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Contos inspirados nas músicas de Adoniran Barbosa - Livro de contos dos alunos do 9º ano do Colégio HUGO SARMENTO em comemoração aos 100 anos de nascimento do compositor
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O Rei do Bixiga
Contos inspirados nas músicas de
Adoniran Barbosa
Livro de contos dos alunos do 9º ano do
Colégio HUGO SARMENTO
em comemoração aos 100 anos de nascimento do compositor
2010
SAMBA ITALIANO
“Chega hoje um barco com migrantes italianos no Guarujá.” É o que dizia o jornal distribuído na
cidade. Porém entre todos os novos italianos que chegaram ali, havia um que fazia cada noite ter mais
graça. Seu nome era Marcelo (som de “Che” ao invés de “ce” por causa do sotaque italiano). Este, desde
que morava na Itália, tem uma paixão da qual nunca vai se separar: seu cigarro.
Ao desembarcar no Brasil, ficou na pousada da Dona Francisca, que tinha uma filha linda,
chamada Gigi. Durante seu primeiro jantar na pousada, Marcelo conheceu Gioconda, a Gigi, e logo viu que
tinha uma nova paixão para disputar com seu cigarro. Ela tinha longos cabelos cor de mel, era alta, um
corpo moreno e seus olhos eram azuis como o céu. Marcelo todas as noites ia à janela da moça e lhe
cantava músicas, enviava flores, poemas e a única coisa que recebia de volta era um balde cheio de água
na cabeça.
As noites com suas serenatas eram cheias de música e as ruas eram tomadas pelo cheiro das
deliciosas receitas vindas com os imigrantes.
Gioconda adorava o mar e Marcelo, sabendo disso, ia todos os dias à praia, ao seu encontro.
Em uma tarde chuvosa, ao se aproximar de Gigi, Marcelo começou a cantar:
Piove, piove
Fa tempo che piove qua Gigi
E Io, sempre io
Sotto la tua finestra
E vuoi senza me sentire
Ridere, ridere, ridere
Di questo infelice qui
Ti ricorda Gioconda
Di quela sera in Guaruja
Quando il mare ti portava via
E tu me chiamaste
Aiuto Marcelo
La tua Gioconda ha paura de questa onda
Ao terminar sua música, Gigi abriu a boca para falar alguma coisa, mas a fechou olhando para
algo atrás de Marcelo. Ao se virar, ele avistou um homem alto e forte que acenava para Gigi. Ele se
aproximou e sem nenhuma cerimônia abraçou Gioconda, que se virou para Marcelo, sem soltar nenhuma
palavra qualquer. Espantado com o abraço, Marcelo começou a caminhar para fora da praia, debaixo da
garoa que começava a cair, sem nem permitir qualquer explicação de sua amada.
Conto inspirado na canção Samba italiano, de Adoniran Barbosa.
Carolina Silveira Nemer – 9º ano
SAPATOS, MEIAS: LEMBRANÇAS
Quinta-feira, primeiro dia do mês de abril, véspera de feriado. Minha mãe me dissera que
iríamos passar na casa de meu tio-avô Alberto antes de irmos viajar, já que ele não iria conosco para o
sítio. Munida de um ovo de páscoa, fui no banco de carona, quieta, ouvindo música.
Íamos bastante à casa de tio Alberto, mas ele era um livro fechado para o mundo. Nenhuma foto
em porta-retratos ou quadros, mas meias e sapatos antigos e femininos guardados no armário. Mesa posta
sempre para duas pessoas, mesmo quando comia sozinho; nunca andava de carro. Um ar triste e solitário
sempre pairava nele e ninguém nunca me explicara o porquê.
Ao chegarmos a sua casa, a mesma cerimônia de sempre. Entramos naquele lugar impecável e
grande demais para uma pessoa sozinha e conversamos banalidades até que o tio me pediu para trocar
uma lâmpada. “Estou muito velho para subir em escadas.” Minha mãe foi para casa arrumar as malas de
minha irmã e me disse para esperar lá, ajudando nosso tio.
Trocava a lâmpada quando não pude mais me conter:
– Tio, de quem são estes sapatos?
Ele pareceu surpreso e sentou-se na cama, olhando para o vazio.
– Ninguém te contou... – era uma afirmação, e parecia que ele estava falando sozinho – Por
quê?
Tio Alberto olhou para mim e começou a me contar a causa de seus mistérios:
– São de Iracema. São os seus sapatos. Eram seus... Iracema era uma mulher linda que
morava em meu bairro. Independente, alegre, baiana de sangue, viu em mim um espírito que nem eu sabia
que tinha. E então, ela era minha noiva. Eu passava em sua casa todos os dias e ela queria passear,
amante das ruas. E eu lhe dizia “Cuidado ao atravessar essas ruas!”, mas ela nunca me escutava,
respondendo só com um risinho de deboche.
– No dia 7 de outubro de 1942 – ele continuou –, vinte dias antes de nosso casamento, saímos
para passear no parque assim que voltei do trabalho no banco. Ela ia à frente, ansiosa, até que atravessou
a Avenida São João distraída. Passou um carro e então tudo o que vi foi Iracema, parecendo tão frágil no
chão, o sangue cobrindo sua pele morena. A assistência chegou e eu fui com ela, segurando sua mão até o
hospital. Não foi culpa do chofer, mas chegamos muito tarde. Ela já não tinha mais vida. – ele parou um
pouco de falar, os olhos inchados.
– Aquele foi o último dia em que andei de carro. E este é o primeiro dia em que conto isso para
alguém... Mas ela está bem, vive bem juntinho de nosso Senhor. Eu é que não estou, pois faz 68 anos que
espero pelo dia em que irei para junto de meu amor.
Ficamos em silêncio e eu me sentei ao seu lado. Ouvimos minha mãe buzinar, mas não nos
mexemos até que eu me levantei e disse:
– É, hoje será uma exceção. Por isso você vai viajar com a gente para passar a Páscoa com
toda a família! Vamos, arrume as malas que nós vamos te esperar no carro.
Ele me olhou confuso, achando que era uma piada, até perceber que não era. Então, levantou-
se e começou a pegar roupas, olhando para os sapatos de Iracema com carinho, e não com culpa.
E este foi o primeiro dia em que, depois de seis décadas, meu tio-avô andou de carro. Um medo
tão simples para uma vitória tão grandiosa.
