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O MILAGRE ECONÔMICO E O DISCURSO DA CASA PRÓPRIA EM TEMPOS
DE DITADURA MILITAR NO BRASIL: CONSENSO E PROJEÇÃO POLÍTICA
LOCAL EM TEMPOS DE DITADURA (1964 – 1983).
Daniela Reis de Moraes
Universidade Estadual de Maringá
Introdução.
Este texto tem como objetivo refletir sobre a construção do consenso social acerca
do período da ditadura civil-militar brasileira após 1964. A contrapelo da perspectiva
maniqueísta em que o Estado é posto como único elemento determinante para a construção
e manutenção de um governo ditatorial, esta reflexão propõe analisar a ditadura civil-militar
brasileira enquanto um processo complexo e matizado.
Sob esta perspectiva jogaremos luz aos desdobramentos derivados ao período
conhecido como milagre econômico, que auxiliou na emergência e popularidade das ações
militares no Brasil pós 64. Como recorte, analisaremos a questão habitacional, sobretudo, as
relacionadas ao projeto do Banco de Habitação Nacional (BNH), um dos principais
estandartes do projeto econômico ao longo de todo período da ditadura brasileira. Sob uma
ótica mais específica, abordaremos as projeções de poderes políticos locais ligados às ações
federais do BNH, bem como, suas articulações em cidades médias nos perímetros urbanos,
tomando como estudo de caso o ex-prefeito Antônio Casemiro Belinati da cidade de
Londrina-PR, sobretudo, no que toca ao período de construção e desenvolvimento de casas
populares, no município.
1. A ditadura civil-militar brasileira: consenso em perspectivas.
As análises da ditadura-civil militar no Brasil, pós – 64, em sua maioria, está envolta
a uma memória coletiva que enfatiza um discurso voltado para a ideia de manipulação
ideológica e um intenso discurso cercado pelos episódios de tortura, violência e repressão.
Esta visão, analisa as ações militares colocando o Estado como agente ativo e a sociedade
enquanto passiva das determinações “de cima” (grifo meu).
Por outro lado, a historiadora Janaina Martins Cordeiro propõe abordarmos os
aspectos da ditadura no Brasil não apenas por uma lógica advinda do Estado sob a nação,
mas compreendendo quais os mecanismos já existentes nos aspectos sociais que dialogavam
com os interesses dos militares. Desta maneira, Cordeiro deu enfoque às festas cívicas em
comemoração aos 150 da Independência do Brasil, ocorridas entre abril e setembro de 1972.
De acordo com a autora, este período, governado pelo então General-Presidente Emílio
Garrastazu Médici foi considerado o de maior repressão e também o de maior popularidade,
para Cordeiro:
Normalmente identificado ao período de maior repressão e violência do regime,
este foi também o momento em que a ditadura brasileira foi mais popular. No
plano econômico, foram anos de grande prosperidade, o tempo do Milagre
brasileiro, quando os índices de crescimento econômico chegavam a 10% ao ano.
Grandes obras foram previstas – e muitas realizadas –, criando, país afora, um clima de grande euforia. Falava-se – e a propaganda oficial potencializava este
discurso – nas possibilidades de construção do Brasil potência. O Presidente
Médici foi admirado por muitos e querido por tantos outros. Uma vasta onda
ufanista tomou conta do país. Algo muito semelhante, sob diversos aspectos, ao
que ocorrera no país na segunda metade da década de 1950, durante os anos
dourados do governo Juscelino Kubitschek. (Cordeiro, 2012, p. 84).
Não obstante, acompanhando a esteira das ações do governo, em 1971 foi criada a
Comissão Nacional para programar e coordenar as comemorações do Sesquicentenário da
Independência e em 1972 foi organizado a Comissão Executiva Central (CEC), responsável
por dirigir e coordenar as festividades da celebração. Além de tais comissões, a atmosfera
ufanista obteve apoio de Ministros da Justiça, das Relações Exteriores, da Educação,
Marinha, Exército e Aeronáutica, bem como forte apoio dos chefes dos Gabinetes Militares
e Civil da Presidência da República, o presidente do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB). Outras organizações também se envolveram, como o Conselho Federal
da Cultura, Associação de Emissoras de Rádio e TV e a Associação Brasileira de Rádio e
TV.
