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Série Estudos Temáticos 003/97
O SISTEMA AGROINDUSTRIAL DOS FRUTOS DOCERRADO: O AGRIBUSINESS DO PEQUENO PRODUTOR
Autor: GIORDANO, Samuel Ribeiro
c:\usuarios\artigos\temáticos\1997\frutos do cerrado.doc
ii
O SISTEMA AGROINDUSTRIAL DOS FRUTOS DO CERRADO: O
AGRIBUSINESS DO PEQUENO PRODUTOR
Samuel Ribeiro Giordano - Executive Courses of PENSA - The Agribusiness Programof The University of São Paulo-USP. Phd Candidate in Human Geography in theFaculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo,Agricultural Engineer Graduated in 1975 at Escola Superior de Agricultura Luiz deQueirós USP.
iii
ÍNDICE
Resumo ................................................................................................................
iv
Abstract ................................................................................................................
iv
1. O início .............................................................................................................
1
2. O meio físico e a flora ......................................................................................
2
3. O produto .........................................................................................................
5
4. Referencial teórico ...........................................................................................
5
4.1 Os atores ....................................................................................................
7
5. A missão do projeto
........................................................................................................................... 1
0
5.1 A sustentabilidade do projeto
........................................................................................................................... 1
1
5.2 O business do projeto
........................................................................................................................... 1
3
iv
6. À guisa de conclusões
........................................................................................................................... 1
8
7. Bibliografia
........................................................................................................................... 2
0
RELAÇÃO DE QUADROS E FIGURAS
Quadro 1 - Relação de espécies de frutas candidatas a serem processadas .....
4
Figura 1 - Sistemas agroindustrial dos frutos do cerrado com os agentes
................................................................................................................................ 1
6
v
ABSTRACT
This paper describes and discusses the local and regional issues and the
economic options to small producers. The region is one of the Brazilian
agricultural frontiers, pressed by the globalized crops like soya, in the southern
part of Maranhão and Northern part of Tocantins. The Cerrado Fruit’s Project is a
joint venture made by indigenous communities, Small Producers, Cooperatives
and two Non Governmental Organizations, financed by foreign monies destined to
Sustainable Development. This project is an example of how coordinated actions
can result in mutual beneficial results to local communities.
Key Words : Agribusiness, Small Producers, local, regional.
1
1. THE BEGINNING
In the southern tip of the State of Maranhao, where the Penitente range starts
alongside with the hydrographic basin of the Balsas River in the Geral Range
Formation there is, besides vasts portions of territory called “cerrado” ( a kind of
Savannah) also started a a project , humble and unconceited but important. It’s
concept could promote changes in the small producers lives in the region.
In one of the several yard talks between the local Indians and the anthropologists
of the NGO called CTI-Indigenous Working Center , grouped in their official
reservations, the Indians were asked: What does this region have? This question
was part of a general effort made by the CTI to find feasible and economic
solutions for the region. This effort was also directed to find ways to enbetter the
lives of the regional small producers. The idea was to find new ways to keep the
producers in their land, working in something that could keep them in their land,
trying to stop the massive rural exodus that occurred in Brazilian the last 50 years.
The idea was also to find some agricultural activity that could be sustainable from
both points of view::economic and environmental subsistência, sem comprometer
os recursos naturais, tão vitais para eles. Os produtores, por falta de opções, em
geral avançam para as reservas de índios que, também sem opções econômicas,
franqueiam o acesso para o extrativismo de madeiras, que lhes renderá míseros
recursos. É o ciclo da pobreza que ameaça inexoravelmente os recursos naturais,
pondo a perder toda uma natureza pródiga em terras, flora, fauna e água. Os
exemplos das nações do Sub-Saara africano demonstram que a manutenção de
pecuária extensiva, em campos coletivos nesta região, aliada à pressão
populacional, exerce forte demanda sobre os recursos florestais destinados à
energia para cocção. Agravam ainda esta situação a forte pressão determinada
por fatores ambientais como: baixa umidade relativa do ar, baixa fertilidade
natural dos solos, aridez, baixa capacidade de retenção da água no solo, alta
porosidade, ventos e outros fatores, que devastaram irremediavelmente largas
2
porções territoriais ao sul do Saara, permitindo a ação eólica sobre estas terras,
cobrindo-as de areia [GIORDANO (1995 a)]. Esse avassalador processo de
transformação faz com que áreas antes aproveitáveis, situadas na fronteira de
equilíbrio do ecossistema desestruturem-se rapidamente em poucos anos com as
ações do homem.