Conto inspirado na canção Iracema, de Adoniran Barbosa. Catarina Pasta Aydar – 9º ano
JOGA A CHAVE
Gabriel saiu no meio da noite, deixou sua mulher Julia dormindo um sono pesado e retirou-se
pela porta da frente sem fazer barulho.
A rua estava silenciosa e vazia, era uma noite quente, as casas estavam apagadas, tranquilas.
Um grupo de jovens embriagados passou rindo e cantando, dois deles seguravam uma garrafa de vodka
quase vazia. Uma menina pediu uma das garrafas, tomou um gole generoso e eles seguiram cambaleando
pela pequena rua.
Gabriel seguiu a pé para a Vila Madalena, entrou no bar de esquina, visualizou seus amigos e
seguiu para o balcão, passando entre as mesas, evitando esbarrar nas pessoas.
Os cinco amigos começaram a conversar, beber, rir e cantarolar. O bar se esvaziava, os
funcionários limpavam as mesas e as cadeiras, colocando-as em seus lugares. Alguns foram embora,
acenando para os colegas.
Três dos cinco trabalhadores já haviam ido, um dormia sobre o balcão, enquanto Gabriel, que
terminava sua bebida sem pressa, chamou o garçom, que veio com um pano limpando a bancada.
- Sim? – disse o homem.
- Eu, por acaso, estou impedindo você e o resto dos funcionários de irem embora? Já são... -
olhou no relógio na parede de madeira com uma âncora ao lado -... 5 da manhã... Droga! – disse
desesperadamente.
Percebeu o horário, já devia ter voltado para casa, sua mulher acordaria em duas horas.
Desesperado, pediu para o garçom a conta e chamou um taxi.
O garçom dirigiu-se para o velho telefone na parede e pediu o taxi. Gabriel colocou algumas
notas de dinheiro na bancada, acenou para os últimos funcionários, que alegremente terminavam de fechar
o bar.
Gabriel seguiu para casa, percebeu que a luz do quarto estava acesa, baixou a cabeça, pagou o
taxista, procurou a chave no bolso da calça, do casaco, na carteira e nada de encontrá-la. Julia, ao ouvir o
barulho vindo da rua, abriu a janela com movimentos sonolentos, viu quem era, se apoiou no parapeito com
um olhar cansado.
- De novo? - perguntou para seu marido que apenas virou a cabeça e mexeu os ombros. Um
vento quente mexeu as árvores e colocou o cabelo loiro de Julia em seus grandes olhos castanhos que
ganhavam destaque naquele rosto angelical. Julia tirou o cabelo da face e esperou algum comentário,
como não teve resposta fechou a janela, virou-se, apagou as luzes e voltou para cama, mas não dormiu.
Levantou novamente quando Gabriel começou a bater a porta e jogar pedrinhas na janela. Abriu a janela
cuidadosamente para não levar pedradas na cara.
- Por favor? Não precisa nem descer, só joga a chave, meu bem.
- Qual a diferença? Você já me acordou... Eu aturei essas saídas por anos de casados, mas
agora, não mais. Encontre um lugar para dormir, eu preciso do meu sono, pois nos próximos seis meses
não vou mais dormir direito.
- Vamos querida, por favor, estou cansado.
-Você? Tá, finjo que acredito. Vá para outro lugar dormir ou aprenda a pegar a chave antes de
sair de casa, a não fazer barulho e a chegar antes de eu me levantar.
Julia voltou para a cama, mas como não conseguia dormir, foi olhar pela janela. Gabriel ficou
sentado à frente da porta, olhando para a rua, levantou-se e sentou-se novamente esperando pelo horário
de ir trabalhar. Julia deitou-se e depois de alguns minutos voltou a dormir, acordou às 10 horas,
compensando o sono perdido na noite anterior, Gabriel já tinha ido trabalhar.
A partir de então, Gabriel não saiu mais, só saía de sexta ou sábado, levava a chave e
guardava uma de reserva perto da casa. Às vezes Julia ia junto, mas não podia beber, pelo menos por
alguns meses. Há muitos anos que Gabriel não perde a hora de voltar para casa, porque agora são duas
que não vão jogar a chave.
Conto inspirado na canção Joga a chave, de Adoniran Barbosa. Vitoria – 9º ano
SAMBA NO ESCURO
À noite em uma favela da capital paulista, a luz acaba, deixando todos os moradores no
escuro, amedrontados e extremamente irritados.
Adoniran, sentado no sofá em sua casa, resolve procurar uma vela para tentar iluminar a
escuridão que o cerca. Vai até o quarto e abre a gaveta do criado ao lado da cama, acha uma vela,
acende-a e volta para o sofá, onde assistia a um de seus programas televisivos favoritos.
Após algum tempo sem nada para fazer, resolve sair, pois, andando pela cidade, poderia
encontrar alguma coisa para preencher a sua tão escura noite.
Caminhando pelas vielas escuras do morro e apontando a vela para tentar iluminar o
escuro horizonte, vê, ao longe, uma avenida iluminada. Lá, localidade dos nobres moradores da
cidade, a energia elétrica dificilmente acaba, diferentemente do morro, onde a eletricidade se retira da
vida dos humildes constantemente. Resolve se dirigir até aquele ponto iluminado e passa a descer o
morro com rapidez. Ao chegar à avenida, Adoniran segue caminhando, na tentativa de deixar sua
vida mais animada naquela quente noite de verão.
Chega à frente de um restaurante, olha, observa, analisa o público que o freqüenta e
resolve entrar para tentar matar a fome que tomava conta dele.
Lá, encontra dois amigos, que também moravam no mesmo bairro e que haviam saído
para também tentar fugir da escuridão. Marcos e Mário estavam ali já fazia algum tempo, bebiam e
petiscavam as mais diferentes porções. Adoniran senta-se passa a acompanhá-los.
Os três homens se divertem, falam dos mais diversos assuntos, falam do que não sabem
e maldizem a dura rotina do trabalho e os baixos salários, que reduzem e trituram seus sonhos.
Permanecem no restaurante por mais de três horas, saem animados, a bebida cria nesses
homens visões que a realidade sufoca e inibe. Deixam o restaurante e decidem voltar para suas
casas, torcendo para que luz tivesse voltado, devolvendo a eles a doce ilusão vendida pela televisão.