A difusão do espírito nacional, sob os moldes da ditadura, foi fomentada por
diferentes estâncias e instituições importantes na formação de uma ideia de nação. Mas, de
acordo com Cordeiro, foi no ambiente escolar que os militares investiram e obtiveram
retorno, sobretudo, na adesão das jovens mentes que ocupavam tal espaço. Segundo,
Cordeiro:
Se concordarmos que as comemorações encontraram nas escolas um espaço
frutífero para se realizarem, é importante, antes de mais nada, refletir sobre as
formas a partir das quais esta instituição se transformou num espaço apropriado a
este tipo de evento. Ou antes, é preciso perceber a escola como um dos canais de
expressão de uma cultura cívica brasileira já profundamente enraizada na
sociedade. Além disso, a participação massiva de escolares nas festas cívicas não é uma novidade da ditadura civil-militar. Durante o Estado Novo varguista, por
exemplo, a valorização da participação infanto-juvenil também se constituiu em
importante aspecto das festas cívicas do período. De acordo com Maurício Parada,
para o período aberto pelo golpe de 1937 [...]”. (CORDEIRO, 2012, p. 93).
Todavia, podemos perceber que as festividades que envolveram o Sesquicentenário
da Independência do Brasil, catalisaram os sustentáculos de representatividades do corpo
social e, por sua vez, contribuíram para a construção e manutenção de um consenso dentro
da lógica da ditadura. De acordo com o dicionário de conceitos políticos organizado por
Norbert Bobbio, de acordo com Giacomo Sani, compreende-se por consenso:
[...] a existência de um acordo entre os membros de uma determinada unidade
social em relação a princípios, valores, normas, bem como quanto aos objetivos
almejados pela comunidade e aos meios para os alcançar. O Consenso se expressa,
portanto, na existência de crenças que são mais ou menos partilhadas pelos membros de uma sociedade. (SANI,1998, p. 242).
Desta maneira, Sani nos auxilia a compreender que o consenso não se aplica em uma
norma homogênea de resignação e/ou aceitação de forma inativa. O consenso, por sua vez,
parte de um acordo, onde há uma relação de interesses e identificações. Outrossim, Sani
salienta que tais acordos e partilhas de determinadas crenças não ocorrem de modo
homogêneo, podendo ser matizados de acordo com as relações de interesses e acomodações
dos objetivos de indivíduos ou grupos. Janaina Martins Cordeiro, interpreta a noção de
consenso de acordo com Sani, para a historiadora:
[...] trata-se, antes, de observar as formas, diversas, a partir das quais as sociedades se expressam com relação a determinados acontecimentos ou
regimes, bem como de compreender o universo de referências simbólicas – e
materiais – acionado em determinadas situações e com o qual setores
expressivos da sociedade puderam se identificar em certos momentos.
(CORDEIRO, 2012, p. 89).
É importante destacar que o consenso em regimes ditatoriais, não se aplica em
categorizar o corpo social como uma aceitação amalgamada e forjada em um discurso
unilateral, avesso à ideia, Cordeiro cerca-se da noção de “consenso” e “consentimento”, com
base nas análises de Didier Musiedlak, ao tratar do consenso estabelecido no regime fascista
italiano, o autor, por sua vez, compreende o consenso como ações sociais polissêmicas.
Desta maneira, as opiniões, ações e comportamentos são transversalmente dialogais. Outro
autor destacado por Cordeiro foi Daniel Aarão Reis:
[...] as relações complexas entre sociedades e regimes autoritários ou ditatoriais,
designa a formação de um acordo de aceitação do regime existente pela sociedade,
explícito ou implícito, compreendendo o apoio ativo, a simpatia acolhedora, a
neutralidade benévola, a indiferença ou, no limite, a sensação de absoluta
impotência” (REIS, 2010, p. 387. Apud. CORDEIRO, 2012, p. 89).
