentadopelarazãonaleidanatureza;emsuaextensão,cobreomesmocampoquealeidenatureza;emseuconteúdo,eladefine,porumaregulamentaçãoadministrativa,ascondiçõesdeaplicação,portantodeeficiência,daleidanatureza.Asleiscivisnãosão,pois,concebíveisforadarelaçãoprofundaqueasuneàleidenatureza:elasse‘contêmmutuamente’.Aleidanaturezaéoíndicedeumateleologiaqueiluminaocaminhodalegislaçãocivil;éumguiadevalornormativo.
184DALLARI,DalmodeAbreu.elementos de teoria geral do estado.24.ed.SãoPaulo:Saraiva,2003,p.16/17:“AfirmaRousseauqueaordemsocialéumdireitosagradoqueservedebaseatodososdemais,masqueessedireitonãoprovémdanatureza,encontrandoseufundamentoemconvenções.Assim,portanto,éavontade,nãoanaturezahumana,ofundamentoda sociedade.”
185CARVALHO,Salode.Pena e garantias.2.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2003,p.31.186DUMONT,Louis.o individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna.RiodeJaneiro:Rocco,1985,p.85:“Apartirdodireitoderesistiràperseguiçãodeumtirano,oqualsefundamentavanaidéiadeumcontratoentregovernanteegovernados,odesenvolvimentolevariaàafirmaçãododireitodoindivíduoàliberdadedeconsciência.Assim,aliberdadedeconsciênciaconstituioprimeiro,cronologicamente,detodososaspectosdaliberdadepolíticaearaizdetodososdemais.OsteóricosjesuítasdodireitonaturaldesenvolveramateoriamodernaquealicerçaoEstadonumcontratosocialepolítico,considerandoaIgrejaeoEstadoduassociedadesdistintas,independentes,exterioresumaàoutra.
187BECCARIA,CesareBonesana,Marcheside.dos delitos e das penas;traduçãoLuciaGuidicini,AlessandroBertiContessa.SãoPaulo:MartinsFontes,1997,p.74/75:“Umaestranhaconseqüênciaquenecessariamentedecorredousodatorturaéqueoinocenteseachanumaposiçãopiorqueadoculpado.Comefeito,seambossãosubmetidosaosuplício,oprimeirotemtudocontrasi,umavezqueouconfessaodelitoeécondenado,ouédeclaradoinocente,massofreuumapenanãomerecida;
55
PietroVerri, tambémembasadonamatrizfilosóficacontratualista, teveparticipaçãofundamental na obra de Beccaria. Foi fundador da Accademia dei Pugni,compostaporidea-listaspenaisreformadores,alémdeautordolivroObservações sobre a Tortura,publicadoem1804,cujotemacentralforaareconstruçãodoprocessocriminal“dosuntores”realizadoemMilãoem1630,doqualforamréusGuglielmoPiazzaeGianGiacomoMora,ambossubme-tidosaprocessodoqualomeioprobatórioprincipalforaa tortura188.Verridenunciara,comreflexõesdeordemmoral,culturalejurídica,osmétodosdeinvestigaçãoirracionalecruel.
SalodeCarvalhoevidenciaasinovaçõesideológicasincorporadaspeloDireitoPenalmoderno:
...aleipenal–geral,anterior,taxativaeabstrata(legalidade)–advémdecon-trato social (jusnaturalismo antropológico),livreeconscientementeaderidoporpessoacapaz(culpabilidade/livre arbítrio),quesesubmeteàpenalidade(retributiva)emdecorrênciadaviolaçãodopactoporatividadeexternamenteperceptível e danosa (direito penal do fato),reconstituídaecomprovadaemprocessocontraditórioepúblico,orientadopelapresunçãodeinocência,comatividadeimparcialdemagistradoquevaloralivrementeaprova(sistema pro-cessual acusatório)189.
Arazão,igualdadeeoprogressodahumanidadesecondensaramnopositivismodoséculoXIX,paraoqualhaviaduasformasdeconhecimentocientífico:1)alógicaeamatemá-tica;2)asciênciasempíricas,combasenomodelomecanicistadaciência.Nessecontexto,ainvestigaçãocriminaltambémpassaaserempírica.
Comefeito,hánosséculosXVIIIeXIXumatransformaçãogeraldeatitudenoqueserefere ao jus persequendi.Osreformadoresbuscavam,porexemplo,reduziraquantidadedasexcessivasinstânciaspunitivas,que,emfacedadiversidadedejurisdições,acabavasetornandolacunosa190.Tambémeraevidenteatentativadeseeconomizaropoderexcessivodoladodaacusaçãoquenãopossuíalimitesparaabuscada“verdadereal”.
Oantigosistemaprobatório,consubstanciadopelousodatortura,dosuplíciodocorpoedamente,dasacusaçõessecretasjánãotinhalegitimidadeparademonstraçãodaverdade,eisquealiberdadeeosavançoscientíficosemrelaçãoaosmeiosprobatóriosnãomaispermitiamfrases arrancadas pelo sofrimento191.
aopassoque,umcasoéfavorávelaoculpadoquando,resistindoàtorturacomfirmeza,deveráserabsolvidocomoinocente,trocandoumapenamaiorporumamenor.Oinocente,portanto,sótemaperdereoculpadoaganhar.”
188VERRI,Pietro.Observações sobre a tortura;traduçãoFedericoCarotti.2.ed.SãoPaulo:MartinsFontes,2000,p.4.189CARVALHO,Salode.Pena e garantias.2.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2003,p.43.190FOUCAULT,Michel.vigiar e punir: nascimento da prisão;traduçãodeRaquelRamallete.28.ed.Petrópolis,Vozes,1987,p.67:“Mesmodeixandodeladoasjurisdiçõesreligiosas,énecessárioconsiderarasdescontinuidades,assobrepo-siçõeseosconflitosentreasdiferentesjustiças:asdossenhoresquesãoaindaimportantesparaarepressãodospequenos
delitos;asdoreiquesãoelasmesmasnumerosasemalcoordenadas(ascortessoberanasestãoemconstanteconflitocomos bailados [bailliages] e principalmente com os tribunais presidiais [présidiaux] recentemente criados como instâncias intermediárias);asque,dedireitooudefato,estãoacargodeinstânciasadministrativas(comoosintendentes)oupoliciais(comoosprebosteseoschefesdepolícia);aquesedeveriaaindaacrescentarodireitoquetemoreiouseusrepresentantesdetomardecisõesdeinternamentooudeexílioforadequalquerprocedimentoregular.”
56
Paralelamente,foi,poroutrolado,bastanteevidentearelaçãoconstitutivadasciênciashumanascomaspráticasdeisolamentovigiadodoindivíduo,comoasprisões,escolasefábri-cas,trabalhandotambémarazãocomoobjetivodemantersobcontroleocorposocial.EraaracionalizaçãodoDireitoPenalehumanizaçãodapenaqueganhavamespaço192.
Mas,pode-sedestacarqueainvestigaçãodespoja-se,então,deseuantigomodeloin-quisitorialparaadotarcaracterísticasmaisflexíveisbaseadosemevidênciassensíveisaosensocomumpassíveisdedemonstraçãocientífica.
Ressurge,destarte,emfacedaforteantítesedopensamentoiluminadoaométodoin-quisitivo,osistema processual penal acusatório,retomando-secaracterísticaspercebidasnainvestigaçãonaGréciaantigaenaRepúblicaRomana193.
2.1.5.1 sistema processual penal acusatório e a investigação preliminar
O movimento garantista da Escola Clássica de Direito Penal capitaneado por Verri e Beccariafoigenerosamentereconhecidopelosdemaispaíseseuropeus,comreflexosemseusprocessosdecodificaçãoprocessualpenaldosséculosXVIIIeXIX,quepassamaadotarnova-mente o sistema acusatório.
Emtalsistema,emregra,ninguémpodeserlevadoajuízosemumaacusação,fosseela efetivada por populares ou por órgão público – nemo in iudicium tradetur sine accusatione. Nãoseadmitemaisqueojulgadorinicieoprocessooupratiqueatosdeinvestigaçãoouprodu-çãodeprovas,nemqueefetiveoatodejulgardeformaobscura.
Da análise comparativa da normatizaçãoprocessual penal dentro de tal contexto,percebe-setambémumaforteutilizaçãodainvestigaçãopreliminaraoprocessopenal,como
191FOUCAULT,Michel.vigiar e punir: nascimento da prisão;traduçãodeRaquelRamallete.28.ed.Petrópolis,Vozes,1987,p.81:“Averificaçãodocrimedeveobedeceraoscritériosgeraisdequalquerverdade.Ojulgamentojudiciário,nosargumentosqueutiliza,nasprovasquetraz,deveserhomogêneoaojulgamentopuroesimples.Abandono,então,dasprovaslegais;rejeiçãodatortura,necessidadedeumademonstraçãocompletaparafazerumaverdadejusta,retiradadequalquercorrelaçãoentreosgrausdasuspeitaeosdapena.Comoumaverdadematemática,averdadedocrimesópoderáseradmi-tidaumavezinteiramentecomprovada.Segue-seque,atéàdemonstraçãofinaldeseucrime,oacusadodeveserreputadoinocente;eque,parafazerademonstração,ojuizdeveusarnãoformasrituais,masinstrumentoscomuns,essarazãodetodomundo,queétambémadosfilósofosecientistas:Emteoria,consideroomagistradocomoumfilósofoquesepropõeadescobrirumaverdadeinteressante...Suasagacidadeofarácompreendertodasascircunstânciaserelações,aproximarousepararoquedevesê-loparajulgarsadiamente.”
192HABERMAS,Jürgen.O discurso filosófico da modernidade.TraduçãodeAnaMariaBernardo,JoséRuiMeirellesPerei-ra,ManuelJoséSimõesLoureiro,MariaAntóniaEspadinhaSoares,MariaHelenaRodriguesdeCarvalho,MariaLeopoldinadeAlmeidaeSaraCabralSeruya.Lisboa:PublicaçõesDomQuixote,1990,p.270:“AracionalizaçãododireitopenaleahumanizaçãodapenalidadeforamemmovimentonofinaldoséculoXVIII,acobertodaproteçãoretóricadeummovimentodereformaquesejustificanormativamenteemconceitosdedireitoemoral.Foucaultpretendemostrarquepordetrásdistoseescondeumabrutaltransformaçãonaspráticasdepoder–onascimentodoregimemodernodepoder,‘aadaptaçãoerefinamentodosaparelhosqueregistramecolocamsobvigilânciaocomportamentoquotidianodosindivíduos,asuaiden-tidade,asuaactividade,osseusgestosaparentementesemsignificado’”.
193LOPESJR.,Aury.introdução crítica ao processo penal (fundamentos da instrumentalidade garantista). Rio de Janei-ro:LumenJuris,2004,p.151:“Cronologicamente,emlinhasgerais,osistemaacusatóriopredominouatémeadosdoséculoXII,sendoposteriormentesubstituído,gradativamente,pelomodeloinquisitórioqueprevaleceucomplenitudeatéofinaldoséculoXVIII(emalgunspaíses,atépartedoséculoXIX),momentoemqueosmovimentossociaisepolíticoslevaramauma nova mudança de rumos.”
57
algointrínsecoaosistemaacusatório.Vejamosasituaçãoquesetevedelineadaemalgunspaíses.
NaFrança,ondeainfluênciailuministafoipreponderante,comaRevoluçãoFrancesade1789,marcopolíticoinquestionável,buscou-semodernizarehumanizaraJustiçaCriminal,quedesdeoséculoXIII,erainquisitorial194.Editou-seoCódigoNapoleônicoem1808(Code d´Instruction Ciminelle),oqual,devidoàsguerrasnapoleônicas,bemcomoaosseusprópriosméritos,rapidamenteestendeuseusprincípiospelomundo.
Vislumbrava-senoreferidoCódigoduasfasesprocessuaispenaisdistintas,oqueca-racterizaumsistemamistoouformal–umtertium geniusentreaperseguiçãopenalinquisitóriae acusatória195.
Nomomentoprévioàaçãopenal,comandadoporumjuiz-instrutor,comafunçãodebuscarocometimentodedelitos,materializandoformalmenteedeformasecretaareconstitui-çãodofatocriminoso,nãohaviacontraditórioouformasdedefesa.Já,nasegundafase,emjuízo,realizadopublicamente,haviadebatesperanteumtribunalentreoreúeoacusador,sendoqueestepoderiaserumparticular,oofendidoouumórgãopúblico196.
Osistemamisto,comalteraçõesnoqueserefereàrealtitularidadedainvestigação197,delegadaquasesempreàpolíciajudiciária198,aindacontinuaemvigornaFrança,conformesepercebe no Code de Procédure Pénale,de1958199.
194PRADO,Geraldo.sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro: Lu-menJuris,1999,p.92:“AFrançadamesmaformasuportouosistemainquisitório,especialmenteapartirdaOrdenaçãode1254,deLuízIX,editadasobainfluênciadoDireitoRomano-Canônico,comadisposiçãodaapuraçãodasinfraçõespenaisdeofícioeaimposiçãodajurisdiçãorealemtodooterritório.Meiersalienta,todavia,quefoiaOrdenaçãoPrévia,de1535,odiplomaquedefinitivamenteincorporouaInquisção,fazendosucumbiromodeloacusatório.PietroFredasdestaca,porsuavez,queaordenaçãocriminaldeLuísXIV,deagostode1670,ordenouoprocedimentocriminalnaFrançaeapresentou-secomoacodificaçãocompletaeúltimadoprocedimentoinquisitório,pretendendopôrfimaocaosentãovigentenaadminis-traçãodajustiça.”
195COUTINHO,JacintoNelsondeMiranda(coordenador).Crítica à teoria geral do direito Processual Penal. Rio de Janei-ro:Renovar,2001,p.60,nãoadmitindoadenominaçãosistemamisto:“Diantedessesdoissistemas,háquemasseverequeNapoleãofezfazersurgirumsistemamisto,mesclandocaracterísticasdeambos,tambémconhecidocomoreformadoounapoleônico.Todavia,háumaimpropriedadenotermosistemamisto,impossibilitandosuaconfiguração,porqueoqueca-racterizacadaumdossistemasjávistos,éaexistênciadeumprincípiounificadorpróprio:naquele,inquisitório,oprincípioregenteéinquisitivo;noacusatório,oprincípioregenteéodispositivo.”
196TOURINHOFILHO,FernandodaCosta.Processo Penal,v.1.27.ed.rev.eatual.SãoPaulo:Saraiva,2005,p.89:“Osprincípiosdosistemainquisitivoeramconsagradosnafasedeinstruçãoprobatória:oprocesso,dirigidoporumMagistrado,desenvolvia-seporescrito,secretamenteesemsercontraditório.Adefesaeranuladuranteainstruçãopreparatória.Nases-sãodejulgamentotornava-seacusatóriooprocesso:oral,públicoecontraditório.”
197LOPESJR.,Aury.sistemas de investigação preliminar no Processo Penal. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,2003,p.236:“Ojuiz(ouopromotorconformeocaso)poderáexercerelemesmoseuspoderesdeinvestigaçãooudeterminarqueapolíciajudiciáriarelizeadiligência.Namaioriadoscasos,segundoCrenier,osjuízosutilizamascomissõesrogatórias,quepermitemaosmembrosdapolíciajudiciáriaprocederemseunome.”
198CHOUKR,FauziHassan.Garantias constitucionais na investigação criminal. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: LumenJuris,2001,p.97:“Alegislaçãofrancesaconstituioberçodonascimentodoquehojecompreendemosporpolíciajudiciária.Nesseponto,LavigneseLemondeapontamorecrudescimentodaPolíciaque,instituiçãopraticamenteinexistentenoiníciodoséculoXIX,passouadesempenharfunçãorelevantetambémemnívelinternoderelaçãoprocessual,muitoemfunçãodocomodismodojuizinstrutoredotitulardaaçãopenal,crítica,aliás,inteiramenteaplicávelaocasonacinal.”
199PRADO,Geraldo.sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro: EditoraLumenJuris,1999,p.103:“NovellaGalantini,estudandooProcessoPenalFrancês,observounadécadade1980atendênciadeaproximaçãoaomodeloacusatório,principalmentepormeiodocontroledepoderesatribuídosaojuizdeinstrução,situaçãorevertidaposteriormente,conformeasLeis93-2,dejaneirode1993,e93-1013,deagostodomesmoano,queseinclinaramemdireçãoaoretornoaoprocessodetipomisto,queatualmentepredomina,progredindoaperse-cuçãoapartirdainvestigaçãoinicial,levadaacabopelapolícia,sobacoordenaçãodoMinistérioPúblico,passandopeloexercíciodaaçãopenaleinstauraçãodafasedeinstrução,atéchegaraojuízopropriamentedito,esteúltimooral,públicoe contraditório.”
58
Estão previstos no referido Código dois tipos de instrução preliminar. A enquête pré-liminare,consubstanciadanas investigaçõessecretasdosdelitosdemenorgravidadeecom-plexidaderealizadaspeloMinistérioPúblicocomauxíliodapolíciajudiciária;eainstruction préparatoire,daqualéencarregadoumjuizinstrutorquedeveapurarapráticadedelitosmaisnefastos,sendo,desdejá,asseguradoaoinvestigadoacessoaosautosdoprocedimentoinvesti-gatório,alémdecontraditório200.
NaAlemanha,emfacedaexpansãodopensamentorevolucionáriofrancês,foraedita-do,em1848,adeclaraçãodosdireitosfundamentaisdopovoalemão,buscando-sesuperarosrançosinquisitoriaisexistentesnaquelepaís201econferirpublicidadeeoralidadenoprocesso,alémdesedescentralizarasfunçõesdeacusar,defenderejulgar.
Ali,tambémapersecuçãopenalseiniciaporumprocedimentopreparatório,sendo,entretanto,talfasedirigidapeloMinistérioPúblico,órgãotambémincumbidodeexerceraper-secuçãopenalnafaseprocessual,titularizandoaaçãopenal,comaobservânciadosprincípiosdaobrigatoriedade,mitigadopelodaoportunidade.Emreferidomodeloinvestigatóriocapeta-neadopelopromotorinvestigador,sãocaracterísticasasumariedade,eisqueacoletadeprovasemtalfasesedáapenascomoobjetivodeseexercitarounãoaaçãopenaleosigilo,nãotendooinvestigadoouseupatronodireitodepresenciaràsdiligênciasinvestigatóriaslevadasacabopelo parquet202.
Acaracterísticadasumariedade,naprática,nãoétãoobservada,eisquehátendênciaemsebuscarumainvestigaçãoplenajánoprocedimentoprévio.ClausRoxin,nessesentido,destacaque
Elprocedimentodeinvestigación,quesegúnelprogramaoriginariodellegis-ladorsólodebíaprepararelprocedimentoqueteníasucoronacióneneljuiciooral, se ha convertido, entretanto, con frecuencia, emnaparte esencial delprocesopenal.Pueslos§§153,153ayss.,enlamayoríadeloscasos,ledanalfiscalelpoderdedecidirsobreeldestinofuturodelprocedimento.Además,amenudo,cuandosellegaaljuiciooral,suresultadoestádelineadoyaporlosresultadosdelainvestigacióndelprocedimientopreliminar.Porello,esimpe-
200LOPESJR.,Aury.sistemas de investigação preliminar no Processo Penal. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2003, p.234/237,quedestaca,ainda,àp.235,aexistênciadeoutrasformasdeinvestigaçãoderivadanaquelepaísparaaapuraçãodedeterminadosdelitostaiscomoterrorismo,tráficodeentorpecentes,delitosperpetradosporpessoasjurí-dicas,flagrantesecontravenções.
201PRADO,Geraldo.Op. cit., RiodeJaneiro:LumenJuris,1999,p.92:“NaAlemanha,porsuavez,sobajurisdiçãodoIm-périoRomanoGermânico,depoisdarecepçãodoDireitoRomano,conformeanteriormentesublinhado,eemvirtudedoreconhecimento,apósainstalaçãodoTribunaldeCâmaraImperial(1495),dodesejodecriaçãodeumdireitoimperialunifi-cado,editaram-seaConstitutioCriminalisBambergensis(1507)eaConstitutioCriminalisCarolina(1532),estaalcançandopraticamentetodososdomíniosdoImpério.Trata-sedoingressolegalindiscutíveldaInquisiçãonaAlemanhaedemaisáreasdeinfluência,semembargoderemotosprincípiosdoantigosistemagermânico,deíndoleacusatória,medianteumaregulaçãoquesepretendiauniforme,inclusivenotocanteàdisciplinadatortura.”
202LOPESJR.,Aury.Op. cit., p.247:“Comrelaçãoaoórgãoencarregado,osistemaalemãoatribuiaoMinistérioPúblicoatitularidadedaaçãopenal–dominuslitis–etambémdainvestigaçãopreliminar,cabendo-lheaindadirigirecontrolaraatividadedePolíciaJudiciária.ExplicaGomezColomerqueoMinistérioPúblicoéoórgãoinstrutordascausaspenais,ca-bendoaintervençãojudicialnaquelasresoluçõesquimpliquemrestriçõesdedireitosfundamentaisdosujeitopassivo,prin-cipalmenteasqueafetermaliberdade(§64,114,126.aetc.).OMPtemomonopóliodaaçãopenal(§243,ap.3daStPO),dispondodefaculdadesdiscricionáriasemvirutudedaadoçãodoprincípiodeoportunidade,sendo,porisso,aautoridadesupremadaacusaçãoetambémdainvestigaçãopreliminar.”
59
riosamente necesario darles al imputado y al defensor mayores posibilidades deinfluirsobreelprocedimentodeinvestigación203.
A Itália, que difundira universalmente, pormeio da Igreja, omodelo inquisitorial,queeracultivadonassedutorasuniversidades italianaspelosglosadores (de1100a1250)epós-glosadores(de1250a1450),custaráasedesvencilhartotalmente,seéqueoconseguiu,dascaracterísticasmarcantesdetalmodeloprocessualpenal,quaissejam,osegredo,denúnciaanônimaeoiníciodainvestigaçãodeofíciorealizadapelomagistrado.
Entretanto, conforme já destacado, foi dali que partiram as idéias humanistas comdimensão universal de Beccaria e Carrara204,sendoqueestededicouumdosvolumesdeseumonumental Programma,àabordagemdoJuízoCriminal,sistematizandoinstitutosprocessu-aiscomsupedâneoemidéiasjusnaturalistas.
Em1914,conformedestacaManzini,entrouemvigornaItália,umCódigodeProces-soPenal,quepode ser considerado como o primeiro código verdadeiramente italiano guiado pelo critério fundamental da relação jurídica processual, não obstante alguns defeitos, foi obra notável e preparou o caminhoparaoCódigoadjetivodoautoredeAlfredoRocco205.
O Código de Rocco de 1930 fora substituído em 1989 pelo Códice de Procedura Pe-nal,quesuprimiraosistemadeinvestigaçãojudicial,passandoomagistradoapenasàfiguradegarantedaregularidadedoprocedimentoinvestigatório,nãomaisrealizandotarefasinves-tigatórias ou instrutórias. No comando da indagini preliminari,estáoMinistérioPúblico,quepodesevalerdapolíciajudiciáriaparaangariarprovas.Comocaracterísticasdainvestigaçãopreliminaritaliana,pode-secitarasumariedade,eisqueduradeseismesesaumano,sendoqueeventualprorrogaçãodeveserautorizadapelomagistrado;osegredo,quepoderáduraratéqueexistaimputaçãodelitivaformalaoinvestigado;osatosrealizadossãodemerainvestigaçãoenãoatosdeprovasaseremutilizadosnoprocessopenal,alémdadispensabilide,eisqueains-tauração ou não da indagini preliminarificaacargodoparquet206.
EmboraaordemjurídicadaInglaterranãotivesseinfluênciasignificativadomodelolegalromano-germânicovigorantenaEuropa,percebe-seali típicosistemaprocessualpenalacusatório privado ou popular.
Comefeito,desdeoséculoXIIvigoranaquelepaísoCommon Law,noqualoscostu-mestambémsãofontedoDireito207.Comefeito,no sistema legal inglês, o processo legislativo
203ROXIN,Claus.derecho Procesal Penal.BuenosAires:EditoresDelPuerto,2003,p.632.204MARQUES,JoséFrederico.elementos de direito Processual Penal.v.I.Campinas:Bookseller,1997,p.115.205MANZINI,Vincenzo.Tratado de derecho Procesal Penal;TraduçãodeSantiagoSentisMelendoeMarinoAyerraRedín.BuenosAires:EdicionesjurídicasEuropa-America,1951,p.104.
206LOPESJR.,Aury.sistemas de investigação preliminar no Processo Penal. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2003,p.237/245.
207 PRADO,Geraldo.sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro: LumenJuris,1999,p.97:“JánoséculoXII,apartirdaconquistanormanda,oscostumesparecemseraúnicaoumaisimportantefontedodireito,dividindo-seemcostumeslocaisanglo-saxônicos,costumesdasnovascidadesecostumesdosmercadores,deummodogeraldenominadoslex mercatoria.Nesteséculo,portantomaiscedoquenaEuropaContinental,osreisdaInglaterraconseguemimporsuaautoridadesobreoconjuntodoterritório,desenvolvendoacompetênciadasuaprópriajurisdiçãoemprejuízodasjurisdiçõessenhoriaiselocais,queperdemprogressivamente,aolongodosséculosXIIeXIII,amaiorpartedassuasatribuições.Paraisso,especialmenteemmatériacriminal,serviram-sedejuízesquepercorriamtodooterritório,reuniamascorteslocaisejulgavamoscasosempauta,conferindounidadeaoCommon Law.”
60
é dividido, não necessariamente de forma igualitária, entre dois órgãos. Enquanto o Parla-mento se incumbe da feitura das leis internas, o seu poder é suplementado pelas atividades do poder judiciário que desempenha suas funções de forma mais conservadora208.
Emtalmodelo,emboraasdecisõesdosmagistrados,os“precedentes”,tenhamforçainferioràleieajurisprudênciapossasersuplantadapelalegislaçãooriundadoparlamento,anãoserquehajaleidispondodiferentementedosjulgados,estessãoprecedentesquedevemserrigorosamente observados.
As criminal courtsouvemedeterminamacusaçãocontraosqueviolaramaleipenal,sendoquenamaioriadoscasosasacusaçõessãofeitasporalguémrepresentandooEstado209. GeraldoPradoarrematadizendoque,noscasoscriminaisinglesesanteriormentejulgadospelojúri210, sempreequidistantee imparcial,aacusaçãoeraconfiada“... aqualquerhabitantedoreino,poisque,porficção,admite-sequetodacontudacriminalatingeafiguradorei,oqueperduraatéosdiasdehoje”211.
TourinhoFilhotambémdestacaocaráteracusatóriodoprocessocriminalinglês,con-signandoque
enquantoosistemainquisitivodominavaaEuropacontinental,comseuspro-cessossecretoseindispensáveistorturas,naInglaterra,apósoIVConcíliodeLatrão,queaboliuos“JuízosdeDeus”,considerava-seoprocesso,dizBeling,um fair trail,eseentendiaquesedeviatrataroacusadocomoaumgentle-man.Ali,naqueleclássicopaísdoliberalismo,dominavaainstituiçãodoJúri,sendoqueapersecuçãoficavaacargodequalquerdopovo212.
Vislumbrar,noDireitoProcessualPenalinglês,ummodeloacusatórionãoépacíficonadoutrina.FauziHassan,porexemplo,ponderaquenoProcessoPenalbretãonãoseconheceuaorganizaçãoacusatória,nãohavendonadasemelhanteaoMinistérioPúblicodocontinenteeuropeu.Destacaque,noexemploinglês,aausênciadeumórgãoestatalpersecutóriofezcomqueatitularidadedaaçãopenalfosseexercidapelapolíciainvestigativa213.
AJustiçanaEspanhasofreraforteinfluênciadoTribunalReligiosodoSantoOfício,sendoqueainquisiçãoforaextintanaquelepaísapenasem1834.TambémalisepercebequeoProcessoPenalsedivideemduaspartes:aintruçãopreliminarescrita,secreta,dirigidaporum
208INGMAN,Terence. The english legal process.9.ed.NovaYork:OxfordUniversityPress,2002,p.310:“Theinterrela-tionshipbetweenlegislationandthejudiciaryisofcrucialimportance,forthejudgesaretheultimateenforcesofthelaw,whethercivilorcriminal,andwhetherParliamentaryinoriginorjudge-made.Ajudgewillspendapproximatelyone-halfofhisjudicialtimeontheinterpretationoflegislation,asaglanceatthelawreportswillconfirm.”
209INGMAN,Terence. Op. cit., p. 1.210INGMAN,Terence. Op. cit., p.273:“ThejuryisusedintheCrownCourt.Thereisnojuryinthemagistrates´courts,whichtryabout98percentofcriminalcases.Thejuryisthusused(theoretically)inonlythe2percentofcriminaltrialswhichtakeplaceattheCrownCourt.Inpractice,however,thejuryisusedevenlessthanthis(inabout0.8percentofcriminaltrials)because58percentofdefendantsattheCrownCourtpleadguiltyanddonotneedajurytrial(JudicialStatistics2000,Cm5223,2001,p.67).”
211PRADO,Geraldo. Op. cit., p. 98.212TOURINHOFILHO,FernandodaCosta.Processo Penal,v.1.27.ed.rev.eatual.SãoPaulo:Saraiva,2005,p.87.213CHOUKR,FauziHassan.Garantias constitucionais na investigação criminal. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: EditoraLumenJuris,2001,p.100/101.
61
magistradoesemefetivocontraditório(estágiopré-processualdenominadosumário),eopro-cessopropriamentedito,comprestígiodaoralidade,dainércia,contraditórioepublicidade.
Emtese,predominariaosistemaacusatório formal,comtraços inquisitivosna fasepré-processualefrancamenteacusatórionoProcessoPenalemsentidoestrito.AssimconcluiAuryLopes,destacandoque
Elprocedimentocomúnpordelitosdehallaestructuradosobrelabasedelsis-temamixto,tieneunrasgoinquisitivoenlaactuacióndeljuezdeinstrucciónenlainstrucciónpreliminar(noprocesalperoencomendadaaunórganoju-dicial)aunqueexistacontradictorioyderechodedefensa.Lasdiligênciasdelsumariosonemreglasecretashastaqueseabraeljuiciooral,enlostérminosdel art. 301 de la LECrim214.
Entretanto,émuitoforteorançoinquisitorial,eisqueafasepreliminartemtotalpre-ponderânciasobreafaseposterioracusatória,atémesmodiantedaimpossibilidadedesecon-ciliaratividadesjudiciaistãoantagônicas,aindaqueojuizdainvestigaçãosejadiversodoqueexerceráajurisdiçãopormeiodoprocesso.Comefeito,Navarretedestacaatotalprevalênciadosaspectosacusatórios,constatandoque
aformasumária,preparatóriaeinquisitorial,éreguladaporquasequatrocen-tenasdeartigos(arts.259a648daLEC),contracemdojuízooraleumnúme-roaindamenorparaojuízoabreviado,instituídopelaLeyOrgánica7/1988,de28dedezembrode1988215.
NosEstadosUnidosdaAmérica,emborasefaleem“the” criminal process,diferentessistemassãoutilizadosemcadaEstadoenasprópriascortesfederais.Cadasistematemsuanor-matizaçãoprópria,que,emalgunscasos,sãoconvertidasemcódigosparaevitarasuperposiçãolegislativa,todosdevendoobservânciaaoBill of Rights.
Oprocessopenalseiniciapormeiodeumadenúnciadopromotorpúblicoque,nosca-sosdelitivosmaisgraves,éprecedidadeumaanáliseporpartedogrand jury,quedecideseháevidênciassuficientesparaumaiminenteaçãopenal.Naacusação,oinvestigadoéinformadodosfatosquelhesãoimputadossendo-lheoferecidaaoportunidadede,desdejá,declarar-seounãoculpado,ocorrendoaíoplea bargaining,emqueoimputadosedeclaraculpadoemtrocadeacusaçõesreduzidasousentençamaisfavorável216.
214LOPESJÚNIOR,Aury.Sistemas de instrucción preliminar en los derechos espanõl y brasileño: con especial referencia a la situácion del sujeto pasivo del proceso penal. Tesis doctoral. Diretor: Pedro Aragoneses Alonso. Universidad Com-plutensedeMadrid,1999,p.89/90.
215LORCANAVARRETE,AntonioMaria.el proceso penal de la ley de enjuiciamento criminal. p. 87. ApudPRADO,Geraldo. sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,1999,p.104.
216FEINMAN,JayM.law 101: everything you need to Know about the american legal system.NewYork:OxfordUni-versityPress,2000,p.304.
62
Nota-sealiumaforteeindependenteatuaçãopreliminarprocessualdapolíciajudiciá-ria,semprecomopropósitodeseatingiroprincípiodotruth-seeking. Quando reunidas provas suficientescontraoinvestigado,efetiva-seseuindiciamento,emregrafeitopelooficialpolicialdegraduaçãomaiselevadaoupelopromotor,sendoqueambosdevemdemonstrarosfatosqueensejaramaimputação.ApartirdaíoinvestigadoéapresentadoàCorteCriminal,paraque,após uma preliminary hearing,decidaomagistradosobreaviabilidadedapersecuçãoproces-sual penal217.
EmPortugal, a centralizaçãomonárquica foi retirando paulatinamente poderes dasjustiçassenhoriais,sendoque,em1446, foraeditadacompilaçãoconhecidacomo títulode“OrdenaçõesAfonsinas”,que,emseulivroV,regulavaainvestigaçãocriminalcomfortein-quisitorialismo.Em1521,as“OrdenaçõesManuelinas”,tambémemseulivroV,disciplinavaoDireitoProcessualPenale,em1603,foraeditadaacompilação“OrdenaçõesFilipinas”,queselimitavaarepetirosaspectosinquisitóriosdasanteriores218.
Haviaaacusaçãopública,intentadaporqualquerdopovoeaprivada,intentadapelavítima, os quais estavam sujeitos a serem substituídos peloMinistérioPúblico, sempre quehouvesseinteressedaJustiça.Comoprocedimentoprévioexistiaosumáriodequerela,noqual“osjuízescompetentesdeviam,nosseusterritórios,logoquetivessemnotíciadofato,formarumcorpodedelitoeabrirainquirição-devassa,istoé,semdeterminaçãodocriminosoeexa-tamente para descobri-lo”219.
Emsuacolônia,aMetrópole,pormeiodealvaráseditadosem1760e1780,criouafiguradoIntendente-GeraldaPolícia,quepassouaacumularfunçõesjudiciáriasàspoliciais.Taisalvarásnãodiferenciavamaatuaçãopolicialdajudiciária,muitomenosapolíciaadminis-trativadajudiciária.TalsituaçãoperdurouatéavindadoReiD.JoãoVIaoBrasil,ocasiãoemquedeterminouqueoIntendente-GeraldaPolíciadaCortetivesseasmesmasatribuiçõesquetinhaemPortugal220.
ComaRevoluçãoFrancesa,intensificam-seosideaishumanitáriosquecontaminaramaformaçãojurídicaportuguesaprincipalmenteintercâmbioculturalrealizadoentrePortugaleosdemais países da Europa221.Paulatinamente,foramabolidasasdevassasgerais,aconfiscaçãodebens,ainfâmia,osaçoitesediversasformasdetortura.ComaediçãodaLeidaBoaRazão,em
217FEINMAN,JayM.Op. cit., p.300:“Police,forexample,shouldnotbeburdenedwithcumbersomeproceduresourhyper-techinicalrequirementsaboutaboutwhattheymustdoininvestigatingcrimes,seizingevidence,orinterrogatingsuspects,burdenswhichwouldonlydiminishthesystem´sabilitytodeterminethetruth.”
218MARQUES,JoséFrederico.elementos de direito Processual Penal.v.I.Campinas:Bookseller,1997,p.95:“EranofamosoLivroV,demalsinadamemóriaemvirtudedeseuspreceitosdesumanosebárbaros,quevinharegulado,noseusinstitutosbásicos,oprocedimentopenal.Sobosignodeseussistemanormativo,crueledespótico,aliseacasalavamumDireitoPenalRetrógradoe sanguináriocomregrasprocessuais inquisitivas, consubstanciadas sobretudonas tristementefamosasinquiquiçõesdevassas.”
219ALMEIDA,JoaquimCanutoMendesde.AçãoPenal.In:RevistaForense,vol.XCI,p.166a168.Apud MARQUES,JoséFrederico. elementos de direito Processual Penal.v.I.Campinas:Bookseller,1997,p.95.
220ALMEIDAJÚNIOR,JoãoMendes.o Processo Criminal brasileiro.4.ed.vol.I.SãoPaulo:FreitasBastos,1959, p. 257.