Voltam pelo mesmo trajeto, sem nenhum tipo de iluminação, passam a ser guiados pelos
pés, que conhecem e identificam cada pedrinha e desnível existentes no caminho. O morro ainda não
está iluminado, mas um som contagiante é ouvido pelos três amigos. Os moradores, gritam, cantam
e, num ritmo frenético, levantam a terra que daquelas ruas descuidadas pelo poder público. Algumas
frases podem ser ouvidas, mas uma canção é cantada por todos com muita animação: Lá no morro /
quando a luz da light pifa / a gente apela pra vela que alumeia também...
Os três amigos, contagiados pela canção, esquecem a angústia e o cansaço da semana e
chegam ao samba, completando a canção: a gente samba no escuro que é muito mais legal.
Conto inspirado na canção A luz da light, de Adoniran Barbosa.
Pedro Augusto – 9º ano
CASAMENTO DE MOACIR
Moacir não está satisfeito com sua vida no Rio de Janeiro. Não tem amigos, esposa, sente-se
só e abandonado. Apenas sua mãe, uma senhora muito viva, porém insatisfeita com a irresponsabilidade
de seu filho, está próxima. Entretanto, ela vivia muito descontente com a vida que seu filho levava.
Moacir não era tão vagabundo como, agora. Cursara até o primeiro ano de faculdade, mas,
apesar disso, tivera ótimos e muito produtivos na escola. Este empenho o conduziu a uma das melhores
faculdades de medicina do país, mas desde o desaparecimento de seu pai, Moacir abandonou o curso e
nunca mais foi o mesmo.
Após este acontecimento, Moacir começou a trabalhar um pouco aqui, um pouco acolá, mas
nunca nada com muita responsabilidade. Ajudava um pouco a mãe em casa, mas não sempre e havia
apagado sua vida passada, que guardava em sigilo, com mulheres e filhos, os quais nem notícias de
Moacir tinham.
Querendo mudar sua vida, Moacir resolve abandonar a cidade maravilhosa e procurar outra
morada, na qual pudesse se dedicar a uma vida totalmente nova.
Com o pouco dinheiro que lhe restava, muda-se para a capital paulista, onde pretende retomar
os estudos e levar uma vida nova. Sua mãe aprovara a decisão e Moacir parte para São Paulo.
Diferentemente do que ocorria no Rio de Janeiro, Moacir vive rodeado de amigos, que em
poucos meses fizera no cursinho,e passa a ter uma vida noturna agitada.
Em uma dessas noitadas com os amigos, Moacir acorda em uma casa diferente, de uma mulher
que nunca vira antes, pelo menos não se lembrava. Moacir tenta sair dali sem que a moça o perceba e
consegue, entretanto não sabia que aquela mulher jamais sairia de sua cabeça. Ela passa a permear os
pensamentos de Moacir o dia todo. Ele não se concentra direito, pouco estuda e vê sua vida se alterando
novamente. Resolve procurar a mulher, liga para ela e marca um novo encontro. Encontros que se repetem
quase todos os dias. O namoro acontece naturalmente, os dois não vivem mais longe um do outro e
resolvem morar juntos.
Gabriella, este era o nome da grande paixão de Moacir, esta é a mulher que o enlouquece, que
o faz planejar casamento e até filhos.
Isso é o que acontece. Os dois decidem se casar. Amigos são convidados, padrinhos definidos,
igreja marcada, festa programada. Os dois estavam extremamente animados.
A igreja da Vila Ré estava linda, assim como os convidados e a mãe de Moacir com alguns
parentes que quiseram aparecer para comprovar se a mudança de Moacir era verdadeira.
Lá está Moacir, em pé, esperando Gabriella no altar da igreja. A noiva se dirige lentamente com
toda sua beleza ao encontro de Moacir. Os dois se olham e esperam com ansiedade as palavras do padre,
que, inclusive, as profere em latim, fazendo com que os convidados e os noivos não entendessem nada.
Estes até iniciam uma risada, mas conseguem controlá-la.
Tudo ocorre com perfeição, até que um homem entra brutalmente pela igreja, olha para o altar e
brada com uma voz rouca e grossa:
- Não case, Moacir já tem família e filhos no Rio de Janeiro.
Gabriella se espanta, olha para Moacir e, com uma voz lastimosa, diz:
- O que ele está falando é verdade?
- Olha, amor, eu posso explicar tudo perfeitamente – disse Moacir desesperado.
Gabriella nem espera a explicação, solta o buquê e corre, corre para nunca mais ver Moacir.
Conto inspirado em O casamento do Moacir, de Adoniran Barbosa.
Mariaji – 9º ano
GENTE DESAFINADA, ROSAS E CORAGEM
Sempre esse barulho, sempre o mesmo homem, todos os dias da semana. Ele vinha
novamente descendo pela rua com seu cavaquinho embaixo do braço, parava na calçada em frente a uma
casa, onde residia uma mulher, não tão bonita assim, mas isso pouco importa, pois gosto não se discute.
Parado ali, começava a me torturar. Tocava seu cavaquinho e, para piorar, cantava. Não agüentava mais,
sai de casa, me dirigi até este homem e disse:
– Não agüento mais, toma uma atitude de homem!
Apertei a campainha da casa da mulher, ela atendeu e eu logo disse, sem conversa fiada:
– Você precisa tomar uma atitude. Vá lá e diga que gosta dele ou termina com essa conversa de
uma vez. Aliás, o desfecho dessa história pouco me interessa, só o faça parar com esse barulho. Se ao
menos ele soubesse que há outras cordas, mas não, o infeliz só sabe tocar a Mi.
Voltei a minha casa e fui direto para janela ver no que ia dar. Não teve meia conversa, a mulher
começou a gritar com o homem e o mandou embora. Ali já dava meu problema como resolvido.
No dia seguinte, acordei com o som da campainha, já achei que era algum vendedor ou
entregador no número errado, mas me enganei, estava diante de mim o cara do cavaquinho que tomou um
pé na bunda da vizinha. Abri a porta e ali estava ele, gritando, chorando e se engasgando ao mesmo tempo
com lágrimas e saliva:
– Eu estava quase reconquistando ela com a minha música e minha voz, mas você estragou
tudo. E agora? Eu fico como?