No contexto chileno, a historiadora Verónica Valdivia Ortiz Zárate analisou a
participação popular na ditadura militar de Pinochet (1973-1980). Do ponto de vista
conceitual, seu trabalho buscou repensar a categoria de Estado burocrático autoritário que
permeia a ditadura militar do Cone Sul – americano, sobretudo, no que se refere ao contexto
chileno. De acordo com a autora, o regime militar de Pinochet contou com uma considerável
adesão popular, mormente, intensificado por instituições como a Secretaría de la Mujer,
Movimiento Alessandrista, bem como agremiações como a de Jaime Guzmán, todos
apoiadores civis que fomentaram o consenso da ditatorial no Chile. De acordo com Zárate:
La vía asistencial, por su parte, buscó recomponer la relación del Estado con el
pueblo, pero no con la creación de una red de derechos –al menos hasta 1980, cuando se institucionalizó el Estado subsidiario–, sino como asistencialidad o
beneficencia. Los CAD, la acción social desarrollada por las damas de colores, o
el PEM respondieron al contexto y a la necesidad de dotar de legitimidad social al
gobierno. Aunque estas medidas no apuntaban a la sociedad en su conjunto, sino
a grupos pequeños y con una acción focalizada, alcanzaban alta visibilidad en el
marco del desamparo y del control de los medios de comunicación, especialmente
de la televisión. (ZÁRATE, 2010, p. 200).
Em uma análise do contexto da ditadura na Argentina, o historiador Daniel Lvovich
apontou os cargos públicos, sobretudo, criados pela rede burocrática do Estado, como
elementos de ambição no aspecto de ascensão de carreira. Aqui, Lvovich faz uma profícua
observação, os interesses pessoais se intercalam aos interesses macros fomentando um
consenso no contexto ditatorial, aspecto este, tão sutil que se dissolve nas articulações
militares entre as ânsias rotineiras civis. Assim, Lvovich aponta:
Así, para el caso de las burocracias provinciales y municipales se ha constatado
que buena parte de los cargos directivos fue ocupada por personas que, sin
adscribirse al régimen, encontraron en el contexto dictatorial una oportunidad de
ascenso laboral. En tal sentido, las regularidades de la vida burocrática y las
pequeñas ambiciones personales incidieron sobre la decisión de asumir cargos
públicos en un contexto de dictadura, posibilitando así el funcionamiento efectivo
de las instituciones estatales de distinta importancia y nivel. (LVOVICH, 2008, p.
298).
Assim, partindo de uma leitura do consenso como uma construção polissêmica, ao
lançarmos nosso olhar frente à ditadura civil-militar no Brasil, analisaremos outros aspectos
que nos chama atenção enquanto sustentáculo das ações de manutenção do regime militar
ditatorial. Desta maneira, as construções de casas populares, financiadas pelo Banco
Nacional de Habitação nos revelam meios que sustentaram o discurso de progresso e Estado
voltado para as “mazelas” (grifo nosso), provocadas pela ideia de carestia habitacional.
1. Banco Nacional de Habitação: a assepsia da pobreza e a legitimação do Estado
ditatorial.
O Banco de Nacional de Habitação (BNH) e o Sistema Financeiro de Habitação
(SFH) foram criados pelo decreto Lei nº 4.380 de 21 de agosto de 1964, sob a regência da
Ditadura Militar. O objetivo do programa era de construir casas próprias para aquisição de
famílias de baixo poder aquisitivo. Segundo o sociólogo Gabriel Bolaffi, as fontes de
recursos de capital eram basicamente duas, a arrecadação do Sistema Brasileiro de Poupança
e Empréstimos (SBPE), o que correspondia ao conjunto de recolhimento de letras
imobiliárias e das cadernetas de poupança; a outra fonte foi capitalizada em 1967 e era
oriunda do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), gerado a partir do fundo
compulsório dos trabalhadores formais da economia do país. O sociólogo observou que tais
capitalizações foram responsáveis por elevar o BNH ao segundo maior do Brasil, na época
(BOLAFFI,1977, p.48).]
