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Trabalho apresentado no II Congresso sobre Cangaço em Cajazeiras_PB
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INDENTIDADE NORDESTINA E PSICOLOGIA SOCIAL: ENTRE PÁGINAS E CENAS UMA POSSÍVEL (DES)CONSTRUÇÃO
Stallone Pereira Abrantes (Graduando em Psicologia-UFCG)
RESUMO: Temos a identidade como um tema complexo e bastante plural, sendo ele
amplamente discutido na Psicologia Social. O presente trabalho procurou abordar, bem
como problematizar a identidade nordestina a partir de reflexões abarcadas na
Psicologia Social, ancorando-se ‘ Volta Seca’ da obra de Jorge Amado ‘Capitães da
Areia’, os livros e filmes: ‘O Auto da Compadecida’ e ‘Morte Vida Severina’, estes que
nos trazem um olhar distanciado da realidade na qual estamos situados. Construímos
uma identidade a partir de um coletivo, onde são estabelecidos preceitos e padrões, nos
filmes e livros os próprios personagens são afastados de qualquer participação
democrática do seu meio. A analogia fora possível graças à análise dos discursos e das
narrativas produzidas (fatos narrados pelo autor) nos personagens, representando o
próprio povo nordestino, focando as mazelas e uma imagem negativa, a exemplo do
analfabetismo, da seca, da fome. Notam-se ainda características semelhantes entre os
personagens, a saber: Severino de Aracajú e Volta Seca (observa-se certa diferença de
idade, porém ambos têm personalidades muito parecidas, almejam justiça com as
próprias mãos e estão sempre dispostos a ajudar aos carentes), Chicó e Severino
(sonham em mudar de território, vida e clã, e para tanto se lançam nas mais variadas
enrascadas da vida). Desta forma a tríade Literatura-Cinema-Psicologia Social facilitou
nossa compreensão no que concerne a construção da identidade nordestina, verificando
que a grande parcela de personagens dos longas metragens e das obras são alvo de
estigma e preconceitos, (des)construindo a imagem de um povo marcado pela garra,
pela luta e principalmente por conquistas.
Palavras – Chave: Identidade; Literatura Brasileira; Psicologia Social.
“Com pedaços de mim eu monto um ser atônito.
Tudo o que não invento é falso.”
(Manuel de Barros)
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Vivemos em um país com uma diversidade cultural bastante notória, na qual
somos dotados de uma formação sócio-cultural caracterizada por um imenso leque de
variabilidades, que vão desde o nosso território até a forma de ver – perceber tudo
aquilo que nos cerca. O Brasil apesar de transmitir imagens que perpassam todo o
imaginário internacional, ora focando um povo alegre, musical e com belezas naturais
singulares, ora prezando pela sua História, pelos fatos e fenômenos vivenciados ao
longo de seus 511 anos. Nele “tanto os homens como as sociedades se definem por seus
estilos, seus modos de fazer as coisas.” (DAMATTA, 2001, p.15) Justamente por ter
como marca essa pluralidade, fica-se evidente a dificuldade de estabelecer apenas um
aspecto cultural, já que em nosso país há um entrelaçamento de culturas, raças e etnias,
ou seja, é nele que se fundem várias identidades, sendo assim no Brasil “as identidades
flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas infladas e lançadas pelas pessoas
em nossa volta, e é preciso estar em alerta constante para defender as primeiras em
relação às últimas.”. (BAUMAN, 2005, p.19)
A identidade configura-se como um conceito epistemológico-metodológico
bastante amplo e complexo, não sendo um conceito passível e/ ou fechado, a mesma
ainda pode ser considerada como produto do indivíduo com as marcas territoriais nele
estabelecidas, assim a nacionalidade abrange questões e paralelamente impulsiona a
restrição de tantos outros aspectos. Neste sentido, “sujeitos e identidades são
experiências sociais e históricas que se organizam a partir de lógicas distintas, todavia
suplementares.” (PRADO; COSTA, 2009. p.74) Assim, “a identidade passa a ser
constituída em uma rede discursiva, e não em essências, querendo dizer com isso que a
identidade não se trata de algo do sujeito (...) identidade e diferenças são produtos do
discurso, da cultura.” (BERNARDES; HOENISCH, 2003. p. 119)
Segundo Bernardes e Hoenish (2003) as identidades são móveis,
intercambiantes, inscrevendo-se em zonas de fronteira, nas quais os encontros com a
diferença constituem novas ambições.