221GAUER,RuthMariaChittó.A modernidade portuguesa e a reforma pombalina de 1772.PortoAlegre:EDIPUCRS,1996,p.30:“Osestudosdelínguaspossibilitaramageneralizaçãodoconhecimentoatodosospaíses.Oslivrospassaramapertenceraumnúmerocadavezmaiordepessoas;deu-seoiníciodauniversalizaçãodoconhecimento.”
63
1776,sistematizou-seajurisprudênciaedeu-seênfaseàfonteimediatadedireito,aLei.ComaReformaPombalina,reformou-seoestudocientíficoemPortugal,comafrontadiretaaosjesuí-tas,comincomensuráveisavançosparanoqueserefereàhumanizaçãodapersecuçãopenal222.
MelloFreire,professordaUniversidadedeCoimbra,em1789,apresentouprojetosdeCódigodeDireitoPúblicoeCódigodeDireitoCriminal,osquaisemboratenhamsidocensu-rados,orientaramoprocessodecodificaçãoportuguês,notadamenteoCódigoPenalde1852,aReforma Judiciária de 1826 a 1837 e a Novíssima Reforma Judiciária de 1841223.
Atualmente, emPortugal, está emvigorumCódigodeProcessoPenal,queentrouemvigorem1988.Afasepreliminar,denominadainquérito,étidacomofasejudicial,eisquedesenvolvida pormembros doMinistérioPúblico que, naquele país, assim, comona Itália,fazempartedoPoderJudiciárioesãoequiparadosaosjuízes.OMinistérioPúblicoportuguêscomandaapolíciajudiciária,oquecaracteriza,assim,afiguradopromotorinvestigador.Hátambématuaçãodojuiznoinquérito,sejacomogarante,sejapraticandoatosdeinstruçãoporprovocação,taiscomoprimeirointerrogatóriododetidoeconhecimento,emprimeirolugar,doconteúdodecorrespondênciaapreendida,dentreoutrasatividadesespecificadasemlei.Paraevitarprejuízosàparcialidadedojuiznoprocesso,ojuizqueatuanainvestigaçãonãopodeatuar no processo224.
Emfacedaanálisedosreflexosdos ideais iluministasegarantistasna investigaçãocriminalpreliminar,percebe-se,emregra,fortelimitaçãoaopoderdosjuízesnainvestigação,comintensaslimitaçõesemsuasatividadesinquisitoriais.
2.1.6 Reflexos do pensamento europeu moderno na investigação criminal preliminar no brasil
NoBrasiltambémhouvereaçãodocontratualismonoDireitoPenaleProcessualPe-nal.Talsedeu,emgrandeparte,pelainfluênciadosideaisracionalistasportuguesesapreendi-dos pelos egressos da Faculdade de Direito de Coimbra225.RuthGauerponderaque
aformaçãoemCoimbracriouumcorpotécnicohistoricamenteinfluenciadopelacosmovisãodaUniversidadeformadora,quetraziaastransformaçõeseu-
222GAUER,RuthMariaChittó.Op. cit.,69:“Emnossainterpretação,agrandetransformaçãointroduzidapelaReformanoensinodoDireitofoiaimposiçãodeumaorientaçãodoutrinalàsdiferentescadeiras.ObservandoaéticaesobadireçãodoIluminismo,aFilosofiamodernaimbrica-seaoracionalismocomoumacorrenteopostaaoaristotelismotomista.Ajuris-prudênciaseconfiguracomoumconseqüênciadaFilosofiacombasenalógicaenametafísica,porumlado,enaéticaporoutro lado.”
223CARVALHO,Salode.Pena e garantias.2.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2003,p.54.224LOPESJR.,Aury.sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2003,p.253/259.
225GAUER,RuthMariaChittó.a construção do estado-nação no brasil. a contribuição dos egressos de Coimbra. Curi-tiba:Juruá,2001,p.42:“AtrajetóriadosbrasileirosformadosporCoimbrainiciou-seem1577.Registramosnanossahis-tóriaque,apóssetentaeseteanosdatomadadepossedaterrapelosportugueses,ocorreuoiníciodaformaçãosuperiordoscolonos brasileiros na Universidade de Coimbra”.
64
ropéiasdofimdoséculoXVIIeiníciodoséculoXIX.Emplenarevoluçãoindustrial,ocorreuumatransformaçãoquedesarticulouavidadaspessoasnaEuropaeatingiutodososcontinentes,transformouasociedadeatacandotodoo tecido social. Tais transformações foram sentidas em Portugal e no Brasil. OsbrasileirosemCoimbra,nesseperíodo,vivenciaramumambientequere-fletiaasgrandestransformaçõesnocampodasciências226.
Dos90deputadosquerestaramempossadosnaAssembléiaNacionalConstituintede1823,38foramformadosemCoimbra.Aatuaçãodestesfoidecisivanaconstituiçãosociopolí-tica e administrativa da incipiente nação227.
AConstituiçãoImperialde1824,quejádestacavaváriosideaisderacionalizaçãodainvestigação criminal228,emseuart.179,incisoXVIII,traziaumanormaprogramáticanosen-tidodeserelaboradoumCódigoCriminalbaseadonajustiçaenaeqüidade.
Em1830,foraaprovadoomodernoetécnicoCódigoCriminaldoImpério229,decujoprojetoforaautorBernardoPereiradeVasconcellos230,queseformaraemLeisem1818,emCoimbra,tendosidoalunodeMeloFreire,discípuloideológicodeBeccaria.
Nãotardoue,em1832,entrouemvigoroCódigodeProcessoCriminal,cujoredatortambémseformaraemCoimbra,em1823231.
226GAUER,RuthMariaChittó.Op. cit., p. 149.227GAUER,RuthMariaChittó.Op. cit., p. 234 e 254.228Vejam-sealgumasnormassobreainvestigaçãocriminalconstantesnareferidaConstituição:“Art.179.AinviolabilidadedosDireitosCivis,ePoliticosdosCidadãosBrazileiros,quetemporbasealiberdade,asegurançaindividual,eaproprie-dade,égarantidapelaConstituiçãodoImperio,pelamaneiraseguinte.I.NenhumCidadãopódeserobrigadoafazer,oudeixardefazeralgumacousa,senãoemvirtudedaLei.(...)V.NinguempódeserperseguidopormotivodeReligião,umavezquerespeiteadoEstado,enãooffendaaMoralPublica.(...)VII.TodooCidadãotememsuacasaumasyloinviolavel.Denoitenãosepoderáentrarnella,senãoporseuconsentimento,ouparaodefenderdeincendio,ouinundação;edediasóseráfranqueadaasuaentradanoscasos,epelamaneira,queaLeideterminar.VIII.Ninguempoderáserpresosemculpaformada,exceptonoscasosdeclaradosnaLei;enestesdentrodevinteequatrohorascontadasdaentradanaprisão,sendoemCidades,Villas,ououtrasPovoaçõesproximasaoslogaresdaresidenciadoJuiz;enoslogaresremotosdentrodeumprazorazoavel,queaLeimarcará,attentaaextensãodoterritorio,oJuizporumaNota,porelleassignada,faráconstaraoRéoomotivodaprisão,osnomesdoseuaccusador,eosdastestermunhas,havendo-as.IX.Aindacomculpaformada,nin-guemseráconduzidoáprisão,ounellaconservadoestandojápreso,seprestarfiançaidonea,noscasos,queaLeiaadmitte:eemgeralnoscrimes,quenãotiveremmaiorpena,doqueadeseismezesdeprisão,oudesterroparafóradaComarca,poderáoRéolivrar-sesolto.X.A’excepçãodeflagrantedelicto,aprisãonãopódeserexecutada,senãoporordemescriptadaAutoridadelegitima.Seestafôrarbitraria,oJuiz,queadeu,equemativerrequeridoserãopunidoscomaspenas,queaLeideterminar.Oqueficadispostoacercadaprisãoantesdeculpaformada,nãocomprehendeasOrdenançasMilitares,estabelecidascomonecessariasádisciplina,erecrutamentodoExercito;nemoscasos,quenãosãopuramentecriminaes,eemqueaLeideterminatodaviaaprisãodealgumapessoa,pordesobedeceraosmandadosdajustiça,ounãocumpriralgumaobrigaçãodentrododeterminadoprazo.XI.Ninguemserásentenciado,senãopelaAutoridadecompetente,porvirtudedeLeianterior,enafórmaporellaprescripta.XII.SerámantidaaindependenciadoPoderJudicial.NenhumaAutoridadepode-ráavocarasCausaspendentes,sustal-as,oufazerreviverosProcessosfindos.XIII.ALeiseráigualparatodos,querproteja,quercastigue,orecompensaráemproporçãodosmerecimentosdecadaum.(...)XVI.FicamabolidostodososPrivilegios,quenãoforemessencial,einteiramenteligadosaosCargos,porutilidadepublica.XVII.A’excepçãodasCausas,queporsuanaturezapertencemaJuizosparticulares,naconformidadedasLeis,nãohaveráForoprivilegiado,nemCommissõesespeciaesnasCausasciveis,oucrimes.XVIII.Organizar–se-haquantoantesumCodigoCivil,eCriminal,fundadonassoli-dasbasesdaJustiça,eEquidade.XIX.Desdejáficamabolidososaçoites,atortura,amarcadeferroquente,etodasasmaispenascrueis.XX.Nenhumapenapassarádapessoadodelinquente.Portantonãohaveráemcasoalgumconfiscaçãodebens,nemainfamiadoRéosetransmittiráaosparentesemqualquergráo,queseja.XXI.AsCadêasserãoseguras,limpas,obemarejadas,havendodiversascasasparaseparaçãodosRéos,conformesuascircumstancias,enaturezadosseuscrimes.”
229LYRA,Roberto.direito Penal normativo.2.ed.RiodeJaneiro:J.Konfino,1977,p. 42:“FoioprimeironaAméricaeprovocouascodificaçõescentroesul-americanasporelemodeladas.Serviudepadrão,também,aocódigorussoeaoscódi-gosespanhóisde1848,promulgadoem1850,ede1870.”
230SOUSA,OctavioTarquiniode.História dos fundadores do império do brasil.2.ed.rev.RiodeJaneiro:J.Olympio,1957. 5 v. p. 62.
231GAUER,RuthMariaChittó.a construção do estado-nação no brasil. a contribuição dos egressos de Coimbra. Curi-tiba:Juruá,2001,p.307.
65
EstavaassimorganizadooarcabouçoprocessualpenaldoEstado,queteveporbaseacontribuiçãodosegressosdeCoimbranoqueserefereàsmaisnotáveisconcepçõesdoDireitoNaturaledoracionalismojurídico,quepermitiramasubstituiçãodasdecadentespráticasin-quisitivas.
NoCódigoProcessualPenalde1832,haviaumprocedimentopreliminar,osumáriodeculpa,oqualeracapitaneadopelojuizdepazque,umavezverificandoaculpa,declaravaprocedenteaqueixaoudenúnciaremetendooprocessoparaumJúrideacusação232.OChefedePolíciapassouaserumjuizdeDireitoeoMinistérioPúblicoforainstitucionalizado233.
Analisandoaorganizaçãojudiciáriapenaldeentão,JoãoMendesdeAlmeidaJúniordestacaque
oCódigodeProcessoCriminalmanteve,nasprovínciasdoImpério,paraaadministraçãocriminalnosjuízosdeprimeirainstância,adivisãoemdistritos,termosecomarcas.Emcadadistrito–umJuizdePaz,umescrivão, tantosinspetoresquantosforemosquarteirõeseosoficiaisde justiçanecessários;emcadatermo–umConselhodeJurados,umJuizMunicipal,umPromotorPúblico,umEscrivãodasexecuçõeseosoficiaisdejustiçanecessários;emcadacomarca–umJuizdeDireito,sendoque,nascidadespopulosas,poderiahaveraté3 JuízesdeDireitocom jurisdiçãocumulativa, sendoumdelesoChefedePolícia234.
Assim,tinha-seumsistemamistodepersecuçãopenal,comumaprimeirafaseinqui-sitivaeumafaseprincipalacusatória,aexemplodoquesederanosistemafrancês235,estruturaestaque, adespeitodas inúmeras inovações legislativas e constitucionaisnoDireitopátrio,permaneceatéosdiasatuais.Asatividadesdapolíciapautavam-sepelosistema político. Sua atuaçãoerasempreadministrativa,eisqueselimitavaaresguardaraordempúblicaeaseguran-çaindividual,nãoguardandoqualquervínculoprévioemsuaatuaçãocomoPoderJudiciário,nemrealizandoatosqueserviriamparafuturaacusação236.
Tendosidooprimeiromovimentorumoàfederalizaçãodoprocessopenal,oCódigode1832durouapenasaté1941, tendoemvistaoperíodode intensaconturbaçãopolíticaemovimentosrevolucionáriosquesederamde1830a1840,queensejaramreaçãoconservadoraporpartedamonarquia,principalmentenaaçãopolicialedeorganizaçãojudiciária237. Sob esse
232MARQUES,JoséFrederico.elementos de direito Processual Penal.v.I.Campinas:Bookseller,1997.p.100/101.233LYRA,Roberto. Op. cit., p. 44.234ALMEIDAJÚNIOR,JoãoMendes.o Processo Criminal brasileiro.4.ed.vol.I.SãoPaulo:FreitasBastos,1959,
p. 174.235CARVALHO,Salode.Pena e garantias.2.ed.rev.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2003,p.55,verbis:“...onossoCódigoeramaismuitomaisliberal,pois,nomodelofrancês,oacusadoeracolocadoemumasituaçãodeinferioridadeemrelaçãoaoacusadoroficialeojuizexercitavaumaatividadedeproduçãodeprova,valendo-se,paraessefim,atémesmoda tortura.”
236ALMEIDAJÚNIOR,JoãoMendes.Op. cit., p. 247/249.237SOUZA,OtávioTarquíniode.BernardoPereiradeVasconceloseseutempo,1937,p.235.ApudMARQUES,JoséFrede-
rico. elementos de direito Processual Penal.v.I.Campinas:Bookseller,1997,p.101.
66
prisma,foraeditadaaLeinº261,de3dedezembrode1941,quetevecomometacriarumaestruturapolicialaltamentecentralizadoraparatornarefetivaaautoridadelegal238. Invertera-seojudiciarismopolicialqueestavaentregueaosjuízesdepazparaopolicialismojudiciário,atribuindo-seàsautoridadespoliciaisfunçõestipicamentejudiciárias239.
ConformedestacaJoséFredericoMarques,aLeinº261,de3dezembrode1841davaforçaaopodercombaseemumpolicialismoarbitrário,queficavaàmercêdasperseguiçõespolíticas.Criou-seemcadaprovíncia,umchefedepolíciaerespectivosdelegadosesubdele-gados,nomeadospeloImperadoroupelospresidentesdeprovíncias240. A atuação da polícia pautava-se pelo sistema histórico.AlmeidaJúniordestacaque,segundotalteoria,
apolíciatemporfimgarantiraordemsocialeasegurançapública;mas,paraisso,aleiprecisadeagentes,cujasfunçõesnãopodemsersemprecomple-tamenteseparadasdasfunçõesjudiciárias;aliás,alémdascircunstânciasdeterritórioedetempo,alei,nãopodendoapropriarsuasprescriçõesatantasnecessidadesacargodapolícia,deixarásempreàsuaação,nãosóalgumacoisadejudiciário,comoalgumacoisadearbitrário.Tudodepende,emumaboa organização policial, de determinar-se o exato grau de necessidade dedesclassificardas funções judiciáriasparaaspoliciais,ede restringir, tantoquantopossível,oarbítrioaosestritoslimitesdanecessidade,semdiminuiraenergia aos meios de ação da polícia241.
238MONDIN,Augusto.Manual de inquérito policial.6.ed.SãoPaulo:SugestõesLiteráriasS.A,1967,p.55:“OsprincípiosexcessivamenteliberaisadotadospeloCódigode1832mostravam-seineficazesnarepressãodasdesordensedoscrimes,quesealastravamporváriospontosdoPaís.Estabelecendoapolíticaeletiva,exercidapelosjuízesdepaz,sofriamestesanefastainfluênciadosinteressespartidáriosou,oqueerapior,sedeixavamrenderàspaixõespolíticasnoexercíciodesuasfunções.EsseestadodeanarquialevouogovernoaproporareformadoCódigodeProcessoCriminal.Talmedida,advogadapelosconservadores,foi,entretanto,vivamentecombatidapelosliberais.Longamentediscutida,tantonaCâmaracomonoSenado,veio,afinal,aconcretizar-senaLeinº261,de3dedezembrode1841.Arepulsa,porém,continuou,eserviudepretextoparaomovimentosediciosoqueseverificouemSãoPauloeemMinas,em1842.Osmaisimportantesepisódiosdessarevolução,chefiadapelobrigadeiroRAFAELTOBIASDEAGUIARECASTROepelopadreDIOGOANTÔNIODEFEIJÓ,sedesenrolaramemSorocaba.Barbacema,emMinas,foiocentrodeondeseexpandiuarevolta,[email protected]ÓFILOBENEDITOOTONIumdeseusmaisardorososdefensores.Graçasàativa,firmeeserenaatuaçãodeLUIZALVESDELIMAESILVA,entãobarãodeCaxias,aquemcoubeocomandodasforçaslegalistas,arebeliãofoisufocadaeapazvoltouareinarnasduasgrandesprovíncias”.
239ALMEIDAJÚNIOR,JoãoMendes.Op. cit.,p.192.Àsp.197/204,referidoautortranscrevediscursodoDeputadoTeodoroMachadosobreareferidaLei:“FeitasestasconsideraçõesparareivindicaraLeidascensurasquelhetêmsidoirrogadas,reconheçoqueoseuprincipaldefeitonãoétantoodeterestabelecidoumregimedeorganizaçãopolicialcentralizado,comoodeterconcentradonasmãosdasautoridadespoliciaisgrandesomadepodêres;masnascircunstânciasemqueestavaoIm-pério,quandofoiadotada,nãosepodiaprescindirdetalorganização.Seosabusosposteriormenteprevaleceram-sedaqueleefeito,nascincunstânciasemquealeifoiadotada,eraêledesculpáveleatéinevitável.”
240MARQUES,JoséFrederico.elementos de direito Processual Penal.v.I.Campinas:Bookseller,1997.p.102:“OschefesdepolíciaeramconservadosnocargoenquantobemservissemeoGovernojulgasseconveniente.Osdelegados,idem,comacircunstânciadequealémdoGoverno,naCorte,tambémospresidentesdeprovínciapodiamjulgarounãoconvenienteasuaconservaçãonocargo.Omesmoaconteciacomossubdelegados.Ecomotodasesssaautoridadespoliciais,alémdefunçõesnormaisdepolíciajudiciária,tinhamcompetênciaparaaformaçãodeculpa(regimentonº120,artigo198,parágrafo5º),vigoravaopolicialismomaisarbitrárioemmatériadeprocessocriminal.IstolevouDUARTEAZEVEDOadizerque,enquantonafrançaeramdadasatribuiçõespoliciaisaosjuízesdeinstrução,´noBrasilsedavamasatribuiçõesdejudicica-tura a funcionários policiais.”
241ALMEIDAJÚNIOR,JoãoMendes.o Processo Criminal brasileiro.4.ed.vol.I.SãoPaulo:FreitasBastos,1959, p. 248.
67
Em face da insustentabilidade e insegurança de a investigação penal preliminar estar tãoindependente,poderosaesujeitaaaspiraçõespolíticas,editou-se,em1871,aLeinº2.033,queveioaserregulamentadapeloDecretonº4.824,daquelemesmoano.Atenuou-se,assim,oexacerbadocaráterpolicialescodaJustiça,separandoasfunçõespoliciaisdas judiciárias,extinguindo qualquer jurisdição das autoridades policiais para julgamento ou formação deculpa.
Criou-se,entretanto,institutoqueatéhojeperdura,oinquéritopolicial.Emseubojo,asautoridadespoliciaisdeveriamprocederàsdiligênciasnecessáriasparaodescobrimentodosfatos criminosos e suas circunstâncias. A polícia passou então a ter sua atuação pautada pelo sistema jurídico,noqual,alémdaprevençãodosdelitos(administrativa),tinhaaincumbênciadeprestarauxílioàatividadejudiciárianainvestigaçãoematerializaçãodasprovasdosdelitos(judiciária)242.
ComapromulgaçãodaprimeiraConstituiçãorepublicanaem1891,aConstituiçãodaRepúblicadosEstadosUnidosdoBrasil,cadaunidadedaFederaçãopassouatercompetênciaparalegislarsobreDireitoProcessualPenal,sendoqueosmaisdiversosprincípiosforamado-tadosnosEstados,tendoinclusivealgunsentesfederativossuprimidooinstitutodoinquéritopolicial.JásobaégidedaConstituiçãode1934,quedestacou,emseuart.5º,XIX,a,serpri-vativadaUniãoacompetênciaparalegislarsobreDireitoProcessual,determinando,ainda,noart.11dasDisposiçõesTransitóriasque
oGoverno,umavezpromulgadaestaConstituição,nomearáumacomissãodetrêsjuristas,sendodoisministrosdaCorteSupremaeumadvogado,para,ouvidasasCongregaçõesdasFaculdadesdeDireito,asCortesdeApelaçõesdosEstadoseosInstitutosdeAdvogados,organizardentroemtrêsmesesumprojetodeCódigodeProcessoCivileComercial;eoutraparaelaborarumprojetodeCódigodeProcessoPenal.
AincumbênciadafeituradeumprojetodeumcompêndioadjetivocriminalcoubeaBentodeFaria,PlínioSalgadoeaoProfessorGamaCerqueira,sendoque,em1935,apresenta-ramumesboçocujaexposiçãodemotivosforafeitaporVicenteRáo243. A principal caracterís-
242ALMEIDAJÚNIOR,JoãoMendes.Op. cit., p. 241 e 247/248.243MONDIN,Augusto.Manual de inquérito policial.6.ed.SãoPaulo:SugestõesLiteráriasS.A,1967.“Em1936,quandoseencontravaàtestadoMinistériodaJustiça,oprofessorVICENTERÁO,tentou-seaboliroinquéritopolicial,quesofreu,entãoacerbadascríticas,porvezesinjustas.Recordemosaspalavrasdomestre,aoencaminharoprojetoqueacolhiaoJui-zadodeInstrução:´Umainspeção,pormaisligeiraqueseja,dasleisdoprocessopenalvigentes,reveladesdelogo,apardelastimávelatraso,umaevidenteinadaptaçãoàscondiçõesdenossavidasocial.Diga-seaverdadeporinteiroecomcoragem:àapuraçãodaresponsabilidadecriminalnãoseprocede,aindahoje,emjuízo,masperanteapolícia.Esta,aoinvésdeselimitaràsfunçõesdeinvestigaçãoemanutençãodaordem,formaoconteúdodoprocessoe,antecipando-seàsautoridadesjudiciárias,praticaatos inequivocadamenteprocessuais, tais,porexemplo,asdeclaraçõesdoacusadoedepoimentodastestemunhas,quetomaporescrito.Éoquesechamadeinquérito,ouseja,apeçadondeoMinistérioPúblico,raramentecolaboradordesuafeitura,extraioselementosparaadenúncia,escolheadedooroldastestemunhasdeacusaçãoecolheaindicaçãodasdemaisprovas,inicialmenteconstituídas,todaselas,peloespíritoobliterado,queapráticadeofíciodetermina,daautoridadepolicialrespectiva.E,maisadiante,apósrealçarasvantagensdonovoinstitutoemrelaçãoaoinquéritopoli-cial,assimconcluiuoeminentejurista:‘Retira-seàpolícia,poressaforma,afunçãoquenãoésua,deinterrogaroacusado,tomarodepoimentodetestemunhas,enfim,colherprovassemvalorlegal;conserva-se-lhe,porém,afunçãoinvestigadora,
68
ticadoreferidoprojetoforaaaboliçãodoinquéritopolicial,sendoqueafasepreliminarseriatitularizadaporumjuizinstrutor244.
TalprojetonãovingouemfacedaoutorgadaConstituiçãoPolacade1937.Decorrentedeoutroprojeto,entrouemvigor,em1942,oCódigodeProcessoPenal,queatéhojeregulaasnormasprocessuaispenaisnonossopaís.Poucoavançadocientificamenteedistantedoprincí-piodaoralidade,onossoEstatutoAdjetivoPenalmanteveoinquéritopolicialeestabeleceuainstrução processual principal como sendo acusatória.
Nossosistemaprocessual,influenciadopeloCódiceRoccoitalianode1930,enquadra-sedentreaquelesconsideradosmistos,comtendênciainquisitória.Auma,emfacedadivisãodapersecuçãopenalemadministrativapreliminar(policial).Aduas,emfacedaintensaatuaçãodomagistrado,quepoderequisitarainstauraçãodeinquéritopolicial,determinardeofícioarealizaçãodeprovas,oumesmo,porvontadeprópria,determinarmedidascautelaresdeofício,comoaprisãopreventiva,comsériosprejuízosàdefesa245.
Existiam,emparalelo,formasexcepcionaisdeinvestigaçãocriminal.Comefeito,con-formedestacaFredericoMarques,umavarianteautoritáriadoinquéritopolicialpôdeserve-rificadanaapuraçãodoscrimesperanteoTribunaldeSegurança,quefuncionavasemprequedecretadoestadodeguerra.Emtalhipótese,oinquéritopolicial
...alémdepossuirocaráterdeformaçãodeculpa,eratido,atéprovaemcon-trário,comoverdadeiro–oquesignificaqueasgarantiasdeumainstruçãocontraditóriaejurisdicionalficaramabolidas.Eoréu,apósessaformaçãodaculpaemsegredoearbitrária,dapolícia-política,via-sedemãosamarradas,frenteaosjuízesespeciaisdoTribunal(todosdaconfiançadoExecutivo),poisnãopodiaarrolarmaisqueduastestemunhasdedefesa,devendoproferirale-gaçõesoraisnumexíguoespaçodetempo246.
É forte o ranço autoritário e antigarantista do Nosso Estatuto de atuação da Justiça. VejamosoquedizoitemIIdaExposiçãodeMotivosdovigenteCódigodeProcessoPenal:
II – De par com a necessidade de coordenação sistemática das regras do pro-cessopenalnumCódigoúnicoparatodooBrasil,impunha-seoseuajusta-mentoaoobjetivodemaioreficiênciaeenergiadaaçãorepressivadoEstado
quelheéinerente,postaemharmoniaelegalizadapelaco-participaçãodojuiz,semoqueoresultadodasdiligênciasnãopode,nemdevetervalorprobatório’.Aidéiaporémnãovingou.Destinadoaregerasatividadesprocessuaisemtodoopaís,oatualCódigodeProcessoPenalmanteveoinquéritopolicialcomomedidapreparatóriadaaçãopenal”.
244MARQUES,JoséFrederico.elementos de direito Processual Penal.v.I.Campinas:Bookseller,1997.p.106:“Amaiorinovaçãodoprojetoeraojuizadodeinstrução.Apesardascríticasquesofreu,foicommuitoequilíbrioqueoprojetodisci-plinouamatéria,mantendoapolíciajudiciáriaaoladodojuizinstrutor,coma funçãoinvestigadoraquelheéinerente,postaemharmoniaelegalizadapelacoparticipaçãodojuiz.”
245COUTINHO,JacintoNelsondeMiranda(coordenador).Crítica à teoria geral do direito Processual Penal. Rio de Janei-ro:Renovar,2001,p.61.
246MARQUES,JoséFrederico.elementos de direito Processual Penal.v.I.Campinas:Bookseller,1997.p.109.
69
contraosquedelinqüem.As nossas vigentes leis de processo penal asseguram aos réus, ainda que colhidos em flagrante ou confundidos pela evidência das provas, um tão extenso catálogo de garantias e favores, quearepressãosetorna,necessariamente,defeituosaeretardatária,decorrendodaíumindiretoestímuloàexpansãodacriminalidade.Urge que seja abolida a injustificável primazia do interesse do indivíduo sobre o da tutela social. Não se pode con-tinuar a contemporizar com pseudodireitos individuais em prejuízo do bem comum.Oindivíduo,principalmentequandovemdesemostrarrebeldeàdis-ciplina jurídico-penaldavidaemsociedade,nãopode invocar, em facedoEstado,outrasfranquiasouimunidadesalémdaquelasqueoasseguremcontraoexercíciodoPoderPúblicoforadamedidareclamadapelointeressesocial.EsteocritérioquepresidiuàelaboraçãodopresenteprojetodeCódigo.No seu texto, não são reproduzidas as fórmulas tradicionais de um mal-avisado favorecimento legal aos criminosos.Oprocessopenaléaliviadodosexcessosdeformalismoejoeiradodecertoscritériosnormativoscomque,soboinfluxode um mal-compreendido individualismo ou de um sentimentalismo mais ou menosequívoco,setransigecomanecessidadedeumarigorosaeexpeditaaplicaçãodajustiçapenal.(Grifamos)
Noqueserefereaoinquéritopolicial,vejam-seosmotivosutilizadosparaasuama-nutençãodoreferidoinstitutonoitemIVdareferidaExposiçãodeMotivos:
IV–Foimantidooinquéritopolicialcomoprocessopreliminaroupreparató-riodaaçãopenal,guardadasassuascaracterísticasatuais.Oponderadoexamedarealidadebrasileira,quenãoéapenasadoscentrosurbanos,senãotambémadosremotosdistritosdascomarcasdointerior,desaconselhaorepúdiodosistema vigente.Opreconizadojuízodeinstrução,queimportarialimitarafunçãodaautori-dadepolicial a prender criminosos, averiguar amaterialidadedos crimes eindicartestemunhas,sóépraticávelsobacondiçãodequeasdistânciasden-trodoseuterritóriodejurisdiçãosejamfácilerapidamentesuperáveis.Paraatuarproficuamenteemcomarcasextensas,epostoquedevaserexcluídaahipótesedecriaçãodejuizadosdeinstruçãoemcadasededodistrito,seriaprecisoqueojuizinstrutorpossuísseodomdaubiqüidade.Deoutromodo,não se compreende como poderia presidir a todos os processos nos pontos diversosdasuazonadejurisdição,agrandedistânciaunsdosoutrosedasededacomarca,demandando,muitasvezes,comosmorososmeiosdeconduçãoainda praticados na maior parte do nosso hinterland,váriosdiasdeviagem.Seriaimprescindível,naprática,aquebradosistema:nascapitaisenassedesdecomarcaemgeral,aimediataintervençãodojuizinstrutor,ouainstrução
70
única; nos distritos longínquos, a continuação do sistema atual.Não cabe,aqui,discutirasproclamadasvantagensdojuízodeinstrução.Preliminarmente, a sua adoção entrenós, na atualidade, seria incompatívelcomocritériodeunidadeda leiprocessual.Mesmo,porém,abstraídaessaconsideração, há em favor do inquéritopolicial, como instruçãoprovisóriaantecedendoàproposituradaaçãopenal,umargumentodificilmentecontestá-vel:éeleumagarantiacontraapressadoseerrôneosjuízos,formadosquandoaindapersisteatrepidaçãomoralcausadapelocrimeouantesquesejapossí-velumaexatavisãodeconjuntodosfatos,nassuascircunstânciasobjetivasesubjetivas.Pormaisperspicazecircunspecta,aautoridadequedirigeain-vestigaçãoinicial,quandoaindaperduraoalarmaprovocadopelocrime,estásujeitaaequívocosoufalsosjuízosa priori,ouasugestõestendenciosas.Nãoraro,éprecisovoltaratrás, refazer tudo,paraquea investigaçãoseorientenorumocerto,atéentãodespercebido.Porque,então,abolir-seoinquéritopreliminarouinstruçãoprovisória,expondo-seajustiçacriminalaosazaresdodetetivismo,àsmarchasecontramarchasdeumainstruçãoimediataeúni-ca?Podesermaisexpeditoosistemadeunidadedeinstrução,masonossosistematradicional,comoinquéritopreparatório,asseguraumajustiçamenosaleatória,maisprudenteeserena.
ComaediçãodaConstituiçãoFederalde1988,Estatutogarantista,énecessáriosefazerumaleituraconstitucionaldoCódigodeProcessoPenal,sendoquediversosdispositivosnão foram recepcionados pela Lei Maior do nosso país.
Foram revogados diversos dispositivos relacionados com o inquérito policial, porexemplo,oart.26,quedizque“Aaçãopenal,nascontravenções,seráiniciadacomoautodeprisãoemflagranteoupormeiodeportariaexpedidapelaautoridadejudiciáriaoupolicial”emfacedodispostonoart.129,I,daCF/1988,quedizserfunçãoprivativadoMinistérioPúblicoapromoçãodaaçãopenalpública,bemcomooart.21,queestabeleceque“Aincomunicabi-lidadedoindiciadodependerásemprededespachonosautosesomenteserápermitidaquandoointeressedasociedadeouaconveniênciadainvestigaçãooexigir”,emfacedodispostonosarts.5º,LXXII,e136,§3º,IV,daCF/1988.
2.1.7 Investigação no século XX. Influxos proporcionados pelas características das socie-dades pós-modernas
Anormageral,abstrata,universaleliberalapregoadapelamodernidade,quevalori-zoudeformaextremaoindivíduo,apropriedade,onacionalismo,aigualdadeeoprogressosemostraramfalíveisemfacedosacontecimentosdoséculoXX.
71
Ouniverso einstenianoda relatividade revolucionou e instabilizouomundomeca-nicamenteconcebido,superandoasteoriasdeNewtonedeGalileu.ACiênciaabandonavaacerteza247.
Aeugeniaeodarwinismosocialpermitiamaconquistadasraçasepovosinferiores,bem como o triunfo do mais apto (bem-sucedido) sobre o mais fraco (pobre). As duas grandes guerrasmundiaisexpuseramasferidasabertasdossereshumanos,quenuncahaviasevistodeforma tão repugnante.
A abordagem individualista não consegue transpor as barreiras oferecidas pelas socie-dadesdemassas,turbinadaspelavelocidadedastecnologiasefimdascertezasemfacedoriscoquelhessãoinerentes248.
Oliberalismoexacerbadosemostrou indignodeconfiançaemfacedaGrandeDe-pressão,gerandotambémabalosemvaloresintrínsecosataldoutrina,taiscomoademocracia,resguardodosdireitoseliberdadesindividuaiseoimpériodalei.ComoCrack,veioàtonaumatendênciauniversalaeconomiasautocráticas,fossemfascistasoucomunistas249.
Asituaçãodostrabalhadorespobreseraassustadoraepioravacadavezmais.Osmo-vimentostrabalhistasesocialistasqueseiniciaramnoséculoXIXganharamforçaemfacedacrescentemisériaeineficiênciadosserviçossociaisemacompanharaimpetuosaexpansão250.
Entretanto,osprópriosEstadosincorporaramosideaisdosocialismo,quepassouaservisto em todo o mundo como instrumento de política. O fascismo teve sua ascensão e triunfo pregandoonacionalismoextremado,oqueteveforteinfluêncianasformasdeinvestigação.Asociedade triunfava sobre o indivíduo.
Atecnologia(dotelefone,dabicicleta,daaspirina,doautomóvel,dasturbinas,doaço,daeletricidade,dolaseredoDNA)acentuouadisparidadepolíticaeeconômicaentreoPri-meiroMundoeoSegundoMundo,nãolevandoemcontaaexistênciadediferençasculturaise
247HOBSBAWM,EricJ.era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991;traduçãoMarcosSantarrita.SãoPaulo:Com-panhiadasLetras,1995,p.518:“Entre1924e1927,asdualidadesquetantoperturbavamosfísicosnoprimeiroquarteldoséculoforameliminadas,ouantespostasdelado,porumbrilhantegolpedafísicamatemática,aconstruçãoda‘mecânicaquântica’,imaginadaquasesimultaneamenteemváriospaíses.Averdadeira‘realidade’dentrodoátomonãoeraondanempartícula,masindivisíveis‘estadosquânticos’quesemanifestavampotencialmentecomoqualquerumadasduas,oucomoambas.Erainútilencará-lacomoummovimentocontínuooudescontínuo,porquenãopodemos,nemagoranemnunca,seguirpassoapassoocaminhodoelétron.Conceitosdafísicaclássicacomoposição,velocidadeouimpulsonãoseaplicamalémdedeterminadospontos,assinaladospelo‘princípiodaincerteza’deHeisemberg.”
248HOBSBAWM,EricJ.era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991;traduçãoMarcosSantarrita.SãoPaulo:Compa-nhiadasLetras,1995,p.92:“AhistóriadaeconomiamundialdesdeaRevoluçãoIndustrualtemsidodeaceleradoprogressotécnico,decontínuomasirregularcrescimentoeconômico,edecrescente´globalização`,ouseja,deumadivisãomundialcadavezmaiselaboradaecomplexadetrabalho;umaredecadavezmaiordefluxoseintercâmbiosqueligamtodasaspartesda economia mundial ao sistema global.”
