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FABIULA COSTA ANTONELLO O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: A PARTICIPAÇÃO DOS AGENTES COMUNITARIOS DE SAÚDE NA BUSCA PELA QUALIDADE DE VIDA UNISAL Americana - 2013

O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: A PARTICIPAÇÃO DOS …§ão_Fabiula... · A ideia de se investigar as possibilidades de um TAO, para a educação e a saúde − com a participação

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FABIULA COSTA ANTONELLO

O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: A PARTICIPAÇÃO

DOS AGENTES COMUNITARIOS DE SAÚDE NA BUSCA

PELA QUALIDADE DE VIDA

UNISAL

Americana - 2013

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FABIULA COSTA ANTONELLO

O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: A PARTICIPAÇÃO DOS

AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE NA BUSCA PELA

QUALIDADE DE VIDA

Dissertação apresentada ao Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL, como requisito parcial para obtenção do titulo de Mestre em Educação. Área de Concentração: Educação Sociocomunitaria. Linha de Pesquisa: A intervenção educativa sociocomunitaria: linguagem, intersubjetividade e práxis, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Luisa Amorin Costa Bissoto.

UNISAL

Americana - 2013

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Catalogação: Bibliotecária Carla Cristina do Valle Faganelli CRB 104/2012

UNISAL: Unidade de Ensino de Americana

A639t Antonello, Fabiula Costa O Tao da Educação e da Saúde: A participação dos agentes comunitários de saúde na busca pela qualidade de vida / Fabiula Costa Antonello. Americana: UNISAL, 2013. 277 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL – SP

Orientador: Profa. Dra. Maria Luisa Amorin Costa Bissoto.

Inclui Bibliografia. 1. Educação Sociocomunitaria. 2. Agente Comunitário de Saúde. 3. Semiótica. I. Título. II. Autor CDD – 370.115

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FABIULA COSTA ANTONELLO

O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: A PARTICIPAÇÃO DOS AGENTES

COMUNITÁRIOS DE SAÚDE NA BUSCA PELA QUALIDADE DE VIDA

Dissertação apresentada ao Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL, como requisito parcial para obtenção do titulo de Mestre em Educação. Área de Concentração: Educação Sociocomunitaria. Linha de Pesquisa: A intervenção educativa sociocomunitaria: linguagem, intersubjetividade e práxis, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Luisa Amorin Costa Bissoto.

Dissertação defendida e aprovada em 13 de março de 2013, pela banca examinadora composta por:

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dra. Maria Luisa Amorin Costa Bissoto − UNISAL (Orientadora).

Prof. Dr. Severino Antonio Moreira Barbosa − UNISAL

Prof. Dr. Mauro Hilkner Silva − USP

UNISAL

Americana - 2013

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DEDICATÓRIA/AGRADECIMENTOS

À Deus, por ter me dado tantas oportunidades na vida e pelo seu eterno cuidado por mim, meu eterno amor.

Ao meu pai Antonio Adilor Antonello e minha mãezinha querida Aparecida Costa Antonello, por terem me dado a vida,

a minha educação e a formação de meu caráter.

Ao meu esposo Rafael Henrique Alves Pereira, meu eterno companheiro nos momentos difíceis e nos momentos de alegria, por me permitir minha imersão no

conhecimento e por tolerar minhas ausências, tolhendo-lhe o tempo de estar comigo, mas sempre apoiando este passo na minha vida,

para minha realização profissional.

Ao meu querido amigo David Luquezzi, por estar comigo nesta caminhada, por sua torcida, por me ouvir e acreditar em meus delírios.

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RESUMO

Procura-se entender e aperfeiçoar, num sentido de maior humanização, o processo de educação para a saúde de um grupo de agentes comunitários da ESF (Saúde da Família) e sua prática junto à população. Afirma-se a importância do Agente Comunitário de Saúde (ACS) frente à sociedade, em especial às comunidades da periferia, na busca pela melhoria da qualidade de vida. A hipótese da investigação, decorrente da experiência profissional da pesquisadora, contudo, é a de que a educação em saúde e a ação do ACS reproduzem as relações de poder existentes entre “médico-paciente”, numa negação das representações de doença e das práticas de manter/recuperar a saúde da população. Essa negação é especificamente importante nas populações das periferias, nas quais se encontram concepções de saúde e doença mais aproximadas dos saberes populares, mas afastadas do cientificismo médico. Argumenta-se, verificando-se essa hipótese, que o papel do ACS somente terá efeitos positivos na melhoria da qualidade de vida se respeitar e discutir as concepções de saúde/doença dos grupos sociais aos quais se destinam, intercambiando transformações em todos os envolvidos no processo: população, agentes comunitários de saúde e os demais profissionais da área da saúde. Metodologicamente trata-se de uma pesquisa qualitativa, na modalidade estudo etnográfico. Como referenciais teóricos faz-se uso de estudos da semiótica, da Teoria das Representações Sociais e da Educação Crítica e Sociocomunitaria. Espera-se, como resultados mostrar que o processo de educação dos ACS e a promoção da saúde da população serão tanto mais efetivos quanto mais pautarem-se nos princípios de uma educação que se configure como sociocomunitaria, ou seja, que integre os saberes de uma comunidade, respeitando-os e entre eles promovendo o diálogo. Um possível Tao para pensar o binômio saúde/educação.

Palavras chaves: Educação Sociocomunitaria – Agente Comunitário de Saúde – Semiótica.

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ABSTRACT

It seeks to understand and improve, a greater sense of humanization, the process of health education of a group of community FHS (Family Health), and its practice among the population. Affirms the importance of the Community Health Agent (CHA) before society, especially to communities on the periphery, in the quest to improve the quality of life. The hypothesis of the research, due to the experience of the researcher, however, is that health education and action ACS reproduce the power relations between "doctor-patient", a denial of illness representations and practices to maintain/regain health. This denial is especially important in populations of the suburbs, which are the concepts of health and disease are as close of popular knowledge, but away from medical scientism. It is argued, verifying this hypothesis, the role of the ACS only have positive effects on improving the quality of life they meet and discuss the concepts of health / illness of the social groups to which they are addressed, exchanging transformations at all involved in process: population, community health agent and other health professionals. Methodologically this is a qualitative research method in ethnographic study. As a theoretical framework makes use of semiotic studies, the Social Representation Theory and Criticism of Socio Education. It is expected, as results show that the process of education of community health agent and health promotion of the population will be much more effective as longer abide by the principles of an socio education set, ie, integrating the knowledge of a community, respecting them and promoting dialogue between them. A possible Tao to think the health/ education.

Keywords: Socio Education – Community Health Agent – Semiotics.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AB Atenção Básica.

ABRASCO Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva.

ACS Agente Comunitário de Saúde.

AIDS Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.

APS Atenção Primária à Saúde.

CA Câncer.

CEBES Centro Brasileiro de Estudos em Saúde.

CNS Conselho Nacional de Saúde.

CONASP Conselho Nacional de Administração de Saúde Previdenciária.

DM Diabete.

DST Doença Sexualmente Transmissível.

EAP Edema Agudo de Pulmão.

ESF Estratégia de Saúde da Família.

FIOCRUZ Fundação Oswaldo Cruz.

HAS Hipertensão Arterial Sistêmica.

HIPERDIA Programa de Hipertensos e Programa de Diabetes.

HIV Vírus da Imunodeficiência Humana.

IAPAS Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social.

ICC Insuficiência Cardíaca Congestiva.

INAMPS Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social.

INPS Instituto Nacional de Previdência Social.

INSS Instituto Nacional do Seguro Social.

IRA Insuficiência Respiratória Aguda.

IRC Insuficiência Renal Crônica.

IVB Instituto Vital Brasil.

MS Ministério da Saúde.

NASF Núcleos de Apoio à Saúde da Família.

NOAS Norma Operacional da Assistência à Saúde.

OMS Organização Mundial de Saúde.

ONU Organização das Nações Unidas.

PACS Programa de Agentes Comunitários de Saúde.

PND Plano Nacional de Desenvolvimento.

PSF Programa de Saúde da Família.

SIAB Sistema de Informação da Atenção Básica.

SINPAS Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social.

SSVV Sinais Vitais.

SUS Sistema Único de Saúde.

UBS Unidade Básica de Saúde.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................... 9

CAPITULO I − O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: O ELO COMUNIDADE, O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA E OS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE...........................................................................

14

1.1. Meus Caminhos e Implicações com o Tema............................................ 15

1.2. O Sistema Único de Saúde (SUS): o primeiro caminho, a passos longos................................................................................................................

17

1.3. O Caminho que o Programa de Saúde da Família percorreu desde seu surgimento até os dias atuais............................................................................

23

1.3.1. Características e Composição da Equipe de Saúde da Família........ 26

1.4. O Tao do Agente Comunitário da Saúde.................................................. 31

1.5. O Agente Comunitário de Saúde e a Territorialização.............................. 35

1.6. O Agente Comunitário de Saúde e a Família na esfera da Antropologia e da Educação Sociocomunitaria......................................................................

38

1.7. Agente Comunitário de Saúde: reforçando laços através das Visitas Domiciliares.......................................................................................................

40

1.8. A Importância da Participação da Comunidade para o Tao da Saúde e da Educação Sociocomunitaria.........................................................................

45

1.9. As Representações Sociais frente à Educação Sociocomunitaria............ 46

CAPITULO II − O TAO DO MEIO: SAÚDE, PARADIGMA INDICIÁRIO E DOENÇA FRENTE Á EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA...........................

51

2.1. Meu Caminho Traçado……………………………………………………….. 52

2.2. Significado e Definição de Semiótica......................................................... 53

2.2.1. Os Signos frente à Aprendizagem e à Educação Sociocomunitaria. 55

2.2.2. Os Problemas Sociais vistos como Signo.......................................... 62

2.3. A Antropologia Médica e o Tao da Saúde e Educação Sociocomunitaria frente às Interpretações Sociais.......................................................................

63

CAPÍTULO III − A CONSTRUÇÃO DO TAO DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA: UM QUE-FAZER COLETIVO...................................

68

3.1. Conceitos de Saúde e Doença................................................................... 69

3.2. A Construção do Tao da Saúde e da Educação Sociocomunitaria: o Trabalho em Grupo............................................................................................

74

3.3. O Cuidado dos ACS dentro da Comunidade: Interpretando as Necessidades Educacionais do Cuidar para Garantia da Qualidade de vida...

79

3.4. Visão da Saúde/Doença: a Diferença entre Adoecer e o Doentizar da Comunidade na Educação Sociocomunitaria..............................………………

82

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CAPITULO IV − O TAO E SUA TRAVESSIA ENTRE A SAÚDE E A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA.........

88

4.1. Educação Sociocomunitaria, Cuidado e Saúde: o Tao Possível ……….... 104

4.2. O TAO, sua Travessia na Educação Sociocomunitaria: um Relato de Experiência …………………………...................................................................

107

4.2.1. Estrutura Física da Unidade……………………………………………… 107

4.2.2. Recursos Humanos………………………………………………………. 108

4.2.3. Serviços Oferecidos………………………………………………………. 108

4.2.4. Trabalho na Unidade …………………………………………………….. 109

4.2.5. Os Grupos…………………………………………………………………. 109

4.3. Na Busca do Caminho: o TAO da Comunidade Participante e a

Educação Sociocomunitaria..............................................................................

111

CONSIDERAÇÕES FINAIS………………………………………………………... 126

REFERÊNCIAS…………………………………………………………………….. 129

APÊNDICE – MEMORIAL……………………………………………………….... 137

ANEXOS……………………………………………………………………………… 148

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INTRODUÇÃO

A vida é a arte do encontro,

embora haja tanto desencontro pela vida.

Vinícius de Moraes

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Os seres humanos buscam significar e compreender a situação de sua

existência através do seu cotidiano e, assim, interpretar o mundo em que estão

inseridos. Em decorrência disso estabelecem relações sociais, que ganham

importância frente às situações de saúde e de doença, pois nessas situações se

estabelecem fortes vínculos culturais da existência humana. Na compreensão e

apropriação desses vínculos as pessoas elaboram seus conceitos e suas

representações em relação ao binômio saúde-doença, tendo em mente uma

definição de como vivem e como descobrem o mundo ao seu redor. Cada sociedade

tem uma representação diferente desses vínculos, dependendo de sua história, que

decorre em tempos e espaços determinados.

Como enfermeira e pesquisadora participante deste trabalho de

investigação, busco mostrar uma forma possível de compreensão e promoção de

educação sociocomunitária em relação à saúde, valorizando e reconhecendo a

subjetividade do indivíduo, em seus valores e hábitos, quanto ao processo de saúde-

doença. Mais especificamente, a problemática posta à investigação consiste em

entender o universo de concepções e práticas de saúde-doença no contexto

existente entre os Agentes Comunitários de Saúde (ACS, doravante) e os sujeitos

por esses atendidos, procurando compreender como esses sujeitos vivenciam a

saúde e as doenças em seu cotidiano e que interpretações fazem das explicações,

orientações e propostas para os cuidados com a saúde trazidos pelos ACS e, ao

mesmo tempo, investigando como esses últimos interpretam e lidam com as

concepções de saúde-doença da população atendida?

O objetivo da investigação é mostrar uma forma possível de compreensão

da educação sociocomunitaria em relação à saúde baseado no reconhecimento das

semioses e valorização das culturas em relação à concepção de saúde-doença,

existentes numa coletividade, promovendo novos conhecimentos, buscando

desenvolver habilidades sociais de ação crítica, ética e humanizada e impulsionando

o envolvimento da educação em saúde pública.

A ideia de se investigar as possibilidades de um TAO, para a educação e a

saúde − com a participação dos ACS que atuam como uma ponte de ligação entre a

comunidade e os profissionais de saúde na busca pela qualidade de vida da

comunidade − surgiu do interesse despertado pela palavra Tao, que é traduzida da

palavra chinesa como “o caminho”. Foi pensando neste contexto de caminho, uma

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vez que este representa uma passagem que sempre nos leva a algum lugar, e que

nos serve de elo de um lugar ao outro, que procurei traçar um caminho entre a

educação e a saúde, juntamente com o papel que o agente comunitário de saúde

poderia ter nesse caminhar. O ACS, como definido pelo Ministério da Saúde (MS), é

um “fortalecedor” educativo da comunidade, estando agregado e ligado diretamente

a essa, com um papel participativo na formação de perspectivas para a

compreensão e o enfrentamento de questões relacionadas à saúde-doença. São

questões, então, que norteiam a investigação realizada, se o ACS vem sendo, de

fato, uma figura capaz de contribuir e favorecer a ótica dos sinais, levando o

processo educativo para a comunidade, influenciando na melhoria da qualidade de

vida das populações atendidas.

Para a concretização deste trabalho foram abordados, como referenciais

teóricos, a educação de Paulo Freire, a semiótica, como desenvolvida nos estudos

de Santaella, a antropologia médica, que discute a importância de compreender a

influência das culturas e contextos sociais na maneira como os indivíduos percebem

os problemas e estabelecem relações com os diversos temas referentes à saúde, e

também a teoria das representações sociais, como proposta por Moscovici, em que

se atribui valor aos significados construídos socialmente pelos sujeitos quanto a sua

subjetividade, às diferenças culturais e aos modos de vida dos sujeitos em

sociedade. Acredita-se que desses referenciais possa emergir uma compreensão do

conhecimento popular quanto à saúde-doença, ampliando nossos conceitos e nos

aproximando da realidade da temática aqui estudada. Com fundamento nesses

vieses teóricos procuramos mostrar que o enunciador, ou o autor do discurso, no

caso os ACS, devem ter, na maioria das vezes, um diálogo rico em informações e

conhecimentos provenientes de um olhar a um só tempo científico e humanizador,

baseado numa relação de significação sociocultural quanto aos fenômenos de saúde

e doença expressos pela população atendida. Assim, melhor poderão exercer e

julgar seu trabalho de agentes de educação.

Este projeto nasceu pela angústia desta pesquisadora em compartilhar a

necessidade da educação social dentro da assistência à saúde pública valorizando a

importância do reconhecimento da cultura da comunidade, bem como, saber decifrar

e interpretar as ações e representações sociais, contribuindo desta maneira para a

melhoria da qualidade de vida. O trabalho foi realizado em um bairro marginalizado

na periferia da cidade de Americana.

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Procura-se, portanto, investigar o estabelecimento de laços entre a

comunidade e os ACS, por meio do desenvolvimento educacional desses,

trabalhando sua influência junto à comunidade, seus valores culturais, seu nível de

compreensão da cultura dos sujeitos atendidos, pelo uso da semiótica envolvendo o

reconhecimento da linguagem, signos, sinais, sintomas e significados, identificando

e compreendendo suas atitudes frente à comunidade. Espera-se, dessa forma,

contribuir para a melhoria da qualidade de vida desta população, em relação à

saúde-doença, favorecendo a mudança do contexto atual.

Pretende-se, também, mostrar a importância da apropriação de fundamentos

teóricos e modelos de análise da semiótica e da antropologia médica pela equipe de

saúde, focando por primazia o ACS, aprimorando seu papel na comunidade,

conscientizando-o da sua importância na construção e promoção de novos ideais de

vida para a comunidade.

A metodologia utilizada na elaboração desta dissertação está baseada em

diferentes bibliografias, integrada à pesquisa qualitativa e quantitativa, focado num

estudo de caso etnográfico, explorando a dinâmica de funcionamento e as

concepções de um determinado grupo, atendido pela Estratégia de Saúde da

Família (ESF) situada no bairro Jardim Brasil, porém aborda mais 16 bairros ao

redor, estando todos localizados na periferia da cidade de Americana, Estado de

São Paulo.

Dentre as dificuldades locais deparamos com grande fluxo de entrada e

saída de pessoas provenientes de outras cidades e outros estados do Brasil

(residência flutuante), bairros de invasão e povoação em fase ainda de estruturação;

portanto, com má condição de moradia, sem asfalto, saneamento, água potável,

coleta de lixo que fica localizado no Bairro Asta I, II e II, com alguns pontos de venda

de drogas e prostituição, doenças crônicas, degenerativas, doenças mentais

(hospitais psiquiátricos, casa de tratamento para dependência de álcool e drogas

ilícitas, casa para tratamento aos portadores de HIV e DST), que fazem uso

frequente da unidade, dificuldade por parte de alguns clientes à aderência ao

tratamento, a não aceitação das orientações dos profissionais pela sua herança

cultural e crenças pessoais, dificuldade com o analfabetismo, na compreensão

quanto às orientações para o tratamento e prevenção, dentre outras.

A construção dos dados empregou coletas de discursos e observação

participante da convivência dos ACS com a comunidade, a avaliação dos trabalhos

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educacionais cotidianamente desenvolvidos junto à população, visitas à

comunidade, levantamento das dificuldades e dos problemas enfrentados na relação

entre os ACS, às práticas de cuidado com a saúde e a população. A organização

dos dados foi baseada nos modelos teóricos já citados, dentro da categoria de

consciência em relação às interpretações simbólicas e culturais que tanto os ACS

como a população fazem, na ação interpretativa frente ao binômio saúde/doença e o

fortalecimento das possibilidades de transformação da comunidade em relação às

práticas de cuidado com a saúde/bem estar.

Considero, como enfermeira e pesquisadora, que a investigação realizada é

relevante por possibilitar traçar um novo caminho para melhorar a qualidade de vida

da comunidade estudada. Espera-se que os leitores possam atribuir importância ao

elo entre a educação e a saúde, ambas devem sempre estar entrelaçadas,

reconhecer a importância do modelo de saúde pública, que atualmente vem sendo

instaurado no Brasil e valorizando o trabalho educacional desenvolvido pelos ACS

nos diálogos diários, nas visitas, nas campanhas de prevenção e outros meios

utilizados em campo aberto, correlacionando as representações sociais e a

compreensão das semioses da comunidade, ou seja, os seus processos de

significação, bem como os sinais que se nos oferecem à interpretação.

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CAPITULO I − O TAO DA EDUCAÇÃO E DA SAÚDE: O ELO COMUNIDADE, O PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA E OS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE

“Menina na Janela”

Salvador Dali

O QUE SERÁ (A FLOR DA TERRA)

(...) O que será que será?

O que não tem certeza Nem nunca terá!

O que não tem concerto Nem nunca terá!

O que não tem tamanho...

Chico Buarque e Milton Nascimento

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1.1. Meus Caminhos e Implicações com o Tema

Esta pesquisa, vinda do campo da saúde, agora percorre o caminho dentro da Academia se propondo a fazer a interpretação da educação em saúde, por meio da teoria semiótica, querendo investigar este trabalho frente aos sinais, cultura, religião, enfim, os comportamentos de um grupo de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) frente à sua ação na comunidade, podendo produzir o bem comum na saúde e na sociedade. Há evidência crescente de que a intervenção na saúde tem múltiplos componentes positivos dentro do foco da educação em saúde com o envolvimento de toda a comunidade. O norte dessas intervenções está em ajudar profissionais da saúde (ACS) e toda a comunidade a adotar uma qualidade de vida segura e saudável, mas compartilhada, em sua compreensão.

Fabiula Antonello

O que me move a fazer esta pesquisa é o meu envolvimento com a saúde

pública, uma vez que percebo que a educação influencia grandemente todo o

processo de construção do ser humano; e, um dos objetos centrais deste trabalho é

o de valorizar a educação sociocomunitaria para esta conquista.

Como a “Menina na Janela”, de Salvador Dali, eu contemplava externamente

o mar vasto da educação até que, em 2003, obtive meu primeiro contato com a área

acadêmica na Universidade Federal do Mato Grosso; fui contratada como professora

especial para exercer a cadeira de saúde indígena. Entrei confusa no barquinho da

Educação e sem saber ao certo para onde iria, pois remar nesse barquinho não era

meu interesse inicial. Lembro-me que queria atuar na Educação, mas tinha muita

insegurança, a pequena diferença de escolaridade e experiência vivida que eu tinha

em relação aos demais candidatos levou-me a adentrar no barquinho da educação.

Acabei aceitando a cadeira pela influência financeira que esta representava, já que

era muito significativa. E naveguei... e gostei, me realizei...

Minha atuação seria um todo, o início de minha eterna trajetória de

educadora...

Eu sempre tive isto comigo, eu sempre gostei de ensinar (muita emoção nesta fala). Quando eu fiz a Faculdade, eu fiz a Licenciatura junto com o quarto ano, mas nunca me imaginei me tornar professor de profissão, depois dessa nova experiência por este caminho minha

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vontade e intenção se tornou lecionar. É uma coisa minha mesmo, que eu sempre tive isto comigo.

Fabiula Antonello

O caminho da saúde pública no Brasil tem se mostrado tortuoso e cheio de

espinhos. O Brasil é um país em desenvolvimento que, ao longo de séculos, vem

buscando a estruturação de seus sistemas econômico, educacional e de saúde, num

desafio de estruturar e se organizar para melhor utilização de seus recursos, com

vistas a traçar metas de qualidade de vida e adquirir o status de país desenvolvido.

Analisando hoje, em âmbito geral, a atual situação do campo da saúde,

encontramos um desencontro nestes caminhos na busca da melhoria da qualidade

de vida. Um país que ainda não “dá conta” de solucionar os problemas e que

poderiam ser resolvidos na atenção básica preventiva, mesmo com as iniciativas e a

valorização do Programa de Saúde da Família (PSF) e seus parceiros os Agentes

Comunitários de Saúde (ACS). Fica a eterna pergunta, então, de como elaborar um

caminho que proporcione, de fato, condições dignas de acesso à qualidade de

saúde, especialmente para a população mais carente economicamente, entendendo

a saúde é direito de todos e dever do estado?

Primeiramente, quero frisar que Saúde é um direito de todos e dever do

Estado, conforme consta nas informações do Ministério da Saúde (BRASIL, 2006) e

firmado pela Constituição de 1988. A saúde, nesse âmbito legal, é definida como “a

situação de bem estar físico, mental e social da população, afastando-se do conceito

de saúde como ausência de doença”. Para se promover saúde devemos pensar em

condições adequadas de moradia, trabalho, educação, lazer, alimentação, estrutura

e fornecimento de serviços de saúde, preservação dos recursos naturais e do meio

ambiente, bem como a valorização das culturas locais, juntamente com a

participação popular, engajando-a em iniciativas de assumir a saúde como bem

comum (BRASIL, 2009).

Assim, vejo que a saúde um bem a que todos têm direito, que está

embasado nos termos do art. 196 da Constituição Federal de 1988 pressupõe que o

Estado deva garantir não apenas serviços públicos de educação, promoção,

proteção e recuperação da saúde, mas adotar políticas econômicas e sociais, que

melhorem as condições de vida da população. Pensando nesta melhoria é que foi

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aberto pelo Estado brasileiro, juntamente com a promulgação da Constituição acima

referida, um novo caminho na busca da promoção da saúde: a criação do Sistema

Único de Saúde (SUS). Dentre as várias ações preconizadas pelo SUS, que seguem

descritas, enfatizo aqui o Programa de Saúde da Família, implantado no ano de

1998, que veio para reestruturar o modelo médico de atenção à saúde, até então

vigente, substituindo-o por uma perspectiva mais orgânica e sistêmica, comunitária.

Partindo-se deste fato resgato um pouco da história da Saúde Pública no Brasil e o

papel do Programa de Saúde da Família e do Agente Comunitário de Saúde dentro

dessa.

Nesta mesma perspectiva entendemos que a educação a cultura e suas

interpretações fazem parte da ação ativa do homem para a qualidade de vida,

fortalecendo uma prática de educação popular, dimensionando transformações

sociais e naturais. Utiliza-se o processo educativo para que os sujeitos sintam-se

também produtores de conhecimento, apropriando-se dos bens culturais,

contribuindo para a promoção de sua saúde.

Paulo Freire (2002), em uma de suas falas menciona dois direitos que

considerou fundamental: “o direito de se conhecer melhor o que já se conhece e o

direito de conhecer o que ainda não se conhece”. Essas prerrogativas se relacionam

com o direito de cultura, ou seja, a viabilidade que deve existir para que todos

tenham acesso à participação universal. Defendo o esforço de Freire, no sentido de

mostrar a necessidade de superação do trabalho intelectual e manual; nesta

dissertação, portanto, abordo o desenvolvimento pela educação em grupos. Estes

integrantes da comunidade apresentam-se como sujeitos coletivos conscientes de

sua classe, valorizando sua cultura de homens e mulheres, apostando numa

renovação mental, interpretando as classes sociais existentes, seus problemas,

lutando pelo acesso a uma educação de qualidade frente à realidade, na busca da

sua própria qualidade de vida.

1.2. O Sistema Único da Saúde (SUS): o primeiro caminho, a passos longos.

Este texto está embasado em documentos oficiais, conforme indicado pelas

referências apostas, que regulam a origem do Sistema Único de Saúde (SUS).

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Esse foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n.º 8080/90 (Lei Orgânica da Saúde) e nº 8.142/90, com a finalidade de alterar a situação de desigualdade na assistência à Saúde da população, tornando obrigatório o atendimento público a qualquer cidadão, sendo proibidas cobranças de dinheiro sob qualquer pretexto (SAÚDE BRASIL, 2012).

Do Sistema Único de Saúde fazem parte “os centros e postos de saúde,

hospitais incluindo os universitários, laboratórios, hemocentros (bancos de sangue),

além de fundações e institutos de pesquisa”, como a Fundação Oswaldo Cruz

(FIOCRUZ) e o Instituto Vital Brasil (IVB) (OHARA; SAITO, 2010 p. 47).

Através do Sistema Único de Saúde todos os cidadãos têm o direito a

consultas, exames, internações e tratamentos nas Unidades de Saúde vinculadas a

esse sistema, sejam públicas (das esferas municipal, estadual e federal) ou

privadas, contratadas pelo gestor público de saúde.

O SUS é destinado a todos os cidadãos e é financiado com recursos

arrecadados por impostos e contribuições sociais, pagos pela população e que

compõem os recursos do governo federal, estadual e municipal. O Sistema Único de

Saúde tem como meta tornar-se “um importante mecanismo de promoção da

equidade no atendimento das necessidades de saúde da população, ofertando

serviços com qualidade adequados às necessidades, independente do poder

aquisitivo do cidadão.” (PORTAL DA SAÚDE SUS, 2012).

Propõe-se a promover a saúde, priorizando as ações preventivas,

democratizando as informações relevantes para que a população conheça seus

direitos e os riscos à sua saúde:

O controle da ocorrência de doenças, seu aumento e propagação (Vigilância Epidemiológica) são algumas das responsabilidades de atenção do SUS, assim como o controle da qualidade de remédios, de exames, de alimentos, higiene e adequação de instalações que atendem ao público, onde atua a Vigilância Sanitária. O setor privado participa do SUS de forma complementar, por meio de contratos e convênios de prestação de serviço ao Estado quando as unidades públicas de assistência à saúde não são suficientes para garantir o atendimento a toda população de uma determinada região. (OHARA; SAITO, 2010, p. 69).

Relembro aqui o inicio deste caminho, em que, como já dito, o Sistema

Único de Saúde (SUS) foi criado pela Constituição Federal de 1988, para que toda a

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população brasileira tivesse acesso ao atendimento público de saúde. Para atingir

esse objetivo a saúde tem sido pauta de imensos debates e movimentos constantes,

que visam assegurar a garantia de acesso, a saúde. (BRASIL, 2006).

Até a criação do SUS o “poder” de se obter atendimento médico ficava a

cargo dos beneficiários de “carteiras assinadas”, ou seja, a assistência médica só

era acessível a quem podia pagar por ela. Ficando assim restrito o atendimento para

as pessoas que contribuíssem com o Instituto Nacional de Assistência Médica da

Previdência Social (INAMPS); as demais pessoas eram dadas como indigentes e a

oferta de atendimento de saúde a elas ficava a cargo dos serviços filantrópicos.

