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CENTRO DE ESTUDOS DE CARTOGRAFIA ANTIGA C SECÇÃO DE COIMBRA O LIVRO DE MARINHARIA DE PERO VAZ FRAGOSO POR LUÍS DE ALBUQUERQUE JUNTA DE INVESTIGAÇÕES CIENTIFICAS DO ULTRAMAR 1977

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CENTRO DE ESTUDOS DE CARTOGRAFIA ANTIGA

CSECÇÃO DE COIMBRA

O LIVRO DE MARINHARIADE

PERO VAZ FRAGOSO

POR

LUÍS DE ALBUQUERQUE

JUNTA DE INVESTIGAÇÕES CIENTIFICAS DO ULTRAMAR

1977

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CLASSE DE CIÊNCIAS

Tomo XX (1977)

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O Livro de Marinharia

de Pero Vaz Fragoso

1. Antes de se entrar no tema desta comunicação, desejariaaproveitar a oportunidade para, uma vez por todas, definir o sentidoexacto do que se deve entender por um livro de marinharia. Naverdade, há entre os escritos náuticos portugueses dos séculos XVIe XVII diferenças de composição a que correspondem designaçõesjustificadamente diferenciadas; e se não é essencial indicar cadaum pelo nome que o uso tornou mais apropriado, até porque talnome é convencional, parece pelo menos conveniente acertar asdenominações que a todos devem ser atribuídas, para não se cairem confusões que podem ser facilmente evitáveis.

Pondo de parte uma ou outra nota espúria que tenha sidolançada nas suas folhas ou espaços em branco posteriormente àdata da compilação (notas que por vezes têm a sua importância,como adiante se verá), todos os escritos de carácter náutico daque-les dois séculos até agora conhecidos contêm três tipos de indica-ções: a) trechos que dizem exclusivamente respeito a regras deastronomia náutica e à pilotagem; b) descrições de carácter rotei-rístico, incluindo derrotas, conhecenças, entradas de barras, etc;e c) «diários de navegação» que registam dia a dia, como aliás adesignação deixa prever, as observações dos pilotos feitas duranteuma dada viagem, porventura com o registo dos acontecimentosmais importantes que nela tiveram lugar.

Se um texto contém apenas informações do primeiro tipo, éde uso chamar-lhe guia náutico, nome que pensamos ter sido intro-duzido por Joaquim Bensaúde, mas que Fontoura da Costa e outrosautores consagraram. No caso de conterem somente indicaçõesdo segundo ou terceiros tipos são naturalmente chamados roteirosou diários, consoante o caso. Mas, por via de regra, os manuscritos

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mais antigos incluem ensinamentos dos três géneros (embora sejamneles muito raros os diários), e é nesse caso que recebem o nomede livros de marinharia, de que Brito Rebelo parece ter sido o intro-dutor ao publicar sob esse título um códice compilado por meadosdo século XVI, que então pertencia à livraria da casa Palmeia ese encontra hoje no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, atribuídopor aquele douto investigador ao célebre piloto João de Lisboa.

Tem sido escrito várias vezes, mas não será excessivo repeti-loaqui, que um livro de marinharia é sempre uma obra de compilaçãoem que o piloto, um marinheiro ou um simples curioso reuniu textosque considerou de importância para o exercício da sua profissão oude interesse puramente informativo e documental. Assim, não éem rigor correcto atribuir um qualquer livro de marinharia adeterminado autor; acontece, todavia, que desde que Brito Rebeloeditou o primeiro deles, é de uso indicar como redactor de toda acompilação o piloto ou um dos pilotos cujo nome aparece episodi-camente citado no texto, muito embora quase sempre se reconheçaque a atribuição nem sequer possa talvez ser considerada como hipó-tese discutível.

Deste modo, e com uma única excepção, todos os livros demarinharia têm sido atribuídos a vários pilotos, não obstante saber-mos que as cópias de que dipomos1 são, na generalidade dos casos,certamente posteriores à morte daquele a quem foi convencional-mente imputada a autoria, pois até contêm mesmo capítulos escritoscom toda a probabilidade, para não dizer com toda a certeza, depoisdo seu falecimento. Em todo o caso deve-se dizer que, em algunsdeles, parece clara a intervenção que teve, num ou outro dos capí-tulos coordenados, o navegador a quem se endossa a paternidadeda obra; isso acontece, por exemplo, com as coordenações atribuídasa Manuel Álvares e a André Pires, e também com aquele de quenos ocupamos neste trabalho, que é aliás entre todos o único, comoadiante se mostrará, que parece, sem possibilidade de contradita,ser o mesmo original coligido pelo piloto que intervém em um dosroteiros nele copiados; quanto ao livro de marinharia dito de Joãode Lisboa, é bem sabido que Brito Rebelo lho atribuiu por o nome

i Do Livro de Marinharia de Manuel Alvares conhecem-se duas cópias;de todos os outros apenas uma.

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do piloto aparecer como colector de uma parte roteiristica do códice,e também como autor de um tratado sobre a agulha de marear; émuito possível que esta última atribuição, apesar de justificada pelotítulo, seja um pouco abusiva, pois existem fortes suspeitas de queJoão de Lisboa, embora tendo de facto redigido o pequeno tratado,não utilizou nele ideias e experiências exclusivamente suas2.

Os livros de marinharia até este momento conhecidos, que semgrande margem de erro podem ser situados entre a segunda décadado século XVI e o primeiro quartel do século imediato, estão na suaquase totalidade publicados, sendo atribuídos aos pilotos: FranciscoRodrigues (compilação não muito extensa, mas com as caracterís-ticas que justificam a designação) 3, João de Lisboa4, André Pires(com uma parte roteiristica bastante pobre)5, Manuel Álvares6,Bernardo Fernandes 7 e Gaspar Moreira. Este último é de todos omais recente, podendo ser datado com relativa segurança do iníciode Seiscentos; por outro lado é lícito afirmar que a cópia que delehoje conhecemos passou pelas mãos de D. António de Ataíde, poissão de sua letra algumas anotações críticas, nem sempre muitofelizes, que se podem ler nas margens de algumas folhas. Alémdestes, a Real Academia de Ia História de Madrid possui o manus-crito de um sétimo livro de marinharia, tido como anónimo por noseu contexto não ser citado o nome de qualquer marinheiro ou

2 Veja-se que a este respeito escrevemos em O Livro de Marinharia deAndré Pires, pp. 123-132, Lisboa, 1963.

s Ê o mais antigo de todos, datando de c. 1513. Está publicado porArmando Cortesão, The Summa Oriental of Tomé Pires, an the Book of Fran-cisco Rodrigues, pp. 307-22 (texto original) e pp. 290-305 (versão inglesa).Londres, 1944.

* Livro de marinharia. Tratado da agulha de marear de João de Lis-boa, etc, copiado e coordenado por Jacinto Ignacio de Brito Rebelo, Lisboa,1903; supõe-se que date de meados do século XVI.

5 Provavelmente coevo do anterior, se bem que haja notícia de um pilotode nome André Pires no primeiro quartel do século XVII, que pode ser apenasum homónimo do compilador. Para a edição veja-se a n. 2.

6 Luís de Albuquerque, O Livro de Marinharia de Manuel Alvares, Lisboa,1969. Contemporâneo dos dois anteriores.

7 Livro de Marinharia de Bernardo Fernandes, prefácio e notas de A.Fontoura da Costa, Lisboa, 1940. Deve ser do início da segunda metade doséculo XVI.

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piloto; temos razões para admitir que date do último quartel doséculo XVI. Entre eles conservam-se inéditos o atribuído a GasparMoreira (pronto, em todo o caso, para publicação imediata, comcomentários do Prof. Leon Bourdon e nossos) e o anónimo da RealAcademia de Ia História de Madrid; este último, que se encontratruncado, foi objecto de uma breve notícia que há alguns anosapresentámos àquela instituição científica8.

O objectivo do presente trabalho é descrever mais um livro demarinharia que, embora há bastante tempo na posse do entãochamado Ministério da Educação (que o teria adquirido a um alfar-rabista londrino pela quantia de 500 libras), só há cerca de trêsanos passou a estar ao alcance dos que se interessam pela históriada náutica portuguesa, ao ser confiado à guarda da Biblioteca Geralda Universidade de Coimbra.

Como vamos descrever o códice capítulo a capítulo, e trans-crever em apêndice alguns dos seus trechos que reputamos de maiorimportância, cremos ser necessário dizer uma palavra acerca darazão que nos levou a empreender a tarefa, pois ela pode parecerinútil, dado que estão publicados cinco livros de marinharia e umsexto está em vias de publicação.

Acontece, porém, que estes livros, se por um lado não sãouniformes (como aliás era de esperar, dada a maneira como sabe-mos terem sido compilados), por outro lado oferecem variantessignificativas nas lições que nos apresentam dos mesmos roteirose dos mesmos regimentos náuticos, quando não contêm mesmomatérias que em nenhum dos outros se encontram; e tudo istoacontece com o códice de que nos ocupamos.

Para se ficar com uma ideia bem clara da relevância que tempara a história da náutica o estudo dessas versões paralelas, bas-tará talvez dizer que foi do confronto das cópias contidas emvários desses livros que nos foi possível refazer o provável textocorrecto do Tratado da Agulha de Marear de João de Lisboa, pe-quena obra de valor capital para a história do conhecimento domagnetismo terrestre, embora quase sempre injustamente esquecida

s «Noticia acerca de un Livro de Marinharia inédito de Ia Real Aca-demia de Ia Historia de Madrid, no Boletin de Ia Real Academia de Ia Historia,tomo CLXX, pp. 577-584, Madrid, 1973.

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pelos historiadores da ciência9; e que foi também da comparaçãodas várias cópias que puderam ser corrigidos alguns regimentosnáuticos que tais livros inserem. Estamos absolutamente conven-cidos de que só depois da publicação de todos os livros de mari-nharia e de todas as compilações de roteiros existentes se poderámeter ombros à tarefa imensa de fazer a história completa daliteratura roteirística portuguesa, sem dúvida o maior legado que osdescobrimentos portugueses deixaram a todas as marinhas domundo.

Convém insistir, exemplificando, que os livros de marinharia,e mesmo no que toca à técnica da navegação, se sob dados aspectosse corrigem uns aos outros, também por vezes se completam; assim,o Iivro de Marinharia de Gaspar Moreira contém regimentos paraa utilização de algumas estrelas na determinação de latitudesque em nenhuma outra compilação congénere encontramos, ou quesó encontramos com tais deturpações que as regras se encontravampraticamente incompreensíveis.