249HOBSBAWM,EricJ.era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991;traduçãoMarcosSantarrita.SãoPaulo:Compa-nhiadasLetras,1995, p.108:“Nãosurpreende,portanto,queosefeitosdaGrandeDepressãotantosobreapolíticaquantosobreopensamentopúblicotivessemsidodramáticoseimediatos.Infelizogovernoporacasonopoderduranteocataclis-mo,fosseelededireita,comoapresidênciadeHerbertHoovernosEUA(1928-32),oudeesquerda,comoosgovernostra-balhistasnaGrã-BretanhaeAustrália.AmudançanemsemprefoitãoimediataquantonaAméricaLatina,ondedozepaísesmudaramdegovernoouregimeem1930-1,dezdelesporgolpemilitar.”
250HOBSBAWM,EricJ.Op. cit., p.171:“Essenotávelimpulsoascendentedospartidosdaclasseoperáriaera,àprimeiravis-ta,umtantosurpreendente.Suaforçaresidiaessencialmentenaelementarsimplicidadedeseuapeloapolítico.Eramessesospartidosdetodososoperáriosmanuais,quetrabalhavamporumsalário.Representavamessaclasse,emsuaslutascontraoscapitalistaseseusEstados;seuobjetivoeracriarumanovasociedade,queteriainíciocomaemancipaçãodostrabalhadoresporsuaprópriainiciativa,equeemancipariatodaaraçahumana,àexceçãodeumaminoriacadavezmaisinsignifiantedeexploradores”.
72
históricas,nemdeinstituiçõesouestruturassociaisefolclóricasdiversas251. O sistema global de produçãoemmassaeracompostodedoissetores:odesenvolvidoeodefasado,odominanteeodependente,oricoeopobre,oavançadoeoatrasado,enfim,omundodoImpério.Adesigual-dadedealgunsricospaíseseuropeusemrelaçãoàChina,aoBrasil,aoMarrocos,porexemplo,chegavaatéaterexplicaçãopseudocientífica252.
Essasmudanças,comodestacadoaseguir,influenciarãobastanteasformasdeinves-tigação preliminar ao processo penal.
2.1.7.1 A investigação criminal na Alemanha e Itália no período entre-guerras
Operíodoentreguerrasteveumamarcapolítica:atendênciaàradicalização.Regimestotalitáriosinstalaram-seemváriospaíseseuropeus.Giddensdestacaque
naesteiradaascensãodofascismo,doHolocausto,dostalinismoedeoutrosepisódiosdahistóriadoséculoXX,podemosverqueapossibilidadedeto-talitarismosécontidadentrodosparâmetrosdamodernidadeaoinvésdeserporelesexcluída 253.
NaItália,ofascismo; naAlemanha,onazismo.Contrataisregimes,encontravam-seosEstadosUnidos,InglaterraeFrança,ondedominaramdemocraciasliberais.Sobesseprisma,deveseranalisadaaatuaçãodealgunsdosórgãosdedestaquemundialemalgunsmomentosdoséculoXX,aosquaiscabiarealizarainvestigaçãocriminal.
NaAlemanhadeHitler,aoladodaKriminalpolizei,quetinhaatribuiçõesdeinvesti-gaçãopreliminaraoprocessopenal,háquesefazerreferênciaàatuaçãodaspolíciassecretas,aGestapoeSS,afimdeevidenciaralgumasorigensnosmétodosdeinvestigaçãonospaísestotalitáriosetambémemalgunsditos“democráticos”.
251HOBSBAWM,EricJ.Op. cit., p.509:“Aexperiênciadepesquisadotempodaguerra,em1939-46,quedemonstrou–pelomenos aos anglo-americanos–queumaesmagadora concentraçãode recursospodia resolverosmaisdifíceisproblemastecnológicosnumtempoimprovavelmentecurto,estimulouopioneirismocientífico,independentementedecustos,parafinsbélicosoudeprestígionacional(porexemplo,aexploraçãodoespaçocósmico).Isso,porsuavez,ace-lerouatransformaçãodaciênciadelaboratórioemtecnologia,partedaqualrevelouteramplopotencialparausodiário.Os laserssãoumexemplodessarapidez.Vistospelaprimeiravezemlaboratórioem1960,tinhameminíciosdadécadade1980chegadoaoconsumidoremformadecompact disc.Abiotecnologiafoiaindamaisrápida.AstécnicasdeDNArecombinante,ouseja,técnicasparacombinargenesdeumaespéciecomosdeoutra,foramreconhecidaspelaprimeiravezcomoadequadamentepraticáveisem1973.Menosdevinteanosdepois,abiotecnologiaeraumacoisacomumnoinvestimentoméditoeagrícola.”
252HOBSBAWM,EricJ. A era dos impérios: 1875-1914;traduaçãoSieniMariaCamposeYolandaSteideldeToledo.8.ed.SãoPaulo:PazeTerra,2003,p.54:“...oapeloàbiologiatambémtornavamaisdramáticoodesesperodaquelescujosplanosparaamodernizaçãodeseuspaísesforamdeencontroàincompreensãoeàresistênciasilenciosasdeseuspovos.NasrepúblicasdaAméricaLatina,ideológicosepolíticos,inspiradosnasrevoluçõesquehaviamtransformadoaEuropaeosEUA,pensaramqueoprogressodeseuspaísesdependiada‘arianização’–ouseja,do‘branqueamento’progressivodopovoatravésdocasamentointer-racial(Brasil)oudeumverdadeirorepovoamentoporeuropeusbrancosimportados(Argentina).”
253GIDDENS,Anthony.as conseqüências da modernidade.6.ed.trraduçãodeRaulFiker.SãoPaulo:EditoraUnesp,1991,p. 17.
73
A SS (Schutzstaffeln),emborademenortamanho,gozavadeprimaziasobasdemaispolícias,excetosobaGestapo,eseushomensdeuniformepretoequeostentavamcomosímbo-loumacaveira,eramumaespéciedeeliteselecionadae“geneticamentesuperior” 254quecausa-rahorroremtodaaAlemanhaeEuropaemfacedesuaatuaçãonoscamposdeconcentração.
AGestapodeHimmlertinhaafunçãodedefenderopovoalemãodeseusinimigospolíticosinternos,osmarxistas,comunistas,pioneirosdaBíblia,judeus,franco-maçõeseclero-político,bemcomodosadversáriosexternos,queestavamconsubstanciadosemtodosaquelesquenãoreconheciamoregimenacional-socialista.CabiaàGestapoamissão,dentreoutras,depropagaraidéianacional-socialista,encontrandopontosdeapoioouoposiçãonoestrangeiro,pormeiodeanálisedejornais,filmes,livros,atosdesabotagem,contrabandodepanfletosedearmas,vigilânciapessoal,econtroledocorreiopostal255.
AAlemanha,totalmentesubdivididadeformaamanterainfalibilidadedeAdolfHi-tler,contavacomchefesregionaiselocaisqueguardavamobediênciaabsolutaaoFührer,sen-doqueaspretensõesnazistasemfacedapopulaçãoeramefetivadaspelaGestapo,que,comoobjetivodeidentificareventuaisdescontentes,procediaàsdetenções,interrogatórios,buscasetodasastarefasmateriaisdepolícia.Paratanto,talorganismopolicialnassuasatividadesinves-tigativasdispunha,pormeiodechefesdequarteirões,demilharesdeolhoseouvidosatentosnafiscalizaçãodecadaalemão256.
As fábricas, cooperativas, empresas, desportistas, escritores, advogados,médicos eestudantestambémestavamsujeitosàintensafiscalização,sendoasuniversidadessempreman-tidassobsuspeita.Nesseparticular,emcadainstitutodepesquisa,haviaummembrodaGes-tapo,quepodiaserumprofessor,umassistente,umfuncionárioadministrativooumesmoumestudante,quetinhaamissãodeinformarosânimosdosmembrosdainstituição257.
Asescutastelefônicaeambientaleram,desdetalépoca,métodoseficazesdeinvesti-gaçãoeespionagem,que,naAlemanha,consistiamemverdadeiraindústria,quecontrolavaasligaçõestelefônicasetelegramasentreaAlemanhaeoestrangeiro,e,internamente,espionava
254GRUNBERGER,Richard.a história da ss;traduçãoRuyJungmann.2.ed.RiodeJaneiro:Record,1970,p.18:“UmadasprimeirasinovaçõesdoDepartamentodeRaçaecolonizaçãofoiaelaboraçãodocódigodecasamentodasSS,segundooqualaaprovaçãooficialdomatrimôniodeummembrodaorganizaçãoficavanadependênciadeprovadeascendênciaarianadanoiva–retroagindopelomenosa1750–edeseucaráter,sanidademental,saúdefísicaecapacidadedegerarfilhos.”
255DEHILLOTTE,Pierre.Gestapo: a organização, os chefes, os agentes e a ação de Gestapo no estrangeiro. Porto Alegre :Globo,1940,p.18/19.
256DELARUE,Jacques.História da Gestapo;traduçãoEduardoSaló.3.ed.RiodeJaneiro/SãoPaulo:DistribuidoraRecord,1962,p.110/111:“Apartirdeprincípiosde1933,aAlemanhaficoudivididaemtrintaeduasGaue,regiõesadministrativas.Cada Gaudividia-se,porsuavez,emKreise,oucírculos,cadaKreis em Ortsgruppen,ougruposlocais,cadaOrtsgruppe em Zellen,oucélulas,ecadaZelle em Blocks.Cadaumadestasdivisõestinhaadirigi-laumGauleiter,Kreisleiter,Orts-gruppenleiter,Zellenleiter ou Blockleiter,respectivamente.OGauleiter,diretamentenomeadopeloFührer,assumiaares-ponsabilidadetotaldadelegaçãodasoberaniaquegozava.EraumHoheitstäger,detentordesoberania,damesmamaneiraqueoKreisleitereraresponsávelpelaeducaçãoepelaformaçãopolíticaeideológicadoschefespolíticos,dosmembrosdo Partido e da população em geral. O Ortsgruppenleiterera,igualmente,um‘detentordesoberania’.Competia-lheares-ponsabilidadedeumconjuntodecélulasagrupandocercademilequinhentoslares;oZellenteriter,responsávelporquatroaoitoquarteirões,eraosuperiordiretodoBlockleiter,aoqualtransmitiaasdiretrizesdoPartidoefiscalizava.Porfim,oBlockleiterconstituíaabasepropriamentedoPartido.Narealidade,eraoindivíduomaisimportanteeresponsávelporumquarteirão,istoé,quarentaesessentalares,nomáximo.Asuasituaçãotornava-ooúnicofuncionárioemcontatocomtodososelementosdapopulação.Exigia-se-lheoconhecimentotão-perfeitoquantopossíveldecadaumdosmembrosdogrupocujafiscalizaçãolhecompetia.”
257DELARUE,Jacques. Op. cit., p. 113/114.
74
asconversaseintimidadedeestrangeirosoudetodooindivíduoqueestivessesobvigilânciada Polícia258.
AGestapotinhaodireitodeprocederainquéritosemtodooterritóriodoEstado,nãohavendoqualquersujeiçãodosassuntosdoreferidocorpopolicialaqualquertribunaladmi-nistrativo.Osmembrosdoreferidocorpopolicial,alémdelhesseremconferidasatribuiçõesdeverdadeirosinquisidores259comatuaçãovastanocampomoral,tambémadministravamoscampos de concentração260.
Noscampos,apunição,assimcomoocorrianaIdadeMédia,decorriadeaplicaçãodeumdireitopenaldoautor,conformesepercebedaanálisedascaracterísticasbiológicas,psico-lógicasesociaisdosprisioneirospreferenciais,quaissejam,mendigos,vagabundos,ciganos,prostitutas, alcoólatras, desordeiros, psicopatas, retardadosmentais, homossexuais, testemu-nhasdeJeováe,principalmentejudeus,sendoquetodoserammisturadoscomoscriminososprofissionais261.
NoBrasil, foi intensaaatuaçãodemembrosdaGestapoque influenciavaedividiaempregados,funcionáriosemilitaresbrasileiros,fosseporcontroleamigávelounão262 sobre asmaisdecinqüentapublicaçõesemlínguaalemãentãoexistentesemnossopaís,fossepormeiodasbrigadasorganizadaspelopartido integralista,dissolvidoem1939pelopresidenteVargas263.
NaItália,chefiadaporMussolini,ofascismohaviaseanunciadocomomoralizadordavidapúblicaitalianaeaPolíciatinhaaincumbênciadeinvestigaratoscontráriosaoregime.Paratanto,alémdosserviçosdeinformações,almejava-seaprevençãoerepressãodoscrimespolíticosedeatividadesnocivasaoPoderPúblico,oquesedavapormeiodelimitaçãodosdireitos e liberdades dos cidadãos.
258DELARUE,Jacques.Op. cit., p.117/118:“Efetuavam-sesondagensaesmo.Emcasodenecessidade,oInstitutopodiacolocar-seàescuta,quaseinstantaneamente,emqualquerlinha,eumdispositivoespecialpermitiaregistraràvontadetodaacomunicaçãoconsideradaimportante,aperfeiçoamentotécniconotávelparaaquelaépoca.OInstitutocaptavasistematica-menteearquivavatodasaschamadastelefônicasdoFührer. Diariamente eram elaborados relatórios e resumos e enviados aHitler.Poroutrolado,todasasinformaçõesinteressandoumministérioouqualquerserviçoeram-lhetransmitidasimedia-tamente.(...)aGestapoagiasóquandoinstalavaclandestinamenteaparelhosdeescutaeregistronodomicíliodesuspeitos.Duranteaausênciadovisado,ousobopretextodereparaçãoouverificaçãodalinhatelefônicaouinstalaçãoelétrica,eramcolocadosdiscretamentealgunsmicrofones,quepermitiamprocederàespionagemdeumsuspeitoatéaofulcrodesuainti-midadefamiliar.Ninguémseencontravaaoabrigodessegênerodeprática.”
259GRUNBERGER,Richard.a história da ss;traduçãoRuyJungmann.2.ed.RiodeJaneiro:Record,1970,p.28:“Osalemãese(após1939)osnão-alemãesquepassarampelosporõesdaGestapoconcheceramatorturasobgrandevariedadedeformas:açoitescomchicotesdecourodeboi;afogamentoeressuscitaçãoalternadosembanheirascheiasdeáguafria;choqueselé-tricoscomfiospresosaospés,mãos,ouvidos,pêniseânus;esmagamentodostestículosnumaprensaespecial;enforcamentocomospunhosalgemadosportrásdascostas;queimadurascomfósforoouferrodesoldar.(Umrefinamentoespecialconsistiaemtorturarumamulhercolocadaaoalcancedoouvidodoprisioneiroeeminformá-lodequeerasuaesposa)
260DELARUE,Jacques.Op. cit., p. 169.261GRUNBERGER,Richard.a história da ss;traduçãoRuyJungmann.2.ed.RiodeJaneiro:Record,1970,p.26.262DEHILLOTTE,Pierre. Gestapo: a organização, os chefes, os agentes e a ação de Gestapo no estrangeiro. Porto Alegre: Globo,1940,p.107:“ParaabrigaraimprensaalemãdaAméricaasesubmeter,osagentesdeHimmleradotaramumsistemamuitosimplesdechantagem:interditaramasfirmasgermânicasdaAméricaedaMetrópolededarpublicidadeàsfôlhasqueserecusassemaseguirassuasdiretrizes.Quandonãobastatalameaça,aquelessenhoresnãorecuamdiantedemedidasaindamaisabjetas.Praticamrepresáliascontraosparenteseamigosqueaqueles teuto-americanosrecalcitrantes têmnaAlemanha.”
263DEHILLOTTE,Pierre.Op. cit.,p.108:“NoBrasil,aGestapoacreditavapodercontarcomasimpatiadopartidointegralistaecomodevotamentodeumcertoPlínioSalgado,jornalistadetalentoeorganizadordeumaassociaçãoparamilitar,´oscamisasverdes`,réplicafieldos´camisaspardas`hitleristas,entãocomandadospelocapitãoRoehm.”
75
A Organizzazione di Vigilanza Repressione dell’Antifascismo (Ovra), sigla adotadadiretamente pelo Duceparasereferiraocorpopolicialpolíticoesecretocriadoem1927eche-fiadoporArturoBocchiniparaatuarsupraprovíncias,comatuaçãointensaevasta,nãosofriarestriçõesburocráticasnemdependênciaemrelaçãoaprefeitosequestores264.
2.1.7.2 Métodos de investigação Criminal utilizados a partir da Guerra Fria
Ahistória dos últimos60 anos da humanidade foi intensamente influenciadapelosresultadosda2ªGuerraMundial,quandoem1945,depoisde6anosbatalhasemquasetodososcontinentesdaterraquecontabilizaramcercade50milhõesdemortos,aGrandeAliança(osEUA,aGrã-BretanhaeaURSS)conseguiuvenceroEixo(aAlemanhanazista,aItáliafascistae o Japão).
Malencerradootiroteio,doisgigantes,osEstadosUnidosdaAméricaeaUniãoSovi-ética,assuperpotências,passaramasedigladiareagircomodonosdomundo.Essesedividiuemdoiscamposantagônicos,separadosporumasinuosalinhaverticalqueiadeumpóloaooutro.
NaparteOcidentaldalinha,segundoavisãoamericana,ficavao“MundoLivre”,osEstadosUnidoseosseusaliados.Dooutro,atrásda“CortinadeFerro”,alinhavam-seaURSSeseuspaíses-satélites,esmagadospelatiraniacomunista.EraaGuerra-Fria.Ambososladosseconsideravamregimesinconciliáveis.CapitalismoeComunismo,DemocraciaeTotalitarismo,apenasaguardavamomomentooportunoparadesencadeara3ªGuerraMundialque,dadoopotencialatômicodequedispunham,seriaaguerrafinal.
Comofimdecombateraameaçavermelha,osEstadosUnidossetornaramapolíciadomundo,realizandointervençõesemescalaplanetárianadefesadasuaestratégia.Haviadoisfrontesemqueambasassuperpotênciasseentrincheiravam.Umestratégico-militar,queseriacobertoportratadosespecíficosenvolvendodiversospaísesdomundo,eoutroideológico,quemobilizariaaopiniãopúblicaeaincessantebuscadeinformaçõesprivilegiadassobreospos-síveisinimigos.Potencializava-seoserviçodeespionagemecontra-espionagem,notadamentepormeiodeórgãosinternacionalmenteconhecidostaiscomoaKGB,FBIeCIA.
AfédeStalinnaconstruçãodeumfuturosocialistaparaomundotinhaocondãodetransmudaraçõesbrutaisedespóticasematostidosporheróicos,namedidaemquejustifica-vamaconstruçãodeumasociedademelhor265.Paratanto,papeldedestaquenomundoteveapolíciasecretasoviética.
264SENISE,Carmine.eu fui chefe de polícia de Mussolini.SãoPaulo:Inst.Progresso,1947,p.80/81.265ANDREX,Christopher;GORDIEVSKY,Oleg.KGb – The inside story of its foreign operations from lenin to Gor-
bachev.Hodder&Stoughton,1990,p.282:“Stalinwasnotonlytheundisputedleaderofgenius,hewasincanationoftheveryideaanddreamofthenewsociety.ThisidolatryofStalin´spersonality,aswellasofmoreorlesseverythingintheSo-vietUnion,acquiredirrationalformsandproportions…AmongusCommuniststhereweremenwithadevelopedaestheticsenseandaconsiderableacquaintancewithliteratureandphilosophyandyetwewaxedenthusiasticnotonlyoverStalin´sviewsbutalsooverthe´perfection`ofthewayheformulatedthem.”
76
AKGB–ComitêdeSegurançadoEstado,criadoem1954ecomafinalidade,dentreinúmerasoutras,decontrolarasatividadeshostisaoregimecomunistapropagadopelaentãoUnião-Soviética,valendo-se,para tanto,deatividadesdeinteligênciasemquaisquer limites,possuíaumasessão,denominadaÍndex,quecatalogavadeformaexaustivaeminuciosaindiví-duosdaRússiaedoMundo,queeventualmentepudessem,dealgummodoeemalgumaépocapresenteoufutura,serviraosinteressessoviéticos266.
Angariandoinformaçõespolíticas,científicasetecnológicas,sobreosmaisdiversospaíses,aKGBmantinhaespalhadopelomundoumexércitodeagentes,nomaisdasvezesre-finadoseeducados,porémsempresubversivos.Referidaforçaenglobavadiplomatas,oficiaisde inteligência, jornalistas euniversitários, que colhiam informaçõesquevisavammanter eampliarafilosofiacomunista267.
Alémdisso,haviaoperaçõesespeciais,emquesepraticavaminclusiveassassinatossempreemproldoregimecomunista,havendoinclusivediversassuspeitasdeparticipaçãodaKGB em tentativa de assassinato do Papa em 1981268.
AlutaentreademocraciaeocomunismotinhacomoumdosatoresaCIA,comobje-tivosideológicos,emtese,opostosaosdaKGB.
NosEstadosUnidosdaAmérica,aU.S. Central Intelligence Agency,umescritóriodeseleçãodedadosefornecimentodeinformações“secretas”paraogoverno,atuavacomoasuacongêneresoviética,emdiversasoperaçõesclandestinasdeintervençãonosassuntosinternosde outras nações269.
Paratanto,desenvolveu-seumaliteraturaprópriadeinteligênciacomprincípiosapau-tarasmissões,rigorosadefiniçãoadiversostermos,intensodebatenaanálisedasinformações
266SETH,Ronald.40 anos de espionagem soviética.TraduçãodeCaiodeFreitasRiodeJaneiro:EdiçõesBloch,1968,p.39/40:“Alémdeinformaçõessobreafiliação,lugarexatodonascimento,graudeinstrução,carreira,detalhesdefamília,amigoseoselementosque,comumente,podemserutilizadosparasefazerumaidéiadoquetenhasidoopassadodeumhomemoudeumamulher,essasbiografiasregistram,igualmente,opensamentoeassimpatiaspolíticasdosbiografados,comdetalhessôbresuasrelaçõescomosempregados,oestadodesuasfinanças–quantoganham,setêmcasaprópria,sepossuemautomóveletc.–earelaçãodesuasdívidas,oqueédegrandeimportância.Nessesarquivos,existem,também,informaçõessôbreseoindivíduoénamorador–sejacasadoousolteiro–,sebebe(equanto?),sesuamulhertemalgumainfluênciaemsuasaçõese,porfim,tôdaa“sujeira”que,emrelaçãoaêle,possaserrecolhida,oque,naopiniãodessestécnicos,équasetãoimportantequantoumalistacompletadesuasdívidasouumrelatoouumrelatodesuasinclinaçõespolíticasoudamaturidadedeseusensodejulgamento.Oobjetivoprincipalédescobrirtantoasfraquezascomoasresistên-ciasdessesindivíduos,umavezqueafraquezapodeseraproveitadaouusadacomochantagemparainduzirumelementorelutante a colaborar.”
267ANDREX,Christopher;GORDIEVSKY,Oleg.KGb – The inside story of its foreign operations from lenin to Gor-bachev.Hodder&Stoughton,1990,p.523/524.
268ANDREX,Christopher;GORDIEVSKY,Oleg.Op. cit., p.537:“OpinionsweredividedwithintheCentreontheLikelihoodofKGBinvolvementintheassassinationattemptagainstthePopein1981.AbouthalfofthosetowhomGordievskyspokewereconvincedthattheKGBwouldnolongercontemplatea‘wetaffair’ofthiskind,evenindirectlythroughtheBulgarians.Theotherhalf,however,suspectedthatDepartment8ofDirectorateS,whichwasresponsiblefor‘specialoperations’,hadbeeninvolved;sometoldGordievskytheyonlyregrettedthattheattempthadfailed.”
269MARCHETTI,Victor.MARKS,JohnD.a Cia e o culto da inteligência.RiodeJaneiro:EditoraNovaFronteira,1974,p.26:“ACIAétantoocentroquantooinstrumentoprimeirodocultodainteligência.Elaseenvolveemespionagemecontra-espionagem,empropagandaedesinformação(adivulgaçãopropositadadeinformaçõesfalsas),emguerrapsi-cológicaeatividadesparamilitares.Elapenetranasorganizaçõesprivadaseasmanipulae,quandonecessário,criasuasprópriasorganizações (as subsidiárias).Ela recruta agentes emercenários; subornae fazchantagemcomautoridadesestrangeiras,afimdequeexecutemastarefasmaisdesagradáveis.Elafaztudoquefornecessárioparaatingirseusfins,semqualquerconsideraçãoéticaoumoraldosseusatos.Comobraçodaaçãocamufladadapolíticaexterioramericana,amaispotentearmadaCIAéaintervençãosecretanosassuntosinternosdospaísesqueogovernoamericanodesejacontrolarouinfluenciar.”
77
obtidas,alémde intenso treinamentodos indivíduoscomatuaçãonosassuntosde inteligên-cia270.
ACiênciaModerna,comos“progressos” técnicosrealizadosporcientistaseenge-nheiros,foraamplamentecolocadaàdisposiçãodaAgênciaparafinsdeespionagem.Dentreosmeiosutilizados,pode-secitarodesenvolvimentodesatélitesespaciaisparafinsdeinteligên-cia,comutilizaçãodecâmarasdealtadecomposiçãoquefotografavaminstalaçõeseorienta-vamprogramasdeaçãosecretadeinfluênciaemdiversospaísesdomundo,sistemaseletrônicosde longo alcance e estações interceptadoras de comunicações271.
Paralelamente,desenvolvia-seintensaatividadedeproliferaçãodeinfluênciascomoobjetivodeobtençãodeinformaçõeseimplementaçãodeatosdeinteresse,sendoqueissosedava,porexemplo,pormeiodefinanciamentodepartidospolíticos,influêncianapolíticaedi-torialdealgumjornaleatépromovendoodesencadeamentodegolpesmilitares272.
AatuaçãodaCIAteveseusdiasdeglóriaentreosanos1948-68,ocasiãoemqueospúblicosamericanoemundialnãoseescandalizavamcomasações“sujas”daagência,eisqueeramdiasdeconsensoemfacedaGuerraFriacontraoscomunistas.Entretanto,apartirdadécadadesetenta,asrevelaçõesdashistóriasespúriasdaAgênciaapôsnalinhadefogodoscríticos,restandodiminuídassuasatividades273.
Emfacedosatentadosde11desetembrode2001,datahistóricaparaoMundo,pelaevidenciaçãododeclíniodaHegemoniaAmericana,emfacedo inevitávelchoquedecivili-zaçõeseculturas,omundoencontra-seaindamais instáveleos sintomasdecrise sãoumaameaça,nosmaisdiversoscampos,sejapolítico-militar,econômico,religioso,culturalesocial.Assim,atendênciaéqueorganismoscomoaCIAnovamenteganhemforça.
JáasoperaçõesquantoàsegurançainternadosEstadosUnidosficaacargodoFBI,principal braço investigativo do Department of Justice of the United States,amaispoderosaagênciadeinvestigaçãodomundo.AmissãoinstitucionaldoFBIédesvendarcrimesfederais,protegerosIanquescontraesforçoshostisdeinteligência,alémdeauxiliarpolíciaslocaisnaapuração de delitos.
Éintensoocombateaocrimeorganizado,sendocomumousodeagentesdisfarçados.Emfacedasofisticaçãodosdelitosedasorganizaçõesterroristas,ogovernoaplicavultosasquan-
270WESTERFIELD,H.Bradford,inside Cia’ss private world.NewHavenandLondon:YaleUniversityPress,1995,p. XII.
271MARCHETTI,Victor.MARKS,JohnD.Op. cit., p.156:“Ossucessosdaagênciacomosinterceptoreseaparelhosdeescutatêmsidogeralmentelimitadosaospaísesnão-comunistas,ondesistemasdesegurançainternosmaismoles(coo-perativos)nãonegamàsoperaçõesdaCIAaliberdadedemovimentonecessáriaàinstalaçãodetaisobjetos.UmrelatóriosobreasatividadesclandestinasnaAméricaLatinaduranteadécadade1960peloInspetorGeraldaCIA,porexemplo,revelouqueumaboapartedasinformaçõescoletadaspelaagêncianequelaregiãoprovinhamdeaparelhosdeáudio.Emumaspoucasnaçõeslatinas,observouorelatório,aCIAestavaregularmenteinterceptandoasconversastelefônicasim-portantesoficiaiseconseguiucolocarumaparelhodeescutanasresidênciaseescritóriosdopessoal-chave,incluindoatéministros.Emalgunspaísesaliados,aagênciadivideasinformaçõesadquiridasdaobsevaçãodeáudioconduzidaspeloserviçodeinteligênciaanfitrião,quefreqüentementerecebeassistênciatécnicadaCIAparaestemesmopropósito–epodeser penetrado pela CIA no processso.”
272 MARCHETTI, Victor. MARKS, John D.a Cia e o culto da inteligência. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1974, p. 47/48.
273WESTERFIELD,H.Bradford, inside Cia’s private world.NewHaven andLondon:YaleUniversity Press, 1995, p. IX.
78
tiasemmaterialepessoalparaainstituição,alémdeencobrirasformaspelasquaisaAgênciaconseguiaemantinhainformaçõessobrequemquerquefossequeestivesseemseucaminho.
Avidasexualdepolíticos,odia-a-diadosmilitantesdosdireitoshumanosedasmi-noriasoudasestrelasdeHollywood,asnotassobreasideologiassuspeitasesecretasdericosefamosos,informaçõessobreassuntosfinanceiros,eventualalcoolismooudependênciaquímicadoscolunistasdosjornais,dediplomatasoumembrosdaSupremaCortesãometiculosamentecoletadasearquivadsapara,eventualmente,seremusadasemcasodenecessidade274.
Emfacedomedogeneralizadonaquelepaís,medoproporcionadopelosprópriosgo-vernantes,emrazãodesuapolíticade“donosdomundo”,grandepartedapopulaçãoentendequeosmeiosescusosdosquaissevaleoFBInaconsecuçãodesuasfinalidadessãojustificados.Há,inclusive,apoioemmassadaspolíticasdowar against terror ou mesmo contra a crimi-nalidade.Ocorrequeoalvodetaispolíticasécompostoporindivíduosdeorigemafricanaoulatinaque,emfacedaexclusãosocial,aparecemcomfreqüênciaemprogramastelevisivos,taiscomo o Law and Order.
Nas investigações, o usoda tecnologia é fundamental.Os computadores utilizadossãoosmaiscarosqueodinheiropodecomprar.Emboracomplexos,têmapenasduasfunçõesprincipais.
AprimeiraéadearmazenardadossobretodososcrimescometidosemsoloamericanoeemalgunsoutrospaísesintimamenterelacionadosaosEUA.Nessesarquivos,diariamentealimentados,hádetudo,desdeveículosroubados,armas,pessoasdesaparecidas,fugitivosin-ternacionaisenacionais,esuspeitosdocometimentodecrimes,dadosessesacessados,diaria-mente,pornadamenosque500.000indivíduosautorizados.
Asegundaéaanálisedosreferidosdados,sejamrecentesouhistóricos.Milharesdepoliciaislaboramincessantementenamanipulaçãodosdadosarquivados,paraalcançarosob-jetivosdaAgência,sejamlegítimosounão275.
2.1.7.3 A herança da investigação criminal utilizada pela Ditadura no Brasil / A atividade policial brasileira e os direitos humanos
NoBrasil,emfacedorançoditatorial,aindasãovislumbradas,comfreqüência,ativida-desdeinvestigaçãocriminalqueatentamcontradireitosfundamentais:presunçãodeinocência,direitoaumainvestigaçãojustaerespeitoàdignidade,honraeprivacidadehumanas.
274JEFFREYS,Diarmuid.The bureau – inside the modern FBI.Boston–NewYork:HoughtonMifflin,1995,p.149.275JEFFREYS,Diarmuid.The bureau – inside the modern FBI.Boston–NewYork:HoughtonMifflin,1995,p.152:“TheBureaumaintains thatall the informationcontained in thecomputersystemhasgatheredfor totally legitimatepurposes–andingeneraltermsthatislikelytobetrue.Butthesheersize,complexity,andpowerofthisinterlinkingnetworkmakeitalmostimpossibletopolicethedataadequately.Thisraisesanumberofquestions.Canthepeoplewhouseittruthfullysaythateveryoneofthetensofmillionsoffilescontainedinthissystemisaccurate?Areallthesefilescompiledandheldlegallyandlegitimatelyforthefurtheranceofjusticeandintheinterestsofthecountryasawholes–everysinglefile?Andjustwhatisinthesefilesanyway?”
79
Comefeito,jánaeraVargas,apolícia,quequasesempreseconstituinobraçodireitodeumditador,erautilizadacomoinstrumentocolocadoacimadasleisparareprimiramotina-mentodasmassasdesem-trabalho,bemcomoparaataqueaosvadiosemendigose,principal-mente,aospensadorescujasidéiasiamaoencontrodadogmáticadopoder,notadamenteoscomunistas,osjudeuseosimigrantes276.
Buscou-seliquidarosantagonistasaogoverno,comumapolíciaquecausavainstabi-lidadesgeneralizadas.Ninguémsesentiaseguro.
Ocontroledamalandragem,avigilânciadasruascomsuascentenasdeinfor-mantesanônimoseempotencial,aforteeferrenhacensura,opoliciamentoostensivodaspraias,ocontroleetutelapoliciaisdasfestaspopulares,comoocarnaval,eaexaltaçãoaocidadãopacatoeàfamíliatambémfaziampartedocotidiano policial277.
Aspromessasdeumpaísdinâmicoerevolucionárioagitavamasmassas,sendoqueosquenãoseencaixavamnanovaengrenagemdopaíseramexcluídosdosistema.EvidenciaçãodetalassertivafoiareformulaçãodoCódigoPenalde1942,queassimilouforteinfluênciadaEscolaPositivaitaliana(CesareLombroso,EnricoFerrieSergioSergi),buscandolegitimaraaçãoestatalcontraosagentesdocrime.Ocriminoso,umanormalouenfermo,eraexplicadocombaseemestudosdeBiologia,Psiquiatria,AntropologiaeSociologia,devendoserisoladoemfacedeseusdesviosdeconduta,colocadodiantedetotalsubmissãoecontrole.Àpolícia,cabia“tratardosdoentes”.
Asprisõespré-processuaiseprincipalmenteparaaveriguaçõeseramcomumenteuti-lizadas.Nascasasdedetençãooucorreção,atorturapsicológicaefísicaeradeusofreqüente,fazendocomqueapermanêncianasprisõessetornasseumalutapelasobrevivência278.
Asverbasrepassadasaosórgãospoliciais,principalmenteàPolíciadoDistritoFede-ral,eramastronômicasemuitasvezessecretas279.Foramcriados,noâmbitodoPoderExecuti-vo,oServiçoNacionaldeInvestigações,dotadodeforteaparatodevigilânciaerepressão,bem
276CANCELLI,Elizabeth.o mundo da violência: a polícia da era vargas.2.ed.,Brasília:EditoraUniversidadedeBrasília,1994,p.132:“BaseadonasconclusõesdoprimeiroCongressoBrasileirodeEugenia,realizadonoRiodeJaneiro,emjulhode129,‘depoisdevariasconsideraçõesdeordemantropológica,etnológicaegenética’,(...)entreasmanifestaçõesmaisfreqüentesdastarashereditáriasqueincapacitamoimigrante,comoelementoétnicoindesejável,figuramformasdedesequi-líbriomentaltraduzidasemtendênciasanti-sociais,e(porisso)aconselhaaexclusãoinflexíveldetodososimigrantescomantecedentes criminais”.
277CANCELLI,Elizabeth.o mundo da violência: a polícia da era vargas.Brasília:EditoraUniversidadedeBrasília,2.edição,1994,p.33.
278CANCELLI,Elizabeth.Op. cit., p.193/194:“Nalistadastáticasdetorturapraticadaspelapolícia,emespecialaPolíciaPo-lítica,osmétodosconstanteseramvários:arrancarunhascomalicate,enfiaralfinetessobaunha,espancaresposasoufilhasouopróprioprisioneiro,introduzirduchasdemostardaemvaginademulheres,queimartestículoscommaçaricos,extrairdentescomalicates, introduziraramenauretradepoisdetê-loesquentadocommaçarico,introduziraramenosouvidos,utilizaracadeiraamericana(commolaoculta,quejogavaopresocontraaparede),colocarmáscaradecouroqueimpediaarespiração,queimaraspontasosseioscomcharutosoucigarrosetc.”
279CANCELLI,Elizabeth.Op. cit., p.59:“Apartirdestasverbasespeciais,aPolíciadoDistritoFederalextrapolavasuasatribuições de manutenção da ordem no Rio de Janeiro. Garantiam-se suas funções políticas repressivas em outros estados e,pelomenos,emdoispaísesvizinhos.Quantoàsverbascmpublicidade,elaseramfundamentalmenteempregadasemmatériaspagasepublicidadenosjornais,comopropagandaideológicadoEstado”.