Os objetivos do BNH foram sempre ressaltados como uma política de governo
voltada para o beneficiamento das camadas populares de baixa renda, que ainda não haviam
adquirido sua casa própria. Nos relatórios expostos pelo Banco, as principais definições
eram:
1. Coordenação da política habitacional e do financiamento para saneamento;
2. Difusão da propriedade residencial, especialmente entre as classes menos
favorecidas;
3. Melhoria do padrão habitacional e do ambiente, bem como eliminação de
favelas;
4. Redução do preço de habitação pelo aumento da oferta, da economia de escala na produção, do aumento da produtividade nas indústrias da construção
civil e redução de intermediários;
5. Melhoria sanitária da população;
6. Redistribuição regional dos investimentos;
7. Estímulo à poupança privada e, consequentemente, ao investimento;
8. Aumento da eficiência da aplicação dos recursos estaduais e municipais;
9. Aumento de investimentos nas indústrias de construção civil, matéria de
construção e de bens de consumo durável, inicialmente de forma acentuada – até
o atendimento da demanda reprimida – e de forma atenuada, mas permanente, para
o atendimento das demandas vegetativas e de reposição;
10. Aumento da oferta de emprego permitindo absorver mão-de-obra não especializada;
11. Criação de polos de investimento com a consequente melhoria das
condições de vida nas áreas rurais. (BOLAFFI, 1977, p. 49).
A partir do exposto, podemos observar que o BNH enfatizava a construção de
casas populares como objetivo de sanar um “mal” que assombrava a sociedade brasileira, ou
seja, a falta de habitação. Além disso, a construção civil, de casas populares abarcava as
demandas de circulação de capital e geração de empregos. O que se apresentava como uma
“solução” para a situação econômica de altas inflacionária do país, na época.
É relevante a reflexão acerca da gerência do SFH, pois esse órgão atuava a partir de
dois subsistemas, o SBPE (Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo); já os recursos
das cadernetas de poupança e dos demais títulos imobiliários eram recolhidos pelas
associações responsáveis pelas poupanças e empréstimos. Esse capital era direcionado às
empreiteiras que apresentavam projetos de edificações tanto conjuntos habitacionais
horizontais quanto verticais; essas construtoras, por sua vez, cuidavam de encontrar o
terreno, gerir a planta e repassar a venda dos imóveis aos mutuários. Por sua vez, os maiores
beneficiados eram os donos de empreiteiras que lucravam largamente com o negócio da casa
própria.
A função do BNH não se limitava à articulação financeira. Segundo a geógrafa
Andréia Rodrigues dos Santos Beidack, o banco tinha a incumbência de promover a
distribuição das verbas de acordo com as maiores necessidades no país, ficando, sobretudo,
na erradicação das favelas. Outra ação gerenciada pelo BNH era o de fomentar a dinâmica
de investimentos na indústria de construção civil. A ideia era de junto com a edificação das
casas populares, o Estado auxiliaria na promoção e incentivo dos municípios a consumirem
os materiais de construção da própria região, dinamizando assim a economia a partir dos
setores envolvidos na área de habitação.
Nesse contexto, surge a Companhia de Habitação (COHAB), empresas mistas
sob o controle acionário dos governos estaduais e/ou municipais. Assim, essas companhias
obtinham as verbas do BNH mediante a apresentação de projetos que deveriam ser revisados
e habilitados pelo Banco e dessa forma aprovados para construção. O BNH também atuava
como órgão de fiscalização desses empreendimentos de acordo com o objetivo de garantir
que as habitações fossem destinadas às camadas pobres de cada município. A
responsabilidade dessa fiscalização era auxiliada pelos órgãos estaduais e municipais de cada
região.
Nessa tela, o BNH procurou articular uma gestão que enfatizasse o discurso das
habitações sociais. Sobre essa questão, o governo vigente traçou uma fala que tratava a
habitação como um grave problema a ser combatido pelo Estado. Esse por sua vez, investiu
no propósito de sanar as carências de moradias e ao mesmo tempo focou nessa área a solução
dos problemas urbanos brasileiros. Na fala da primeira presidente do BNH, Sandra
Cavalcante:
A Revolução vai necessitar de agir vigorosamente junto às massas. Elas estão órfãs
e magoadas, de modo que vamos ter que nos esforçar para devolver a elas certa
alegria. Penso que a solução dos problemas de moradia, pelo menos nos grandes
centros, atuará de forma amenizadora e balsâmica sobre as suas feridas cívicas.
(MENDONÇA, 1990, p. 98).