O estudo cuidado dos livros de marinharia que vão aparecendoé, portanto, um trabalho a que o estudioso da história da náuticanão pode escusar-se: cumpre-lhe analisar com minúcia cada umdos seus capítulos; detectar referências que permitam datá-lo comalguma aproximação; e, por último, assinalar os trechos desconhe-cidos ou que ofereçam variantes acentuadas em relação a versõesjá divulgadas, transcrevendo uns e outros na íntegra sempre quepossível. Foi exactamente este plano que o Comte. Teixeira da Mota,pôs em prática numa comunicação intitulada Um Manuscrito Náu-tico Seiscentista* reencontrado, há meses apresentado nesta Acade-mia: diligenciaremos seguir aqui a metodologia exemplar que adop-tou, embora reconhecendo a impossibilidade de o imitar na lucideze no brilho da exposição.

2. O códice abre com um índice de duas páginas (fl. 1), escritocom letra moderna e num castelhano aportuguesado, precedidas deduas folhas soltas de papel de ofício, dactilografadas com a des-

9 Por exemplo: Hainz Balmer ignorou completamente o tratado no seualiás exaustivo e excelente trabalho Beitrãge zwr Geschichte der Erkenntnissdes Erdmagnetismus, Aarau, 1956.

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crição sumária do seu conteúdo; estas folhas trazem o timbre dolivreiro vendedor do manuscrito, que, para lhe encarecer o valor, nãohesitou em cometer o que podemos chamar um pequeno exagero;com efeito, considera-o como obra resultante da colaboração entrePero Vaz Fragoso, que correctamente acrescenta ter sido «a Portu-guese navigator», e Pedro Nunes, que identifica, também com cor-recção como «Chief Cosmographer of the Court of King John IIIof Portugal and Professor at the University of Coimbra». Não énecessário ir muito longe, pois basta ler essa mesma notícia conden-sada em duas páginas, para se nos tornar bem claro que o nomedo cosmógrafo-mor só ali apareceu associado ao do navegador comintuitos meramente comerciais; realmente, é o mesmo autor dadescrição quem, depois de se referir às tábuas solares do manus-crito e de afirmar que elas «may be compared with those in his[Pedro Nunes] Tratado da Spera, Lisboa, 1537», logo em seguidareconhece que, enquanto no livro impresso as tábuas se reportamao período de 1537-1540, «in the manuscript they are named first,second, third and fourth year», sendo além disso «the tables thems-elves ... different from those in the book»; algumas linhas maisadiante, aliás sem qualquer fundamento, afirma que o códice «con-tains the same material, substancially, as was used in Pedro Nunestwo rare printed books on this subject» (o acima citado Tratadoda Spera e o De Arte atque Ratione Navigandi), admite que acoincidência desse material é puramente fortuita, pois apenas signi-fica que se trata de «a contemporary manuscript version of his[Nunes] cosmographical findings».

Ora, como veremos no sumário descriminado do códice, quemais adiante apresentamos, em todo o contexto apenas é possívelapontar um pequeno capítulo que poderia estar eventualmente rela-cionado com a obra do cosmógrafo-mor10; todos os restantes temastratados provêm directamente da técnica da pilotagem sem qualquersombra de dúvida, constituindo material acumulado e aperfeiçoado.

Posto isto, analisemos, com os dados que o mesmo manuscritonos oferece, três problemas que lhe dizem respeito: o da sua data,

io Referimo-nos ao «Regimento da declinação do Sol», mas veremos queaté esse é muito provavelmente transcrito de uma versão corrente entre ospilotos, e não dependente da de Nunes.

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o da autoria da compilação e, por último, o de saber se se tratade um original ou de uma cópia; para todos eles encontraremosrespostas que consideramos convincentes, como passamos a expor.

Em primeiro lugar, tratemos a questão da data. Um dos capí-tulos do manuscrito, aliás de secundário interesse (fls. 32r e segs.) ",trata das «Armadas que se fizeram para ha índia desque se des-cubrio te aguora (Empieza en 1498 y termina en 1566)»; e numoutro passo, a que teremos de voltar mais tarde, lê-se o seguinte(fl. 35v): «party eu, pêro vãz fraguoso, de vyana pera vyr peraha ymdya hão prymeyro de fevereyro no afio de 1556 anos e partyde lysboa pera ha ymdya ha vymte e oyto dyas de março na dytaera de 1556 anos» 12.

Esta última nota foi escrita, como várias outras que adianteserão referidas, com tinta menos forte da que serviu para cali-grafar o códice; presumimos que as anotações redigidas com talgénero de tinta sejam posteriores à conclusão do manuscrito.

Da nota transcrita apura-se, portanto, que Pero Vaz Fragosopartiu da Índia na armada de 1556, que saiu de Lisboa a 28 deMarço (segundo ele declara) sob o comando de D. João de Menezes;mas como a lista das armadas que o texto nos dá termina dez anosmais tarde, parece-nos ficar assim estabelecido com relativa segu-rança uma data post quem para a coordenação do códice. Supomosaté de admitir que date desse mesmo ano, pois em caso contrárionenhuma razão impeditiva teria existido para o compilador nãocompletar a lista com indicação das armadas que saíram de Lisboanos anos subsequentes. Com segurança absoluta, no entanto, sópoderá ser dito que a compilação é de 1566 ou de ano posterior.

11 Dizemos só secundário porque de muitas das armadas que cita apenasrefere o ano de partida e o nome do capitão.

12 A data da partida de Lisboa é fixada por Ferreira Paez em 30 deMarço (As Famosas Armadas Portuguesas, p. 60, Rio de Janeiro, 1937).Outra anotação na mesma folha do códice diz: «partymos de lysboa nestaanno cymquo nãos cheguamos ha ymdya quatro / foy por capitam mor dar-mada dom Imº de meneses / e as nãos som estas frol de Ia mar e o gualeame a que se fez em vyla do comde e a quapytanha e a do armador que nõpasou». Estes dados coincidem com os de Paes; a «que não passou» foi a naude António Fernandes, que este autor diz ter invernado em Moçambique,enquanto Lizuarte de Abreu afirma que ficou no Brasil, tendo chegado aCochim em 1557.

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Julgamos também de aceitar, como facto quase incontroverso,que ela seja obra do mesmo Pero Vaz Fragoso a que aquela notase refere, pois ainda que usando de todas as reservas, é irrecusávelque ele colaborou, pelo menos, em um dos textos transcritos nocódice; isto não quer dizer que, como é evidente, para ele nãotivesse também copiado informações de índole náutica muito ante-riores ao ano de 1566, em que declara ter embarcado para oOriente13.

De que indícios dispomos para afirmar que Fragoso colaborouna redacção do códice? Apenas dois, mas quanto a nós categóricos,que se encontram ambos no roteiro da viagem de Martabão paraCochim.

Falemos daquele que aparece em primeiro lugar: o autor começapor indicar que nessa viagem se devia descer ao longo da costaocidental da Birmânia até Tavai (à latitude de 14° N.); daí, pelorumo de WSW ^ W o piloto demandaria umas ilhas distanciadas80 a 90 léguas da costa e situadas no paralelo dos 11° N. (possivel-mente as ilhas mais meridionais do arquipélago de Andema ou An-demão, assinaladas por este nome numa das cartas do atlas queanda anexo ao Livro de Marinharia de João de Lisboa)14; rumandoem seguida por WSW cerca de umas 60 léguas, e governando depoisna direcção de W^SW, acabaria por chegar a Ceilão em «lugarlimpo». Ao aludir àquelas ilhas o texto explica que elas se dispunhamem duas fieiras no sentido norte sul, informando que Heitor Lopespassara ao longo delas pelo paralelo dos 11° e observara muito bonscanais que as separavam; e, logo de imediato (fl. 30v), acrescenta:«e eu, Pero Vaz Fragoso, fuy por amtre elas e as atravesey todaspor 6 e 7 braças».

Isto mostra que, se Fragoso não é autor do roteiro, ele pelomenos não se esquecia de acrescentar ao que copiava dados adqui-ridos através da sua experiência pessoal.

is Assim, por exemplo, na fl. 28 v inicia-se a transcrição de uma derrotade Cochim para Bengala, com indicação: «esta é nova de 530 anos».

i* A. Cortesão e A. Teixeira da Mota, Portugaliae Monumenta, Cartogra-phica, Vol. I, Est. 99-A, Lisboa, 1960. Andemão foi o nome que se tornoucorrente em Portugal, e que Manuel Pimentel adoptou; hoje usa-se a formainglesada Andeman.

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Ê de sublinhar que o comentário não está datado, mas nem porsabermos que o códice é posterior a 1566 nos é lícito dizer queaquela nota se refira a um facto acontecido depois desse ano. Já seviu, que Fragoso partiu para a Índia em 28 de Março de 1556;e como outra observação, dentro as escritas com tinta menos nítida,nos diz que «naceo pero vaz fraguoso na era de 1506 años aosquatorze dias de setêbro» (fl. 8v), segue-se que ao iniciar aquelaviagem tinha completado há meses os 49 anos; é absolutamenteinadmissível, deste modo, que fosse aquela a sua primeira grandeviagem, pois não era com tal idade que seria habitual iniciar umacarreira de piloto ou mercador no Oriente; assim, não podemosdeixar de pôr desde logo como aceitável a hipótese de que aquelaobservação pessoal introduzida no roteiro de Martavão para a Índiaaluda a um acontecimento anterior a 1566. E que assim deve ter, defacto, acontecido, mostra-o a segunda e mais longa intervenção deFragoso no texto, no seguinte passo datado no final (fl. 37v):«...nõ pases das ylhas das cebolhas e dos alhos porque te irasperder no macareo que esta ha traves das serás de tagala, porqueeu, Pêro vaz fragoso, estyve em sequo nele e por hua parte e pelaoutra nõ haver agoa mais que de dous tyros de espygarda, e mjla-grosamente nos tyrou nosa senhora daly e torney a entrar por húrio que esta da bara de martavão pera o norte duas ou três legoas ...e por aly fomos dar ao outro ryo de martavão»; e a informaçãoconclui deste modo: «Ysto me aconteceo neste macareo na era de1544 anos, aos 16 dias do mes de mayo».

Este trecho não só nos parece confirmar ter sido Fragosoo compilador do códice, como documenta uma aturada experiênciamarítima no Golfo de Bengala, além de sugerir a sua provávelautoria do roteiro em questão.

Há ainda uma última questão a aclarar: que razões nos levama supor não ser o manuscrito de que dispomos uma cópia, maso mesmo original que Fragoso preparou? Apenas uma, mas quer-nosparecer que de bastante peso: o significado das notas lançadas naspáginas ou folhas em branco do caderno, que, pelo motivo jáexposto, supomos terem sido escritas depois da compilação con-cluída; essas notas nada têm a ver com problemas de marinhariae todas, sem excepção, aludem a factos relacionados com a vida deFragoso. A primeira da série começa por apontar a data no seunascimento (passo já acima transcrito), e continua (f 1. 8v): «qua-

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sey com cezylya tomas na era de 1550 aííos no mes dabrill»; «naceogaspar na era de 1556 aííos aos 14 dyas do mes de Yaneiro ê sepomdo o soll no reyno»; «naçeo diego na era de myll e qujnhêtose cymquoêta e quatro anos bespera de sãtiago [isto é: 24 de Julho]»;e por último: «naçeo maria na era de 1546 afíos aos dez dias domes de mayo». Estas últimas notas talvez registem as datas denascimento dos vários filhos de Fragoso 15.