80
comooConselhodeDefesaNacional,quevisavareprimiroscrimescontraaordempolíticaesocial,sempreseresguardandoasegurançanacional,queseconstituía
na ordem do dia na vida do País – na sustentação da revolução de março. O SNIampliousuaredeeaescaladadoEstadodesegurança,acomeçarpelatransformação em Divisões de Segurança e Informações das antigas seções desegurançadosMinistérios.Nãohavialimites:foramcriadasDISIseASIs– Assessoria de Segurança e Informações – em toda parte: na Central de Medicamentos,naSudepe,noextintoIBDFeaténaEmbratur,cujaschefiaseramexercidas–aaindaosão–emquasetotalidadeporoficiaisdareser-va280.
OSNI,criadoem1664,eravinculadoàPresidênciadaRepúblicaetinhapormissãoassessorar o Presidente em atividades de informação e contra-informação281. Os agentes do SNI eramrecrutadoscombaseemapostilasbaseadasnaexperiênciadaKGB,nasatividadesdeespionagem,buscaevaloraçãodasinformaçõeseinformantes,utilizaçãodecódigos,táticasdevigilânciaeinfiltração,descriçãodepessoas,interrogatórioseinfiltrações282.
NobraçodoPoderJudiciário,foracriado,em1936,oTribunaldeSegurançaNacio-nal,oquepermitiraaingerênciadopoderestataltambémnoJudiciário.Oprocessodiantedoreferido Tribunal não proporcionava as garantias mínimas do contraditório e muito menos da ampla defesa283.
Emfacedoreferidolegadoditatorial,ainvestigaçãopreliminaraoprocessopenaldaatualidade,podendoserentendidacomobasedosistemajudicial,conferetratamentodiversoaoautordedeterminadasinfrações,dependendodasituaçãoprofissionalousocialdosujeito.
280BAFFA,Ayrton.Nos porões do SNI – o retrato do monstro de cabeça oca.RiodeJaneiro:Objetiva,1989,p.14.281LAGÔA,Ana. sni como nasceu como funciona.Brasília:Brasiliense,1983,p.19.282BAFFA,Ayrton.Nos porões do SNI – o retrato do monstro de cabeça oca.RiodeJaneiro:Objetiva,1989,p. 22/41.283CANCELLI,Elizabeth.o mundo da violência: a polícia da era vargas.2.ed.Brasília:EditoraUniversidadedeBrasília,1994,p.103/104.AautoradestacacomoocorriamosjulgamentosTribunaldeSegurançaNacional:“Depoisdereceberoinquéritosobreocrime,opresidentedaCortedeviaremetê-loaoprocuradoredesignarumjuizparaojulgamento.Ime-diatamente,eraordenadaapresençadoprisioneiro,quedeveriaseapresentarem12horas.Casooindicadonãotratavadecomunicaranecessidadedapresençadoréu.Em24horaseramapresentadasasacusaçõesformaisaacusado.Ojulgamentonãoultrapassava24horasdepoisdefeitasestasacusações.
Nestasituação,nãohavianemmesmoagarantiadequeoréupudesseestarpresenteàsessãodoTribunal,oudequepudesseconvocaronumerodetestemunhasqueachassenecessidadesparaojulgamento.Depoisdaapresentaçãodasevidenciasedoexamedastestemunhasdeambososlados,aacusaçãoeadefesatinham,cadauma,15minutos.Oacusadonãopodiaapre-sentarmaisdeduastestemunhas,quenãopoderiamgastarmaisdecincominutoscada.Ojuizpoderiadispensarapresençado acusado.
EraaindaoconjuntodejuízesquefaziapartedoTribunaldeSegurançaNacionalqueproferiaasentença,obedecendoaoseguinteritual:avotaçãoseriasecretaecadaumdosjuízesdavaseuvotorespondendo,porordem,cincoquestões.Apri-meiradelaseraseoréucometeuocrimeprevistonoartigodaLeinº38,de4deabrilde1935,ou136,de14dedezembrode1935,quelheeraatribuídanadenúncia.Asegundaeraseoréuhaviacometidoocrime,sendocabeçaouco-réu.Emterceirolugar,perguntava-seaojuizseocrimehaviasidocometidopeloréuemcircunstanciaagravante.Naquartaquestão,seexistiamcircunstanciasatenuantesemfavordoréu.E,emultimolugardequantotempodeveriaserapena.
AfarsajurídicadoTribunaldeSegurançanãopermitiarecursoouapelaçãoàsentença,prevendoapenasaapelaçãointer-postaaoTribunalMilitar,semdireitoaqualquerefeitosuspensivosobreasentençadoTribunaldeSegurança.OTribunalfuncionavarevestidodetodaapompapossível,nosentidodeimpressionaratravésdeseuritualedesuasupostamagnitudejudiciária.Assim,asvestesdosjuízesforamconfeccionadasespecialmenteparaassolenidadesdejulgamentos,eoprocura-doreosecretáriotambémusavamtrajesespeciais.
SobesteritualesobestasnormasfoiqueoTribunal,implacavelmente,julgou6998processos,envolvendodezmilpessoas,condenando4.099,compenasquevariavamdeumasimplesmultaaté27anosdereclusão.”
81
Épráticapolicialcorrenteojulgamento,medianteumverdadeirotribunaldeexceção,epuniçãodosinvestigadosexcluídos,tudoaoarrepiododevidoprocessolegalemuitodistan-tedosistemajudicial.Aoarrepiodalei,nãorarasvezes,aPolíciaaplicaaosinvestigados,deformasumária,penasdecarátercrueleatémesmoapenademorte,ambasvedadasconstitu-cionalmente.
Apolíciainvestigativa,damesmaformaqueoPoderJudiciário,éextremamenteeli-tistaeseletiva.Enquantosãoapregoados,emnossaCartaMagna,osprincípiosdaigualdadeeisonomia,vivemosemumaordemsocialfortementehierarquizadaeinjusta.
82
3 inQUéRiTo PoliCial na soCiedade CoMPleXa: a neCessidade de inseRiR TeCnoloGia
3.1 Polícia Judiciária e o inquérito Policial
Antesdeseabordarainserçãodoinquéritopolicialemumasociedadecomplexa,faz-senecessáriofazermençãoàprópriacomplexidadeedificuldadenajustificativadoreferidoinstitutonasearajurídicapátria.Éprecisodiscutiranaturezadealgunsatosrealizadosemsededeinquéritopolicialparasepoderentenderas(des)vantagensdetalsistemainvestigatório.
Deinício,deveserafastadaaexistênciadatutelasatisfativanobojodoprocessopenal.Comefeito,osprincípiosprocessuaisconstitucionais,taiscomoododevidoprocessolegal,daigualdadeentreacusaçãoedefesa,dapresunçãodeinocência,docontraditórioedodireitoàprova,dentreoutros,impedemqueojuizantecipe,provisoriamente,aprópriasoluçãodefiniti-va,condenando,desdejá,oacusado.
Isso, em tese, eis que, na prática, grande parte dos atores atuantes na investigaçãocriminalavocaparasiacondiçãodeagentesdasegurançapública,abusandodautilizaçãodeprisõescautelaresemedidasinvestigativasinvasivasdosdireitosfundamentais,sempresoboargumentodagarantiadaordempública,oqueseconfiguraverdadeirapenaantecipada.Aoseintitulardefensoresdaordempública,osMagistrados,PromotoreseDelegadosacabamdesem-penhandoasatribuiçõespreventivasdosórgãospoliciais,aosquais incumbetalmissão,nostermos do art. 144 da CF/1988284. Os atos de investigação terminam por se consubstanciar em umapenalidade,oquenãopodeencontrarguaridaemumEstadoDemocráticodeDireito.
Nessalinha,AuryLopesressaltaque
aregrageraléqueosatosdainvestigaçãopreliminarsejam,comotais,con-sideradosmerosatosdeinvestigação,comumalimitada eficácia probatória,pois a produção da prova deve estar reservada para a fase processual. É a
284LOPESJR.,Aury.introdução crítica ao processo penal (fundamentos das instrumentalidade garantista). Rio de Ja-neiro:LumenJuris,2004,p.206:“Éinconstitucionalatribuiràprisãocautelarafunçãodecontrolaroalarmasocial,epormaisrespeitáveisquesejamossentimentosdevingança,nemaprisãopreventivapodeservircomopenaantecipadaefinsdeprevenção,nemoEstado,enquantoreservaética,podeassumiressepapelvingativo.Tambémaordempúblicaaoserconfundidacomotal‘clamorpúblico’,correoriscodamanipulaçãopelosmeiosdecomunicaçãodemassas,fazendocomqueaditaopiniãopúblicanãopassedemeraopiniãopublicada,comevidentesprejuízosparatodos.”
83
função endoprocedimentaldosatosdainstrução,nosentidodequesuaefi-cáciaéinternaàfase,parafundamentarasdecisõesinterlocutóriastomadasnocursodainvestigação.Paraevitaracontaminação,oidealéadotarosistemadeeliminaçãodoprocessodosatosdeinvestigação,excetuando-seasprovastécnicasirrepetíveiseaproduzidanorespectivoincidenteprobatório285.
Atento, ainda, aoque severificana realidadeprocessualpátriaedestacandoqueoobjeto do processo penal seria não uma condenação,mas, sim, uma acusação,AuryLopesponderaque
O objeto do processo penal é uma pretensão acusatória,vistacomoafacul-dadedesolicitaratutelajurisdicional,afirmandoaexistênciadeumdelito,paraver aofinal concretizadoopoderpunitivoestatal pelo juiz atravésdeuma pena ou medida de segurança. O titular da pretensão acusatória será o MinistérioPúblico.Aoacusador(públicoouprivado)correspondeapenasopoderdeinvocação(acusação),poisoEstadoéotitularsoberanodopoderdepunir,queseráexercidonoprocessopenalatravés do juiz e não do Ministério Público (tampouco do acusador privado)286.
O inquéritopolicial temoobjetivode embasaro titularda eventual açãopenalnoajuizamentoounãodaacusação,conferindoelementosmínimosparaqueaaçãosejarecebidapelomagistrado,quenecessitadeummínimoconteúdoprobatórioaembasaraaçãopenal,conferindo-seaestaanecessáriajustacausa.
Sãoexemplosdeatos investigativosefetivadospelaPolíciaJudiciáriaacolheitadedepoimentos,buscaseapreensões,prisões,examespericiais,campanas,infiltraçõeseserviçosdeinteligênciaecontra-inteligência.Algumasdasmedidasreferidasnecessitamdeautorizaçãojudicialemfacedeatentaremdiretamentecontradireitosfundamentaisdosinvestigados.
Entretanto,emboraeventualmentepossahaverintervençãojudicialnoinquéritopoli-cial,conformedestacaAuryLopesJr.,nãosefazempresentesosrequisitosmínimosparaquetenha, jánafasepolicial,umaatividadeprocessual, taiscomooexercíciodeumapretensãoacusatória,aexistênciadepartescontrapostasqueexercitamplenamenteocontraditório287.
Evidenciaoautororeduzidovalorprobatóriodainstruçãopreliminar,ponderandoqueosatosalirealizadossãomerosatosdeinvestigaçãoenãodeprova.Sobreadiferenciaçãoentreessasduascategoriasdeatos,destaca:
285LOPESJR.,Aury.sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2003,p.134.
286LOPESJR.,Aury.“(Re)discutindo o objeto do processo penal com Jaime Guasp e James Goldschimidt”,publicadonaRevistaIBCCRIMnº39,p.119.
287 LOPES JR. Aury. sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Editora LumenJuris,2003,p.39.
84
Sobreosatosdeprova,podemosafirmarque:a)Estãodirigidosaconvencerojuizdaverdadedeumaafirmação;b)Estãoaserviçodoprocessoeintegramoprocessopenal;c)Dirigem-seaformarumjuízodecerteza–tuteladesegurança;d)Servemàsentença;e)Exigemestritaobservânciadapublicidade,contradiçãoeimediação;f)Sãopraticadosanteojuizquejulgaráoprocesso.
Substancialmentedistintos,osatosdeinvestigação(instruçãopreliminar):a)Nãosereferemaumaafirmação,masaumahipótese;b)Estãoaserviçodainstruçãopreliminar,istoé,dafasepré-processualeparaocumprimentodeseusobjetivos;c)Servemparaformarumjuízodeprobabilidade,enãodecerteza;d)Nãoexigemestritaobservânciadapublicidade,contradiçãoeimediação,poispodemserrestringidas;e) Servem para a formação da opinio delictidoacusador;f)Nãoestãodestinadosàsentença,masademonstraraprobabilidadedofu-mus commissi delicti parajustificaroprocesso(recebimentodaaçãopenal)ouonão-processo(arquivamento);g)Tambémservemdefundamentoparadecisõesinterlocutóriasdeimputação(indiciamento)eadoçãodemedidascautelarespessoais,reaisououtrasrestri-ções de caráter provisional. PodemserpraticadospeloMinistérioPublicooupelaPolíciaJudiciá-ria.288
Écerto,contudo,queosatosinvestigatóriosstricto sensu,naapuraçãopréviadedeli-tospenais,taiscomoreduçãoatermodedepoimentos,solicitaçãodequebradesigilobancárioefiscal,solicitaçõesdebuscaeapreensãopessoaledomiciliarsópodemserpraticadospelaPolíciaJudiciária,emfacedediversosprincípiosconstitucionais,notadamenteodaparidadede armas.
Comefeito,aConstituiçãoFederal,emseuart.144,aotratardasegurançapública,consignouqueestaéexercidacomoescopodegarantiraordempúblicaeincolumidadedaspessoasedopatrimônio,pormeio:1)dapolíciafederal;2)políciarodoviáriafederal;3)políciaferroviáriafederal;4)políciascivis;5)políciasmilitaresecorposdebombeirosmilitares.
Nos§§1ºe4ºdoreferidoartigo,oconstituinteorigináriofirmouorientaçãonosen-tidodecompetiràpolíciaainvestigaçãodasinfraçõespenais.EstabeleceuquecabeàPolíciaFederal“exercer,comexclusividade,asfunçõesdepolíciajudiciáriadaUnião”(art.144,§1º,
288LOPESJR.,Aury.sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Editora LumenJuris,2003,p.131.
85
IV,daCF/1988)289.“Àspolíciascivis,dirigidaspordelegadosdepolíciadecarreira,incumbem,ressalvadaacompetênciadaUnião,asfunçõesdepolíciajudiciáriaeaapuraçãodeinfraçõespenais,excetoasmilitares”(art.144,§4º,daCF/1988).
Verifica-sequeaCF/1988conferiuopoderdeinvestigaçãoàsautoridadespoliciais.Éainvestigaçãopreliminarpolicial,quefazcomquetodaaformalizaçãodosatoseadiretrizinvestigativasejamdirecionadaspelaPolícia.TalmétodoéadotadotambémnaInglaterra.
Aatividadedepolíciajudiciáriaconsistenarealizaçãodeumainvestigaçãopreliminaraoprocessopenal,materializadapeloinquéritopolicial290,queéumprocedimentoadministra-tivo.
NoBrasil,ofundamentodaatividadedaPolíciaJudiciáriadecorredopoderdepolíciainerenteàAdministração291,tendocomofinalidades:1)garantiraeficáciadoprocessopenal;2)darsubsídiosparaainterposiçãodeeventuaisaçõespenais,funcionando,ademais,comofiltroprocessual;3)manteraregularidadedasrelaçõessociais,desestimulandoapráticadenovasinfrações.
Entretanto,aatividadedeinvestigaçãolato sensunãoéexclusivadaautoridadepo-licial.Oparágrafoúnicodoart.4ºdoCPPestabeleceque,quandohouverdeterminaçãolegal,outrasautoridadesadministrativaspoderãoapurarinfraçõespenaisesuaautoria.Éoquesedá,porexemplo,comascomissõesparlamentaresdeinquérito,comostribunaisquandoefetivamoinquéritojudicialparaapuraroscrimesdequemtemforoprivilegiado,alémdosmilitaresnoinquéritomilitar.
289Emmarçode1944,naantigaCapitaldaRepública,RiodeJaneiro,aPolíciadoDistritoFederalfoitransformadaemDE-PARTAMENTOFEDERALDESEGURANÇAPÚBLICA(DFSP).Apesardenoseunometrazeraexpressão“Federal”,oDFSP,comoficouconhecido,somenteatuavanaáreadoDistritoFederal,noquediziarespeitoàsegurançapública,agindoemnívelnacionalapenasnapartedepolíciamarítima,aéreaedefronteiras.Jánametadedoanode1946,asatribuiçõesdoDFSP foram estendidas para todo o território nacionalemalgunscasos,comoocomércioclandestinodeentorpecentesecrimescontraafépública,quandodeinteressedaFazendaNacional.Todavia,comanovaConstituiçãoFederal,promulgadaa18desetembrodaqueleano,osEstadospassaramaterpoderesparaatenderemsuasnecessidadesdegovernoeadminis-tração,sendoconsideradaumaespéciedelimitaçãodessaautonomiaaexistênciadeumórgãodesegurançacomatuaçãonacional.ComamudançadaCapitalFederal,em1960,oDFSPtransferiu-separaBrasília,ficandocomoentãoEstadodaGuanabaraosseusserviçosdesegurançapública,bemcomograndepartedeseuefetivo.Devidoacarênciadepessoal,oDFSPtevequeserreestruturado,buscando-secomomodeloaspolíciasdaInglaterra,EstadosUnidoseCanadá,passandoater,efetivamente,atribuiçõesemtodooterritóriobrasileiroapartirde16/11/1964,diadaediçãodaLeinº4.483eatéhojecomemoradacomosuadatamaior.Aindaem1967,oDFSPtrocoudenome,surgindooDEPARTAMENTODEPOLÍCIAFEDERAL(DPF),pormeiodoart.210doDecreto-Leinº200,de25/02/1967.
290SegundoManoelMessiasBarbosa,in inquérito policial.3.ed.rev.atual.eampl.SãoPaulo:Método,2002,p.23“OinquéritopolicialsurgiuentrenóscomaLeinº2.033,desetembrode1871eregulamentadapeloDecreto-Leinº4.824,de28denovembrode1871.Noartigo42dareferidalei,conceituavaoinquéritopolicialcomooinstitutoqueconsistiaemtodasasdiligênciasnecessáriasparaodescobrimentodosfatoscriminosos,desuascircunstânciasedeseusautoresecúmplices,devendoserreduzidoainstrumentoescrito”.DestacaAuryLopesJr.,in sistemas de investigação preliminar no processo penal.2.ed.rev.ampl.eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2003,p.35,verbis:“NoBrasil,adefiniçãolegaldoinquéritopolicialnãoconstaclaramenteemnenhumartigodoCPP,e,paraserobtida,devemoscotejarasdefiniçõesdosarts.4ºe6ºdoCPP,demodoqueéaatividadedesenvolvidapelaPolíciaJudiciáriacomafinalidadedeaveriguarodelitoe sua autoria”.
291SegundoHelyLopesMeirelles,in direito administrativo brasileiro.25.ed.SãoPaulo:Malheiros,2000,p.122,PoderdePolíciaé“omecanismodefrenagemdequedispõeaAdministraçãoPúblicaparaconterosabusosdodireitoindividual”.ParaCelsoAntônioBandeiradeMello,in Curso de direito administrativo.12.ed.,2ªtir.rev.atual.ampl.SãoPaulo:Ma-lheiros,2000,p.673,“oqueefetivamenteapartaapolíciaadministrativadepolíciajudiciáriaéqueaprimeirasepredispõeunicamenteaimpedirouparalisaratividadesanti-sociaisenquantoasegundasepreordenaàresponsabilizaçãodosviolado-resdaordemjurídica”.Emborasejamatosadministrativos,referidosautoresdestacamque,nocasodapolíciajudiciária,oprocedimentoéreguladopelalegislaçãoprocessualpenal.
86
Hátambémautoridadesadministrativasque,pormeiodoinquéritoadministrativooucivil,podemfazerumlevantamentosobreeventualexistênciadecrime,comunicandoàauto-ridadepolicial,queiniciaráainvestigação,oudirigir-seaoMinistérioPúblicoparaqueestearequisiteoujáofereçadenúnciacasoexistajustacausa.
Comefeito,emboraexistamdiversasautoridadesadministrativasquepossam“inves-tigar”delitos,naprática,aatuaçãodetaisentessedáemseuâmbitoadministrativointerno,sendoqueaexteriorizaçãodosatosinvestigatórios,commedidasinvasivasdaintimidade,li-berdadeepropriedadeficaacargodapolíciajudiciária.
DaanálisedasponderaçõesdeAuryLopes,podemoscitaraspectospositivosenegati-vosdainvestigaçãopreliminarrealizadapelapolícia.
Seriamvantagens: 1) a polícia atua nosmais diversos cantos doPaís, que temdi-mensõescontinentais(itemIVdaExposiçãodeMotivosdoCódigodeProcessoPenal);2)emdecorrênciadaonipresença,é,porisso,maiscélere;3)émaisbarata,eisquecomosaláriodeumjuizoupromotor,poder-se-iamanterumaequipedepoliciais,sendoqueestes,dequalquerforma,teriamquepermanecerprestandoapoioàqueles.
Jáasdesvantagensdetalsistemaseriam:1)porestarnalinhadefrentenadiferencia-çãoentreolícitoeoilícito,adiscricionariedadenaseleçãodascondutasaseremperseguidaséeminente;2)tratamentopolicialsedásegundooperfileposturadoinvestigado;3)aeficáciadasinvestigaçõesguardaproporcionalidadediretacomagravidadedosdelitos;4)relaçãosocialcomacomunidade,sendoqueasdelegaciasnoslocaismaispobrestendeaabsorveroscrité-rioseastendênciasdomeio;4)cominterpretaçõesquesobreporiamoCPPàCF/1988,haveriamaisdesrespeitoaosdireitosfundamentais;5)opoderaquisitivodoinvestigadointerferirianaapuraçãodosdelitos,emfacedeserapolíciasuscetívelàspressõespolíticas;6)apolíciapodeserusadacomomeiodeperseguiçãopolítica;7)porserpresididoporautoridadediversa,nãoatenderiaasnecessidadesdopromotor;8)nãoháocontraditório292.
Aoladodainvestigaçãopreliminarrealizadapelapolícia,podemserlistadosmaisdoisoutrossistemasdeinvestigaçãocomórgãosdiversoslegitimadosaexercê-la.
Oprimeiroseria,comjávisto,ainvestigaçãopreliminarjudicial,queteriaojuizcomoinstrutor,sendoresponsávelpeladireçãodasinvestigações.ColheomagistradooselementosparaqueomembrodoMinistérioPúblicopossadenunciar,paraqueomesmojuizpossa,poste-riormente,receberounãoaacusaçãoe,aofinal,decidir.Emfacedaparcialidadeexistenteemtalsistema,aEspanha,paísqueadotatalmétodo,criouocritériobifásico,emqueojuizqueinstruinãojulgaocaso.
ContinuandocomaabordagemdeAuryLopessobreotema,vejamososaspectosedecorrênciada investigaçãopreliminarrealizadapormagistrado.Talsistemaseriavantajosopor:1)maiorqualidadenoresultadodasinvestigações;2)porserdotadodepoderjurisdicional,ojuizinstrutorestariamaisaptoadecidirsobrealimitaçãodosdireitosindividuais;3)ainves-
292LOPESJR.,Aury.sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2003,p.64/69.
87
tigaçãonãoseriamaisgravosa,eisqueojuizéquem,dequalquerforma,permitealimitaçãodosdireitosfundamentais;4)havendoaseparaçãoentreojuizinstrutorejulgador,haveriamaisimparcialidade,evitando-se,assim,asperseguiçõespolíticas;5)oórgãoseriasuprapartes;6)oresultadodainvestigaçãoserviriatantoparaaacusaçãoquantoparaadefesa.
Poroutrolado,seriamdesvantagensdecorrentesdosistemadeinvestigaçãojudicial:1)seojuizinstrutorforomesmoquejulgar,extingue-seaprópriaimparcialidade,umadascaracterísticasinerentesàjurisdição;2)aquedadebraçosésadiaserealizadaentreMinistérioPúblicoeAcusado,masseocorreentreojuizeeste,étotalmentedesleal,oquefereoprincí-piodaigualdadedearmas;3)ainvestigaçãopreliminarsetornariaplenária,buscando-senãoaprobabilidade,masacerteza;4)hácontradiçãonofatodeojuizinstruirparaopromotoracusar;5)porseremrealizadosporjuiz,osatosdasinvestigaçõesseriamvaloradosdeformaexacer-badanasentença,oquefeririaoprincípiodocontraditórioeampladefesa;6)éummodelototalmentesuperadoeamalgamadoàfiguradojuizinquisidor;7)confundem-seasfunçõesdeinstruirejulgar293.
Há,porfim,ahipótesedoPromotorInvestigador,queseriaotitulardainstrução.Égrande,noBrasil,omovimentojurídiconestesentido294.OMinistérioPúblicoatuariadireta-mentenainvestigação,porsiprópriooupormeiodaPolícia,quelheestarianecessariamentesubordinada.
QuantoaoMinistérioPúblico,emboracaibaaesteocontroledaatividadepolicial,hádivergênciasdoutrináriasejurisprudenciaissobreapossibilidadedeesteórgãorealizarinves-tigações de infrações penais.
DoutrinadoresdeescolapresentamoentendimentodequeoParquetpoderealizaratosdeinvestigaçãoparafinsdeeventualoferecimentodedenúncia,podendorequisitaresclareci-mentosoudiligenciardeformadireta,buscandosubsídiosparaaproposituradaaçãopenal295. OSuperiorTribunaldeJustiçaapresentaentendimentoscristalizadosnestesentido,verbis:
CRIMINAL. HC. DETERMINAÇÃO DE COMPARECIMENTO AO NÚ-CLEO DE INVESTIGAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA DEPOR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. ORDEM DENE-GADA.Tem-secomválidososatosinvestigatóriosrealizadospeloMinistérioPúblico,quepoderequisitaresclarecimentosoudiligenciardiretamente,vi-sandoàinstruçãodeseusprocedimentosadministrativos,parafinsdeofereci-
293 LOPES JR. Aury. sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Editora LumenJuris,2003,p.79/84.
294Nainternet,hádiversasponderaçõesnestesentido,emtextos,sobretudo,demembrosdoMinistérioPúblico,podendosercitados,entreoutrososseguintesendereços:SILVA,EdmarCarmoda,MinistérioPúblicoeatitularidadeprivativadojuspostulandiparaaaçãopenalpúblicaeprocedimentosincidentes.http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3116;SIL-VA,AloísioFirmoGuimarãesda,MariaEmíliaMoraesdeAraújoePauloFernandoCorrêa,Aindaesempreainvestigaçãocriminaldiretapeloministériopúblico.http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1054;MOREIRA,RômulodeAn-drade.Ministériopúblicoepoderinvestigatóriocriminal.http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1055.
295Nessesentido:FERNANDES,AntônioScarance.Processo penal constitucional.3.ed.rev.,atual.eampl.SãoPaulo:Edi-toraRevistadosTribunais,2002,p.254/255;MIRABETE,JúlioFabbrini.Processo penal.12.ed.SãoPaulo:Atlas,2001,p.75;Emsentidocontrário:TOURINHOFILHO,FernandodaCosta.in Processo penal,Vol.I,25.ed.reveatual.SãoPaulo:Saraiva,2003,p.207.
88
mentodedenúncia.Ordemdenegada.(HCnº13.368/DF,5ªTurma.Rel.MinGilsonDipp,DJde03.04.2001)
CRIMINAL. RHC. ABUSO DE AUTORIDADE. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. COLHEITA DE ELEMENTOS PELO MINISTÉRIO PÚ-BLICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CONFIGURADO. LI-MINAR CASSADA. RECURSO DESPROVIDO. Tem-se como válidos os atos investigatórios realizadospeloMinistérioPúblico, quepode requisitaresclarecimentosoudiligenciardiretamente,visandoàinstruçãodeseuspro-cedimentosadministrativos,parafinsdeoferecimentodapeçaacusatória.Asimplesparticipaçãonafaseinvestigatória,coletandoelementosparao ofe-recimentodadenúncia,nãoincompatibilizaoRepresentantedoParquet para aproposiçãodaaçãopenal.AatuaçãodoÓrgãoMinisterialnãoévinculadaàexistênciadoprocedimentoinvestigatóriopolicial–oqualpodesereven-tualmentedispensadoparaaproposiçãodaacusação.(RHCnº8.106/DF,5ªTurma,Rel.Min.GilsonDipp,DJde04.06.2001)
PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. DISPENSABILIDADE. PROPOSIÇÃO DE AÇÃO PENAL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. POSSIBILIDADE. DENÚNCIA. DESPA-CHO DE RECEBIMENTO. FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO. NÃO-OCOR-RÊNCIA. INÉPCIA. INEXISTÊNCIA. CRIME EM TESE. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Esta Corte tem entendimento pacificadono sentidodadispensabilidadedo inquéritopolicialparapropo-situradeaçãopenalpública,podendooParquet realizaratosinvestigatóriospara fins de eventual oferecimento de denúncia, principalmente quando osenvolvidossãoautoridadespoliciais,submetidosaocontroleexternodoórgãoministerial.(RHCnº11.670/RS,6ªTurma,Rel.Min.FernandoGonçalves,DJde 04.02.2002)
OSTJnãoadotouatesedanecessidadedoPromotorPrevento,conformesepercebedoentendimentocristalizadonaSúmulanº397/STJ:“AparticipaçãodemembrodoMinistérioPúblico na fase investigatória criminal não acarreta o seu impedimento ou suspeição para o oferecimento da denúncia.”
Já o Supremo Tribunal Federal tem entendimento totalmente contrário296,conformesepercebedasseguintesdecisões,verbis:
296EmrecenteacórdãoproferidonoROHCnº81.326-7/DF,Rel.Min.NelsonJobim,trata-sedamatériaobjetodeanálise,ci-tando-se,inclusive,ohistóricodacontrovérsia.AquestãoestánovamentesendodebatidanoâmbitodaCorteConstitucional,oqueocorrenoInq.nº1.968/DF,rel.Min.MarcoAurélio,01.09.2004,estandoconclusosparavistadoMin.CézarPeluso.
89
MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. INQUÉRITO PENAL.LEGITIMIDADE.OMinistérioPúblico (1)não temcompetência parapromover inquéritoadministrativoemrelaçãoàcondutadeservidorespúblicos;(2)nemcompetênciaparaproduzirinquéritopenalsoboargumentodequetempossibilidadedeexpedirnotificaçõesnosprocedimentosadminis-trativos;(3)podeproporaçãopenalsemoinquéritopolicial,desdequedispo-nhadeelementossuficientes.(REnº233.072/RJ,2ªTurma,Rel.Min.NelsonJobim,DJde03.05.2002)
CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. MINISTÉRIO PÚBLICO: ATRIBUIÇÕES. INQUÉRITO. REQUISIÇÃO DE INVESTIGAÇÕES. CRI-MEDEDESOBEDIÊNCIA.CF,art.129,VIII;art.144,§§1ºe4º.I.–Inocor-rênciadeofensaaoart.129,VIII,CF,nofatodeaautoridadeadministrativadeixardeatenderrequisiçãodemembrodoMinistérioPúbliconosentidodarealizaçãodeinvestigaçõestendentesàapuraçãodeinfraçõespenais,mesmoporquenãocabeaomembrodoMinistérioPúblicorealizar,diretamente,taisinvestigações,masrequisitá-lasàautoridadepolicial,competenteparatal(CF,art.144,§§1ºe4º).Ademais,ahipóteseenvolviafatosqueestavamsendoin-vestigadoseminstânciasuperior.II.–REnãoconhecido.(REnº205.473/AL,2ªTurma,Rel.Min.CarlosVelloso,DJde19.03.1999)
OSTFtambémentendeque,mesmonoscasosemquehajacompetênciaorigináriaemrelaçãoajulgamentoporprerrogativadefunção,orelatornãoteriapoderesinvestigatórios,verbis:
EMENTA: I. STF: competência originária: habeas corpus contra decisão in-dividualdeministrodetribunalsuperior,nãoobstantesusceptíveldeagravo.II.Foroporprerrogativadefunção:inquéritopolicial.1.Acompetênciapenaloriginária por prerrogativa não desloca por si só para o tribunal respectivo as funçõesdepolíciajudiciária.2.Aremessadoinquéritopolicialemcursoaotribunal competente para a eventual ação penal e sua imediata distribuição a umrelatornãofazdeste“autoridadeinvestigadora”,masapenaslhecomete as funções,jurisdicionaisounão,ordinariamenteconferidasaojuizdeprimeirograu,nafasepré-processualdasinvestigações.III. MinistérioPúblico: inicia-tivaprivativadaaçãopenal,daqualdecorrem(1)airrecusabilidadedopedidodearquivamentodeinquéritopolicialfundadonafaltadebaseempíricaparaadenúncia,quandoformuladopeloProcurador-GeralouporSubprocurador-Geralaquemdelegada,nostermosdalei,aatuaçãonocasoetambém(2)porimperativodoprincípioacusatório,aimpossibilidadedeojuizdeterminardeofícionovasdiligênciasdeinvestigaçãonoinquéritocujoarquivamentoére-querido.(HCnº82.507/SE,1ªTurma,Rel.Min.SepúlvedaPertence)
90
ParecesermaisacertadoentendimentodoSupremoTribunal,comalgumasressalvas,conformeaseguirseaduzirá.
Podem-seresumir,aindacomAuryLopes,osprósecontrasdeatitularidadedainves-tigaçãopreliminarficaracargodoMinistérioPúblico.Destacaoautorosprós:1)opromotor,emborafossepartenoprocesso,seriaimparcial;2)aatividadepréviaàaçãopenaldeveestaracargodotitulardaaçãopenal;3)aimparcialidadedoMPpermitiria,deformajusta,seestede-veriaacusarounão,sendoqueainvestigaçãopoderiatambémfavoreceradefesa;4)celeridadee economia processual.
Lista,também,oscontras:1)omodeloestáassociadoaocombateaocrimeaqualquercusto;2)elevaçãodoscasosdeabusodeautoridade,perseguiçãopolítica,devendoomodeloseraplicadocomcautelas;3) a impossibilidadepráticaehumanadequeumapessoapossaconciliartarefasqueserepelem,aacusaçãoeadefesa;4)umórgãodenaturezaacusatória,aoagirdeformaimparcial,atentacontraasuaprópriaexistência;5)quantomaioraparcialidadedoslitigantes,maioraparcialidadedojuiz;6)porserumórgãoacusador,estáoMPinclinadoaproduzirprovascontraoimputado;7)oMPteriaquerealizaratividadestotalmentealheiasàsuafunção,emnomedeumasupostaatuaçãoembenefíciodoacusado;8)serianecessáriocriarafiguradopromotorprevenido,ouseja,omembrodoMPqueinvestiganãopoderiaacusar,emfacedediversosprejulgamentosqueocorreriam;9)aatividadepré-processual,porestarvoltadaparaaacusação,atentariacontraoprincípiodaigualdadedearmas;10)amaioriadosacusadosnãotemrecursosfinanceirosparacontratarumbomprofissionalparafazercomqueainstruçãotambémfosseaseufavor;11)oacusado,impedidodevaler-sedafasepré-processual,teriaqueproduzirtodasasprovasnocursodoprocesso;12)estariainviabilizadaafunçãodainvestigaçãopreliminardefiltrarprovas;13)ainvestigação,empaísesqueadotamtalsistema,acaba recaindo na polícia297.
Talsistematemsidoadotado,porexemplo,naItália(1988)298,Alemanha(1974)299 e Portugal (1995).
Da análise dos prós e contras de estar a investigação preliminar processual a cargo da PolíciaJudiciária,Juízes,oudoMinistérioPúblico,entendemosqueosistemapátrio,noqualaPolíciarealizaoinquéritopolicial,é,delonge,omelhorsistema.
297LOPESJR.,Aury.sistemas de investigação preliminar no processo penal. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Editora LumenJuris,2003,p.86/97.
298LOPESJR.,Aury. Op. cit., p.90,verbis:“asupervalorizaçãodoMinistérioPúbliconaItáliatemumajustificaçãohistóricacalcadanocombateaocrimeaqualquercusto,aindaqueparaissosecometamalgumasinjustiças.AItáliadopós-guerraestavacompletamenteassoladapelacorrupçãodosórgãospúblicos,pelamáfiaepelocrimeorganizado.Areformarealizadaem1988pretendia,deumavezportodas,mudaressepanoramaaqualquercusto.”