O início do projeto dá-se por volta de 1992-93 tendo como epicentro uma casa de
apoio que o CTI mantinha em Carolina - MA para atender as necessidades
educacionais dos índios Krahô (Timbiras) com os quais trabalhavam.
Respondendo à pergunta do que haveria de oportunidades na região o índio
Krahô respondeu: “Fruta e água”.
2. O MEIO FÍSICO E A FLORA
Esta região, com características tipicamente tropicais, apresenta temperaturas
médias variáveis entre 28º e 34º C, com o regime de chuvas bem definido em
duas estações, sendo o verão seco de maio a setembro e o inverno chuvoso de
outubro a abril. O volume de chuvas é bem razoável, da ordem de mais de 1.000
mm anuais, porém distribuídos em 6 meses. A topografia apresenta um relevo
suave-ondulado, com inúmeros morros testemunhas. Esses morros se
apresentam com os topos planos, que são os chamados chapadões e também os
escarpados. Os solos de modo geral são arenosos, bem drenados, algumas
vezes com inserções lateríticas, com fertilidade natural e PH baixos. Muito
susceptíveis à erosão, esses solos às vezes apresentam manchas de composição
mais argilosa e com teores maiores de matéria orgânica no alto das chapadas e
ao longo de dos rios e ribeirões.
3
São quatro os principais tipos de fisionomia encontrados na região e que têm
interesse para o Projeto:
1) Cerrado “ sensu stricto” - predominância de árvores de pequeno a médio
porte em densidade variável, entremeadas com grande variedade de
gramíneas, ervas e arbustos baixos. São formações de transição entre os
campos limpos, com predominância de gramíneas e arbustos esparsos e os
Cerradões.
2) Matas Ciliares - Ao longo dos cursos d’água, são áreas mais ricas em matéria
orgânica e argilas aluvionares transportadas das chapadas. Esse meio
propiciou a formação de maciços florestais, as matas de galeria bastante
densas, contando com árvores de porte grande, junto com arbustos,
trepadeiras e outras ervas.
3) Veredas - Há uma marcada predominância de buritis (Mauritia flexuosa) e de
outras espécies de porte alto. Os solos são recobertos com gramíneas e ervas,
apresentando pouca ocorrência de arbustos. O ambiente é característico de
áreas sazonalmente inundadas.
4) Cerradão - Locais com predominância de matas densas e árvores de grande
porte, mantendo as características gerais do cerrado (muitas árvores
retorcidas), variando a densidade e o porte de acordo com as manchas de
solos e solos recobertos de gramíneas, ervas e arbustos característicos desta
região e com solos mais férteis.
Árvores que produzem frutos e que apresentam potencial produtivo para um
adensamento ainda maior dessas espécies, situam-se nas áreas denominadas de
cerrado stricto senso no alto das chapadas e chapadões, e também nas matas
ciliares. De ocorrência espontânea e nativas destes cerrados, segundo os
4
moradores dessas regiões e relatos dos índios, a variabilidade de produção
dessas frutas é muito baixa. Perfeitamente adaptadas à região por meio de uma
seleção genética natural, essas espécies, nos seus períodos de produção, são
muito produtivas. De modo geral pode-se afirmar que há um risco baixíssimo de
falta de produção, de acordo com os relatos dos índios, ou seja, todo ano há
frutas em abundância.
A sazonalidade pode ser contornada com a refrigeração da matéria prima. Com
uma boa administração de estoques, os produtos mais valorizados como Bacurí,
por exemplo, poderiam ser vendidos a preços melhores na entre safra, a exemplo
do que ocorre com todas as frutas.
No quadro 1 são apresentadas as espécies que melhor preenchem os requisitos e
expectativas do projeto em quantidade, produção, dispersão e demanda
consideradas para a coleta e processamento de sua polpa no Projeto Fruta Sã.