Nosso objetivo é abordar, bem como problematizar a identidade nordestina a
partir de reflexões abarcadas pela Psicologia Social, tendo como âncora o personagem ‘
Volta Seca’ da obra de Jorge Amado ‘Capitães da Areia’, os livros e filmes: ‘O Auto da
Compadecida’ e ‘Morte Vida Severina’, estes que trazem um olhar distanciado da
realidade a qual estamos situados.
Os tantos Severinos que encontramos Nordeste afora.
Logo no início do livro o personagem de João Cabral de Melo Neto Severino
procura se identificar, seu primeiro recurso utilizado é a apresentação do nome, seria
este então esse o nosso principal mecanismo de identificação, porém não o suficiente,
usando-se de outras importantes características, a saber: Graus de parentesco, região
geográfica, características físicas, entre outras.
Severino é um retirante que vê em sua jornada a morte como componente ativo,
busca encontrar um trabalho que dê seu sustento diário, contudo não se acha preparado
a exercer alguma função ligada a quaisquer afazeres. “Migra, como uma forma de
defender a vida, de encontrar vida” (CIAMPA, 2005)
Ao decorrer de sua jornada se depara com dois coveiros, atribuído-lhe uma
identidade que se aproxima a de um morto-vivo ou moribundo.
E agora descubro que,
esta viagem concluída
sem saber desde o sertão,
meu próprio enterro eu seguia.
Só que devo ter chegado
adiantado de uns dias.
O enterro parou na porta:
o morto ainda está com vida. (NETO, 2006. p.74)
Tudo começa a ter um novo sentido quando Severino se depara com o início da
vida. Pois “o humano é sempre uma porta abrindo-se em mais saídas. O humano é vir-a-
ser humano. Identidade humana é vida.” (CIAMPA, 2005)
Na sua versão cinematográfica de roteiro e direção de Walter Avancini
observamos os fatores que circunscrevem a vida do nordestino habitante do sertão, entre
todos eles está a morte, esta bastante comum no cotidiano, seja por causa da seca ou da
fome. Severino procura melhoria em sua vida, e para isso decide se deslocar para o
litoral perpassando todas as mazelas do interior do Pernambuco, esperando na região
litorânea uma forma de viver menos árdua e mais promissora.
Ao chegar à cidade (no Recife) depara-se com um “lugar de luta, de batalha, um
espaço cuja crueldade se dá no fato de contrariar frontalmente todas as nossas
vontades.” (DAMATTA, 2001, p.29) Severino após algumas horas de sua chegada ao
meio urbano concluiu que todo seu trajeto resultaria em seu encontro com a morte, na
qual o mesmo havia chegado um tanto/ quanto cedo para seu fim, ou seu próprio
enterro.
Temos ao decorrer do longa-metragem a formação de uma dualidade: a morte
(principal companheira do homem durante sua jornada em Terra) e a vida (apresentada
como elemento festivo e propulsor de bons e maus momentos). A morte pode ser
considerada um fenômeno negativo quando vista de maneira comum, apenas como o
fim do corpo físico. O lado positivo apontado por filósofos contemporâneos mostram
que a morte é um fenômeno da própria existência, e não o fim dela. A morte só tem
sentido para quem existe, e é parte fundamental da mesma. O conhecimento da morte
tem um caráter de transcendência capaz de nos tirar das preocupações cotidianas, pois
poderemos pensar na nossa existência, questionar sobre ela, se por diante de si mesmo,
assumir nossa autenticidade. Há também um aspecto de temporalidade, no fato da morte
possibilitar o nosso pensar sobre passado, presente e futuro.
Segundo Mondim (1983) somos capazes de pensar, crer, imaginar a morte
alheia, até mesmo termos conhecimentos científico, histórico ou filosófico da mesma,
contudo quando se trata da nossa própria situação-limite existe algo além de nós, em
nosso próprio íntimo que não aceita o fenômeno, tornando-o desnecessário, porém
inevitável. -
Estarão no “Auto” as Compadecidas pelo povo Nordestino?