299LOPESJR.,Aury.Op. cit., p.90,verbis:“areformaprocessuallevadaacabonaAlemanha,em1974,foiprodutodapressadolegisladoremcombateraqualquercustooterrorismodogrupoBaader-Meinhof.Oqueimportavaeradararmasparaaacusação,aumentandoaeficáciadainstruçãoemrespeitoaofimpunitivopretendido,aindaquecomclarosprejuízosparaosujeitopassivo”.Consigna,ainda,referidoautor,àfl.96,que“foiconstatadoemumestudorealizadopeloInstitutoMax-Plank,noanode1978,quenospaísesquejáadotamainvestigaçãoacargodopromotor,como,porexemplo,Alemanha,nagrandemaioriadoscasos,ainstruçãopreliminarerarealizadapelapolíciaeopromotorsótomavaconhecimentodorealiza-dodepoisdaconclusãodasinvestigaçõespoliciais.Opromotorinvestigamuitopoucopessoalmentee,naprática,nãopodemodificarsubstancialmenteoresultadodaatuaçãopolicial,poisestajáchegaconcluída,caráterinibitório.Segundoaautora,éumapráticahabitualqueainvestigaçãorecaia,quasequeexclusivamente,napolícia,limitando-seopromotoraumamerarevisão formal posterior.”
91
Osargumentoscontráriosàatividadedapolíciajudiciárianãotêmamparocientífico,sendoapontadas,porexemplo,questõesfinanceirasquepodemsersolucionadascomodevidoinvestimento,bemcomoaspectoshumanos,inerentesàprópriacondiçãodoindivíduoquees-tãopresentesemquemquerquerealizeumainvestigação,juiz,promotoroudelegado.
Comefeito, fazemos as seguintes ponderações sobre a titularidade da investigaçãopreliminar a cargo de um magistrado.
Comaparticipaçãodiretaeefetivadeumjuiznainvestigaçãopreliminaraoprocessopenal,aqualidadedasinvestigaçõesnãoaumentaria,eisqueasatividadesinvestigativas,semonecessárioinvestimentoempessoalematerial,nãosofreriaprogressonatrocadeumdelegadoporummagistrado.Aocontrário,aformaçãoespecíficaproporcionadapelasescolasdePolíciadeumdelegadotemfocoquasequeúnicaeexclusivamenteematividadesdeinvestigação,omesmonãoocorrendocomosjuízes.
Ojuizinstrutor,aotermaispossibilidadeepoderdelimitarosdireitosfundamentaisduranteainvestigaçãopreliminar,estariapassíveldecometerabusos.Osistemadeinvestiga-çãoacargodaPolícia,emqueasmedidasinvasivasdaliberdadeindividualaocorreremnoinquérito,taiscomoabuscaeapreensão,aprisãopreventivaoutemporáriaeainterceptaçãotelefônica,quenecessitammuitasvezesdaconvergênciadeentendimentosdodelegado,pro-motorejuiz,sejáestásujeitaaabusos,essesaumentariam,emuito,searestriçãoficasseaoalvitreapenasdeumdossujeitos,omagistrado.
Émera ilusãoa separaçãodafigurado juiz instrutore julgador.Ocorporativismo,bastanteevidentenoPoderJudiciário,tornariaperniciosaarelaçãoentreojuizinstrutorejul-gador,sendoqueestetenderiaavalorizarpordemaisotrabalhodaquele,oqueacarretariaqueainvestigaçãopreliminarsetornasse,decertaforma,plenária.Poroutrolado,aqualidadedesu-prapartesdomagistradoinstrutortambémpodeserevidentenaPolíciaJudiciária,quenãopodeservistaapenascomoórgãoqueirápropiciarumaaçãopenal.Aocontrário,agrandemaioriadosinquéritossequerchegaapermitiroajuizamentodeumaaçãopenal.
Deveseracolhidacomreservasaassertivadequeoresultadodainvestigaçãoserviriatantoparaaacusaçãoquantoparaadefesa.Aatuaçãodomagistradoinstrutor,conformevistonessaobra,jáfoipassíveldeabusosduranteaIdadeMédia,nadahavendo,deconcreto,aindi-carqueosistemadeinvestigaçãomelhoriacomasuaatuação.
Aocontrário,sejáéevidentenoprocessopenaladesigualdadeexistenteentreaspar-tesnaproduçãodeprovasduranteoinquérito,emfacedaeminenteingerênciadoMinistérioPúbliconainvestigaçãopreliminar,emdetrimentodeatividademínimaquefossedoinvesti-gado em tal fase para provar sua inocência300,oquesedirádadesigualdadeexistenteentreum
300FERNANDES,AntonioScarance.Processo Penal Constitucional.3.ed.rev.,atual.eampl.SãoPaulo:RevistadosTribu-nais,2002,p.50.ReferidoautorevidenciaaidéiageralequivocadadadoutrinanosentidodenecessariamenteterqueserdesigualarelaçãoentreoEstadoeoinvestigado:“nafaseindiciáriajustifica-sealgumadesigualdadeemfavordoEstado,afimdeserealizarmelhorcolheitadeindíciosarespeitodofatocriminoso.ÉoquedizJimenezAsenjo,emtrechocitadoporTourinhoFilho:‘ÉdifícilestabelecerigualdadeabsolutadecondiçõesjurídicasentreoindivíduoeoEstadonoiníciodoprocedimento,peladesigualdaderealqueemmomentotãocríticoexisteentreumeoutro.Desigualdadeprovocadapelo
92
juizinstrutoreoinvestigado.ODireitopátrio,emfacedoprincípiodaparidadedearmas,nãopermiteaatuaçãodojuizinstrutor.
Asdesvantagensdeumjuizjáatuantenafasepreliminarconstituemvíciosestruturaisqueafrontamosprincípiosconstitucionaise inerentesaopróprioprocesso.Ao titularizarasinvestigaçõesdoinquérito,omagistradoperderiaasuaimparcialidade,oqueafetariaaprópriajurisdição301.
QuantoàpossibilidadedeoMinistérioPúblicodirigirasatividades investigatórias,combenefíciosincomensuráveisàacusação,restaria,comcerteza,feridooprincípiodaparida-de de armas no processo penal. A função parcial do Parquet,quedecorredesuapróprianature-zacomoórgãodeacusação,dificilmenteseriaafastadaquandoesteatuassenasinvestigações,quandooapuradordofatoedaautoriadevesertotalmenteimparcial.
Deinício,cumpredestacarqueoMinistérioPúblicoéórgão,pornatureza,parcial.Napráticajudiciária,agrandemaioriadospromotoresinsisteatéofimnoprovimentodaaçãopenal,aindaquenadasetenhaproduzidoduranteoprocesso.Éaincorporaçãodalitigiosidadetípicadeumalide,que,entretanto,comovistoanteriormente,nãodeveriaexistirnoprocessopenal.
Muitasvezes,tentaatémesmovaler-seapenasdoinquéritopolicial.Aoatuarnafasedeinquérito,orepresentantedoMinistérioPúblico,aoinvésdesedespirdesuaparcialidade,atempotencializada,eisquesuaatuaçãofuncionaltambémvisariaserútilàaçãopenal,oquepoderiagerarabusos.Asalmejadasceleridadeeeconomiaprocessual,comcerteza,atentariamcontraaigualdadeprocessualdossujeitosprocessuais.
Nãosubsisteoargumentodequeaatividadepréviaàaçãopenaldeveestaracargodotitulardaaçãopenal.Umdosobjetivosdoinquéritopolicialéjustamenteevitaraaçãopenal,eisqueservedefiltroprocessual,evitandoaçõesinfundadas.Seadesigualdadeentreacusaçãoedefesanoprocessojáédescomunalduranteoprocessopenal,emqueháocontraditório,oqueteremosseessadesigualdadetambémseestenderàinvestigaçãopreliminar?
Asdesvantagensemseadotarosistemadopromotorinvestigadoroudojuizinstrutorsão estruturais e não encontram guarida na Constituição Federal.
JánoqueserefereaosistemavigentenoBrasil,odoinquéritopolicial,asdesvantagensapontadas,sãodeordemeconômica,socialouhumana,quepersistiriamemcasodealteraçãodoórgãoinvestigador.Comefeito,adiscricionariedadenaseleçãodascondutasaseremperse-guidasseriaamesmaseainvestigaçãofossedirigidaporumjuizoupromotor,vistoqueesses,dequalquerforma,tambématuariamsegundoacolaboraçãodoinvestigado,intensificandoasinvestigaçõessegundoagravidadedoscrimes,maiscondizentescomaspráticasdelitivasdasquaisasociedadenãoexigeumarepressãomaissevera.Opoderaquisitivodoacusadonãointer-feresónainvestigaçãopreliminar,étambémbastanteevidentenainvestigaçãopreliminar.
própriocriminoso.Desdequesurgeemsuamenteaidéiadocrime,estudacautelosoumconjuntodeprecauçõesparasub-trair-seàaçãodaJustiçaecolocaoPoderPúblicoemposiçãoanálogaàdavítima,aqualsofreogolpedasurpresa,indefesaedesprevenida’..”
301FERNANDES,AntonioScarance.Processo Penal Constitucional.3.ed.rev.,atual.eampl.SãoPaulo:RevistadosTribu-nais,2002,p.125.
93
Noqueserefereàsdesvantagensdaperseguiçãopolítica,danão-existênciadocon-traditório,bemcomoodenãoatenderàsnecessidadesdopromotor,pode-sedizerqueoin-quéritopoliciallongede,emtese,terqueatenderàsnecessidadesdopromotor,temreferidoprocedimentooescopodetentarreconstituirumaatividadetidapordelitiva,aindaquenenhu-maautoridadeouautoriaresultemmaterializadasnainvestigação.Aaplicaçãodoprincípiodocontraditóriojánafasepreliminarénecessidadeimperativaenãodependedamudançanatitu-laridadedainvestigação.Asperseguiçõespolíticaspodemseevitadascriando-se,porexemplo,umapolícianãotãovinculadadeformapolíticaaoPoderExecutivo.Poderiasercriada,porexemplo,afiguradodelegadonatural,entendendo-sequeissosignificariaatribuiraotitulardoinquéritopolicialainamovibilidade,aimparcialidade,irredutibilidadedevencimentoseinde-pendência funcional.
Temos,assim,queasautoridadespoliciais,emboranãosejampartesnasfuturasaçõespenais,nãoestãodestituídasdelegitimidadepararequerermedidas“cautelares”aojuiz,taiscomopedidosdebuscaeapreensão,demonitoramentotelefônicoouatéderestriçãodaliber-dadeindividual.Taismedidastêmcomoescopomaiorrealizarainvestigaçãoemsedepréviaàfasejudicial,sendo,naverdade,atosinvestigativos.Nãosóparagarantirafuturaaçãopenal,oferecendosubsídiosparaomembrodoMinistérioPúblico,mas,também,paradaraprontarespostadoEstadoemrelaçãoàspráticascriminosas,desestimulandonovascondutasqueaten-temcontraaordemjurídicapenal.
Emboradêsubsídiosparaaacusação,oinquéritopolicialtem,ainda,afinalidadedefiltrarasfuturasaçõespenais,tendoemvistaqueoprocesso,emsi,nãodeixadeserumapenapara a pessoa a ele submetida.
Apesardeseafirmarconstantementeque,noinquéritopolicial,nãohácontraditório,naprática,osdepoimentoseosdocumentosapresentadospeloinvestigadopodemdeterminarorumodeumainvestigação,atémesmolhebeneficiando.
Entretanto,háaspectosquedevemserrepensadosparaquesetenhaumaatuaçãocon-dizentedaPolícia Judiciária.Nãodevemosnosesquecerdequeháumhistórico imensodearbitrariedadespraticadaspelaPolícianaépocadaDitadura.Comcerteza,há,ainda,resquíciosquedevemserduramentecombatidos.
PorserórgãodoPoderExecutivo,ainfluênciapolíticaexercidasobreapolíciaterminasendodeterminantenaapuraçãodas investigações.Paracombater talproblema,poder-se-ia,porexemplo,criarumaPolíciatotalmenteindependentedaAdministraçãoPública,queinvesti-gasseigualmenteostrêsPoderes,aexemplodoqueocorrecomoMinistérioPúblico.
Se tanto forconsideradoumautopia,que,nomínimo, secrieafiguradodelegado“natural”quenãocorraoriscodeserremovidoquandoseinvestiguealgoquecomprometainteressespessoais,financeirosoupolíticos.Poroutrolado,apresidênciadoinquéritopolicialdeveriaserinafastáveldaautoridadepolicial,gozandodeumaautonomiafuncional,impedin-do-se,assim,aredistribuiçãoaleatóriae“semmotivos”doinquéritopolicial.
94
Poroutrolado,paracoibirosabusos,poderia,sim,omembrodoMinistérioPúblicointimar os investidos em cargos de Polícia Judiciária para apurar eventuais crimes cometidos porestes,devendo,portanto,serabrandadooentendimentodoSTF302,noparticular.ASupre-maCorte,analisandoapossibilidadedeoMinistérioPúblicointimarumdelegadoparaprestardepoimento,destacouaimpossibilidadedetalmedida.
SeoMinistérioPúbliconãotemlegitimidadeparainvestigar,porsipróprio,alguémacusadodefatodelitivo,omesmonãosedigaseoautordofatodelitivoformembrodapolíciajudiciáriaematuaçãofuncional.
Issoporque,emboraentendamosqueoMPnãopoderealizar,emgeral,investigaçõesstricto sensu emfacedasuaparcialidade,quandose tratardecontroleexternodaatividadepolicial,nostermosdoart.129,VII,daCF/1988,nãosedevedeixaraapuraçãodecrimesco-metidosporpoliciaisacargodaprópriapolícia.Assim,deveseatribuiraoMinistérioPúblicopoderesdeinvestigação,quandoosujeitopassivodainvestigaçãoformembrodoórgãopoli-cial,evitando-se,assim,oscorporativismoseacobertamentodepráticaspoliciaisespúrias.
Ocontroleexternopodeserefetivadomediantefiscalizaçãodasatividadesdepolíciajudiciária,nosentidodesecorrigirfalhasnocumprimentodasregrasqueincidemsobreacon-duçãodosprocedimentos.Assim,conseguir-se-iaalcançaroobjetivodecontrolareavaliar,deformapermanente,aatuaçãodasautoridadespoliciais,buscandoqualidade,eficiênciaeeficá-cia,alémdeseevitarabusos.
Assim,alémdascorreiçõesformaisqueocorrem,hánecessidadedesedeslocaralgunsmembrosdoMinistérioPúblicoparaatuardentrodasprópriasdelegacias.Oabandonodaburo-craciadapapeladaconstantedoinquéritopodesersubstituídapelo“cheiro”dopresoedasro-tinasinternasdapolícia.Isso,porsisó,jábastariasemquefossenecessáriaqualquermudançaemtitularidadesobreainvestigaçãopolicial.Atão-sópossibilidadedeumafiscalizaçãodiretaepermanentedeumórgãoexternoàatividadepolicialjáreduziriaemmuitoosabusos.
IssodariaforçaàassertivadeAuryLopesquandoafirmaque,“muitomaisimpor-tantedoquedecidirquemvaifazerainquisição(MPouPolícia),estáemdefinircomoseráainquisição”303,quandooautordestacaqueopontocentraldadiscussãodeveriaseradefini-çãodojuiznainvestigação,aredefiniçãodaprevençãoprocessual,adefiniçãodoqueseriaocontroleexternonaatividadepolicial,oprazomáximodainvestigação,asituaçãojurídicadoinvestigado,aexclusãofísicadosautosdoinquéritodedentrodoprocesso,oalcancedosegredodainvestigaçãoeadefiniçãodosrequisitosdoincidentedeproduçãoantecipadadeprovas.
Assim,ganhamnecessidadededestaqueponderaçõessobrea investigaçãoconside-randoosrumosdasociedadeatual,comatuaçãodestacadadainvestigaçãotécnica.Éoquesefará a seguir.
302Resumonoticiadonoinformativonº314doSTF,combasenoRHCnº81.326.Disponívelem:http://gemini.stf.gov.br. 303LOPESJR.,Aury.a opacidade da discussão em torno do promotor investigador (mudem os inquisidores, mas a fo-
gueira continuará acesa).BoletimdoIBCCRIM,nº142,SãoPaulo,setembrode2004,p.10/11.
95
3.2 a inserção da tecnologia na investigação
Asvelhastécnicasdeinvestigação,baseadasprincipalmentenaprovatestemunhalenaconfissão,muitasvezesobtidasdeformailegal,estãoperdendoespaçoemfacedasnovasformasdematerializaçãodaprova.Trata-sedaprovacientíficaque,emboranãovinculeoma-gistrado,emfacedoprincípiodalivreapreciaçãodasprovas,formaimportanteelementodeconvicçãoedebalizamentodasdecisõesdojulgador,evitando-searbitrariedades.
Trata-sedeatividadesquedãoênfaseàinteligênciacomosendoamelhorformadeevidenciar a materialidade e autoria das infrações penais. Trata-se de necessidade imposta em face da própriamodernização das atividades infracionais utilizadas.A informalidade de al-gumasmodalidadesdelitivas,comootráficodedrogaseocrimeorganizado,fazcomqueaestruturadecometimentodosilícitossejamuitomaiscéleredoqueaestruturaburocráticadasorganizaçõespoliciais.
É sabidoqueas atuais sociedades são“tecnodependentes”, eisque seutilizam,emprogressãogeométrica,dainformaçãoedatecnologia,característicasquepermeiamocotidia-nodasfamílias,comunidades,instituiçõesougovernos.Hárelevânciaedestaqueàspessoaseórgãosque,comautilizaçãoderecursostecnológicos,processameinterpretamasredesdeinformações.
São vitais as tecnologias da informação para a implementação das atividades poli-ciais,eisquepropiciamumainvestigaçãomaisprecisa,comreduçãodeerrospoliciais.Issoépossívelemfacedoatualestágiodedesenvolvimentoquepermiteexperimentarpossibilidadesinfinitasdevigilânciasobreodia-a-diadoscidadãos.
Entretanto,háquesedestacarqueousodatecnologiatemseuladopositivoenegati-vo,eisquepodeserusadaparatransformaroscidadãosemprisioneirostecnológicos,oquejáéconseguidopelatécnica,masobstaculizadoporquestõeséticasededireitosfundamentais.OEstadoPolicialnãodeverealizarinvasõesindevidasnavidadaspessoas.Quandonavegamnaredemundialdecomputadores,porexemplo,sejaparaconversações,entretenimento,pesqui-sas,compraseletrônicaseaté“sexovirtual”,seusrastrosdigitaispodemserfacilmenteusadosdemaneiraindevida.Épreciso,assim,definir-sedeformademocráticaquaissãooslimitesdeusodatecnologiaparafinsdeinvestigaçãocriminal.
Acriminalísticatemavançadorapidamentenosúltimosanoseapolíciacientíficajádispõedeumarsenalcientíficomultidisciplinarqueenglobaestatística,antropologia, física,biologia,química,informáticaetc.,todasvisandomaterializareevidenciarosvestígiosdocri-me.Écomum,atémesmoemsériestelevisivas,tomarcontatocomtécnicasdeinvestigaçãoutilizadaspelapolíciacomoosexamesdeDNAutilizadosparaidentificaçãodecriminososevítimas,conseguidosapartirdecabelos,pêlos,oupedaçosdepele.
Osexamesnolocaltêmodifícilobjetivodepropiciaraperpetuaçãodacenadocrime,comacoletadeevidências,natentativadereconstituiçãodadinâmicadosfatos.Paratanto,do-cumenta-seoestadoemqueseencontraolocaleosmateriaisneleconstantes,taiscomoarmas,
96
móveis,piso,paredeseteto.Assim,aanálisedescritivadacenadocrimevisatentarcongelarotempoemquesederamosfatos.
Ganhamforçaabalística,amedicinalegal,adatiloscopiaeaquímica.Esta,porexem-plo,permitequeseverifiqueapresençadesangue,nãovisívelaolhonu,emexamedelocal,combasenautilizaçãodesubstânciachamadaluminol,que,expostaàluzultravioleta,fazbri-lharaspartículasdeferroexistentesnahemoglobina,umaproteínacontidanosangue.Poroutrolado,otrabalhodolegistapermiteesclarecerosdetalhesdofatodelitivo,oqueéconseguidopelarealizaçãodeexamesnoscorposdepessoasvivasemortas,quepermitemdeterminarpor-menores e circunstâncias do crime.
Acriminalísticacensuraeevitaautilizaçãodaprovatestemunhalparaaobtençãodaprovamaterial,fazendo-ocombaseemcritérioscientíficosqueretiramasubjetividadeefragi-lidadedaprovatestemunhal.
Vejamosalgumasmodalidadestécnicasdeinvestigação.
3.3 investigação cibernética
Aredemundialdecomputadores,World Wide Web,compõe-se de um amálgama cola-borativodepessoas,instrumentostecnológicos,empresas,governos,instituiçõesdeensinoqueunificatodooplaneta.
Suahistóriateminícionoiníciodosanos1960,numprojetomilitaramericanoquecriouaArpanet.ReferidaredeseinstalouemváriosCentrosdePesquisaeUniversidadesame-ricanas.Tratava-sedeumprojetodoDepartamentodeDefesanorte-americanoque,aospoucos,migrouparaaáreaacadêmica.Nosúltimosanos,suautilizaçãoparafinscomerciais,financei-rosedecomunicação,oquetornaaInternetamaiorrededetelecomunicaçõesdomundo.
NoBrasil,oacessoà Internet começouem1990pelaRedeNacionaldePesquisas(RNP),queligavaasprincipaisinstituiçõesdeensinodoPaís.Em1995,comofimdomono-póliodaEmbratel,queeraoúnicoprovedor,surgiramdiversasempresasprivadasdisputandoosetor.Atualmente,paraumusuárioseconectaràrede,bastaterumacessodiscadooudebandalarga,podendo,paratanto,seremutilizadasplacasemnotebooksquepraticamentepermitemoacessoàinternetdeváriaspartesdoglobo.Asconexõessãointerligadasporcomputadoresligadospelaslinhastelefônicas,viacabosdecobre,fibraótica,viasatéliteourádio.
Ohomemémovidopelaânsiadesecomunicarsemqualquerbarreiradetempoouespaço.Éomundoglobalizado,emqueaspessoasestãopróximasumasdasoutrassemperdersuaindividualidade,combaseemumatransmissãodeconhecimentosdemocráticos.Atrocadedadosentreoscomputadoresconsisteemumateiainfinitadeinformações.Assim,nagrandetotalidadedoscasos,ocomputadorestáassociadoàliberdadedaspessoas.
Tal ambiente propiciou o surgimento dos chamados crimes cibernéticos, que, pornãoselimitaremaquaisquerfronteiras,baseiam-seprincipalmentenoanonimatodosusuá-
97
riosenasinfinitaspossibilidadesdeseutilizararededeconexãomundialdeformaespúria,com total ausência de necessidade de deslocamento no espaço para tanto. Os referidos crimes podematingir,deformasimultânea,milhõesdepessoasemdiversospaíses,comprejuízosincalculáveis.
Assim,oscrimesditoscibernéticossãomodalidadesdecrimesquepodemserprati-cadosporcomputador,quandoseutilizaparaapráticadelitivaoespaçodaredemundialdecomputadores.Comoexemplodecrimesmaiscomunsejáclássicosperpetradospelarede,tem-seaexploraçãosexualdecriançaseadolescentes,oquesedápormeiodepublicaçãodeimagenspornográficasenvolvendo-os;oscrimescontraahonra304,queencontramnaredeformaidealdeatingir terceiroseaprópriavítima;osdelitosdelavagemdedinheiro,frau-desediversosoutros.Referidoscrimespodemserpraticadostambémforadaredemundialdecomputadores,oque lhesconferea terminologiadecrimescibernéticos lato sensu. Via computador,porexemplo,podemserpraticadasdiversasmodalidadesdecrimescomuns:1)furtos (art. 155 do CP) de softwares instaladosnocomputador,sendoquehámodalidademaisespecíficadotratamentodetalcondutaemfacedaleideproteçãocontraapirataria;2)danos(art.163doCP),queocorremnoscasosemqueoagentevisaàdestruição,àinutilizaçãoouàdeterioraçãodecoisaalheia,nocasoespecífico,computadores,periféricos,informaçõeseossistemas,e3)estelionatos(art.171doCP)praticadosviacorreioeletrônicoousitespiratas,quetentamludibriarousuário;4)vendadetóxicos(art.33daLeinº11.343/2006);5)racismo(Leinº7.716/1989);6)apologiaaocrime(art.287doCP);7)calúnia(art.138doCP),injúria(art.140doCP)edifamação(art.139doCP);8)ameaça(art.147doCP);9)formaçãodequadrilha(art.288doCP),dentreoutros.
Hátambémosdenominadoscrimescibernéticosstricto sensu,que
não poderiam ser cometidos sem a utilização do espaço cibernético, comoterrorismocibernético,acessosemautorizaçãoasistemasdecomputador,dis-seminaçãodeprogramasmaliciosos,cyberstalking e outros305.
Sãoutilizadosdiversostiposdeataques:1)correioseletrônicos(e-mail),que,pormeiode um scriptespecial,ohackerécapazdeenviarumamensagememnomedeoutrapessoa,fazendo-sepassarporessa;2)ataquearedesinternasdecomputadoresdeumadeterminadaempresavia rede telefônicada empresa;3) invasãode companhias telefônicaspormeiodeprogramasquepermitemfazerligaçõestelefônicasparatodooglobosemqualquercustoparaohacker;4)introduçãodevírusquetêmoobjetivodedestruirinformações,arquivos,programaseprincipalmentetornarocomputadoralheioeinoperante;5)falsificaçãodecartõesdecrédito,comointuitodeseauferirvantagensfinanceiras;6)mail-bombs:utilizadospeloshackers para
304http://www.youtube.com/watch?v=fRSriTFj5VQ&NR. 305SILVA,PauloQuintilianoda.Crimes cibernéticos e seus efeitos multinacionais.RevistaPeríciaCriminal,Brasília,AnoV,nº17,janeiroajunhode2004,p.26.
98
congestionar e efetar o recebimento e envio de e-mails;7)instalarprogramas“cavalo-de-tróia”,que,aparentemente,sãoprogramascomuns,masquecapturamsenhas;8)criaçãodebackdo-ors,quesãoprogramasprojetadosparaseinfiltraremumsistemaanfitrião,permitindo-seoacessodeusuáriosremotos,dentreoutrosatos.
Aautoriadelitivatemdivisãoehierarquiapróprias:1)Hacker:éapessoaquepossuigrandepoderdeanálise,compossibilidadedefazer,literalmente,oquequisercomumcompu-tador,sendo,normalmente,programadores,web-masters,pessoasqueversadassobreatecno-logiadainformática,descobremeexploramasfalhasdossistemas,criandovíruseprogramasinvasivos;2)Cracker: a diferença destes para os hackerséqueparaocracker,énecessáriodeixarumavisodequeamáquinaousistemaforainvadido,podendoamensagemvariardesdeumsimplesavisoatéadanificaçãoouaniquilaçãodesistemas;3)Phreaker:especializadoemtelecomunicações,dominaoconhecimentosobreatecnologiadostelefones,celulares,boxes,modens,escutas,utilizaçãodelinhastelefônicas;4)Warezs:especializadosemelaborarpro-gramas que retiram as proteções dos softwares comerciais, descobrindo os números seriaisdos referidos softwares parafinsdepirataria;5)Carders:aespecialidadedesteséafraudeemcartõesdecrédito,comautilizaçãodeprogramasgeradoresdenúmerosdecartõesdecréditoeobtençãodedadospessoaisdeclientes,usam-noparadiversascomprasnainternet;6)Wor-mes:especialistasnaconstruçãodevírusdisseminadospelainternet;7)Lamers:calouros,quesempráticaouconhecimentossuficientesparapráticasmaisousadas,exibem-senainternet;8)Arackers:maioriaabsolutanomundocibernético,fingemseremousadoseespertos,planejandoataquesmirabolantesaempresaseórgãosgovernamentais,fazendoreuniõesviainternet,sem,contudo,conseguirqualqueraçãomaisefetiva;9)Wannabe:éadesignaçãoparaosusuárioscomníveldeconhecimentoinferioraodoshackers,mascomconhecimentosuperioraodeumusuários comum.
Jáébastantecomumarealizaçãode transferênciasbancárias,compras,eletrônicas,pagamentodetributos,taxas,impostos,comdadosdeusuáriosobtidosdeformafraudulenta,simulando-sesítiosde lojas,órgãosgovernamentais306e instituiçõesfinanceiras,oquesedápormeiodechamadoscomoooferecimentodecréditofácil,relacionamentoseviagens.Aoseacessar tais sites,háotranspasseparaocomputadordavítimadeprogramasaptosacaptaremosdadosrelevantesdoofendido.Écomumapráticadequadrilhasqueenviamfalsasmensa-gensdebancosepedirinformaçõespessoais,comonúmerodecontaesenhasdeacesso.
O tãodifundidousodocorreioeletrônicoestápassívelde recebervírusque fazemcomqueamáquinafiqueenviandodadosaoutrosendereçoseletrônicos,funcionando,muitasvezes,comodisseminadordoprópriovírus.RecebemtambémosSpam,mensagensindesejadasdepessoasnãoconhecidasqueobjetivamvendadeprodutos.Há,ainda,osHoax,boatosquedisseminaminformaçõesnãoverdadeiras,solicitandosejaamensagemtransmitidaaummaiornúmerodepessoas,potencializandodeformageométricaacontaminação.
306Notícias veiculadas na própria rede sobre tais práticas: http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u15398.shtml.
99
Dessaforma,ocriminosotemaseudisporumnúmeroimensodemáquinasquenãopossuemadevidaproteção,usando-asparainstalarprogramasquepassamafazercomqueaprópriamáquinareceptoradoprogramapasseaagirsozinha,podendo,deformaininterrupta,ficar enviandomensagens e coletando informações de outros computadores, o que dificultasobremaneiraemuitasvezesinviabilizaorastreamentodeinformaçõesquepossamlocalizarocriminoso307.
Apedofiliaéapornografiainfantil,quetambémpodeserpraticadacomousodainter-net,pormeiodoenviodefotospornográficasenvolvendocrianças.Ospedófilosobtêmasfotosexibidasnaspáginasdainternet,pormeiodereproduçãodefotosdasrevistaspornográficasvendidassemqualquercontrole,oumesmodefotosadquiridasporaliciamentodecriançaspo-bres,meninosderua,comoferecimentodevantagensfinanceiraseatémesmomontagensfeitasentreumaouváriasfotos,gerandoumafotoemqueapedofiliaseaplica.
Aoladodapedofilia,écomumousodainternetparaapráticadecrimessexuaisco-muns,comooestuproeoatentadoviolentoaopudorpraticadoscomviolênciapresumida.O“correioeletrônico”semostroumeiohábilparaaaçãodeadultosadoradoresdoCybersex,istoé,sexocibernético,quantoàinduçãodepráticassexuaiscomcriançaseadolescentes.Deinício,sãorealizadasdiversasconversassexuaisviacomputador,sendomaisabundanteseintensasacadadia.Passoseguinte,oadultomarcaencontroscomosjovensparafinsdeencontrosnointuitodesepraticaratossexuais.
Oscomputadorestambémsãoutilizadosparafinsdeviolarosdireitosautorais.Esteéodireitoexclusivoquetemoautordeobraliterária,científicaouartística,deareproduzireexplorareconomicamenteenquantoviver, transmitindo-aaseusherdeirosesucessores,comumprazoestabelecidoemleiprópria.
Apropriedadeintelectualeodireitoautoralsãoameaçadosemfacedatecnologia,quepermitecópiasperfeitas,enquantoainternet,semfronteiras,propiciarápidadisseminaçãodascópias,semcustodedistribuição.Umsimples“clique”nomouse pode colocar a obra copiada ao alcance de centenas de pessoas.
Diantedafacilidadequequalquerinternautapossuiparacopiarinformaçõesdainter-net,oplágioéalgocorriqueiro.Arepublicaçãodeobraqueestádisponívelnainternetéfatocomum,trazendoprejuízosenormesparaeditoraseautores.Poroutrolado,oacessoàinforma-çãoéuniversal,oquefazcomqueassuntoexposiçãoviainternetdeobrasliteráriaseartísticassejapordemaiscomplexas.
A pirataria de softwares,poroutrolado,constituipráticailícitacaracterizadapelare-produçãoouusoindevidodeprogramascomputacionaissemqualquerautorizaçãodotitulardaobra.Aqui,osagentes,emtese,delitivos,são,emprimeirolugar,ospequenosusuáriosde
307 Atítulodeexemplodeutilizaçãodecrimescibernéticos,podemseracessadasosseguintessitesquedestacamaooperaçãocavalodetróiaquedesbaratouquadrilhadehackersqueuiliziandoovírustrojanlesaraminúmeraspessoasedesviarammilhões de reais: http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u86250.shtml; http://info.abril.com.br/aberto/info-news/112003/06112003-3.shl.
100
computadoresemsuasprópriascasas,quematerializamapirataria individual.SãoseguidosporempresasprivadasepelopróprioPoderPúblicoque,sejanaesferafederalestadualoumu-nicipal,podem,inicialmente,adquirirquantidadeinicialdesoftwareslegalizados,que,depois,clandestinamente,sãocopiadosparaoutrosmicros.Trata-sedachamadapiratariacorporativa,queocorrequandosãofeitascópiasadicionaisdesoftwares pelos empregados ou proprietários parausosnasempresas,semqueseadquiramnovaslicençasdeuso.
NoDireitopátrio,hálegislaçãoespecíficadeproteçãoàindústriadosoftware,dadoqueaLeinº9.609/1998incluiuosprogramasdecomputadornoâmbitodeproteçãodosdireitosautorais,sendo,portanto,proibidasareprodução,acópia,oalugueleautilizaçãodecópiasdeprogramasdecomputadorfeitassemadevidaautorizaçãodotitulardosdireitosautorais.
Aprovadoscrimesdeinformáticaébastantedifícil.Mesmoemfacedasquebrasdesigilotelemáticoededadosinformáticos,eisque,mesmoquesedescubraocomputadordeorigem,sãonecessáriosoutroselementosparasecomprovaraautoriadocrime.
Asnovaspráticasdelitivasnainternetestãoaexigirodesenvolvimentodetecnologiasdealtoníveldesegurançaparaascomunicações,comooscertificadosdigitais,senhasinstantâ-neasemomentâneas,averificaçãodaintegridadedosdadostransmitidoseacriptografia.
Os certificados digitais308 funcionam como um documento eletrônico, pormeio doqualdeterminadaentidadeseassociaaumachaveemitidaporautoridadescertificadoras.Jáacriptografiaéaciênciadeseescrevermensagenspormeiodautilizaçãodecódigos,comoobjetivodesecertificaraidentidadedosusuários,osigilodascomunicaçõesedastransaçõesbancáriasecomerciais,bemcomoaintegridadedosprópriosdadostransmitidos309.
Alémdautilizaçãodetecnologiasderastreamento,háaindaaquestãodademocrati-zaçãodarede.Tentativasdeseimplementarlegislaçõesqueobriguemosprovedoresafazeroregistroeoarmazenamentodasinformaçõesnecessáriasàidentificaçãodosinternautasnãosãobemrecebidaspelosprópriosusuários,eisqueasmedidasestãoaatentarcontraapróprianaturezademocráticaedestituídadecontrolediretoporpartedeórgãosestatais.
Oproblemada legislaçãoemumdeterminadopaís tambémnãoresolve,eisqueébastanteusualautilizaçãodeprovedoresnoexterior,notadamenteempaísessemlegislaçãorígidasobreosassuntosdeinternet.Seoinfratorseutilizardenomefalsooumesmodeser-viço de e-mailgratuitofornecidoporempresanoexterior,hásériasdificuldadesparaseiden-tificá-lo,emboracadamáquinaligadaàinternetestejaassociadaaumnúmerodeIP(InternetProtocol),que,
demodosimplificado,pode-sedizerquepossuiduaspartes:aidentificaçãodaredeeaidentificaçãodamáquina.Comoexemplo,podemosterumaredecom254númerosIP,variandode200.10.10.1a200.10.10.254.Issoquerdizerqueessaredehipotéticapossuionúmero200.10.10ecadamáquinaconectadaa
308http://cartilha.cert.br/conceitos/sec9.html#sec9.309 http://cartilha.cert.br/conceitos/sec8.html#sec8.
101
rederecebeumnúmerode1a254.CadaredenainternetpossuiumafaixadeendereçosIPsquelheépermitidautilizar.Essafaixadeendereçossegueopadrãoditoanteriormentededivisãoemredeemáquina310.