Quadro 1 - Relação de Espécies de Frutas Candidatas a Serem Processadas
Nome vulgar Nome científico Família
Açaí ou Juçara Euterpe oleracea Arecaceae
Araçá Psidium littorale Myrtaceae
Bacaba Oenocarpus bacaba Arecaceae
Bacuri Platonia insignis Guttiferae
Buriti Mauritia flexuosa Arecaceae
Cajá Spondias lutea Anacardiacea
Caju Anacardium occidentale Anacardiacea
Cajuí Anacardium sp Anacardiacea
Mangaba Hancornia speciosa Apocynaceae
Murici Byrsonima sp Malpighiaceae
5
Puçá Rauvolfia bahiensis Apocynaceae
Fonte: Bona e Santiago (1993)
6
3. O PRODUTO
A idéia básica que reside por trás do projeto frutos do cerrado é a de agregação
de valor.
Mas não apenas isso. Pensa-se em agregar valor a um produto que hoje é
desperdiçado, perdido e pouco valorizado. Esses frutos regionais, característicos
desse bioma de cerrado, nascem e crescem espontaneamente sem a
necessidade da utilização de insumos modernos, que são pouco acessíveis aos
pequenos produtores locais. A idéia é despolpar esses frutos, homogeneizá-los,
congelá-los e embalá-los em quantidades variáveis que possam servir como dose
única para sucos individuais e também em quantidades maiores para refeitórios
indústrias e indústrias de sorvetes.
4. REFERENCIAL TEÓRICO
A agregação de valor é um tema que já tornou-se corriqueiro mas nem sempre lhe
dada a devida justificativa. Agregar valor ou adicionar valor a um produto é o
primeiro passo para torná-lo mais valioso. Esse processo muitas vezes passa por
uma transformação do produto, que da sua forma original “in natura“ pode ser
transformado em outro produto como é o exemplo do suco concentrado e
congelado de laranja feito a partir de laranjas frescas, ou ainda os embutidos
como salames e presuntos que são transformados a partir de carnes frescas.
Cita-se ainda os casos em que não há transformação do produto mas apenas
uma mudança na sua forma original, como o caso do alho separado e selecionado
por tamanho e colocado em réstias ou em bandejas plastificadas. Qualquer que
seja a transformação feita a resultante será, na maioria das vezes, um produto
com maior valor e com maiores margens a serem apropriadas. A grande questão
que se apresenta também neste tema é a tentativa de tirar produtos da vala
7
comum dos commodities de baixo valor agregado. Há também o caso de
agregação de valor entre os commodities ou seja a commodity óleo de soja tem
mais valor agregado que a commodity soja em grão.
No presente caso o grande problema é o de se tomar os produtos frutos do
cerrado, praticamente perdido todas as safras por conta da abundância e da falta
de valorização de sua forma “in natura” e transformá-los em produtos que sejam
matéria prima para produtos de alto valor agregado como sorvetes, sucos e
outros. Além do mais, outro aspecto da agregação passaria pelas áreas
geográficas de consumo da polpa congelada de fruta, distantes das áreas de
produção. Este último aspecto se reveste de importância, pois este produto seria
quase um produto importado no sul e centro do País devido à grande distância
que há entre a área de produção e de consumo. Uma vantagem que emerge
deste fato é que o preço final do produto não é, neste caso, formado pelas
componentes de custos, fretes e margens mas sim pela oferta e demanda deste
produto no varejo de grandes centros. Esta vantagem pode melhorar as margens
de ganho dos processadores quando comparado às vendas que seriam feitas nos
mercados próximos às áreas de produção. Outro aspecto que vale a pena ser
mencionado refere-se à correção política da manufatura deste produto. Este
produto agrega valor para comunidades indígenas e de pequenos produtores e
tem como objetivo a melhoria da qualidade de vida destes grupos sociais.
A questão então passa a ser da agregação de valor aliada à competitividade dos
negócios da pequena produção. A pequena produção tem de ser competitiva por
obrigação, para se manter viva, ativa e acumuladora. Tem que diferenciar-se dos
concorrentes de maneira que seja uma especialidade, que tenha unicidade, que
tenha qualidade e, finalmente, que se destaque como marca única.
Os grandes exemplos da nova competição segundo BEST (1990), estão nos
empreendedores familiares da “terceira Itália”, que no começo dos anos 70 e
8
meados dos anos 80, ultrapassaram as taxas de crescimento das quatro grandes
economias da Europa. Esclareça-se que isto deu-se às custas de investimentos
em tecnologia, flexibilização da produção e a existência de especificidade de
ativos1.