Cabe aqui também ressaltar que a Constituição Brasileira de 1988, ainda

vigente, se preocupou com a consolidação de atendimentos individuais, cobrando

obrigações do Estado frente à democracia, surgindo, assim, grandes mudanças

que proporcionaram o exercício da cidadania pelo povo brasileiro e se caracterizou

como a chamada “Constituição Cidadã”. Foi uma ampla participação popular, que

teve por finalidade construir as condições políticas, econômicas, sociais e culturais

que assegurassem a concretização e efetividade dos direitos humanos, num regime

de justiça social atendendo diretamente os direitos sociais de saúde, educação,

trabalho, lazer e aprendizado (BRASIL, 2009).

No próprio texto da Constituição Federal de 1988, o Art. 196 estabelece que:

1. A saúde é direito de todos. 2. O direito à saúde deve ser garantido pelo Estado. 3. Esse direito deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas com acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para sua promoção, proteção e recuperação e para reduzir o risco de doença e de outros agravos. (BRASIL, 1988, p. 8).

Um dos maiores marcos da saúde se deu em dezembro de 1990, após a

elaboração do artigo 198 da Constituição Federal, quando foi regulamentada a Lei nº

8.080, que é conhecida como Lei Orgânica de Saúde ou Lei do Sistema Único de

Saúde (SUS) vigente até os dias atuais. Essa lei estabelece como deve funcionar o

sistema de saúde em todo o território nacional, define as competências,

responsabilidades e o papel do gestor em cada esfera de governo, juntamente com

a participação popular detalhada pela Lei nº 8.142, de dezembro de 1990.

Apesar dos serviços do sistema universalizado de saúde, SUS, estar

caminhando na busca de melhorias, e tentando traçar caminhos mais precisos para

solucionar os problemas de saúde atuais, os desafios são grandes e devem ser

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enfrentados para a concretização dos seus princípios e diretrizes. Vivemos uma

realidade nacional que ainda caminha para o processo de construção, organização e

reorganização do modelo de atenção à saúde, que possa, de fato, garantir uma

melhor qualidade de vida para todos os cidadãos brasileiros. Como definido em

documentos oficiais do Ministério da Saúde (BRASIL, 2009, p.10): “Ao SUS cabe a

tarefa de promover e proteger a saúde, como direito de todos e dever do Estado,

garantindo atenção contínua e com qualidade aos indivíduos e às coletividades”.

Com intuito de permanecer na busca de melhores meios de qualidade de

vida o Ministério da Saúde criou, em 1986, a Atenção Primária à Saúde (APS), na

qual a Estratégia Saúde da Família (ESF) é incorporada. Um caminho que garante

um conjunto de ações de promoção, proteção, prevenção de agravos, diagnóstico,

tratamento, reabilitação e manutenção da saúde à população.

Essas ações, por sua vez, são desenvolvidas por uma equipe de saúde, que

presta atendimento exclusivo a cada pessoa, às famílias e à coletividade, de um

determinado território, tendo como objetivo resolver os problemas de saúde mais

comuns e frequentes da população, reduzir os danos ou sofrimentos e contribuir

para uma melhor qualidade de vida das pessoas acompanhadas. Isto, buscando

garantir a acessibilidade de mais pessoas aos serviços de saúde, dando

continuidade aos cuidados prestados, garantindo a longitudinalidade dos mesmos,

responsabilização, humanização, participação social, coordenação do cuidado e

possibilitando uma relação de longa duração entre a equipe de saúde os usuários e

a comunidade em geral, passando a conhecerem-se melhor e fortalecendo vínculos.

É também esse estreitamento de contato que faz com que ocorram problemas nas

interações pessoais entre as equipes de saúde e os usuários; contudo, esses

problemas permitem, quando bem encaminhados, o crescimento e a satisfação de

todos os envolvidos.

Para que este vínculo seja fortalecido e para que haja uma maior aceitação

desse novo caminho proposto na saúde pública, o Agente Comunitário de Saúde

(ACS) tem um papel importante, pois, no traçar deste caminho se faz necessária a

garantia do acolhimento e a construção de vinculações de confiança; o ACS é um

membro da equipe que faz parte da própria comunidade, ajuda a criar essa

confiança, facilitando o contato direto com a equipe de saúde, promovendo a

mediação com a população. Nessa perspectiva, o Ministério da Saúde assim

conceitua a perspectiva de promoção da saúde, que busca substituir àquela

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curativa, que entende, reducionista e anacronicamente, a saúde como apenas a

ausência de doença:

Ações de promoção à saúde são aquelas que vão contribuir para proporcionar autonomia ao indivíduo e à família, com informações que os tornem capazes de escolher comportamentos que vão favorecer a sua saúde, relacionadas ao modo de viver, condições de trabalho, educação, lazer e cultura. Reabilitação e ações que contribuem para a redução de incapacidades e deficiências com o objetivo de melhorar a qualidade de vida. (BRASIL, 2009, p.16).

O Ministério da Saúde (BRASIL, 2006) em sua publicação “A construção do

SUS: histórias da Reforma Sanitária e do Processo Participativo” apresenta a

Cronologia do SUS, a partir da década de 1960.

1960 - Forma-se o sistema previdenciário: os institutos de previdência foram

centralizados pelo INPS – Instituto Nacional de Previdência Social.

1967 - Há incorporação, para efeito de assistência médica, de todos os

trabalhadores com carteira de trabalho assinada, além dos autônomos que

desejassem contribuir para a previdência social.

1970 - Criação do Ministério da Previdência e Assistência Social, do Sistema

Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS), do Instituto Nacional de

Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), e do Instituto de Administração

Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS). Na esfera das políticas de

saúde, o referencial da medicina comunitária se materializava em programas de

extensão da cobertura de ações básicas, direcionados para a população excluída do

sistema previdenciário. Controle social na área da saúde, dentro de um processo de

mudança da relação Estado-sociedade no Brasil. Essa mudança resultou no

Sistema Único de Saúde (SUS) como um sistema participativo, com controle social

sobre as políticas e ações na esfera da saúde.

1976 - As práticas se revelaram difíceis, limitando-se uma atenção primária

seletiva para as populações marginalizadas de regiões marginalizadas, pela falta de

recursos, pessoal qualificado e tecnologias mais sofisticadas; ocorre a criação de

instituições como o Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (CEBES).

1977 - Acontece a 6ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), de 1 a 5 de

Agosto, com o tema “Redes de Saúde”:

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A discussão que tivemos naquele momento era se queríamos ter uma única rede de saúde no país ou uma rede dupla. No documento que o Ministério da Saúde apresenta o único avanço que se consegue, dadas às circunstâncias do momento, é propor uma dupla rede uma rede chamada médico-sanitária, de grande extensão de cobertura e de baixa complexidade tecnológica e uma rede chamada médico-hospitalar, de pequena extensão de cobertura. Esta seria comandada pela Previdência e a outra pelo Ministério da Saúde, ligada aos estados. Esse documento não foi aceito pelo plenário que queria uma única rede, mas o momento não permitia. A saída do Ministério da Saúde foi dizer que a decisão final seria tomada quando os estados contribuíssem para a discussão. [...] naquele momento, nós já nos considerávamos Partido Sanitário (GUEDES, 2006, p. 65).

1979 - Surge a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva

(ABRASCO).

1980 - Criação do PREV-SAÚDE como um plano nacional alternativo de

saúde, baseado em recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) e o II

PND (Plano Nacional de Desenvolvimento) com as necessidades políticas sociais

mais contundentes; surge também o “Movimento Sanitário”: participação social como

princípio e prática política para a saúde.

1981 - Criação do Conselho Nacional de Administração de Saúde

Previdenciária (CONASP), para a racionalização dos recursos previdenciários

destinados à assistência (INAMPS).

1985 - “Redemocratização e Saúde”: a unificação do setor saúde já era

apontada, especialmente com a passagem do INAMPS para o Ministério da Saúde.

1986 - 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS), ponto culminante do

movimento sanitário, mobilizado e articulado, com um acúmulo histórico de alguns

anos de lutas e um repertório de propostas convergentes para um projeto alternativo

ao modelo médico-assistencial.

A 8ª Conferência faz com que esta questão transborde, faz com que a questão da saúde tenha que ser assumida pela sociedade como um todo. Ela é assumida como uma questão central, como uma questão seu objetivo, que deveria, então, ser transformada, e conquistada, em um objetivo de governo, e não mais em um objetivo de um, dois ou três Ministérios ou de um determinado grupamento social representado pelos profissionais de Saúde. [...] Me parece que esse é o grande salto que se dá a grande chance, a grande potencialidade que o Movimento ganha [...] Nesse sentido, a 8ª Conferência propõe já não mais a questão do Sistema Único de Saúde como uma exclusividade, mas propõe a Reforma Sanitária. E passa a ser um movimento da sociedade, ou pretende ser um movimento da sociedade (ALVES SOBRINHO, 2006, p. 47).

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Esse movimento que vinha “ganhando corações e mentes”, na verdade, consolidava-se como movimento sanitarista, com forte conotação de democracia participativa, resistência contra o arbítrio e luta pela redemocratização, aglutinando num projeto comum, as diversas vertentes que lhe deram origem e norteavam suas iniciativas (NORONHA, 2006, p. 59).

1988 - Formulação estratégica para a complementação da lei do SUS; a

Constituição Federal configura-se como liberal, democrática e universalista.

A Assembleia Nacional Constituinte e a Plenária Nacional de Saúde

(1987/1988)

Saúde é direito de todos e dever do Estado, a velha, e para alguns, anacrônica, mas, para mim, atualíssima frase da saúde impressa no texto constitucional, naquele momento, com a mudança de concepção para a de Estado mínimo, passou a ser a bandeira de luta da saúde na resistência pela manutenção do texto (FEGHALI, 2006, p. 111).

1990 - Forte crise institucional e financeira do setor de saúde no Brasil,

trazendo queda da qualidade e da cobertura do sistema público. O SUS passa a ser,

na prática, um sistema de saúde para os mais pobres, enfraquecendo seu caráter de

universalização do atendimento. A história do SUS continua sendo apresentada,

agora voltada aos anos de 2000.

Sem conhecer a história de um sistema de signos e do contexto sociocultural

em que ele se situa, não se pode detectar as marcas que o contexto deixa na

mensagem. (SANTAELLA, 2002, p. 6).

1.3. O Caminho que o Programa de Saúde da Família percorreu desde seu surgimento até os dias atuais

A Estratégia Saúde da Família no Brasil apresenta-se, como explicitado,

fundamentada em um novo modelo, procurando deixar de lado o atual sistema de

prestação de serviços excludente, adotando um modelo assistencial mais voltado ao

benefício de toda a população, atendendo desde seus problemas mais simples até o

encaminhamento dos mais complexos.

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Em 1998, o Ministério da Saúde (MS) oficializou o Programa de Saúde da

Família (PSF), por meio da Lei nº 2177, de 30 de dezembro de 1998 e do Decreto nº

2043, de 23 de fevereiro de 1999, que estabelecem as gestões do programa.

A filosofia do PSF baseia-se na doutrina do Sistema Único de Saúde (SUS), com o intuito de buscar a reorganização da prática assistencial em novas bases e critérios, tendo como objetivo o atendimento ao indivíduo no seu contexto familiar. (BRASIL, 2001, p.14).

A proposta do PSF propicia o desenvolvimento de um cuidado holístico,

tentando afirmar o princípio da integralidade preconizado pelo SUS. Para isso, o

indivíduo deixa de ser visto como um objeto de atenção isolado e passa a ser

compreendido no seu núcleo familiar. Este conceito abrange a família em seu

aspecto biológico, afetivo, em domicílio comum, crença religiosa, cultural, e toda a

convivência com pessoas significativas. Assim, o Ministério da Saúde pretende, a

partir do PSF, reconfigurar a atenção básica à saúde, promovendo mudanças no

atual modelo assistencial, dando prioridade à prevenção, promoção e recuperação

da saúde das pessoas de forma integral e contínua, levando-a para mais perto das

famílias. (BRASIL, 2007; BRASIL, 2002).

Retornando à questão, a profissão do ACS foi regulamentada pela Lei nº

10507, de 10 de Julho de 2002 que previu como pré-requisito para o exercício

profissional, dentre outras exigências, que o agente comunitário frequente um curso

de qualificação básica para a formação, cabendo ao Ministério da Saúde estabelecer

o conteúdo programático do mesmo ou utilizar centro de formadores. A Lei nº 10507,

de 10 de Julho de 2002 foi revogada pela Lei nº 11350, de 05 de Outubro de 2006.

É justamente esta formação que estamos discutindo, baseados na

pedagogia de Paulo Freire, modelo esse que vem sendo extensamente revisto e

estudado desde a década de 70; o mesmo nos mostra que muitas das educações

em saúde realizadas, embora aconteçam, são isoladas, não se constituindo numa

politica pública eficaz se considerado o alcance nacional, havendo uma diferença no

plano discursivo, conceitual de intenções e ações, conforme preconiza o MS; assim

estes níveis de ação estão inexistentes em qualquer proposta freireana, para

qualquer área do conhecimento que se aplique.

Desta forma, a família passa a ser o objeto de atenção e entendida a partir

do ambiente em que vive. O “estabelecimento de vínculos e a criação de laços de

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compromisso e corresponsabilidade entre os profissionais de saúde e a população”,

possibilitarão uma melhor compreensão deste vínculo pelos profissionais (ACS,

Enfermeiro, Médico), uma vez que as pessoas terão condições de confiar na equipe

e procurá-la sempre que necessário (BRASIL, 2007).

A origem da Estratégia Saúde da Família (ESF) remonta à criação do

Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS), em 1991, como parte do

programa de reforma do setor de saúde, criado pelo Ministério da Saúde em

parceria com as Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Esse programa teve

como objetivo inicial diminuir a mortalidade materna e infantil no Norte e Nordeste. O

agente comunitário de saúde (ACS) se torna o novo autor na estrutura e rede de

serviços de saúde; um educador da comunidade e deve ser o elo entre a equipe e a

comunidade, pois, ao incorporar-se à equipe diminui as barreiras no processo de

comunicação respeitando as diferenças culturais e hábitos da população.

Definição da Saúde da Família como estratégia prioritária para a organização e fortalecimento da Atenção Básica de Saúde no País. Por meio dessa estratégia, a atenção à saúde é feita por uma equipe composta por profissionais de diferentes categorias (multidisciplinar) trabalhando de forma articulada (interdisciplinar), que considera as pessoas como um todo, levando em conta suas condições de trabalho, de moradia, suas relações com a família e com a comunidade (BRASIL, 2009, p. 20).

Essas mudanças passam a princípio, pela educação que, segundo

Rodrigues (2001, p. 13) pode ser compreendida como “comportamento, ação ou

programa de criar e desenvolver condições para que indivíduos e grupos se

apropriem do patrimônio cultural de uma civilização, tornando-se capazes de

enriquecê-la e aperfeiçoa-la”.

Conforme o autor, educar possibilita a aquisição cultural na qual o indivíduo

está inserido e, evidentemente, este processo deve ser ampliado através do diálogo

com outras culturas, partindo do local para o universal. (RODRIGUES, 2001).

A cultura é o processo pela qual o homem, em relação ativa com o mundo e com os outros homens transforma a natureza e se transforma a si mesmo, construindo um mundo qualitativamente novo de significações valores e obras humanas e realizando-se como homem neste mundo humano. (FREIRE, 2002, p. 16).

Uma língua é um código mais uma história. A transmissão da informação dentro de uma ‘estrutura sem memória’ garante

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realmente o grau de identidade. Se nos representamos o emissor e o destinatário como dotados de códigos iguais e totalmente privados de memória, então a compreensão entre eles será perfeita, mas o valo da informação transmitida será mínimo e a informação mesma rigorosamente limitada. (SANTAELLA, 1998, p. 138).

Assim, a educação, a valorização da cultura, a interpretação dos sinais

presentes, potencializam as transformações sociais e naturais dando margens para

que elementos culturais, dentre esses a educação, sejam utilizados como meios de

conscientização e politização.

Portanto, a estratégia da saúde da família visa a revisão do modelo

assistencial de saúde, predominando um atendimento primordial, que passa a ser o

foco principal da atenção; um trabalho realizado no ambiente em que essa vive,

permitindo uma compreensão ampliada do processo saúde/doença e das bases

culturais dessas famílias, ampliando o conhecimento da compreensão que

fazem/têm dos processos de doença e de manutenção da saúde.

O programa reorganizou os serviços de saúde e foi ao encontro de debates

e análises referentes ao processo de mudança do paradigma que orienta o modelo

de atenção à saúde vigente há 14 anos, que vem sendo enfrentado desde a década

de 1970. Valorização das ações de promoção e proteção à saúde, prevenção às

doenças e atenção integral às famílias são iniciativas tidas como capazes de

produzir um impacto positivo rumo a um novo modelo de fazer saúde.

Com a expansão da ESF, que se consolidou como estratégia prioritária para

a reorganização da Atenção Básica à Saúde no Brasil, o governo emitiu a Portaria

nº. 648, de 28 de março de 2006, estabelecendo o acesso universal e contínuo a

serviços de qualidade, reafirmando os princípios básicos do SUS, mediante o

cadastramento e vinculação dos usuários nas suas áreas de origem.

1.3.1. Características e Composição da Equipe de Saúde da Família

Como já mencionado, a ESF reorienta o modelo de atenção à saúde, com a

implantação de equipes multiprofissionais nas Unidades Básicas de Saúde (UBS),

responsáveis pelo acompanhamento, atendimento, promoção, prevenção,

recuperação e reabilitação de doenças e agravos mais frequentes. Assim como, na

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manutenção da saúde de um número definido de famílias, localizadas numa área

geográfica delimitada. Segundo o Ministério da Saúde:

Cada equipe é composta, minimamente, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem ou técnico de enfermagem e ACS, cujo total não deve ultrapassar a 12, essa equipe pode ser ampliada com a incorporação de profissionais de Odontologia, e cabendo ao gestor municipal a decisão de inclusão de outros profissionais às equipes. (BRASIL, 2009, p. 21).

Conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 1997) é recomendável que a

equipe de uma unidade seja composta, no mínimo, por um médico de família ou

generalista, enfermeiro, auxiliar de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde;

outros profissionais de saúde poderão ser incorporados a estas unidades básicas de

saúde, de acordo com as demandas e características das organizações da

organização dos serviços de saúde locais, devendo estar identificados com uma

proposta de trabalho que exija criatividade e iniciativa para trabalhos comunitários e

em grupos.

Os profissionais das equipes de saúde serão responsáveis pela população

adscrita, devendo residir no município onde atuam, trabalhando em regime de

dedicação integral. Para garantir a identidade cultural com as famílias sob sua

responsabilidade, os Agentes Comunitários de saúde devem, igualmente, residir nas

suas respectivas áreas de atuação.

Com o objetivo de ampliar a abrangência das ações da APS, e sua capacidade de resolução dos problemas de saúde, foram criados em 2008 os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), compostos por profissionais de diversas áreas do conhecimento, (nutricionista, psicólogo, farmacêutico, assistente social, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, médico acupunturista, médico ginecologista, médico homeopata, médico pediatra e médico psiquiatra) que devem atuar em parceria com os profissionais do PSF. (BRASIL, 2009, p. 35).

O Ministério da Saúde não estipula um número máximo de pessoas

diferenciado para o ACS, mas 750 pessoas por agente, o que representa até 6

agentes por equipe (4 mil pessoas), e a política fala em até 1 ACS por equipe; isso é

um reconhecimento de que em varias situações, não é possível ter muitas pessoas

por agente. Uma população de 3 mil pessoas, dividida por 12 agentes de saúde, dá

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250 pessoas por agente, e a política não estipula um número mínimo de pessoas

atendidas por cada equipe de saúde da Família.

O ministério da saúde preconiza a existência de equipe multiprofissional responsável por, no máximo, 4.000 habitantes, sendo a média recomendada de 3.000 habitantes, com jornada de trabalho de 40 horas semanais para todos os seus integrantes e composta por, no mínimo, médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem ou técnico de enfermagem e Agentes Comunitários de Saúde; número de ACS suficiente para cobrir 100% da população cadastrada, com um máximo de 750 pessoas por ACS e de 12 ACS por equipe de Saúde da Família; [...] (BRASIL, 2009, p. 39).

As atribuições das equipes, conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 1997)

devem ser desenvolvidas de forma dinâmica, com avaliação permanente através do

acompanhamento dos indicadores de saúde de cada área de atuação. Assim, as

equipes de Saúde da Família devem estar preparadas para:

Conhecer a realidade das famílias pelas quais são responsáveis, com

ênfase nas suas características sociais, demográficas e epidemiológicas.

Identificar problemas de saúde prevalentes e situações de risco aos

quais a população está exposta.

Elaborar, com a participação da comunidade, um plano local para o

enfrentamento dos determinantes do processo saúde/doença.

Prestar assistência integral, respondendo de forma contínua e

racionalizada a demanda organizada ou espontânea, com ênfase nas ações de

promoção a saúde.

Resolver, através da adequada utilização do sistema de referência e

contrarreferência, os principais problemas detectados.

Desenvolver processos educativos para a saúde, voltados à melhoria

do autocuidado dos indivíduos.

Promover ações intersetoriais para o enfrentamento dos problemas

identificados.

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De acordo com o Guia Prático do Programa Saúde da Família (BRASIL,

2001), As atividades desenvolvidas na unidade básica de saúde são diversificadas,

dentre elas classificam-se como:

Ações Programadas: são denominadas programas e se traduzem no

acompanhamento periódico e contínuo realizado através da organização de grupos

com retorno previamente agendados. Faz parte dos programas normatizados à

clientela que pertencer à área de abrangência da UBS com número de cadastro

(cartão SUS), dentro da faixa etária e critérios específicos para inscrição dos

mesmos. São exemplos:

- Programa Saúde da Mulher, Pré-Natal, Profilaxia de CA, (Câncer de mama

e Câncer de útero), Aleitamento Materno, Exames em Creches, Cuidado com as

Gestantes, Palestras Educativas em Escolas, Saúde do Adolescente, entre outros.

- Programa de Imunizações.

- Programa de Hipertensos e Programa de Diabetes HIPERDIA.

- Programa de Idosos.

- Programa de Hanseníase.

- Programa de Tuberculose.

- Programa DST/AIDS (Doenças Sexualmente Transmissíveis e Síndrome

da Imunodeficiência Adquirida).

- Controle de raiva.

Ações Não Programadas: são atividades desenvolvidas ou oferecidas à

população da área de abrangência ou fora da área, que procuram os serviços da

UBS. São elas:

- Consultas médicas eventuais.

- Atendimento de enfermagem eventual.

- Imunizações.

- Fornecimento de medicação.

- Marcação de exames.

- Coleta de material.

- Encaminhamento a consultas especializadas.

- Reuniões.

- Visitas domiciliares.

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- Suplementação alimentar.

Pré-consulta: precede a consulta médica e enfermagem, que consiste em:

- Preenchimento de dados da ficha clínica.

- Anotações de sinais, sintomas e queixas do paciente.

- Verificação de SSVV (Sinais Vitais) e dados antropométricos.

Consulta médica: Atividade prestada pelo médico que consta de

anamnese, exame físico, diagnóstico, prescrição de tratamento, orientações e

encaminhamentos.

Consulta do enfermeiro: Atividade prestada pelo enfermeiro da UBS e

consta de: anamnese, exame físico, diagnóstico de enfermagem, prescrição de

acordo com o protocolo estabelecido pela instituição ou pelo Ministério da Saúde

adotado pela instituição, prescrição de tratamentos e orientações e possíveis

encaminhamentos como, por exemplo: escabiose, pediculose, diarreia não

infecciosa, dermatite amonial, higiene neonatal e outras.

Pós consulta: parte integrante da consulta médica e atendimento de

enfermagem que consiste em: reforço das orientações de enfermagem, explicações

de dietas, orientação sobre utilização da medicação e entrega dos mesmos se

necessário, marcação e anotação de exames complementares e encaminhamentos.

Visita domiciliar: é a visita que qualquer um dos membros da equipe de

saúde faz no domicílio de moradores da área de abrangência. As visitas domiciliares

podem ser para pacientes dos programas ou não. Ex. visitas para crianças faltosas

no programa de vacina, para acompanhamento clínico a pedido do médico ou da

enfermeira, para faltosos de outros programas da UBS.

Reuniões: de educação em saúde, com a população para discutir questões

ligadas ao funcionamento da UBS, reuniões com a equipe de saúde para discussões

de problemas, planejamento, organização, funcionamento e avaliação das

atividades.

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Dados epidemiológicos: é o levantamento da situação da saúde da

população e dos fatores que interferem nesta, realizadas diariamente.

As mudanças também apontam para a necessidade de definir prioridades de

saúde que permitam equacionar os grandes problemas da população, ao lado da

implantação de sistemas de informação que tornem mais transparentes os

resultados obtidos e os gastos necessários para alcançá-los. O Ministério da Saúde

e o Governo Federal, em parceria com os Estados e Municípios estão em

permanente busca de novas definições que permitam, ao sistema de saúde

brasileiro, ganhar mais eficiência e alcançar os objetivos de cobertura e equidade. O

principal desafio é administrar adequadamente os escassos recursos disponíveis

para que possam suprir necessidades e carências, especialmente dos segmentos

mais pobres da população. (OHARA; SAITO, 2010).

1.4. O TAO do Agente Comunitário da Saúde

O ACS é, atualmente, o personagem principal na continuação da história da

saúde pública no Brasil; um construtor a trilhar este caminho em busca da

implementação do Sistema Único de Saúde. Sua atuação nessa história passa,

necessariamente, pelo fortalecimento da integração entre os serviços da Atenção

Primária à Saúde e a comunidade.

A trajetória do ACS teve início na criação do PACS, em 1991, como

explicitado anteriormente, e é um profissional capacitado para reunir informações de

saúde sobre a comunidade, pois está vinculado às raízes culturais da própria

comunidade, para a qual são fundamentais as suas próprias concepções de

saúde/doença. Ele adentra ao serviço público por meio de um processo seletivo,

tendo como principais características a maioridade, a residência na área geográfica

do bairro ou região onde a UBS está implantada; ter bom relacionamento com os

vizinhos, bem como condições de dedicar-se 8 horas diárias ao trabalho.

Orientado pelo supervisor o enfermeiro da família, locado na unidade de

saúde, realiza visitas domiciliares, na área de sua abrangência, produzindo

informações capazes de dimensionar os principais problemas de saúde de sua

comunidade.

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Uma língua é um código, uma história, a transmissão da informação dentro de uma estrutura; o efeito da autocomunicação é uma transformação do eu, uma reconstrução da própria personalidade, visto que a essência da personalidade pode ser pensada como um conjunto individual de códigos socialmente significantes, que muda durante o ato de comunicação. (SANTAELLA, 2002, p. 142).

Para isso a gramática especulativa trabalha com os conceitos abstratos capazes de determinar as condições gerais que fazem com que certos processos, quando exibem comportamentos que se enquadram nas mesmas possam ser considerados signos. Por isso ela é uma ciência geral dos signos. Seus conceitos são gerais, mas devem conter no nível abstrato, os elementos que nos permitem analisar e avaliar todo e qualquer processo existente de signos verbais, não verbais: fala, escrita, gestos, sons, comunicações com animais, imagens fixas e em movimentos, audiovisuais, hipermídia. (SANTAELLA, 2002, p. 4).

O ACS mora na comunidade e está vinculado à ESF e deve ser capaz de se

comunicar com pessoas pela liderança natural que exerce, funcionando como um

elo entre o programa e à comunidade, pois está em contato permanente com as

famílias, facilitando o trabalho de vigilância e promoção a saúde. Realiza,

igualmente, um elo cultural, que dá mais força ao trabalho educativo, ao unir dois

universos culturais distintos, aquele do saber científico e o do saber popular. Daí a

importância de se conhecer as representações sociais que o ACS faz de seus

grupos de relacionamento (profissionais da saúde, que incorporam o pensamento

científico e a população da comunidade, que incorpora, muitas das vezes, os

saberes populares próprios ao senso comum) e desvelar suas semioses, para um

desenvolvimento adequado deste seu importante trabalho.

As diversas facetas que a analise semiótica apresenta podem assim nos levar a compreender qual é a natureza e quais são os poderes de referencia dos signos, que informação transmitem, como eles se estruturam em sistemas, como funcionam, como são emitidos, produzidos, utilizados e que tipos de efeito são capazes de provocar no receptor. (SANTAELLLA, 2002, p. 4)

Concordo com Santaella (1994) quando afirma que os processos sígnicos

estão por toda parte, atravessando áreas que pertencem as mais diversas ciências

das humanidades e também sociais. A semiótica está na própria natureza,

colocando em questão a própria compreensão do mundo. Os processos semióticos

se imbricam à comunicação, o que relaciono com o ACS, pois no processo de

captura, interpretação e transmissão das mensagens colhidas e repassadas para a

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equipe de saúde, o ACS fornece um apoio direto ao enfermeiro e ao médico da

família, com responsabilidade direta em fornecer dados daquela determinada

população, identificando os signos representativos de problemas mais comuns,

interpretando situações de risco; a partir dessas significações novas demandas

surgem ou se especificam continuamente.

No Brasil, atualmente, mais de 200 mil agentes comunitários de saúde estão

em atuação, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, com

ações de promoção e vigilância em saúde. Seu processo de qualificação é

permanente, com capacitações mensais realizadas pelos enfermeiros dentro da

unidade e por outros profissionais da área da saúde (psicólogos, médicos,

fisioterapeutas, nutricionistas), sendo que o enfoque fica a cargo da higiene,

cuidados alimentares, patologias e as ocorrências de maior prevalência do município

ou da sua área de atuação. Conforme depoimento de uma ACS:

Ser ACS é, antes de tudo, ser alguém que se identifica em todos os sentidos com a sua própria comunidade, principalmente na cultura, linguagem e costumes. Precisa gostar do trabalho. Gostar principalmente de aprender e repassar as informações, entender que ninguém nasce com o destino de morrer ainda criança (TERESA RAMOS - ACS, BRASIL, 2001, p.43).