As restantes anotações deste tipo pessoal, que se alongam porduas páginas (fls. 18r-16v) e foram cortadas por traços de altoa baixo, aparentemente com a mesma tinta, referem-se todas apartilhas de herança que se podem presumir consequentes à mortedo sogro de Fragoso; não vamos transcrevê-las na íntegra, mastiraremos delas o suficiente para se poder ajuizar do fundamentoda nossa posição. Tais apontamentos abrem com esta advertência:«estes som os quampos e pumar e saydoyros que partymos naquyta dargãsoso a presymento de mjnha sogra e de bastyam coreae sua molher e eu pêro vãz fragoso, por nom aver ay outroserdeyros ...»16; depois entra na discriminação dos lotes que caírampor sorteio 17 a cada um dos herdeiros, deste modo:«It. no quãpo de sua vynha fizemos três qujnhas (sic); quay eu,pero vaz fragoso, ao lomgo da vynha, que se partyo o quãpoatravés»; mais abaixo: «a erdade de veyga foy partyda ao lomgode fumdo aryba, e eu, pero vaz fragoso, quay ao lomgo da veyga»;e assim por diante.

De tudo o que vem de ser dito parece que podemos concluir,resumindo: a) que o texto foi compilado por Pero Vaz Fragoso,piloto ou navegador natural de Viana do Castelo ou habitualmenteresidente nessa cidade; b) que a compilação data de ano não ante-rior a 1566; c) que Fragoso pode ser apontado como presumível

is Não nos passou despercebido, como é evidente, o facto de Maria tervindo ao mundo quatro anos antes do casamento do piloto ou navegador.Pode tratar-se de um engano, mas também não há qualquer garantia de queela fosse sua filha, e, mesmo admitindo que o fosse, várias explicações sepodiam dar para o caso, incluindo a da ilegitimidade.

i« O texto acrescenta que intervieram no loteamento Fernão Martinse Heitor Alvares, e que a partilha teve lugar no dia 26 de Março de 1551.

17 De facto, uma nota marginal esclarece que «tudo foy por sortes».

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autor de um dos textos compilados (assunto a que ainda voltare-mos) ; mas o mínimo que se pode dizer em relação a esse roteiro énão se ter o compilador escusado a completá-lo com o que aprenderanas suas viagens; d) que Pero Vaz Fragoso devia conhecer parti-cularmente bem o golfo de Bengala, pois é nos roteiros a ele refe-rentes que encontramos os seus comentários pessoais; e) acredita-mos, por último, ter ficado bem claro que o caderno hoje à nossadisposição é o mesmo que Fragoso redigiu e usou, caso que supomosúnico entre os manuscritos dos livros de marinharia conhecidos.

3. Passaremos agora a referir sumariamente, mas com algu-mas observações que considerarmos oportunas, o conteúdo do códice,começando por percorrer os capítulos referentes à arte náutica, quesão os seguintes:

a) Regimento para a determinação de latitudes pela obser-vação de distâncias zenitais meridianas do Sol (fl. 8 r) ou,como se diz no texto a «conta [que] farás no estrelabio pela bamdade cima»18; para boa compreensão das regras deve-se subentenderque, quando nelas se diz «o sol», quer-se de facto significar «dis-tância zenital meridiana do Sol». Este regimento é o mesmo queencontramos no Iivro de Marinharia de Bernardo Fernandes19;baseia-se na posição relativa do observador, do Sol e da linha equi-nocial, sem qualquer referência à orientação que as sombras toma-vam no meio-dia. Na sua estrutura é da família do regimentoconhecido através de Duarte Pacheco Pereira 20 e de um outro queJoão de Lisboa transcreve21, com uma diferença que se deve anotar:estes reportam as regras à altura meridiana do astro, e não àcorrespondente distância zenital; nesta ordem de ideias, e com umpouco de boa vontade, também poderíamos admitir que as regrasestivessem relacionadas com as de Pedro Nunes, mas isso seriamera afirmação especulativa que não ocorreu ao alfarrabista que,

is isto é: com um astrolábio preparado para medir distâncias zenitais.Vide Luís de Albuquerque, O Livro de Marinharia de André Pires, pp. 84-5,Lisboa, 1963.

is Ed. cit., pp. 3-4.20 Esmeraldo de situ orbis, ed. da Academia Portuguesa da História,

pp. 42-3, Lisboa, 1954.21 Livra de Marinharia, ed. cit., p. 31.

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para melhor vender o volume, abusivamente lhe associou, como seviu, o nome do cosmógrafo; é de advertir, porém, que no «regimentodo sol» publicado por Pedro Nunes no Tratado da Sphera aindase alude à orientação das sombras.

Ao texto do regimento segue-se uma lista de conversões defracções em minutos de arco, pequeno trecho por assim dizer obriga-tório em todos os livros de náutica de Quinhentos22.

b) Regimento das léguas dado através de um gráfico circular,muito vulgarizado, e não in extenso (fl. 8v).

c) Tábuas quadrienais das declinações solares (fls. 9r-16v)que são as tábuas do «Guia náutico de Évora» calculadas, comoé sabido, para o quadriénio de 1517 a 152023; mas há uma pequenadiferença a registar: enquanto a primeira tábua do guia fornecelado a lado os lugares e as correspondentes declinações solares(as outras três tábuas dão só estas últimas coordenadas), nocódice todas as tábuas apresentam exclusivamente declinações.

d) «Conta que se ha de fazer no estrellabio pela bãda de baxo»(fl. 17), quer dizer, regimento para a determinação de latitudesa partir de alturas solares meridianas. É um dos processos apre-sentados por João de Lisboa24, e talvez de todos os regimentossolares o mais divulgado na segunda metade do século XVI, comojá em tempos afirmou Fontoura da Costa25.

e) «Regimento da altura da estreita do norte» (fl. 17v) apre-sentado, tal como o regimento das léguas, por meio de um gráficocircular, também vulgarisadíssimo na época.

f) «Regimento pera saberes per todo o anno omde se alevãtao soll e se pom e a quãtas de cada mes emtra o sott ê quada Jhudos synos do zodyaco» (fls. 19r-20v). A segunda parte deste regi-mento que se podia tirar directamente das tábuas solares, estáreproduzida em várias compilações, como por exemplo, as de João

22 P o r exemplo : em André P i r e s , loc. cit., p . 203; no «Guia náu t ico deÉvora» , em Lu í s de Albuquerque , Os Guias Náuticos de Munique, p . 192,Lisboa, 1965.

23 Luís de Albuquerque , loc. cit. n a n . an te r io r , pp . 199-222.24 Ed. cit., pp. 43-4. João de Lisboa dá duas versões do regimento: a

primeira, muito condensada, é bastante confusa; na segunda «as regras [estão]escriptas mais largas», correspondendo exactamente ao texto do presente códice.

25 Marinharia dos Descobrimentos, 3.a ed., p. 70, Lisboa, 1960.

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de Lisboa e de Bernardo Fernandes26; mas a primeira parte, quefornece as amplitudes ortivas do Sol, avaliadas em quartas, àentrada de cada signo, nunca a encontramos em qualquer escritodos séculos XVI e XVII; mais pela sua novidade do que pela suaimportância, que nos parece diminuta, reproduzimos o regimento nofinal deste trabalho (Anexo I).

Imediatamente após regimento (fl. 20v) vem um parágrafo deesclarecimento sobre a diferença de dias entre a permanência doSol no hemisfério norte e no hemisfério sul; é um trecho muitovulgar, que pode também ser lido, por exemplo, nos livros deBernardo Fernandes e de loão de Lisboa27.

g) «Regra pera tomar cultura do crusseiro do sulll com a bales-tilha» (fls. 21r-28v), aliás com duas cópias sucessivas, diferentessob vários aspectos. Este capítulo não só contém essas duas versõesdo regimento do Cruzero do Sul, ambas no estilo da que andaincorporada no Tratado da Agulha de Marear de João de Lisboa,como transcreve a par delas alguns passos deste tratado. Deve-seacrescentar que não acompanha de modo fiel as lições conhecidasdesses textos, sendo bastante mais preciso do que elas em váriospassos; isso aponta a conveniência de o dar a conhecer na íntegra,o que faremos no final (Anexo II).

h) «Regimèto pera se vos hachardes no mar sem agulha»(fl. 24r), que também encontramos no Iivro de Marinharia de Gas-par Moreira e no anónimo da Academia de História de Madrid28;como o livro de Moreira se encontra prestes a ser impresso nãotranscreveríamos aqui essas instruções se não se verificassem pro-fundas divergências entre a cópia de Fragoso e as outras duas,sendo aquela muitíssimo mais clara do que as outras (Anexo III).

2« João de Lisboa, p. 15; Bernardo Fernandes, p. 27.27 Bernardo Fernandes, p. 23; João de Lisboa, p. 26.28 Códice 58 (Fonds portugais) da Biblioteca Nacional de Paris, fls. 21 r-

-22 r; códice da Real Academia de Ia Historia, fl. 137v-138. A margem, desteregimento D. António de Ataíde comentou: «Modos pera se acabar de deitara perder».

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i) «Capitolo pera saberes demãdar Mia ylha» (fl. 26r), queé a repetição, com pequeníssimas alterações do capítulo com o mesmotítulo copiado por João de Lisboa29.

j) «Regymêto pera saberes quãto estas de hua terra que vires»(fl. 27r), análogo ao reproduzido por João de Lisboa e GasparMoreira30, embora no livro deste último de forma muito abreviada.

k) «Regra pera tyrares as luas novas pela cota de salamã»(fl. 27v), que nunca encontrámos tão extensamente exposta emqualquer texto português do século XVI, e por isso o reproduzimosno final (Anexo IV). Deve ser dito, todavia, que a exposiçãonão é muito clara e que nem chega a enunciar a regra31; dá, noentanto, um número suficiente de exemplos para se tornar bemcompreensível desde que se saiba que a palavra «concorrente», emque todo o texto se baseia, é simplesmente outra maneira de desig-nar a epacta de um qualquer ano32, ou seja, como se diz na ediçãode 1563 do Reportório dos Tempos de Valentim Fernandes, o nú-mero de dias de sobejo do ano solar sobre o ano lunar, e, porconsequência, a «idade» da lua no primeiro dia do ano que seconsidera; um dos modos de obter este número, e era possivel-mente aquele que no códice se tinha em vista mas não chegou a sertranscrito, encontra-se no Livro de Marinharia de João de Lisboa38,e exige o conhecimento do número áureo do respectivo ano84. Para

29 João de Lisboa, pp. 9-10. O assunto relaciona-se com o tema doCap. VI do texto do mesmo livro intitulado «como se ha de cartear peraqualquer dos poios»; com efeito, aquele capítulo fornece indicações quanto aomodo como se devia «demandar algua ilha».

ao João de Lisboa, p. 6; Gaspar Moreira, fls. 22 v-23 r. Vem também, alte-rado, no Livro de Marinharia anónimo de Madrid, f 1. 137 r.

si Esse enunciado, mas sem qualquer exemplo, encontra-se em João deLisboa, p. 43, num parágrafo intitulado «pera saber a llua noua farás asi».