Casoousuárioseutilizedeserviçonoe-mailnoexterior,édifícilaobtençãodereferidocadastro,afimdedesencadearresponsabilizaçãopenal.Sãonecessáriascartasroga-tóriasdopaísinteressadonaapuraçãodosfatossolicitandoaquebradosigilotelemático,aseremcumpridasnopaísemqueosdadossãoarmazenados.Referidostrâmitesburocráticossãomorososemuitasvezessequerrealizadosemfacedadiversidadedelegislaçõespenaissimilaresemrelaçãoàdefiniçãodetipospenais,bemcomodeausênciadecooperaçãointer-nacional.Aindaquesecumpramtodosostrâmitesdiplomáticoseburocráticos,emfacedademoranaobtençãodosdadosparaaelaboraçãodolaudo,muitasvezesosdadosnãosãosequerconseguidos,eisqueosprovedoresdeserviçosnainternetmuitasvezesarmazenamos dados por poucos dias.
HáintensodebatenadoutrinaenajurisprudênciasobreosefeitosdainformáticanoDireito.Énotóriooconhecimentodaimportânciadatecnologiaempraticamentetodososra-mosdavidahumanaeosavançossãopromissores.Amáquinapassa,enfim,aserumaextensãodopróprioserhumano.
Hádiversastentativasdesedesenvolveremnovosmodeloslegislativosparaquehajaadequaçãoaoavançodatecnologia,taiscomonovasfiguraspenais,tributárias,comerciais,dedireitosautoraisederesponsabilidadecivilsobreasnovasformasdeutilizaçãodatecnologia.
Aatuaçãoemsedede investigaçãopreliminaraoprocessopenaldeveseadequaràreferidacriminalidade.Istopodeeéefetivadopormeiodeintercâmbioscompolíciasdeoutrospaíses,formaçãotécnicadoefetivopolicial,aquisiçãodeequipamentosdotadosdetecnologiadeponta,taiscomoaperfeiçoamentodossoftwares e hardwaresmaisexistentes,comcursosdecifragem ou decifragem de dados e informações.
3.4 investigação eletrônica
Avigilância eletrônica é temapordemaisgenérico.O tema será abordado sobreoprismadainvestigaçãopolicial,comenfoquenainterceptaçãodascomunicaçõestelefônicas,daidentificaçãocomputacional,bemcomonacaptaçãodasconversasambientais.
Autilizaçãodaescutacomorecursodeinvestigaçãosemprefoitécnicautilizadape-lasatividadesdeinteligênciapolicial.ApartirdaConstituiçãoFederalde1988,amedidain-vestigativapassouadependerde regulamentação,oquesóocorreucomaediçãodaLeinº9.296/1996.
310 PEREIRA. Murilo Tito. Identificação de endereços e usuários na internet.RevistaPeríciaCriminal,Brasília,AnoV,nº18,julhoaoutubrode2004,p.22.
102
Oart.5º,incisoXII,daCF/1988estabeleceque
éinviolávelosigilodacorrespondênciaedascomunicaçõestelegráficas,dedadosedascomunicaçõestelefônicas,salvo,noúltimocaso,porordemjudi-cial,nashipótesesenaformaquealeiestabelecerparafinsdeinvestigaçãocriminal ou instrução processual penal.
Apesardeaexceçãoconstitucionalexpressareferir-sesomenteàinterceptaçãotele-fônica,entende-sequenenhumaliberdadeindividualéabsoluta,sendo,sendopossível,respei-tadoscertosparâmetros,ainterceptaçãodascorrespondênciasecomunicaçõessemprequeasliberdadespúblicasestiveremsendoutilizadascomo instrumentodesalvaguardadepráticasilícitas.
Enquantonãoreguladaporleiahipótesedeinterceptaçãotelefônicadoart.5º,XII,oquesedeuapenascomaediçãodaLeinº9.296/1996,agarantiadosigilodascomunicaçõestelefônicasnãoestavasujeitaarestriçãoconformeentendiaoSTF311.
ALeinº9.296/1996sóadmitea interceptaçãoquandonãohouveroutrosmeiosdeprovascapazesdeembasareventualaçãopenalemrelaçãoacrimesapenadoscomreclusão.Estabeleceuoprazode15dias,renováveis312pormais15dias,sendocomumqueamedidapossadurarmeseseatéanos,emfacedacomprovaçãodenecessidadedecontinuidadeparaasinvestigações,oquemuitasvezesconstituiabusonaviolaçãodosdireitosfundamentais.
Amedidaéutilizadapelapolíciamaiscomomecanismodeinteligênciapolicialdoquecomoformaçãodeprovaparapermitirapersecuçãopenal.Osresultadosdaescuta,consubs-tanciadosnosrelatóriosdetranscriçõesfonográficaspermitemqueapolíciaverifiqueomodus operandidosagentesdelitivosedaliseefetivembuscaseapreensões,filmagens,oumesmoprisõesemflagrante.
Oalvarádeinterceptação,deferidopelomagistradoapósaanálisedopreenchimentodosrequisitosconstantesdalei,determinaamedidainvestigativa,sendoexpedidoofíciodi-retamenteàscompanhiastelefônicasouàsautoridadespoliciaisparaqueessaspromovamocumprimentodasdeterminaçõesjudiciais.Nas telefônicas,emregra,hásetor técnicoparaaexecuçãodamedidaqueinteragemcomosórgãospoliciais.
ALeidasInterceptaçõesdeComunicaçõesTelefônicas,de1996,permite,ainda,are-alizaçãodeexamespericiaisenvolvendomaterialaudiovisual.Aanálisedegravaçõesdeáudioevídeoéfeita,porexemplo,paraseverificarmontagens,gravaçõesilegais,identificaçãodeinterlocutores313,gramposecentraistelefônicasclandestinas.
311(HCnº83.966,STF,AgR/SP,rel.Min.CelsodeMello,23.06.2004).312(HCnº83.515/RS,STF,rel.Min.NelsonJobim,16.09.2004).313MORISSON,AndréLuizdaCosta.Verificação de locutor.RevistaPeríciaCriminalFederal,Brasília, nº 16,Ano IV,novembroadezembrode2003.p.19:“AVerificaçãodeLocutoréobraçodafonéticaforensequebuscadeterminarseasfalasarmazenadasemumamídiadegravaçãoprovêmounãodoaparelhofonadordedeterminadapessoa”,sendoque“nosexamesdeVerificaçãodeLocutorsãocomparadosnumerososparâmetrosacústicosediversasrealizaçõesarticulatóriasdofalante,similaresestatisticamente,extraídosepercebidosapartirdosregistrosdevozperquiridos,osquaispermitemaospe-
103
Emalgumasmodalidadesdecrimesaexemplodeextorsãoeconcussão,muitasvezesagravaçãoeaidentificaçãodointerlocutorsãoasúnicasprovasmateriaisexistentes.
Poroutrolado,aquebradesigilotelefônicoilegal,bemcomoainterceptaçãodecon-versasentreinterlocutoresemreuniõesépreocupaçãoconstanteparaasempresasegovernosquedestinamimensasquantiasparaprevençãocontrataispráticas.Osrequerimentosefetiva-dospelasautoridadespoliciaissãodeferidosmuitasvezessemqualquercritérioobjetivoporpartedomagistrado,oquefazcomqueainterceptaçãoseconstitua,primordialmente,emmeiodevigilânciasmuitasvezesdesnecessáriasesemdirecionamentoobjetivoàsatividadesdein-vestigação preliminar.
Ossistemaseletrônicostambémpermitemaidentificaçãopormeiodabiometriaqueémedidainvestigativaqueganhabastanteforçaemsuasinfinitaspossibilidadesdeutilização.
Trata-sedautilizaçãodepartesdocorpohumanoparafinsdeidentificação.Talsistemasevaledecaracterísticasdocorpohumanoparasepermitiraidentificaçãodeumindivíduo.Alémdajátradicionalidentificaçãopormeiodageometriadapalmadamãoedasimpressõespapiloscópicas,atecnologiapermiteseutilizartambémdeoutraspartesdocorpohumanoparaaindividualização,taiscomooreconhecimentodevoz,leituradorosto,eatémesmoautiliza-çãodaírisdosolhos.
Aimpressãodigital,objetodadatiloscopia314,queéomaisconhecidosistemadeiden-tificaçãobiométrica,utiliza-sedaimpressãodigitaldodedodousuário.Éutilizadotantoparaverificarvestígiosdecrimecomoparaaprópriaidentificação,oquesubstituisenhaseassina-turas.
OBrasiljáseutilizadesistemaAutomatedFingerprintIdentificationSystem,(Afis)–quecapturaimpressõesdigitaisepermiteprocessá-lasestabelecendoumarelaçãocomasim-pressõesjácadastradasdepessoas.Paratanto,osistemarastreiadiversospontosespecíficosnaimpressãodigitalparamontaro“molde”dousuário.
Hátambémautilizaçãodeoutrossistemas,comooreconhecimentodaírisoudorostodousuário.Estes,entretanto,nãosãoutilizadoseminvestigaçõescriminaiscomoodeimpres-sãodigital,eisqueestaformaosvestígiosdeinúmeroscrimes.
Aidentificaçãopormeiodavoztrata-sedemedidabastanteutilizadanacomparaçãodepadrõesvocaispormeiodeanálisesfonéticaseespectrográficas,comoobjetivodeestabe-lecer a identidade do falante.
ritosconcluirquantoàunicidadeounãodasvozescotejadas.Essesparâmetrostécnico-comparativosestãocorrelacionadosàanatomia,àfisiologia,àneurofisiologia,aodesenvolvimentoneurológicoeaoléxicodofalanteepodemserdeterminadospor análises de oitiva e por análises acústicas”.
314TOCHETTO,Domingos.Coordenador.Tratado de perícias criminalísticas.PortoAlegre:Sagra-DCLuzzattoEditores.1995,p.63,apresentaospostuladosdadatiloscopia:“perentidade:osdesenhosdatiloscópicosemcadaserhumanojáestãodefinitivamenteformados,desdeosextomêsdevidafetal;imutabilidade:umavezformadoaosseismesesdevidaintra-uterina,odesenhodigitalnãosemodificadurantetodaaexistência;variabilidade:osdesenhosdigitaissãovariáveisdededoparadedo,edepessoaparapessoa;jamaisserãoencontradosdoisdedoscomdesenhosidênticosempessoasdiferentesounamesmapessoa;classificabilidade:emrazãodenãoseencontrardoisdedoscujosdesenhoscoincidamentresielevandoemconsideraçãoaexistênciadeumreduzidonúmerodetiposfundamentais,eascaracterísticasprópriasquecadaumapresentanaformageraldosdesenhos,épossível,vidaderegra,classificá-los.”
104
Serviçosbancáriosprestadosportelefone,pormeiodautilizaçãodetecnologiasqueanalisamaspectosdafaladocliente,dãoacessoa informaçõesconfidenciaisdousuáriopormeiodereconhecimentodevoz.
Aidentificaçãovocalsedápelagravaçãodavozque,deformatécnica,baseia-senoseguinte:
ossonscaptadospelomicrofonedoaparelhogravadorsãotransformadosemdiminutascorrenteselétricas,amplificadase levadasaumacabeçadegra-vação,naqualafitapassaaumavelocidadeuniforme.Àmedidaqueafitadeslizaanteacabeça,estaimprimeasvariaçõesmagnéticasnaspartículasdeóxido315.
Faz-seafiltragemdegravaçãodeáudio,processamentoanalógicoedigitaldegrava-çõescombaixaqualidadedeáudio,demodoaaumentarseuníveldeinteligibilidade.
Aindacombaseemsistemaseletrônicos,atualmentedispensa-searealizaçãodare-constituiçãodelitivaprevistanoart.7ºdoCPP,quepermiteque“paraverificarapossibilidadedehaverainfraçãosidopraticadadedeterminadomodo,aautoridadepolicialpoderáprocederàreproduçãosimuladadosfatos,desdequeestanãocontrarieamoralidadeouaordempública”.Épossívelsedispensarodepoimentodoinvestigadoemuitasvezesdetestemunhasquandosefazumareconstituiçãocomputadorizada,pormeiodaqualsefaz,emanimaçãográficadecenadecrime,omapeamentodosatosexecutóriosdelitivos.
3.5 investigação nos crimes ambientais
Poluiçãodecorrentederesíduosdaindústria,rompimentodebarragens,desmatamen-to,incêndiosflorestais,danosàflora,extraçãomineralirregular,tráficodeanimaissilvestres,biopiratariaecrimescontraopatrimôniohistóricoeartísticosãoapenasunsdosinúmerosde-litosquesãoobjetodeintensaatividadedepolíciajudiciária.
Osestudoscientíficosdosúltimosanos316 evidenciam o alerta global e demonstram os impactosdoclimasobreaeconomiaemeioambienteglobal,alémdoprópriobem-estardaspopulações de todo o mundo.
Osrecentesfuracões,emboranãosejamatribuídosexclusivamenteàsmudançascli-máticas,comaintensidadecomoestãoocorrendo,evidenciamoalertaglobalparaaatuaçãodanatureza.
315TOCHETTO,Domingos.Coordenador.Tratado de perícias criminalísticas.PortoAlegre:Sagra-DCLuzzattoEditores.1995,p.45.
316 Geo Yar Book 2004/2005. An Overview of Our Changing Environment. Disponível em: http://www.eldis.org/static/DOC17582.htm.
105
Osníveisdedióxidodecarbono(CO2) na atmosfera batem recordes sem precedentes nahistória.Asmudançasclimáticasimpactamasregiõesglaciais,sistemasmarinhos,ecossis-temasebiodiversidadeterrestres,água,plantações,saúdehumanaeeconomia317.
Omundojácomeçaafazeresforçospolíticosparaqueseeviteumacatástrofesemre-torno.Responsabilidadesambientaissãoencorajadasediversosacordosglobaissãoformados.OProtocolodeKyotoestáganhandoforçaeconstanteadesão.
O crescimento de alternativas desenvolvimentistas sustentáveis são promessa e de-safio.
Adestruiçãodoambienteéproblemaquepreocupaepreocuparáahumanidadedu-ranteoséculoXXI,eisqueinfluenciaaprópriaexistênciahumana.Éoproblemaeternodaprecaução em uma sociedade de riscos.
Oalertaparaagravidadedosriscosambientaisfoidadoem1972,emEstocolmo,naConferênciadasNaçõesUnidassobreoMeioAmbienteHumano,quecontoucomaparticipa-çãode114países,emquealgunsdessespaísespregavamo“crescimentozero”paraorespeitoànatureza.Naépoca
oBrasil, empleno regimemilitar autoritário, liderouumgrupodepaísesquepregavamteseoposta,ado“crescimento”aqualquercusto.Fundava-setalperspectivaequivocadanaidéiadequeasnaçõessubdesenvolvidaseemdesenvolvimento, por enfrentarem problemas socioeconômicos de grandegravidade,nãodeveriamdesviar recursosparaprotegeromeioambiente.A poluição e a degradação do meio ambiente eram vistas como um mal menor318.
Atualmente,oBrasileoMundovivemsituaçãoinversa,emfacedaintensapreocu-paçãocomapreservaçãodomeioambiente.Oprincípiodaprecauçãojáconstavadoart.30daCartadeDireitoseDeveresEconômicosdosEstados–ONU,Resoluçãonº3.281/1974:
Aproteção,preservaçãoeamelhoriadomeioambienteparaasgeraçõespre-sentesefuturaséresponsabilidadedetodososEstados.Todosdevemtraçarsuas próprias políticas ambientais e de desenvolvimento de acordo com essa responsabilidade. As políticas ambientais dos Estados devem promover e não afetar adversamente o atual e futuro potencial de desenvolvimento dos países emdesenvolvimento.Todostêmresponsabilidadedevelarparaqueasativi-dades realizadasdentrodesua jurisdição,ousobseucontrole,nãocausemdanosaomeioambientedeoutrosEstadosouzonassituadasforadoslimitesda jurisdiçãonacional.TodososEstadosdevemcooperarnaelaboraçãodenormas e regulamentos internacionais na esfera do meio ambiente.
317ANTUNES,PaulodeBessa.direito ambiental.6.ed.,rev.,ampl.Eatual.RiodeJaneiro:LumenJuris,2002,p.11.318MILARÉ,Edis.direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário.3.ed.rev.,atual.eampl.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2004,p.48.
106
Oprincípiodaprecauçãotambémconstou,em1992,daDeclaraçãodoRiodeJaneirosobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento:
Princípio 15:Afimde proteger omeio ambiente, a abordagempreventivadeveseramplamenteaplicadapelosEstados,namedidadesuascapacidades.Ondehouverameaçasdedanossérioseirreversíveis,afaltadeconhecimentocientíficonãoservederazãopararetardarmedidasadequadasparaevitaradegradação ambiental.
NoDireitopátrio,emfacedacrescenteimportânciadofenômenoambiental,asCons-tituiçõestêmdedicadocapítulosespecíficossobreomeioambiente319,oqueressaltaqueomeioambiente se tornou valor essencial em nossa sociedade320.
Percebe-sequeopoderconstituinteoriginárioalmejoudarumarespostaàproblemáti-caambiental,comomeiodesetentargarantiratodosanecessáriaqualidadedevida.
ParalelamenteàsdisposiçõesdaConstituiçãoFederal,criou-seumanovaordemjurí-dicacontendomecanismoslimitativosdautilizaçãopredatóriadosrecursosambientais.
Emfacedoobjetoespecíficodopresentetrabalho,destacam-seosditamesdo§3ºdoart.225daCF,quedeterminaaopoderconstituintederivadoquecominesançõespenaisaossujeitos,pessoasfísicasejurídicas,queeventualmentelesionemomeioambiente.
Surgiu,assim,aLeidosCrimescontraoMeioAmbiente(Leinº9.605/1998),comnaturezahíbrida,emfacedasnormasadministrativasepenaisnelaconstantes.Osistemadare-feridaleiestabeleceumrolderesponsabilidadesemrelaçãoaomeioambiente,oquerepresentauma nova etapa do Direito Penal321.
319PRADO,LuizRegis.Crimes contra o meio ambiente: anotações à Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998:doutrina,jurisprudência,legislação.2.ed.rev.,atual.eampl.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2001,p.19.
320VejamosoquedestacanossaCartaMagnasobreomeioambiente:“Art.225.Todostêmdireitoaomeioambienteecologi-camenteequilibrado,bemdeusocomumdopovoeessencialàsadiaqualidadedevida,impondo-seaoPoderPúblicoeàcoletividadeodeverdedefendê-loepreservá-loparaaspresentesefuturasgerações.§1ºParaasseguraraefetividadedessedireito,incumbeaoPoderPúblico:I–preservarerestaurarosprocessosecológicosessenciaiseproveromanejoecológicodasespécieseecossistemas;II–preservaradiversidadeeaintegridadedopatrimôniogenéticodoPaísefiscalizarasentida-desdedicadasàpesquisaemanipulaçãodematerialgenético;III–definir,emtodasasunidadesdaFederação,espaçoster-ritoriaiseseuscomponentesaseremespecialmenteprotegidos,sendoaalteraçãoeasupressãopermitidassomenteatravésdelei,vedadaqualquerutilizaçãoquecomprometaaintegridadedosatributosquejustifiquemsuaproteção;IV–exigir,naformadalei,parainstalaçãodeobraouatividadepotencialmentecausadoradesignificativadegradaçãodomeioambiente,estudopréviodeimpactoambiental,aquesedarápublicidade;V–controlaraprodução,acomercializaçãoeoempregodetécnicas,métodosesubstânciasquecomportemriscoparaavida,aqualidadedevidaeomeioambiente;VI–promoveraeducaçãoambientalemtodososníveisdeensinoeaconscientizaçãopúblicaparaapreservaçãodomeioambiente;VII–protegerafaunaeaflora,vedadas,naformadalei,aspráticasquecoloquememriscosuafunçãoecológica,provoquemaextinçãodeespéciesousubmetamosanimaisacrueldade.§2ºAquelequeexplorarrecursosmineraisficaobrigadoare-cuperaromeioambientedegradado,deacordocomsoluçãotécnicaexigidapeloórgãopúblicocompetente,naformadalei.§3ºAscondutaseatividadesconsideradaslesivasaomeioambientesujeitarãoosinfratores,pessoasfísicasoujurídicas,asançõespenaiseadministrativas,independentementedaobrigaçãoderepararosdanoscausados.§4ºAFlorestaAmazônicabrasileira,aMataAtlântica,aSerradoMar,oPantanalMato-GrossenseeaZonaCosteirasãopatrimônionacional,esuautilizaçãofar-se-á,naformadalei,dentrodecondiçõesqueasseguremapreservaçãodomeioambiente,inclusivequantoaousodosrecursosnaturais.§5ºSãoindisponíveisasterrasdevolutasouarrecadadaspelosEstados,poraçõesdiscrimi-natórias,necessáriasàproteçãodosecossistemasnaturais.§6ºAsusinasqueoperemcomreatornucleardeverãotersualocalizaçãodefinidaemleifederal,semoquenãopoderãoserinstaladas.”
321COSTANETO,NICOLAODinodeCastroe;BELLOFILHO,NeydeBarros;COSTA,FlávioDinodeCastroe.Crimes e infrações administrativas ambientais: comentários à Lei nº 9.605/98,2ªediçãover.eatual.BrasíliaJurídica,2001,p.16/17:“percebe-seseconstituiobstáculo,paralevaracontentooobjetivodeprotegerobemjurídicomeioambientesadioe
107
Ostipospenaisconstantesdareferidaleisãoabertos,comutilizaçãodediversasnor-mas penais em branco322,oquesejustificaemfacedamagnitudedomeioambiente.Namaioriadasinfraçõespenaisambientais,ofatoéilícitoporqueoagenteatuousemautorizaçãolegal,semlicençaouemdesacordocomasdeterminaçõeslegais.Oagenteépunidonãoporterpra-ticadoofato,masportê-lopraticadosemantesmunir-sedanecessáriaautorização.Pode-sepoluir,desmataroufazerqueimadas,desdequecomautorização.Isso,emtese,justificadopeloprincípiodaprevenção.Cadavezmais,ocrimeecológicoéconsideradocrimedeperigo,espe-cialmente de perigo abstrato323(noscrimesdeperigoconcreto,aexistênciadoperigodeveserdemonstradacasoacaso;nodeperigoabstrato).
Nainvestigaçãodereferidoscrimes,écorrenteautilizaçãodemeiostecnológicosparaamaterializaçãoeperpetuaçãodaprova.Entreastécnicas,merecemdestaque,emparticular,asdegeoprocessamento,queabrangeosensoriamentoremoto,ossistemasdeinformaçõesge-ográficasedeposicionamentoglobal324.Taistécnicas,quepermitemavisualização,acoleta,aedição,amanipulaçãoeaanálisededadosdenaturezaespacial,tornampossívelaverificaçãodediversostiposdedanosambientais,especialmenteodesmatamento,asqueimadaseoextra-tivismo irregular.
Combaseemtaistécnicas,pode-se,porexemplo,combaseemanálisedeimagensdesatélites,observarosconfrontosdeumapropriedadeagrícola,asáreasdemarcadasàsreservasambientais,ahidrografiaeasdiversasatividadesdaglebaesuaconformaçãocomalegislaçãoambiental.Aanálisedasimagenspermitevisualizaroconjuntodapropriedadecomassuascaracterísticasprincipais,possibilitando-seoplanejamentoeadefiniçãodos levantamentosevistoriasaseremdesenvolvidosnoexamedelocal,quepode,atémesmoserdispensado,oquetemocondãodereduzircustos,alémdeotimizarotrabalhoinvestigativoeotempodes-pendido.
Aanálisetemporaldasimagensdesatélitepermiteaverificaçãodaevoluçãodaco-berturavegetaldeumadeterminadaárea,permitindoseaferirsehouvedesmatamentooureflo-restamento da área.
Asinvestigaçõespreliminaresaoprocessopenaltambémabrangemabiodiversidade,sinônimoderiqueza.Comodesenvolvimentodabiotecnologia,osconhecimentosdospovoslocaissobreaspropriedadesdosseresvivos,especialmentevegetais,transformaram-seempro-
equilibrado,oexcessivoapegoaconcepçõesclássicasdoDireitoPenal,comocertosdogmasdateoriadaculpaoudonexodecausalidade,ou,ainda,princípiosdateoriageraldasprovas.Aproteçãoaomeioambientepornormacriminalnãoestavapresentenocotidianoadoutrinapenalistaquesesedimentounocorrerdosanos,eosobjetivoshojebuscadosporintermédiododireitopenalambientalnãoeramconsideradosquandosesolidificaramasteoriascriminaisacolhidas.”
322FREITAS,VladimirPassosde.Crimes contra a natureza: (de acordo com a Lei 9.605/98). 8. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo:RevistadosTribunais,2006,p.35.
323FREITAS,VladimirPassosde.Op cit., p. 38.324GRIP.WillianGomeseCouto.Clayton.Aplicações do geoprocessamento em perícias de engenharia. Revista da PeríciaFederal.Brasília,nº23,janeiroaabrilde2006,p.18:“atécnicadeSRpermiteobterinformaçõesdasuperfícieda terraàdistância (remotamente),usualmentepormeiode imagensdesatélitese fotografiasaéreas”;“oSIGéumsistemadeinformaçãoemqueobancodedadoséformadoporcaracterísticas,atividadesoueventosdistribuídosespa-cialmente”;“osGPSsãosistemasquedão,portriangulaçãocomsatélites,alocalizaçãodeumpontocomsuarespectivacoordenada”.
108
dutos de grande valor mercadológico325. Dados do United States Office of Tecnology Assesment demonstramquede1986a1990amédiaanualdevendasdeprodutosbiotecnológicosfoideUS$8,5bilhões.
O Brasil possui uma das maiores biodiversidades do planeta. A biodiversidade se cons-tituinavariabilidadedeorganismosvivosdetodasasorigens,compreendendoatotalidadedegenes,espécies,ecossistemasecomplexosecológicos.Aquiseconcentram10%detodasasespéciesdoplaneta,alémdepossuircincodiferentesecossistemas:1)oAmazônico,queocupaaregiãoNortedoBrasil,abrangendocercade46%doterritórionacionaleconsubstanciandoamaiorformaçãovegetaldoplaneta;2)oAtlântico,representadopelaMataAtlântica,hojeres-tritaacercade4%doterritórionacional;3)oCerrado,queocupaaregiãodoPlanaltoCentralbrasileiro, corresponde a 22%do território nacional, possuindo fisionomias variadas, desdecamposlimposaformaçãoarbóreadensa;4)aCaatinga,quecompreendeosEstadosdoNor-destebrasileiro,possuivegetaçãoárida,e5)oPantaneiro,quecorrespondeàmaiorplaníciedeinundação contínua do mundo.
Abiodiversidadeaquiexistenteatraiaatençãodepesquisadoresinternacionaisque,imiscuídosnastribosindígenasdaAmazônia,estudamecompilamplantaseanimais,quesãoenviadosalaboratóriosnoexterior.Aprendemsobreafarmacologiadosíndios,recolhendoes-péciesanimais,mudasesementes,afimdedescobriremosrecursosgenéticosebiológicosdetaisespécies,queapósdevidamentepatenteados,sãoexploradospormultinacionaispoderosas,sobretudo no Japão e nos Estados Unidos.
Deveserdestacadoqueotráficodeanimaiséaterceiraatividadeilegalmaislucrativa,depoisdasdrogasearmas,sendoque,atítulodeexemplo,“umaarara-azulchegaasercomer-cializadaporUS$60milnoJapão,eummico-leão-douradocustaatéUS$20mil.Ogramadoveneno da cobra-coral verdadeira vale US$ 31 mil” 326.
Trata-se da biopirataria327,queconsisteemdesviarorganismosvivosdesuarotaoudeseuambientenatural.Essapráticaédominadapormultinacionaisdepaísesdesenvolvidosquedetêmatecnologiaparabeneficiaramatéria-primaprovenientedasflorestastropicaislocaliza-das,principalmente,noBrasil,Colômbia,MéxicoeIndonésia,paísesricosembiodiversidade.
VandanaShiva, autora indiana,destacaqueapilhagemdanatureza é comparadaàsegundachegadadeColombo328.Ressaltaqueavisãodeprogressosegueumavisãototalmente
325 A revista Princípios(Vol.26–agosto-set-out/92,p.63)divulgaDadosdoFundoInternacionalparaoProgressoRural(Rafi),sediadoemOtawa,Canadá,mostrandoqueascomunidadesindígenaseagricultoresbrasileirosdeixamderecebercercadeUS$3milhõesanuaisreferentesapenasaosdireitosdepropriedadeintelectualqueasindustriasfarmacêuticasedepestici-das não pagam.
326Disponívelem:http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u108742.shtml. 327ConceituaçãodebiopiratariaconformeoInstitutoBrasileirodeDireitodoComércioInternacional,daTecnologiadaInfor-maçãoeDesenvolvimento(Ciited):Biopiratariaconsistenoatodeacederaoutransferirrecursogenético(animalouvege-tal)e/ouconhecimentotradicionalassociadoàbiodiversidade,semaexpressaautorizaçãodoEstadodeondeforaextraídoorecursooudacomunidadetradicionalquedesenvolveuemantevedeterminadoconhecimentoaolongodostempos(práticaestaqueinfringeasdisposiçõesvinculantesdaConvençãodasOrganizaçõesdasNaçõesUnidassobreDiversidadeBiológi-ca).Abiopiratariaenvolveaindaanão-repartiçãojustaeeqüitativaentreEstados,corporaçõesecomunidadestradicionais–dosrecursosadvindosdaexploraçãocomercialounãodosrecursoseconhecimentostransferidos.
328SHIVA,Vandana.Biopirataria.A pilhagem da natureza e do conhecimento.Petrópolis:Vozes:2001,p.10ess:“Noco-raçãodadescobertadeColomboestavaotratamentodapiratariacomoumdireitonaturaldocolonizador,necessárioparaa
109
eurocêntrica,eisquealógicadassociedadeseuropéiaséqueestasdeveramcivilizaros“povosprimitivos”,podendoapropriar-sedabiodiversidadedoterceiromundo,bemcomodosconhe-cimentosmédicostradicionaisdasreferidascomunidades,comusodeplantasmedicinais,eisqueacreditamqueosconhecimentosprimitivospodemsermelhoradospormeiodesuastecno-logiasdeengenhariagenética.
Em1992,duranteaECO-92noRiodeJaneiro,foiassinadaaConvençãodaDiversidadeBiológicaquevisa,dentreoutrosobjetivos,aregulamentaçãodoacessoaosrecursosbiológicosearepartiçãodosbenefíciosoriundosdacomercializaçãodessesrecursosparaascomunidades.
Opoliciamentodasaídailegaldematerialgenéticodopaísecomplexaedifícil.Sãonecessárioscontingentesaltíssimosdematerialepessoalafimdefiscalizarasatividadesilí-citas.Ocontrabandoéatividadedifícildeserevitada.Sãoconstantesasnotíciasdeflagrantesmeramenteocasionaisdecontrabandodematerialgenérico329.
Osbiopiratasaquichegamcomosimplesturistas,cientistasdetentoresdoavalgover-namental,mascompropósitosmuitasvezesescusos.Fazendo-sevalerdacarênciasocialeeco-nômicadeagricultoreseíndios,profundosconhecedoresdosmistérioseriquezasdanatureza,estes,inocentementeorientamaexploraçãoeotráficodemudas,sementes,insetos,etodaasorte de interesses em nossa farta biodiversidade.
AlémdaPolíciaJudiciáriadaUniãoedoIbama,háparceriascomaInfraerovisandoimpediroenvioilegaldematerialgenéticoparaoExterior.
Em2003,aCPIdaBiopiratariafindouseuscurtostrabalhosdestacando,semmuitosresultadospráticos,apenasquealegislaçãodeveriaserendurecida.Assim,maisumavezoDi-reitoPenaléchamadoaresolverosproblemasdasociedade.
salvaçãodocolonizado.NocoraçãodoGATTesuasleisdepatentesestáotratamentodabiopiratariacomoumdireitonatu-raldasgrandesempresasocidentais,necessárioparaodesenvolvimentodascomunidadesdoTerceiroMundo.AbiopiratariaéadescobertadeColombo500anosdepoisdeColombo.Aspatentesaindasãoomeiodeprotegeressapiratariadariquezados povos não ocidentais como um direito das potências ocidentais”.
329Disponívelemhttp://www.biopirataria.org/more.php?id=150_0_7_0_M:“AEmpresadeCorreioseTelégrafosdescobriuqueaempresamultinacionalUnilevertentavaremeterirregularmentematerialemtubosdeensaioparaasededolaborató-rio,localizadonaInglaterra,conformerevelouontemreportagemdoCorreio.APolíciaFederaleaProcuradoriadaRepú-blicainvestigamocaso”;Disponívelem:http://paginas.terra.com.br/lazer/staruck/biopirataria.htm:“Ousadiaecrueldadeenvolveotráficodeanimais,só10%dos38milhõesdeanimaiscapturadosilegalmenteporanonoBrasilchegamasercomercializados,os90%restantesmorrem,muitosporqueémaisfácil,porexemplo,arrancarpenasdeumaavemorta.Parafazerumcocarénecessárioutilizarcercadetrintapapagaiosouararas,porquecadaanimalpossuiapenastrêspenasgrandesebonitas,norabo.Amaioria,noentanto,acabamorrendoporcausadascondiçõesdetransporte.Maletas007etubosdePVCsãoutilizadoparatransporte.Asmaletasforradasdegaiolinhasnasquaissetransportabeija-floreseoutrasavesdepequenoporte.Ostubosservemparaacondicionaravesmaiores.Parafazercomqueelascaibamali,muitasvezeséprecisoquebrar-lhesoossodopeito–oqueservetambémparamanterquietasasquechegamvivasaodestino.Adorasparalisa.Outramaneiradeacalmarabicharadaéinjetar-lhesálcool.Éassimquesefaznormalmentecommacacos,quesãotransportadosdemodomaisestranhos,comoporexemploaapreensãodemicosqueviajavamdentrodegarrafastérmicas.Bichosmaisfrágeis,comorépteis,sãosimplesmentejogadosdentrodemalasdeviajemedespachadoscomobagagemcomum,oquejáprovocousituaçõesinusitadas.MalasapreendidasnoAeroportodeGuarulhoscontinham500sapose200serpentes.Comoapertodafiscalização,tornou-secomumotransportedeovosdeavesederépteisemforrosfalsosdejaquetas”;Disponívelem:http://www.comciencia.br/reportagens/genetico/gen03.shtml:“EntreoscasosdebiopiratarianaAmazônia,odoúltimodia17defevereirochamouaatençãopeloavançotécnicodosmétodosutilizados.OsalemãesTinoHummel,33,eDirkHelmutReinecke,44,forampresosnoaeroportodeManaustentandoembarcarcompeixesamazôni-cosquetêmacomercializaçãoproibida.ComumtipodealumínioinexistentenoBrasilosalemãesrevestiramseiscaixasdeisoporquecontinhamespéciesdepeixes.Issoimpediuqueamáquinaderaios-Xdoaeroportodetectasseomaterial.OflagranteaconteceuquandoaPolíciaFederal(PF)desconfioudaquantidadedeitensdabagagemdosdoiseabriuascaixas,encontrando280peixesde18espéciesdiferentes.”
110
Inclusonoconceitodemeioambiente,opatrimônioculturaltambéméobjetodepro-teção penal.
AUnescodefinecomo
PatrimônioCulturalImaterialaspráticas,representações,expressões,conhe-cimentosetécnicasetambémosinstrumentos,objetos,artefatoselugaresquelhessãoassociadoseascomunidades,osgrupose,emalgunscasos,osindiví-duosquesereconhecemcomoparteintegrantedeseupatrimôniocultural.OPatrimônioImaterialétransmitidodegeraçãoemgeraçãoeconstantementerecriadopelascomunidadesegruposemfunçãodeseuambiente,desuainte-raçãocomanaturezaedesuahistória,gerandoumsentimentodeidentidadee continuidade, contribuindoassimparapromovero respeito àdiversidadeculturaleàcriatividadehumana330.
Assim,ainvestigaçãoéfocadaemrelaçãoaimóveisoficiais,igrejas,palácios,imóveisparticulares,trechosurbanoseatéambientesnaturaisdeimportânciapaisagística,passandoporimagens,mobiliário,utensílioseoutrosbensmóveis.
Poressemotivo,épossívelrealizarumadasmaisimportantesdistinçõesquesepodefazer com relação ao PatrimônioCultural, pois sendo ele diferente das outrasmodalidadesdaculturarestritasapenasaomercadocultural,apresentainterfacessignificativascomoutrosimportantessegmentosdaeconomiacomoaconstruçãocivileoturismo,ampliandoexponen-cialmente o potencial de investimentos.
Aperíciatambéméessencialnaapuraçãodoscrimescometidoscontraopatrimôniohistórico,artísticoecultural,queéobjetodetráficoilícitonacionaleinternacional.Asobrassacras,quesãofontesdahistóriapátria,sãobastantecobiçadasnomercadointernacional.