Importante destacar aqui o trabalho do ACS, que é considerado um dos

braços estendidos nos serviços de saúde dentro das comunidades. Ele é um

membro da comunidade que auxilia a criar o vínculo, pelo seu próprio envolvimento

pessoal e cultural com a comunidade, pois tem a possibilidade de levantar os

problemas que mais afetam a comunidade, pela forma, facilidade e capacidade de

se comunicar com as pessoas em seu meio favorece a chegada das informações e

das necessidades para os demais profissionais de saúde do ESF. Por esta razão

valorizo a grande importância da interpretação dos símbolos existentes nas falas e

nos modos de agir que essas famílias demonstram e das representações sociais

envolvidas nesta troca de informações.

A logica é a ciência das leis necessárias do pensamento e das condições para se atingir a verdade, Muito cedo Pierce deu-se conta de que não há pensamento que possa se desenvolver apenas através dos símbolos. Nem mesmo o raciocínio puramente matemático pode dispensar outras espécies de signos. Vem dessa descoberta a extensão da concepção peirceana da lógica, também chamada de semiótica, trata não apenas das leis do pensamento e

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da sua evolução, deve se debruçar-se antes, sobre as condições gerais dos signos. (SANTAELLA, 2002, p. 3).

Um dos meios de garantir informações e vínculo é o acompanhamento

diário, por meio das visitas domiciliares, uma das ferramentas mais utilizadas pelos

ACS. Nessas visitas o ACS pode reconhecer a realidade do seu cliente, ter uma

visão bem diferenciada do cliente atendido dentro da unidade de atendimento, sendo

que nesse terreno da vida podem enxergar as dificuldades, problemas e a situação

econômica, psicológica e social na qual se encontram. Durante as visitas são

desenvolvidas atividades de educação em saúde, prevenção, troca de informações

segurança e credibilidade de ambos.

Todas essas ações que estão voltadas para a qualidade de vida das famílias necessitam de posturas empreendedoras por parte do ACS que, na maioria das vezes, exerce a função de estimular e organizar as reivindicações da comunidade. ‘A atuação do ACS valoriza questões culturais da comunidade, integrando o saber popular e o conhecimento técnico’. (BRASIL, 2009, p.46).

Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 1994) são inúmeras as ações

atribuídas ao ACS, dentre elas destacamos:

Estimular continuamente a organização comunitária.

Participar da vida da comunidade principalmente através das

organizações estimulando discussões das questões relativas à melhoria de vida da

população.

Fortalecer a ligação entre a comunidade e os serviços de saúde.

Informar os demais membros da equipe de saúde a disponibilidade

necessidades e dinâmica social da comunidade.

Registrar nascimentos, doenças de notificação compulsória e de vigilância

epidemiológica e óbitos ocorridos.

Cadastrar todas as famílias da sua área de abrangência.

Realizar o mapeamento de sua área.

Cadastrar as famílias e atualizar permanente estes cadastros.

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Identificar e registrar todas as gestantes e crianças de 0 a 6 anos de sua

área de abrangência.

Atuar integrando as instituições governamentais grupos da comunidade

(clube de mães, parteiras, paróquia, creches etc...).

Executar dentro do seu nível de competência ações e atividades básicas

de saúde.

Identificar os indivíduos e famílias expostos à situação de risco.

Identificar áreas de risco.

Orientar a comunidade para utilização adequada dos serviços de saúde,

encaminhando–as e até agendando consultas e exames quando necessários.

Realizar visitas domiciliares acompanhamento mensal de todas as

famílias cadastradas.

Estar bem informado e informar aos demais membros da equipe sobre a

situação das famílias acompanhadas, particularmente aquelas em situação de risco.

Desenvolver educação e vigilância em saúde promoção prevenção

educação e mobilização das ações coletivas de saneamentos, melhoria saúde e

meio ambiente entre outras.

1.5. O Agente Comunitário de Saúde e a Territorialização.

Um território pode representar e materializar a história das relações sociais e

econômicas, processos de trabalho, as diversidades socioeconômicas de uma

comunidade, bem como mostrar a maneira como as pessoas se relacionam, se

expressam e atuam com os problemas relacionados à saúde/doença dessa

comunidade.

Os ACS tem como responsabilidade definir o território de sua atuação através

desses pressupostos, delimitando claramente onde serão feitas as aplicações de

suas ações. Este trabalho é realizado junto com a comunidade local: “um território

bem definido e bem mapeado instrumentaliza para a organização das ações de

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saúde e se estabelece como a base de informações sobre o perfil do território”

(OHARA; SAITO, 2010, p. 49).

As características do território devem ser de conhecimento e domínio de toda

equipe, valorizando assim toda importância da cultura agregada e das relações

semióticas aí transcorridas. Dentro deste território o ACS avalia, então, as atividades

econômicas, a distância do centro da cidade, a divisa com outros municípios e

bairros, a quantidade de habitantes e ciclos de vida, a localização da unidade de

saúde, a história e cultura da fundação do bairro, a origem do nome, a procedência

dos habitantes e todo o processo de desenvolvimento do território, os recursos

materiais e humanos, os costumes socioculturais, o analfabetismo, as crenças

populares, os tabus religiosos e morais, as práticas de medicalização, o clientelismo

politico, a exclusão social e nível socioeconômico, a presença de escolas, creches,

farmácias, área de lazer, posto policial, farmácia, unidades de atendimentos,

hospitais, instituições públicas e privadas, transporte e meios de comunicação.

O mapeamento do território deve ser realizado para subsidiar o trabalho da

equipe e principalmente do ACS, o mapa possibilita a visualização e ajuda a explicar

e entender o território e a área de abrangência no qual o ACS vai atuar. Ele deve

construir o mapa de sala da área de atuação, destacar além de suas casas, igrejas,

creches, escolas, fábricas, as microáreas de risco, e os pontos que são

considerados de risco (lixão, áreas de enchentes, esgotos a céu aberto, insetos e

animais...). Para a realização deste mapa o ACS não precisa ter habilidades

especiais, pois um desenho simples pode ser realizado com a ajuda de toda a

equipe, utilizando símbolos para facilitar as áreas de risco; o importante é que o

mapa deve representar a realidade local. (BRASIL, 2009).

O mapa ajuda o ACS a planejar suas visitas domiciliárias, auxilia a circular

melhor na área e separar as informações de mais utilidade. No mapa podem ser

identificadas as pessoas com doenças infecto-contagiosas e as áreas que

necessitam de modificação e intervenção da equipe para assegurar a saúde para a

comunidade.

A construção do mapa representa a realização do diagnóstico da

comunidade, avalia a comunidade como um todo, o perfil socioeconômico, as

condições de moradia, hábitos, costumes, estilos de vida, atividades econômicas,

renda, escolaridade, crenças religiosas, meios de comunicação, transporte, lazer,

participação em grupos sociais e saneamento básico.

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Segundo Ohara e Saito (2010) o processo para a apropriação do território não

deve ser baseado em procedimentos rígidos; seu objetivo deve ser a apropriação do

território pelos distintos atores sociais, podendo o objeto escolhido variar da

dependência de cada realidade local. Nesse sentido, a definição de um território

deve ter por bases e objetivos a construção de espaços de cidadania e de

construção coletiva, no qual os diferentes sujeitos possam interagir para modificar

uma realidade local, por meio do desenvolvimento de capacidade que visa a justiça

ao direito a saúde. Dependendo tanto de destacar a objetividade dos recursos

materiais do bairro como de registrar os aspectos interpretativos das problemáticas

que cercam essa comunidade, o mapa territorial da ação dos ACS se constitui num

importante elemento de síntese semiótica da territorialização.

A experiência vivenciada no processo de territorialização possibilita uma

aprendizagem significativa, na medida em que propicia a integração entre a prática e

a teoria, sensibilizando os ACS e a equipe de saúde para as demandas da

necessidade local, estabelecendo uma rede social solidária, que resulta na

promoção da educação e na melhoria da qualidade de vida da comunidade.

Segundo Freire (2002, p.69): “A raiz mais profunda da politicidade da

educação se acha na educabilidade mesma do ser humano, que se funda na sua

natureza inacabada e da qual se tornou consciente”.

Após demarcar adequadamente a área de trabalho os ACS, por meio da ficha

A (vide anexo), realizam o cadastro das famílias, bem como coletam uma série de

informações, que torna possível a identificação da realidade na qual as famílias se

encontram (doenças crônicas, hipertensão arterial sistêmica (HAS), Diabete (DM),

criança com menos de um ano de vida, gravidez, saneamento, escolaridade,

moradia, nível socioeconômico). Todo o reconhecimento das fichas cadastrais

possibilita e auxilia o diagnóstico demográfico e socioeconômico, além de

reconhecer as microáreas de risco, apontando as urgências, definindo as tarefas a

serem abordadas. Os cadastros devem ser mantidos atualizados para se obter uma

prática contínua e responsável.

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1.6. O Agente Comunitário de Saúde e a Família na esfera da Antropologia e da Educação Sociocomunitaria

Apesar de o termo família ser comum, definir família não é fácil, assim como

também entender sua representação na sociedade. Podemos ver que durante toda

história do mundo e nos dias atuais a sua definição ainda gera muita controvérsia. O

objeto família passa a ser reflexivo e pesquisado, uma vez que nos mostra a cultura,

herança, patrimônio, tradição, os poderes econômicos financeiros e familiares

envolvidos, definindo toda a vida do Homem. Por meio do estudo da família os ACS

e os profissionais de saúde definem traços importantes a serem elaborados para a

melhoria da qualidade de vida. As famílias podem ser classificadas de acordo com

sua organização, estrutura de seus membros familiares, variáveis de tempo e de

espaço. Assim podemos ter, de acordo com Ariès (1981):

Família elementar ou nuclear: é uma unidade formada por homem, por sua

esposa e seus filhos, que vivem juntos em uma união reconhecida pelos membros

de uma sociedade.

Família extensa: é uma unidade formada de duas ou mais famílias

nucleares, ligadas por laços consanguíneos, por um dos lados (esposa ou conjugue)

ou ambos, e ainda duas ou mais gerações. Neste tipo de família, além do grau de

parentesco dos laços consanguíneos, existem deveres e direitos mútuos

reconhecidos, que fortalecem a união. A família extensa pode ser formada por avós,

tios, sobrinhos.

Família composta: também conhecida como família complexa ou conjunta,

formada por três ou mais conjugues e seus filhos. A família complexa é formada por

um núcleo de famílias separadas, mas ligadas pela relação com um pai comum.

Família conjugada fraterna: é uma família formada de dois ou mais irmãos,

suas respectivas esposas e filhos.

Família fantasma: é formada por uma mulher casada e seus filhos e o

fantasma, neste tipo de família o pai não desempenha a função de pai, mas apenas

de genitor sendo a função do pai desenvolvida pelo irmão mais velho ou pela

mulher.

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A família é o foco principal na atenção a saúde dos ACS e está sempre em

mudança, é complexa e assegura a continuidade da existência humana. Apesar de

passar por várias mudanças durante os séculos, as relações familiares guardam

significados emocionais para quase todos os membros e através desses laços é

possível observar os valores dessas pessoas, seu método de vida, suas

características socioculturais. A família cria direitos, deveres, mitos, tabus, culturas,

inerentes aos seus status e categoria de pai, filho e avô. Assim, muitas vezes são

punidos ou gratificados por cumprirem com suas obrigações, com a família ou

grupos particulares vinculados; dessa forma, se afirmam com a continuidade

biológica pela qual está inserida dentro dos padrões culturais transmitidos.

A importância da antropologia para a compreensão do papel da família e suas maneiras como se cristaliza e simboliza suas maneiras de existência dentro da sociedade vivenciando seus potenciais e limites, faz a construção dos valores culturais, com seus valores atitudes, e hábitos intocados. (MINAYO, 1991, p. 234).

Os ACS, devidamente instrumentalizados pelo saber formal, desenvolvido

através de conhecimentos técnicos e teóricos junto à equipe de saúde passam a

incorporar e disseminar as atividades do sistema; adentram as casas da

comunidade, que abre suas portas, sua intimidade, seus costumes, seus modos de

cuidar, suas dores, suas alegrias, e crenças realizando um elo com o sistema de

saúde, construindo relações, interações e referenciais.

‘Não são os signos do zodíaco, mas signo, linguagem. A Semiótica é a ciência geral de todas as linguagens’. Mas, assim, ao invés de melhorar, as coisas só pioram, pois que, então, o interlocutor, desta vez com olhar de cumplicidade − segredo desvendado − replica: ‘Ah! Agora compreendi. Não se estuda só o português, mas todas as línguas’. Nesse momento, nós nos damos conta desse primordial, enorme equívoco que, de saída, já ronda a Semiótica: a confusão entre língua e linguagem. E para deslindá-la, sabemos que temos de começar as coisas de seus começos, agarrá-las pela raiz, caso contrário, tornamo-nos presas de uma rede em cuja tessitura não nos enredamos e, por não nos termos enredado, não saberemos lê-la, traduzi-la. (SANTAELLA, 2003, p. 2).

Esta modalidade complexa e desafiadora do programa de saúde da família e

do papel a ser desempenhado pelo ACS deve ser implementada como um novo

olhar do Tao, voltado ao conhecimento teórico e prático, baseado na semiologia,

ciência, saúde/doença, corpo e terapêutica, devendo incluir um universo amplo de

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reconhecimento familiar, social, cultural crenças, das representações dos mitos,

orientando novos modos de ação, possibilitando novos olhares sobre o indivíduo e

sobre a família, seu contexto de vida, seu papel para o individuo, sua fragilidade, sua

força, reconhecendo a família e respeitando sua autonomia na resolução dos seus

problemas.

Concordo com Santaella (2001), quando além da língua materna que

falamos e escrevemos, utilizamo-nos de vários elementos comunicacionais para

passarmos mensagens: criamos, produzimos, transformamos e consumimos formas,

volumes, massas, interação de forças, movimentos, cores, sons, instrumentos

musicais, dança, gesto, cheiro, tato, olhar, sentir, apalpar: tudo é ser da linguagem e

objeto de estudo da semiótica.

Para se trabalhar com as famílias é necessário que o ACS conheça o seu

universo, seus significados, seus valores e saberes socioculturais, reconhecendo-a

como uma unidade de saúde, o sujeito do cuidado.

A medida que a conversa coletiva progride, a elocução regulariza-se, as expressões ganham em precisão, as atitudes ordenam-se, os valores tomam seus lugares, a sociedade começa a ser habitada por novas frases e visões... As representações fazem com que o mundo seja oque pensamos que ele é ou deve ser mostram-nos que a todo instante, alguma coisa ausente se lhe adiciona e alguma coisa presente se modifique. (MOSCOVICI, 1978, p. 68 apud DURAN, 2012, p.234).

1.7. O Agente Comunitário de Saúde: reforçando laços através das Visitas Domiciliares

Conforme definido pelo Ministério da Saúde a visita domiciliar é a atividade

mais importante do processo de trabalho do agente comunitário de saúde.

O propósito ao entrar na casa de uma família está em reconhecer não

somente um espaço físico, mas tudo o que esse espaço representa. Nessa casa

vive uma família, com seus ideais de sobrevivência, suas crenças, sua cultura e sua

própria história. A sensibilidade/capacidade de compreender o momento certo e a

maneira adequada de se aproximar e estabelecer uma relação de confiança é uma

das habilidades mais importantes do ACS. Isso lhe ajudará a construir o vínculo

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necessário ao desenvolvimento das ações de promoção, prevenção, controle, cura e

recuperação, da população, pela qual ele é corresponsável.

O Ministério da Saúde (BRASIL, 2009) recomenda que o ACS estabeleça

um bom vínculo com a família, mas que saiba dissociar a sua relação pessoal do

seu papel como agente comunitário de saúde, pois cada família tem uma dinâmica

de vida própria e, com as modificações na estrutura familiar, que vêm ocorrendo nos

últimos tempos, fica cada vez mais difícil classificá-la num modelo único. Essas

particularidades ou características próprias fazem com que determinada conduta ou

ação por parte dos agentes e equipe de saúde tenha efeitos diferentes ou atinjam

resultados de modo distinto, com maior ou menor intensidade, as diversas famílias

assistidas.

Portanto, reforço novamente aqui, que na sua função de orientar, monitorar,

esclarecer e ouvir, o ACS passa a exercer também o papel de educador. E é

fundamental que essa essência de suas funções seja compreendida pelo ACS,

dadas às implicações que isso representa. Para tanto, é necessário que o ACS

aprenda a “ler” o contexto familiar e aquele de sua própria atuação, com

sensibilidade e abertura de compreensão e de perspectivas de ação. Busco,

portanto, correlacionar seu trabalho frente à compreensão das semioses.

Mulheres e homens, somos os únicos seres social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso, somos os únicos em que aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nos é construir, reconstruir, constatar para mudar, o oque não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espirito. (FREIRE, 2001, p. 41).

A semiótica foi definida por Pierce como ‘a doutrina da natureza essencial e fundamental de todas as variedades de possíveis semioses’, isso é, de qualquer forma concebível de semiose, de suas condições de possibilidades e de suas possíveis variação. Seu objeto de investigação é, portanto, de grande generalidade. Em outras palavras a semiótica descreve e analisa a estrutura de processos semióticos sem se importar na base de que suporte material tais processos podem acontecer, ou em que escala podem ser observados, no interior de células (citosemiose), entre plantas (fitosemiose), no mundo físico (fisiosemiose), em comunicação animal (zoosemiose), ou em atividades consideradas como tipicamente humanas (produção de notações, metarepresentações, modelos, etc.). É desse tipo de investigação que resulta a natureza ‘quase-necessária’ dessa ciência que, como a matemática, é concebida por Pierce como ciência formal. (SANTAELLA, 2001, p. 54).

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Afirmo aqui que para a visita domiciliar ser bem feita, além dos

conhecimentos prévios do ACS, esta deve ser planejada e ter seu roteiro definido,

sabendo-se que o profissional vai naquele dia estabelecer a rota e informar ao

restante da equipe (médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem, técnico de

enfermagem) o motivo e a importância da visita. Deve-se também respeitar a relação

com o tempo das pessoas visitadas, sua realidade naquele momento, garantir

respeito, atenção e dedicação, chamar as pessoas sempre pelo nome, demonstrar

interesse, nunca fazer pré-julgamentos quanto à cultura, crenças religiosas, situação

socioeconômica, etnia, orientação sexual, deficiências e hábitos. Igualmente, adotar

uma postura de escuta, tolerância aos princípios e às distintas crenças e valores que

não sejam os seus próprios, além de atitudes imparciais.

Após a realização da visita deve-se verificar se o objetivo foi alcançado e se

foram dadas e coletadas às informações necessárias, devendo-se avaliar e corrigir

possíveis falhas. Este é um passo importante que possibilitará o planejamento das

próximas visitas. Da mesma forma, deve-se partilhar com o restante da equipe essa

avaliação, expondo as eventuais dúvidas, os anseios, as dificuldades sentidas e os

êxitos, conforme planejamento da equipe, pautado na identificação das

necessidades de cada família. Pode ser que na visita seja identificada uma situação

de risco e isso demandará a realização de outras visitas, com maior frequência.

Conforme o Ministério da Saúde (BRASIL, 2009), por meio da visita é

possível:

Identificar os moradores, por faixa etária, sexo e raça, ressaltando

situações como gravidez, desnutrição, pessoas com deficiência etc.

Conhecer as condições de moradia e de seu entorno, de trabalho, os

hábitos, as crenças e os costumes.

Conhecer os principais problemas de saúde dos moradores da

comunidade.

Perceber quais as orientações que as pessoas mais precisam ter para

cuidar melhor da sua saúde e melhorar sua qualidade de vida.

Ajudar as pessoas a refletir sobre os hábitos prejudiciais à saúde.

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Identificar as famílias que necessitam de acompanhamento mais

frequente ou especial.

Divulgar e explicar o funcionamento do serviço de saúde e quais as

atividades disponíveis.

Desenvolver ações que busquem a integração entre a equipe de saúde

e a população do território de abrangência da unidade de saúde.

Ensinar medidas de prevenção de doenças e promoção à saúde, como

os cuidados de higiene com o corpo, no preparo dos alimentos, com a água de

beber e com a casa, incluindo o seu entorno.

Orientar a população quanto ao uso correto dos medicamentos e a

verificação da validade deles.

Alertar quanto aos cuidados especiais com puérperas, recém-nascidos,

idosos, acamados e pessoas portadoras de deficiências.

Registrar adequadamente as atividades realizadas, assim como outros

dados relevantes, para os sistemas nacionais de informação disponíveis para o

âmbito da Atenção Primária à Saúde. (BRASIL, 2009).

Evidencio que as ações educativas fazem parte do dia a dia do ACS e têm

como objetivo final contribuir para a melhoria da qualidade de vida da população. O

desenvolvimento de ações educativas em saúde começa pelas visitas domiciliares e

pode abranger inúmeros temas e diversas atividades. Estão entre os exercícios

diários que o ACS tem que realizar: o diálogo e o saber ouvir. Concordo com o

educador Paulo Freire (1996, p. 50) quando afirma que “ensinar não é transferir

conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua

construção”.

Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural, uma das tarefas mais importantes da pratica educativa é propiciar condições em que os educandos em relação uns com os outros e todos com o professor, ensaiam a experiência profunda de assumir-se. Assumir-se como ser social e histórico, como ser pensante, comunicante, transformados, criador, realizador de sonhos, capaz de ter raiva porque capaz de amar. Assumir-se como sujeito porque capaz de se reconhecer como objeto. (FREIRE, 2002, p 23).

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A questão da identidade cultural, de que fazem parte a dimensão individual e a de classe de educandos cujo respeito é absolutamente fundamental na prática educativa, a experiência histórica, politica, cultural e social dos homens e das mulheres jamais podem dar conflito entre as forças que obstaculizam. (FREIRE, 2002, p.24).

Enfoco aqui que o processo educativo é, portanto, um dos elementos

fundamentais para se garantir a qualidade da atenção prestada na saúde. Como

entendido, educar é um processo de construção permanente, mas precisa ser

abordado de maneira adequada. Na formação do ACS esse processo inicia-se

primeiramente em como realizar esta abordagem diferenciada da população:

conhecer suas culturas, representações e meios de comunicação.

É uma questão delicada, pois, ao mesmo tempo em que é preciso inculcar

uma mentalidade técnico-científica no ACS, também se deve ter o cuidado de que,

ao apropriar-se dessa mentalidade, o ACS não se distancie dos valores culturais de

sua cultura/comunidade. Uma abordagem para que esta educação seja focada de

maneira correta, não confundindo e/ou persuadindo o ACS a perder sua identidade,

sua representação de quem é, e se distanciar da comunidade na qual está inserido,

é valorizar os níveis culturais da comunidade, promover ações educativas individuais

e em grupos, dento da unidade de saúde ou outros espaços sociais dentro da

comunidade. Como afirma Freire: “Atividades educativas são momentos de encontro

e nesses encontros não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens

que, em comunhão, buscam saber mais.” (FREIRE et al., 1995, p. 165).

Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo. (FREIRE, 2005, p.39)

Desta maneira o educador já não é apenas o que educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os ‘argumentos da autoridade’ já não valem. Em que, para ser-se, funcionalmente, autoridade, se necessita de ‘estar sendo com’ as liberdades e não ‘contra elas’. (FREIRE, 2005, p.68).

Descrevo aqui outro ponto importante para a realização da educação do

ACS, que é a linguagem, que deve ser sempre acessível, simples e precisa. O ACS

deve considerar o conhecimento e experiência dos participantes/usuários permitindo

a troca de ideias, valorizar suas representações socioculturais, estimular a

participação da pessoa e contribuir para que esses se sintam importantes. Do

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mesmo modo, tem o papel de estimular o autoconhecimento e o autocuidado,

fortalecer a autoestima, a autonomia e também os vínculos de solidariedade

comunitária.

1.8. A Importância da Participação da Comunidade para o Tao da Saúde e da Educação Sociocomunitaria

Defino aqui que participação significa tomar parte, partilhar, trocar, ter

influência nas decisões e ações, mostrando que a comunidade tem o dever e a

obrigação de partilhar os seus interesses da saúde e da educação, envolvendo-se,

uma vez que, nenhum caminho se constrói sozinho, assim como a equipe de saúde

não é a única responsável pelas ações de saúde. A presença e participação da

comunidade são primordiais para o desenvolvimento das ações de saúde e

educação.

Toda a prática educativa demanda a existência de sujeitos, um que ensinando, aprende, outro que, aprendendo, ensina, daí o seu cunho gnosiológico; a existência de objetos, conteúdos a serem ensinados e aprendidos; envolve o uso de métodos, de técnicas, de materiais; implica em função de seu caráter diretivo, objetivos, sonhos, utopias, ideais. (FREIRE, 2001, p. 41).

Destaco a importância de cada pessoa da comunidade saber fazer alguma

coisa e saber dizer alguma coisa diferente, pois, cada qual tem um conhecimento

primário, através de suas representações sociais, que devem ser identificadas e

trabalhadas. A partir daí interpretam-se esses saberes, fazeres e dizeres da

comunidade, representativos da família, amigos e grupos sociais, materializados na

troca de conhecimentos. Portanto, quando a comunidade participa, mostra e troca

informações e diferentes conhecimentos, entre todos, cada membro pode aprender

e contribuir do seu jeito e toda contribuição deve ser considerada e valorizada.

A semiótica contribui neste papel de ajuda para decifrar o que a comunidade

está tentando transmitir, pois é considerada como um conjunto de meios que tornam

possível o conhecimento de uma grandeza manifesta qualquer, que se propõe

conhecer, “tal qual aparece durante e depois de sua descrição” (GREIMAS;

COURTÉS, 1989, p. 87).

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Concordo com Santos (2011) quando afirma que a participação social na

saúde tem que começar dentro da nossa Constituição, fazer com que as leis e seus

valores sejam colocados em prática, através do incentivo, garantindo à população

duas formas de participação: a) a cada quatro anos avaliar a saúde e propor

diretrizes em âmbito local, estadual e nacional, mediante conferências de saúde,

encampadas pelos entes municipais, estaduais e federal; b) atuar nas estratégias e

definição das políticas de saúde, bem como no acompanhamento de sua execução,

mediante participação nos conselhos de saúde.

A participação do cidadão é um dever e um direito, cabendo-lhe intervir nas decisões do Governo que vão afetar a sua vida pessoal e coletiva, sendo um espaço de fomento a autorresponsabilidade social, de cuidado com a saúde do outro e a própria, de solidariedade cidadã e de garantia de que programas e projetos públicos serão apropriados ao atendimento das necessidades sanitárias da comunidade. (SANTOS, 2011, p. 2).

Tanto quanto a importância da semiose a ser aprofundada no trabalho,

valorizamos as representações sociais, que tanto caracterizam nossas ações,

concepções e relacionamentos interpessoais. Analisar as representações sociais

nas funções desenvolvidas pelo ACS é, no entender dessa investigação, essencial

para melhor compreender o modo como esse profissional se coloca em suas ações

cotidianas, bem como meio para traçar possibilidades de aprimorar essas ações e a

qualificação profissional do ACS.

1.9. As Representações Sociais frente à Educação Sociocomunitaria

Para Moscovici (1978), a teoria das representações sociais se apresenta

como rede de ideias, metáforas e imagens, o que lhe confere um caráter dinâmico.

As representações mentais dos fenômenos e fatos existem na sociedade, na medida

em que são necessárias para a compreensão e comunicação de ideias, sentimentos

e significações, circulam e tomam diferentes formas na memória, na percepção dos

indivíduos, ficando depois “cristalizadas” e reconhecidas como autênticas.

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As representações sociais são entidades quase tangíveis. Elas circulam e se cristalizam incessantemente através de uma fala, um gesto, um encontro, em nosso universo cotidiano. (MOSCOVICI, 1978, p. 38 apud DURAN, 2012, p.240).

Minayo entende as representações sociais como um termo filosófico, que

significa a reprodução de percepção anterior do conteúdo do pensamento, como

categorias de pensamento, de ação e de sentimentos, e que constituem a realidade.

(ALVES; MINAYO, 1994).

Nos próximos capítulos relata-se o trabalho investigativo de observação

participante junto à atuação de campo dos ACS da ESF/UBS do Jardim Brasil, na

cidade de Americana-SP, e as práticas de formações profissionais desenvolvidas

junto a esses, dentro das proposições anteriormente expostas. Intenciona-se

compreender o que é a saúde dentro de uma comunidade, primeiramente

entendendo que a saúde é um estado vital, que exige ações de promoção, proteção

recuperação e reabilitação, como objetivo da equipe ESF nesse contexto. Conhecer

as representações sociais dos envolvidos é essencial para se efetivar a

compreensão das práticas de saúde na comunidade, por permitir analisar a fundo os

fenômenos do cotidiano dos grupos sociais, suas raízes, seus conceitos, sua cultura,

seus métodos de comunicação, suas práticas sociais, atitudes e seus julgamentos,

que são individuais e coletivos, obtendo um olhar sobre a manifestação da realidade

dessa estrutura social, seus sentidos, na busca da promoção da saúde e

contribuição para a promoção e melhoria da qualidade de vida.

Assim, os ACS e toda a equipe de saúde buscam, através do conhecimento

das representações sociais, formar um conjunto de explicações referentes às

crenças e ideias em relação à vida, presentes naquela comunidade, ao mesmo

tempo conscientizando-se das suas próprias, permitindo avaliar com delicadeza o

conhecimento, o que é essencial para intervir num determinado acontecimento,

resultando também numa melhor interação social.

Concordo com Moscovici (1978) quando compreende que os traços, tanto

sociais como intelectuais de representações formadas em sociedade, onde a

ciência, a técnica e a filosofia estão presentes sofram a influência e se constituam

em seu prolongamento, e em oposição a elas; dentre os traços encontramos a

identificação dos mitos, as metáforas, as aproximações falaciosas e a forma de

compreender a realidade.

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O objetivo das representações sociais é conscientizar da importância da

equipe de saúde em respeitar esses fenômenos, próprios aos seres humanos, sua

simbologia, suas trocas simbólicas, desenvolvidas dentro da ambiente social. Isso

manifestado nas relações interpessoais, na influência do conhecimento passado de

geração a geração, na construção e compartilhamento da cultura, a partir de uma

perspectiva coletiva, sem perder de vista a individualidade, contribuindo para a

mudança da qualidade de vida da comunidade.