32 Veja-se Luc iano P e r e i r a da Silva, Obras Completas, Vol. I I I , pp . 204-6.33 João de Lisboa, fl. 42. Luciano Pereira da Silva transcreveu-o para o

trabalho citado na n. precedente, e o mesmo fez Fontoura da Costa emMarinharia dos Descobrimentos, ed. cit., p. 280.: Sobre o assunto também sepode ver Manuel Pimentel, Arte de Navegar, ed. de A. Cortesão, FernandaAleixo e Luís de Albuquerque, pp. 221-2, Lisboa, 1969.

a* Ou seja, o número de ordem que cada ano tem no ciclo metónico de19 anos, o que indica o dia do novilúnio no primeiro mês de cada ano. A regrasimples para obter a data desse novilúnio (portanto: o número áureo) vemexposta de modo muito simples em Fontoura da Costa, op. cit., p. 274.

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cabal compreensão do texto fá-lo-emos preceder no anexo IV daregra para a determinação «da concorrente», tal como ela se encon-tra no livro de João de Lisboa.

1) «Regra pera tirar a lletra domjnjcall de cada ano» (f 1. 28),sem qualquer interesse, pois se limita a fornecer a sequência dasletras dominicais, exigindo, para o conhecimento da letra dominicalde um ano, que fosse conhecida a do ano anterior.

m) «Ysto he pera saberes dar rezam de ty», com as respostasque um jovem marinheiro devia dar a quem o interrogasse sobrecertas questões elementares de cosmografia e marinharia; tudoindica que essas perguntas deviam ser embaraçosas para os prin-cipiantes, e daí o facto de tais informações se encontrarem, mais oumenos completas, em todos os livros de marinharia, com excepçãodo de Francisco Rodrigues; na sua forma mais completa podemser lidas nos livros de João de Lisboa e Bernardo Fernandes35.

4. Para terminar esta já longa exposição, passemos uma rápidavista de olhos pela parte roteirística do códice. Essa parte, inter-calada com os textos de carácter náutico-astronómico acima suma-riados, compõe-se dos seguintes textos:

a) «Rota de Goa pera o Cabo de Guardafuy e mar Roxo, edo Cabo de Guardafuy pera Ormuz e d'Ormuz pera a índia» (fls.2r-7r), idêntico a um roteiro incluído no «Livro somario e repar-tidor, trelado de hu lliuro que foy de João de Lisboa»38, mas queno nosso códice aparece sem título (o que indicámos é tirado deJoão de Lisboa) e com vários erros, algumas variantes e diversosacréscimos relativamente ao texto que Brito Rebelo fez imprimir.

b) «Navegação dOrmuz pera a índia» (fls. 7r-7v), segundo adesignação que para o mesmo roteiro se encontra na obra de Joãode Lisboa37, e também no Livro de Marinharia anónimo de Madrid

se João de Lisboa, pp. 28-9; Bernardo Fernandes, pp. 28-31.ss João de Lisboa, 214-7. Teixeira da Mota também assinala uma cópia

do roteiro no manuscrito da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro que des-creve no seu trabalho Um Manuscrito Náutico Seiscentista Reencontrado, aindainédito; é paralela a outra cópia do Livro ãe Marinharia anónimo de Madrid,fl. 151 v e segs.

37 João de Lisboa, 218-9. Ver um texto paralelo em Manuel Pimentel,Arte de Navegar, pp. 456-7, Lisboa, 1712.

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(fl. 7v e segs.); o códice transcreve-o na sequência imediata doanterior e sem qualquer título. Há algumas poucas variantes eomissões no manuscrito de Fragoso, em relação às outras lições,mas em compensação também neste se encontra um parágrafo queJoão de Lisboa passou em branco. O facto de no códice, tal comona cópia de Madrid, se designar apenas por «ryo domde descobriopêro lopez» um rio que na versão de João de Lisboa se indica por«Calamute, que he ate homde descobrio Pelo Lopes», podia levar--nos a pensar, precipitadamente, que as cópias de Fragoso e deMadrid fossem anteriores à de João de Lisboa, datando de umaépoca em que ainda não havia sido dado nome a tal rio; mas,como é evidente, a falha pode apenas querer dizer que nessas duascópias o nome Calamute foi omitido inadvertida ou intencional-mente. Somos de opinião que se impõe o estudo comparativo dastrês versões.

c) «Travessa de Masquate pera ha ymdya», com uma adver-tência sobre o recife de Dio (fls. 24v-25r). O texto, que supõe aviagem realizada no mês de Agosto, é muito mais breve do que umadescrição da mesma rota incluída na compilação de João de Lis-boa 3S; difere dela de maneira bastante sensível, o que não é muitode surpreender porque esta última transfere para meados de Setem-bro a partida de Mascate39. Publicamos a versão de Fragoso noanexo V.

d) «Derota de Cochym pera bemgala; esta he nova de 530unos» (fls. 28v-30r). Existem vários roteiros de Cochim para Ben-gala: João de Lisboa coligiu dois deles40, encontrando-se o primeiroabreviadamente transcrito no Livro de Marinharia de Fernandes41;no códice Cada vai existem dois outros roteiros para a mesma via-gem, o primeiro referente a uma rota por fora da ilha de Ceilão

»8 João de Lisboa, 221-3.39 Aliás João de Lisboa repete nes te rotei ro certos passos j á incluídos no

rote i ro indicado n a al ínea precedente .40 João de Lisboa, 231-3 e 233-56.41 Bernardo Fernandes, 89-91.

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e o segundo da autoria de Duarte Cabesseira42; Teixeira da Mota4S

assinala igualmente um roteiro «por fora da ilha» de Ceilão, quediz ser diferente de todos aqueles44. A versão copiada por Fragoso,que no título se diz estabelecida em 1530, é uma réplica da deJoão de Lisboa, mas com um tão grande número de alteraçõesque parece justificar-se a sua inclusão entre os anexos a estetrabalho (ver anexo VI).

e) «Derota de quochym pera martavam e de martavam peraquochym» (fls. 36r-37v); mas diga-se desde já que o roteiro refereem primeiro lugar a viagem do porto de Martavão até Cochim;para a viagem inversa, adoptou-se um texto diferente do originalque Linschot traduziu no capítulo XIV da sua célebre obra45.Ê neste roteiro que se encontram as observações pessoais de Fra-goso, o que nos levou a admitir que seja ele mesmo o seu autor.Não encontrámos o texto em qualquer outra compilação do sé-culo XVI; não vem citado no índice do Códice Cadaval (da segundametade do século XVH), não está na Arte de Navegar de ManuelPimentel, nem em qualquer dos manuscritos que nos foi possívelconsultar. Transcrevemo-lo no anexo VII.

f) «Derota de quochym pera o porto de satagão» (fls. 38r--40v), que de início se aproxima de um roteiro de João de Lisboa46

sobre a mesma derrota, mas depois difere bastante dele; reprodu-zimo-lo no anexo VTIL

g) «Viagem da bara de satagam pera ceylam» (fl. 41), breveapontamento que damos no anexo IX.

h) Vários conselhos de carácter náutico para quem tivesse deentrar ou sair a barra do rio de Satagão, que também nos nãolembramos ter visto em qualquer colectânea dos séculos XVI e XVII;por isso damos o texto no anexo X.

42 Informação de Fontoura da Costa, loc. cit., pp. 437-8; m a s não seráan tes Duar te Cabre i ra? Acrescente-se que Manuel Pimentel t ambém incluium roteiro modernizado de Cochim pa ra Bengala, na sua Arte de Navegar,ed. de 1712.

43 No trabalho inédito já citado.44 Alguns parágrafos iniciais deste roteiro também estão, com variantes,

no Livro de Marinharia anónimo da Academia de Madrid.45 Le Grand Boutier de Mer de Iean Hvghes de Linschot Hollandais,

pp. 28-30, Amsterdam, 1638.46 João de Lisboa, 236-8.

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5. As dez peças do códice que considerámos conveniente publi-car no final desta comunicação mostram que se trata de um textode relativo valor; é evidente que o seu conhecimento não vem revo-lucionar o que se sabe acerca da marinharia portuguesa dos séculosde Quinhentos e Seiscentos, mas ajuda a apurar certos textos daarte náutica e sobretudo revela um conjunto de roteiros que, em-bora se não refiram a carreiras de primordial importância (ressal-vado talvez o caso daquele que refere a viagem de Cochim paraBengala) são, no entanto, extremamente valiosos, como de iníciose disse, para quem se sinta com ânimo para ordenar e estudarem pormenor a roteirística portuguesa daqueles dois séculos. Tra-balho que há-de ser demorado e árduo, mas que já tarda a ser feito.

ANEXOS

Na transcrição apenas desdobrámos as abreviaturas e substi-tuímos o til pelas consoantes m ou n, quando não se nos ofereciamdúvidas, e introduzimos maiúsculas no início dos parágrafos, bemcomo a pontuação indispensável para texto ser mais facilmentecompreensível. Vão entre colchetes as palavras ou letras por nósacrescentadas.

I. Regymento pera saberes per todo o anno omde sealevanta o sóll e se pom e a quantos de cada mesemtra o soll em quada hum dos synos do zodyaco.

It. — Aos 11 dyas do mes de março esta ho soll no prymeyrogrão de aryes e emtam esta na lynha ecanjcyall, e nace o soll emleste e pom se ha loeste, e som emtã os dyas e as noytes ygoaesem todo ho mundo.

It. — Aos 11 dyas do mes dabryll esta o soll no prymeyro[grau] de tauro, e creçe o soll pela parte de norte nua carta;naçe emtam em leste e a quarta do nordeste e pomse a lloestee a quarta do noroeste.

It. — Aos 12 de mayo esta o soll no prymeyro grão de yemynjs,e naçe o soll em les nordeste e pomse a loes noroeste, e creçe osoll pera a banda do norte duas quartas.

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It. — Aos 12 dyas do mes de yunho esta o soll no prymeyrogrão de camcer, e naçe emtam ho soll ao nordeste e a carta deleste e se pom ao noroeste e a quarta daloeste, e creçe o sollpela banda do norte 3 quartas; esta emtam no tropyqo de camçer,que e na mor altura pela parte do norte, e asy acaba de creçere começa de mjngar atee aos 13 de setembro, que esta na equa-nucyall.

It. — Aos quatorze otyas do mes de yulho esta ho soll no pry-meyro grão de Íleo, e naçe emtã o soll em les nordeste e se poma loes noroeste, e mynga o soll húa carta pela parte do norte.

It. — Aos 14 dyas do mes de agosto esta o soll no prymeyrogrão de virguo, e naçe emtã o soll em leste e a carta do nordeste ese pom a loeste e a quarta do noroeste, e mjnga o soll .2. quartaspela parte do norte.