Eminvestigaçõessobreobrassacrasexistemalgumasfasesquesãocruciaise,juntas,representamametodologia.Emresumo,são:descriçãodoobjeto;análiseiconográficaeiconológica;análiseformal;análiseestilística;análisedoestadodeconservação;análisedatecnologiaedosmateriais(pigmentaçãoesuporte);pesquisadocumentalhistórica;entrevistasediligências;e con-frontocomobjetosjáidentificadosquepossuamsimilaridade331.
3.6 a investigação em fraudes e desvios
Autilizaçãodaengenhariapermiteaverificaçãodesuperfaturamentosemconstruçõesdeprédios públicos, de rodovias, e nas diversas obras de engenharia.Osprocedimentosde
330Disponívelem:http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=10852&retorno=paginaIphan.331LOPES,AlandeOliveira,AcirdeOliveiraJúnior.Novos desafios da criminalísticas. perícias criminais em peças sacras. RevistadaPeríciaFederal.Brasília,nº24,maioaagostode2006,p.24.
111
análisedocumental,levantamentotopográfico,avaliaçãoobjetivadaqualidadedomaterialuti-lizadoeensaioslaboratoriaispermitemaverificaçãodeirregularidadesnaexecuçãodasobras,comoamáqualidadedeexecução,estadodeconservação,descasonautilizaçãodosrecursospúblicos,evidenciandodiversasredesdefraudes.
Aperíciadeengenharialegalverificaosuperfaturamentodeobras,fraudesemproces-soslicitatórios,grilagensilegaisdeterraeirregularidadesemfinanciamentos,crimesinsuscetí-veisdeseremprovadosapenasporprovastestemunhais.
O superfaturamento emprojetos e serviços licitados em relação a preçosglobais eunitáriostemoescopodeseconseguirmargensparadesvios,oquesedápormeiodeutilizaçãodenotasfiscaisfraudulentas,usodemateriaisemquantidadeequalidadeinferioresàsexigidas,oquepodedarcausaàrápidadeterioraçãoderodovias,desabamentosedeslizamentosdeen-costas e barragens.
Asperíciasdeengenhariaenvolvemoexamededocumentoseoexamedelocal.O primeiro pode ser efetivado com a simples confrontação de preços adotados em uma contrataçãoeospreçosmédiospraticadospelomercado.Oexamedecampo,porsuavez,permiteaconstataçãodeutilizaçãodemateriaisemquantidadesouqualidadesinferioresàsprevistas.
Fraudescorriqueirassãoasqueseverificamemdocumentos.Aprovadetaisfalsifi-caçõespodeserconseguidapormeiodagrafoscopia,partedadocumentoscopia,cujatécnicatradicionaléadeidentificarautoriaoudescartá-ladedocumentosmanuscritos.
ApremissabásicadaGrafoscopiaédequeaescritaéindividual:cadapessoairáproduzirumaescritaqueserádiferentedasescritasdequaisqueroutraspessoas,oquetornapossívelidentificaroautordedeterminadaescrita.Essapremissa,atéomomento,foipoucosujeitaatestescientíficos,emboraalgunstrabalhostenhamsidorealizados332.
AGrafoscopiacomparaasescritasquestionadascompadrõesconhecidosdosautores.Trata-sederamodaperíciaqueseutilizadecritériossubjetivosdoperito,oquesempregeroucontrovérsiasepolêmicas.Ultimamente,atecnologiavemfornecendosoftwaresquepermitemoreconhecimentoautomáticodeescrita.
Sãobastantecomunsasocorrênciasenvolvendofalsificaçãodemoeda,oquesedá,auma,pelaestabilidadedamoedaatual,aduas,pelapotencializaçãodatecnologia,queforneceimpressorasdealtaresoluçãoqueincrementaafalsificaçãododinheiropátrio.
Afalsificaçãodemoedaenvolvepessoalorganizadoemredeealtamenteespeciali-zado,sendoqueadivisãode tarefasconsisteemespecializaçõesemartescomputacionaisegráficas,distribuiçãoeintroduçãodamoedafalsaemmeiocirculante.
332HOLLER,MarceloGattelieVILLELA.CarlosAndréXavier.A utilização de escalas de probabilidade nos exames gra-foscópicos e sua margem de erro.RevistadaPeríciaFederal.Brasília,nº21,maioaagostode2005,p.14.
112
Ainvestigaçãocriminalfinanceira,porsuavez,éefetivadapormeiodemovimen-tações bancárias e balanços patrimoniais, tendo comoobjetivomaterializar delitos contra aordemtributária,contraosistemafinanceironacionalecontraaAdministraçãoPública,bemcomodecorrupçãoelavagemdedinheiro.
Acriminalidadeorganizada,queseutilizadegestãoempresarial,emfacedaânsiapelolucrofácil,possuiestruturafechadaemetódica,oque,muitasvezes,dificultaasinvestigações,emfacedaefetivalavagemdecapitais.Lilleydestacaque
aexpressão“lavagemdedinheiro”parecetersurgidonosEstadosUnidos,dadécadade20.Asquadrilhasdaquelaépocaseempenhavamemfazermaisoumenosamesmacoisaqueasquadrilhasdehoje:desvincularosrecursospro-venientesdocrimedasatividadescriminosasemsi.Paraconseguirisso,asquadrilhasseapoderaramdeempresasondeodinheiro“girava”rapidamente–comoaslavanderiaseoslava-rápidos–,passandoemseguidaamisturarodinheiroprovenientedesuasatividadesnefastascomaquelelegalmentega-nho,criandoassimumarazãocomerciallógicaparaaexistênciadegrandessomas333.
Oprocesso de lavagem tem dois objetivos básicos:mascarar o dinheiro obtido deformailícitaeintegrá-loeconomicamenteàeconomia,ludibriando-se,paratanto,governoseempresas,comaconseqüenteutilizaçãodossistemasbancáriosnacionaiseinternacionais.
Para tanto,emumaprimeirafase,oautordepráticasdelitivassedesfazdassomasmonetáriaslevantadas,dividindoodinheiro,porexemplo,emváriasquantias,quesãodeposi-tadasemdiversasinstituiçõesfinanceiras334.Numafaseposterior,mistura-seodinheiroilícitocomfundoslícitos,utilizando-sedeempresasquetenhamumaltogirodecapitalcujasativi-dades,emfacedadificuldadeemcritériosobjetivosparasemensurarofaturamento,dificultaafiscalizaçãodofisco,comomotéisehotéis,cassinos,casasdebingo,factoring,etc.Tambémécomumaaquisiçãodebensmóveiseimóveiscomosfundosilícitos,bensquemuitasvezesserãonovamenteutilizadosempráticasilícitas.
Ocontrabandodedinheiro ilícito tambémémuitoutilizado.Transportam-sefisica-menteasnotasdeumpaísparaoutro,quepossualegislaçãomenosrígidaquantoàutilizaçãode capitais.
Assim,odinheiroconsistenteemproduto ilícitodediversaspráticasdelitivasé re-metidoaoexterior,pormeiode redesorganizadas,pormeiodeoperaçõesquealmejamdar
333LILLEY,Peter.lavagem de dinheiro: negócios ilícitos transformados em atividades legais.SãoPaulo,Futura,2001,p. 16.
334CALLEGARI,AndréLuís.lavagem de dinheiro: estudo introdutório do prof. eduardo Montealegre lynett. Barueri: Ed.Manole,2004,p.49:“Arespeitodesseprocedimento,ensinaFabianCaparrosqueumamaneirahabitualdeamenizarosreceiosdesuspeitadegrandesquantidadesingressadasatravésdeumacontabancáriaéfracionarartificiosamenteoingressonestacontaemváriosdepósitosdemenorquantiaduranteumperíododetempodeterminado,permitindo-sequeseutilizededepósitosemdinheiroeoutrosinstrumentos”.
113
aparênciadelegalidade(branqueamento)decapital335. Há o envolvimento de casas de câmbio clandestina,doleiros,“laranjas”,empresasdefachada,emconjuntocomindivíduosdediversasnacionalidades,queseencarregamdeaberturadecontasemparaísosfiscaiseempresasoffsho-res,empaísesemquealegislaçãosobretributaçãoederepressãoadelitosfinanceirosémaisbrandaouatémesmoinexistente,comoasIlhasCayman,Mônaco,SuíçaeMonserrat.
Écomum,ainda,amaterializaçãodefalsosprêmios,emtese,conseguidosembingos,sorteioseatémesmoloterias,oumesmoosinvestimentosfantasmasemimóveis,oudoaçõesaentidadesfilantrópicasouONGs.
Umafasesubseqüenteàdadissimulaçãoéadaocultaçãodosativos,visando-seque-braracadeiadeevidênciasqueliguemosativosasuaorigemespúria.DestacaMaiaque
estaetapatornou-seextremamentecomplexaedinâmicadiantedacrescentesofisticaçãodosmeiosde telecomunicaçãoedosartefatoscibernéticosquepossibilitamacéleremovimentaçãodeativosfinanceirosemescalamundial.Assim, só pormeio daSwuift podem ser realizadas a cada dia algo como1.600.000transferênciasdocumentadasdefundosecréditoseosistemachips,integradopor122bancos,movimentapordiaativosdaordemdeUS$950milhões336.
Aúltimafasedalavagemconsistenoprocessodeintegração,pelaqualosativosjádevidamente“lavados”regressamàeconomiaformaldopaís.
335BARBOSA,Renato.“lavagem” de dinheiro.RevistadaPeríciaFederal.Brasília,nº14,junhoajulhode2003,p.21:“OBancoCentraldoBrasil–Bacen–expediu,em27defevereirode1969,aCarta-Circularnº5,regulamentandoentreoutrascoisasaaberturaemovimentaçãodecontascorrentes,emmoedanacional,aseremtituladasporpessoasdomiciliadasnoexterior.Buscandoaperfeiçoarocontrolesobreessascontas,maistarde,em10deabrilde1996,oBacenexpediuaCircularnº2.677,queestabeleceuosprocedimentosecondiçõesparaabertura,movimentaçãoecadastramentodamovimentaçãonoSistemadoBancoCentraldoBrasil–Sisbacen,operacionalizadasporessascontastituladasporpessoasfísicasoujurídicasdomiciliadasoucomsedenoexterior,alémdetratarsobretransferênciasinternacionaisemreais.Deacordocomasregrasimpostasporessalegislação,àsmovimentaçõesdevalorigualousuperioraR$10milteriamquesercomunicadasaoBa-cen,sendoobrigatória,ainda,àidentificaçãodaproveniência,anaturezadospagamentoseaidentidadedosdepositantesdevaloresnestascontas.Portanto,apartirdaqueladata,osdepósitosdeveriamserrealizadosnaformadechequesnominati-vos,cruzadosedeemissãodosdepositantesouportransferênciadeoutracontamantidanainstituiçãofinanceira.OBacenpassouaproibirdepósitosemespécieouqualqueroutraformaquefavorecesseoanonimatododepositante.Comamedida,comerciantesparaguaiosdeCiudadDelEste,quetinhamcontaemagênciasdeFozdoIguaçu(PR),nãopuderammaisfazerdepósitosemespécies.Emfunçãodisso,elespassaramaaceitardeseusclientesbrasileiros,queatravessavamaPontedaAmizadeparafazercompras,somenteamoedaamericana.Resultado:aprocurapelodólarprovocouaexplosãodamoedaamericananaregiãodefronteira.Visandosolucionaroproblema,oBacenbaixouumamedidaquedeuorigemaoprincipaldultoderemessailegalparaoexterior,viaaagênciaBanestadodeNovaIorque.Pormeiodeumaportaria,oBacenpassouaautorizarosBancosdoBrasil,doEstadodoParaná,doEstadodeMinasGerais,AraucáriaeRealaacolheremdepósitosemespécieemcontasdedomiciliadosnoParaguaiporintermédiodeagênciascoligadasnoParaguai.AagênciadoBanestadodeFozdoIguaçu,porexemplo,possuíaumacontacoligadaemsuaagênciadoBancoDelParanánoParaguai.Comamedi-da,essaagênciacoligadaficavaautorizadaatransportarosrecursosemcarroforteatéasuaparceiraemFozdoIguaçuque,porsuavez,pormeiodeumaoperaçãodecâmbio,remetiaosrecursosparaopaísvizinho.Algunsmesesdepois,aoolharastelasdemonitoramentodoSisbacen,opróprioBancoCentralpercebeuqueassuasestimativasiniciais,quepreviamummovimentodeUS$7aUS$10milhões/diaemdepósitosemespécierealizadosemcontasdedomiciliadosnoexterior,con-tabilizarammaisdoqueotriplo,ouseja,apurava-seumamédiadiáriaefetivadeUS$28milhões,provenientesdocomérciodeCiudadDelEste.Apartirdestemomento,oBacencomeçouamonitorarofluxodedinheiromovimentadopordiversoscorrentistasnacionaistitularesdecontascorrentesnaspraçasdeFozdoIguaçueCascavel.Essemonitoramentomostravaumatristerealidade.Comaimplantaçãodessenovodispositivolegal,organizaçõescriminosasperceberamquepoderiamusaressascontasCC5parainjetargrandesvolumesderecursosilícitosnomodelocriadopeloBacene,posteriormente,enviá-loparaoexterior”.
336MAIA,RodolfoTigre.Lavagem de dinheiro: anotações às disposições criminais da Lei nº 9.613/98. 1. ed. São Paulo: Furtura,2001,p.39.
114
Referidascondutascaracterizamodelitotipificadonoart.1ºdaLeinº9.613/1998,quepenalizareclusãodetrêsadezanosacondutade:
Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movi-mentaçãooupropriedadedebens,direitosouvaloresprovenientes,diretaouindiretamente,decrime:I–detráficoilícitodesubstânciasentorpecentesoudrogasafins;II–deterrorismoeseufinanciamento;III–decontrabandooutráficodearmas,muniçõesoumaterialdestinadoàsuaprodução;IV–deextorsãomedianteseqüestro;V–contraaAdministraçãoPública,inclusivea exigência, para si oupara outrem,direta ou indiretamente, dequalquervantagem,comocondiçãooupreçoparaapráticaouomissãodeatosadmi-nistrativos;VI–contraosistemafinanceironacional;VII–praticadopororganizaçãocriminosa.VIII–praticadoporparticularcontraaadministra-ção pública estrangeira.
Aatuaçãodeinvestigaçãoemrelaçãoareferidascondutaséfacilitadaquandoseatuanaprimeirafasedalavagemdedinheiro,qualseja,acolocaçãodosativos.Emfacedaproxi-midadecomoscrimesantecedentes,háfacilidadenaobtençãodeprovas.Nessafase,examescontábeispericiaispodemsersuficientesparaseaferiralicitudedasatividadesnegociaisin-vestigadas.Nessafase,
as técnicas de investigação destes tipos de atividades devem privilegiar aanálise de determinados índices contáveis e econômicos dos negócios in-vestigados(liquidez, lucratividade,capacidadeoperacionaletc.),comparan-do-oscomoosdeoutrasempresasatuantesnomesmomercado(Thornhill,1995:104).Atente-seaqueusualmente,nesteestágiodoprocesso,emqueodinheiroaindanãofoipropriamente“limpo”,desvinculadodesuaorigem,équesãomaioresaschancesdedescobrirosesquemasde“lavagem”,porforçadosriscosenvolvidos, inclusive,comamaiorproximidadetemporalcomomomento do crime337.
MuitosEstadosdispõem,parareferidasinvestigações,deunidadesfinanceirasdein-teligência.NoBrasil,háoConselhodeControledeAtividadesFinanceiras(Coaf),criadoem1998,noâmbitodoMinistériodaFazenda,tendoporfunçõesfiscalizar,aplicarsançõesadmi-nistrativas,receber,examinareidentificarocorrênciassuspeitasdeatividadesligadasalava-gemdedinheiro.
Paraaatividadepolicial,éessencialparaaapuraçãododelitodelavagemaformaçãodebancosdedados,ondepossamserarmazenadasinformaçõessobrepessoasfísicas,jurídicase setores da economia suspeitos. Na busca de informações para a alimentação do sistema de
337MAIA,RodolfoTigre.Op.cit.,p.38.
115
dados,sãoutilizadosinformantes,buscasnosbancosdedadosoficiaiseprivados,técnicasdevigilância,monitoramento,quebrasdossigilosfiscais,bancários,telefônicosetelemáticos,in-filtraçãopolicialeanálisedocumental.
3.7 Investigações laboratoriais
Aquímicaforenseéoramodaquímicaqueseocupadainvestigaçãoforensenocam-podaquímicaespecializada,afimdeatenderaspectosdeinteressedarepressãoefetivadapelojudiciário.Compreendeaanálise,porexemplo,dosseguintescampostemáticos:toxicologia,tanatologia,asfixiologia,hematologia,bioquímica,dermatoglifia,semenologiaeanálisefísico-químicainstrumental.
3.7.1 Exames de DNA
Aquímicaforensepermite,pormeiodeexamesdeDNA,identificarautoriadecrimeseanaturezadediversassubstânciasproscritas.
OexamedeDNAsetornouumdosmaisefetivosmeiosutilizadospelapolíciatécnicaparafinsdeelucidaçãodeatividadesilícitas.Sãoutilizadosparadescobrirautoriadelitivafiosdecabelos,manchasdesangue,sêmeneatéguimbasdecigarro338.QualquertipodetecidooufluidobiológicopodeserutilizadocomofontedeDNA339. As amostras biológicas mais comuns encontradasnumacenadecrimesãoosangue,sêmen,cabeloesaliva.
Combasenasprobabilidadesdereferidosexamestornamuitasvezesdispensávelaprovatestemunhal,sendoqueaprovapericial,nocaso,emboranãovinculeojuiz,emfacedeoDireitopátrioadotarosistemadalivreapreciaçãoracionaldasprovas,constituielementodeforteconvicçãoeisqueomagistradopararejeitarumlaudopericial,notodoouemparte,sem-predevefazê-lodeformafundamentada.
338 FEDERAL BUREAU OF INVESTIGATION (FBI). Handbook of forensic services. Disponível em: http://www.fbi.gov/hq/lab/org/dnau.htm.
339BEZERRA,CarlosCésar.exame de dna: coleta de amostras biológicas em locais de crime.RevistaPeríciaCriminal,Brasília,AnoV,nº18,julhoaoutubrode2004,p.6:“QualquertipodetecidooufluidobiológicopodeserutilizadocomofontedeDNA,umavezquesãoformadosporcélulas.Nascélulas,oDNAdeinteresseforenseencontra-setantononúcleocomonasmitocôndrias(emdestaque).ODNAéumamoléculamuitogrande,formadapelauniãodeváriasunidadesmo-noméricasquechamamosdenucleotídeos.Osnucleotídeos,porsuavez,seformampelaligaçãodetrêstiposdemoléculas,sendo:umadeaçúcar(pentose),umadeácidofosfóricoeumaquedenominamosdebasenitrogenada.Existemquatrotiposdebasesnitrogenadas,identificadascomo:adenina(A),guanina(G),citosina(C)etimina(T).AfórmulaestruturaldoDNAéumaduplahélice(duplafita),ondeabasenitrogenadadeumafitaliga-secomumabasedafitacomplementar.Noscasosforenses,somentealgumasregiõesdoDNAsãoanalisadas.EssasregiõesapresentamsegmentosdeDNAquecontêmse-qüênciasdenucleotídeosrepetidasemsérie,tambémconhecidascomoseqüências“intandem”,sendoelas:STR,doinglêsshorttandemrepeats,dizrespeitoaseqüênciasrepetidasquecontêmpoucosparesdebases(pb).Porexemplo(CA)n.Nessecaso‘n’representaonúmeroderepetiçõesdaseqüência“CA”.ObservequeCAtratadaseqüênciadeumadasfitasdoDNAerepresentaasseqüênciasdosnucleotídeos.VNTR,doinglêsvariablenumbertandemrepeats,tratadeseqüênciasrepetidasmaiores.Porexemplo:(GCTGGAGGGCAGGA)n-14pbdecomprimento”.
116
3.7.2 Investigação química em relação aos entorpecentes e substâncias proscritas
AToxicologiaForense,quesebaseianaQuímicaAnalítica,estudaosaspectosmédi-co-legaisdassubstânciasquímicasdanosasaoserhumano,pelasuapróprianaturezaoumesmopelasuaquantidade.
Aanálisetoxicológicatemoobjetivodeidentificarprincípiosativosdeváriasformasdedrogasemedicamentosexistentes,bemcomoosseusteoresdepureza.
Asdrogassãoclassificadas,quantoàorigem,como:a) naturais,porestarempresentesnacomposiçãoquímicadecertasplantasouprodutosnaturais,podendoserextraídasepurifica-daspormeiodeprocedimentosquímicos.Ex.:mescalina,ópio,morfina,cocaína,codeínaetc.;b)semi-sintéticas,porseremobtidasapartirdemodificaçõesquímicasfeitasnaestruturadeprodutosnaturais.Ex.:LSD,ecstasy,heroínaetc.,ec)sintéticas,quesãoobtidaspormeiosesíntesequímicaemlaboratórios.Ex.:anfetamina,barbitúricosetc.
Paraaverificaçãodoprincípioativodosentorpecentes,queprovocamoentorpeci-mento,comaconseqüentediminuiçãodasatividadesgeraisdoorganismo,bemcomodospsi-cotrópicos,queafetamaatividadepsíquica,sãoutilizadasdiversastécnicas,taiscomoaespec-trometria de massa e análise por ativação de nêutrons.
Sãoefetivados,porexemplo,testesquímicosdesolubilidade,inflamabilidade,densi-dadeedepontosdeebuliçãoparaseatestarseasubstânciapericiandaédeusocontroladopelalegislaçãobrasileira,pelaResoluçãonº254daAgênciaNacionaldeVigilânciaSanitária,de17.09.2003.
Sãoidentificadas,porexemplo,substânciascomoocloretodeetila(cloroetano),subs-tânciaorgânicasintética,defórmulamolecularC2H5Cl,comdiversasaplicaçõesemproces-sosquímicos,conhecidanoBrasilcomo“lança-perfume”.Aanálisedesubstânciaspermiteaidentificação,dentreoutras,deanfetaminas,substânciaestimulantecompropriedadessimpati-comimética,conhecidaspor“bolinhas”eópio,látexextraídodovegetalPapayer somniferum Linneu,oupapoula.
HátambémaCannabis sativa L.,plantacujoplantio,cultura,colheitaeexploraçãosemautorizaçãodaUnião,sãoproibidosemtodooterritórionacional,conformedeterminaaLeinº11.343/2006.Dareferidaplantapodeserextraídootetraidrocanabinol(THC),substân-ciacomefeitospsicotrópicosproibidanoBrasil.OusodocloretodeetilaéproscritonoBrasil(ListaFdaPortarianº344-SVS/MS,de12demaiode1998).
No caso da Cannabis sativa L,plantanativadaÁsia,sendotambémcultivadanaÁfri-ca,naÍndiaouemoutrospaísesdeclimatropicaloutemperado,taiscomooBrasil,oParaguai,Colômbia,México,Turquia,ArábiaeIrã.
NoBrasil,amaconhaéutilizadaprincipalmenteparafinsdeconsumointerno,sendoproduzida,notadamente,naregiãoNordeste,nochamado“PolígonodaMaconha”situadonosertãodePernambucoeBahia,àsmargensdorioSãoFrancisco.
117
Denomina-se haxixe a substância resinosa de coloraçãomarrom escura oumesmopreta,extraídadaspartessuperioresdovegetalCannabis sativa Linneu,tambéméconsumidopormeiodecigarrosoucachimbos,misturadosaotabaco.OSkunkresultadocruzamentodediversas variedades de Cannabis,comutilizaçãodediversastécnicasdeplantação,taiscomohiperluminosidade,saturaçãodoambientecomCO2.
OTHC,princípioativodamaconha,estáincluídonalistadesubstânciaspsicotrópicasdeusoproscritonoBrasil,constantedaPortarianº344/1998-SVS/MS.
Referidaplantatementre1e3metros,namaioriadoscasos,cultivadaemlocaissecos,quentesecomamplaexposiçãoaosolefartairrigação,emboraadrogaemsuaformavegetalsejafacilmenteidentificadaquandotrituradaeseca,asplantasfrescasejovenspodemgerardivergênciasemexamespreliminares.Paraaidentificaçãodoprincípioativodaplanta,faz-sereação com Fast Blue B Salt(TestedeDuquenois-Levine)340.
Vem-se tentando desenvolver um programa de erradicação de cultivos ilegais de plan-taspsicotrópicas,mapeando-seasáreasdeincidênciaebuscandoaintegraçãoentreosdiversosórgãosdeintegração,dentreelesaspolícias,Militar,CivileFederale,muitasvezes,asForçasArmadas.
Aquímicatambémpermiteaidentificaçãodacocaína,principalalcalóideextraídodasfolhasdeplantasdogêneroErythroxylum,comunsemregiõesandinasdaAméricadoSul.AcocafoiconsideradaplantasagradapelosincaseaindahojeéusadapelosnativosdaBolíviaedePeru,quemascamasfolhasparacombaterafome,aumentararesistênciaagrandesjornadase suprimir a sensação de medo.
Acocaínapodeseapresentarnaforma“bruta”ou“crua”desubstânciapastosa(pasta-base)decoloraçãopardacentaoupardo-acinzentada,comforteodorcaracterístico,contendocercade30%a70%doteordecocaína.Acocaína-baseconstitui-sedepóamorfodecoloraçãoesbranquiçada,apresentando,emgeral,teordepurezaigualousuperiora90%.Ocloridratodecocaína,pócristalinodecorbranca,apresentapurezaquevariade92%a98%.Ofree-baseéacocaínacomaltoteordepureza.Ocrackéacocaínaemformadepedras,comteordepurezaquepodevariarde70%a90%ea“merla”éacocaínabasequeseapresentanaformadeumapastadecorbranca,comcercade30%a70%depureza,eisquecontémaltoteordeágua.
Referidas substâncias estão relacionadas na Lista de Substâncias Entorpecentes de uso ProscritonoBrasil(ListaF1),constantedaPortarianº344/1998-SVS\MS.
Porpossuiracentuadaspropriedadesanestésicaslocaiseestimulantesdosistemaner-vosocentral,alémdeelevadopotencialparaabusoconstituigraveproblemadesaúde.SegundodadosdaOrganizaçãodasNaçõesUnidas, é a segundadrogade abusomais consumidano
340 SOUZA,DanieleZ,MICHELIN,Kátia,HOLLER,MarceloG.Roteiro ilustrado para identificação morfológica da Canabis sativa.L.RevistadaPeríciaFederal.Brasília,nº24,maioaagostode2006,p.21:“OFastBlueB(BB)éumsalrotineiramenteempregadonostestesparaaidentificaçãopreliminar(testedecor)edefinitiva(comoreveladorparaCroma-tografiaemCamadaDelgada)deC.sativa(...)Emmeioalcalino,oFastBlueB(BB)reagecomoscanabinóidespresentesnaresinadeC.sativa,originandoumacoloraçãovermelho-púrpura”.
118
mundo.Oseuconsumocrônicolevaagrandeaceleraçãodoenvelhecimentoeprofundosdanoscerebraisirreversíveis,dentreoutrosproblemasdesaúde.
AcocaínaéilegalnosdiversospaísesdoMundo.Aplantadacocaécultivadalegal-menteemvolumescontroladosempaísesdaAméricadoSul,maisespecificamentenacordi-lheiradosAndes(Bolívia,ColômbiaePeru).Asfolhasdacocasãolegaisnessespaíses,masasuarefinaçãoéproibida.
Oslaboratóriosclandestinosempregamtécnicasrudimentaresparaorefinodadroga:numburacoabertonosolosãocolocadasasfolhassecasdecoca,quesãomaceradasemque-roseneedepoiscolocadasemtanqueemergulhadasemácidosulfúricoparaacidarosseusal-calóideseformarossaisossulfatosdecocaína,solúveisnaágua.Olíquido,então,éremovidoetratadocomalgumasubstanciaalcalina,comoocarbonatodeamônio,procedimentodoqualseobtémacocaínabase,queésolúvelemdissolventesorgânicoseinsolúveisnaágua.Aquelesprecipitamdesuassoluçõeseformamopóbranco,porseremvoláteisedepoisdealgumtemposeevaporameacocaínaficasemodorcaracterísticodessesdissolventes.
3.7.3. Investigação em relação aos Entorpecentes e substâncias proscritas
Otráficointernacionaldedrogas,principalmentedemaconha,cocaína,heroínaeópiorepresentaatividadebastantelucrativa,sendopraticadapororganizaçõescriminosasarticula-das,quedominamcadaetapadotráficocomníveisdeorganizaçãoempresariais,taiscomopro-dução,comercialização,publicidade,transporte,distribuiçãoevenda.Otráficoenvolveaindaoutrosdelitostaiscomoextorsão,roubos,furtos,crimescontraaadministraçãopública,tráficode armas etc.
O Relatório Anual do Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) para2007,queserefereàsatividadesdoano2006,trazumavisãogeraldasatividadesrelativasaotráficoilícitodeentorpecentes.Osdadosapontamqueacocaínaéconsumidamundialmen-te13,4milhõesdepessoas.AmaiorpartedadrogaéusadanasAméricas,especialmentenaAméricadoNorte,quetem6,5milhõesdedependentesquímicos,oquecorrespondeaquasemetadedademandamundialdadroga.Noqueserefereàmaconha,segundoosdados,oBrasilapresentatendênciadequedanoconsumodamaconha,adrogamaisconsumidanomundo,eisquecercade200milhõesdepessoasausam341.
Ainvestigaçãocompreendeacatalogaçãodediversostiposdeinformações,taiscomoregistrospoliciais e judiciais, cadastrosdeveículos e aeronaves, entrevistas, constataçãodepossíveislaboratóriosclandestinos,rededeinformantes,vigilânciafixa,móveloueletrônica,buscaeapreensões,confiscodebenseerradicaçãodecultivosilícitos.
341Disponívelem:http://www.unodc.org/pdf/annual_report_2007/latinamericacaribbean.pdf
119
Oart.243daCF/1988estabeleceque
asglebasdequalquerregiãodoPaísemqueforemlocalizadasculturasilegaisdeplantaspsicotrópicasserãoimediatamenteexpropriadaseespecificamentedestinadasaoassentamentodecolonos,paraocultivodeprodutosalimentí-ciosemedicamentosos,semqualquerindenizaçãoaoproprietárioesempre-juízodeoutrassançõesprevistasemlei
e,aindaque
todoequalquerbemdevaloreconômicoapreendidoemdecorrênciadotráficoilícitodeentorpecentesedrogasafinsseráconfiscadoereverteráembenefí-ciode instituiçõesepessoalespecializadosno tratamentoe recuperaçãodeviciadosenoaparelhamentoecusteiodeatividadesdefiscalização,controle,prevençãoerepressãodocrimedetráficodessassubstâncias.
NossopaísésignatáriodaConvençãoContraoTráficoIlícitodeEntorpecentesedeSubstânciasPsicotrópicas,aprovadaemViena,Áustria,nodia25denovembrode1988.Refe-ridaConvençãofoiaprovadapeloDecretoLegislativonº162/1991epromulgadapeloDecretoPresidencialnº154,de26dejunhode1991,sendodefinitivamenteincorporadaaoordenamen-tojurídicopátrio342.
Operdimentodebens,efeitosecundáriodacondenação,éatopunitivodecorrentedapráticadeinfraçãopenal,implicandoaperdadebensdoparticularemfavordoEstado,nostermosdoart.92,II,doCP.Osbensconfiscadoscombasenalegislaçãopenalcompõemre-cursosdoFundoPenitenciárioNacional(Fupen),nostermosdaLeiComplementarnº79/1994.Especificamenteemrelaçãoaosbensapreendidosemdecorrênciadotráficodedrogaseconfis-cadospeloPoderJudiciário,estespassamaconstituirrecursosdoFundoNacionalAntidrogas(Funad),nostermosdaLeinº7.560/1986.
Oart.60danovaLeideTóxicos (11.343/2006)estabelecequeo juiz,deofício, arequerimentodoMinistérioPúblicooumedianterepresentaçãodaautoridadedepolíciajudi-ciária,ouvidooMinistérioPúblico,havendoindíciossuficientes,poderádecretar,nocursodoinquéritooudaaçãopenal,aapreensãoeoutrasmedidasassecuratóriasrelacionadasaosbens
342Referidodiplomainternacionaltratadoconfiscoemseuart.5º,estabelecendoque:“1.CadaParteadotarasmedidasneces-sáriasparaautorizaroconfisco:a)doprodutoderivadodedelitosestabelecidosnoparágrafo1doArtigo3,oudebenscujovalorsejaequivalenteaodesseproduto;b)deentorpecentesedesubstânciaspsicotrópicas,dosmateriaiseinstrumentosutilizadosoudestinadosàutilização,emqualquerforma,napráticadosdelitosestabelecidosnoparágrafo1doArtigo3;2.CadaParteadotarátambémasmedidasnecessáriasparapermitirquesuasautoridadescompetentesidentifiquem,detectemedecretemaapreensãopreventivaouconfiscodoproduto,dosbens,dosinstrumentosoudequaisqueroutroselementosaqueserefereoparágrafo1desteArtigo,comoobjetivodeseueventualconfisco;3.AfimdeaplicarasmedidasmencionadasnesteArtigo,cadaPartefacultarseustribunaisououtrasautoridadescompetentesaordenaraapresentaçãoouoconfiscodedocumentosbancários,financeirosoucomerciais.AsPartesnãopoderãonegar-seaaplicarosdispositivosdopresenteparágrafo,alegandosigilobancário.(...)7.CadaParteconsideraráapossibilidadedeinverteroônusdaprovacomrespeitoàorigemlícitadosupostoprodutoououtrosbenssujeitosaconfisco,namedidaemqueistosejacompatívelcomosprincípiosdedireitointernoecomanaturezadeseusprocedimentosjurídicosedeoutrosprocedimentos”.
120
móveiseimóveisouvaloresconsistentesemprodutosdoscrimesprevistosnestalei,ouqueconstituamproveitoauferidocomsuaprática,procedendo-senaformadasdisposiçõesrelativasàsmedidasassecuratóriasprevistasnoCódigodeProcessoPenal.
Referidoartigo,seguindoasdisposiçõesdaConvençãodeViena,estabeleceainversãodoônusdaprova,noqueserefereàcomprovaçãodaorigemlícitadosbens,destacandoque“decretadasquaisquerdasmedidasprevistasnesteartigo,ojuizfacultaráaoacusadoque,noprazode5(cinco)dias,apresenteourequeiraaproduçãodeprovasacercadaorigemlícitadoproduto,bemouvalorobjetodadecisão”eque“provadaaorigemlícitadoproduto,bemouvalor,ojuizdecidirápelasualiberação”.
Enãoésó.Oart.61daleisobcomentopermiteousocautelardosbensduranteasfasesadministrativaejudicialdoprocessopenal,estabelecendoque
mediante autorização do juízo competente, ouvido oMinistério Público ecientificadaaSenad,osbensapreendidospoderãoserutilizadospelosórgãosou pelas entidades que atuamna prevenção do uso indevido, na atenção ereinserçãosocialdeusuáriosedependentesdedrogasenarepressãoàprodu-çãonãoautorizadaeaotráficoilícitodedrogas,exclusivamentenointeressedessas atividades.
Osbensquenãoforemutilizadosnaformaacimareferidapodemseralienadosantesmesmodotrânsitoemjulgadodasentençapenalcondenatória.Éoqueestabeleceo§4ºdoart.62daLeinº11.343/2006,queestabeleceque,apósainstauraçãodacompetenteaçãopenal,oMinistérioPúblico,mediantepetiçãoautônoma,requereráaojuízocompetenteque,emcarátercautelar,procedaàalienaçãodosbensapreendidos.Feitaaavaliação,ojuizdeterminarásejamalienados em leilão.
Cabe, aqui, destacar comomedida investigativabastante utilizadana apuraçãodoscrimesrelativosaentorpecentesaaçãocontrolada,consubstanciadanoretardamentodaprisãoemflagranteatéomomentomaisfavoráveldasinvestigações,evitando-sequeossujeitosativosdoflagranteincorramnodelitodeprevaricação.
IntroduzidanodireitopátriopelaLeinº 9.034/1995,aaçãocontroladaouentregavigiadaconsisteemtécnicapolicialconsubstanciadanoretardamentodaaçãopolicialrepres-sivaemfavordocontroleeacompanhamentodasatividadesinfracionaisatéomomentomaisadequadoàatuaçãopolicial.Oart.2ºdareferidaleidispõeque
emqualquerfasedepersecuçãocriminalsãopermitidos,semprejuízodosjáprevistosemlei,osseguintesprocedimentosdeinvestigaçãoeformaçãodeprovas:(...)aaçãocontrolada,queconsisteemretardarainterdiçãopolicialdoquesesupõeaçãopraticadapororganizaçõescriminosasouaelavincula-das,desdequemantidasobobservaçãoeacompanhamentoparaqueamedida
121
legalseconcretizenomomentomaiseficazdopontodevistadaformaçãodeprovas e fornecimento de informações.
