5
 O que se esconde por trás do ódio ao PT Por Leonardo Boff* 07/03/2015 Há um fato espantoso mas analiticamente explicável: o aumento do ódio e da raiva contra o PT. Esse fato vem revelar o outro lado da “cordialidade” do brasileiro, proposta por Sérgio Buarque de Holanda: do mesmo coração que nasce a acolhida calorosa, vem também a rejeição mais violenta. Ambas são “cordiais”: as duas caras passionais do brasileiro. Esse ódio é induzido pela midia conservadora e por aqueles que na eleição não respeitaram rito democrático: ou se ganha ou se perde. Quem perde reconhece elegantemene a derrota e quem ganha mostra magnanimidade face ao derrotado. Mas não foi esse comportamento civilizado que triunfou. Ao contrário: os derrotados procuram por todos os modos desligitimar a vitória e garantir uma reviravolta política que atendesse a seu projeto, rejeitado pela maioria dos eleitores. Para entender, nada melhor que visitar o notório historiador, José Honório Rodrigues que em seu clássico Conciliação e Reforma no Brasil (1965) diz com palavras que parecem atuais: ”Os liberais no império, derrotados nas urmas e afastados do poder, foram se tornando além de indignados, intolerantes; construíram uma concepção conspiratória da história que considerava indispensável a intervenção do ódio, da intriga, da impiedade, do ressentimento, da intolerância, da intransigência, da indignação para o sucesso inesperado e imprevisto de suas forças minoritárias” (p. 11).  

O Que Se Esconde Por Trás Do Ódio Ao PT

Embed Size (px)

DESCRIPTION

O Teólogo, escritor e professor universitário Leonardo Boff descorre sobre a atual crise representativa no cenário político do Brasil.

Citation preview

  • O que se esconde por trs do dio ao PT

    Por Leonardo Boff* 07/03/2015 H um fato espantoso mas analiticamente explicvel: o aumento do dio e da raiva contra o PT. Esse fato vem revelar o outro lado da cordialidade do brasileiro, proposta por Srgio Buarque de Holanda: do mesmo corao que nasce a acolhida calorosa, vem tambm a rejeio mais violenta. Ambas so cordiais: as duas caras passionais do brasileiro. Esse dio induzido pela midia conservadora e por aqueles que na eleio no respeitaram rito democrtico: ou se ganha ou se perde. Quem perde reconhece elegantemene a derrota e quem ganha mostra magnanimidade face ao derrotado. Mas no foi esse comportamento civilizado que triunfou. Ao contrrio: os derrotados procuram por todos os modos desligitimar a vitria e garantir uma reviravolta poltica que atendesse a seu projeto, rejeitado pela maioria dos eleitores. Para entender, nada melhor que visitar o notrio historiador, Jos Honrio Rodrigues que em seu clssico Conciliao e Reforma no Brasil (1965) diz com palavras que parecem atuais: Os liberais no imprio, derrotados nas urmas e afastados do poder, foram se tornando alm de indignados, intolerantes; construram uma concepo conspiratria da histria que considerava indispensvel a interveno do dio, da intriga, da impiedade, do ressentimento, da intolerncia, da intransigncia, da indignao para o sucesso inesperado e imprevisto de suas foras minoritrias (p. 11).