It. — Aos 14 dyas do mes de setembro esta o soll no prymeyrogrão de lybra, que esta outra vez na equanjcuall, e naçe emtamo soll em leste e pomse a loeste e sã emtõ os dyas e as noytesjyig'oa[i]s em todo ho mundo, e mjnga o soll .3. quartas, e creçepela banda do norte, e daquj haquaba de mjngar e quomeça de cre-çer pola banda do sull.

It. — Aos 14 de oytubro naçe o soll em leste e a carta dosueste, e creçeo pela banda do sull huma quarta, e asy creçe osoll .3. quartas pela banda do norte e outras três pela bandado sull, e as mesmas torna ha mjngar hate chegar1 ha lynhaequanuncyall.

It. — Aos 13 de nouembro esta o soll no prymeyro grão desagytaryo, e naçe emtam o soll em les sueste, e creçe o soll pelabanda do sull duas quartas.

It. — Aos .12. de dezembro esta o soll no prymeyro grão decapycornyo, e naçe emtã o soll ao sueste e a quarta de leste e sepom ao sudueste e a quarta de loeste; e neste tempo esta o sollna sua mayor alltura da banda do sull, que he no tropyquo quese chama quapycornjo, e faz emtam de decrynaçã .23. graos s .33.minutos; atee aly acaba de creçer e dahy começa de mjngar hateeos .10. dyas do mes de março, que acaba de mjngar de todo, queesta emtom na lynha equanucyall.

It. — Aos 11 de yaneyro esta o soll no prymeyro grão de acaryo,e naçe emtom o soll em les sueste e se pom o loes sudueste, e myngaho soll pela banda do sull hua quarta.

O Ms. repete: «hatee chegar».

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It. — Aos .10. de fevereyro esta o soll no prymeyro grão depycys, e naçe emtom o soll em leste e a carta do sueste e se poma loeste, e a qua[r]ta do sudueste, e mjngua ho soll pola bandado sull duas quartas.

It. — Aos ,10. dyas de março esta o soll no quabo da sua dera-deyra casa de pycys .s. que esta emtom na lynha ecanúcyall, omdeprymeyramente sayo, e sam emtom os dyas e as noytes ygoa[i]sem todo ho mundo, e nace emtam ho soll em leste e se pom aloeste dereytamente por estar o soll emtam no meo do mundo etanto halumea pera hua parte quomo pera outra, hasy alomeaambos os poios yguoallmente, e mjnga três cartas pela banda dosull, haquabado de fazer ha sua decrynaçam; haquaba o soll seucurço e começa novamente de creçer pera ha bamda do norte.

II. Regra pera tomar a alltura do cruzeiro do sull coma balestylha

It. — Prymeyramente esperaras que seya posto em lynha de-reyta perpemdecular .s. norte e sull com os poios do mundo, e comoasy for tomaras ha estrela de pêe, por ser grande e mays craraque as outras e mays cheguada ao polo a estrela, e ysto com habalestylha pelo modo que se toma ha estrela do norte; e despoysde a teres tomada veras quantos graos tomastes, e se forem .30.estarás na lynha, e see fores menos de .30. os que menos foremestarás na lynha pera ha bamda do norte, e se forem mays de 30estarás da lynha pera a parte do sull; hasy que per esta regrasaberás tomar alltura na estrela do pee.

It. — Se qujseres tomar ha estrela da cabeça também hopodes fazer porque ho modo de repartyção não he mays hum queoutro, salluo que esta haynda em mays alltura que he .35. graosdo polo a estrela que he sull; e se a tomares em .35. graos estarásna lynha, e se forem menos de .35. estarás da lynha pera bandado norte, e se forem mays de .35. os que forem mays estarás dalynha pera a bamda do sull.

It. — Se qujserdes tomar ha estrela do braço daloeste tambémo podes fazer, por que ha comta não he mays que a de çyma, senom que o afastamento desta he .34. graos do polo, e todallasvezes que tomares ha estrela em .34. graos estarás na lynha, ese tomares menos de .34. os que forem menos estaraas da bamdado norte, e se tomares mays de .34. estarás da parte do sull.

It. — Se qujseres tomar a estrela do braço de leste amdaem .33. graos do polo, e se qujseres tomar serás havysado que olhesbem quall he a de leste e de loeste por causa da comta, e setomares esta de leste em .33. graos estarás na lynha, e se forem

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menos de .33. os que menos forem estarás da lynha pera ha partedo norte, e se tomares mays de .33. os que mays forem estarás dalynha para ha bamda do sull.

Regymento pera tomares ho cruzeyro do sull omdeho vyres.

It. — Saberás que neste cruzeyro do sull amdõ cymquo estrelas,as quatro sam da segunda grandura e húa da qujmta grandura eesta notyffyquada ha respeito das quatro; e esta fegura deste cru-zeyro conheceres por huma espera plana que pera ysso ffys naquall hasytuey as dytas estrellas na letetude que tynham do pollo,e asy ordeney dous synos segundo sam affegurados no çeo emsuas llatetudes, pelos quãys conhecerão os synos e conhecemdohum conheceres os outros todos2.

It. — Quando ouveres de tomar a este cyrculo as de agardarque seya feyto em cruz e que este ha cruz dereyta .s. que este aestrela da cabeça com ha do pêe em huma llynha perpendycular;e emtão esta a estrela do pêe e a da quabeça em huma lynha de-reyta do norte e sull com ho polo do mundo; emtam as de tomarha sua alltura estando hasy a estrela do pêe affastada da equanun-cyall .60. graos estando asy dereyta, quomo dyto he, emtão ffarastua operação propyamente como fyzeste da parte do norte; e seo cruzeiro decrynar logo veras pela fegura que see hyraa acostando,ao8 quall se vêe muito mjlhor que no norte; e se nom [for] bemdereyto nom o tomeys porque he fora da lynha com o polo; asyque asde emtender que quanto ha agulha tomar do sueste ou dosudoeste pellos quartos da cayxa se he dereyta outro tanto tomaresa ffroll de lyz oposytamente da parte do norte, hasy que quantose tomar da húa parte tanto se tomara da outra ao comtrayro4.

E por este cruzeyro ueras verdadeyramente quanto estas afas-tado da equanúçyall ou se estas debayxo dela e ysto mays semtrabalho que pelo soll; e este cruzeyro e muito neceçaryo aos nave-gantes por que allguas vezes se emleam no quambar das sombras,ho que não faryom se tyvesem temto do soll, por que elle lhes dyra

2 o desenho foi omitido; mas encontra-se nas cópias do Tratado daAgulha de Marear de João de Lisboa e de Bernardo Fernandes.

a Assim no Ms., mas devia estar ho.4 Este passo é tirado do Tratado da Agulha de Marear, mas está obs-

curo; quer dizer que o ângulo que a extremidade sul da agulha se afasta parasueste ou sudoeste é o mesmo que a extremidade oposta se afasta do nortepara noroeste ou nordeste, respectivamente.;

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omde sam; e asy as vezes temos ho soll perpemdycullar e nom nospodemos bem aproveytar da alltura, emtão de mujto mjlhor tomarha estrela por ser grande e bem crara, ha quall tem de decrynação.30. graos do polo, como dyto he, que he ha estrela do pêe, e sea qujseres tomar sabendo ho seu moto yrcular [i. é: circular] ,s.ha da quabeça tem de afastamento .33. graos e ysto se emtende dopolo do mundo e a estrela; quando ouveres de tomar aalltura docruzeyro tomaras pela estrela do pêe por ser mays propymqua aopolo, e não podendo ver esta tomaras pela da cabeça; e tomandoa do pêe veras quantos graos tomastes e se tomares .30. graosestarás na lynha equanuçyall e nom tomando os .30. graos os quemenos tomares de .30. estarás afastado ao norte da ecanúcyall, etomando .35. graos ou mays os que passarem de 30 graos seráshapartado da lynha ecanuçyal pera ha bamda do sull; e por estarezom saberás pelo cruzeyro quanto estas affastado da equanúçyale hasy se pode tomar este cruzeyro em todos os lugares damdo lhesnas lynhas .15. graos haçyma ou abayxo, segundo ho llugar emque esteveres; e por esta maneyra ff aras a este cruzeyro comoao norte.

It.—As de saber que este meredeano vero homde as agulhasverdadeyramente ff erem no pollo do mundo artyco e antartyco da5

ylha de santa marya e a ylha de sam mjgell, quer as6 ylhas doshacores, que som a ocydemte de lysboa 210 lleguoas, e dahy devydea espera allta da bayxa em duas partes yguaes e pasa amtre asylhas de quabo verde e por çyma da ylha de sam vycente ao caboverde e ao [cabo] ffryo e ao cabo de boa esperamça ffyxas no polodo mundo e ysto por mujtas vezes; como se dele saem logo as agu-lhas fazem conheçymento do outro meredyano e por que nom tamtoa oryentall nem ao oçydentall que me varyasem mays que duascartas no machey outro meredyano salluo este, e deste faço decra-raçon por que o ali será openjom querer certyfyquar aver ahyoutros omde agulha torne ha comcertar e porrem segundo rezamasy ho deve de ser e asy ho decrara a poma por suas cartas, mayscomo nom seya esprementado lhe nom dou credyto.

It. — pera saberes como as de ter a agulha na mão pera lhedares ho seu hollyvell, porque de outra maneyra serya fallço, haotomar desta agulha nas mãos as de olhar que a tenhas sempre aolyvell, porque sendo hacostada a agulha nom se fará por ellaverdadeyra operação, e asy mesmo as de ver que ese mesmo cyrcullonom yaça acostada mãys o gynete daa quayxa este por meo darosa; e vymdo hasy emtam tem seu hollyvell estaa pera se fazer

B É evidente que faltam palavras: o texto quer dizer que o «meridianovero» passa pela Ilha de Santa Maria e pela Ilha de S. Miguel.

« Há erro evidente; devia talvez estar: que são nas.

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verdadeyra oparação, emtão bornearas pollos furos do çemecyr-cullo ao pêe do cruzeyro hatee que seya metydo por ambos os furos,emtom veras homde ha pomta da ffroll de lys dagulha pelas cartasque vão ao llomguo da quayxa e omde apomtar aquela he a defe-rença da tua hagulha, e asy veras o parallelo, que [é] pera saberesquamto as de dar por quarta, por que as quartas nõ som ygoãesem leguoas, por respeyto da estreytura da espeera.

Laus deo.