No caso do Projeto Frutos do cerrado seus ativos específicos são:
• Localização Geográfica
• Recursos Humanos, que tem intimidade com o manejo, plantio e coleta destas
frutas.
Dessa forma poder-se-á exercer a apropriação de margens maiores e melhores
neste produto único, com área de produção demarcada e modo de produção
correto social e ambientalmente.
4.1 Os Atores
De um lado há os índios Krahô (Timbiras) com suas reservas ameaçadas pelo
forte antropismo2 causado principalmente por agricultores locais e por
extrativistas de madeiras do cerrado. Estima-se que os grupos indígenas de
língua Macro-Jê dominavam os cerrados do Brasil Central há mais de 1.000 anos
atrás. Cultivavam apenas alguns tipos de tubérculos tais como inhame, batata-
doce e mandioca, levando um tipo de vida caçador coletor. Posteriormente
passaram a cultivar o milho.
1 Especificidade de Ativos: Grau segundo o qual um ativo qualquer pode realocado para usosalternativos, por, por usuários alternativos, sem prejuízo do seu valor produtivo(Williamson,1991).2 Antropismo: É a vegetação ou fisionomia resultante das ações do homem sobre a vegetaçãonatural.
9
O requinte dessas populações, segundo AZANHA (1992), impressionou os
primeiros estudiosos europeus. A pergunta era: “Como seria possível a esses
grupos se desenvolver de forma sofisticada social e culturalmente, sobre uma
base material tão pobre, com ausência de agricultura, cerâmica, tecelagem e
metalurgia”. Seu desenvolvimento se deu inclusive com expansionismo territorial
e demográfico. As aldeias dos chamados Jês Centrais (Bororo, Kayapó, Akuen e
Timbira) possuíam aldeias em formato circular abrigando 2 a 3 mil habitantes. O
padrão demográfico atingido por esses povos foi muito superior ao de quaisquer
outras sociedades indígenas das terras baixas sul-americanas.
Hoje em dia, os Timbiras que habitam a reservas dos Estados do Maranhão e
Tocantins procuram suprir-se de bens de que não possuem comercializando com
os vizinhos. Raros são os que se empregam como mão-de-obra rural e poucas
aldeias partiram para a pecuária bovina, agricultura ou extrativismo de babaçu,
fava-danta, jaborandí ou castanhas. Esses grupos fazem expedições às grandes
cidades quando necessitam de bens materiais e trocam seus artesanatos ou os
comercializam com os brancos, apesar da decrescente “generosidade” destes
últimos. Segundo estudiosos, eles não cessarão de procurar as grandes cidades
enquanto isso lhes trouxer mais vantagens que o esforço despendido em trabalho
para as populações vizinhas não indígenas. Esta estratégia para a sobrevivência
foi escolhida pelos Timbiras, por que foi a única a permitir manter sua vida
tradicional.
De outro lado tem-se pecuaristas, com criação extensiva de gado bovino,
produzido com baixa produtividade, utilizando técnicas de queimada de pastos
nem sempre controladas que, invariavelmente, inviabilizam as pequenas
propriedades, destruindo-as. Esse fogo descontrolado também ameaça
seriamente o bioma do cerrado ao mesmo tempo em que “limpa” as áreas que
poderão ser comercializadas por preços melhores. Ainda que também utilizem a
queimada como forma de “limpeza” de terreno, as populações tradicionais o
10
fazem com muito mais cuidado por conta da manutenção de espécies essenciais à
sua sobrevivência como babaçu, frutíferas e outras.
A agricultura intensiva também avança pela região constituindo-se num problema
a mais para a manutenção dos mananciais, dos biomas de cerrados e, por
conseguinte, para o abrigo da fauna local. Mais de 1.800 índios habitam em 12
aldeias representados pela Associação Vyty-Cati, que tem uma casa de apoio em
Carolina - MA.
Além destes, existem os pequenos agricultores estimados em mais de 25.000
agrupados em Cooperativas e Associações localizados em 10 municípios do sul
do Estado do Maranhão e norte do Estado do Tocantins, organizados ao redor do
CENTRU - Centro de Educação e Cultura do Trabalhador Rural e não ligadas ao
Sistema Cooperativista Brasileiro (Organização das Cooperativas Estaduais e
Organização das Cooperativas Brasileiras). Segundo seus dirigentes, isto se dá
por falta de recursos para pagar as anuidades. O Centro de Trabalho Indigenista,
congregando Antropólogos, Educadores, Engenheiros Agrônomos e Técnicos
Agropecuários, com um conselho de direção formado por Professores do
Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, dentre outros, teve
destacada atuação como proponente e agente do Projeto.