– Reconquistando? Você tá louco? Você tava fazendo com que ela e todos os vizinhos ficassem
loucos. Você não sabe cantar, muito menos tocar esse instrumento aí. Quando aprender, terá pelo menos
uma pequena chance de reconquistá-la.
Na hora ele parou com sua lamentação e disse que eu deveria ter jeito com as garotas, que
parecia muito bem saber do que elas gostam.
– Só sei que elas não gostam de caras que pensam que sabem tocar e cantar.
– Então me fale do que elas gostam.
– Você precisa ser romântico, verdadeiro e compreensivo porque se ela não quiser nada com
você, nada que você fizer mudará o que ela pensa.
– Entendi.
No dia seguinte, lá voltava o homem, descendo a rua com um buquê de flores. Já pensei:
– Tá melhorando, flores são românticas.
Ele tocou a campainha, entregou as flores e disse umas coisas, que não ouvi. Um minuto
depois, apareceu um carro, aqueles de telegrama animado.
Pensei comigo: meu Deus, o imbecil trouxe uma bandinha pra tocar pra ela, eu disse que
mulheres não gostam de caras que cantam e tocam mal, não disse a ele que chamar outros “músicos”,
iguais a ele, não resolveria o problema.
O trio do telegrama animado não conseguiu nem terminar a primeira música e já chegou uma
viatura da polícia. E lá veio ele novamente bater a minha porta.
– O que eu fiz errado?
– O que você fez de errado? Tudo, não era pra você trazer uma banda mais desafinada que
você pra tocar no meio da rua. Era pra você mesmo fazer alguma coisa romântica, como as flores. Essa
sim foi uma boa cartada, mas a banda estragou tudo, eles não sabiam cantar, muito menos tocar alguma
coisa.
– Entendi.
No outro dia, veio ele, descendo pela rua, com rosas brancas e uma caixa de bombom. Tocou a
campainha, entregou as flores e a caixa. O homem voltou ao carro e pegou uma corda de cavaquinho, uma
corda mi como prova de seu amor a ela.
Ele me surpreendeu. Isso mostra que um ato romântico não precisa ser sofisticado e que uma
corda de cavaquinho não é cara, mas é um gesto extremamente gentil e romântico. Não foram as flores ou
bombons que a comoveram, mas sim a corda do cavaquinho, um pedaço de algo importante na para ele.
Conto inspirado na canção Prova de carinho, de Adoniran Barbosa.
Pedro Vitor – 9º ano
AGUENTA A MÃO JOÃO
Era uma favela bem simples e com moradores miseráveis. Uns saiam de suas casas logo de
manhã para mais um dia de trabalho, outros já não estavam nem aí para a vida. Barracos de madeira e
alguns de tijolos, cada um com seu jeitinho, um do lado do outro. Crianças brincam nas ruas, sem
preocupação alguma, jogam futebol, pega-pega e outras brincadeiras mais.
Em um dia como todos os outros na favela, ventos começaram a surgir, nuvens negras tomaram
conta do céu e o ar começou a ficar gelado. Ninguém gostava desses dias, pois era sinal de tempestade e,
consequentemente, de destruição de inúmeros barracos.
Um dos moradores deste local, João, um homem honesto, passava o dia inteiro trabalhando
para ganhar o seu salário e conseguir sobreviver. Nesse dia, João ao voltar para casa, avistou pela janela
do ônibus a tempestade que se formava, o que o deixou extremamente preocupado. Ao entrar pelas vielas
da favela em que residia, viu cenas que o chocaram, João realmente não sabia o que fazer. Geladeiras
corriam em um rio de água, moradores fora de suas casas gritavam e choravam, pedaços de casas
encontravam-se destruídas sobre o chão. Parecia o fim do mundo.
Foi no meio desse universo caótico, que João viu seu barraco desmoronando, levado pela água
junto com seus móveis e todos os bens que ele tinha. João, tão destruído quanto seu barraco, desabou a
chorar.
Seus vizinhos olhavam aquela cena e se sensibilizavam, pois viram João construir aquela casa,
na qual ele morava há muitos anos.
Logo que a chuva passou, João começou a fazer planos. Pensava em sair daquela favela e
mudar a sua vida. Estava querendo pegar o salário que já juntava há meses e meses e comprar uma casa
decente para morar, ao invés de morar em barracos, que não são seguros e que caem com a chuva.
Uma festa de despedida foi feita para João e alguns amigos até contribuíram com um pouco de
dinheiro para a sua nova morada. Logo, João se despediu de todos e foi embora, sem a mínima intenção
de voltar para lá algum dia, apesar da imensa emoção que sentira ao se retirar daquele lugar, aliás, não
poderia ser diferente, pois ali, ele viu sua família crescer.
A história de João ficou nacionalmente famosa, pois uma emissora de tevê cobriu a catástrofe
que tomou conta da vida daquela gente. Um jornalista que acompanhou o caso, homem de família, classe
média alta, se comoveu com a história de sr. João e resolveu ajudá-lo.
Passaram-se alguns dias, até João ficar sabendo da ajuda que estava prestes a receber. Ficou
emocionado com tanta bondade do homem, mas advertiu o rapaz. Disse a ele que estava acostumado
com uma vida simples, cresceu na favela e não queria sair dessa vida.
O jornalista entendeu os motivos de João e resolveu fazer-lhe uma surpresa. Construiu uma
nova casa em uma favela para João, e o levou lá.
Chegando ao local, João teve uma surpresa: sua nova casa se localizava exatamente na
favela aonde seu barraco desmoronou. Ele ficou aliviado em ver que voltou para o lugar que já morava há
anos e, dessa vez, tinha uma casa decente ao invés de um barraco. Ficou feliz em saber que nada o
tiraria de lá agora.
Conto inspirado na canção Agüenta a mão João, de Adoniran Barbosa.
Juliana – 9º ano
SAUDOSA MALOCA
Aquele lugar era inesquecível. Aos olhos de outro, simplesmente um barraco imundo e caindo
aos pedaços. Foi nele que passei os dias felizes e tristes de minha vida. Moraria ali por toda a eternidade.
Minha maloquinha precisava de uma reforma, mas o dinheiro estava curto, trabalho de gari
garantia apenas um salário mínimo. Pensava seriamente em trabalhar no tráfico para ganhar um dinheiro
extra, entretanto sabia que esse era um caminho sem volta.