AnovaLeiAntitóxicos(Leinº11.343/2006),porsuavez,estabeleceumplus em rela-çãoaoflagranteprorrogado.Trata-seda“não-atuaçãopolicial”,permitida,medianteautoriza-çãojudicialeouvidooMinistérioPúblico,a
sobreosportadoresdedrogas,seusprecursoresquímicosououtrosprodutos
utilizados emsuaprodução,que se encontremno territóriobrasileiro, com
afinalidadedeidentificareresponsabilizarmaiornúmerodeintegrantesde
operaçõesdetráficoedistribuição,semprejuízodaaçãopenalcabível.
Trata-se referida medida de investigação da constatação da ausência de fronteiras para apráticadocrimedetráficodedrogas,sendoqueospaísestentam,pormeiodecoordenaçãointernacional.Trata-se,muitasvezes,depedidosfeitospelospaísesdestinoaospaísesdetrân-sitodasubstânciaproscrita,paraqueaaçãotenhaeficácia.Alegislaçãopátriaexigequeaau-torizaçãoseráconcedidadesdequesejamconhecidosoitinerárioprováveleaidentificaçãodosagentesdodelitooudecolaboradores,sendoasaçõesefetivadaspormeiodaInterpol.
Para o acompanhamento da droga, pode ser utilizado o acompanhamento policial,muitas vezes infiltrado,medida também autorizada pela novaLeiAntidrogas, que permite,medianteautorizaçãojudicial,ainfiltraçãoporagentesdepolícia,emtarefasdeinvestigação,constituídapelosórgãosespecializadospertinentes.
Amedidada“não-atuaçãopolicial”quandoenvolvetráficointernacional,muitasve-zes,esbarranaburocraciaoqueimpedeoêxitodamedida.Emborasejamedidautilizadaemdiversospaíses,aindaháumlongocaminhoaserpercorridoparaqueatécnicasejapotenciali-zadaeseatinjamaioreficáciaemrelaçãoaotráficoilícitodesubstânciasentorpecentes.
3.7.4 Exame de disparo de arma de fogo
Adetecçãoaeidentificaçãodepartículasoriundasdedisparodearmadefogoéderelevadaimportânciaeminvestigaçõescriminais.NostermosdoDecretonº3.665/2000,aarmade fogo
arremessa projéteis empregando a força expansiva dos gases gerados pela
combustãodeumpropelenteconfinadoemumacâmaraque,normalmente,
estásolidáriaaumcanoquetemafunçãodepropiciarcontinuidadeàcom-
bustãodopropelente,alémdedireçãoeestabilidadeaoprojétil.
122
Resíduosdedisparodearmadefogosãoformadospelaexplosãodaespoletaedefla-graçãodopropelente,alémdosmetaisdoscartuchosedosprojéteis343.
Paraidentificaçãoderesíduosdedisparo,podeserutilizadaaanáliseporativaçãode nêutrons, técnica que “fundamenta-se no fato de que átomos, de diferentes elementos,quandobombardeadospornêutrons,ficamradioativoseemitemradiaçõesgama,radiaçõesestasdotadasdeenergiascaracterísticasparacadaátomo,diferenciadasporumanalisadormulticanal”344.
OMicroscópioEletrônicodeVarredura345permitea identificaçãodediversosmate-riais. é a ferramentamaisfidedignanoque tange à análise de resíduos de tiro, em face dopotencialdecombinarainformaçãomorfológicacomacomposiçãoquímicadosresíduosin-dividualmente.Permiteoexamedeumagamadeamostras evestígios, comoporexemplo:concentraçãodeelementoscomoosangueemroupaseobjetos;detecçãoderesíduosmetálicosemamostrasdetecido,cadávereseemossos;análisedeprojéteisparabuscademicrovestígios,como,porexemplo,vidro,permitindoaconfirmaçãodatrajetóriadedisparodearmadefogo;análisedeobjetosencontradosemcenasdecrimecomimpregnaçõesdetintaprovenientedeveículosautomotores,solo,etc.
343LENHARO,SaraL.R.,QUEIROZ,CarlosMagnoS.,JOST,Marcelo,SATO,EduardoM.Sato,MEINICKE,AndréR.SILVEIRA,AnalLívia.Contribuição à identificação de resíduos de disparo de arma de fogo. Revista da Perícia Federal. Brasília,nº22,setembroadezembrode2005,p.13:“Aidentificaçãodefinitivadeumapartículacomoresíduodedisparodearmadefogo(GunshotResidue–GSR)dependedapresençasimultâneadechumbo(Pb),bário(Ba)eantimônio(Sb)com-pondoamesmapartícula.Ascaracterísticasmorfológicasequímicastambémdevemfornecerevidênciasdequeapartículafoiformadaemaltastemperaturas,porprocessodefusão,sendocompostanomínimopelostrêsmetaisacimamencionados(Pb,BaeSb)”.
344TOCHETTO,Domingos.Coordenador.Tratado de perícias criminalísticas.PortoAlegre:Sagra-DCLuzzattoEditores.1995,p.98.
345PINTO,AndréL.MARTINY,Andrea. implantação de uma rede de microscopia eletrônica para análise de provas periciais.RevistadaPeríciaFederal.Brasília,nº22,setembroadezembrode2005,p.10/11:“OMicroscópioEletrônicodeVarredura(MEV)éumdosequipamentosdemaiorversatilidadenaanálisemicroestruturaldemateriaissólidos,propi-ciandoaanálisequímicademateriaisorgânicoseinorgânicos.(...).AimagemdoMEVéresultadodasinteraçõesentreoselétronseasuperfíciedaamostra.Oequipamentoéconstituídobasicamenteporumacoluna(canhãodeelétrons,sistemadedemagnificaçãoeobjetiva),umaunidadedevarredura,umacâmaradeamostra,umsistemadedetetoreseumdevisua-lizaçãodaimagem.Ocanhãodeelétronséusadoparagerarumfeixedeelétronscomenergiaequantidadesuficienteparasercaptadopelosdetetores.Essefeixeeletrônicoéentãodemagnificadoporváriaslenteseletromagnéticas,cujafinalidadeéproduzirumfeixedeelétronsdepequenodiâmetroefocalizá-loemumaregiãoespecíficadaamostra.Aoatingiraamostra,oselétronsdofeixeinteragemcomosátomosdesta,causandomodificaçãonasuavelocidadeinicial.Comoresultadodestainteração,elétronsdasváriascamadasdaeletrosferadoátomosãoexcitados.Aenergiaperdidapeloselétronsaoatravessaraamostraéliberadadediferentesformas,dependendodotipodeinteraçãoentreoelétronprimárioeosátomosdamesma.Cadaumdossinaisgerados(elétronssecundários,retroespalhados,fótons,raios-X,elétronsAuger,etc.)requerumdetectorespecíficoparasuaaquisiçãoetransformaçãoemsinalelétrico”.
123
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sãobastanteevidentesas influênciasdeumasociedadecomplexanaelaboraçãodoDireitoProcessualPenal,sejanafasepreliminardeinvestigação,sejanafasejudicial,emfacedosurgimentodenovasformasdecriminalidade,queseutilizamdemeiostecnológicos,muitasvezesglobaisededifícilapuração.
A investigaçãopreliminar aoprocessopenal tradicional, que se embasava emumatotalidade nãopodetermaislugaremumEstadoDemocráticodeDireito.Issoporque,funda-mentando-seprincipalmentenaprovatestemunhal,privilegiavaabuscadesenfreadademeiosparaquesematerializarumiminenteprocessojudicial,comaefetivaçãodoexercíciodojus puniendi in concretodoEstado,relegando-seaoinvestigado,namaioriadasvezes,acondiçãodemeroobjeto(dominado).
Aburocratizaçãoestatalnareconstituiçãodosfatos ilícitos,sedistanciadadeele-mentostécnicosdeinvestigação,podedenotarummonopóliodedominação.OEstado,mui-tasvezes,utiliza-sedoinquéritopolicialcomofimdepadronizarcomportamentosbuscandoumaalmejadasociedadeperfeita,sendoocadernoinformativouminstrumentodesegurançapública.Busca-seumacoesãosocialatravés,primeiro,daatuaçãopolicial,depoisdajudiciá-ria,eliminandoo“criminosomarginalizado”ou“estigmatizado”,queprejudicamobem-estardosnãoexcluídos.Paratanto,dá-seênfaseàprovatestemunhal,muitasvezescomprometida,oriundadosdepoimentosdepoliciaisedavítima.Oinvestigado,se“colabora”comapolícia,temumtratamentodiferenciado.Muitasvezesosantecedentesdo,“emtese”,autordosfatosdelitivosjáadiantamoseuindiciamentoounãonafasepolicial,bemcomonanecessidadede sua prisão cautelar.
Oinvestigadocarregaumestigmaperanteasociedade,assimcomoasprostitutas,osviciadosemdrogas,osvadios,oshomossexuais,eosmendigosimpenitentesdasruas.Cons-tituioladoobscurodaordemsocial,sendosermarginaldesviantequenãoseadaptouenãoaproveitouasoportunidadesparaconseguiro“progresso”enãocairna“criminalidade”.
Asociedadenãoficadeforaemtalexclusão.Avingançapormeiodapenaporelaéexercida, sejapela teatralidadeda instituiçãodoTribunaldoJúri,pelasituaçãoprecáriaeabomináveldosestabelecimentosprisionais,oumesmopelatotalsupressãodocontraditórioe
124
ampladefesaemsededeinquéritopolicial,que,muitasvezes,emfacedaexposiçãomidiáticaexacerbada,proporcionaumacondenaçãomaisgravedoqueaquelaadvindadeumasentençapenal condenatória.
Apolíciaeaimprensadizemoqueéverdadeiroouoqueéfalsoduranteainvesti-gação.Seaimprensaescrita,orádioouatelevisãodizemquealgumacoisaéverdadeira,istoseimpõecomoverdadeabsoluta,aindaqueoselementosdematerialidadeeautoriaprecárioscolhidosduranteainvestigaçãocriminalprévianãosejacorroboradaduranteafasejudicial.Anotíciapassaaseraverdade,eisqueoreceptornãotemoutroselementosdeavaliaçãoe,aindaqueostenha,comcertezanãoosexploraemfacedoexarcebadoindividualismo.
Aoserutilizadodistanciadodeelementostécnicos,oinquéritopolicialpodesecon-substanciaremumamaterializaçãodaraivacoletiva,quesempreprotestaemfacedealguémquefujadospadrõesditadospelasocieadade.
Emmeioataisparadigmas,tem-seoinquéritopolicial,procedimentoestatal,ondealgunsatoresprincipais,osPoliciais,PromotoreseJuízes,muitasvezes,sãoconsideradososreaisdefensoresdasociedadecontraacriminalidade,que,naquasetotalidadedoscasos,écompostadosexcluídos,quesofremopesoemuitasvezesainjustiçadeumainvestigaçãocriminal.
Apolícia,comumente,éincumbidaderealizartarefasnãocompletadaspelotrabalhosocial,atuandoalémdocombateàdelinqüência.Pede-sebemmaisaela.Deveresolveraex-clusão e a precariedade social.
Comefeito,atãoalmejadasensaçãodesegurançapública,comoésabido,édireta-menteproporcionalaosinvestimentoscustososefetivadosemeducação,saúdeecrescimentoeconômico.Assim,émaisfácilaoEstadoendurecerpenasarealizarreferidosinvestimentos.
Sobtalprisma,oinquéritopolicialeaestruturaqueocerca,taiscomoasDelegaciaseasprisões,propiciaaoEstadoumaimagemdevigilânciageneralizadadavidacotidiana,comodomíniototaldotempoedoespaço.Éaliquedesembocatudooqueétidopor“pior”denossasociedade.Éali,emtese,adivisadolícitoedoilícito,limiteessequemuitasvezesseutilizadeuma“crueldadebemempregada”,dondeosmaussúditos,quenãoseadaptaramaoprogressodocorposocial,sãodevidamentedoutrinados.
Noinquéritopolicial,deregra,nãosãoobservadasasdeterminaçõesfundamentaisdanossaCartaMagna,qualseja,ofundamentodadignidadedapessoahumana(art.1º),comoobjetivodeconstituirumasociedadelivre,justa,solidária,comerradicaçãodapobrezaemarginalização, promovendo-se o bemde todos, sempreconceitos de origem, raça, sexo,cor, idadeequaisqueroutras formasdediscriminação(art.3º),commaisespaçosparaosexcluídos.
Verifica-sequeasreferênciassupracitadassofremtotalflexibilização,emfacedaatu-açãoostensivanainvasãodaprivacidadeemumprocedimentosemcontraditóriocomooéainvestigaçãopreliminaraoprocessopenal.Paraqueoperigoàmanutençãodostatus quoseja
125
extirpado,oEstadoinvestigadorpossuitotalpermissãoparainvadiraprivacidade,ahonra,adignidade e limitar outros direitos fundamentais.
Percebe-seque,muitasvezes,apolícia,nagestãodasprovas,primeiramentefazumpré-julgamentopara,após,sairembuscadasprovasparasubsidiaraversãopropostaebuscara“verdadereal”,sendoque,conformejádestacado,abuscadestemitoapenasdemonstraapenasafaltadetécnicaquesepodelograraosebuscarsubsídiosparaamaterializaçãodojus puniendi inconcreto,materializando-se,muitasvezes,umdireitopenaldoautorenãodosfatos.
Por outro lado, sabemos da dificuldade em se implementar tais princípios, desdejá,noInquérito.Aequipepolicial,agentes,escrivães,peritosedelegados,responsáveisportransformaromundodosfatosemdireito,estandonalinhadefrentedoescudoqueseparaolícitodoilícito,enfrentandoriscodevidaacadadia,projetam,muitasvezes,noinvestigado,todoopesodadominaçãoquelheséexercida.Éodescasopelasuaatividadeandandojun-tamentecomaresponsabilidadedesero“remédiodetodososmales”.Ésabidoquenessemundonãohálugarespara“santos”,sendoqueopolicialquenãoatueconformeaéticadapolícia,poderáserestigmatizadonaprópriapolíciaepassar,elepróprio,ateracondiçãode“bandido”.
Responsáveispelasegurançaerepressão,ospoliciais,movidosporumsensocomumpenal de proteção, embora armados comdispositivos panópticos, não conseguemconter osdesmandosdeumasociedade injustaedesigual, sendo,por isso,muitasvezesconsideradosculpados.
Noinquéritopolicial,paraabuscadeprovadematerialidadee indíciosdeautoria,utilizam-sediversasmedidasinvestigativas.Énotóriaaênfasequesedáàprovatestemunhal,obtidapormeiodasvítimas, testemunhasepoliciais, alémaconfissãodo investigado,nemsempre obtida por formas legais.
Aliadoaisso,amodernacriminalidadeeasnovastecnologiasutilizadasparaocome-timentodeilícitosfazemquecomquesejanecessáriaautilizaçãodenovasformasdeinvesti-gação,combasenatecnologia.
Trata-sedacriminalísticaque,apartirdeLombroso,FerriyGarofalo,baseia-seemconhecimentosnasdiversasáreastécnicascomofísica,biologia,química,matemática,toxico-logia,informática,interpretandoosvestígiosdasmaisdiversasinfraçõespenais.
APolíciaCientíficatemocondãodeorganizaraatividadepolicialcomoatividadequeconsideraalógicadosacontecimentos,comutilizaçãodediversosmétodosexperimentais.
NoséculoXXI,emfacedavirtualidadeedaaceleração,surgemnovasmodalidadesdedelitosedeinvestigação,baseadosnascaracterísticasdaprópriasociedadecomplexa.Taismedidaspodemserutilizadastantoparaproteçãodasociedadequantoparasemalferirosdi-reitos individuais.
Comefeito,aprovatécnica,muitasvezes,poderelegarasegundoplanoasversõesapresentadaspelosquetomaramconhecimentodosfatospormeiodeseussentidos.
126
Issoporqueaprovatécnicaatuacomoinstrumentodereduçãodedanos,ouseja,dimi-nuiosriscosdosexcessosdesubjetividade,emboranãoanegueporcompleto.Diminui,assim,osubjetivismo,eventuaispaixõeseestigmasquepossamcontaminaraprovaobtida.
Aoselistarasdiversasformasdeinvestigação,suarelaçãocomomomentohistóricoesuaspotencialidades,tentou-seangariarelementosparajustificaralegitimidadedainvestigaçãopolicial,principalmenteseefetivadacombaseemcritériostécnicos.
127
REFERêNCIA BIBLIOGRáFICA
ALMEIDAJÚNIOR,JoãoMendes.o Processo Criminal brasileiro. 4. ed. vol. I. São Paulo: FreitasBastos,1959.
ANDREX,Christopher;GORDIEVSKY,Oleg.KGb – The inside story of its foreign opera-tions from lenin to Gorbachev.Hodder&Stoughton,1990.
ANTUNES,PaulodeBessa.direito ambiental.6.ed.,rev.,ampl.eatual.Riodejaneiro:Lu-menJuris,2002.
BAFFA,Ayrton.Nos porões do SNI – o retrato do monstro de cabeça oca. Rio de Janeiro: Objetiva,1989.
BAIGENT,Michael,LEIGH,Richard.a inquisição. Tradução: Marcos Santarrita. Rio de Ja-neiro:Imago,2001.
BARBERÁ. Francisco Antón. TURÉGANO. Juan Vicente de Luis y. Polícia científica. Volu-menI.Valéncia:Tirantloblanch,1998.
BARBOSA,ManoelMessias. inquérito policial.3.ed.rev.atual.eampl.SãoPaulo:Método,2002.
BARBOSA,Renato.“lavagem” de dinheiro.RevistadaPeríciaFederal.Brasília,nº14,ju-nhoajulhode2003.
BAUMER,FranklinL.o pensamento europeu moderno.V.I,TraduçãodeManuelaAlbertyeArturMorão.Lisboa:Edições70,1990.
128
BAUMER,FranklinL.o pensamento europeu moderno.V.II,TraduçãodeManuelaAlbertyeArturMorão.Lisboa:Edições70,1990.
BECCARIA,CesareBonesana,Marcheside.dos delitos e das penas;traduçãoLuciaGuidici-ni,AlessandroBertiContessa.SãoPaulo:MartinsFontes,1997.
BECK,Ulrich.la sociedad del riesgo. Hacia una nueva modernidad. Tradução de Jorge Navarro,DanielJímenezeMariaRosaBorrás.Barcelona:Paidós,1998.
BECK,Ulrich;ZOLO,Danilo.a sociedade global do risco –umadiscussãoentreUlrichBeckDaniloZOLO.Trad.port.:SelvinoJ.Assmann.TextodisponívelnaInternet:www.cfh.ufsc.br/~wfil/ulrich.htm.
BEZERRA,CarlosCésar.exame de dna: coleta de amostras biológicas em locais de cri-me.RevistaPeríciaCriminal,Brasília,AnoV,nº18,julhoaoutubrode2004.
BOFF,Leonardo.a violência contra os oprimidos: seis tipos de análise. In: Discursos sedi-ciosos.Ano1,nº1.RiodeJaneiro:Relume-Dumará,1996.
BONFANTE,Pietro.IstituzionidiDirittoRomano,Milano,1902,3ªed.Págs,99/100.Apud TUCCI,RogérioLauria.lineamentos do processo penal romano.São Paulo:Bushatsky,1976.
BRASIELLO,UGO,voce“Delicta”cit.,in“Nuevo”,vol.IV,p.673,Apud TUCCI,RogérioLauria. lineamentos do processo penal romano.SãoPaulo:Bushatsky,1976.
BROMBERG,RachelMizrahi.A inquisição no Brasil: um capitão-mor judaizante. São Paulo:CentrodeEstudosJudaicosdaFFLCH/USP,1984.
CALLEGARI,AndréLuís.lavagem de dinheiro: estudo introdutório do prof. eduardo Montealegre lynett.Barueri:Ed.Manole,2004.
CANCELLI,Elizabeth.o mundo da violência: a polícia da era vargas. Brasília: Editora UniversidadedeBrasília,2.ed.,1994.
CARVALHO,AmíltonBuenode. Nós, juízes, inquisidores (ou da não-presença do advoga-do no interrogatório). In:BONATO,Gilson(Organizador).DireitoPenaleDireitoProcessualPenal–umavisãogarantista.RiodeJaneiro:LumenJuris,2001.
CARVALHO, Salo de.Pena e garantias. 2. ed. rev. e atual.Rio de Janeiro: Lumen Juris,2003.
129
CAVALCANTI,EduardoMedeiros. Crime e sociedade complexa: uma abordagem interdis-ciplinar sobre o processo de criminalização.Campinas:LZN,2005.
CHOUKR,FauziHassan.Garantias constitucionais na investigação criminal. 2. ed. rev. atual.ampl.RiodeJaneiro:LumenJuris,2001.
COMTE-SPONVILLE,André.O ser-tempo: algumas reflexões sobre o tempo da consciên-cia;traduçãoEduardoBrandão.SãoPaulo:MartinsFontes,2000.
COSTANETO,NicolaoDinodeCastroe;BELLOFILHO,NeydeBarros;COSTA,FlávioDino de Castro e. Crimes e infrações administrativas ambientais: comentários à Lei nº 9.605/98,2.ed.ver.eatual.BrasíliaJurídica,2001.
COUTINHO, JacintoNelson deMiranda (coordenador).Crítica à teoria geral do direito Processual Penal.RiodeJaneiro:Renovar,2001.
CRETELLAJÚNIOR,J.Curso de direito romano: o direito romano e o direito Civil bra-sileiro.rev.eaum.RiodeJaneiro:Forense,1998.
DALLARI,DalmodeAbreu.elementos de teoria geral do estado. 24. ed. São Paulo: Sarai-va,2003.
DAMÁSIO,António.O mistério da consciência: do corpo e das emoções ao conhecimento de si; traduçãoLauraTeixeiraMotta;revisãotécnicaLuizHenquiquedeCastro.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,2000.
DEHILLOTTE,Pierre.Gestapo: a organização, os chefes, os agentes e a ação de Gestapo no estrangeiro.PortoAlegre:Globo,1940.
DELARUE,Jacques.História da Gestapo;traduçãoEduardoSaló.3.ed.RiodeJaneiro/SãoPaulo:DistribuidoraRecord,1962.
DUMONT,Louis.o individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moder-na.RiodeJaneiro:Rocco,1985.
DUBY,Georges; traduçãoMariaLúciaMachado. História da vida privada, 2: da europa feudal à renascença.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1990.
EYMERICH,Nicolau. Manual dos inquisidores.Lisboa:EdiçõesAfrodite,1972._________. Manual dos inquisidores.TraduçãodeMariaJoséLopesdaSilva.RiodeJaneiro:RosadosTempos;Brasília:FundaçãoUniversidadedeBrasília,1993.
130
FAYETJr.,Ney.Ensaios penais em homenagem ao Professor Alberto Rufino Rodrigues de Souza.POA:Lenz,2003.
FEINMAN,JayM.law 101: everything you need to Know about the american legal sys-tem.NewYork:OxfordUniversityPress,2000.
FERNANDES,AntônioScarance.Processo Penal Constitucional.3.ed.rev.,atual.eampl.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2002.
FLORIANI,Dimas.Conhecimento, meio ambiente & globalização.Curitiba:Juruá,2004.
FREITAS,VladimirPassosde.Crimes contra a natureza: (de acordo com a Lei 9.605/98). 8.ed.rev.atual.eampl.SãoPaulo:RevistadosTribunais,2006.
FOUCAULT,Michel,a verdade e as formas jurídicas.3.ed.RiodeJaneiro:NauEditora,2003._________. vigiar e punir: nascimento da prisão; traduçãodeRaquelRamallete.28.ed.Petrópolis,Vozes,1987.
FUSTELDECOULANGES,NumaDenis.a cidade antiga: estudos sobre o culto, o direito e as instituições da Grécia e de Roma;traduçãodeJonasCamargoLeiteeEduardoFonseca.SãoPaulo:Hemus,1975.
GARAPON,Antoine.bem julgar – ensaio sobre o ritual judiciário.Lisboa:InstitutoPiaget,1997.
GAUER,GabrielChittó;GAUER;RuthM.Chittó(coord.).a fenomenologia da violência. Curitiba:Juruá,1999.
GAUER,RuthMariaChittó.a construção do estado-nação no brasil. A contribuição dos egressosdeCoimbra.Curitiba:Juruá,2001._________.A modernidade portuguesa e a reforma pombalina de 1772. Porto Alegre: EDI-PUCRS,1996.
GIDDENS,Anthony.as conseqüências da modernidade.6.ed.traduçãodeRaulFiker.SãoPaulo:EditoraUNESP,1991.
GIORDANI,MárioCurtis.direito Penal romano. 3. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris,1997._________.História do mundo feudal: acontecimentos políticos.Petrópolis:Vozes,1974._________.História do mundo feudal II/1: civilização.Petrópolis:Vozes,1982.
131
GOFFMAN,Erving.estigma.4.ed.RiodeJaneiro:LTC,1988.
GOYARD-FABRE,Simone.os fundamentos da ordem jurídica;traduçãoCláudiaBerliner.SãoPaulo:MartinsFontes,2002.
GRIP.WillianGomeseCouto.Clayton.Aplicações do geoprocessamento em perícias de engenharia.RevistadaPeríciaFederal.Brasília,nº23,janeiroaabrilde2006.
GRUNBERGER,Richard.a história da ss;traduçãoRuyJungmann.2.ed.RiodeJaneiro:Record,1970.
HABERMAS,Jürgen.O discurso filosófico da modernidade. Tradução de Ana Maria Bernar-do,JoséRuiMeirellesPereira,ManuelJoséSimõesLoureiro,MariaAntóniaEspadinhaSoares,MariaHelenaRodriguesdeCarvalho,MariaLeopoldinadeAlmeidaeSaraCabralSeruya.Lisboa:PublicaçõesDomQuixote,1990.
HALL,Stuart.a identidade cultural na pós-modernidade;traduçãoTomazTadeudaSilva,GuaraciraLopesLouro.7ed.RiodeJaneiro:DP&A,2002.
HAWKING,Stephen.O universo numa casca de noz;traduçãodeIvoKorytowski;revisãotécnicaAugustoDamineli.6.ed.SãoPaulo:Arx,2002.
HOBSBAWM,EricJ.A era das revoluções: Europa 1789-1848,traduçãodeMariaTerezaLopesTeixeiraeMarcosPenchel.RiodeJaneiro:PazeTerra,1977._________.era dos extremos: o breve século XX: 1914-1991;traduçãoMarcosSantarrita.SãoPaulo:CompanhiadasLetras,1995._________.A era dos impérios: 1875-1914;traduaçãoSieniMariaCamposeYolandaSteideldeToledo.8.ed.SãoPaulo:PazeTerra,2003.
HOLLER,MarceloGattelieVILLELA.CarlosAndréXavier.A utilização de escalas de pro-babilidade nos exames grafoscópicos e sua margem de erro. Revista da Perícia Federal. Brasília,nº21,maioaagostode2005.
INGMAN,Terence. The english legal process.9.ed.NovaYork:OxfordUniversityPress,2002.
JEFFREYS,Diarmuid.The bureau – inside the modern FBI.Boston–NewYork:HoughtonMifflin,1995.
KERCKHOVE,Derrickde,a pele da cultura – uma investigação sobre a nova realidade electrónica.TraduçãodeLuísSoareseCatarinaCarvalho.Lisboa:Relógiod’Água,1997.
132
LAGÔA,Ana. sni como nasceu como funciona.Brasília:Editorabrasiliense,1983.
LENHARO,SaraL.R.,QUEIROZ,CarlosMagnoS.,JOST,Marcelo,SATO,EduardoM.Sato,MEINICKE,AndréR.SILVEIRA,AnalLívia.Contribuição à identificação de resíduos de disparo de arma de fogo.RevistadaPeríciaFederal.Brasília,nº22,setembroadezembrode2005.
LESBAUPIN, Ivo.a bem-aventurança da perseguição – a vida dos cristãos no império romano.Petrópolis:Vozes,1975.
LILLEY,Peter.lavagem de dinheiro: negócios ilícitos transformados em atividades legais. SãoPaulo,Futura,2001.
LOPES,AlandeOliveira;AcirdeOliveiraJúnior.Novos desafios da criminalísticas. perí-cias criminais em peças sacras.RevistadaPeríciaFederal.Brasília,nº24,maioaagostode2006.
LOPESJR.,Aury.a opacidade da discussão em torno do promotor investigador (mudem os inquisidores, mas a fogueira continuará acesa),BoletimdoIBCCRIM,nº142,SãoPaulo,setembro de 2004._________.“(Re)discutindo o objeto do processo penal com Jaime Guasp e James Golds-chimidt”,publicadonaRevistaIBCCRIMnº39._________.Sistemas de instrucción preliminar en los derechos espanõl y brasileño: con especial referencia a la situácion del sujeto pasivo del proceso penal. Tesis doctoral. Dire-tor:PedroAragonesesAlonso.UniversidadComplutensedeMadrid,1999._________.sistemas de investigação preliminar no Processo Penal. 2. ed. rev. atual. ampl. RiodeJaneiro:EditoraLumenJuris,2003._________.introdução crítica ao Processo Penal (fundamentos das instrumentalidade ga-rantista).RiodeJaneiro:LumenJuris,2004.
LYRA,Roberto.direito Penal normativo.2.ed.RiodeJaneiro:J.Konfino,1977.
MAFFESOLI,Michel.a violência totalitária.PortoAlegre,Sulina,2001.
MAIA,RodolfoTigre.Lavagem de dinheiro: anotações às disposições criminais da Lei nº 9.613/98.1.ed.SãoPaulo:Furtura,2001.
MANZINI,Vincenzo.Tratado de derecho Procesal Penal;traduçãodeSantiagoSentisMe-lendoeMarinoAyerraRedín.BuenosAires:EdicionesjurídicasEuropa-America,1951.
133
MARCHETTI,Victor.MARKS, JohnD.a Cia e o culto da inteligência. Rio de Janeiro: EditoraNovaFronteira,1974.
MARQUES,JoséFrederico.elementos de direito Processual Penal.v.I.Campinas:Book-seller,1997.
MEIRELLES,HelyLopes.direito administrativo brasileiro.25.ed.SãoPaulo:Malheiros,2000.
MELLO,CelsoAntônioBandeirade,in Curso de direito administrativo.12.ed.,2ªtir.rev.atual.ampl.SãoPaulo:Malheiros,2000.
MESSUTI,Ana.o tempo como pena;tradução:TadeuAntônioDixSilvaeMariaClaraVe-ronesi deToledo; prefácioAlberto SilvaFranco. SãoPaulo:EditoraRevista dosTribunais,2003.
MILARÉ,Edis.direito do ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário.3.ed.rev.,atual.eampl.SãoPaulo:EditoraRevistadosTribunais,2004.
MONDIN,Augusto.Manual de inquérito policial.6.ed.SãoPaulo:SugestõesLiteráriasS.A,1967.
MORAES.MárciaElayneBerbichde.A (in)eficiência do direito penal moderno para a tu-tela do meio ambiente na sociedade de risco (lei nº 9.605/98).RiodeJaneiro:LumenJuris,2004.
MOREIRA,RômulodeAndrade.Ministério público e poder investigatório criminal. http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1055.
MORISSON,AndréLuizdaCosta.Verificação de locutor.RevistaPeríciaCriminalFederal,Brasília,nº16,AnoIV,novembroadezembrode2003.
NOVINSKY,AnitaWaingort.a inquisição.SãoPaulo:Brasiliense,1982.
OST,François.o tempo do direito.Lisboa:InstitutoPeaget,2001.
PEREIRA,MuriloTito.Identificação de endereços e usuários na internet. Revista Perícia Criminal,Brasília,AnoV,nº18,julhoaoutubrode2004.
PIERONI,Geraldo.vadios e ciganos, heréticos e bruxas: os degradados do brasil-colônia. RiodeJaneiro:BertrandBrasil:FundaçãoBibliotecaNacional,2000.
134
PINTO,AndréL.MARTINY,Andrea. implantação de uma rede de microscopia eletrônica para análise de provas periciais.RevistadaPeríciaFederal.Brasília,nº22,setembroade-zembrode2005.
PRADO,Geraldo.sistema acusatório: a conformidade constitucional das leis processuais penais.RiodeJaneiro:EditoraLumenJuris,1999.
PRADO,LuizRegis.Crimes contra o meio ambiente: anotações à Lei 9.605, de 12 de fe-vereiro de 1998:doutrina,jurisprudência,legislação.2ªed.rev.,atual.eampl.–SãoPaulo:EditoraRevistadosTribunais,2001.
PRIGOGINE,Ilya.O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza;traduçãoRobertoLealFerreira.SãoPaulo:EditoradaUniversidadeEstadualPaulista,1996.
RAMONET,Ignacio.a tirania da comunicação;traduçãodeLúciaMathildeEndlichOrth.Petrópolis,RiodeJaneiro:Vozes,1999.
REALE,Miguel.actualidades de um mundo antigo.RiodeJaneiro:LivrariaJoséOlympio-editora,1936.
REDONDI,Pietro,Galileu Herético.SãoPaulo,CompanhiadasLetras,1991.p.85/87.Apud GAUER,RuthMariaChittó.a construção do estado-nação no brasil. a contribuição dos egressos de Coimbra.Curitiba:Juruá,2001.
ROXIN,Claus.derecho Procesal Penal.BuenosAires:EditoresDelPuerto,2003.
SARLET,IngoWolfgang.A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. ver. atual e ampl. Porto Alegre:LivrariadoAdvogadoEditora,2004.
SENISE,Carmine.eu fui chefe de polícia de Mussolini.SãoPaulo:Inst.Progresso,1947.
SETH,Ronald.40 anos de espionagem soviética. Tradução de Caio de Freitas Rio de Janeiro: EdiçõesBloch,1968.
SHIVA,Vandana.Biopirataria.A pilhagem da natureza e do conhecimento. Petrópolis: Vo-zes,2001.
SIQUEIRA,SôniaAparecidade.a inquisição portuguesa e a sociedade colonial. São Paulo: Ática,1978.
SILVA,AloísioFirmoGuimarãesda,MariaEmíliaMoraesdeAraújoePauloFernandoCor-rêa,Aindaesemprea investigaçãocriminaldiretapeloministériopúblico.http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=1054.
135
SILVA,EdmarCarmoda.Ministério Público e a titularidade privativa do jus postulandi para a ação penal pública e procedimentos incidentes.http://www1.jus.com.br/doutrina/tex-to.asp?id=3116.
SILVA,PauloQuintilianoda. Crimes cibernéticos e seus efeitos multinacionais. Revista Pe-ríciaCriminal,Brasília,AnoV,nº17,janeiroajunhode2004.
SOUZA,DanieleZ,MICHELIN,Kátia,HOLLER,MarceloG.Roteiro ilustrado para iden-tificação morfológica da Canabis Sativa.L.RevistadaPeríciaFederal.Brasília,nº24,maioa agosto de 2006.
SOUZA,OctavioTarquiniode.História dos fundadores do império do brasil. 2. ed. rev. Rio deJaneiro:J.Olympio,1957.
TOCHETTO,Domingos.Coordenador.Tratado de perícias criminalísticas. Porto Alegre: Sagra-DCLuzzattoEditores,1995.
TOURINHOFILHO,FernandodaCosta.Processo Penal,v.1.27.ed.rev.eatual.SãoPaulo:Saraiva,2005.
TUCCI,RogérioLauria.lineamentos do Processo Penal romano.São Paulo:Bushatsky,1976.
VAINFAS,Ronaldo.a heresia dos índios: catolicismo e rebeldia no brasil colonial. São Paulo:CompanhiadasLetras,1995._________.Trópico dos pecados: moral, sexualidade e inquisição no brasil Colonial. Rio deJaneiro:Campus,1989.
VERRI,Pietro.Observações sobre a tortura; traduçãoFedericoCarotti.2. ed.SãoPaulo:MartinsFontes,2000.
VIRILIO,Paul.a inércia polar.Lisboa:PublicaçõesDomQuixote,1993._________.velocidade e política;traduçãoCelsoMauroPaciornik.SãoPaulo:EstaçãoLiber-dade,1996.
WACQUANT,Loïc.As prisões da miséria.Tradução,AndréTelles.Riode Janeiro: JorgeZaharEd.,2001.
WESTERFIELD,H.Bradford,inside Cia’s private world.NewHavenandLondon:YaleUniversityPress,1995.