Uma vez que parte do financiamento veio por conta de Projetos enviados pelo
CTI, e portanto, os Krahô ficaram como proprietários dos bens comprados com
esses recursos, estabeleceu-se, após demoradas conversações entre os índios e
os agricultores envolvidos, um sistema de parceria e divisão de resultados de
forma proporcional ao capital investido pelas partes no Projeto e também à força
de trabalho empenhada nas tarefas. Os índios seriam remunerados de forma
tradicional em função de seus investimentos oriundos de doações feitas a fundo
perdido. Receberiam 75% do resultado líquido da venda da polpa. Os agricultores
seriam remunerados de duas formas: pelas fruta “in natura” entregues e pagas a
11
preços de mercado, descontando-se a quebra e também um percentual do
resultado líquido das operações de comercialização da polpa da ordem de 25%.
Este arranjo contratual, justo no entender das partes, constitui-se uma forma
inovadora e interessante de se adicionar valor às atividades de fruticultura, pois os
produtores, por intermédio de suas Cooperativas, tem resultados do produto final,
repassados para eles.
As relações entre as populações tradicionais e os índios tem sido amistosas,
caracterizando-se muitas vezes pelo compadrismo, chegando a utilizarem o termo
compadre como pronome de tratamento. A distribuição das tarefas seria de coleta
e entrega dos frutos na fábrica pelos pequenos produtores. Os índios não teriam
qualquer envolvimento produtivo, contratando força de trabalho especializada
para operar a fábrica e realizar a comercialização dos produtos.
Feitos alguns estudos de viabilidade econômica, as margens líquidas apontadas
para a produção e comercialização de polpa congelada apontavam 25%, um
número que pode ser considerado excelente para as atividades de produção de
alimentos, que internacionalmente tem no máximo 8% de margem líquida. A
rentabilidade sobre o capital investido também é muito boa, considerando-se que
o investimento poderia ser amortizado com folga em menos de três anos.
5. A MISSÃO DO PROJETO
A meta ou missão do Projeto Fruta Sã é obter o melhor produto (polpa congelada)
possível no mercado, vis a vis os concorrentes em termos de sabor, cor, textura,
pureza, preço, qualidade e segurança alimentar, gerando com isso renda para a
12
melhoria das condições sociais dos Krahô e dos pequenos produtores envolvidos,
diminuindo a pressão antrópica sobre as reservas indígenas e sobre os
ecossistemas de cerrados em geral, através do aproveitamento econômico
sustentado de recursos naturais regionais.
Essa meta deverá ser obtida por meio de controle de qualidade ao longo das
etapas produtivas que vão desde a coleta e transporte no campo, passando pelo
transporte de caminhão, recepção, seleção, limpeza, lavagem, processamento,
embalagem e armazenamento. Essas ações envolvem um sistema de educação e
difusão tecnológica de base com toda a população envolvida, que estará
consciente das necessidades que se fazem necessárias ao longo do processo
produtivo, distinguindo-o como um sistema orgânico, e reconhecendo o
consumidor como o elemento chave deste processo. Algumas aulas e seminários
já foram realizados com os produtores nas instalações do CENTRU em João
Lisboa - MA, visando aperfeiçoar e capacitar os produtores a essas tarefas.
O processo de valorização das matérias primas e dos ecossistemas naturais tem
um valor crescente na nossa sociedade.
5.1 A sustentabilidade do Projeto
Os cerrados da região do sul do Maranhão e Tocantins foram sendo ocupados
por pioneiros vindos do Sul e Sudeste do País nos últimos 15 anos, causando
transformações consideráveis nos meios físico, biótico e sócio-econômico locais.
Os moradores locais, sem muitas opções e sem capital, observavam perplexos
aos avanços da cultura de soja, milho, sorgo e outras, nos topos das chapadas da
região e também em pólos mais longínquos como o Projeto PRODECER III
(Projeto de Desenvolvimento dos Cerrados), a 250 km de distância de Balsas em
uma região desabitada e inóspita, financiada em parte pelo BNDES, Banco do
13
Nordeste e o Governo Japonês através da JICA - Japan International Cooperation
Agency. Os produtores da região não tinham capital, conhecimentos técnicos,
extensão de terras e nem tradição na produção destas culturas para se
aventurarem a produzi-las também.