Ariano Suassuna procura em “O Auto da Compadecida” focar elementos da
nossa cultura popular que aos poucos vem se dissolvendo no mundo globalizado. O
livro retrata o nordestino como sinônimo de indivíduos espertos e cômicos, levando a
vida por um viés da sabedoria e de suas vivências cotidianas. João Grilo e Chicó são
constantemente passíveis e submissos aos outros, contudo buscam soluções corriqueiras
e acabam por violar regras e normas. Ariano nesta obra apresenta um Nordeste
intrinsecamente ligado ambientes rurais e sertanejos, construindo e reforçando um
processo de identificação. Através de suas vivências singulares, preocupando-se em
trabalhar com opiniões enraizadas pela própria população nordestina, sendo ela muitas
vezes esquecida por todo o restante do Brasil.
No filme observamos o quanto à religião influencia os personagens das mais
variadas formas possíveis, o bispo e o padre João são apresentados como emissários do
catolicismo, aproveitando-se da crença e da fé para desviarem o pouco e da cobiça.
Nota-se que a Igreja Católica não é confrontada sob nenhuma hipótese e/ou
circunstância, as autoridades da cidade temem o confronto com a Igreja, visto que ela
atua com caráter dogmático e manipulador.
A Compadecida está para além da imagem de Nossa Senhora, pois nela temos a
concretude de afetos e emoções, a exemplo da misericórdia e condolência, a
heterogeneidade, ou seja, o tolerar as diferenças. Assim, nossos governantes podem
criar uma representação negativa do Nordeste, colocando-nos em um lugar de
inferioridade, colocando-nos (in)diretamente uma assistência marcada pelo compadecer-
se e pela marginalização.
Fica-se cada vez notório que a obra constrói a identidade do povo nordestino por
meio de estereótipos e estigmas, pois apresentam conteúdos bastante paradoxais, o
nordestino é sempre colocado como valente, macho e bruto, ou ainda como astuto e
fraco, levando-se ainda em consideração todas as mazelas que perpassam o seu
cotidiano, ser pobre, feio, analfabeto, características modeladoras de padrões postuladas
e ancoradas em nossas raízes ou por fatores naturais, a saber: o clima e a vegetação.
Evidentemente que a formação desta identidade em um coletivo perpassa por inúmeros
fatores, principalmente que se agreguem no sistema político e econômico.
Lampião aos olhos do jovem Volta Seca
Volta Seca vê no padrinho um futuro a ser seguido, via-se vestido de couro,
celado em um cavalo, manuseando uma boa arma de fogo, e não perdoaria qualquer
ofensa, ganhando respeito por onde passa nas mais variadas regiões do sertão afora,
porém não pisaria ou humilharia ninguém, procurando na humildade e na generosidade
aparatos e elementos para seguir suas trajetórias de vida. Jorge Amado com essa
temática não só denúncia a falta de atenção direcionada aos meninos baianos, bem como
focando figuras a exemplo de Lampião e características regionais estigmatizadas por
várias outras regiões brasileiras.
Para caracterizar o personagem o autor utiliza subsídios que vão desde aspectos
subjetivos (o desejo e o encantamento de Volta Seca por Lampião e sua forma de viver
pelo Nordeste) até aspectos físicos e próprios da região (paisagens secas, plantação de
milho, vaqueiros e suas boiadas, queijos caseiros, rapaduras, cocadas, mingau,
mungunzá, pamonha e canjica. As saudades daquela terra um dia por ele habitada ali
notoriamente se entrelaçam fatores afetivos e pulsionais. Sua vida é marcada de fatos e
fenômenos pouco agradáveis para uma criança, um pedaço de terra de propriedade de
sua mãe é tomada por coronéis, obrigando-o a se tornar um ser humano frio e sombrio.