A dinâmica do BNH se limitou em gerenciar a capitalização de verbas para aplicação
na construção civil, sobretudo em moradias populares. Entretanto, após a arrecadação, o
BNH repassava a responsabilidade das construções às Companhias de Habitação (Cohabs),
essas por sua vez precisavam seguir todo protocolo estabelecido pelo BNH. Para efetivar as
construções de casas, as Cohabs “só podiam se qualificar para a obtenção de empréstimos
junto ao Serviço Federal de Habitação e Urbanismo, se a elaboração dos referidos planos
fosse confiada a empresas privadas”. Assim, todo o processo de construção de habitações
foi alocado nas mãos de construtoras particulares que geriam a formação dos conjuntos
habitacionais, ou seja, a construção de casas populares se transformou em um rentável
negócio de lucratividade privada. (BOLAFFI, 1979, p.52).
Dessa maneira, a habitação passou a tomar lugar de destaque na realidade
governamental durante o período da ditadura militar, assim como outras frentes, tais como a
educação e a cultura. A moradia foi apropriada pelo governo como ferramenta de dominação
ideológica. A atmosfera de que o então governo sanaria os problemas de moradias acabou
por criar uma sensação de “bem-estar social” no país. A casa própria, no período da ditadura
militar recebeu um status de “liberdade”, “autonomia” e “segurança”. A casa enquanto
elemento simbólico, esclarece a visão da casa representada pelo Banco Nacional de
Habitação e a ideologia propagada de legitimação, pelo governo militar.
2. Os conjuntos habitacionais em Londrina: a casa popular elemento de projeções
políticas e financeiras.
Antes de adentrarmos no processo de construção dos conjuntos habitacionais em
Londrina, é importante que compreendamos as suas conjunturas. As décadas de 1960 e 1970
foram representativas em relação às mudanças conjunturais econômicas paranaense e
consequentemente do município. Com investimentos voltados à industrialização do estado,
o mercado do café, ressaltado como protagonista de áureos temposi do progresso paranaense,
bem como em Londrina, perdia fôlego nessa cultura em específico ii.
Nesse momento, Londrina passou por alterações na sua dinâmica socioeconômica,
passando de “polo agrícola” para atividades do setor terciário, sobretudo, o comércio e
prestação de serviço. Tais fatores se fortaleceram ao ponto de expandir a urbanização do
município e sobrepor novas exigências a partir das então transformações conjunturais.
Essas mudanças conjunturais seguiram um alinhamento das transformações no
quadro nacional. Segundo Thaís Troncon Rosa (2008), o crescimento urbano vertiginoso no
Brasil ocorreu a partir de 1960 e assim, como as demais cidades do país, Londrina
atravessava a realidade de crescimento em sua população urbana. Esclarece Vitor Hugo
Teixeira Martins que esse fenômeno acompanhava as transformações agrárias ocorridas no
campo durante as décadas de 1960 e 1970, “destacando-se as mudanças da cultura do café
(...), provocando a expulsão da população rural para as cidades”. (MARTINS, 2007, P.17).
Diante dessa conjuntura agrícola o meio urbano absorveu essa demanda populacional que
buscava na cidade oportunidades de emprego e renda, que havia sido cerceada no meio rural.
Segundo, o geógrafo, Victor Ugo Teixeira Martins, os primeiros conjuntos
habitacionais construídos pelo financiamento do BNH, em Londrina, foram destinados às
ações de erradicar as favelas do município, sobretudo, durante o mandato do então prefeito
Dalton Fonseca Paranaguá. No entanto, os primeiros conjuntos possuíam ainda uma tímida
quantidade de unidades habitacionais, frente à demanda da cidade de Londrina. Mesmo que
tais construções tenham afetado de modo significativo às famílias beneficiadas, bem como,
tenham atuado, inicialmente à camada de escopo pelas propagandas do BNH, ainda assim,
os conjuntos habitacionais durante toda a fase de empreendimento do Banco, foram
insuficientes diante do propósito social de desfavelamento do município. Abaixo, segue a
tabela demonstrativa dos conjuntos destinados ao deslocamento de favelas para os bairros
financiados pelo BNH e articulados pela Cohab de Londrina:
Tabela 1. Conjuntos habitacionais destinado à desfavelização.