Fui à rua varrer a sujeira, só assim poderia juntar as merrecas pra reformar minha maloca.
Cheguei em casa cansado e com fome. Coloquei a água para ferver no caneco e fiz meu miojo, cozinhei a
salsicha e corri para o banho. Acrescentei mais água, porque meu irmão já estava pra chegar.
Ao sair do chuveiro, ouvi a campainha tocar, abri a porta e vi um moço bem vestido, de terno e
gravata. Achei que era um testemunha de Jeová, mas lembrei que eles só apareciam no domingo de
manhã e ainda era segunda-feira. Perguntei a ele o que queria e me pediu para entrar, pois assim
poderíamos conversar melhor. Eu concordei.
- Eu sou oficial de justiça - disse ele.
- Tem algum problema com a casa? – perguntei.
- Trago aqui uma ordem de despejo, expedida pelo juiz.
- Por quê?! Minha casa não está legalizada? – perguntei assustado.
- Não, essa área corre sério risco de alagamento. Antigamente aqui ficava a mata ciliar do Rio
Tietê, com o êxodo rural, a cidade ficou superlotada e os trabalhadores vieram construir casas na
periferia.
- Mas se eu sair daqui eu não tenho para onde ir!!! Meu salário mínimo não dá para comprar
nem alugar outra casa!
- Não se exalte! Vá morar por um tempo com algum familiar, enquanto não acha uma casa.
- O único familiar que eu tenho em São Paulo é o meu irmão, que mora aqui comigo! Não
tenho para onde ir, eu vou ter que morar na rua?
- Isso não é problema meu! Eu só vim aqui cumprir o meu trabalho!
- Então já que você cumpriu seu trabalho, pode ir.
- Já estou indo.
Quase chegando à porta o oficial disse:
- Mais uma coisa, você deve desocupar essa casa até às 12h00 de amanhã. Tenha uma boa
noite.
Eu estava arrasado, perdi a fome e o meu cansaço aumentava. Logo depois, meu irmão
chegou, não sabia como contar este fato a ele.
- Boa noite! - disse
- Boa noite! Você já jantou? - perguntou meu irmão.
- Ainda não, estou sem fome! – respondi.
- Mas eu estou com uma fome, minha barriga tá até roncando! - disse ele.
- Preciso de contar uma coisa muito séria. – falei.
- Então desembuche homem! - disse ele.
- Um pouco antes de você chegar, um oficial de justiça apareceu por aqui...
- E o que ele queria? – perguntou me interrompendo.
- Ele entregou uma ordem de despejo, a gente tem que sair daqui até às 12:00 de amanhã. –
disse a ele.
- Como assim? Ordem de despejo? Amanhã? - perguntou desesperado.
- É, homem, isso mesmo que tu ouviu !
Meu irmão ficou pálido e não disse mais nada, ficou mudo até o amanhecer. Quando
acordamos, ele disse:
- Vamos embalar tudo naquelas caixas que você trouxe do trabalho.
- Vamos sim – respondi.
Nós dois faltamos no trabalho e ficamos embalando tudo. Quando terminamos, eram 11h42.
Nesse mesmo momento, os homens responsáveis pela demolição chegaram.
Eles prepararam tudo para a demolição, o coração começou a apertar e para amenizar a dor
nóis dois cantemo assim: :
Saudosa Maloca Maloca querida Que Dim dim dondi nóis passemos Dias felizes de nossa vida.
Conto inspirado na canção Saudosa maloca, de Adoniran Barbosa.
Ariel – 9º ano
TRISTE MARGARIDA
Tarde de sexta feira, Mario se arrumava para ir a um bar como sempre fazia.
Mario era um cara que sempre estava contente, não tinha filhos nem mulher, era alto, magro,
negro, forte e como qualquer pessoa procurava uma chance para aparecer no mundo. Seu sonho era o de
se casar com uma bela mulher.
Naquela noite, Mario chegara ao bar, que estava cheio de mulheres e homens de todas as
idades. Como todo jovem, logo percebeu que se divertiria muito e, por isso, escolheu uma mesa para se
sentar, enquanto esperava pelos amigos.
Da mesa, Mario avistou uma bela garota que entrava no bar, ela se dirigia ao balcão para pedir
uma bebida e arrumar um local para se sentar, pois o boteco já estava cheio. Ele se apaixonou
imediatamente, se encantou pelo andar da garota. Ela era morena, alta, com lindos cabelos longos, estava
maquiada, porém sem muito exagero, parecia muito decidida pelo jeito que andava.
Mario tomou coragem e assim que seu primeiro amigo chegou, deixou a mesa e foi falar com
ela. Mario convidou a garota para dançar e, depois, pagou um drink para ela. Neste papo à beira do balcão,
Mario descobriu muitas coisas sobre a garota, inclusive, que ela tinha sonhos que ele, um jardineiro da
prefeitura, jamais poderia realizar.
Decidiu, então, contar uma pequena mentira para impressionar a garota. Disse a ela que
trabalhava de engenheiro e que o metrô de São Paulo estava em suas mãos e que se desse tudo certo, ela
seria a primeira passageira na inauguração.
Os dois trocaram telefones e partiram apaixonados para seus lares, aguardando ansiosamente
o próximo encontro. Entretanto, o encontro tão esperado por ambos foi trágico. A garota, a bela morena,
dirigia-se ao trabalho de ônibus e, ao passar pela via 23 de maio, avistou Mario. Ao invés de um belo
sorriso e um aceno, a morena se entristeceu e se sentiu traída, pois da janela do coletivo ela viu Mario,
plantando grama no barranco da avenida.
Conto inspirado em Samba do Metrô (Triste Margarida), de Adoniran Barbosa.
Victor Aguiar – 9º ano
SAMBA NO BEXIGA
Num domingo de folga, meu amigo Nicola me chamou pra um samba em sua casa com
pizza e chopp. Ele residia na Rua Major, bairro do Bexiga. Para não ir sozinho, tive a idéia de chamar meu
amigo João para me acompanhar no samba.
Ao chegar ao típico bairro de italianos, comecei a escutar o samba e sentir um ótimo
cheiro ótimo de pizza e de brachola que exalava da casa de meu amigo.