  • Esses grupos prolongam as velhas elites que da Colnia at hoje nunca mudaram seu ethos. Nas palavras do referido autor: a maioria foi sempre alienada, antinacional e no contempornea; nunca se reconciliou com o povo; negou seus direitos, arrasou suas vidas e logo que o viu crescer lhe negou, pouco a pouco, a aprovao, conspirou para coloc-lo de novo na periferia, no lugar que continua achando que lhe pertence(p.14 e 15). Hoje as elites econmicas continuam a abominar o povo. S o aceitam fantasiado no carnaval. Mas depois tem que voltar ao seu lugar na comunidade perifrica (favela). Lamentavelmente, no lhes passa pela cabea que as maiores construes so fruto popular: a mestiagem racial, que criava um tipo adaptado ao pas; a mestiavel cultural que criava uma sntese nova; a tolerncia racial que evitou o descaminho dos caminhos; a tolerncia religiosa que impossibiltou ou dificultou as perseguies da Inquisio; a expanso territorial, obra de mamelucos, pois o prprio Domingos Jorge Velho, devassador e incorporador do Piaui, no falava portugus; a integrao psico-social pelo desrespeito aos preconceitos e pela criao do sentimento de solidariedade nacional; a integridade territorial; a unidade de lngua e finalmente a opulncia e a riqueza do Brasil que so fruto do trabalho do povo. E o que fez a liderana colonial (e posterior)? No deu ao povo sequer os beneficios da sade e da educao, o que levou Antnio Vieira a dizer:No sei qual lhe faz maior mal ao Brasil, se a enfermidade, se as trevas(p. 31-32). A que vm estas citaes? Elas reforam um fato histrico inegvel: com o PT, esses que eram considerados carvo no processo produtivo (Darcy Ribeiro) e o rebutalho social, conseguiram, numa penosa trajetria, se organizar como poder social que se transformou em poder poltico no PT e conquistar o Estado com seus aparelhos. Apearam do poder, pelo voto, as classes dominantes; no ocorreu simplesmente uma alternncia de poder mas uma troca de classe social, base para um outro tipo de poltica. Tal saga equivale a uma autntica revoluo social, pacfica e de cunho popular. Isso intolervel para as classes poderosas que se acostumaram a fazer do Estado o seu lugar natural e de se apropiar privadamente dos bens pblicos pelo famoso patrimonialismo, denunciado por Raymundo Faoro. Por todos os modos e artimanhas querem ainda hoje voltar a ocupar esse lugar que julgam de direito seu. Seguramente, comeam a dar-se conta de que, talvez, nunca mais tero condies histricas de refazer seu projeto de dominao/conciliao. Outro tipo de histria poltica dar, finalmente, um destino diferente ao Brasil. Para eles, o caminho das urnas se tornou inseguro pelo nvel crtico alcanado por amplos estratos do povo que rejeitaram seu projeto poltico de alinhamento neoliberal ao processo de globalizao, como scios dependentes e agregados. O caminho militar ser hoje impossvel dado o quadro mundial mudado. Cogitam com a esdrxula possibilidade da judicializao da poltica, contando com aliados na Corte Suprema que nutrem semelhante dio ao PT e sentem o mesmo desdm pelo povo.

  • Atravs deste expediente, poderiam lograr um empeachment da primeira mandatria da nao. um caminho conflituoso pois a articulao nacional dos movimentos sociais tornaria arriscado este intento e talvez at invivel. O dio contra o PT menos contra PT do que contra o povo pobre que por causa do PT e de suas polticas sociais de incluso, foi tirado do inferno da pobreza e da fome e est ocupando os lugares antes reservados s elites abastadas. Estas pensam em fazer, com boa conscincia, apenas caridade, doando coisas, mas nunca buscando a justia social. Antecipo-me aos crticos e aos moralistas: mas o PT no se corrompeu? Veja o mensalo? Veja a Petrobrs? No defendo corruptos. Reconheo, lamento e rejeito os malfeitos cometidos por um punhado de dirigentes. Devem ser julgados, condenados priso e at expulsos do PT. Traram mais de um milho de filiados e principalmente botaram a perder os ideais de tica e de transparncia. Mas nas bases e nos municpios posso testemunh-lo em dezenas de assessorias vive-se um outro modo de fazer poltica, com participao popular, mostrando que um sonho to generoso no se deixar matar assim to facilmente: o de um Brasil menos malvado, mais digno, justo pacfico. As classes dirigentes, por 500 anos, no dizer rude de Capistrano de Abreu, castraram e recastraram, caparam e recaparam o povo brasileiro. H maior corrupo histrica do que esta? J dissemos anteriormente e o repetimos: o dio disseminado na sociedade e nas mdias sociais, no tanto ao PT, mas quilo que o PT propiciou para as grandes maiorias marginalizadas e empobrecidas de nosso pas: sua incluso social e a recuperao de sua dignidade. No so poucos os beneficiados dos projetos sociais que testmunharam: sinto-me orgulhoso no porque posso comer melhor e viajar de avio, coisa que jamais poderia antes, mas porque agora recuperei minha dignidade. Esse o mais alto valor poltico e moral que um governo pode apresentar: no apenas garantir a vida do povo, mas faze-lo sentir-se digno, algum participante da sociedade. Nenhum governo antes em nossa histria conseguiu esta faanha memorvel. Nem havia condies para realiz-la porque nunca houve interesse em fazer das massas exploradas de indgenas, escravos e colonos pobres, um povo consciente e atuante na construo de um projeto-Brasil. Importante era manter a massa como massa, sem possibilidade de sair da condio de massa, pois assim no poderia ameaar o poder das classes dominantes, conservadoras e altamente insensveis aos padecimentos do prximo. Essas elites no amam a massa empobrecida. Mas tem pavor de um povo que pensa, pois faz valer seus direitos e pode ameaar os privilgios dela. Para conhecer esta anti-histria aconselho aos polticos, aos pesquisadores e aos leitores/as que leiam o estudo mais minucioso que conheo:a poltica de conciliao: histria cruenta e incruenta, um largo captulo de 88 pginas do clssico Conciliao e reforma no Brasil de Jos Honrio Rodrigues (1965 pp. 23-111). Ai se narra, como a dominao de classe no Brasil, desde Mende de S at os tempos modernos, foi extremamente violenta e sanguinria, com muitos fuzilamentos e enforcamentos e at