Nome dos
Conjuntos
Habitacionais
Ano Unidades Unidades
destinadas ao
desfavelamento
Localização
Barra Vento 1971 34 34 Leste
Pindorama I 1972 116 116 Leste
Pindorama II 1976 53 53 Leste
Novo Amparo 1980 369 369 Norte
Santiago I e II 1988 38 38 Oeste
No entanto, outros conjuntos habitacionais entregues pelo BNH na cidade, possuem
outra realidade. Apesar do discurso social acerca da “falta de moradias”, endossar fortemente
uma das justificativas da intervenção dos militares no governo brasileiro, os conjuntos
habitacionais em Londrina demonstram que a construção de casas populares embasou uma
lógica de mercado de favorecimento das construtoras privadas. Abaixo, segue a tabela dos
bairros com maior número de unidades entregues.
Tabela 2. Conjuntos habitacionais com maiores números de casas construídas.
Fonte
organizada pela autora, a partir dos dados da COHAB LDA.
Foram mais de 56 conjuntos habitacionais construídos, em sua maioria, sob execução
de empreiteiras privadas que lucraram largamente com o negócio da casa própria popular
(grifo nosso). É importante observar, a relação das gestões do executivo municipal com o
número de construções de casas populares, pois, a partir dessa análise podemos compreender
como a imagem do ex-prefeito Antônio Casemiro Belinati ficou atrelada aos conjuntos
habitacionais de casas populares.
Os conjuntos habitacionais com maior número de unidades foram entregues a
partir de 1979, sobretudo, durante as gestões do ex-prefeito Belinati. A partir do exposto,
podemos compreender como a promoção de casas populares foi apropriada para a construção
de casas populares foi apropriada por Belinati, como forma de ascender e estreitar sua
imagem junto às camadas mais pobres do município. O geógrafo, Victor Hugo Teixeira
Martins, ao analisar as construções dos conjuntos habitacionais em Londrina, comparou as
gestões dos prefeitos municipais, em relação ao número de casas populares. Desse modo, foi
Conjuntos habitacionais Região Unidades Data de entrega.
C.H Annibal de Siqueira Cabral sul 660 1981
C.H Avelino Antônio Vieira oeste 600 1981
C.H Engenheiro Aquiles
Stenghel norte 1000 1980
C.H Engenheiro João Paz norte 814 1980
C.H Engenheiro Luiz de Sá norte 1000 1980
C.H Engenheiro Milton Gavetti norte 740 1980
C.H Ernani Moura Limma I norte 610 1981
C.H Jacomo Violin norte 1536 1983
C.H Maria Cecília Serrano de
Oliveira norte 1978 1983
C. H. Mister Arthur Thomas leste 600 1981
C. H. Oscavo Gomes dos Santos sul 720 1983
C. H. Parigot de Souza I & II norte 1170 1979
C. H. São Lourenço sul 687 1979
C. H. Semiramis De Barros
Braga norte
871 1980
C. H. Vivi Xavier norte 1000 1980
possível perceber a exorbitante diferença entre quantidades de habitações durante as gestões
do executivo municipal.
Na gestão de Dalton Fonseca Paranaguá (1969-1973), foram construídas 1.069 casas,
fase de início da atuação da Cohab em parceria com o BNH. Já na gestão de José Richa
(1973-1977), foram 386 habitações, número relativamente menor se comparado à gestão
anterior e ainda mais à próxima como no primeiro mandato de Antônio Casemiro Belinati
(1977-1982), onde foram assentadas 17.464 unidades, alocadas em 26 conjuntos de moradias
populares, fase de maior atuação e construção de conjuntos habitacionais em Londrina e
região metropolitana. Nesse período foram construídos os conjuntos na zona norte, os
maiores (em unidades) da cidadeiii. Martins, chama atenção para o fato dessa magnitude
quantitativa de casas construídas, no primeiro mandato de Belinati. É justamente nesse
período que o país enfrentava a fase mais intensa de crise financeira e período que o BNH
desacelerou seus investimentos. Entretanto, em Londrina a construção de casas populares
continuou, pois, “no final dos anos de 1970 e início dos anos de 1980 junto ao SFH/BNH
foram construídos já que as verbas estavam alocadas e devidamente destinadas”.