Estacionei o carro e toquei a campainha. Após 5 minutos de espera, percebi que ninguém viria
abrir a porta, pois, provavelmente, o ensurdecedor barulho do samba não permitiria a ninguém ouvir a
companhia. Então, eu e meu amigo, João, deixamos a vergonha de lado e decidimos pular o portão, que
não era alto para os padrões de uma cidade como São Paulo.
Entramos na festa e cumprimentamos Nicola, que tomou um susto ao nos ver ali, entrando
pelos fundos da casa. Explicamos toda a história a ele e começamos a comer pizza, pois morríamos de
fome e não víamos a hora de matá-la.
Já não bastava o barulho ensurdecedor e toda aquela gente, começou uma discussão sem
muito sentido sobre quem iria sentar-se na única mesa da festa. Um minuto depois, inicia-se uma baita
briga; era pizza e cadeiras voando por todo lado. Sem querer nos intrometer, eu e João fomos para
debaixo da mesa nos protegendo de qualquer objeto voador. A briga cada vez mais piorava, quando
escutamos um barulho ameaçador de uma viatura policial chamada pela vizinha.
Dali a pouco, entrou casa adentro o Sargento Oliveira, sargento conhecido por todos no bairro
pela sua rigidez e força física. Ele, com uma voz muito grossa e em um tom cínico, anuncia:
- Calma, pessoal, vamos nos acalmar, todo mundo pro chão. A situação aqui está muito cínica.
Vou conduzir todo mundo pra delegacia e os mais pior vou mandar direto pras clínicas.
Assim a festa acabou, alguns na delegacia e outros no hospital. Eu, depois desse sufoco, prefiro
ouvir meu Adoniran Barbosa no carro e a minha pizza em casa. Já meu amigo João até o samba largou,
agora só ouve música clássica.
Conto inspirado na canção Samba no Bexiga, de Adoniran Barbosa.
Pedro Attie – 9º ano
VIADUTO SANTA EFIGÊNIA
Eugênia cresceu numa comunidade pobre, que se abrigava embaixo do Viaduto Santa Efigênia.
Sua família é de quatro irmãos, um pai alcoólatra e uma mãe dependente de drogas, que por tanto
consumo, teve um distúrbio mental e, por isso, agredia os filhos.
Ter uma infância doce de baixo daquele viaduto era um sonho, uma situação utópica, que todas
as crianças abrigadas naquele lugar desejavam. Apesar de não ter brinquedos de primeira mão, se
entretiam com pouco, fazendo um lugar miserável se tornar rico.
É incrível como um lugar tão simples e sujo consegue trazer tantas lembranças boas e
experiências importantes para a vida. Eugênia retrata aquele viaduto como um lugar que lhe ensinou a viver
e lhe deu a oportunidade de conhecer seu grande e doce amor. Com um sorriso no rosto, sempre conta a
linda e sincera história de seu amor. Começa com a sua conclusão de que não importa onde você esteja ou
como você esteja, o amor e a alegria falam mais alto. Eugênia conheceu Martins, seu marido, durante a sua
infância embaixo do viaduto, os dois eram amigos e se cuidavam juntos, sempre um ao lado do outro nas
horas mais difíceis.
Com 15 anos, Eugênia e Martins foram para um abrigo e começaram a estudar, pois os dois
tinham um grande sonho de cursarem uma faculdade. Com muita dedicação, os dois se empenharam e
conseguiram vaga em uma faculdade pública, Martins no curso de jornalismo e Eugênia no curso de
pedagogia. Com o dinheiro que ganham em seu trabalho ajudam seus pais e as famílias que se abrigam
embaixo do Viaduto Santa Efigênia e em outras regiões pobres, pois não desejavam aquilo que passaram a
ninguém.
O casal fala do viaduto com muito respeito, Eugênia principalmente, porque foi naquele lugar onde
conheceu seus melhores amigos e também muitas pessoas que a ajudaram. Seu amor por aquele local era
tão grande, que se demolissem o viaduto, ela poderia entrar numa grande depressão e se ausentaria da
cidade grande.
Conto inspirado na canção Viaduto Santa Efigênia, de Adoniran Barbosa.
Marina – 9º ano
NÓIS NÃO USA OS BLEQUE TAIS
Sábado à tarde, andava com minha menina na rua, de mãos dadas como todo o casal de
terceira idade como nós. Aline podia estar com seus 75 anos, mas pra mim seria sempre a minha
pequena, aquela que eu vi 60 anos atrás andando pela rua com seu gingado, seduzindo todos os homens
por onde passava e que, pela minha sorte, se interessou só por mim.
Lembro-me, como se fosse ontem, de como Aline e eu nos apaixonamos, foi de forma simples.
Eu estava num samba, vendo as moças do lugar, todas bem comportadas e com vergonha de parecerem
indecentes ao rebolar no ritmo do pandeiro. Estava monótono aquele baile, até que eu peguei em meu
violão e toquei uma modinha da época. Quando notei, Aline dançava, graciosa e delicada, a mais bela
menina da festa. Nas semanas seguintes, saímos para tomar sorvete em praças e com o consentimento
do pai dela, nos tornamos namorados.
Estamos casados há 50 anos e não me arrependo de nenhum desses dias, pois sempre
lembro de um amigo meu. Amigo rico que começou um namoro com uma menina tão rica quanto ele.
Começaram a namorar no mesmo período em que se iniciou meu romance com Aline. Ela chamava-se
Eliza. Berço de ouro, aquela moça tinha.
O tamanho da conta que a família dela tinha nos bancos era do tamanho de sua inteligência.
Eliza era brilhante, sua caderneta escolar era cheia de notas altas, era prendada de dotes culinários e
artesanais; era uma dama. Mas com todas essas qualidades, Eliza tinha um defeito que destruía qualquer
chance de um amor com ela; Eliza era fria.
Não tinha saudades, não demonstrava o amor que sentia, seus abraços eram frouxos, não
gostava dos carinhos do namorado. Eliza era a menina perfeita, sozinha. Esse meu amigo, Gustavo,
sofreu nas mãos dessa menina rica. O romance deles terminou num baile de carnaval, onde Eliza
encontrou outro e o trocou-o sem nem mais nem porquê. Sempre disse pro Gustavo que não devia correr
atrás dos bleque tais, esse povo do rai soçaite vê o mundo de outro jeito, de uma forma que nós aqui da
periferia não entendemos.