O centro da idéia foi como encontrar uma forma de melhorar o nível de vida das
populações indígenas e populações tradicionais de pequenos produtores da
região sem destruir seu ecossistema. Surge então a idéia do Projeto Frutos do
Cerrado, visualizado também como um projeto de múltiplos interesse da
população regional, como uma forma de manter as populações tradicionais da
região em suas propriedades de maneira economicamente viável. Isto para não
pressioná-los a serem transformados em novos sem terra, e também como forma
de reduzir a pressão antrópica em cima dos recursos naturais (principalmente a
madeira) das reservas indígenas.
A idéia do proprietário de pequenas propriedades que produz o essencial para
sua sobrevivência, comercializando o excedente de sua produção tende a
desaparecer. Em seu lugar ter-se-ia o produtor, coletor extrativista e
transformador de seu produto, que teria sustentabilidade de longo prazo e
aproveitaria os recursos naturais de forma inteligente, promovendo melhoria no
seu nível de vida, via melhoria de renda.
Os frutos do cerrado, abundantes na região, serviriam como uma plataforma de
desenvolvimento sustentável para essas populações, que viviam há séculos em
uma região de equilíbrio ecológico tênue. A coleta dos frutos preserva as árvores
e reduz a quase zero a prática da queimada de pastos, pois o fogo atinge as
árvores frutíferas, inutilizando-as. Dessa forma, propôs-se uma forma de
exploração agro-silvo-cultural nas pequenas propriedades. As atividades
tradicionais de agricultura para alimentação como o plantio de arroz, feijão, milho
mandioca, tubérculos e outras criações como caprinos, galinhas e gado bovino
14
seriam mantidas como complemento e não mais como fonte escassa de renda. O
adensamento das árvores frutíferas do cerrado, cujas mudas viriam dos viveiros
das Cooperativas e da fábrica de Carolina, seria realizado para aumentar de
forma compatível a escala de produção de frutos. A diversificação de frutos seria
também realizada por ser necessária à obtenção do maior ciclo produtivo possível
ao longo do ano. Surgiriam então, ilhas de resistência dentro da monotonia da
monocultura. A questão da soja não exclui esse projeto, pois há lugar para todos
no sul de Maranhão e no Tocantins, desde que respeitadas as atividades uns dos
outros.
5.2 O business do projeto
Contando com recursos da CEE - Comunidade Econômica Européia, PPT-G7
(Programa Piloto de Proteção às Florestas Tropicais do Brasil - Grupo dos Sete),
PD-A (Projetos Demonstrativos do tipo A - Ministério do Meio Ambiente do Brasil)3
e do Governo Alemão, num valor total de mais de US$ 500 mil conseguiu-se
estabelecer este projeto envolvendo uma série extensa de investimentos iniciais
como:
• aquisição de imóvel e construção de uma unidade de processamento de polpa
de fruta, contando com energia elétrica, tanques de pré lavagem e área de
processo telada e isolada;
• aquisição de despolpadeiras elétricas e embaladeiras de polpa;
• aquisição de freezers para armazenamento de frutos “in natura” e de polpa
processada;
3 Os Projetos Demonstrativos do Tipo A são aqueles patrocinados pelo Ministério do MeioAmbiente com a finalidade de servirem de demonstrações piloto para outros projetos depreservação ambiental e desenvolvimento sustentável.
15
• instalação de uma câmara fria para grandes volumes;
• aquisição de 11 veículos Toyota pick-up para transporte dos frutos das
Cooperativas até a central de processamento em Carolina;
• aquisição de caixas plásticas, sacos de coleta e outros materiais para coleta e
transporte de frutos;
• o imóvel e os equipamentos de processamento foram obtidos em nome da
Associação Vyty-Cati ou seja pertence a uma Associação dos Índios;
• registro da marca Fruta-Sã, para polpa congelada;
• treinamento de pessoal no processamento, coleta e transporte de frutos,
industrialização e armazenamento de polpa, e
• treinamento em Agribusiness.