Desta maneira, ao atuar junto a esses fenômenos de conhecimento das

representações sociais, se cria um elo de humanização; torna-se familiar algo não

familiar, possibilitando a compreensão e a emersão de novas ideias, valores e

teorias.

Toda representação social é sempre a representação de um objeto por um

sujeito, não existe, portanto, representação sem objeto. Desta forma, uma

representação social não pode ser compreendida enquanto processo individual, já

que é produzida num intercâmbio das relações e comunicações sociais. A

representação social descreve as interconexões entre o sujeito e o sistema; o sujeito

e o objeto. Um não existe sem o outro, porém, cada um possui suas próprias

especificidades (MOSCOVICI, 1978).

Concordo com Moscovici (1978) quando afirma que as representações

sociais podem ser entendidas através de processos de objetivação e ancoragem. A

ancoragem se refere a denominar e classificar fenômenos desconhecidos,

compreender fenômenos novos a partir do conhecimento preexistente, atribuindo

significados ao objeto. Esse processo se revela quando o ACS realiza a visita

domiciliar na comunidade da periferia, verificando a incorporação social do saber

das práticas médicas (científicas) indicadas pela equipe de saúde e sua apropriação

pelo saber senso comum da população. Já a objetivação se mostra com a

constituição formal deste conhecimento: o ACS, por exemplo, transforma, durante

seu processo de formação profissional, o seu conhecimento senso comum sobre a

saúde num saber científico, que é representado socialmente, descobrindo e

reconhecendo a importância e os significados que essa nova “roupagem” do saber

apresenta para a comunidade. Sendo assim, através da visita domiciliar, consegue-

se a incorporação do estranho ou do novo, a interpretação da realidade enfrentada e

a realização de orientações mais efetivas.

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Permitindo uma integração mais verdadeira com a realidade social,

possibilita um novo sentido de entender o mundo da população da periferia; no caso

desta pesquisa, seus significados, símbolos e culturas existentes, facilitando a

comunicação entre os dois mundos, aquele científico e aquele dos saberes

populares, à promoção do entendimento do conhecimento científico necessário para

a mudança da qualidade de vida.

Deste modo, qualquer coisa que esteja presente na mente tem a natureza de um signo. Signo é aquilo que dá corpo ao pensamento, às emoções, reações etc. Por isso mesmo, pensamentos, emoções e reações podem ser externizados. [...] Os efeitos interpretativos que os signos provocam em um receptor também não precisam ter necessariamente a natureza de um pensamento bem-formulado e comunicável, mas podem ser uma simples reação física (receber um carta e jogá-la fora) ou podem ainda ser um mero sentimento ou compositório vago de sentimentos (SANTAELLA, 2002, p.11).

A teoria das representações sociais nos permite analisar as questões

sígnicas que nos envolvem, englobando os fenômenos do dia a dia e do cotidiano

dos grupos sociais, tendo suas raízes nas condutas elaboradas pelo senso comum,

nas interações contínuas das vivências, bem como na objetivação idealizada de

cada grupo social. As representações sociais estão presentes na cultura, na

comunicação, nas opiniões expressas, nas atitudes tomadas, mostrando a realidade

social, fundamentando as perspectivas de vida do individuo e do grupo.

Os pontos de vista dos indivíduos e grupo são encarados, em seguida, tanto pelo seu caráter de comunicação quanto pelo seu caráter de expressão. Com efeito, as imagens, as opiniões, são comumente apresentadas, estudadas, e pensadas tão-somente na medida em que traduzem a posição e a escala de valores de um indivíduo ou de uma coletividade. Com efeito, trata-se apenas de uma fatia retirada a substancia simbólica longamente elaborada pelos indivíduos e coletividades que, ao modificarem seu modo de ver, tendem a influenciar-se e a modelar-se reciprocamente. Os preconceitos raciais e sociais, por exemplo, jamais estão manifestamente isolados; eles assentam num fundo de sistemas, de raciocínio de linguagem, no tocante a natureza biológica e social do homem, suas relações com o mundo. (MOSCOVICI, 1978, p. 49).

Para a busca da transformação da saúde dentro da comunidade o ACS tem

um papel fundamental na interpretação destas representações, pois, fazendo parte

desta comunidade consegue estabelecer e juntar fatos para ter um parecer social

estabelecido, com conceitos formados, favorecendo a mudança, afastando-se das

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representações alienadas, das meias verdades do “eu finjo que fiz e você finge que

faz”. É através destes elementos simbólicos que os seres humanos se expressam,

mediante o uso de palavras e gestos, que se tornam indispensáveis para o

profissional da saúde compreender a comunidade; é indispensável conhecer as

condições de contexto em que os indivíduos estão inseridos, os vínculos dos

diferentes grupos socioeconômicos, culturais e étnicos e as representações sociais

aí existentes, se se procura fazer um trabalho efetivo em saúde pública.

“Ensinar não é transferir conhecimento, ensinar é criar possibilidades para

sua própria produção ou construção”. (FREIRE, 2002, p. 38).

O capítulo que segue aborda o Tao do meio entre saúde e doença.

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CAPITULO II − O TAO DO MEIO: SAÚDE, PARADIGMA INDICIÁRIO E DOENÇA FRENTE À EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA

O Caminho da Vida

O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza, porém nos extraviamos.

A cobiça envenenou a alma dos homens... levantou no mundo as muralhas do

ódios... e tem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e morticínios.

Criamos a época da velocidade, mas nos sentimos enclausurados dentro dela. A

máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria.

Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e

cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco.

Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência,

precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo

será perdido.

O Último Discurso

Filme: O Grande Ditador

Charles Chaplin

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2.1. Meu Caminho Traçado...

Não é o caminho que importa, e sim o movimento.

Luis Fuganti (Reflexões)

Como descrito no memorial, em Apêndice nesta dissertação, minha vida

sempre foi um caminho constante de conhecimento e experiências... numa estrada

entre a saúde e a inovação da educação, formam-se inúmeros encontros e

descobertas fascinantes que me levaram a uma nova visão da saúde voltada para a

educação.

Ao escrever meu Projeto de Mestrado escolhi como local de estudo a

cidade de Americana, onde me enraizei e na qual ocupo a posição circunstancial de

gerente, numa unidade de saúde onde foi realizado todo o trabalho e também como

educadora em uma Universidade, desde 2007.

Meu desafio em demostrar a importância da semiótica e as diversas formas

de aprendizado na saúde foram além do esperado, me permitindo um olhar

diferenciado sobre o objeto da educação sociocomunitária; um desafio que não foi

fácil, pois vivenciava uma experiência tradicional de certo e errado dentro da minha

formação tradicional como enfermeira, porém, após integrar no mestrado, me permiti

um olhar ampliado. Meu caminho foi cheio de conhecimentos novos e aprendi a

decifrá-los a cada dia que prosseguia a pesquisa, reconhecendo o valor da

interpretação e seus significados.

Dentro dos princípios éticos e políticos, os quais defendo e que orientaram

este trabalho, busco explicitar as opções teóricas, metodológicas para continuar a

produzir um caminho a ser percorrido.

Se vivo torto nessa tortura que vivo, é para sentir a falta de mim

mesmo, quando sinto que não me tenho por certo, abro a janela do

choro para o vento entrar, assim não me sinto só, e deixo o vento me

acompanhar. Se aprendo novas palavras sem sentido, reparto com

os outros o que não sei dizer, bem no fundo sinto arrepios

destorcidos, e tenho mais vontade de viver, abro minha alma para

melhor se arrepiar, assim me sinto bem e sem medo deixo meu

sangue esquentar. Se encontro obstáculos pelo caminho que sigo,

não ligo para eles e continuo a caminhar, encontro forças e somente

sigo, encaro tudo sem ao menos pestanejar, e sem medo dos

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problemas sigo em frente, na chuva, no sol ou na tempestade, a

questão é bem simples, o que não posso é desistir, então sigo minha

vida, enfrento meu caminho sem medo de cair. (COSTA, 2010)

Neste capítulo, dada à importância que a “leitura” e interpretação dos signos

têm para a compreensão dos sentidos de mundo que estão dispersos num contexto

social; a relevância dessa leitura interpretativa para um profissional que precisa lidar

e entender esses sentidos, colaborando para outros reentendimentos e

transformações, como é o caso do Agente Comunitário de Saúde (ACS), trata-se,

então, da questão da semiótica, principalmente embasada nos estudos de Santaella.

2.2. Significado e Definição de Semiótica

Conforme Nöth (1995, p. 15), a Semiótica é uma ciência ainda recente,

embora o projeto de construir uma "ciência dos signos" existisse há muito, podendo-

se afirmar que o aparecimento efetivo dessa ciência se verifica apenas nos meados

do século XX.

A semiótica enquanto campo de conhecimento surge, sugestiva e simultaneamente, em três contextos diferentes: Rússia, Suíça e Estados Unidos, entre a segunda metade do século XIX e início do século XX. Não há apenas uma escola semiótica, há pelo menos três: a semiótica do norte americano Charles Sanders Peirce, a do suíço Ferdinand Saussure (mais tarde relido por Hjelmslev e por Derrida) e a dos teóricos russos, que inspirarão do cineasta Eisenstein a Vigotski e Bakhtin, este, explorando os signos em sua relação com a vida social. Tal sincronicidade no surgimento da semiótica mostra que esse saber estava pronto historicamente para nascer, não é fruto de uma genialidade isolada (NÖTH, 1995, 121).

Conforme Santaella (2003, p. 3), a semiótica é a mais jovem ciência a

despontar no horizonte das chamadas ciências humanas, surgindo na realidade de

três origens, lançadas quase que simultaneamente no tempo, mas distintas nos

espaço e na paternidade: uma ocorreu nos Estados Unidos, outra na antiga União

Soviética e a terceira na Europa Ocidental.

A importância da Semiologia dentro desta pesquisa é a de entender a

relação do ACS frente à comunidade, sua participação na compreensão e

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interpretação da linguagem e na compreensão de sentidos em relação aos

fenômenos saúde/doença.

Por meio desta ligação com a semiótica, este trabalho de pesquisa em

educação sociocomunitaria, busca a interpretação da linguagem como um meio de

ajudar na inserção dialógica da população no mundo das práticas de saúde, para

que sendo vistos como seres de valor, os sujeitos, em especial aqueles das

periferias, possam contribuir para a melhoria da sua qualidade de vida, espiritual,

social e física, investindo em suas comunidades, principalmente aquelas

marginalizadas. Isso requer a valorização da cultura da comunidade, favorecendo

suas linguagens e produção de sentidos.

Para Santaella (2002, p. 89) assim se apresenta a classificação da

semiótica:

- Sinais: qualquer estimulo emitido pelos objetos do mundo.

- Signos ou Linguagens: são produtos da consciência; é a representação de

algo, é um complexo de relações.

- Intérprete: aquele que faz a representação do signo em sua mente.

- Interpretante: é o processo racional criado na mente do intérprete

Neste sentido, considera-se linguagem, desde as linguagens binárias do

computador até a linguagem das flores, do vento, dos ruídos, dos sinais de energia

vital emitidos pelo corpo, o sonho, o silêncio...

A Semiótica investiga todas as linguagens possíveis, examina a constituição

de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção, de significação e

sentido. Sendo assim, sem informação não há mensagem. A Semiótica tem por

função classificar e descrever todos os tipos de signos logicamente possíveis. São

três os métodos de estudo:

- Contemplar: abrir janelas do espirito e ver o que está diante dos olhos.

- Distinguir: discriminar diferenças no que se observa.

- Generalizar: encaixar o que se observa em classes ou categorias,

qualidade, relação, representação.

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Conforme Santaella (2003, p. 7), a palavra semiótica vem do grego

semiotiké e é traduzida como doutrina geral dos signos. De forma geral, a semiótica

trata de tudo aquilo que representa, significa alguma coisa:

A Semiologia aparece definida por Saussure, no Curso de Linguística Geral (editado pela primeira vez em 1915), da seguinte forma: ‘Pode, portanto conceber-se uma Ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social; ela constituiria uma parte da psicologia social e, por conseguinte, da psicologia geral; nós chamá-la-emos semiologia’ (do grego semeion, signo). Ela ensinar-nos-ia em que consistem os signos, que leis os regem. (...) A linguística não é senão uma parte desta ciência geral (SANTAELLA, 2003, p. 45).

Neste estudo se procura valorizar e interpretar o entendimento e o

reconhecimento dos ACS, através da interpretação de gestos, sinais, cultura,

vivências, crenças, hábitos, e linguagens, bem como seus mecanismos para tratar

esse conhecimento. Todos estes estão presentes na produção de saberes em

relação à saúde que o profissional faz, para com a população.

2.2.1. Os Signos frente à Aprendizagem e à Educação Sociocomunitaria

O “paradigma indiciário” foi, na verdade, uma proposta de método

investigativo centrado nos pormenores, nos resíduos, nos rastros mais tímidos,

considerados reveladores das concepções de mundo dos sujeitos. Ginzburg (1989)

via antecedentes desse método em certos críticos de arte. Todos os fenômenos

intelectuais artísticos, por mais diversos que fossem, possuíam em comum a

característica de se aterem a sinais. (GINZBURG, 1989, p. 147).

Dependendo do ângulo que se olha, Ginzburg (1989) afirma que ao se

construir um paradigma indiciário, se enquadram valores da cultura popular, da

tradição, pois se procura por pistas, detalhes e sinais, que representam uma

“verdade” sobre o objeto pesquisado. E, através desses o autor acredita que a

“verdade” sobre determinado objeto ou fenômeno pode ser desvelada, caracterizada

como um ponto de partida, tendo raízes muito antigas, que remontariam à própria

evolução da humanidade.

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Por milênios o homem foi caçador... Aprendeu a farejar, registrar, interpretar e classificar pistas infinitesimais como fios de barba. Aprendeu a fazer operações mentais complexas com rapidez fulminante, no interior de um denso bosque ou numa clareira cheia de ciladas. Gerações e gerações de caçadores enriqueceram e transmitiram esse patrimônio cognoscitivo. (GINZBURG, 1989, p. 146).

Concordo com Ginzburg (1989) quando relata que para se entender com

profundidade os sentidos que fazemos do mundo, partimos dos sinais e através

deles conseguimos nos apropriar do real. Considera-se, portanto, que os sinais são

signos e possuem significados dentro das categorias em que se está trabalhando,

podendo, então, serem vinculados à cultura. O paradigma indiciário se traduz em

"um saber de tipo venatório", caracterizado pela capacidade de, a partir de dados

aparentemente irrelevantes, descrever uma realidade complexa, que não seria

cientificamente experimentável/explicável.

Ginzburg (1989) atribui características e algumas metáforas para explicar o

método:

O estudo indiciário são os fios que compõem um tapete com uma trama

densa e homogênea. O tapete é o paradigma e o cientista o tecelão.

Os elementos históricos, contextuais são as pistas que dão ao caçador

instrumentos para chegar ao seu objetivo.

Não é rigoroso, porque este tipo de rigor não é só inatingível, mas

também indesejável para as formas de saber mais ligado a experiência cotidiana.

É utilizado em todas as situações em que a unicidade e o caráter

insubstituível dos dados são, aos olhos das pessoas envolvidas, decisivos.

É flexível e as formas de saber como faro, golpe de vista, intuição revelam

um tipo de conhecimento em que entram em jogo elementos imponderáveis.

O paradigma indiciário, no fundo, parece querer reproduzir o gesto “talvez

mais antigo da história intelectual do gênero humano: o do caçador agachado na

lama, que escruta as pistas da presa”. Se os pré-históricos perseguiam sua comida,

o alimento do historiador moderno seria a verdade ou, ao menos, a “verdade

possível”; aquela demonstrável por sinais. Os sinais admitem a dúvida,

problematizam temas, informam caminhos abandonados: “Se a realidade é opaca,

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existem zonas privilegiadas, sinais, indícios que permitem decifrá-la” (GINZBURG,

1989, p. 186).

Correlacionando o paradigma indiciário com a questão do papel do ACS

frente à comunidade, tem-se a importância desta atitude investigativa dos sinais

dispersos nas falas, gestos e modos de ser da população, na resolução dos

problemas levantados junto a essa comunidade, interpretando os seus significados,

compreendendo os meios de propiciar informações adequadas para a mudança da

sua qualidade da vida interferindo, de forma menos impositiva possível, na sua

estrutura cultural e social.

As relações entre o ACS e a comunidade representam um momento

importante de traçar diálogos sociáveis e laços, frente às trocas de experiências,

sentimentos e emoções, transmissão de informações e aprendizado mútuo; neste

momento promove-se o fortalecimento da autonomia das pessoas da comunidade,

sua organização e possibilidade de emancipação.

O homem como um ser inconcluso, consciente de sua inconclusão, e o seu permanente movimento de busca do ser mais. Na verdade diferente dos outros animais, que são apenas inacabados, mas não são históricos, os homens se sabem inacabados. Tem a consciência de sua inclusão. Ai se encontram as raízes da educação mesma, como manifestação exclusivamente humana, isto é na inconclusão dos homens e na consciência que dela tem. Dai que seja a educação um fazer permanente, permanente na razão da inconclusão dos homens e do devenir da realidade. (FREIRE, 2001, p. 68).

A dialogicidade, essência da educação como prática para a liberdade. Esta busca nos leva a surpreender, nela, duas dimensões: ação e reflexão, de tal forma solidária, em uma interação tão radical que, sacrificada, em parte, uma delas, se ressente, imediatamente, e a outra. Não há palavra verdadeira que não seja práxis. (FREIRE, 2001, p. 77).

Concordo com Freire (2002), que o diálogo não é possível entre os que

querem a pronúncia do mundo e os que não querem; entre os que negam aos

demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados desse direito. “É

preciso que os que assim se encontram negados no direito primordial de dizer a

palavra reconquistem esse direito, proibindo que esse assalto desumanizante

continue”. (FREIRE, 2002, p.53).

Frente à narração dos acontecimentos no dia a dia, o ACS consegue

identificar as peculiaridades da linguagem falada, os sinais e sentidos presentes

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nessa, e desenvolvem as capacidades humanas de interpretar saúde/doença, refletir

e discutir sobre os meios de prevenção e recuperação, através do raciocínio lógico,

percepção, intuição e imaginação. Pela visita domiciliar exercita-se a troca dialógica;

compreensão e atenção tornam-se vitais para compreender as interpretações que

emergem dessa troca. A investigação indiciária está presente em todas as

atividades humanas, quer relacionadas à alimentação, proteção, invenção, religião,

guerras, entre outras. (COELHO, 2006, p. 5).

Segundo Hipócrates:

O estudo das doenças devia ser fundamentado no quanto existe de comum e de individual na natureza humana: na doença, no doente, na dieta e em quem prescreve...; na constituição geral e específica dos fenômenos celestiais e de cada região, nos costumes do povo, no regime, nas profissões, na idade de cada um; na fala, nas maneiras de ser, no silêncio, no pensamento, no sono e na insônia, nos sonhos..., nos gestos involuntários...; nos paroxismos, nas fezes, na urina, nas secreções, no vômito, na ligação entre as doenças...; nos abscessos..., no suor, nos calafrios, no frio, na tosse, no espirro, no soluço, na respiração, nos arrotos, na flatulência..., nas hemorragias, nas hemorroidas. Com base em tudo isso, estenda-se a investigação até onde se consiga. (HIPÓCRATES apud PORTO, 1997, p. 9).

Para Hipócrates, o sintoma deve sempre ser analisado em relação aos

elementos básicos como o ar, a água e o lugar. Ao ser interpretado pelo médico

como um indício, o sintoma adquire um valor de signo. No modo como a Estratégia

de Saúde da Família (ESF) está organizada, os ACS são os primeiros a realizar a

análise dos indícios, baseada na observação e descrição dos sintomas, no destaque

que darão às falas e produção de sentido dos sujeitos. A procura por sentidos é

constante, por exemplo, nas visitas domiciliares, pois examinam todo contexto

cotidiano familiar, registrando com minúcia todas as características levantadas

durante a visita, diagnosticando/interpretando os problemas através dos sintomas

que lhe são apresentados, numa observação direta e interativa de conhecimento e

semiótica. Observando e avaliando a realidade consegue levantar pistas sobre o

problema, sobre “o visto” e o “não visto”, sobre “o dito” e o “não dito”, encaminhando

suas apreciações para a equipe de saúde.

Concordo com Ginzburg (1989, p. 154-155) quando relata que numa atitude

orientada para análise de casos individuais, reconstruíveis somente através de

pistas, sintomas e indícios, o paradigma dirige as formas do saber na decifração dos

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signos, do corpo da linguagem e da história dos homens; numa investigação sem

preconceitos. Fato evidenciado pelo papel dos ACS da ESF aqui analisada, pois

sensibilizados para a importância de empregar o paradigma indiciário na sua

atuação estes observam atentamente e registram as histórias dos sujeitos, pois,

respeitam cada vez mais as diversidades das culturas e tentam compreender a

realidade implícita, através do desvelamento dos significados epistemológicos

levantados.

Essa ideia, que constitui o ponto essencial do paradigma indiciário ou semiótico, penetrou-nos mais variados âmbitos cognoscitivos, modelando profundamente as ciências humanas. Minúsculas particularidades paleográficas forma empregadas como pistas que permitiam reconstruir trocas e transformações culturais (GINZBURG, 1989, p. 177).

Uma das características importantes deste trabalho é a de conscientizar os

ACS de que o entendimento da saúde/doença pode ser interpretado de inúmeras

maneiras, pela codificação de sinais, vozes, gestos, olhares, sutilezas, choros,

alegrias.

Conforme Santaella (2003, p.23), todo aprendizado ocorre por meio de

signos. O processo comunicativo é fundamental à cognição.

A primazia lógica é do signo, mas a primazia real é do objeto. O objeto é determinante, mas só nos aparece pela mediação do signo. Somos seres mentais, o signo é um primeiro porque aquilo que realmente produz vem imediatamente na frente. [...] Porém, aquilo que está representado no signo não corresponde ao todo do objeto, mas apenas a uma parte ou aspecto dele. O signo é sempre incompleto em relação ao objeto (SANTAELLA, 2003, p. 44-45).

Concordo com a autora, pois aprendemos desde cedo, quando nascemos, a

nos comunicar. O primeiro elo é o da comunicação pelo choro que, inicialmente,

comunica os estados fisiológicos, mas que depois, conforme somos inseridos na

cultura, vamos aprendendo os outros significados do choro e passamos a fazer uso

deles, comunicando outros sentidos. Assim, comunicamo-nos por meio da

linguagem corporal, gestos, sinais. Mesmo sem querer, estamos aprendendo todas

as vezes que participamos de uma cadeia significativa. Como seres humanos,

estamos no mundo nos comunicando e aprendendo, e mesmo os nossos receptores

internos, biológicos, produzem diálogo sempre; estamos em processamento

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constante de signos e das mudanças interpretativas que esses geram em nossa

visão de mundo.

Procuro estabelecer, junto aos ACS, a importância de desvendar/

compreender os fenômenos comunicativos, essenciais à vida humana, através da

observação sígnica dos elementos do entorno e das experiências vividas realizadas

durante o acompanhamento nas visitas domiciliares na comunidade, abordando os

modos de vida, a cultura, as representações sociais da comunidade, em seu

cotidiano.

A proposta de um método interpretativo centrado sobre resíduos, sobre os dados marginais, considerados reveladores. Desse modo, pormenores normalmente considerados sem importância, ou até triviais, ‘baixos’ que forneciam a chave para acender a produtos mais elevados do ser humano. (GINZBURG, 2003, p. 150).

Conforme Santaella (2002), o universo dos signos abrange as inumeráveis

"coisas representativas de outras coisas": estímulos e inúmeros saberes, que nos

chegam via percepção e que passamos a conhecer e, sobretudo, reconhecer e

relacionar através da memória e dos raciocínios associativos. Sem signos não há

um saber consciente de coisa alguma.

Isso se justapõe ao que Santaella (1998) afirma sobre o pensador da

semiótica; que o próprio homem é um signo, pois somente tem consciência de si

mesmo quando se reconhece como tal, pela simples experiência de ser e saber que

é homem, implicando este fato em discernir o "não ser" planta, pedra ou outro

animal. É na dimensão da consciência e do pensamento reflexivo que o homem se

reconhece como homem.

Reafirma-se, assim, a hipótese deste trabalho, que é a importância de se

conduzir uma consciência reflexiva sobre essa essencialidade humana, que é a

produção e a interpretação simbólica para o ACS e para a comunidade. Esse

reconhecimento é fundamental para assumir-se uma postura de não exclusão dos

saberes da cultura popular, tão marginalizada, em especial em se tratando de

questões relativas à saúde, pois se valoriza o conhecimento técnico científico. Trata-

se de uma forma de reintegrar a população mais marginalizada socialmente, dentro

das inúmeras diversidades sociais encontradas.

Os fenômenos são trabalhados na busca do reconhecimento, compreensão

e percepção dos signos.

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Em uma definição mais detalhada, o signo é qualquer coisa de qualquer espécie (uma palavra, um livro, uma biblioteca, um grito, uma pintura, um museu, uma pessoa, uma mancha de tinta, um vídeo etc.) que representa outra coisa, chamada de objeto do signo, e que produz um efeito interpretativo em uma mente real ou potencial, efeito este que é chamado de interpretante do signo (SANTAELLA, 2003, p. 8).

“Nascem os signos de associações provocadas por experiências repetidas,

espontâneas ou voluntárias. As experiências são contatos e reações. Os signos são

os representantes do conhecimento resultante de contatos e reações” (SANTAELLA,

1998, p. 31).

Acompanhando o pensamento de Santaella, no contato direto entre os ACS

com a comunidade, cria-se um estímulo tanto para a produção simbólica como para

a sensação-percepção-interpretação dessa produção. Argumenta-se que tal

produção é o campo no qual a ação profissional dos ACS transcorre, e esse deve ter

uma reação compatível − ou seja, de acolhimento e diálogo, − conforme os impactos

dessa produção são levantados, percebidos e reconhecidos.

Santaella (2003) relata que reação é o ato ou pensamento decorrente do

impacto percebido num contexto comunicativo. O signo é o representante do

conhecimento assim adquirido. Partindo de associações, reconhecemos objetos, as

coisas e também os indícios de coisas.

“As representações, continuamente usadas na linguagem e no entendimento

pessoal, tornam-se convenções símbolos e assim temos as três modalidades de

signo que os estudiosos distinguem: ícones, índices e símbolos” (SANTAELLA,

1998, p. 32).

Ainda segundo a autora:

Diante de qualquer fenômeno isto, é para reconhecer e compreender qualquer coisa, a consciência produz um signo, ou seja, um pensamento como mediação irrecusável entre nós e os fenômenos. A consciência inerte em diferença sofre estímulo de contato, esse é o momento instanciam, de tomada de consciência, que Pierce denomina Primeiridade, categoria que dá experiência, originalidade, processa, registra, compara, recorda... a segunda instância é a da consciência, a Secundidade, aquilo que dá à experiência seu caráter factual, de luta e confronto, a terceira instância é a Terceiridade, primeira manifestação que podemos considerar como um signo e é através dele que agarramos o conhecimento e dele tomamos posse e tomar posse de um signo é algo como tomar posse da realidade, é um possuir pelo saber, onde representamos e interpretamos o mundo. (SANTAELLA, 2003, p.12).

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2.2.2. Os Problemas Sociais vistos como Signo

“A promoção de saúde, assim entendida, tem a ver com o que vem sendo

chamado classicamente, no jargão da Saúde Coletiva, de determinação social do

processo saúde-doença e que há pouco entre nós ganhou o status de política

pública” (COMISSÃO DOS DETERMINANTES, 2007, grifo meu).

Nessa linha proposta, considera-se a busca dessa determinação como uma

tarefa eminentemente semiótica, uma vez que implica ler, pesquisar e interpretar os

problemas sociais e suas causas básicas como signos; e, na estruturação atual do

sistema de saúde brasileiro será necessário começar pelo ponto inicial, ou seja,

pelas bases, na ação dos ACS e seu papel dentro da comunidade.

Almeja-se a conquista da melhoria da qualidade de vida, saúde/doença na

adequada abordagem da semiose e respeito nas representações sociais, garantindo

meios educacionais que proponham o enfrentando de prevenção de doenças,

melhoria dos hábitos de vida, dentre outros. Abordo aqui, portanto, que estes

problemas vêm da natureza dos signos, pois resultam da produção de sentidos

comunicativos camuflados, oriundo das disputas de poder entre os grupos que

compõem uma sociedade e que fazem com que certos grupos dominem (validando

seus discursos e concepções de mundo), enquanto outros são negados ou

ignorados, em uma espécie de conflito “destrutivo”.

Os problemas sociais enfrentados pela comunidade estão ligados, não só

aos organismos humanos diretamente relacionados à saúde, mas também ligados

ao social, ao econômico e ao espiritual, às condições de habitação, de saneamento,

de violência e segurança, de falta de emprego ou de oportunidades de ingressar no

mercado de trabalho, de escolas. Ou, ainda, aos pontos de venda de drogas, pontos

de prostituição, aliciamento de menores para atos infracionais, entre outros.

A ação e a preparação profissional dos ACS relacionados à semiose,

focando suas compreensões, significações e sinais daquilo que vivenciam, dos seus

saberes e daqueles da comunidade, podem conferir importante diferencial para os

trabalhos, tornando-os “ações significadas”, produzindo respostas positivas − de

aceitação da diversidade cultural e de diálogo − frente à comunidade.

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2.3. A Antropologia Médica e o Tao da Saúde e Educação Sociocomunitaria frente às Interpretações Sociais

Dentro dessa investigação − e coerentemente a tudo anteriormente exposto

− observamos a grande importância e necessidade de fazer-se uso de referenciais

da antropologia para conhecer e compreender a cultura e a maneira como os

indivíduos percebem-se na sociedade, como estabelecem suas relações com a

equipe de saúde, com outros participantes da comunidade e como buscam a saúde

para si e para sua família.