Os super-heróis na atualidade estão em um determinado patamar para as crianças
que causam estranheza aos adultos das mais variadas décadas. Volta Seca ao contrário
dos garotos atuais não procurava em um super-homem ou em um homem aranha um
exemplo de agir-pensar-refletir, porém é na figura de Virgulino Lampião (tanto por
representar o Robin-Hood dos habitantes nordestinos, tanto por ser visto como o grande
vilão das autoridades da época). O menino abandonado das ruas de Salvador se afeta
diretamente com o rei do Cangaço, tendo o mesmo como padrinho e almejando ser mais
um integrante do bando. Torna-se de valia atentar que a identificação com alguns
personagens se dá entre os mais variados contextos, pois o imaginário infantil na
atualidade se dá de uma forma diferente de algumas décadas atrás, ou seja, cada
contexto prima por fatores que são exclusivos daquele período e sofrendo influências e
modificações da cultura a qual estão inseridos
Percurso Metodológico
Para investigação das obras e dos filmes utilizou-se do método comparativo, este
procedimento “aborda duas ou mais séries ou fatos de natureza análoga, tomados de
meios sociais ou de outra área do saber, a fim de se detectar semelhanças e diferenças a
ambas”. (FACHIN, 2006. p.41) A analogia fora possível graças à análise dos discursos
e das narrativas produzidas (fatos narrados pelo autor) nos personagens, representando o
próprio povo nordestino, focando as mazelas e uma imagem negativa, a exemplo do
analfabetismo, da seca, da fome.
Considerações Finais
Temos ciência que a maneira de descrever o modo de vida das pessoas em seu
meio pode gerar uma representação coletiva das mesmas, sendo assim, os filmes e
algumas obras literárias criaram uma realidade maquiada do povo. Problematizamos
essas produções com a finalidade de nos desatarmos de identidades que nos prendem e
nos colocam sob um aspecto submisso, ficando-se perceptível que muitos dos relatos
apresentados nessas produções ficam apenas no campo do fictício e não condizem com
a nossa realidade. Notam-se ainda características semelhantes entre os personagens, a
saber: Severino de Aracajú e Volta Seca (observa-se certa diferença de idade, porém
ambos têm personalidades muito parecidas, almejam justiça com as próprias mãos e
estão sempre dispostos a ajudar aos carentes), Chicó e Severino (sonham em mudar de
território, vida e clã, e para tanto se lançam nas mais variadas enrascadas da vida).
Nesta região esquecida, a identificação é fruto da mídia e de instituições de peso
no Brasil, observa-se que esse processo de identificação não estão somente interligadas
a gênero, fases da vida, formas de viver e levar o seu cotidiano. Temos então povos de
faces diversas fixadas em um vasto pluralismo, onde dificilmente poderíamos enquadrá-
las em modelos e padrões instáveis.
Desta forma a tríade Literatura-Cinema-Psicologia Social facilitou nossa
compreensão no que concerne a construção da identidade nordestina, verificando que a
grande parcela de personagens dos longas-metragens e das obras são alvo de estigma e
preconceitos, (des)construindo a imagem de um povo marcado pela garra, pela luta e
principalmente por conquistas.
Referencias Bibliográficas
AMADO, J. Capitães da Areia. Salvador: Record, 2004
BAUMAN, Z. Identidade: Entrevista a Benedetto Vecchi. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,
2005.
BERNARDES, A. G; HOENISH, J. C. D. Subjetividades e identidades: Possibilidades
de interlocução da Psicologia Social com os Estudos Culturais. In: NEUZA MARIA DE
FÁTIMA GUARESCHI; MICHEL EUCLIDES BRUSCHI (Orgs.). Psicologia Social
nos Estudos Culturais: Perspectivas e desafios para uma nova psicologia social.
Petrópolis: Vozes, 2003.
CIAMPA, A. C. A Estória do Severino e a História da Severina: Um ensaio de
Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense, 2005.
DAMATTA, R. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
FACHIN, O. Fundamentos de metodologia. São Paulo: Saraiva, 2006.
MONDIN, B. Curso de Filosofia. 6ª edição. São Paulo: Paulus, 1983.
PRADO, M. A. M; COSTA, F. A. A raridade da Política e a Democracia: Os
movimentos sociais entre sujeitos e identidades. In: JEFFERSON BERNARDES;
BENEDITO MEDRADO (Orgs.). Psicologia e Políticas de Existência: fronteiras e
conflitos. Maceió: ABRAPSO, 2009.
NETO, J. C. M. Morte e Vida Severina e outros poemas para vozes. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2006.
SUASSUNA, A. O Auto da Compadecida. Rio de Janeiro: PocketOuro, 2008.
Filmografia
O Auto da Compadecida. Produção Daniel e Guel Arraes. São Paulo: Columbia Pictures
do Brasil, 2000. (104min)
Morte e Vida Severina. Produção Walter Avancini. São Paulo: Globo Filmes e Marcas,
1981-2011(60min)