Até hoje, quando acordo e vejo o rosto cheio de rugas de Aline, entornado de seus
cabelos grisalhos, não me arrependo de ter juntado meus trapos com uma moça ao meu alcance. Porque
o nosso amor é mais gostoso, a nossa saudade dura mais, o nosso abraço é mais apertado, o jeito de
minha mulher é mais jeitoso, nossas juras são mais juras, nosso carinho é mais carinhoso, suas mãos são
mais puras e principalmente; porque nóis não usa os bleque tais.
Conto inspirado na canção Nóis não usa bleque tais, de Adoniran Barbosa.
Sofia – 9º ano
BOM DIA TRISTEZA
Aquele dia acordei e percebi que receberia sua visita, a visita daquela que já não via há muito tempo.
Mas aquele dia eu tinha a certeza de que ela viria. A noite anterior fez com que ela acordasse, lembrasse de
mim e viesse me visitar.
Ela chegou, abri a porta e nos sentamos para conversar, mas resolvemos sair e nos sentar em uma
mesa de bar. Lá eu lhe contava as minhas mágoas e ela as dela. Disse que no dia anterior, ela tinha partido e
ela me falou que se lembrava de sua amiga saindo para buscar alguém. Ela falava das pessoas felizes que
encontrou pelo caminho e eu, diferentemente dela, das tristezas que vi, vejo e verei ainda nesta vida.
Como é bom conversar com alguém que te compreende, alguém que sabe como é sentir vontade de
morrer. Existe melhor companhia para ouvir suas tristezas do que a própria tristeza?
A tristeza é aquela quem traz as lágrimas, é a que faz você se sentir um nada, é a que faz com que
você sinta que nada pode ser pior do que aquele sentimento, é a que te faz pensar sobre cada momento e
palavra da sua vida. A tristeza faz com que todos os momentos bons de sua vida se apaguem e te faz pensar
que nunca mais vai sorrir ou encontrar algo que te proporcione isso. Mas imagina conversar com a própria
tristeza? Ver como está se sentido mal, e se sentir pior ainda. Foi isso que fiz aquela noite no bar, conversei,
discuti, chorei, debati, gritei, fiz com que todos a nossa volta olhassem para nós. Mas não me importava com
os outros naquela hora, apenas existíamos eu e ela
No meio de tanta tristeza, percebi que viver sem ela não fazia sentido.
Peça para virem me buscar também, me levar para perto dela - falava desesperado.
Não se apresse, ainda temos muito o que conversar - respondia ela, calmamente.
Eu queria vê-la para que pudesse ser feliz novamente, poderia reviver cada momento feliz que
passamos juntos. Poderia passar algum tempo com ela antes que o mundo acabasse de vez. O que eu mais
queria naquele momento era tê-la novamente perto de mim.
Deixe-me ir, não quero mais viver- gritava, berrava, desesperado.
Não se apresse, ainda temos muito que conversar - respondia novamente, com a maior serenidade
do mundo.
Cada vez que ela me respondia isso, sentia mais vontade de ir.
Eu podia estar naquele carro para irmos juntos, ficarmos juntos, mas não, eu tinha que ter discutido
com ela, fazendo-a fugir de mim, correndo desesperadamente na chuva.
Eu sempre conversava com a tristeza e sempre a fazia ir embora com um sorriso no rosto. Mas dessa
vez eu queria ir com ela e com a amiga dela, para que pudesse encontrar a minha razão de viver, na morte.
Vou ao banheiro - foi o que consegui dizer depois da enorme quantidade de água presente em
meus olhos.
Vá, mas volte, ainda temos muito que conversar - respondia novamente
Eu fui e quando voltei, ela não estava mais lá, nem ela nem ninguém. Andei, andei, até que a
encontrei, não a tristeza, mas sim o motivo da minha felicidade. A tristeza me trouxe a felicidade, corri para
alcançá-la, para alcançar a luz, e encontrei a escuridão.
Conto inspirado na canção Bom dia tristeza, de Adoniran Barbosa.
Bia – 9º ano
DEIXAR O SAMBA PELO IÊ, IÊ, IÊ? NUNCA!
Infeliz foi o dia em que me apaixonei por uma mulher vinte anos mais nova. Eu, com meus trinta e
cinco anos, gostava de uma mulher que ainda nem era mulher! Para piorar, ela tinha levado meu bem mais
precioso, meu violão.
No dia em que ela levou o Tod, meu violão, foi um dia confuso para mim, pois me chateei muito
com o crime cometido por Mariana, mas, ao mesmo tempo, fiquei feliz porque pela primeira vez ela declarou
seu amor por mim.
- Bom dia, meu amor! – disse Mariana com sua doce voz.
- Bom dia – respondi seco ao telefone.
- Não fique chateado, você só precisa cumprir o que pedi.
- Eu não vou trocar meu samba pelo “iê, iê, iê”. Nem sei o que é isso!
- Isso é a moda! Você tem que se atualizar, amor.
- Não canto a moda, canto a música.
- Então nada feito – desligou o telefone rispidamente.
Ela estava pedindo demais. Era ela e o “iê, iê, iê” ou o violão e o samba. Eu nem pensava em
comprar outro violão, pois o Tod era meu amigo há muitos anos! Liguei para ela de novo.
- Mariana, posso atravessar a Rua dos Gusmões enquanto leio “ Ali babá e os 40 ladrões”! – propus
a ela.
- E pra que eu ia querer isso? – perguntou
- Não sei, mas meu samba eu não deixo.
- É... Não tem jeito. É o violão ou eu! – falou decidida.
- Sinto muito.
Depois dessa dolorosa conversa, não vi mais Mariana.
Dez anos se passaram e eu, com quarenta e cinco anos, ainda tocava samba com meu velho violão
Tod. E avistei Mariana. Com seus lindos cabelos loiros e agora, definitivamente uma mulher.
- Mariana! – gritei da janela de minha casa
- Jorge? Não acredito, quanto tempo! Desce aqui para conversarmos.
Desci correndo as escadas. Eu ainda amava aquela mulher. Dei um longo abraço nela.
- Como anda sua vida, Mariana? – perguntei.
- Eu estou bem... Casei-me.