Com o desenvolvimento da antropologia, surge uma nova concepção para

se observar a relação do indivíduo e a cultura, tornando-se possível uma abordagem

cultural dos problemas sociais e de saúde. Geertz, que se situa na origem desta

corrente de pensamento, concebe a cultura como “um universo de símbolos e

significados e que permite aos indivíduos de um grupo interpretar a experiência e

seguir suas ações”. (GEERTZ, 1973, p.68).

Segundo o referido autor, a cultura nos fornece modelos “de” e “para” a

construção das realidades sociais e psicológicas, a cultura é o contexto no qual

diferentes eventos se tornam inteligíveis. Ele estabelece ligação entre as formas de

pensar e de agir dos indivíduos e de um grupo, ressalta a importância da cultura

para a vida humana, na própria construção do fenômeno humano. Considera-se,

portanto, que as percepções, as interpretações e as ações dos sujeitos, inclusive no

campo da saúde, são culturalmente construídas.

A perspectiva de compreensão cultural dos fenômenos nos serve para

questionar uma série de temas relacionados à saúde pública, como o Sistema Único

de Saúde, a cidadania, a democratização dos serviços de saúde, o papel do ACS

dentro da comunidade e a forma de interação desses como os usuários e vice versa.

O primeiro ponto a ser destacado aqui é aquele referente à necessidade de

ampliarmos os conceitos médicos construídos sobre a visão da comunidade, nossa

atividade clinica de julgamento e entendimento na interpretação de saúde/doença,

refletindo sobre aspectos e problemas sociais, políticos, econômicos e culturais

envolvidos nesse binômio.

Como enfermeira, vejo a importância de reconduzirmos o centro das

relações e do entendimento entre os profissionais de saúde do ESF o ACS e a

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comunidade, superando a visão de superioridade “científica”, que leva facilmente ao

desentendimento dos discursos e práticas culturais da população e da equipe,

desvalorizando-as relações. Isso é possível partindo-se de um relacionamento

efetivo entre sujeitos, valorizando o relacionamento afetivo-compreensivo e, ao

mesmo tempo, compartilhador de elaborações do real, que podem ser modificadas,

melhorando a qualidade de vida.

Não significa anular a identidade do ACS, mas, sim, valorizar a figura desse

profissional, enfatizar que será sempre ele, dentre todos os outros profissionais da

equipe de saúde, que melhor conhecerá esta população. E esta, por sua vez, irá

respeitá-lo e permitir adaptações na prática da vida cotidiana e diária em relação às

mudanças de estilo de vida, pois o objetivo final é de fornecer educação e

mudanças, conforme a forma que este relacionamento será concretizado.

O papel do ACS frente à comunidade é de extrema importância, uma vez

que ele irá abordar inúmeras pessoas, de diferentes níveis sociais e culturais, num

confronto de interpretações simbólicas, que ocorre em todas as dimensões do

convívio social. Sobretudo, na área da saúde e do cuidado, na qual as percepções

das diferentes concepções de saúde influenciam no cuidado, na recuperação, na

adesão ao tratamento e na erradicação das doenças. São pontos cruciais a serem

trabalhados para se obter um resultado favorável.

A esteira deste fenômeno da antropologia médica vem ganhando notoriedade e propostas de serviços de saúde que sejam culturalmente sensíveis, no sentido de qualificar profissionais de saúde e instituições a entender e satisfazer as necessidades próprias de saúde dos pacientes em locais em que essa diversidade cultural é mais pronunciada. Isto é, os serviços preparam-se para melhor acolher os pacientes que apresentam demandas de saúde bem especificas. (GEERTZ, 1973, p. 46).

O indivíduo, dentro da sociedade, estabelece diferentes meios de

percepções do mundo ao seu redor; percebe sintomas, sinais, sensações, emoções

e sentimentos, por meio de formas próprias de comportamento, de atitudes e por

vivências já estabelecidas ou presenciadas por outras pessoas. Assim, ele se

defende e procura ajuda e se mostra frente à sociedade, atribuindo um significado

para tudo o que ele percebe/interpreta dentro dessa sociedade, ou seja, dentro do

campo simbólico em que vive.

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Nestas teorias sociais, considera-se como fundamental compreender qual é o sentido que os próprios indivíduos como personalidades e agentes sociais dão aos seus comportamentos, símbolos, valores e inter-relações sociais. (GROPPO, 2011, p. 361).

Observamos que as diversidades culturais em nosso país representam algo

concreto e existem por todos os lados; há culturas brasileiras e regionais bem

definidas e estabelecidas, que podemos reconhecer no dia a dia, durante os

serviços de saúde. Assim, o intuito é fazer com que o ACS assuma uma postura

importante em saber reconhecer essas diferenças e aceitá-las como modo de ser do

indivíduo, como parte indissociável do ser, sem preconceitos, contribuindo para

fornecer uma melhor educação em saúde, fortalecer o elo com a comunidade, bem

como garantir a cidadania na direção da consolidação efetiva do Sistema Único de

Saúde.

Vale refletir que embora o ACS seja obrigatoriamente integrante da

comunidade, o próprio processo de formação técnico-científica do ACS pode

colaborar para que ele se afaste de suas raízes, passando a “estranhar” práticas

culturais do senso comum e da cultura popular praticadas na comunidade, tratando-

as como “erradas” ou menos válidas.

Faz-se necessário, então, como defendido nesta investigação, demonstrar

ao ACS a contribuição que ele pode dar à sociedade, no sentido de oferecer atenção

à saúde de alta qualidade, em estar capacitado para ouvir o cliente, perceber essas

diferenças culturais, adaptando o diálogo, as negociações de sentidos e de práticas,

e promovendo mudanças de vida.

Assim, este grupo de profissionais será capacitado a conviver com a

diversidade cultural, com desafios crescentes de conhecimento e de entendimento,

garantindo competência no desenvolvimento de sua pratica técnica. Eles devem ser

igualmente competentes e capacitados para reconhecer as diferenças internas de

cada grupo ou subgrupos que compõem uma comunidade, valorizando a

integralidade e humanização no cuidado.

Por meio do estudo da Antropologia pode-se mostrar que cada ser humano

é diferente e que temos que nos dar conta dessas diferenças, conscientizando-nos

de que estas pessoas de populações marginalizadas estão envolvidas por sua

cultura, permanecem conectadas a ela, principalmente frente a conhecimentos

“novos”, como aqueles científicos, relacionados às práticas de saúde. Como nós,

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profissionais da saúde, podemos estar fortemente ligados ao conhecimento científico

e a nossa própria cultura, “tecnicizada, individualizando (restringindo) a formação do

nosso próprio interesse cultural”?

O trabalho etnográfico presta-se muito bem para isso, ao tentar ler oque ocorre a sua frente, decifrando não apenas o que está explícito a superfície, mas também os comportamentos aparentes, incoerentes e deslocados, que, em última análise tem respaldo na realidade simbólica, que permitiria ao individuo atribuir significados a partir de sua experiência individual e segundo as normas sociais e culturais na sua origem, estrutura, função e significado. (GEERTZ, 1973 p. 38).

Liberar o entendimento do ACS frente às diferenças culturais, favorecendo a

valorização dessas por meio de encontros socioculturais é ótimo recurso para o

trabalho nas comunidades, que devem ser momentos ricos, contínuos e dinâmicos,

aflorados de compreensão para traçar um caminho de educação e mudança na

qualidade de vida. Este trabalho não começa e termina durante uma visita do ACS,

mas, se prolonga por todo ou qualquer encontro deste profissional junto à

comunidade.

Uma das atribuições principais do Enfermeiro é a de capacitar os ACS a

traduzir discursos, sinais e sintomas dos indivíduos atendidos, favorecendo uma

orientação educativa adequada, para determinado problema, pensando-se não

somente naquela doença ou problema específico, mas na integralidade do sujeito.

Quando os indivíduos têm um problema social ou doença dentro da

comunidade eles expressam/manifestam tal problema por meio de “sintomas”,

atribuindo sinais, algum significado que para eles são importantes, ou seja,

aspectos desses problemas ou doenças. Os profissionais da saúde têm que

interpretar essas diversas significações e, assim, quando uma pessoa procura ajuda

do profissional de saúde ele deve lançar mão de muita sensibilidade e

conhecimento, superando os obstáculos comunicativos/interpretativos. A importância

do ACS neste papel interpretativo, por ser um participante da comunidade, é de ter

linguajar, modos de ser e atitudes eticamente corretas para abordar a clientela. Seu

comportamento deve ser pautado em interpretar a comunicação estabelecida, pois a

produção de significados de ambos os lados significa a realidade, na qual a cultura

de cada um, Usuário e ACS, permanecerão igualmente presentes, embora

transmutadas.

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Tanto as crenças quanto os padrões de comportamento dos indivíduos fazem parte de um sistema, em grande parte derivado de regras culturais, uma teia de significados com importância de analisamos enquanto ação e como sistemas simbólicos, como ação a forma de expressão da cultura é pública, pressupondo, no discurso social, a existência de protagonistas e assistentes que se comunicam entre si a partir de interpretação de códigos socialmente estabelecidos de modo prévio. (GEERTZ, 1973 p. 53).

O capítulo que segue aborda a construção do Tao da Saúde e da Educação

evidenciando a importância do trabalho coletivo.

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CAPITULO III − A CONSTRUÇÃO DO TAO DA SAÚDE E DA EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA: UM QUE-FAZER COLETIVO

Lagarta e Borboleta

De corpo mole, como quem não quer nada, devagar, ando muito;

sem me sentir tão cansada, em minha casa descanso sempre, à sombra por preferência. Viajo, conheço o mundo de carona sem custar nada, meu medo é ser descoberta,

por alguém ser amassada, interrompendo minha volta, ao lugar de querência. Com aparência rica em variedade, vivo feliz tanto na roça como na cidade,

a preferência, é estar no alto, se possível nas Palmeiras. Sou presa fácil dos pássaros, minha grande adversidade, não corro, não grito,

não tenho grande mobilidade, podendo, me escondo entre as folhas, fechando suas beiras.

Muito feia, por vezes cabeluda, arrepiante, tenho instinto de bondade, modifico o que fui antes, na intenção de ser aceita, quem sabe, amada.

Me aprisiono em um casulo, mastigo um calmante, sozinha, isolada, irradio bons pensamentos dardejantes. Sonho com a vontade, de ser aguardada.

Cansada, faminta, alegre, transformada, deixo o esconderijo,

pelo mundo quero ser adorada, agora, não mais como lagarta, ganhei minhas asas, mudei. No salão de beleza do Céu, ganhei cores, estou maquiada, sou branca,

com listras escuras, ao fundo estou azulada, fui dormir Lagarta, como Borboleta, acordei.

Cesar Alvarenga (2011)

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3.1. Conceitos de Saúde e Doença

Neste capitulo trabalhamos sobre a discussão educação/saúde, a

valorização das concepções da população sobre a saúde/doença, o trabalho em

grupo e a educação social.

Os conceitos de saúde/doença são analisados em todo o decorrer da

evolução histórica, pois, está agregado no contexto histórico cultural, social, politico,

econômico dentro da experiência humana de cada um, ou seja, a saúde/doença não

representa a mesma coisa para cada pessoa, depende dos valores individuais, das

concepções científicas, filosóficas, culturais e religiosas.

Real ou imaginária, a doença transmissível, é uma antiga acompanhante da

espécie humana, como o revelam pesquisas paleontológicas. Assim, múmias

egípcias apresentaram sinais de doença (exemplo: a varíola do faraó Ramsés V).

Não é de admirar que, desde muito cedo, a Humanidade se tenha empenhado em

enfrentar essa ameaça, de várias formas, baseadas em diferentes conceitos do que

vem a ser a doença (e a saúde). Assim, a concepção mágico-religiosa partia, e

parte, do princípio de que a doença resulta da ação de forças alheias ao organismo

que neste se introduzem por causa do pecado ou de alguma maldição (SCLIAR,

2007, p. 29).

Para os antigos hebreus, a doença não era necessariamente devida à ação

de demônios, ou de maus espíritos, mas representava, de qualquer modo, um sinal

da cólera divina, diante dos pecados humanos. Deus é também o Grande Médico:

“Eu sou o Senhor, e é saúde que te trago” (Êxodo 15, 26); “De Deus vem toda a

cura” (Eclesiastes, 38, 1-9); a doença era vista como desobediência do mandamento

divino, a enfermidade proclamava o pecado quase sempre de forma visível.

A doença é tanto um fato clinico quanto um fenômeno sociológico. Ela exprime hoje e sempre um acontecimento biológico e individual e também uma angustia que pervaga o corpo social confrontando com as turbulências do homem enquanto ser social. A medida que se cristaliza e simboliza as maneiras como a sociedade vivencia coletivamente seu medo da morte e seus limites frente ao mal, a doença importa tanto por seus efeitos imaginários: ambos são reais do ponto de vista antropológico. A doença é uma realidade construída e o doente é um personagem social. (MINAYO, 1991, p. 233).

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A medicina grega representa uma importante inflexão na maneira de encarar a doença. É verdade que, na mitologia grega, várias divindades estavam vinculadas à saúde cultuavam divindades da medicina e sua crença basicamente era voltada para mágica/religiosa nota-se que a cura, para os gregos, era obtida também pelo uso de plantas e de métodos naturais, e não apenas por procedimentos ritualísticos (SCLIAR, 2007, p.31).

Em outros relatos da história entra em cena um importante personagem: o

pai da Medicina, Hipócrates de Cós (460-377 a.C.). Tais relatos traduzem uma visão

racional da medicina, bem diferente da concepção mágico-religiosa antes descrita e

afirmada: “A doença chamada sagrada não é, em minha opinião, mais divina ou

mais sagrada que qualquer outra doença; tem uma causa natural e sua origem

supostamente divina reflete a ignorância humana”. (HIPOCRATES, 1971).

Hipócrates postulou a existência de quatro fluidos (humores) principais no

corpo: bile amarela, bile negra, fleuma e sangue e, desta forma, a saúde era

baseada no equilíbrio desses elementos; ele via o homem como uma unidade

organizada e entendia a doença como uma desorganização desse estado. Galeno −

após revisar a teoria humoral − ressaltou a importância dos quatro temperamentos

no estado de saúde e entendeu a causa da doença como endógena; ela estaria

dentro do próprio homem, em sua constituição física ou em hábitos de vida que

levassem ao desequilíbrio. (SCLIAR, 2007, p. 34).

Em outras culturas o Xamã, o feiticeiro tribal, é quem se encarrega de

expulsar a doença mediante rituais que espantam os maus espíritos que se

apoderam da pessoa, causando doença; vemos isso entre os índios Bororos que

residem na região do Mato Grosso; o conceito de doença e morte para eles é

baseado em maldição de um inimigo ou conduta imprudente da pessoa ao comer

um animal considerado tabu, pois entendem que o espirito do animal se apodera da

pessoa levando-a à doença e à morte. A tarefa do Xamã é, por meio dos rituais,

erradicar este mal. Para tanto, passa dias se preparando longe de tudo e de todos,

faz prolongada abstinência sexual e de alimentos, utiliza por noites rituais

xamanísticos com utilização de plantas alucinógenas que são chamarizes para que

os espíritos possam deixar o corpo da pessoa em paz e combater a doença; o

objetivo é reintegrar o doente ao universo ao qual ele faz parte.

Frente a tantas evoluções durante a história e para se definir o conceito

saúde universal do que é saúde foi necessário um consenso entre todas as nações.

A liga das nações surgiu após o término da Primeira Guerra Mundial, porém, não

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conseguiu se definir. Foi só na Segunda Guerra Mundial que houve a criação da

Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS).

Este conceito da OMS foi divulgado na carta de princípios, de sete de abril de 1948

(desde então comemorado o Dia Mundial da Saúde), implicando o reconhecimento

do direito à saúde e da obrigação do Estado na promoção e proteção da saúde. A

Organização Mundial da Saúde (1978) define Saúde como “o estado do mais

completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de

enfermidade”.

Dentre todos os relatos da história até os dias atuais está a definição que

descreve um objetivo utópico, impossível de ser alcançado, porém, possui o mérito

de reconhecer, no seu sentido mais amplo, que a saúde não depende somente de

profissionais e casas de saúde, mas depende de toda uma estrutura de natureza

social, envolvendo o tipo e nível de vida de cada pessoa.

Trata-se de um conjunto de equilíbrio orgânico que resulta no bem estar do

organismo, no sentido da manutenção e luta positiva contra forças biológicas, físico-

químicas, mentais e sociais, que tendem a romper este equilíbrio.

Portanto, muitos estudiosos ainda buscam uma definição para saúde. Uma

delas, escrita pelo Ministério da Saúde, em 1986, que diz:

A saúde é resultante de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse de terra e acesso aos serviços de saúde. É assim o resultado das formas de organização social e da produção, as quais podem gerar grandes desigualdades nos níveis de vida, doença, portanto, é uma alteração de um desvio do estado de equilíbrio de um indivíduo com o meio (BRASIL, 1986, p. 35).

Por causa disso, nossa Constituição Federal de 1988, artigo 196, evita discutir o conceito de saúde, mas diz que: ‘A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação’. Este é o princípio que norteia o SUS, Sistema Único de Saúde. E é o princípio que está colaborando para desenvolver a dignidade aos brasileiros, como cidadãos e como seres humanos (SCLIAR, 2007, p. 41).

Concretizo aqui que a doença ocorre quando há perturbação funcional dos

processos fisiológicos em nível celular, ou seja, quando a pessoa fica exposta a

condições ambientais desfavoráveis, a agentes e/ou a fatores genéticos que levam a

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alterações dos processos fisiológicos do corpo, causando manifestações

denominadas de sintomas e/ou sinais de doença.

Para a garantia da saúde faz-se necessário estabelecer integrações entre os

mais diversos setores, como, também, garantir condições econômicas, socioculturais

e políticas incluindo educação em saúde, nutrição adequada, saneamento básico,

cuidados materno-infantis, planejamento familiar, imunizações, prevenção e controle

de doenças endêmicas, provisão de medicamentos, dentre outros agravos a saúde.

Esta definição descreve um objetivo muitas vezes poético e impossível de

ser alcançado, porém, ao longo dos anos, na busca deste conceito, o Brasil procura

reconhecer o seu sentido mais amplo, um enfoque de que a saúde não depende

somente de profissionais, hospitais, casas de saúde para se propagar a saúde, mas,

que o problema é bem mais amplo, de natureza social decorrente do nível de vida

dos indivíduos; é um equilíbrio orgânico da qualidade de vida e resultante de um

ajustamento do organismo do individuo na busca de uma adequada metamorfose e

manutenção deste estado de satisfação e bem estar para um balanço positivo contra

forças biológicas, físico-químicas, mentais e sociais que tendem a romper este

equilíbrio. Portanto, inúmeros conceitos já abordados antigamente se encontram em

desuso e muitos outros tentam se estabelecer na busca desta definição para a

saúde.

É preciso entender bem qual é a ideia de Saúde da Família. Esse conceito

prevê a participação de toda a comunidade em parceria com a ESF na identificação

das causas dos problemas de saúde/doença, na definição de prioridades, na

promoção para educação em saúde e melhoria da qualidade de vida da

comunidade, no acompanhamento, participação e avaliação de todo trabalho

realizado, sendo todas as pessoas tratadas igualmente, sem privilégio, sem

discriminação, valorizando as interpretações culturais.

Um erro é pensar que as ESF são responsáveis apenas pelas visitas

domiciliares e atividades coletivas ou individuais de prevenção às doenças,

enfermidades, patologias em geral, enquanto a assistência curativa continua sob a

responsabilidade de outros profissionais do modelo anterior, tradicional. Essa é uma

grave distorção do ESF, pois, sua função básica é a Integralidade e a Resolutividade

em todos os territórios onde são implantados, sendo responsáveis por toda atenção

básica. Cabe ressaltar que o ESF faz parte de um contexto muito maior, que é o

SUS, no qual os profissionais não têm a pretensão de solucionar todos os problemas

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de saúde, mas, devem estar conscientes de promover o conhecimento e o domínio

para que a comunidade tenha ciência sobre saúde/doença favorecendo a busca pela

qualidade de vida; uma atenção básica de qualidade é parte fundamental desse

objetivo, de acordo com as responsabilidades definidas na Norma Operacional da

Assistência à Saúde (NOAS), estabelecida pela Portaria nº 95, de 26 de janeiro de

2001.

A interpretação de saúde/doença deve servir de referência na prática de

assistência junto às atividades educativas desenvolvidas pelos ACS,

conscientizando e organizando a comunidade no cotidiano da prática assistencial e

educativa, através da interpretação e reconhecimento deste conhecimento,

possibilitando a transformação de um sujeito “sujeitado” para um “sujeito autônomo”,

ocorrendo uma reestruturação da qualidade de vida como um todo.

Concordo com Laplantine (2004) quando discute que a saúde não é a

ausência de doença; a saúde é a força de viver com alguns desses danos. Saúde,

portanto, é acolher amar a vida, assim como ela se apresenta, ou seja, alegre

trabalhosa, saudável, doentia, limitada e aberta ao que virá além da morte.

Portanto, no momento da doença o corpo necessita de cuidados e esse

cuidado deve ser vital para sua sobrevivência; o melhor, então, é garantir que a

doença não se aproxime, oferecendo a educação e a prevenção das doenças.

Quando o doente hipertenso ou diabético, por exemplo, procura a unidade

de saúde deve receber − além de atenção, respeito e orientações quanto a sua

doença e quanto às mudanças de hábito de vida para mais conforto e controle dos

sintomas − a orientação dietética adequada, fornecida por um profissional

capacitado, assim como exames complementares para estadiamento da doença e

do planejamento e percurso terapêutico mais adequado àquela pessoa, valorizando

sua individualidade e reconhecendo as características farmacológicas dos

medicamentes a serem usados. Atitude esta que não inviabiliza a possibilidade do

diálogo com as outras formas de saber que validam o existir das pessoas, como o

uso de plantas medicinais, as benzeduras, as simpatias e outras tantas crenças que

nos construíram; crenças aqui entendidas em seu sentido etimológico como um tipo

de saber arcaico que sobrevive do passado e do presente dentro da comunidade.

A atitude de acolhimento do ACS e da equipe de saúde, na procura pela

unidade, deve ser acolhedora, responsável, competente e amorosa incluindo neste

encontro o respeito pela sua cultura, significados, mitos e sinais; deve se incluir

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nesse encontro os meios adequados de orientação, além do diagnóstico correto da

etiologia da doença, bem como a terapêutica adequada, independente da classe

social e das misticidades que a comunidade carrega consigo.

3.2. A Construção do Tao da Saúde e da Educação Sociocomunitaria: o Trabalho em Grupo

Reafirma-se, neste tópico, o caráter coletivo do trabalho desenvolvido no

PSF, pois, através dos grupos firmam-se as relações interpessoais e a capacidade

de enfrentamento da realidade. Isso não se dá ao acaso, mas necessita ser

construído com e pelos ACS.

O ser humano é um ser social e faz parte do seu cotidiano viver uma vida

social ativa, com dependência e decisão e com o envolvimento de outras pessoas. A

sociedade, desde os nossos primórdios, se organiza de formas distintas pelas suas

diferenças. Desta maneira, se articula para sobreviver e ajustar as diferenças, as

qualidades e as características de personalidades, gênero, estereótipos, agrupando

relações interpessoais, formando grupos distintos, “tribos” com membros com papéis

estruturados e definidos.

Conforme Lewin (1975) os grupos se dividem em tipos, sendo possível

classificá-los em:

Grupos Primários: São relativamente pequenos, pessoalmente

significativos e altamente unidos. Os membros são bastante envolvidos com o

grupo, sentem-se parte de algo maior que si próprio. Como os membros interagem

frequentemente, com relação face-face, conhecem-se muito bem.

Grupos Sociais: São pequenos, duração, interação e permeabilidade

moderadas, frequentemente focados em determinadas situações.

Grupos Coletivos: São agregados por indivíduos, que se formam de

maneira espontânea, mantendo-se por breves períodos de tempo e com bastante

permeabilidade de suas fronteiras.

Categorias: São agregados por indivíduos similares uns aos outros de

varias maneiras, tais como gênero, etnia, religião.

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Frente a tal definição é possível observar na pesquisa inúmeros momentos

de variabilidade de grupos dentro da ESF, diante das situações encontradas, estilo

de liderança, enculturação, emoção, submissão, afinações sociais, personalidade,

dificuldades de relacionamento, entre outros fatores relacionados ao envolvimento

do grupo.

Turner e Tajfel conceituam o grupo como sendo:

Uma coleção de indivíduos que percebem a si mesmos como membros de uma mesma categoria, compartilham algum envolvimento emocional, esta definição comum de si mesmos, e alcançam algum grau de consenso social sobre a avaliação de seu grupo e de sua associação com ele. (TURNER; TAJFEL, 1985, p.15).

Baseados nesse conceito de grupo, Turner e Tajfel definem o

comportamento grupal como:

‘Qualquer comportamento apresentado por um ou mais atores em relação ao outro ou aos outros, baseado no reconhecimento dos próprios atores e dos outros como pertencentes a diferentes categorias sociais’. Nessa perspectiva, as categorizações sociais são ferramentas cognitivas, que classificam e ordenam o ambiente social, permitindo ao indivíduo diferentes formas de ação social. As categorias sociais, além de sistematizar o mundo social, também ‘fornecem um sistema de orientação e auto-referência definindo o lugar do indivíduo na sociedade’. (TURNER; TAJFEL, 1985, p.16).

Da mesma maneira os ACS se organizam de forma a estruturar relações

interpessoais, articulando características emocionais comuns, deixando uma marca

na sociedade, por meio de suas ações, processos e reações.

Concordo com Lewin (1975) quando descreve que a dinâmica em grupo é

um conjunto de fenômenos, que se dá na formação dos grupos e pode se ampliar,

direcionando as ações desses grupos como um todo, diferenciando-se daquelas

individuais. Dentro deste contexto os ACS se organizam em dinâmicas de grupos,

pois, apresentam laços comuns que os ligam entre si, com trabalhos voltados para a

promoção, a prevenção e a recuperação da saúde.

Os grupos formados pelos ACS formam-se na interdependência, pois o

trabalho se organiza de maneira que um depende do outro para o desenvolvimento

das ações, num compartilhamento de pensamentos, sentimentos e experiências

recíprocas. Um influencia o outro e, neste caso, o enfermeiro apresenta-se como o

maior influenciador dos serviços oferecidos, favorecendo − ou não − a mudança e o

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replanejamento das atitudes e orientação dos ACS para a promoção da orientação

na comunidade. É um trabalho árduo e contínuo e deve ser bem discutido e

evidenciado, conforme o nível cultural de suas representações sociais e

interpretações de sinais, favorecendo-se assim uma troca de influências e

conhecimentos. Dessa forma, o grupo da unidade de saúde, junto com os ACS e a

comunidade, pode emergir num compartilhamento de saberes e práticas de

educação em saúde.

A pesquisadora evidencia aqui o trabalho de grupo mensal, denominado de

“Colméia 14”, realizado dentro da ESF Jardim Brasil, em que se trabalha com a

definição de “colmeia”, como a organização das abelhas num trabalho em conjunto e

incansável para a fabricação do “mel”; que representa, aqui, a luta em busca da

qualidade de vida da comunidade. Este trabalho em grupo tem como objetivo

desenvolver as ações em equipe, proporcionando a criação de esforços coletivos

para resolver/discutir um problema, ou um determinado trabalho conjunto, o que

possibilita a troca de conhecimentos, a agilidade no cumprimento de metas e os

objetivos compartilhados. E, igualmente importante, a discussão das várias

interpretações ou significações que podem ser feitas a respeito dos fenômenos,

casos e fatos vivenciados.

Dentro da ESF, o trabalho em equipe é muito importante, pois cada um

precisa da ajuda do outro, trabalhando igualmente, con/discordando uns com os

outros, mas sem perder o foco nos objetivos comuns. Esta atividade deve ser

entendida como resultado de um esforço conjunto, com vitórias e fracassos, de

responsabilidade de todos os membros. Nesta colmeia, cada membro sabe o que os

outros estão fazendo e reconhecem sua importância para o sucesso da tarefa, uma

vez que os objetivos são comuns e as metas coletivas são desenvolvidas para irem

além daquilo que foi predeterminado, facilitando a efetividade no trabalho e a

satisfação do grupo.

São trabalhadas as dificuldades levantadas, os conflitos de ideias diferentes,

o respeito das diversas opiniões, compreensão e interpretação das diferenças, a

sinceridade e objetivação durante o diálogo, preservação da harmonia do grupo,

entendimento de qual a sua função no grupo e sua importância nessa, o respeito

aos conflitos de personalidade, à liderança positiva, ao compromisso, à força e

vontade de mudar.

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A cada encontro é construída uma parte da colmeia simbólica, que vai

crescendo a cada dia; nesta construção são expostos os problemas, as soluções, as

conquistas para o reconhecimento do grupo, aprendendo a ouvir, lidando com as

diferenças, criando vínculos afetivos, adquirindo confiança mútua na equipe e,

assim, como numa colmeia, o trabalho é árduo e contínuo, construído passo a

passo, numa transformação e mudança coletiva de comportamento, atitudes,

compreensão, comprometimento, para a resolução das prementes questões da

comunidade e dos sujeitos dessa, na qual a UBS está imersa.

Faço minhas as afirmações do psicólogo alemão Lewin (1975), de que as

variações individuais do comportamento humano com relação à norma são

condicionadas pela tensão entre as percepções que o indivíduo tem de si mesmo e

pelo ambiente psicológico em que se insere, o seu espaço vital, que também é

aquele do grupo no qual está inserido.

Os ACS, uma vez não entendendo esta demanda pelo trabalho grupal,

muitas vezes, se frustram, se desmotivam e não conseguem realizar uma ação

mútua em equipe; com isso, não ocorre a troca de informações, nem o feedback

desse compartilhamento e nem tampouco a mudança de perfil da comunidade.

Portanto, para transformar essa equipe de ACS num grupo holístico e

unificado é preciso constituir-se, de fato, um grupo: as forças pessoais devem estar

diretamente ligadas, formando uma “entidade”, em que cada qual se sinta

interdependente do outro, na busca do mesmo objetivo comum.