(MARTINS,2007, p.93). Na rápida gestão, substitutiva do vice-prefeito de Antônio Belinati,
José Antônio Del Ciel (1982-1983), não houve construções de casas, apenas o cumprimento
dos contratos com as construtoras e fechamento de atividades. No mandato de Wilson
Rodrigues Moreira (1983-1988) foram construídas 2.864, entretanto, Martins destaca que
nesse período houve o rompimento da Cohab de Londrina com os financiamentos do BNH,
já que esse havia se desmantelado em 1986. Assim, as construções de casas próprias
passaram para os encargos da Caixa Econômica Federal (CEF).
Com a abertura política e os realojamentos financeiros, a construção de casas
populares se afastou ainda mais dos propósitos sociais, não que durante a vigência do BNH,
houvesse exclusividade às camadas de menor poder aquisitivo. Entretanto, após o fim das
ações do BNH e inserção da Caixa Econômica Federal, a habitação deixa de se investir em
uma “solução de problemas sociais” e passa totalmente para os interesses dos agentes
financeiros.
Nesse sentido, em uma análise quantitativa, não se pode negar que a cidade de
Londrina passou por oscilações numéricas no que toca às construções de casas próprias e as
gestões de prefeitos. Se seguirmos essa linha Antônio Casemiro Belinati se destacou dos
demais prefeitos, nesse âmbito de habitações.
Tabela 3. Casas construídas por gestão.
Fonte organizada pela autora, a partir dos dados da COHAB LDA.
Segundo Carina Pacolla, o ex-prefeito Antônio Casemiro Belinati, procurou
engendrar sua carreira política balizada em um discurso voltado às camadas mais pobres da
cidade. Na campanha de 1972, para prefeito, fez questão de enfatizar ser o candidato mais
pobre nas disputas para o cargo de prefeito de Londrina “No dia da eleição de 1972, o comitê
pró - Belinati publicou, no jornal Folha de Londrina," uma matéria paga com algumas frases
de efeito: ‘Belinati é a luta do tostão contra o bilião [sic] do chefão’ e ‘Chega a hora e a vez
do povo: é Belinati”. (PACCOLA, 1999. p.21).
A geógrafa Claudia Lima Esteves, ao analisar o processo de produção do espaço
urbano de Londrina, entrevistou o ex-prefeito Belinati, durante seu mandato, (1989-1992).
Ao perguntar sobre suas as ações, em relação à construção dos conjuntos habitacionais, a
autora o questiona, por que as casas populares receberam maior atenção diante das suas ações
enquanto gestor municipal. Abaixo, segue a resposta de Belinati:
É difícil destacar uma prioridade, eram várias. Londrina tinha 1.134 casas
populares feitas por todos os outros prefeitos juntos, não tinha nenhum posto de
saúde na área municipal, nós tínhamos um desafio, que era tirar também a ferrovia
do centro, havia alguns vales a serem saneados, mas acredito que moradia, já de
há muitos anos é a prioridade de grande importância no Brasil. (ALVES, 1992,
p.91).
Embora a fala de Belinati esteja inserida em um contexto após a recente abertura
política, o lugar de seu discurso está estreitamente atrelado à lógica do Banco Nacional de
Habitação, onde a moradia popular era vista como uma das “tábuas de salvação” à economia
brasileira. Na obra “Brasil: uma biografia”, as autoras Lilia M. Schwarcz e Heloisa M.