Aquilo foi uma pontada em meu coração.
- Casou? Com quem?! – perguntei desesperado.
- Com o Duani, sabe?
- O sambista?! – perguntei indignado.
- Esse mesmo – falou sorrindo
- Ainda bem que não perdi meu tempo comprando “Ali babá e os 40 ladrões” – falei e fui embora,
com meu samba e minha dignidade.
Conto inspirado na canção Já fui uma brasa, de Adoniran Barbosa.
Carolina Alves – 9º ano
ABRIGO DE VAGABUNDOS
La estava eu, à beira da falência, com dois amigos na mesma situação. Largado na calçada, lendo o
jornal, logo abri um sorriso quando vi minha solução.
Eram apenas 3 vagas em uma cerâmica, chamei meus amigos, mas eles disseram que não. Já
estavam em um rolo, um outro negócio que prometia render muito dinheiro. Então, deixei-os sozinhos para
seguir em frente.
Trabalhei um ano inteiro nessa empresa e lá no alto da Mooca, comprei com meus míseros
rendimentos um lindo lote, onde construí minha maloca.
Disseram-me que sem planta não dava para construir, mas com trabalho duro, tudo se pode
conseguir. Um grande amigo meu, João, funcionário da prefeitura, arranjou toda papelada para mim e com a
burocracia resolvida, terminei minha maloca, o que me deixou imensamente feliz.
Imagino então, onde andam meus dois amigos. Penso que podem estar jogados na São João ou
guardados nas celas da prisão. Mas logo, esses pensamentos fugiram da minha cabeça, pois olhava a minha
maloca, a mais linda que já vi, hoje está legalizada e ninguém pode demolir. A minha maloca, a mais linda
deste mundo, ofereço aos vagabundos, que não têm onde dormir.
Lembro daquela noite, 13 de setembro, três batidas na porta, foi o suficiente, havia dois mendigos
bem na minha frente.
Acolhi aqueles dois homens que tinham um jeito muito estranho. Então, ao cair da noite, percebi o
meu engano. Facas e um isqueiro foram sacados, levaram tudo que puderam e o que sobrou foi queimado.
Lá se foram meu trabalho e minha linda maloca, antes de perceber eu estava de porta em porta, mas
com uma faca e um isqueiro na mão.
A primeira casa foi mais simples, havia uma senhora, entrei como um coitado precisando de ajuda,
quando a senhora foi pegar água para mim saquei a faca e peguei dinheiro, jóias e um aparelho de TV que
consegui carregar. Quando estava prestes a queimar a casa, me lembrei do que havia ocorrido comigo, então,
achei melhor não incendiar o local.
Saí correndo e ouvi a velha gritando, José, José pega esse ladrão, José.
Então um velho apareceu (devia estar no banheiro, pois não o tinha visto), com uma espingarda ele
atirou em mim. O tiro acertou minha perna direita, cai na hora e o velho se aproximou , pegou as coisas de
volta e me deu chutes na barriga e na cara.
Da maloca para a prisão, esse foi um destino que previ aos meus amigos, mas, infelizmente, foi o
rumo que a minha vida seguiu.
Conto inspirado na canção Abrigo de vagabundos, de Adoniran Barbosa.
Tiago – 9º ano
SAMBA DO ARNESTO
Arnesto, sujeito de aproximadamente 40 anos, adorava ouvir e tocar um bom samba. Sábado à
tarde, o relógio apontava quase 5h, o sol ainda queimava intensamente, apesar de quase estar no horário de
se pôr. Arnesto assistia um telejornal que informava o tempo da cidade interiorana, mostrava que durante toda
semana o clima estaria seco e quente. Cansado, dirigiu-se até o telefone, o qual não havia tocado ainda, ligou
para um de seus amigos e disse:
- Ói, eu tô te ligando pá convidar vocês pá que toquemos um bom samba.
Arnesto resolveu sair, foi até o centro da cidade, pois não agüentava mais aquela tarde calorosa de
sábado. Enquanto caminhava, sentia o cheiro de comida, ouvia mais barulho do que estava habituado e
respirava um ar não tão fresco quanto o de sua vila, sentia-se satisfeito com o tempo agradável do local. O
primeiro convidado de Arnesto apareceu na sua casa, bateu palma e chamou-o pelo nome, sem nenhum
resultado. Pensou então:
- Ara, será que o danado do Arnesto chamou nóis pra vir cá e cabou durmindo?
Tentara mais algumas vezes o mesmo procedimento e, mais uma vez, não obteve resultado. Aos
poucos mais pessoas chegavam, faziam barulho para que Arnesto atendesse, mas nada disso adiantava.
Cerca de 20 pessoas se encontravam ali, todas insatisfeitas e irritadas gritavam: "Da outra vez nós num vai
mais", "Nós não semos tatu!".
No centro da cidade, Arnesto perguntou o horário para um morador simples da região, que
lentamente olhou em seu relógio de pulso, mesmo com dificuldade para ver a hora, disse já passava das seis.
Arnesto ficou nervoso, lembrou-se do compromisso que havia marcado e saiu correndo para sua
casa, corria tão depressa, que algumas vezes seu chapéu caía no meio do caminho, pegava-o com rapidez e
voltava a correr. Chegando em frente de sua casa, sua vila estava quieta e vazia. Perguntava em voz alta:
- Mais será que eles se esqueceram de mim?
Mesmo confuso com a situação, entrou em sua casa, leu a primeira página do jornal e no sofá
mesmo encostou sua cabeça e dormiu. No dia seguinte, acordou pensando ainda no fato que acontecera no
dia anterior, todos sempre adoraram tocar samba em sua casa. Abriu sua porta e viu seu amigo, o primeiro que
havia convidado para o samba em sua casa.
Com um tom muito áspero, o homem disse a ele disse que todos haviam o esperado e que ele não
havia atendido ninguém. Arnesto percebeu o que havia feito, desculpou-se. O homem não aceitou suas
desculpas e disse:
- Mas você devia ter ponhado um recado na porta, um recado assim ói: "Ói, turma, num deu pra
esperá, aduvido que isso, num faz mar, num tem importância, assinado em cruz porque não sei escrever"
Arnesto.
Conto inspirado em Samba do Arnesto, de Adoniran Barbosa.
Felipe – 9º ano