Com relação a este último e importantíssimo item, um primeiro passo, ainda que
modesto, foi dado, com a contratação de um consultor especializado no assunto
que, além de programar e calcular os custos de produção e as margens
esperadas no Projeto, realizou um seminário para as lideranças das Cooperativas
sobre negócios agroindustriais.
Ainda está em negociação com o Banco Interamericano de Reconstrução e
Desenvolvimento - BIRD um financiamento de longo prazo de US$ 300 mil para
complementar os equipamentos da fábrica em Carolina. Esses complementos
16
seriam para comprar mais máquinas despolpadoras, mais câmaras frias e mais
unidades transportadoras.
Esta unidade de processamento, em Carolina, tem capacidade de produção de
200 litros por hora, exigindo o trabalho de duas pessoas.
Os freezeres de apoio e veículos utilitários pertencem às Cooperativas de
Pequenos produtores envolvidas no Projeto que são: Cooperativa Agroestrativista
de João Lisboa - MA, Cooperativa de Riachão - MA, Cooperativa de Balsas - MA,
Cooperativa de São Raimundo das Mangabeiras - MA, Cooperativa de Loreto -
MA, Cooperativa de Montes Altos - MA, Cooperativa de Imperatriz - MA,
Cooperativa de Amarante - MA, Associação dos Pequenos Produtores de
Carolina - MA, Cooperativa de Santa Maria do Tocantins - TO.
Um dos grandes benefícios deste projeto é o efeito na melhoria da renda
monetária líquida que ele deverá ter sobre a economia dos pequenos produtores
e também das comunidades indígenas. Frutas nativas que eram inicialmente
perdidas do ponto de vista comercial, por terem baixos preços resultantes da
baixa demanda e da abundância na região, passam a ter valor agregado quando
comercializadas na forma de polpa congelada.
O Sistema Agroindustrial dos Frutos do cerrado projeto funcionará basicamente
como no fluxograma explicado na Figura1:
17
Figura 1 - Sistema Agroindustrial dos Frutos do Cerrado com os Agentes
Frutos noCerradoReservas,propriedades ecamposgerais
è
Cooperati-vas dePequenosProdutores
è INDÚSTRIAVyty-Cati
è
ATACA-DOCâmarasFrias
è
VAREJOGrandesCentros
èCONSU-MIDORFinal
T-1 T-2 T-3 T-4 T-5
PressõesAmbientais
SeleçãoGenéticamassal
Produção eAgriculturasustentáveis
ComplexidadeGerencial
PressõesContratuais
Agriculturasustentável
Heterogenei-dade
Consolidação/ Custos
Competitivi-dade
Contratos
Gestão
Logística detransporte
Contratos
Verticalizaçãoou terceiros
Gestão
Consolidação
Logística detransporte
Qualidade /Consumidor
Tecnologia
Gestão
HábitosGostoRendaGlobaliza-çãoSaúde /FormaProdutoNaturalsocialmentebemproduzido
→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→
Ambiente Organizacional: Organizações públicas e privadas nacionais e
internacionais, terceiro setor, pesquisa, cooperativas.
No Sistema acima identificado, verifica-se que os símbolos Tn correspondem às
transações e seguem metodologia proposta por ZYLBERSZTAJN (1995). A partir
da produção dos frutos, na transação T1, estes são coletados nos períodos de
produção num estágio adequado de maturação (nem muito verde e nem muito
passado) na propriedade ou nos cerrados gerais. São selecionados e colocados
nas caixas plásticas, onde são recolhidos e transportados para as Cooperativas.
De lá forma-se a carga identificando-se o peso que cada cooperado produziu,
elabora-se o boleto de entrega e envia-se a matéria prima para a fábrica em
Carolina na transação T2. Nesta fábrica, o produto é recepcionado selecionado,
lavado e levantado o índice de aproveitamento industrial e marcado no boleto que
é assinado pelo motorista da Cooperativa.
18
Os frutos mais bonitos de algumas partidas são selecionados para servirem de
matrizes para o viveiro anexo, que é controlado por técnicos agropecuários. Caso
a fábrica tenha condições de operar após a recepção, o fruto é processado. Caso
esteja operando com outra linha de frutos ou sem capacidade operacional, o fruto
recepcionado é secado e congelado em sacos plásticos nos freezeres ou,
futuramente, na câmara fria, quando esta estiver pronta. O produto pronto e
embalado em Carolina segue na transação T3 para armazenamento lá mesmo ou
é formada carga para enviar ao entreposto de comercialização, quando estiver
pronto ou para algum grande centro consumidor como São Paulo, onde o produto
fica estocado em câmara fria.