  • de guerras oficiais de extermnio dirigidas contra tribos indgenas como contra os botocudos em 1808. Tambm seria falso pensar que as vtimas tiveram um comportamento conformista. Ao contrrio, reagiram tambm com rebelies e violncia. Foi a massa indgena e negra, mestia e cabocla a que mais lutou e que foi reprimida cruelmente, sem qualquer piedade crist. Nosso solo ficou ensopado de sangue. As minorias ricas e dominantes elaboraram uma estratgia de conciliao entre si, por cima da cabea do povo e contra o povo, para manter a dominao. O estratagema sempre foi mesmo. Como escreveu Marcel Burstztyn (O pas das alianas: as elites e o continuismo no Brasil, 1990): o jogo nunca mudou; apenas embaralharam-se diferentemente as cartas do mesmo e nico baralho. Foi a partir da poltica colonial e continuada at recentemente que se lanaram as bases estruturasis da excluso no Brasil, como foi mostrado por grandes historiadores, especialmente por Simon Schwartzman com o seu Bases do autoritarismo brasileiro (1982) e Darcy Ribeiro com seu grandioso O povo Brasileiro (1995). Existe, pois, com razes profundas, um desprezo pelo povo, gostemos ou no. Esse desprezo atinge o nordestino, tido por ignorante (quando a meu ver extremamente inteligente, vejam seus escritores e artistas), os afrodescendentes, os pobres econmicos em geral, os moradores de favelas (comunidades), e aqueles que tm outra opo sexual. Ocorre que irrompeu uma mudana profunda graas s polticas sociais do PT: os que no eram comearam a ser. Puderam comprar suas casas, seu carrinho, entraram nos shoppings, viajaram de avio s multides, tiveram acesso a bens antes exclusivos das elites econmicas. Segundo o pesquisador Mrcio Pochmann em seu Atlas da Desigualdade social no Brasil : 45% de toda a renda e a riqueza nacionais apropriada por apenas 5 mil famlias extensas. Estas so nossas elites. Vivem de rendas e da especulao financeira, portanto, ganham dinheiro sem trabalho. Pouco o nada investem na produo para alavancar um desenvolvimento necessrio e sustentvel. Veem, temerosas, a ascenso das classes populares e de seu poder. Estas invadem seus lugares exclusivos. No fundo, comea a haver uma pequena democratizao dos espaos sociais. Essas elites formaram, atualmente, um bloco histrico cuja base constituida pela grande mdia empresarial, jornais, revistas e canais de televiso, altamente censuradores do povo, pois lhe ocultam fatos importantes, banqueiros, empresrios centrados nos lucros, pouco importa a devastao da natureza e idelogos (no so intelectuais) que se especializaram em criticar tudo o que vem do governo do PT e fornecem superficialidades intelectuais em defesa do status quo.

  • Esta constelao anti-popular e at anti-Brasil suscita, nutre e difunde dio ao PT como expresso do dio contra aqueles que Jesus chamou de meus irmos e irms menores, os humilhados e ofendidos de nosso pais. Como telogo me pergunto angustiado: na sua grande maioria, essas elites so de cristos e de catlicos. Como combinam esta prtica perversa com a mensagem de Jesus? O que ensinaram as muitas Universidades Catlicas e as centenas de escolas crists para permitirem surgir esse movimento blasfemo, pois, atinge o prprio Deus que amor e compaixo e que tomou partido pelos que gritam por vida e por justia? Mas entendo, pois para elas vale o dito espanhol: entre Deus e o dinheiro, o segundo primeiro. Infelizmente. *telogo brasileiro, escritor e professor universitrio, expoente da Teologia da Libertao no Brasil. Foi membro da Ordem dos Frades Menores (franciscanos). Ficou conhecido pela sua histria de defesa das causas sociais. Atualmente dedica-se sobretudo s questes ambientais. ______________________________________________________________________