Para Turner e Tajfel (1985) um conjunto de pessoas só é um grupo quando

agregados em torno de um mesmo objetivo, compartilhando esse sentimento de

interdependência, ou seja, quando se sentem parte deste grupo, gerando o bem

estar para os membros e atratividade para adquirir novos membros; mostrando

segurança frente às suas crenças e a si próprio.

A estrutura dos ACS é a de um grupo social pequeno, de formação

“artificial”, por ser resultante de um processo seletivo, de interação moderada, pois

ocorrem discordâncias frequentemente, forçando determinadas situações não

aceitas por alguns do grupo. Enquadra-se também na categoria de grupos formados

por indivíduos similares, pelo fato de pertencerem a uma mesma comunidade,

embora haja diferenças de gênero, étnicas que condividem a cultura dessa

comunidade, os princípios religiosos semelhantes (cristãos, em sua maioria) e o

interesse por “cuidar” do próximo, dentre outros.

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Observamos até aqui, portanto, que o papel do grupo é de fazer a sinergia

dos trabalhos e não de competir uns com os outros, porém, em alguns momentos,

ao longo da investigação, foram evidenciadas reações emergentes de

competitividade.

Alguns exemplos são: a busca pela melhor área de trabalho devido à falta de

segurança existente no bairro, nas áreas de conflito desse e dificuldades de

relacionamento com algumas famílias; o número de famílias cadastradas a mais que

o preconizado gerando sobrecarga de trabalho; a facilidade de comunicação e

participação durante as reuniões de equipe; o número de visitas realizadas, enfim,

inúmeras atividades e situações que geram entre a equipe conflitos e discórdias,

facilitando a rivalidade e as justificativas pelo não cumprimento do previsto, durante

a entrega da produção e da qualidade do trabalho realizado em grupo.

Destaco aqui um exemplo rotineiro, que acontece durante o fechamento do

SIAB (Sistema de Informação da Atenção Básica). Neste caso, se um dos ACS não

consegue cumprir a meta de visita mensal, o mesmo é “julgado” e excluído do grupo,

pelos demais ACS. Fica sendo visto de modo marginalizado, discriminado pelos

demais, que conseguiram a produtividade adequada e garantiram o mesmo valor

salarial. Portanto, é vista como um não merecedor de participação no grupo. Por

este e outros motivos citados surgiu o trabalho da Colmeia, como meio de

integração de capacitação e compreensão dos problemas individuais, sociais,

culturais, socioeconômicos dos próprios ACS, considerando-se que grupos

operativos não se formam sozinhos, mas, necessitam ser fomentados.

Quando o ACS se insere na equipe ele passa por processos dinâmicos de

modificações em seu modo de ver o mundo, por influência dos integrantes da equipe

de saúde. Passa por treinamentos específicos e cria, frente à comunidade, uma

sensação de nova identidade, pois até então era parte comum da comunidade, e

agora passa a ser um “técnico”. Todo esse trabalho de adaptação é realizado por

meio de capacitações frequentes, nas quais o ACS adquire um conhecimento

diferenciado dos demais sujeitos da comunidade. Cabe ao enfermeiro capacitador e

ao médico trabalharem esta arena de novos conhecimentos e interesses, evitando a

perda da sua agregação (identidade) com a comunidade, com sua realidade,

prevenindo, na medida do possível, conflitos interpessoais entre os ACS e os

membros da comunidade, bem como, as situações de competição ou de negação

dos valores dessa.

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É notório, também, que com o passar do tempo o ACS começa a adquirir

conhecimentos e experiências no campo da saúde por ele mesmo, pois, ele se

modifica por si próprio, adquirindo outras características e perdendo suas raízes

culturais individuais. Essa mudança fica a cargo da própria pessoa, em seu contato

com outros profissionais. O grupo de ACS tem que compartilhar, frequentemente,

dos mesmos ideais e da troca de informação com a equipe médica, estabelecendo

relações pessoais mais próximas, em direção a uma intimidade, para a qual é

fundamental que não se sintam rejeitados, mas, contrariamente, que se sintam

fazendo parte de um grupo de amizades, de camaradagem, de reciprocidade e

ajuda mútua. Sem esquecer que cada um é parte integrante de dois grupos distintos:

aquele dos profissionais da saúde e aquele de membro de uma comunidade, na

maior parte das vezes socioeconomicamente desfavorecida e marginalizada.

3.3. O Cuidado dos ACS dentro da Comunidade: Interpretando as Necessidades Educacionais do Cuidar para Garantia da Qualidade de Vida

A educação em saúde também pode ser compreendida como um processo

de humanização da assistência médico-sanitarista, pois, por esse processo se

reconhece “as pessoas” por trás dos pacientes, que buscam nos serviços de saúde

a resolução de seus problemas, tantas vezes não somente vinculados à doença em

si, mas de várias ordens.

Vejo que essa humanização pede sujeitos participativos, assim a equipe, em

especial o ACS, deve acompanhar diariamente a comunidade, observando cada

pessoa e cada família em sua singularidade, em suas necessidades específicas,

com sua história particular, com seus valores, crenças e desejos. (SOUZA, 1999).

Através do convívio do ACS com a comunidade e os profissionais de saúde,

esta ligação dupla favorece a implantação de programas educacionais e tem um

significado muito importante para uma abertura a outros profissionais que possam

participar desse processo de formação como: assistente social, nutricionista,

fisioterapeuta, pedagogo, educador físico e demais categorias que podem ser

incorporadas às equipes, além de contribuir para a promoção da qualidade de vida

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para a comunidade; constitui-se em um espaço privilegiado de absorção de troca de

informação, conhecimento, promoção de saúde e educação continuada.

De acordo com a teoria de Watson (2001), a cura da doença é de domínio

da área médica, porém, um sistema humanístico de valores sustenta a construção

da Ciência do Cuidado. Dentro desse enfoque, trabalhar com o aprofundamento

teórico dos paradigmas que envolvem o cuidar, faz com que tecnologias mais

subjetivas e mais completas, sejam acrescidas à rotina terapêutica e curativa exigida

para qualquer profissional de saúde em contato com o indivíduo, família ou

comunidade (SILVA, 1998).

De forma evidente observamos que a proposta do ESF visa trabalhar o

cuidado com a família e a comunidade numa perspectiva cultural, transferindo

informações e ações do cuidado humano de maneira mais humanista. Esses

cuidados são de extrema importância e necessidade para a natureza humana; eles

ocorrem naturalmente no cotidiano das pessoas, durante o ambiente familiar e

durante o trabalho do ACS, que realiza no dia a dia um trabalho especifico de saúde

e ensino continuado.

O ato de cuidar compreende uma dinâmica de atividade mútua entre o

cuidador e a pessoa a ser cuidada; é a essência da vida humana. Considero que o

cuidado é um suporte primordial na vida do indivíduo e a sua sobrevivência, pois

necessitamos do cuidado desde que nascemos, somos totalmente dependentes; o

ser humano ao nascer não sobrevive sem os cuidados adequados prestados pela

mãe, e que prossegue do seu nascimento, crescimento, manutenção da vida até sua

morte.

Durante este trabalho desenvolvido vejo uma relação de afeto no ato de

cuidar; observo inúmeras características visíveis frente à compreensão e à troca de

experiências do ACS e a Comunidade, pois este relacionamento varia muito,

dependendo da compreensão e interpretação do ACS e da conduta a ser tomada,

pois é avaliada a história de vida de cada um, as experiências prévias das pessoas

envolvidas no cuidado, a situação do momento, o nível sociocultural, o contexto do

dia a dia, o âmbito cultural, religioso e social dos envolvidos.

De acordo com Watson (2001), a ciência do cuidado tem seu foco na

promoção da saúde e não diretamente na cura da doença. De acordo com Boff

(1999), o cuidado é algo essencial, não podendo ser suprimido e nem descartado.

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A Teoria Humanística de Watson assegura que a ciência do cuidado está

construída sobre fatores relacionados à formação de um sistema de valores

humanos e altruístas, à estimulação da fé e da esperança no processo curativo, o

cultivo da sensibilidade para si mesmo e para os outros, que acompanha o

desenvolvimento de ajuda-confiança entre o cuidador e o ser cuidado, a promoção

dos processos de aceitação dos sentimentos (positivos e negativos) relacionados

aos processos vitais, o uso sistemático do método científico de solução de

problemas para que sejam tomadas as decisões cabíveis, a provisão de um

ambiente mental, físico, sociocultural e espiritual, sustentador, protetor, baseados

em forças existenciais e fenomenológicas (WATSON, 2001).

Esta relação e conduta do cuidado do ACS e da comunidade garante um

relacionamento de proximidade, confiança e aceitação, além de envolver

crescimento, esperança e amor, favorecendo a recuperação daqueles que recebem

cuidado num tratamento terapêutico ou restaurador, tanto para os ACS (cuidadores)

como para a comunidade (os seres cuidados). Uma relação de ajuda, no

envolvimento de ambos, que se efetiva através das visitas domiciliares e do contato

diário.

A relação do cuidado do ACS pode variar de maneira superficial até aquela mais profunda onde se estabelece vínculos numa ligação de intimidade e de reciprocidade, numa intimidade que pode levar a pensar muitas vezes pelo conhecimento do ACS que de fato o cuidador conhece a pessoa que recebe o cuidado. (BRASIL, 2001, p 76).

A partir desta relação de confiança é que o ACS consegue garantir a

qualidade do cuidado e do envolvimento, pois, ambos fazem parte do processo de

cuidar e este relacionamento deve ter uma aceitação mútua, tanto do cuidador como

do ser a ser cuidado; através deste vínculo ocorrerá a receptividade durante as

visitas, um melhor entendimento dos sentimentos, a criação de vínculos e, acima de

tudo, da confiança. Ambos garantem a mudança da qualidade e do estilo de vida,

quebrando mitos, regras, preconceitos, medos.

O processo de cuidar envolve não apenas a cura das doenças já instaladas,

mas a transformação, prevenção, atenção integral e todo cuidado holístico, que

segundo Watson (2001) “não engloba apenas a esfera física, mas estendem-se

também as mais altas manifestações do espírito humano”, pois o cuidar é uma

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expressão da nossa humanidade, sendo essencial para o nosso desenvolvimento e

realização como seres humanos. (SOUZA, 1999). Isto nos traz de volta à

compreensão semiótica da vida:

Como se pode ver, os níveis do interpretante incorporam não só elementos lógicos, racionais, como também emotivos, sensórios, ativos e reativos como parte do processo interpretativo. Este se constitui em um compósito de habilidades mentais e sensórias que se integram em um todo coeso. São essas habilidades que precisamos desenvolver (SANTAELLA, 2002, p. 23).

Durante a elaboração da pesquisa junto aos ACS foi evidenciado que este

cuidado envolve muita criatividade e inteligência; por vezes os ACS necessitam

aprimorar, inventar e improvisar meios de prestar este cuidado pelas más condições

de vida da comunidade, ou pela falta de materiais e equipamentos disponíveis nas

unidades de saúde. Trata-se de um grande desafio para adequar o cuidado e prezar

pela qualidade de vida da comunidade, pois sem cuidados adequados a vida perde

o sentido, não há desenvolvimento e garantia de qualidade surgindo assim às

doenças e as dificuldades de manutenção fisiológica e cura, além do impacto que

isso tem na própria perspectiva de vida dos sujeitos. Por meio dos cuidados

garantimos a vida, “recuamos” a morte, não só preservando a saúde, mas abrindo

horizontes de possibilidades para a vida.

3.4. Visão da Saúde/Doença: a Diferença entre Adoecer e o Doentizar da Comunidade na Educação Sociocomunitaria

Durante o tempo que permaneci junto à comunidade, nos trabalhos em

grupo, concretizo que para se promover e realizar ações em saúde se deve,

portanto, acolher e religar os diversos saberes que contribuem à vida humana

respeitando sua diferença sem, contudo, desprezar o que consideramos de cientifico

na profissão.

Precisamos, antes de criticar um modelo de vida oferecer outro que atenda

as necessidades de saúde integral do ser humano. Chamo a atenção aqui pela

forma de doentização do sentimento da comunidade, pois muitos se apresentam

invadidos por sentimentos indefinidos, manipulados pela vida excludente atual da

periferia, problemas sociocomunitarios do mercado globalizado excludente.

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Observei homens e mulheres perdidos de sua identidade de sujeitos

históricos, perambulando por consultórios médicos de várias unidades de saúde em

busca da autoajuda, dependentes de psicotrópicos; inúmeros indivíduos se

alimentando do seu problema atual, ou seja, a doença do sentimento, a falta de

compreensão, sem diálogo honesto sobre suas desordens, apresentando

incontáveis problemas sociais, orgânicos, culturais ambientais, sentimentais que

contribuem para o seu mal estar.

Observo uma procura de tratamento rápido, de forma imediatista, tratando

apenas o físico, na procura de um medicamento e de terapias milagrosas que,

muitas vezes, iludem ou atrasam o encontro inevitável com a verdade real de cada

um. Ao mesmo tempo em que os sentimentos são doentizados, perde-se um tempo

precioso para o diagnóstico precoce das patologias orgânicas embasados no

raciocínio medico-cientifico, promovendo o tratamento da cura das doenças, se

esquecendo do tratamento da alma, de tratar a depressão, o cansaço físico, o

estresse, a ansiedade frente às mudanças do dia a dia, as dificuldades financeiras, a

falta do autoconhecimento, as dores e o medo da vida em cada momento.

Presencio inúmeros olhares perdidos da sua realidade sem identidades e na

procura de novas paisagens; muitos adoecidos em caminhos enganosos,

adormecidos de lutar, acomodados com a falta de esperança, de oportunidade,

sobrevivendo após se reinventar como ser humano, numa relação mútua de

compaixão por si mesmo.

Percebo que muitos têm a necessidade de calar este sentimento

aprisionando-o na doença, tratando-o de modelo terapêutico e químico, só fazendo

retardar o encontro consigo mesmo. Não afirmo que, contudo, não existam doenças

físicas, mas que devam ser avaliadas como um todo no ser humano em seu intimo;

doenças que devem ser acompanhadas e tratadas adequadamente, tanto no arsenal

psíquico, no resgate cultural como físico.

Gostaria aqui de introduzir a reflexão sobre como a educação se caracteriza como uma proposta de possibilidade de cuidado do humano em sua inteireza, quando falo em inteiro me refiro a tudo completando a expectativas de saber cuidar a educação media a saúde e medicina como um farol a nortear os caminhos a serem percorridos. ‘A leitura do mundo antecede a leitura da palavra’ (FREIRE, 2003, p.81).

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Neste panorama vemos profissionais incapacitados para educar e lidar com

o encontro humano vivendo junto à comunidade numa relação efêmera, sem vínculo

afetivo, amoroso, dominando e empobrecendo a cada dia a relação de amizade e

reconhecimento do ser humano.

Exilados da própria saúde, os membros da comunidade tornam-se

prisioneiros da doença, cárcere dessa relação, diminuindo a perspectiva e qualidade

de vida e pagando com lágrimas de sangue; assim, o homem se torna escravo da

doença e, em contrapartida, a sociedade não consegue enxergar esta perspectiva

de olhar o ser humano como um todo − mente e corpo – e, pela voracidade do lucro

fácil que faz com que a doença se apresente como uma fonte inesgotável de giro de

capital se torna necessário alimentar esta máscara.

Outra situação que vem contribuindo com toda esta situação é a prática da

automedicalização na busca da solução para os problemas, por meio da

ilusoriamente defendida por muitos como natural e isenta de riscos, mas que

sucumbe aos limites éticos.

A superação e não a ruptura se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, pelo contrário, continuando a ser curiosidade, se criticiza. Ao criticizar-se, tornando-se então, permito-me repetir curiosidade epistemiológica, metodicamente rigorizando-se na sua aproximação do objeto conota seus achados de maior exatidão (FREIRE, 2003, p. 31).

A saúde não pode ser mercadoria, que se troca em balcões, nem tampouco

a educação; atender as solicitações para o consumo de medicamentos na procura

da solução dos problemas não é uma estratégia de promoção de saúde é mais uma

forma de reduzir o sujeito a um mero consumidor que, no momento de sua dor, não

mede as consequências dos recursos que utiliza para a cura do mal que o aflige,

ainda que este não esteja no corpo, mas sim nas suas relações pessoais e sociais,

bem como nos símbolos que elegemos para manter nossa integridade enquanto

seres racionais. Dessa forma, cresce o consumo de antidepressivos, anorexígenos,

medicamentos para dormir, como resposta à procura do próprio eu, na busca da

cura da depressão, da ansiedade, da angústia, do sentimento de insegurança, das

inter-relações sociais desequilibradas.

Como proposta de educação, neste contexto, concordo com a pedagogia

freireana que valoriza o conhecimento como produção cultural e afirma que só tem

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sentido se possibilita aos seres humanos viverem com dignidade se estiverem a

serviço da vida, contra qualquer tipo de opressão; conhecimento esse que acontece

na dimensão do encontro humano, que supõe escolhas, preferências, opções,

rupturas e conflitos.

Para tal pesquisa foram realizados a formação e o trabalho em grupo junto à

comunidade, como terapias, discussões, palestras, diálogos e troca de informações.

Nesse sentido, o papel do ACS foi de muito valia, pois, foram os mesmos que

formaram os grupos, conforme avaliação e necessidade do momento; foi o método

que encontramos para a valorização da semiótica observando os ACS neste

trabalho participativo de observações, interpretações das necessidades e da

valorização das representações sociais, bem como, igualmente, a valorização da

educação sociocomunitaria, contribuindo para a transformação das pessoas do

grupo em membros bem adaptados dentro da comunidade, satisfazendo suas

necessidades, reintegrando-as socialmente, valorizando a autoestima, promovendo

a educação, a prevenção da saúde e a qualidade de vida.

Semiose e comunicação não só se distinguem pela presença ou ausência do comunicador, mas também pela intenção de comunicar. A comunicação humana é o sistema que estabelece correlação entre os signos e significados. Os significados de um signo se baseiam num dialogo ‘é um fenômeno de cultura descrito pelo sistema de relação que a comunicação define como aceito por determinada grupo em determinada época’. (SANTAELLA, 2002, p. 151).

A satisfação maior foi da pesquisadora que pode contribuir com esta incrível

descoberta do potencial dos ACS e dos seres humanos na sua capacidade de

superação; os encontros foram satisfazendo suas necessidades de diálogos com o

grupo de terapia, através do CUCA LEGAL (em Anexo), que no seu início era

realizado de 15 em 15 dias e que, após solicitação dos participantes, passaram a ser

realizados semanalmente, permitindo a palavra e os acontecimentos como parte da

experiência de vida de cada um transformando a vida oprimida em oportunidade

criticas de transformações.

Isto fazendo a comunidade interagir e tratar mentalmente seus estímulos de

superação das dificuldades, proporcionando um novo significado frente à

doentização, buscando um sentido na vida equivalendo que a doença só traz

doença e os profissionais podendo interpretar e descobrir a verdadeira semiose.

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Além do CUCA LEGAL foram trabalhados e implantados outros grupos

(descritos no Quadro 1), conforme a necessidade da sociedade, promovendo, por

meio dos grupos, ações em saúde religando os diversos saberes que contribuem

para a vida humana, respeitando suas diferenças, cultura, mitos, insegurança,

medos, sem desprezar o exercício profissional, entendendo as dificuldades

crescentes da desigualdade social, as políticas públicas, de educação junto com a

ética e a competência.

Concordo com Paulo Freire (2003, p. 66) quando redimensiona as relações,

pois, somente os seres humanos podem refletir sobre sua própria limitação e são

capazes de se libertar desde, porém, que sua reflexão não se perca numa

vaguidade descomprometida, mas se dê no exercício da ação transformadora da

realidade condicionante.

“O futuro não nos faz. Nós é que refazemos na luta para fazê-lo” (FREIRE,

2003, p. 56).

No capítulo que segue essas discussões continuam a ser tratadas na

exposição e análise dos dados coletados durante a investigação, uma vez que são

abordadas as práticas cuidadoras na educação e na saúde e as situações limitantes

que no nosso cotidiano dificultam − quando não impedem − a realização do que

consideramos a prática do cuidar, do que propomos discutir para a melhoria da

assistência à saúde, do que acreditamos na formação do ACS que passa a ser um

fator importante e decisivo para a mudança do paradigma meramente clinico

assistencialista e biomédico para um modelo que amplie com autonomia e

responsabilidade a discussão sobre o adoecer, suas causas, condições, significados

e ações culturais e públicas propostas.

Propomos que a educação sociocomunitaria, através dos grupos, investigue

a articulação entre a comunidade, envolvendo seu caráter emancipatório,

instrumentalizando e se expressando por meio das intervenções educativas para a

consecução de transformações sociais.

Como já mencionado nos capítulos anteriores entendemos que a medicina é

somente um dos pilares da saúde, assim, para cuidar da educação e promoção em

saúde torna-se necessário ir além do conhecimento do modelo biomédico, focado

nas queixas clínicas do indivíduo, orientando os diagnósticos e tratamento sem

analisar o contexto em que as mesmas acontecem, assim como seus fatores

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associados ao trabalho, ambiente, educação, determinantes da doença como vemos

nos relatos de Laplatine (2004).

Laplatine (2004), apontando para a cultura como responsável pelo modelo

de apresentação da doença, nos permite analisar, neste tempo de descartáveis

relações virtuais, quais os símbolos e significados que a vida humana precisa

reconstruir para ter sentido sua existência histórica.

Esse inacabado consciente de si mesmo é o que nos vai permitir perceber o não-eu. O mundo é o primeiro não-eu. Você por exemplo, é um não-eu de mim. É a presença do mundo natural como não-eu que vai atuar como um estímulo para desenvolver o eu. E nesse sentido, é a consciência do mundo que cria minha consciência. Conheço a diferente de mim e nesse ato me reconheço (FREIRE, 2008, p. 28).

Valorizo aqui a educação para a libertação, em oposição à domestificação; é

a que possibilita formar indivíduos autônomos, em contraposição a analfabetos

políticos; por analfabetos políticos entendemos a condição apontada por Freire:

Se do ponto de vista linguístico, o analfabeto é aquele ou aquela que não sabem ler e escrever, o ‘analfabeto politico’ não importa se sabe ler e escrever, ou não, é aquele e aquela que tem por percepção ingênua dos seres humanos em suas relações com o mundo, uma percepção ingênua da realidade social, para ele ou ela, é um fato dado algo que é e não que esta sendo (FREIRE, 2001, p. 105-106).

Dessa forma, pensamos que os saberes necessários para a formação dos

agentes comunitários de saúde devam ser reorganizados, junto aos formadores e a

comunidade, a fim de reintegrar os saberes técnicos do ambiente acadêmico, aos

saberes do cotidiano, abstendo-se de levar o modelo assistencialista dominante, que

se baseia na escuta e satisfação das queixas clínicas do indivíduo que procura as

unidades de saúde, ou durante as visitas domiciliares, desenvolvendo um modelo

baseado na valorização cultural e na representação social.

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CAPÍTULO IV − O TAO E SUA TRAVESSIA ENTRE A SAÚDE E A EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITARIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA

No meio do caminho

No meio do caminho tinha uma pedra,

tinha uma pedra no meio do caminho tinha,

uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida,

de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que, no meio do caminho,

tinha uma pedra tinha uma pedra,

no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra.

Carlos Drummond de Andrade

A vida é um caminho de sombras e luzes.

O importante é que se saiba vitalizar as sombras e aproveitar as luzes.

Henri Bergson

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Neste capitulo refletimos sobre a formação de educadores em saúde, os

ACS, de modo que esses se constituam em medicadores entre o conhecimento

científico sobre as práticas em saúde e as comunidades, dialogando com as ciências

da educação e da saúde, interligando os saberes, na educação sociocomunitaria.

Estes profissionais, com suas linguagens características, partilhantes da

reconstrução e ressignificação do cotidiano das pessoas que se encontram em

situação de vulnerabilidade no contexto sócio-econômico-cultural, são de extrema

importância na implantação de outros modelos possíveis de saúde pública.

Propomos a sua formação como educadores e intérpretes junto às suas

comunidades, a partir do caminho das interpretações, reconstruindo e questionando

métodos até agora utilizados, promovendo um modo de vida saudável.

Conforme Gohn (1999) não obstante o desenvolvimento diferenciado entre a

relação práxis comunitária e práxis social, é preciso reconhecer que os que se

ocupam da práxis comunitária impactam a presente realidade econômica, social,

política e cultural com suas ações teórico-práticas. E fazem isso a partir de

diferentes iniciativas, muitas das quais relacionadas à educação, que se torna uma

das mais destacadas formas de atuação. O espaço educativo ocupado pela práxis

comunitária não é o da educação formal, mas, preponderadamente o da

denominada educação não-formal.

O diálogo é o sentimento do amor tornado ação. As trocas entre o homem e

a natureza são originalmente regidas pelo diálogo. (FREIRE, 2003, p. 47).

A compreensão de um objeto nos conduz a um discurso, porém, sabemos que a educação é um discurso dotado de finalidade prática e, embora possamos disputar se essa prática é uma arte, se é uma ciência, se é uma práxis ou se é todas essas formas de agir e mais algo que nos escapa, o fato é que, reduções lógico-didáticas não podem preceder, nesse caso, a prática, mas sim serem construídas a partir dela. (GOMES, 2008, p. 44).

Em síntese, o que propomos é a necessidade da formação dos ACS por

meio de uma metodologia que contemple o conhecimento e os significados de sua

cultura, valorizando seu conhecimento cientifico social para a mudança necessária

na educação/saúde e promoção para a qualidade de vida.

Gostaria desde já de manifestar minha recusa a certo tipo de crítica científica que insinua faltar rigor no modo como discuto os problemas e na linguagem demasiado afetiva que uso. A paixão com que

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conheço, falo ou escrevo não diminuem o compromisso com que denuncio ou anuncio. Sou uma inteireza e não uma dicotomia. Não tenho uma parte esquemática, meticulosa, racionalista e outra desarticulada, imprecisa, querendo simplesmente bem ao mundo. Conheço meu corpo todo, sentimentos, paixão. Razão também. (FREIRE, 2003, p. 18).

Por razões experimentais e instrumentais entendemos que a visão da

ciência e da educação na saúde afirma que os profissionais se consideram

detentores da razão e do saber, devido ao seu controle lógico e tecnológico dos

processos de “cura” e de compreensão da doença, não valorizando o poder das

relações sociais e da cultura popular.

Encontramos um alento em Paulo Freire, o educador para além de todo o

tempo, uma reflexão precursora, fundante de sua pedagogia, que para ele o

conhecimento é como produção cultural: só tem sentido se possibilita aos seres

humanos viverem com dignidade se estiverem a serviço da vida e sua totalidade,

contra qualquer tipo de opressão, uma pedagogia de cidadania. (FREIRE, 2002).

Enfatizo que para que realmente ocorra a consolidação do PSF como solicita

o Ministério da Saúde, necessitamos de uma adequada educação em saúde,

continuada e incansável, fortalecendo a existência dos profissionais embasados nos

conhecimentos da cultura, da semiose, das representações sociais, da semiologia

de saúde/doença, nas atitudes e habilidades adequadas, preparados e capacitados

para assumir um perfil adequado ao tipo de trabalho proposto, garantindo uma nova

visão de trabalho em saúde pública.

A educação em saúde configurou-se através dos tempos como uma das

principais estratégias para garantir o desenvolvimento de ações de controle e

prevenção de doenças, particularmente junto aos setores marginalizados da

população. Esse tipo de iniciativa surgiu no Brasil, no início do século XX, quando o

país encontrava-se assolado por epidemias e graves problemas sociais, decorrentes

da intensa urbanização. Nesta época, a educação em saúde assumiu uma grande

valorização, através das determinações de normas de condutas sociais e de higiene,

capazes de modificar hábitos e de adaptar os indivíduos às suas condições de vida

garantindo um maior atendimento à saúde, uma vez que a visão desses agravos

aumentavam os índices de mortalidade (LARROSA, 2002).

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Compreendo a educação como atividade social, fundamentada no respeito e na construção coletiva do saber, segundo uma perspectiva crítica e progressista da problemática da saúde e de seus determinantes socioeconômicos, políticos e culturais. (LARROSA, 2002a, p. 76).

A educação sociocomunitária é dotada de intenção de estabelecer a identidade de um grupo dentro da comunidade científica, ou seja, se refere muito mais ao aspecto cultural e político da comunidade científica, em suas disputas por verbas, reputação e poder, do que ao aspecto lógico-metodológico que muitas vezes as divisões se propõem enfatizar. (GOMES, 2008, p. 45).

O que proponho é que a educação sociocomunitária seja vista neste

trabalho como um processo de fazer sentido de mundo a partir de uma práxis

educativa, fundada na busca pela autonomia dos sujeitos, sem se opor às demais

áreas da educação, vista simetricamente sob a perspectiva do sujeito que a praticou

ou dos valores desse sujeito, construindo um modo de ser e fazer educação junto à

comunidade.

É preciso, portanto, compreender que ao se propor o estudo da Educação sociocomunitaria, a proposta não é feita como hipótese de resolução de todos os problemas sociais e educativos, mas como problematização das possibilidades de emancipação de comunidades e pessoas em constituir articulações politicas, expressas em ações educativas, que provoquem transformações sociais intencionadas. (GOMES, 2008, p. 49).

Concordo com o modelo educacional de Paulo Freire (2003), no qual a

educação levanta ferramentas necessárias para o desprendimento e

despertamento, para uma ação e reflexão dos homens sobre o mundo, para

transformá-los.

Atravessar as encruzilhadas dos saberes científicos, históricos e populares e refundar o caminho que liga o conhecimento da academia às comunidade carentes. Caminho esse, reconstruído por meio do estudo sistemático dos candentes problemas humanos, embasado na vasta literatura médica e das ciências humanas, contrapondo da visão reducionista que evoca tão somente a boa vontade, o saber incauto sem lucidez que perpetua as relações de dominação e exploração. (FREIRE, 2003, p.51).