III. Regymento pera se vos hacharães no mar semagulha.

Se per vemtura vos achardes no mar sem agulha pera dar camj-nho terees esta maneyra e estyueys 7 as lleguoas que ha não amdarde meio dya a meio dya e outro sy por pesoas que o emtendom peramjlhor ho acertar e des que forem estymadas, tomareys vosaalltura ao meo dya com estrelabyo ou quadrante; e como o tomardesfazeylhe vosa comta e com ella vos vymde ha vosa carta e toma-reys num compaso na mão e tomareys com elle os graos em quefycastes, e com ho outro tyrareys as legoas que tendes estymado,e como tyverdes ysto feyto tomareys o compaço das lleguoas eporeys huma das pomtas no lugar domde partystes, ou ho dera-deyro pomto homde vos faleçeo hagulha, e vymreys com ho daalltura pello parai [elo] abayxo hatee omde se tocarem as pomtas defora e poreys hahy hum pomto, aymda que seya a re do lugardomde partystes ou ho deradeyro pomto, e como de feyto podeystornar atras; e despoys de terdes o pomto posto, tomareys humcompaso na mão e busquareys rumo homde vos demora o novopomto, e como ho tyverdes sabydo ha que rumo vos demora sabe-reys se fostes ha ree se avante, e emtom vos podereys emmendarpolo norte ou estrela de que tenhays conheçymento, hatee ver haterá.

IV. [pera saber a concorrente da llua ê quallquer anoface assim.}

It. — Toma o pollegar e as 3 jumtas da parte de fora e sabeque a jumta dareiguada vai 10, e a segunda 20, e a 3a. 30. E sabidoo áureo numero daquele afio contalloas polas jumtas começandoda raiz até acabar; e se for na primeira vai 10, na 2a. vai 20, e naterceira vai 30; e depois de sabida a valia e a jumta em que cair,ajuntalhe o áureo numero, e se não achegarem a 30 os que nã

7 Assim o Ms.; leia-se estimareis.

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288 MEMÓRIAS DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA

chegarem tomarlhosemos todos, e por 30 tomaremos hum. E osque sobejarem de 30 também os tomaremos, e será a comcorrente].(João de Lisboa).

Regra pera tyrares as luas novas pela conta desálamam

It. — pera tyrares a Uua quantos dyas de cada mes he nova,olha que mes queres saber, ponho por caso que queres saber a luade dezembro; ora toma o que teens de concorente e ayumtalhetamtos dyas quantos meses forem pasados .s. comtamdo de marçopor dyamte por cada mes hum dya; dyzes que queres saber halua de dezembro e que tens .15. de comcorente, e de março atedezembro a dez mays, que são dez dyas, e yumtos com .15. sam.25. dyas; então que tens .25. olha quamtos lhe faltão pera chegara .30. e bem ves que lhe falltão .5., a tamtos do mes será a lluanova .s. os dyas de dezembro; e se per vemtura a comcorente e osdyas dos meses que lhe asyayuntares pasarem de .30. farás emtamtua comta com os que lhe faltarem pera .60., e tamtos quantos lhefalltarem pera carar .60. a tamtos dyas de aquele mes será lua nova;ponho por caso que tens .30. de comcorente e 10 dos meses quesão .40. faltam lhe .12. (sic) 8 pera .60. ha .20. de dezembro serálua nova.

V. Travesa de masquate pera ha ymdya

It. — Se atracesares de masquate pera ha ymdya em hagostoyras polo sueste e a carta de leste hata seres tamto havamte comono cabo de rocallgate e daly nom te abayxes do sueste pera ha teráe se os ventos fforem do mar hyras polo sueste e a carta do sullata seres em vymte e hum grão e meio então poderás demandar haterá em leste e quarta do sueste, e deytares ho prumo fora, e seachares sasemta ou satenta braças serás da terá dez ou dozeleguoas, e se achares trymta e seys braças estarás ha vysta daterá, e se for noite nom te acheges mays ha terá; e se vyeres emvymte e dous graos nom te acheges mays ha terá e se acharestrymta braças, por caso da emseada de cambaya, podes hyr porestas trynta braças e nom veras terá da parte de bremja dar lhe asresgardo, e nom te metas na emseada.

Esta navegaçom se emtende em agosto porque som os ponentesverdes que som haymda ponentes.

Trata-se de um erro de transcrição; em seguida dá o número correcto.

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CLASSE DE CIÊNCIAS 289

Harecife de dyo It. — Se vyeres em vymte e hum graospoderás bem hyr demandar a terá, porque tudo he lympo, e podeyshyr sempre por qynze braças; nõ te achegues mays a terá por quehas de saber que da pomta de dyo ha três leguoas pera patê estahum hareçyfe de lomgo da costa húa legoa da terá, e haverá sobreelle huma braça dagoa e menos; e se fores por qymze braças hyraspor fora dela hataa descobryres a pomta de dyo, e serás tamtohavamte como elle.

VI. Derrota de cochym pera bemgala (esta he nova de580 anos)

It. — De cochym pera bemgala farás o camjnho do sudoesteaté te pores em .8. graos, e da hy ffaras ho camjnho do sull ate[te] pores em .5. graos e meio, e da hy farás ho camjnho dosueste por que corem as agoas pera os bayxos de chylão9 e ffaraspor nom abayxares dos .5. graos e meio, por quanto te he neçe-çaryo aver yysta de ceylão, que te fyque da bamda do noroestee de loeste.

It. — Daquj farás o teu camjnho ao nordeste e a quarta denorte ate .12. graos e meio, e daquj farás o camjnho de nordestefranqo hate te pores em .20. graos, e, se nom vyres a terá daraquãoque vas demandar, governaras em leste ha buscar ha terá, e seachares fundo em .20. graos e a terá de arequam10 he .4. ou .5.legoas acharas área meuda, e em .5. ou .6. leguoas desta mesmaterá acharas .56. braças, e se fores pera ho sull hacharas maysfundo, e se fores pera ho norte menos, e tudo vaza.

It. — Ha costa core nornoreste e susueste pouqo mays oumenos; em .20. graos e meio estam dous ylheos pequenos a quechamão narandyva11, estam yunto com a terá e tem mato pequeno;e deles a .7. ou .8. leguoas estam nuas barreyras vermelhas naterá fyrme e toda[s] deçem ao mar, a que chamão os mourosRamgamotym12; e a terá fyrme he toda allta ate ally e parece comchaull ao llomguo do mar, por que asy he verdade, e vjcosa.

9 Situado entre as ilhas de Manar e Pamban, actualmente denominadoAdam's Bridge (Visconde de Lagoa, Glossário Toponímico da Anga Historio-grafia Portuguesa Ultramarina, da que em diante é designado por Glossário,3 vols. + 1 de suplemento, Lisboa, 1950-1954; a referência aos baixos deChylão está em I, p. 237).

10 Actualmente Arekan.11 Identificado no Glossário, II, p. 303.12 Segundo me sugeriu o Doutor Armando Cortesão tratar-se-á talvez

do Monte Toad.

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290 MEMÓRIAS DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA

Synays da bara de bengalla

It. — Destas bareyras vermelhas se vay f azemdo ha costa maysbayxa, e dahy a .7. leguoas esta hum ryo grande e a boca delese faz a maneyra de bayxa. E este ryo he o prymeyro synall que asde ter pera saberes omde estas; e daquj até bemgualla he a terámays bayxa ao longuo do mar e tem arvoredo e mato rallo e basto,a lugares, e este ryo se chama bacala13.

It. — Deste ryo a .7. ou .8. leguoas estão htías moutas e amtedelas esta corymdyva14 e tem de conhecença húas prayas dareabranqua e cymqo arvores que parecem canaveeyras; hyras perfundo de .12. braças e nom te afastaras mays da terá que hualeguoa; holharas por duas moutas de arvores grandes que estão nacosta de norte e sull.

It. — Nã te emguanem outras arvores que estão prymeyro queestas e como te demorarem ao nordeste yllas as demandar; entãoabryras os olhos porque então vas amtre os bayxos que estão antreho mar e a terá de ty e assy arebentão huns e outros, e as vezesnão ha; neste canall acharas .15. ou .20. braças e ysto .20. ou .30.prumadas, aymda que aches .5. ou .6. nã te espantes porque daqujpera benguala he tudo apracelado.

It. — Quando te estas arvores que parecem moutas demoraremem leste es ya de demtro dos bayxos; destes bayxos a bemgallaavera .10. ou 12 leguoas, e hacharas neste camjnho três ryos peque-nos que haverá duas legoas, e na fyn destes três ryos se começahua lombada grosa ao lomgo da praya, e esta lombada temcymqo ou seys arvores grandes, hua he a mayor delias, pareceallyfante15; como fordes tanto avante veres o ryo e mays vereyshúas quasynhas pequenas ao lomgo da praya e hum pallmarantre as casaas.

It.—Sse qujseres emtrar pera demtro hyras polo meio do ryoe acostarteas ante pera a banda das arvores hum pouquo, e acharasde bayxa mar no bamquo da bara húa braça e meia e de preamartrês braças e quatro; e avysartas que se fores pera dentro oupera fora he te a agoa acostar pera a banda do norte he emtãohe neçeçaryo surgyres logo com ancoras que te tenhão, por quecores grande rysquo, por caso da grande corente.

is Situado quase no fundo do golfo de Bengala; vide A. Cortesão, «OsPortugueses em Bengala», in Esparsos I, p. 400, Coimbra, 1974.

!4 Falta no Glossário, mas o autor talvez se refira a Charangia; A. Corte-são, Ibidem, p. 402.

IB Ainda hoje chamada Elephant Point.

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CLASSE DE CIÊNCIAS 291

It. — Como fores leste oeste com a arvore do alyfante guover-naras em lleste e a quarta do sueste; hyras demandar o surgydouroque he açerqua da bara e sempre hyras por sete e por oyto braçasate chegares a seys, e se não tyveres maré pera emtrar surgyrasem seys braças, e se tyveres maré e não souberes emtrar terteasa bamda de lleste hum grande tyro de ffalquã de terá, cometerasa barra e acharas .3. braças e meia ate quatro de preamar; e comosayres da bara lloguo acharas mays ffundo.

It. — Como fores demtro sempre te achegaras a banda de lesteao lomgo da terá quando te parecer que fyquão dous terços do ryopera a banda de loes noroeste e hum pera a banda de leste; hasyhyras dê terá hum terço do ryo que por hahy he o mays allto, atecheguares omde estão duas ylhas, amtre hua e a outra fãz humcanall; guardateas que não vas por elle, yrteas sempre polia bandado sueste damballas ylhas, e como fores lleste oeste com as ylhaspoderás sorgyr em .7. ou .8. braças, porque dahy em dyamte tenshum parcell.

It. — Avera no parcell de grandura hum tyro de ffalcão e averade bayxa mar duas braças e de preamar .3. braças largas, e daqujcortaras ha hua arvore grande he he redonda, que esta na çydade,e como fores em .5. braças arybaras he yrteas ao llomgo da rybeyrahú tyro de espyngarda, he hay he o baylleu16, onde podes sorgyrseguro.