Daí segue para a distribuição ao varejo, transação T4, onde pode ser
comercializado na Feira de Produtos Orgânicos em São Paulo, coordenada pela
Associação de Agricultura Orgânica no Parque da Água Branca ou para Grandes
Supermercados onde chega finalmente às mãos dos consumidores finais na
transação T5. Nestas últimas transações reside o maior gargalo que se pode
verificar pois no momento o produto está sendo comercializado por um
intermediário com relações de contrato não muito bem explicitadas. A alternativa
de se colocar uma grande processadora de frutos para distribuir estes produtos
poderia ser uma idéia interessante caso fossem mantidas a marca e o apelo do
modo de produção destes produtos, que são os atributos que lhe confere
competitividade no mercado.
Parte deste produto podem tomar outros destinos mais próximos à fabrica em
Carolina como Imperatriz, Belém e Araguaina. Brasília também deve ser cogitada
como potencial foco de distribuição em função das grande população nortista e
nordestina que conhece e valoriza estes sabores exóticos.
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6. À GUISA DE CONCLUSÕES
O grande problema deste projeto, bem como o de todos os projetos
agropecuários, está na questão da comercialização em T3 e T4 do produto.
Prevê-se para breve a criação de uma estrutura “enxuta” que funcione como um
entreposto armazenador e um escritório de vendas composto por dois ou três
funcionários que tenham experiência na função. Desta forma, acredita-se que
bons negócios possam ser feitos. Esses negócios redundarão em distribuição de
valor para todo o sistema, melhorando a renda dos produtores rurais e das
comunidades indígenas do Brasil central, pressionadas pelas produção extensiva
de cereais para exportação.
Como fica explícito nesta tentativa de modelo sustentável de produção, o
regional, os valores regionais consubstanciados pelo aproveitamento racional de
recursos naturais renováveis como os frutos do cerrado, podem emergir como
uma reação ao processo generalizado de globalização. Não se trata aqui de
contrapor-se um modelo frente ao outro, de forma excludente. Há muito espaço
nos cerrados para todos. Nas palavras de um líder rural da região o Sr. Manoel da
Conceição:
“ ...nós não somos contra a soja. Mas ela deve ser cultivada com técnica para
preservar o meio ambiente. Há espaço para todos....”
Este processo de globalização materializa-se na cultura de soja, dependente de
uma economia de escala, de capital intensivo para financiar os insumos,
máquinas, implementos e armazéns necessários à sua produção. Essa escala
dificilmente poderá ser atingida por esses pequenos produtores e suas
Cooperativas por conta da falta de tradição em produzir tais culturas e pela
descapitalização. Esses pequenos produtores, quando reunidos em treinamento
ministrado pelo CTI, a cerca de problemas de globalização da economia, sentiam
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que tais mudanças estavam cercando-os sem contudo se darem conta da sua
rapidez, extensão e potencial transformador.
Amadurecido lentamente, o Projeto Frutos do Cerrado surge como uma opção de
atividade adequada à escala da pequena produção familiar, ligando o conceito de
sustentabilidade e manutenção do ecossistema, ao processo de melhoria de
renda de produtores rurais familiares de pequeno porte e das comunidades
indígenas.
No momento esta parece ser uma reação do local, do regional, ao processo
global. Nada impede porém que esse processo, iniciado regionalmente, venha
também a se globalizar a exemplo de outros produtos como aqueles produzidos
pela cadeia inglesa “Body Shop” que se utiliza de matérias primas da Amazônia e
reverte parte de seu lucro para projetos de sustentabilidade da Floresta. Os
desafios estão aí para serem cumpridos, cabendo aos atores envolvidos
desempenharem seus papéis da melhor forma possível.
Agradecimento Especial: O autor agradece os preciosos comentários feitos por
Sérgio Giovanetti Lazzarini, Sylvia Macchione Saes e Claudio Antonio
Pinheiro Machado Filho, que foram incorporados a este texto.
Agradece também o CTI - Centro de Trabalho Indigenista na pessoa do
Antropólogo Gilberto Azanha.
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7. BIBLIOGRAFIA
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