Frente à pesquisa pude perceber que a formação de educadores-intérpretes

junto às suas comunidades, no dia a dia, cria um caminho reflexivo na construção de

relações dialógicas, relações de questionamentos na doença-saúde, tanto para a

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comunidade quanto para o ACS, favorecendo uma melhor qualidade de vida,

colocando a doença não como finalidade das práticas e o ser doente como um mero

espectador da doença, nem reduzindo a doença à situação miserável.

O modelo de educação aqui proposto incentiva e trabalha em grupo e

concentra ferramentas necessárias para o despertamento e reflexão sobre a saúde

e a qualidade de vida, pois, evoca a boa vontade de participar e aprender voltados

apenas para uma troca de conhecimento e educação, sem relações de domínio e

exploração. As práticas educativas dentro dos grupos são consideradas propostas

de melhoria e boa aceitação para a mudança.

A educação se refaz permanentemente na práxis, no estar-sendo, no

mundo, na comunidade dos sujeitos, na reconstrução de seus significados e no

reconhecimento de sua importância no mundo. A conscientização dessas

possibilidades, por parte dos sujeitos envolvidos na proposta aqui apresentada, é um

dos pilares dessa educação e passa a ser uma atitude frente à realidade cultural de

sujeitos que se encontram diariamente nos grupos, mediando suas vidas,

reconhecendo e compartilhando outras informações e saberes, bem como se

reconhecendo como parte integrante de uma comunidade.

“Educar é substantivamente afirmar. Divinizar ou diabolizar a tecnologia ou a

ciência é uma forma altamente negativa e perigosa de pensar errado”. (FREIRE,

2003, p. 33).

Junto à comunidade, a educação se realiza através da linguagem e da troca

dialógica: esta linguagem não apenas veicula o saber sem juízo moral de

superioridade ou inferioridade, mas é a própria tessitura de saberes que reintegram

o humano, homens e mulheres, em sua dimensão cósmica.

Nesta perspectiva os ACS são pontes entre os saberes populares e os

saberes acadêmicos, vinculando a realidade social de cada um, sem abrir mão de

suas características culturais, reunindo saberes comuns. Com suas histórias vividas

na mesma comunidade na qual trabalham, a sua linguagem e seus saberes

peculiares são, por excelência, os mediadores desse encontro de saberes com os

membros da comunidade, possibilitando a ligação e o reconhecimento de um modo

de cuidar que valorize todas as características da comunidade trabalhando a

educação nos seguintes pontos:

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Valorizando a alimentação como fonte de vida.

Valorizando os cuidados de higiene e saúde.

Cuidando do meio ambiente, água, lixo, terra; valorizando o lugar de

pertencimento e não de dominação.

Valorizando o corpo, o seu reencontro com a atividade física, dança,

ginastica, canto, caminhada.

Religando os saberes populares e a cultura através das rodas de viola.

Valorizando os saberes populares frente à cura, com uso de plantas

medicinais, como mais uma forma de tratamento.

Acolhendo as práticas religiosas, rezas, benzeduras, que nos religam

ao sagrado, ao encontro do eu e o tu, junto ao tratamento proposto pela medicina.

Conhecendo criticamente as políticas públicas de saúde e propostas

para as práticas integrativas que se referem aos saberes da comunidade como sua

cultura.

Cuidando e proporcionando a boniteza da vida através dos grupos de

pintura, artesanato, crochê, bordado, valorizando o aprendizado e aumentando a

renda familiar.

Proporcionando bem estar, integração da equipe e comunidade nas

festas comemorativas.

Valorizando a vida através do canto.

Reintegrando o ser humano, sua autoestima e independência na

escola de alfabetização de adultos.

Promovendo uma viagem linda, conhecendo novos mundos,

valorizando a imaginação através da leitura na biblioteca pública.

Dialogando com os grupos terapêuticos “CUCA LEGAL E PENSANDO

JUNTO”, reintegrando a pessoa na comunidade, proporcionando qualidade de vida.

Promovendo grupos relacionados aos programas do Ministério da

Saúde, com diferentes faixas etárias − adolescente, gestante, homem, criança, idoso

− sobre os problemas atuais, dentre eles doenças, promiscuidade, prostituição,

doença mental, drogatização, gravidez na adolescência, alcoolismo, planejamento

familiar, DST/HIV, acidentes domésticos, entre outros.

Conhecendo e decifrando as práticas educacionais e os saberes

populares culturais para a promoção da qualidade de vida; valorizar a semiose.

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Dialogando e trocando informações críticas sobre as doenças, meios

de prevenção junto aos grupos do HIPERDIA, favorecendo o conhecimento a

respeito de sua patologia, do diagnóstico ao tratamento, conhecendo os direitos e

deveres da comunidade na participação e responsabilidade de sua doença e da

promoção da saúde publica.

Articulando e participando dos grupos comunitários e sociais em

benefício da saúde e da qualidade de vida da população nos centros comunitários

do bairro, creches, escolas.

Segundo Larrosa (2002) a educação deve constituir-se em uma prática que

produz e transforma a experiência que as pessoas têm de si mesmas, com a

primazia da visão conservadora voltada a reforçar o controle social. Este modelo de

atenção à saúde está em construção, sendo fundamental para sua concretização a

participação conjunta da clientela e dos profissionais de saúde. A experiência

relatada evidenciou o vínculo que deve ser formado entre as duas unidades citadas,

para o reconhecimento cultural das interpretações, sendo necessário entender o

processo saúde/doença e nele interferir positivamente.

A educação sociocomunitária é uma divisão na Ciência da Educação que, como as demais, envolve seus interesses e riscos. Proposta sua investigação, a partir de evidências históricas de sua ocorrência prática, necessita ser investigada tanto sob a perspectiva histórica como sob a perspectiva crítica de sua prática, notadamente, como enfatizamos, em suas categorias de comunidade e intervenção educativa. (GOMES, 2008, p. 60).

A experiência vivida durante a realização desta pesquisa, além de ter sido

prazerosa, contribuiu para uma nova visão da pesquisadora em reconhecer o quão

importante é o mundo da semiose e das interpretações, a valorização do

conhecimento alheio, a importância das representações sociais e da educação

sociocomunitaria. Revelo aqui a importância do compartilhamento de

saberes/práticas, bem como a construção de novas formas de lidar com a

saúde/doença como objeto de discussão trazido para a roda, ou atividades

educativas. Os ACS foram trabalhados para focar suas ações numa prática

interpretativa, respeitosa e dialógica e, com isso, pude perceber o mesmo

entusiasmo e a mesma mudança ocorrida em mim. Em todo momento participaram

ativamente nas decisões que competiam também a eles, sabendo ter uma

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responsabilidade social em relação a sua profissão, a sua atuação para com a

comunidade na promoção da qualidade de vida.

“A educação sociocomunitaria parte para um tipo de processo educacional

marcado por intervenções educativas que articulam a comunidade para

transformações sociais”. (GOMES, 2008, p. 46).

O ACS, por meio das práticas efetivadas nos vários grupos de sujeitos que

passaram a frequentar a unidade de saúde aqui referida, aprendeu a interpretar o

ser humano de forma ampla, passou a entender as possíveis causas de suas

doenças, não vendo o indivíduo de forma isolada, mas conforme as condições

sociocomunitarias, a precariedade das situações de moradia, emprego, cultura e

política. A população, por sua vez, colaborou e vem colaborando, cobrando,

denunciando possíveis falhas na administração, participando efetivamente com

depoimentos de vida que trazem à tona uma realidade que é vista por todos, porém,

enxergada por poucos. São situações de pobreza, de violência e de injustiça, que

dificultam o viver de muitas famílias.

É muito importante lembrar que, em todo ato de análise semiótica, sempre ocupamos a posição lógica do interpretante dinâmico, pois analisar também significa interpretar. Uma semiose só pode ser estudada a partir do ponto de vista do analista. Esse ponto de vista corresponde, na semiose, ao lugar do interpretante dinâmico. A diferença que vai entre uma interpretação analítica e uma intuitiva, muito embora a primeira não exclua a segunda, está na utilização que a análise faz das ferramentas conceituais que permitem examinar como e por que a sugestão, a referência e a significação são produzidas. Saber que estamos na posição do interpretante dinâmico, ou seja, de uma interpretação singular é um indicador de um certo teor de humildade que deve sempre nos acompanhar, pois interpretações singulares são sempre incompletas e falíveis. Mas, é a consciência mesma da fatalidade que deve nos munir de energia e empenho para que a análise seja tão cuidadosa e escrupulosa quanto possível, o que implica um conhecimento seguro dos conceitos e de sua operacionalização analítica. (SANTAELLA, 2002, p. 39).

As atividades em grupo, que seguem relatadas, demonstraram a ampliação

dos territórios de ação do ACS e do Enfermeiro, na prática de inter-relacionar

saberes (saberes populares e de saúde coletiva), de exercer a profissão enquanto

trabalhadores e aprendizes de trabalhadores em saúde, com o destaque para a

inclusão da população no processo de construção do sistema de saúde vigente,

tomando-a como sujeitos de suas próprias ações.

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Em seu texto “Tecnologias do Eu e Educação”, Larrosa (2002a, p.80)

considera os dispositivos pedagógicos como tecnologias do eu que “constroem e

medeiam a experiência de si, como um conjunto de operações de relações

orientadas à construção de um duplo e como um conjunto de operações de relação

orientadas à captura desse eu duplicado”.

Trata‐se, portanto, de uma série de mecanismos visuais-discursivos, que

estabelecem critérios e finalidades aos ACS em relação ao sujeito, em como ele se

vê, se expressa, narra e julga a si mesmo. Esta prática diária garante uma adequada

interpretação da identidade, personalidade e/ou essência do indivíduo; o ACS, dessa

maneira, garante uma educação mais atrativa, mais aceita e, com estes

mecanismos, igualmente garante ensinar ao Sujeito a ser sujeito, a (re) conhecer em

si mesmo os seus valores e seus cuidados com saúde/doença

Os acontecimentos da atualidade, convertidos em notícias fragmentadas e aceleradamente obsoletas, não nos afetam no fundo de nós mesmos. Vemos o mundo passar diante de nossos olhos e permanecemos exteriores, alheios, impassíveis. (LARROSA, 2002b, p. 136).

Segundo Larrosa (2002a), é interessante comprovarmos que à medida que

as notícias nos chegam rapidamente, na mesma proporção elas se tornam,

“aceleradamente obsoletas”.

Para tal observação e interpretação que o ACS faz do cliente, da

comunidade e das diferentes culturas agregadas e das interpretações da

saúde/doença ele deve relacionar a educação aprendida, pois, requer correlacionar

o conhecimento teórico/prático vivenciado no dia a dia e do mundo.

Assim, Larrosa (2002b, p.136) afirma que “consumimos livros e obras de

arte, mas sempre como espectadores ou para conseguir uma satisfação

intranscendente e instantânea. Sabemos muitas coisas, mas, nós mesmos não

mudamos com o que sabemos”.

Na escuta alguém está disposto a ouvir o que não sabe, o que não quer, o que não precisa. Alguém está disposto a perder o pé e a deixar-se tombar e arrastar por aquilo que procura. Está disposto a transformar-se numa direção desconhecida. (LARROSA, 2002b, p. 138).

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O ACS recebe orientação e é responsável por “repassá-la” para toda a

comunidade cadastrada, seja no domicílio, na comunidade ou na unidade de saúde

da família, relembrando que para que esta educação em saúde realmente aconteça

e mude a qualidade da vida da comunidade, ela tem que ser contínua. O ACS tem

que saber decifrar o indivíduo, valorizar sua cultura e realizar uma atividade

educativa continuada, fazer e refazer o processo de capacitação dos indivíduos e

dos grupos envolvidos a assumirem a solução dos problemas de saúde/doença.

Concordo com Gomes (2008), de que se faz necessária uma consideração

crítica e uma enorme cautela ao se substituir termos que designam coletivos

localizados, tais como grupos ou movimentos pelo termo comunidade, pois este

último é tomado por uma bondade ideológica quase tão imensa quanto os termos

família, no discurso social, ou vida, no discurso ético. A comunidade, como local e

prática do cotidiano é também o local onde se reiteram as tradições, onde se fixam

os preconceitos, onde se praticam, de forma transparente, as exclusões menos

perceptíveis, sob a égide serena dos hábitos e costumes; pode ainda ser o refúgio e

o lugar da resistência a mudanças, da ruptura possível e concreta em relação à

comunidade

A educação sociocomunitaria é, assim, numa primeira visão, o estudo de uma tática pela qual a comunidade intencionalmente busca mudar algo na sociedade por meio de processos educativos. [...] ao buscar essa tática, a comunidade concretiza sua autonomia. Buscar mudar a sociedade significa romper com heteronomia, com ser comunidade perenemente determinada pela sociedade. (GOMES, 2008, p. 54).

Particularmente no ESF, em que o paciente se mantém cadastrado e

vinculado, ocorre diariamente a educação em saúde, garantindo uma relação

educativa acentuada cliente/ACS/Profissionais de Saúde, na qual o cliente se torna

um importante promotor de seu conhecimento, consegue discernir sobre seu estado

de saúde e da relação desta com o seu modo de vida e trabalho.

Na realização da educação em saúde o paciente deverá adquirir

conhecimentos suficientes sobre seus problemas e suas enfermidades para que

modifique suas atitudes e práticas. Este método de trabalho tem a intenção de

ajudar os indivíduos a remover certos hábitos de seu comportamento e auxiliar na

prática educativa em saúde, dando poder aos indivíduos sobre o controle de suas

vidas. Assim, a educação em saúde também ajuda as pessoas a examinarem as

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bases sociais de suas vidas, enquanto situações adversas à saúde em suas

comunidades (CORRÊA et al, 2007).

Concordo com Corrêa et al. (2007) quando ressaltam que propor mudanças

de condições de vida e de valores é importante, pois produz novos comportamentos

nas pessoas e essas características não podem ser consideradas fora de um

contexto sócio histórico individual e coletivo, construído ao longo de anos.

O trabalho de educação em grupo é formado por um conjunto de pessoas

que possuem objetivos em comum e, para atingi-los, reúnem-se em um espaço de

tempo e lugar determinado, para expor conhecimentos, afetivos, aflitivos, dúvidas,

troca de experiências, portanto, estão sempre ali a espera de conhecimento e

respostas às suas expectativas.

Este tipo de educação deve ser permanente elaborada e direcionada a

qualificar a equipe de saúde da família em atividades correspondentes ao nível

primário de atenção à saúde. Mecanismo este que garante o desenvolvimento da

equipe a partir do momento que proporciona qualificação profissional. Nesta são

abordados diversos temas, como o conceito de família, o trabalho em equipe, a

prática da visita domiciliária, a educação em saúde, a importância da educação

permanente, a relação do profissional com a comunidade, o preparo do ACS para

atuar no PSF, atuação em grupo, diversas patologias, prevenções em geral, vacinas,

alimentação, entre outros.

A educação sociocomunitaria oferece a possibilidade de propor uma

educação “que ocorre fora da escola, ou seja, no ‘por ai’ da sociedade, sob forma

institucional ou não”. (GOMES, 2008, p. 48).

A partir da educação comunitária em saúde o ACS compreende e assiste o

indivíduo no ambiente onde vive, possibilitando uma melhor percepção das relações

interpessoais, bem como as condições socioeconômicas e culturais existentes no

núcleo familiar, compreendendo o indivíduo de forma integral e articulada entre si e

com os demais subsistemas sociais, para que o cuidado holístico possa se

estabelecer.

Não há nenhum critério apriorístico que possa infalivelmente decidir como uma dada semiose funciona, pois tudo depende do contexto de sua atualização e do aspecto pelo qual ela é observada e analisada. Enfim, não há receitas prontas para a análise semiótica. A necessidade de uma heurística por parte de quem analisa e, sobretudo, da paciência do conceito e da disponibilidade para

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auscultar os signos e para ouvir o que eles têm para dizer. Quando analisamos semioticamente, estamos sempre na posição de interprete dinâmicos, singular e, por isso mesmo, falível. Isso só aumenta nossa responsabilidade, pois toda semiose tem uma objetividade semiótica que deve ser respeitada. (SANTAELLA, 2002, p. 43).

Por meio das visitas domiciliárias e do conhecimento educacional se

estabelece uma ponte para garantir formas de intervenção, pois, tais visitas

permitem conhecer as condições de vida e saúde da população e, a partir deste

conhecimento da realidade elabora-se a educação em saúde, como uma prática de

muito valor para melhorar os hábitos de vida da população. As informações sobre o

processo saúde/doença são trabalhadas com as famílias como forma de despertar a

consciência para uma vida mais saudável; esta por sua vez é realizada em qualquer

contato da população com o ACS. Tais ações educativas são consideradas um

instrumento de transformação social, que poderá propiciar a reformulação de

hábitos, a aceitação de novos valores e mudanças de comportamento.

Gomes propõe que a educação sociocomunitaria seja:

Um tema ou área pertinente à educação social, na medida em que seu problema ultrapassa tanto a questão do ‘lugar institucional, como da finalidade em relação ao educando’, para situar-se no modo de articulação da comunidade e no alcance do processo educacional consequente a essa articulação em relação às transformações sociais. (GOMES, 2008, p. 49).

Um fator importante a ser trabalhado na educação em saúde são as

condições sociais, a maneira como o indivíduo enfrenta seus problemas e como as

informações são apresentadas e resgatadas pelo ACS. Dessa forma, podemos

relacionar os grupos sociais e seu processo de conhecimento de saúde/doença.

Outro fator que considero primordial é o relacionamento profissional entre o

ACS e a comunidade, neste deve haver um elo, de conquista e confiança, de

entrosamento com a comunidade em geral e em particular com cada indivíduo. Tal

relacionamento acontece pela comunicação: daí a necessidade de saber abordar e

ajustar este diálogo conforme as diferentes pessoas, com seus níveis culturais,

classe social e opções religiosas, sendo necessário, portanto, estabelecer uma

atitude ética, sem preconceitos, mistificações, prejulgamentos estabelecidos,

fornecendo uma comunicação acessível e igualitária a todos os indivíduos

envolvidos neste processo educacional.

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A grande tarefa do sujeito que pensa certo não é transferir, depositar, oferecer, doar ao outro, tomando como paciente de seu pensar, a inteligibilidade das coisas, dos fatos dos conceitos. A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica, a quem comunica, produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo por isso é dialógico e não polêmico. (FREIRE, 2002, p. 21).

Outro fator a ser evidenciado junto à equipe no desenvolvimento da

educação em saúde, e que ficaram evidentes durante as visitas, foram as tentativas

dos clientes em “burlar” a dominação do fazer médico-curativo. Quando percebidas

tais práticas o cliente, geralmente, é rotulado de rebelde, não-cooperativo, difícil de

se lidar, pois a não aceitação das orientações e do tratamento proposto é percebida

como “ignorância”, “falta de vontade”, “produto da miséria social”. No entanto, como

aqui considerado, essas tentativas, na maioria das vezes, ocorrem porque as

relações pessoais, o respeito à cultura, o compartilhamento de poder sobre o corpo,

a vida, não são evidenciadas. O vínculo não está concretizado: ou porque o ACS

não foi convincente a ponto de conseguir garantir uma mudança, ou até mesmo

porque ele não concorda culturalmente com o que está orientando, ou nem ele

adere ao tipo de informação envolvida nas orientações médicas, de qualquer forma

porque as posições dos sujeitos não foram reconhecidas. Foi trabalhado junto aos

ACS o porquê dessa “rebeldia”; discutiu-se sobre: como tentar decifrar a não

aceitação, ainda mais quando continuada, do cuidado?

Relato aqui um dos casos que mais me marcou nesse processo. Foi aquele

de uma senhora de 58 anos, com uma ferida crônica na perna devido a problemas

vasculares, “encostada” − conforme expressão da mesma − pelo Instituto Nacional

do Seguro Social (INSS). Mesmo com toda orientação e com todo cuidado da equipe

médica para com essa senhora, continuadamente, na época da perícia, ela se

descuidava da ferida e todo o tratamento retrocedia... Após investigação mais atenta

do caso, o que só foi possível mediante uma aproximação bastante dialógica no

sentido de serem estabelecidos vínculos de confiança, soube-se que a mesma tinha

inúmeros problemas de ordem de vulnerabilidade social e necessitava daquele

dinheiro do INSS para alimentar a família. Após entender a situação da cliente a

mesma pode confessar que sempre, antes da perícia médica que manteria ou não o

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auxílio-doença, ela passava uma “buchinha “ na ferida para aumentar as bordas,

fazer sangrar, edemaciar e aparentar uma piora local.

A semiose, de acordo com Peirce, é um processo ininterrupto, que regride infinitamente em direção ao objeto dinâmico e progride infinitamente em direção ao interpretante final. Quando realizamos uma análise semiótica, precisamos estabelecer alguns cortes arbritários, sob o ponto de vista externo, mas internamente necessários: como e onde colocar um limite no objeto dinâmico. O que, afinal, queremos revelar com a análise? Que objetivos ela visa atingir? É essa pergunta que deve sempre estar norteando até onde se vai na pesquisa do objeto dinâmico e onde se deve parar o processo interpretativo. O signo é múltiplo, variável e modifica de acordo com o olhar do observador que, na semiose analítica, na sua posição de interprete dinâmico, também é signo em diálogo com o signo que esta sendo interpretado. É por isso que analisar semioticamente significa empreender um diálogo de signos, no qual nós mesmos somos signos que respondem signos. (SANTAELLA, 2002, p. 43).

Devemos, portanto, entender que rejeições ou resistências são ações

propositais que precisam ser muito bem entendidas, a partir daí as ações sociais e

educativas devem ser identificadas e ditadas por inúmeros motivos. Podem vir a

acontecer por motivos como: desinteresse, medo, ansiedade, falta de

convencimento, clareza, dificuldade na compreensão das informações, falta de

cooperação por diversas razões, abordagem ríspida, imposição de fatos sem dar

importância ao potencial da comunidade, não valorizando os moldes educativos

tradicionais e culturais preestabelecidos da comunidade, impondo moldes já prontos

e vinculados ao PSF...

Sugiro que se parta do princípio de trabalhar o próprio conhecimento da

comunidade e, aos poucos, transformar o que há de inadequado na realização da

prática em saúde e na qualidade de vida, mostrando algo novo, evidente, curioso,

diferente, que proporcione uma melhor qualidade de vida a todos. Destaco a

importância dessas afirmações, pois as resistências e incompreensões dos

tratamentos ou práticas preventivas propostas são entraves importantes para atingir-

se essa qualidade de vida.

A busca das interpretações acompanha as ações educativas,

proporcionando conhecimento da realidade, valorizando e desenvolvendo uma

atitude coerente, com responsabilidade frente às mais diversas manifestações do

paciente. De maneira, que possa ser desenvolvida para sanar dúvidas e auxiliar em

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qualquer situação corriqueira do dia a dia, atendendo às suas necessidades que,

muitas vezes, são singulares a determinada situação.

É só na relação com o interpretante que o signo completa sua ação como signo. É apenas nesse ponto que ele age efetivamente como signo. Entretanto, quando o signo é interpretado, esse ato embute os outros dois aspectos do signo: o de seu fundamento e o da sua relação com o objeto. Ao analisarmos os signos, temos de tornar essa relação explicita. É por isso que a análise dos interpretantes deve estar alicerçada na leitura cuidadosa, tanto nos aspectos envolvidos no fundamento do signo como nos aspectos envolvidos nas relações do signo com seu objeto, tais cuidados são importantes para que não fiquemos presos nas armadilhas dos estereótipos. (SANTAELLA, 2002, p.37).

Considero que o papel da educação em saúde deve existir dentro da

comunidade como parte integrante do dia a dia, em todas as atitudes de promoção,

prevenção, recuperação e garantia da qualidade de vida, colocando em prática todo

o referencial teórico, cuidados assistenciais, atividades em saúde. Infelizmente,

essas concepções se apresentam presas nos papéis, nos discursos educacionais e

se perdem frente às práticas baseadas no cuidado à saúde como exercício de poder

e controle. Como profissional, pesquisadora e enfermeira atuante no setor ESF,

valorizo aqui o papel do ACS e a importância do mesmo em ser conscientizado e

capacitado para desenvolver um trabalho de extrema importância, baseado nas

interpretações, reconhecimento das semioses, valorização cultural e das

representações sociais, como já dito, possibilitando a transformação de um “sujeito

sujeitado” para um “sujeito autônomo”.

Portanto, não basta ter uma equipe de ACS apenas reprodutora de práticas

discursivas: esta equipe deve ser trabalhada para a realização de uma mudança real

dentro de si mesma, com formações de ideais e conhecimentos, reforçando a

inclusão da cultura daquela sociedade frente às suas interpretações de mundo, aos

direitos de cidadania, integrando o conceito de saúde ao contexto econômico-

cultural da educação em saúde.

É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática. O próprio discurso teórico, necessário à reflexão critica, tem de ser tal modo concreto que quase se confunde com a prática. (FREIRE, 2002, p. 22).

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A educação em saúde deve ser concebida como propriedade libertadora,

democratizadora em todos os âmbitos da assistência à saúde da comunidade, e ser

vista, portanto, como uma emancipação através do saber. E, desse modo,

alcançando resultados desejados, no sentido da “mudança de hábitos” e reforçando

os lugares sociais e as posições dos sujeitos de saber/poder de saúde/doença.

Com o advento do Programa Saúde da Família (PSF), as atividades

educativas desenvolvidas pelos ACS têm sido reconhecidas como parte do plano

terapêutico, uma vez que se constituem num instrumento de intervenção da ciência

no cotidiano das famílias e da sociedade. A partir dessa fundamentação foi proposto

dentro da comunidade um trabalho educativo de grupos, uma forma organizada de

educação para saúde, envolvendo, profissionais da saúde, ACS e os membros da

comunidade sujeitos desse processo; igualmente importantes para a implantação

realização e manutenção desse processo educativo.

Sabemos que existem esforços e projetos de educação popular em Saúde,

principalmente a partir da década de 1970, que, segundo Corrêa et al. (2007),

infelizmente não se tornaram políticas públicas continuadas e eficazes. Ou seja, não

atingem as comunidades carentes em suas necessidades, concentrando-se em

alguns polos de atuação e, além de não contextualizar as ações de saúde nos

problemas principais da comunidade, não se relacionam territorialmente ou

culturalmente aos mesmos.

Estes esforços e projetos, bem como os já propostos, são experiências

relevantes na discussão e no papel de tentar as soluções dos problemas de saúde

pública e de formação dos ACS. Contudo, não foram suficientes, ou não tiveram em

seu fundamento a proposta de abordar adequadamente uma educação em saúde

que deve ser voltada para um resgate da cultura e da interpretação dos sinais,

aplicando práticas educacionais cuidadoras na saúde voltadas para a situação

limitante e através do cotidiano, elaboradas para a prática da educação do cuidar.

É justamente nesta formação da elaboração da educação em saúde e da

formação dos ACS que discuto aqui a importância desta ser reavaliada pelo

Ministério da Saúde, e não apenas estabelecer um conteúdo programático para

todos os demais centros formadores do Brasil. O que argumento aqui é que devem

ser elaborados modelos e práticas baseados nas experiências da comunidade, nas

dificuldades encontradas em cada comunidade, valorizando sua cultura e modo de

vida, sua territorialização e as diferenças das maneiras de vida de cada comunidade,

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além de valorizar os princípios do SUS − integralidade, universalidade, equidade − e

quebrar de uma vez com paradigmas enraizados em sistema de saúde

assistencialista e curativo, ampliando a autonomia, a responsabilidade, a discussão

sobre o adoecer, suas causas, condições perpetuadoras e ações de educação

pública propostas para a prevenção e mudança da qualidade de vida.

4.1. Educação Sociocomunitaria, Cuidado e Saúde: o Tao Possível

Começo com a seguinte reflexão pedagógica freireana:

“Ninguém liberta ninguém. Ninguém se liberta sozinho. Os homens se

libertam em comunhão”. (FREIRE, 2003, p. 52).

Dessa forma, enfoco aqui que a educação se refaz permanentemente na

práxis, no mundo, ao redor do ser humano; os sujeitos vão se construindo e

reconstruindo reconhecendo seu valor no mundo, se descobrindo na vastidão do

mundo que o cerca.

Quando temos conscientização desse aprendizado se torna mais fácil a

aceitação das diversas formas de aprendizado, por meio da semiótica, na

interpretação dos sinais e representações sociais; a atitude concientizadora frente à

realidade cultural medeia a educação no mundo.

A vocação de saber o mundo para Paulo Freire se realiza através da linguagem, que não apenas veicula o saber, sem juízo moral de superioridade ou inferioridade, mas que é a própria tessitura de saberes que ‘re-integram’ o humano, homens e mulheres, em sua dimensão cósmica. (AZEVEDO, 2009, p.55).

Pois eu digo: Para o Terceiro mundo, assim como para o Primeiro, o saber fundamental continua a ser a capacidade de desvelar a razão de ser no mundo e esse é um saber que não é superior nem inferior aos outros saberes, mas é um saber que elucida, é um saber que desoculta ao lado da formação tecnológica. (FREIRE, 2001a, p.214).

Entre a sustentação pedagógica freireana destacamos os termos “boniteza,

fraternura, autonomia, coletivismo, diálogo, respeito às diferenças, valorização do

saber popular, democracia, ética e construção de um caminho possível para

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alcançar o conhecimento”1. Frente a estes aspectos de postura amorosa e ética as

propostas pedagógicas são primordiais de serem trabalhadas dentro da unidade

ESF junto aos ACS e à comunidade. Tendo sempre em mente que a proposta

freireana é a de libertar a pessoa e a sociedade como uma possibilidade histórica de

cuidado nas relações de educação em saúde.

Parto do ponto de que o diálogo, dos diferentes com suas diferenças, no

encontro tem possibilidade de desmitificar as barreiras do conhecimento e favorecer

a troca de saberes, de modo que os sujeitos envolvidos se relacionam mutuamente

e deixam de estar em posição de sujeição de acordo com sua classe social, sua

cultura, título acadêmico (especialmente quando esse traduz numa “licença” aos

profissionais de saúde de serem os detentores do poder e do conhecimento sobre o

corpo/vida do Outro) e passam a se reconhecer no olhar do outro, “ressignificando”

suas práticas, trabalho este diário dentro do ESF.