VII. Devota de quochym pera martavam e de martavampera quochym.

It. — Partyndo de martavom pera ha ymdya vyras de lomgoda costa ate tavay, que esta em .14. graos larguos, e dahy atrave-saras a loes sudueste ao sudueste e a quarta daloeste he verasnuas ylhas que estam em .11. graos; e destes .11. graos pera onorte nõ paçees em nenhua maneyra do mundo mays antes por.10. graos e por 10 e meio que tem bons canays pera bem paçarhe avera na traveça .s. da terá fyrme as dytas ylhas 80 legoas,pouquo mays ou menos, ou noventa; e como te fyquarem as ylhaspor popa governaras a loes sudueste .60. legoas e todo o outrocamjnho guovernaras a loeste e a quarta do sudueste e tomarasseybam em boa paragem e lugar lympo; e avera nesta traveçadas ylhas ha seylam .200. legoas pouquo mays ou menos; estasdytas ylhas, per homde has de paçar por .10. graos ou 10 e meio,

i6 Não identificado no Glossário; será talvez Bulua, a que se refere A.Cortesão, loc. cit., pp. 401-2.

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292 MEMÓRIAS DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA

sam duas ordes deytadas ambas norte e sull, e de húa ordem aoutra avera .5. ou .6. legoas, eytor lopez as pasou por .11. graose vyo muito bons canays e mjlhores por o meio, e de .10. graose meio não pasaras em nenhúa maneyra; e as ylhas yazem asy

It. — Outro tanto pode ffazer quem vyer da ymdya pera mata-vom, porque todo ho quamjnho he hum pasando ambas as ordesdas dytas ylhas, como dygo; haverá delas a terá fyrme das dytasylhas 80 léguas, pouquo mãys ou menos, e destas ylhas yras deman-dar ha terá ffyrme; por yres mays certo yras demandar a teráque esta em .13. graos ate .13. e dous terços, que será amtretanaçarym e taavay17, e daquj yras ao lomgo da terá, querpor fora das ylhas quer por demtro, porque por ambos os lugarespodes hyr; por demtro das ylhas ha 6 braças e .7. sete; eu pêrovãz ffragoso fuy por amtre elas e at[r]evasey (?) todas por .6. e .7.braças; e se fores por fora yras dela húa legoa ou duas afastadodas dytas ylhas hate tavay, que chegam as ylhas, e dahy peradyamte hyras ao lomgo da terá obra de 3 legoas dela, porque e poraquj uyo (?) he ha terá hate chegar ha pulo quamude18, que estada bara de martavam sete ou oyto legoas; e deytada toda nortee sull, ao som da costa, veras terá bayxa; e alem desta ylha decamude estão dous ylheos .s. hum apartado do outro que chamão hahum destes a ylha das sebolhas e ao outro dos alhos; estes dytosylheos te ffyquarão a mão deyreyta .s. da banda da terá; e em pasan-do estes ylheos da banda do sueste veras hum lugar com hua varelalô

branca; daquj por dyamte demtro se começa ha bara e entãosurgyras em seys e em sete braças e tem bom tento homde sorgesporque sorgymdo cumprete amarar bem e mjnagoa (sic) meio pormeio do que for ao tempo que sorgyres .s. sorgymdo em seysbraças com pr[e]amar fycaras na bayxa mar em três; e seres avy-

17 Tavai é a actual cidade de Tavoy, na Baixa Birmânia (Glossário III,p. 208); Tenaçarim é localidade da mesma região que ainda mantém esse nome,mas que nos textos portugueses do século XVII também aparece com a formaTanassarim (Ibidem, 196).

is Não identificado no Glossário.ia Templo de idólatras.

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zado que desta emtrada e ylheos de martavam 20 pera o norte nompasaras por nhua maneyra húa soo mea legoa, nem a ydanem a vynda, por que [te] perderas, porque e tudo praçell he bayxosmuito grande corente, e quem Ia vay nom say se nom por graçade deus, e darás bom resgardo porque daquj ya corem as agoascom as mares muito; e hua maré te poderá levar sem tu sentyresaomde te despoys não posas valer, e portanto tem boa vygya emtua não e em as amcoras nom te casem ou quebrem. E logo comopasares taavay acharas as agoas barentas e envolltas; e ao nortedesta bara de martavam olharas e veras três pyquos muj alltos, ehum he mays allto que o outro, que som três varelas que estomnos dytos montes; se os vyres nom vas mays avante porque tefyqua ya ha bara de martavom ha ree, e olha bem que nom pasesdas dytas ylhas das sebolhas e dos alhos porque te yras perderno macareo que esta ha traves das serás de tagala21, porque eu,pêro vâz fragoso estyve em sequo nele, e por húa parte e pelaoutra nom haver agoa mays de dous tyros de espyngarda e mjla-grosamente nos tyrou nosa senhora daly e torney a emtrar porhum ryo que esta da bara do martavao pera o norte duas ou trêslegoas; e este ryo vay ter ao pee da varela de boonay (?), e poraly fomos dar no outro ryo de martavao.

It. — De tavay pera martavao logo acharas a agoa maçada, equanto mays he agoa amvollta mays perto serás de martavam, esendo causo que te aches nesta bara de martavao com agoas vyuasnõ passaras desta ylha das sebolas pera demtro mays sorgyras nelaatee que quebrem as agoas, e com agoas vyvas cometeres esta baranõ hay amaras nem ancoras que te posam ter com ha grande co-rente das agoas e dahy podes mandar teu paro dremtro ha martavaobuscar os pylotos pera te meterem demtro, e como quebrarem asagoas te chegaras ha bara com as agoas mortas.

Ysto me acomteçeo neste macareo na era de 1544 anos aos 16dyas do mes de mayo.

VIII. Derota de quochym pera o porto de satagam ouda costa de charamanãell.

It. — Quem partyr da costa de charamandell pera ho porto desataguam terá tall havyso que va demandar ha terá em vyntegraos, pouquo mays ou menos, ha quall terá são os pagodes deouryxa; ho prymeyro pagode se chama manyquapatão22 e outro

Martaban ou Martabão, cidade da Birmânia. (Glossário, II, p. 245).As serras de Tagala não foram identificadas pelo Visconde de Lagoa.Possivelmente Manipatnão, no litoral de Orissa.

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294 MEMÓRIAS DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA

yaganate, que ho de manyquapatão esta em vymte graos pouquomays ou menos.

It. — Deste pagode ha dezoyto ou vymte lleguoas esta húapomta com húa restymgua pequena que arebemta ho mar nella,e se ff ores allgúa cousa larguo da terá parese[r]tea mar que a re-bêmta na costa.

It. — Deste paguode a esta pomta he tudo praya darea comallgum mato tozado e allgúas arvores antre elles mãys groças;esta pomta se chama quazeguare23; haquy ff az a terá algua cousamays allta quem tem andadas estas dezanove lleguoas.

It. — Esta mesma põmta de quagegare se escomde ha terá humpouquo ao norte ha maneyra de emseada; ysto que parece ençeadanão no he, que he hum ryo grande que dyzem os pylotos mourosque têm quatro braças daguoa na bara e demtro no ryo três emeia; neste ryo se perdeo bastya mde ffarya em húa não sua.

It. — Deste quagegare a quatro ou symquo llegoas esta outroryo que se chama çymgorya24, dyzem os mesmos pylotos mourosque he a mesma aguoa três braças e quatro; na bara deste çym-gorya ha pomta das palmeyras haverá çymquo ou seys lleguoas,de maneyra que deste quagegare a pomta das pallmeyras haverá dezou doze lleguoas.

It. — Quem pasar deste quagegare açyma nomeado, se forem navyo gramde yrsea por sete ou oyto braças pera haver vystadas pallmeyras e também por nom dar na restyngua que esta aolomgo da terá.

It. — Esta pomta das pallmeyras esta em vymte e hum grãoesquaços, ha quall pomta têm húas doze ou trezes pallmeyras,e asy he pomta raza com algua área branqua e os mares quearebemtom ao llomguo delia como restymgua.

It. — Desta pomta das pallmeyras não veras mays terá por quese esconde muyto pera ho norte, e quem quer que ouver dyr peraeste porto têm muyta neçeçydade de aver conhecymento destaspallmeyras.

It. — Por que todo homem que as vyr e tyver conhecymentodelas yrá bem navegado; e vystas e conheçydas as dytas pallmey-ras, governaras ha les nordeste hatee achares dez e doze braças.

It. — Por que se fores ao nordeste das pallmeyras quatro oucymquo lleguoas esta húa coroa darea e darás nella se fores pello

23 Topónimo que não se encontra no Glossário.24 Também falta no Glossário.

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nordeste, e por yso te dygo que vãs em lies nordeste hatee acharesdez ou doze braças.

It. — Desta pomta das pallmeyras quatro ou çymquo leguoasesta húa restymgua que quebra toda em froll, por que eu paseyha terá dela amtre ella e a pomta das pallmeyras por .7. braçase, ymdo asy, em meia parayem da pomta das pallmeyras, obra deduas leguoas da dyta pomta, que aymda vya as pallmeyras, deume hum comtraste pola proa e surgym e estando surto vy a dytarestynga ao sueste e outra ao noroeste, estará húa da outra quatroou çymquo leguoas; e estando asy surto vya as pallmeyras e maysas duas restymgas.

It. — Tamto que deres nestas dez e doze braças ff aras ho qua-mynho do nordeste hatee achares dezoyte braças, por que por estecamynho te yra montrepyquando ho ffumdo ate dares nas dezoytobraças.

It. — Por este quamynho do nordeste te yra demenoymdo hofundo hatee dares em doze braças, e destas doze braças ffaras hoquamynho de nordeste e a quarta do norte.

It. — Por este quamjnho do nordeste e quarta do norte te deme-nuyra ho ffumdo hatee quatro braças e três e meia e três, e homays bayxo do canall quem vay bem por elle.

It. — Por estas três braças e três e meya te durara ho fundoespaço de húa ora, pouquo mays ou menos, e dahy te momtrypy-quara ho fundo hatee três braças e meia e quatro, e como deresnas quatro ou quatro e meya olharas pella terá douryxa.

It. — Se a não vyres nestas quatro braças e quatro he meya,governaras hum pouco ao nor nordeste e logo ha veras, e asy verashúa restyngua ha rebemtar, e se a não vyres não vas mays a teráhatee que a não veyas, mays amtes vay ao nordeste ate que a veyas.

It. — Como vyres esta dyta restymgua olharas pella outra teráde bemgualla que e chatyguão, e em na vêmdo ou amtes veras arestimgua da mesma bamda de chatyguão.

It. — Em vêmdo estoutro bayxo veras ha terá da mesma bamdade chatyguão e mete[r]teas por antre ambas as restymguas, e fy-quartea húa a bamda douryxa e outra a bamda de bemgalía.

It. — Asy ymdo per amtre ambas estas restymgas ya entramdopera demtro, e asy te yra montrepyquando ho ffumdo em seysbraças.

It. — Quem ffyzer estes camjnhos atras dytos e decraradosfallos ha com agulha que lhe noreste[a] húa quarta, por que se forfyxa e ffyzer estes camjnhos açyma escrytos hyra ter na terá debemgalía por caso das vazamtes das mares que o llãocarão ao mar.