Starling, trazem à luz o período da “linha dura”, da política na Ditadura Militar, durante os
governos de Castelo Branco, Costa e Silva a Emílio G. Médici, sobretudo com a
implementação do AI-2 e AI-5. Como já ressaltado, anteriormente, o período de construção
dos maiores conjuntos habitacionais, em Londrina, ocorreu durante o a fase onde a inflação
estava mais acentuada no país, o “milagre econômico” já não correspondia às propostas, mas
ainda tinha força para convencer à população de que o então governo gerido por militares,
era a melhor solução. Schwarcz e Starling chamam atenção:
Enquanto durou, o “milagre econômico” escamoteou os efeitos da concentração
de renda, e muita gente, em especial entre as classes médias urbanas, se beneficiou
com o crédito fácil, as novas oportunidades profissionais e os estímulos para
consumir num mercado abarrotado de novidades: TV em cores, toca-fitas, câmera
Super-8, automóveis – Corcel, Opala, Galaxie, Chevette. Para completar a felicidade do brasileiro, ainda existia a possibilidade de o assalariado finalmente
“dar o salto da casa própria” e comprar o imóvel financiado pelo recém-criado
Banco Nacional de Habitação (BNH). O “milagre econômico” teve seu apogeu
entre 1970 e 1972, e o êxito na economia ajuda a entender, ao menos em parte,
porque o general Médici conseguiu ser, ao mesmo tempo, o responsável por
comandar o pior período de repressão e violência política na história brasileira um
presidente popular, pouco criticado e muito aplaudido. O grau de controle
coercitivo sobre a sociedade que a ditadura adquiriu durante a sua presidência foi
imenso, mas por si só não garantia apoio. Todo governo, para se sustentar, depende
de alguma forma de adesão, e o “milagre econômico” ajudou a fabricar uma base
geradora de consentimento junto à população. (SCHWARCZ & STARLING, 2015, p.453,454).
À sombra do “milagre econômico”, da facilidade de créditos para aquisição de
moradias, Belinati edificou sua imagem e poder político, de modo a sustentar sua carreira
tanto na Câmara de Deputados, quanto no executivo de Londrina.
Considerações finais
Se considerarmos o aparato metodológico da Micro-História, as articulações do
executivo municipal em Londrina nos auxilia a compreender como a promoção da aquisição
da casa própria direcionada para as camadas mais pobres da sociedade, cumpriu um
importante papel de sustentáculo na construção e manutenção ao longo do período da
ditadura civil-militar. A reflexão aqui proposta dialoga estreitamente com a leitura de
Cordeiro, pois demonstra como o Banco Nacional de Habitação atuou com enfático papel
legitimador das ações militares, via arquétipos econômicos e sociais. Cumprindo o papel de
“tábua de salvação” o BNH sustentou articulações financeiras, o imaginário de sucesso –
mediante à aquisição da casa própria – buscando, em um sentido direto e comparativo, dar
continuidade à ideia de país do futuro, como apontado por Cordeiro. Assim, as construções
de casas populares, bem como os aspectos das festividades, junto à atuação de outras
instituições burocráticas, fazem parte da complexa e polissêmica rede de atuações que
forjaram o consenso da ditadura civil-militar no Brasil, pós 1964.
i Cabe aqui esclarecer que a cidade de Londrina foi palco de uma economia voltada ao cultivo do
café, destacando-se como a capital desse do mesmo. Podemos referenciar como produções bibliográficas a respeito desse tema: ADUM, S.M.L. Imagens do Progresso: civilização e barbárie em Londrina (1930 – 1960). Originalmente apresentada como dissertação de mestrado, UNESP -Assis – São Paulo, 1997. ARIAS NETO, J. M. O Eldorado: representações da política em Londrina, 1930/1975. Londrina: Ed. UEL, 1998. IVANO, R. Crônicas de Fronteira: imagem e imaginário de uma terra conquistada. 1. Ed. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2002. ii Os anos que percorreram as décadas de 1960 e 1970 foram de mudanças no quadro do agronegócio paranaense. Em Londrina houve a atuação do Grupo Executivo de Erradicação do Café (GERCA), responsável por diminuir os hectares de plantio do café e incentivando o desenvolvimento de áreas de pastagens, o cultivo da soja, do trigo entre outras culturas polarizadas como arroz, feijão entre outros. Essas informações podem ser consultadas de forma mais aprofundadas em: FRESCA, Tânia Maria. Mudanças recentes na expansão físico-territorial de Londrina. Revista do Departamento de Geociências. Londrina, v. 11, nº 2, Julho-Dezembro, 2002. iii Antônio Casemiro Belinati, não cumpriu toda sua gestão, pois, precisou se afastar por motivo de desincompatibilização de cargo, de acordo com a lei eleitoral, devido a sua candidatura a deputado estadual.
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de trabalho em Londrina – os conjuntos habitacionais. São Paulo - Dissertação (Mestrado
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