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296 MEMÓRIAS DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA

It. — Quiêm partyr da pomta das pallmeyras e quyzer yr pellocanall da terá douryxa fará ho quamynho do nordeste e quarta delleste quatro ou çymquo lleguoas, por que nestas quatro ou çymquoleguoas esta hua coroa darea nordeste e sudueste com a pomta daspallmeyras, e dahy três lleguoas, pouquo mays ou menos, estaoutra restymgua noroeste e sueste com ella lia metydo pera húaençeada.

It.—Dobrada esta restymgua, que te pareça que estas tãmtoavamte como ella, farás ho camjnho do nordeste, e será com agulhaffyxa no norte, e por este camjnho te yra montrepyquando ho ffundoha quatorze e a dezoyto braças.

It. — Por este camjnho tee tornara ha demenoyr ho ffundohate seys braças ou çymquo e meya, e daquj veras terá douryxae yras tomar a re da bara seys ou sete leguoas.

It. — Daquy levaras a rybeyra na mão por ffundo de quatro ouçymquo braças hate veres três ou quatro arvores, húa ante outra,ao lomgo da costa; amtre ellas esta mia pallmeyra que sobe yapor çyma delias; e destas arvores e pallmeyra olharas pela restymgada emtrada da bara e vella as.

It.—Tamto que a vyres achegarteas a ella e yras antre ellae a terá, hate achares ha restymga que pymxa pera a terá doouryxa,com ho prumo na mão ate achares três braças.

It. — Por que estas três braças corem ao llomgo desta restymguaate quayres25 dela e emtrares demtro no ryo ,e olha que destastrês braças te nom achegues mays a terá nem a restymgua, queacharas menos ffundo pera hua parte ou pera a outra.

IX. Vyagem da bara de satagam pera çeylom

It. — Quem partyr desta bara de sataguam e quyzer yr porfora da ylha de çeyllão terá esta maneyra: ff ara ho camynho dosull ate .19. graos, dahy por diamte ffara ho camynho do sull equarta do sudoeste ate .8. graos, que e alltura de batecallou26.

It. — Se destes .8. graos no vyres a terá, ylha as demandar alloeste, e amtes vay pera os sete graos e três quartos que peraos oyto graos, que em sete e hum quarto esta a prymeyra bayxa.

25 Claramente em vez de saíres.26 Devia estar, segundo cremos, Batecala (actual Bhakal), no litoral do

Canará (Glossário, I, p. 96).

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It. — Da prymeyra bayxa a outra mays do sull haverá dozellegoas; esta bayxa mays do çull esta em çymquo graos e meio edaquy ha galhe27 haverá dezoyto leguoas ou vymte.

It. — Esta bayxa mays do sull tanto monta yr a mar delaquomo a terá, yras por omde te no vemto mays servyr.

It. -— Estes camjnhos será mjlhor fazelos com agulha que no-roste[a] húa carta amtes que com agulha fyxa, por te nommeterem nas corentes de tryquynamalleM.

Emtrada por outra bara da banda de leste da barade sataguam; synã[i]s dela.

It. —Se quaso for que escoreres a bara de sataguam pella bandade chatygam, que he da banda de leste ha vamte da bara de sataguamseys ou sete léguas, hacharas húa boqua de hum ryo, por omdepodes entrar muj bem, que parece ençeada.

It. — Na boqua deste ryo esta húa ylha pequena redomda dar-voredo e raza, e de demtro veres de quada bamda do ryo húa arvoremuj to allta a maneyra de cruxeo (?), que parece que ambas estamcubertas dareya.

It. — Estas arvores nã são arvores mas são dous paguodes queesta de cada banda hum; são da feyção do pagode dos xyns queesta em negapatão29, como vyres estes paguodes e esta ylha che-garteas a ella a buscar ho canall que e muito allto, porque poraquy entrou ho navyo de gonçalo rabelo e de luys de mjsqujta.

It. — Desta ylha yras demandar a pomta da terá da banda deloeste e yrteas aquele pagode, por que ay esta hum lugar mujtoffresquo, e ay tomaras hum pylloto da terra que te ponha no ryogramde.

It. — Avysarteas que deste lugar nom partas sem pyloto, porque adyamte tem mujtos esteyros de que nã saberás sayr; e daquyao ryo gramde yras em húa maré.

It. — Desta boqua quamdo vem ao mar nã parese ryo se nãoenseada, nem parece a mesma ylha que esta da bamda de leste porque core a ylha e porrêm veras o pagode da bamda de loeste omdete as de yr.

27 Por to de Galle, no l i toral S W de Ceilão (Glossário, U, p . 64).;

28 Ou Trincomali , na costa oriental de Ceilão (Iãem, I I I , p . 235.29 Por to de N e g a p a t a m , na costa or iental do Indostão (Glossário, I I ,

p . 308).

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298 MEMÓRIAS DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA

It. — Se bem olhares parese[r]tea que vês allgúas pallmeyrasnaquele lluguar, e tomaras quem te ponha no ryo grande, como teaçyma <tyguo.

It. — Desta bara de sataguão hate esta boqua nã ha restym-gua nem bayxo nhu e cheguando ha esta boqua que te dyguo,ou amtes, veras lia pera a bamda de leste ao mar arebemtar hunsbayxos, por que day pera chatyguão tudo he bayxo.

It. — Se caso ffor que vyeres buscar a bara de sataguão, omylhor çynall que tes pera saberes que estas no canall e a corentee as agoas norte e çull; e se te corerêm asy, ff aze teu camjnho.

X. Regymento pera quem vyer de sataguão pera forapolo ryo ábayxo

It. — Saberás que todo ho ryo e ffeyto em pomtas, e farás hocamjnho ao çom delas, asym como vos parecer que defere aguoa,que por hay he allto.

It. — Quando vyerdes pera ff ora, que vyerdes abocar ho ryodo chandaquão30, não vos engane dous esteyros que achareys per-meyro que chegues ha elle.

It. — Tamto que pagardes estes dous esteyros llogo veres horyo de chamdequâo, e se poderdes paçar avamte aliem deles obrade meya leguoa com a maree que trouxerdes quayxe a meyo ryo,e mãys allgua cousa hachegado ha bamda de chamdequâo quea bamda de ouryxa, e aly estareys bem pera pagardes hum bam-quo que esta hum pouquo mays ha vamte que hatraveça todo horyo, e aveyllo de paçar com preamar.

It. — Se nã vyerdes sobre preamar, que vos pareça que nãpodeys paçar este bamquo que esta ha vamte do ryo de chandequãoobra de meya Ueguoa, pouquo mays ou menos, sorgyres em meoryo, allgua cousa mãys chegado a bamda de chamdequâo, em fundode duas braças e mea ou quatro, por que daly estays perto dobamquo.

It. — pera paçardes este bamquo deste lugar homde dygo ve-reys estar húa pomta da bamda douryxa, e abayxo desta põmtapera ho mar vereys estar húa Uombada darvores saradas obrade húa llegoa; e ylaes demãmdar ho cabo delia. Da bamda domar a este mesmo cabo darvores parece como pallmeyras rallas.

80 Chamdecam ou Shandekhan no rio Maghna; vide Armando Cortesão,loc. cit., p. 400.

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CLASSE DE CIÊNCIAS 299

It. — pera bayxo desta pomta darvoredo que aveys de yr de-mandar dous tyros de espymgarda vereys húas moutas darvoresgroças, que não hay outras como aquelas.

It. — No mays allto deste bamco de bayxa mar nõ hay maysde húa braça daguoa, e de preamar três, e como pasardes detrês e meia começareys entrar no allto e çoys fora do bamco, eachegayvos a terá douryxa quanto mays quyserdes por que tudohe allto, e hachareys seys e sete braças daguoa.

It. — Yreys sempre ao llomgo da terá douryxa hate paçardesho ryo damgelym31, e como pasardes ha vamte dela obra de húalleguoa pomde a proa na outra terá de bemgalla, antre duas abertasque sam dous ryos, e ahy chamão a ylha dos galos32, e chegayvosquanto quyserdes a terá, que he allto ate quatro braças de bayxamar, podeys achegar e sorgyr, e não paçareys desta ylha dos gallospor dyamte.

Ylha dos galos

It. — Daquy desta ylha dos gallos ffareys ho camynho daloeste,se vazar a maré, ate que vos pareça que deyxays dous terços doryo pera a bamda de bemgalla e húa pera a bamda douryxa; e seencher a maré governareys alloes çudueste e yreys atraveçar humbamco que tem de bayxa mar três braças daguoa, ffazemdo estecamynho que dyguo.

It. — Como paçardes este bamquo que dyguo, deyxamdo dousterços do ryo pera a bamda de bemgalla e húa parte a bamdadouryxa, dareys em çymquo braças e em çymquo e meia de bayxamar.

It. — Como derdes nestas çymquo braças e çymquo e meiafareys ho camynho do sudoeste se vazar a maré; por aquy yreysmuyto bêm, e olhareys se çoys tanto avamte como a prymeyrapraya dareya branqua que esta da bamda douryxa; e se fordestanto avamte como ellas sereys tamto avãmte como a pomta darestymgua da terá; e olhay por ella e, se vazar aguoa, llogo avereys, e darlheeys o resgardo que vos bêm parecer, he ffareys omesmo camynho do suçudoeste.

si No Glossário refere-se o porto de Angelim (I, p. 33), que se identificacom Hijili, a NW da baía de Bengala; veja-se Cortesão, loc. cit., pp. 400-1.

32 Identificável com a hoje chamada Sangor Island, também situada noNW do fundo do golfo de Bengala {Glossário, II, p. 66), no estuário doRio Hugli.

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300 MEMÓRIAS DA ACADEMIA DAS CIÊNCIAS DE LISBOA

It. — pera saberdes se çoys tanto avante como o meyo da res-tymga da terá, olhay pera a bamda de ouryxa e vereys quatromoutas darvores groças, e se vos demorarem alloeste çoys tamtoavamte como ho meyo desta restymga da terá; e olhay bem quese for meia aguoa vazya aveylla de ver, e fareys ho mesmo camy-nho do çusudoeste, como açyma dyguo, atee çerdes a vãmte darestynga obra de duas lleguoas e meia ou três, pouquo mays oumenos; e por este camynho achareys çymquo braças e meia e seys;e como tornardes a dar nas çymquo ff areys ho camynho do sudoestese emcher a maré, e se vazar ho sudueste e a quarta do sull hatedardes outra vez nas seys e meia e sete, e soys fora de todos osbayxos; e dahy fareys voso camynho ate omde vos parecer bempera segundo a terá domde quyserdes yr.

It. — Por este camynho a menos aguoa que achays foram çym-quo braças e quatro e meia e foram dez ou doze prumadas de quatroe meia e logo montrypycuo (sic) o fundo, e porrem foy com mujtaaguoa chea.

Luís MENDONÇA DE ALBUQUERQUE

(Comunicação apresentada à Classe de Ciências na sessão de 8 de Junho de 1976)