Tenho o direito de ter raiva, de manifestá-la, de tê-la como motivação para minha briga tal qual tenho o direito de amar, de expressar meu amor ao mundo, de tê-lo como motivação de minha briga porque, histórico, vivo a Historia como tempo de possibilidade não de determinação. Se a realidade fosse assim porque estivesse dito que assim teria de ser não haveria sequer porque ter raiva. Meu direito à raiva pressupõe que, na experiência histórica da qual participo, o amanhã não é algo pré-dado, mas um desafio, um problema. A minha raiva, minha justa ira, se funda na minha revolta em face de negação do direito de ‘ser-mais’ inscrito na natureza dos seres humanos. Não posso, por isso, cruzar os braços fatalisticamente diante da miséria, esvaziando, desta maneira, minha responsabilidade no discurso cínico e ‘morno’, que fala da impossibilidade de mudar porque a realidade é mesmo assim. (FREIRE, 2000, p. 78-79).

Nesta visão vislumbramos a formação de educadores comunitários em

saúde, sendo que cabe aos ACS realizarem a ponte entre o saber popular e o saber

acadêmico. O saber acadêmico pode ser contextualizado na realidade social de

cada localidade, sem abrir mão de sua característica universal, reunindo saberes

comuns, regionais, relacionados à anatomia, fisiologia, patologia e história natural da

doença. Ao mesmo tempo em que os ACS, com sua história vivida no local, sua

1

Frequentemente Paulo Freire usa termos tais como boniteza e fraternura, que também utilizamos neste trabalho, tanto como reinvenção de palavras como referência a palavras utilizadas nos diversos lugares do Brasil, pois aprendemos nossa língua ouvindo os que a falam. Ana Maria Freire explica esse processo de aprendizagem da língua e seu aproveitamento na escrita no capítulo “A sua compreensão do ato de ler/escrever e o modo como escrevia”, na obra “Paulo Freire uma história de vida”, publicada em 2006. (AZEVEDO, 2009, p.56).

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linguagem e saberes populares peculiares, seriam os mediadores do encontro

desses saberes e destes com outro membros da comunidade, possibilitando a ‘re-

ligação’ e ‘re-conhecimento’ de um modo de cuidar que valorize todas as

características dos homens e mulheres. Neste contexto torna-se possível então

desenvolver o cuidado na saúde.

“Re-insisto em não ser possível anúncio sem denúncia e ambos sem o

ensaio de uma certa posição em face do que esta ou vem sendo o ser humano”.

(FREIRE, 2000, p. 119).

Tomando-nos capazes de inteligir o mundo, de comunicar o inteligido, de observar, de comparar, de decidir, de romper, de escolher, de valorar, nos fizemos seres éticos. Por isso, também, capazes de transgredir a ética. [...] É por isso que uma das nossas brigas fundamentais é de preservação da ética, é a de sua defesa contra a possibilidade de sua transgressão. (FREIRE, 2003, p. 122).

Cada profissional que desenvolve seu trabalho junto à comunidade,

educando, deve ser capacitado para desenvolver e aplicar o seu saber com zelo,

para que sua prática não se torne nefasta, não se achando superior à comunidade.

Para tanto necessitamos aperfeiçoar continuadamente a formação profissional,

considerando sempre que a nossa população brasileira, em sua maioria, mal tem

olhos para o prato de comida vazio, não consegue saber seus direitos em nenhum

campo, ficando a cargo das “esmolas” de serviços públicos oferecidos, que muitas

vezes atuam desrespeitando suas opiniões, cultura, desvalorizando e desagregando

suas representações sociais.

Estratégia de Saúde da Família têm como meta a reorganização da atenção à saúde e propõe uma assistência diferenciada, que vê o indivíduo como um todo e prioriza as ações de promoção da saúde, contribuindo para que passe a existir entre a comunidade e os profissionais de saúde uma nova relação de confiança, de atenção e de respeito. Esta relação fortalece o vínculo e o envolvimento entre profissionais e usuários, favorecendo o ato de cuidar, e a melhoria da qualidade de vida da comunidade, especialmente daquela excluída (BRASIL, 2002, p.67).

Paulo Freire re-dimensiona essa relação:

Somente os seres que podem refletir sobre sua própria limitação são capazes de libertar-se desde, porém, que sua reflexão não se perca

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numa vaguidade descomprometida, mas se dê no exercício da ação transformadora da realidade condicionante (FREIRE, 2001, p.66).

São reflexões que os promotores de saúde devem concretizar na vida da

comunidade, entendendo métodos de educação, reconhecendo os sinais, decifrando

linguagens, valorizando as representações e desmistificando que apenas o

conhecimento médico deve ser valorizado, promovendo um cuidado baseado no

conhecimento médico/paciente, clínico e cultural.

“O futuro não nos faz. Nós é que nos refazemos na luta para fazê-lo”

(FREIRE, 2001, p. 56).

4.2. O TAO, sua Travessia na Educação Sociocomunitaria: um Relato de Experiência

4.2.1. Estrutura Física da Unidade

A estrutura física da unidade onde a pesquisa foi desenvolvida não está

comportando o volume de pessoas à procura de atendimento, porém, é bem

distribuída, com 4 consultórios dentre eles um específico para o atendimento de

ginecologia e obstetrícia, 1 sala de vacina, 1 sala de inalação, 1 sala de

procedimentos (curativos, injeções, verificação de SSVV, antropometria...), 1 sala de

esterilização, expurgo, farmácia, almoxarifado, consultório do dentista, banheiros

para clientes feminino e masculino, banheiro para funcionários, cozinha, despensa, e

um amplo salão com mesas e cadeiras, onde é possível acomodar 300 pessoas.

Nesse espaço são realizadas as atividades de grupo, “escolares”, biblioteca,

costura, dança e todas as demais oficinas, festas, etc...

O ambiente externo é amplo e, muitas vezes, quando o salão está ocupado

ou há necessidade de atividade ao ar livre, os grupos são feitos do lado de fora,

embaixo das grandes árvores frondosas, em especial os grupos trabalhados com a

parte psicológica.

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4.2.2. Recursos Humanos

Dentre os recursos humanos estão enfermeiras, agentes comunitários de

saúde, auxiliares de enfermagem, técnicos de enfermagem, médicos, dentistas,

auxiliar de dentista, recepcionistas, guarda, auxiliares de limpeza, farmacêutica,

vigilância epidemiológica e estagiários de nível superior (enfermeiros, psicólogos,

nutricionistas, educadores físicos, fisioterapeutas, farmacêuticos, pedagogos).

4.2.3. Serviços Oferecidos

Os serviços oferecidos à comunidade são: atendimento à demanda

espontânea e àquela programada, sendo que a última envolve os seguintes

programas: puericultura, saúde da mulher, saúde do idoso, saúde mental, saúde do

adolescente, consultas clínicas, consultas de enfermagem, coleta de exames,

(prevenção do câncer de colo uterino e mamas, atenção a puérperas, pré-natal,

planejamento familiar), atendimento a hipertensos e diabéticos − HIPERDIA e visitas

domiciliárias.

É importante ressaltar, porém, que entre as consultas programadas

acontecem também àquelas provenientes da demanda espontânea.

Para as visitas domiciliares a unidade dispõem do carro 2 vezes na semana,

nas terças há coleta de exames domiciliares nos clientes acamados e nas quintas-

feiras quando os profissionais necessitam realizar atividades extramuros, como

visitas domiciliárias, “exame do olhinho”, campanhas de vacinação e atividades

educativas em escolas ou igrejas junto à comunidade.

Os procedimentos realizados são: verificação de SSVV, antropometria,

coleta de exames laboratoriais, gasometria arterial quando necessária, coleta de

exame de colpocitologia oncótica, coleta de strepto B, curativos, inalações, injeções,

visitas domiciliares, administração de medicamentos EV (endovenosos), passagem

de SVD (sonda vesical de demora), retirada de corpo estranho, aferição de glicemia

capilar (DEXTRO).

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4.2.4. Trabalho na Unidade

O trabalho na unidade é realizado da seguinte forma: consultas médicas e

de enfermagem todos os dias.

Nas segundas-feiras: pela manhã ocorre coleta de exames, consulta dos

hipertensos e diabéticos – HIPERDIA; a tarde consultas de puericultura, pré-natal,

pós-parto, tratamento de leucorreia.

Nas terças-feiras: pela manhã ocorre coleta de exames domiciliares,

realização de eletrocardiograma, consultas de puericultura, consultas de pré-natal

pós-parto, prevenção de CA de mama e colpocitologia oncótica; a tarde consulta a

adolescentes, prevenção de DST, gravidez na adolescência.

Nas quartas-feiras: pela manhã ocorre coleta de exames laboratoriais,

consultas dos hipertensos e diabéticos, puericultura; a tarde atendimento a

adolescentes, consultas de pré-natal, pós-parto, prevenção de CA mama e de colo

do útero, tratamento de leucorreia e no fim da tarde reunião com a equipe.

Nas quintas-feiras: pela manhã ocorre consultas HIPERDIA e saúde

mental, puericultura; a tarde visitas domiciliares, consultas de pré-natal, pós-parto,

prevenção de CA mama e de colo do útero, tratamento de leucorreia, consulta a

adolescentes.

Nas sextas-feiras: pela manhã e tarde acontecem as consultas HIPERDIA

e saúde mental, puericultura e a adolescentes.

4.2.5. Os Grupos

A realização das atividades dos grupos se dá conforme mostra o Quadro 1.

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Quadro 1 - Realização de Atividades dos Grupos

Fonte: Elaborado pela Pesquisadora

Obs: São também realizados anualmente, em datas comemorativas, festa

junina, bingo solidário, feira de artesanato, visita ao rio Tietê no Barco Escola,

gincana INTER-ESF (interação com todos os ACS e toda a comunidade dos

Bairros), campanhas vacinais conforme o calendário do Ministério da Saúde,

campanhas de Amamentação, campanhas de Doação de células-tronco, campanhas

de prevenção de CA colo útero, mama, DST, HIV, campanha do bem viver idoso,

campanha de Tuberculose, campanha contra fumo, campanha de prevenção de

gravidez na adolescência, campanha de Hanseníase, campanha do HIPERDIA

(diabete, hipertensão), campanha de Diarreia.

Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira

Grupo de

ginástica

Centro

Comunitário

Grupo letras

alfabetização

+ biblioteca

Grupo de

fisioterapia

Grupo letras

alfabetização

+ biblioteca

Grupo crochê

Grupo dança

unidade

Grupo de

ginástica

Igreja Sta

Luzia

Grupo nutriçãoGrupo de

caminhada

Grupo de

adolescentes

(Escola

Estadual Ana

Maria)

Grupo de

gestantes

Grupo Cuca

Legal

Grupo de

gestantesGrupo nutrição

Grupo de

puericultura

(Creche

Municipal

Jaraguá)

Grupo nutrição

Grupo Bom

Pastor

(dependentes

químicos)

Grupo de

capacitação

dos ACS de

15 em 15 dias

Projeto Olhar

Brasil

(exames

oftalmológicos

na Creche) 1

X ano

Grupo coral +

roda viola

Oficina do

cuidador 1 X

ano.

Grupo de

pintura tecido

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4.3. Na Busca do Caminho: o TAO da Comunidade Participante e a Educação Sociocomunitaria

A quantidade de usuários na unidade à espera de atendimento é grande,

dentre eles crianças, mulheres, homens, adolescentes e idosos, que se perfilam nos

corredores em frente aos consultórios, esperando, com ânsia, a sua vez. Alguns

chegam com problemas de saúde de longo curso clínico, como diabetes ou

hipertensão, outros, porém, trazem problemas que preocupam pela sua gravidade,

como casos sugestivos de tuberculose, pneumonia, febre maculosa, varicela ou

mesmo hanseníase.

No período em que a pesquisa foi desenvolvida, entre dezembro de 2011 e

dezembro de 2012, o vínculo formado entre os usuários e esta pesquisadora saltava

aos olhos: em alguns momentos a clientela vinha em busca de soluções para seus

problemas de saúde, mas também para conversar, trazer notícias do mais novo

membro da família ou fotos, desabafar, pedir ajuda, dar um abraço, ou somente para

se sentir valorizada em algum momento do dia. Clientela de vida tão sofrida e pouco

generosa, sendo muitos idosos abandonados pela família com doenças crônicas,

outros idosos com problemas crônicos sérios de feridas, amputações e que

necessitam de curativo diário; há uma demanda muito grande também dos pacientes

diabéticos, que se deslocam cedo em jejum para aferição da PA, realização da

glicemia capilar e para realização da insulina diária.

Esta sociedade carece de assistência, mas os recursos para sanar as

deficiências são concedidos aos poucos; pela quantidade da demanda se arrastam

os encaminhamentos de especialistas, exames mais sofisticados, pequenos

procedimentos e cirurgias. A riqueza de sentimentos presente em cada atendimento,

no qual as vivências individuais eram valorizadas, tornavam a consulta envolvente e

estabelecia-se um relacionamento adequado entre profissional de saúde e cliente,

favorecendo a humanização à assistência à saúde. A ligação da comunidade junto

ao ACS é nítida: ocorre uma troca baseada na mútua confiança, credibilidade

reciproca. Os ACS são como um “jornal”, com informações dos bairros atendidos: a

todo momento que chegam das visitas trazem consigo as histórias, os problemas, as

angústias, as dificuldades, as dores, as alegrias, as ansiedades, as conquistas, as

vitórias... enfim, um emaranhado de sentimentos e emoções. O envolvimento é

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notório e, muitas vezes, pude observar em seus olhos os mesmos sentimentos já

vistos antes nos olhos dos clientes, este envolvimento é espontâneo e a troca de

sentimentos é partilhada e envolvente, por tanta vontade de ajudar e ao mesmo

tempo ser ajudado.

Depois de caminhar pelas interpretações e reconhecer as dificuldades e os

conflitos que dificultam a prática no trabalho do ACS junto à comunidade, reforço

que a educação sociocomunitaria, os meios de capacitação e o trabalho em grupo

são as pontes para se chegar aos caminhos que devemos trilhar. Partilho esta

experiência vivida junto aos ACS e à comunidade, valorizando que é possível

oferecer uma melhor qualidade de vida para essa comunidade, através de pensar-se

na saúde pública e na capacitação dos ACS pelos vieses da Educação

Sociocomunitaria e da pedagogia freireana.

Esta busca foi para nós um momento singular de re-descoberta e re-

significação, sendo que a concepção de TAO, no campo dos símbolos, que nos

completam os caminhos, tornou-se uma possibilidade real do encontro do saber

acadêmico e científico com o saber cotidiano, entrelaçados aos educadores

comunitários em saúde, resultando em inúmeras travessias e descobertas,

valorizando a importância de cada um, em educar dentro do seu conhecimento

cultural, reorganizando o processo de conhecimento e do cuidar, tendo como a

disciplina principal o respeito pelo ser humano, a responsabilidade e a vontade de

promover uma mudança significativa na qualidade de vida desta comunidade.

Em sua obra “Pedagogia do Oprimido”, Paulo Freire ao tratar do tema, nos

alerta para a violência e a dominação que uma ordem social injusta como a que

vivemos, gera, nutrindo-se de miséria e sofrimento daqueles excluídos, que os

poderosos do mundo exploram, oprimem e violentam cotidianamente, atitudes

mascaradas, muitas vezes, por um marketing social.

“Os opressores, falsamente generosos, têm necessidade, para que sua

“generosidade” continue tendo oportunidade de realizar-se, da permanência da

injustiça” (FREIRE, 2003, p. 31).

Comovida com as palavras do autor em propor a mudança, que se dá a

partir da libertação das condições opressoras/oprimidas, reconhecendo os limites

dessa situação de opressão para a transformação de uma práxis libertadora, e na

importância que a semiótica tem nesse processo, pensamos em construir um

trabalho junto aos ACS, uma forma organizadora de educação para a saúde,

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envolvendo a comunidade e seus membros na implantação desse processo

educativo.

O estudo constituiu-se num relato de experiência acerca de inúmeras

atividades desenvolvidas em grupo numa Unidade Básica de Saúde da Família, na

Região de Americana, interior de São Paulo cidade da qual está distante 126 Km, no

período de Dezembro de 2011 a Fevereiro de 2013. Observou-se a participação

efetiva e espontânea da clientela com relatos de vida, importantes para uma reflexão

acerca dos personagens e dos momentos que tornam rica a vivência no PSF, e

consolida-se como estratégia para viabilização do Sistema Único de Saúde (SUS),

sendo a educação em saúde entendida como um processo que engaja o ACS com a

comunidade podendo-se, assim, observar a efetivação da práxis na busca da

construção de um sujeito/cidadão. Ao fazer parte da equipe do PSF o ACS deve

preparar-se para atuar prestando uma assistência preventiva, em detrimento da

curativa e coletiva, em detrimento da individual; para isso, é preciso que se conheça

como operacionalizar esses objetivos, suas atividades, colaborando com a formação

de um profissional crítico, reconhecedor de sinais e interpretações e consciente de

seu compromisso social.

As oficinas apresentadas no Quadro 1 têm adesão espontânea e

organizada; a participação da comunidade é grande, de até 60 pessoas; possui

realização semanal e a participação do ACS é essencial, pois, cada qual realiza uma

atividade de grupo/oficina, tendo uma escala diária, juntamente com as visitas

domiciliares.

Durante toda a realização dos grupos evidencia-se o grande envolvimento

do ACS com a comunidade: sempre são solicitados, cumprimentados, há uma

harmonia na relação, uma troca de amizade e gratidão de ambos os lados.

São abordados diferentes temas e atividades educativas e esta construção

de conhecimento é feita gradativamente, fortalecendo a importância da educação

sociocomunitaria: os reflexos dessas mudanças são vistos a cada dia através de

atitudes, depoimentos e melhoria da qualidade de vida. Para a realização deste

trabalho são utilizados inúmeros recursos, favorecendo cada dia mais o

envolvimento e a participação da comunidade. (ver como exemplo o anexo com o

Roteiro do CUCA LEGAL).

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Os materiais disponíveis e empregados são: retroprojetor, colchonetes,

cartolinas, pincéis, tintas, tecidos, sistema de som, encartes ilustrativos do Ministério

da Saúde (MS) material explicativo-ilustrativo, próteses, folders, encartes, material

para crochê, agulhas, lápis, caderno, lápis de cor, giz de cera, lousa branca etc...

A educação sociocomunitaria ainda não existe; o que acontece nos dias atuais é um processo de aprofundamento da crise da ‘práxis social’ e uma valorização da ‘práxis comunitária’ e da educação dela resultante, a ‘educação comunitária’ em suas mais variadas formas de manifestação. Portanto, a educação sociocomunitaria é um processo a ser construído pelos que lutam para edificar uma outra realidade sócio-histórica, a partir da própria realidade vivida e mediante a ‘práxis sociocomunitaria’. (MARTINS; ARANHA, 2005, p. 31).

Dentre os processos de trabalho dos ACS e a equipe, cada profissional

realiza seu trabalho em conjunto discutindo as necessidades e as divisões de

trabalho. De acordo com a fala dos ACS:

Na segunda-feira tem a consulta médica, na terça [...]. Na quarta, o atendimento às gestantes. O trabalho é organizado conforme o programa; observa-se prioridade e, dependendo do caso, vai para o auxiliar, enfermeiro, médico. Tem outro momento em que nós temos a participação de todo mundo junto. Nas palestras onde toda a equipe participa sobre temas específicos. O palestrante é o agente de saúde, mas todos participam.

À medida que os problemas surgem, a gente tenta discutir. Às vezes depende de uma atitude individual ou de todos nós. Toda vez que temos um problema em nossa área, conversamos com todos, chegamos a um consenso. Encontramos um problema na visita, trazemos para o grupo e voltamos com a solução.

Foram evidenciados nos trabalhos em grupo e nos momentos de formação

dos ACS as dificuldades, as rejeições e resistências, frente às ações educativas a

serem elaboradas pelos ACS e a comunidade, discutindo-se que estas podem ser

ditadas por inúmeros motivos que foram anteriormente enunciados. A pesquisadora

sugere que se parta do princípio de trabalhar o próprio conhecimento da

comunidade e, aos poucos, transformar o que há de inadequado na realização da

prática em saúde e na qualidade de vida, mostrando algo novo, evidente, curioso,

diferente, que proporcione uma melhor qualidade de vida a todos.

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A busca deste trabalho está em valorizar as ações educativas e o

desenvolvimento da educação sociocomunitaria, por meio de uma atitude coerente,

com responsabilidade, frente às mais diversas manifestações do paciente, que

possam ser desenvolvidas para sanar dúvidas e auxiliar em qualquer situação

corriqueira, em determinada situação.

O trabalho empírico com a realidade, com os problemas dos indivíduos e grupos das classes subalternas é o primeiro elemento que neste momento gostaríamos de destacar como sendo proveniente da ‘práxis comunitária’ e que pode ser articulado pela ‘práxis social’ tendo em vista a superação da realidade presente. A proximidade concreta da realidade vivida pelo povo é um procedimento da ‘práxis comunitária’. (MARTINS; ARANHA, 2005, p. 28).

O PSF tem se constituído como campo para elaboração e construção de

novas práticas de saúde, ampliando o universo no que se refere ao pensar-fazer na

atenção primária, quebrando o modelo médico até então firmado na figura do

médico e na saúde curativa, que seria superior em relação à atenção primária.

É preciso pensar na formação de ACS questionadores, decifradores e

participativos, que saibam utilizar os conhecimentos apreendidos em prol do bem-

estar da população, capazes de estabelecer diálogos entre a diversidade de saberes

que se encontram no cotidiano de vida das pessoas, tendo como consequência um

cuidado emancipatório e contínuo, requerendo um ACS atuante, com poder de

decisão e autonomia, sabendo conhecer a realidade da comunidade que assiste e

desenvolver com ela ações para a promoção da saúde, estimulando a participação

dos indivíduos na luta política pela saúde e compreender as relações entre as

condições de vida e de trabalho, saúde/doença, do ponto de vista da ação social.

Concordo com Santaella (2002) quando relata a teoria de Pierce na qual nos

adverte que:

O exercício da fenomenologia exige de nós tão só e apenas abrir as portas do espírito e olhar para os fenômenos. O primeiro olhar que devemos dirigir a eles é o olhar contemplativo. Contemplar significa tornar-se disponível para o que está diante de nossos sentidos, auscultar os fenômenos e dar chance de se mostrarem, deixa-los falar. Temos de aprender a desenvolver quando nos colocamos diante de processos de signos que pretendemos ler semioticamente, dar aos signos o tempo que eles precisam para se mostrarem. O segundo olhar deve ser dirigido para os fenômenos é o olhar observacional, nesse nível, é a nossa capacidade perceptiva que

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deve entrar em ação. Estar alerta para a existência singular do fenômeno, saber discriminar os limites que o diferenciam do contexto do qual pertence, conseguir distinguir partes e todo. (SANTAELLA, 2002, p. 31).

A importância da formação de ACS competentes para atuar no PSF é

reafirmada quando se discute que o modelo de atenção à saúde que estão ajudando

a construir necessita de profissionais que permanentemente ampliem seus

conhecimentos, apropriando-se das novas teorias e práticas; estes devem estar

sempre abertos para enfrentar novas experiências, identificar novos problemas

críticos de sua realidade de trabalho, refletir sobre tais problemas e buscar, de forma

interdisciplinar, soluções apropriadas para eles. Enfim, eles devem estar

continuamente disponíveis para o processo de ensino-aprendizagem.

Quando o doente busca uma orientação de sua doença dentro da ESF este

deve receber, além de atenção e respeito, orientações quanto a sua doença,

mudanças de hábitos de vida visando mais conforto, comodidade e controle dos

sintomas; para isso precisa de uma equipe preparada e coesa, rica em informações.

A busca pela educação em saúde deixa claro que ainda está em formação e

que para este processo funcionar depende da participação conjunta da clientela e

dos profissionais de saúde; fica evidente o vínculo que deve ser formado entre os

envolvidos, garantindo humanização e troca de saberes e a prática social do

processo saúde/doença, com construção de novas formas de lidar com o objeto de

discussão trazido para a roda ou para a atividade educativa.

Gosto de ser gente porque, inacabado sei que sou um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além. Gosto de ser gente porque, como tal, percebo afinal que a construção de minha presença no mundo, que não se faz no isolamento, isenta da influência das forças sociais, cultural e historicamente, tem muito a ver comigo mesmo. Gosto de ser gente porque, mesmo sabendo que as condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos achamos geram quase sempre barreiras de difícil superação para o cumprimento de nossa tarefa histórica de mudar o mundo, sei também que os obstáculos não se eternizam. (FREIRE, 2002, p. 31).

Os ACS participam ativamente nas decisões de educação em saúde nas

políticas administrativas e assistenciais para exercê-las, porém, são necessários

esforços, muito estudo, consciência da responsabilidade social de sua profissão, ver

o ser humano de forma ampla, entender que as causas de suas possíveis doenças

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não se encontram no indivíduo de forma isolada, mas, podem ser o reflexo de

precárias situações de moradia, emprego, cultura e política. A população, por sua

vez, colabora cobrando, denunciando possíveis falhas, muitas vezes na ouvidoria e

enriquecendo o processo com depoimentos de vida. São situações de pobreza, de

violência e de injustiça que dificultam o viver de muitas famílias. Todas as atividades

de educação em saúde relatadas e interpretadas durante a realização dos grupos e

nas visitas domiciliares demonstram a importância da ação do ACS na prática de

inter-relacionar saberes (saberes populares e de saúde coletiva), de exercer a

profissão enquanto trabalhadores e aprendizes de trabalhadores em saúde, com o

destaque para a inclusão da população no processo de construção do sistema de

saúde vigente, tomando-a como sujeitos de suas próprias ações, interpretações de

saúde/doença e garantia da qualidade de vida.

Para se assegurar uma adequada mudança da qualidade de vida dentro das

periferias o ACS deve desenvolver um trabalho em grupo dinâmico e contínuo, para

enfrentar a tarefa de transformar uma comunidade até então cheia de estigmas e

descrenças enraizadas, naquilo que se faz necessário para atingir uma melhor

qualidade de vida.

“Quanto mais me torno capaz de me afirmar como sujeito que pode

conhecer, tanto melhor desempenho minha aptidão para fazê-lo”. (FREIRE, 2002, p.

78).

Concordo com a visão de educação que Paulo Freire vislumbra, não apenas

política e utilitária e que não objetiva somente criar novos quadros para um novo tipo

de sociedade. Busca uma educação transformadora, politicamente mais humana,

capaz de criar com o poder do saber do homem libertado, um homem novo, um

homem livre. O método visa à preparação de pessoas para uma tarefa coletiva de

reconstrução nacional.

O aprendizado deve ser compartilhado de maneira que ocorra a mudança

primeiramente na pessoa do ACS, em seu sistema de crenças e de conhecimentos,

e, a partir daí, compartilhando novas perspectivas de perceber e agir na realidade

com a comunidade e, assim, juntos aprendendo e desenvolvendo uma dinâmica

transformadora.

Esta mudança deve priorizar, desde o início, a valorização da articulação

entre o ACS e a comunidade, começando pela identificação dos problemas

presentes nessa, valorizando também a participação do conselho de saúde (formado

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por profissionais de saúde e comunidade) e do ACS nesse conselho, em especial,

ao participar das discussões para a resolução dos problemas identificados.

Cria-se, assim, para todos os participantes, o contexto de uma

aprendizagem, no qual todos assumem um poder de discernimento, ganhando

margem de participação e decisão nas questões que envolvem a comunidade. Isso

significa envolver-se com os problemas e planos de solução, como participante ativo

e reflexivo, assumindo responsabilidades.

Este grupo de aprendizagem ativa, assim formado, passa por uma reflexão

de interesses, discutem os problemas e informações a respeito dos novos

conhecimentos, elaboram possíveis soluções juntos, originando, dessa forma,

inúmeras formas participativas de conhecer o mundo ao seu redor. Criando, nesse

sentido, possibilidades de mudança pela participação e pela troca de conhecimento,

possibilitando a transformação da realidade da periferia e seus estigmas.

Isto, através desta proposta de metodologia em grupo, por uma

aprendizagem que proporciona relações afetivas e efetivas entre os sujeitos, cada

qual com suas perspectivas culturais, motivações, habilidades, crenças.

Um dos momentos mais marcantes em favorecer com os ACS o

reconhecimento das semioses próprias e da comunidade e saber trabalhá-las e

interpretá-las foi uma atividade educativa em grupo que aconteceu numa Escola de

Ensino Fundamental. O objetivo era conversar com os adolescentes da 7ª Série,

atualmente chamada de 8º Ano, porém, mais do que falar pretendia-se ouvi-los,

trocar informações e sensibilizar aquela população a refletir sobre o uso de drogas.

Após a explanação do tema foi solicitado que cada aluno falasse seu nome e

dissesse se conhecia alguém que utilizava drogas. Cerca de 80% da sala respondeu

afirmativamente, foram então distribuídos pincéis, cartolinas, revistas e tesouras

para que eles cortassem figuras e palavras, ou mesmo para que desenhassem o

que esse tema representava para eles. Após uma hora, as apresentações foram

iniciadas. Cada equipe mostrou seu cartaz explicando o que representava cada

palavra ou figuras selecionadas.

Esse foi um momento crítico, pois algumas opiniões guardadas há tanto

tempo emergiam como “bombas” dentro da sala. Os ACS ficavam “arrepiados” a

cada novo cartaz apresentado. O público-alvo ansiava por conhecimento e queria

ouvir, uns aos outros, saber um pouco mais sobre o assunto e entender porque se

fala tanto sobre esse tema, desconhecido para alguns; todos participaram de forma

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interessada e curiosa, fazendo questionamentos e relatando experiências de suas

vidas.

Qualquer coisa que esteja presente à mente tem a natureza de um signo. Signo é aquilo que dá corpo ao pensamento, as emoções, reações etc. Por isso mesmo, pensamentos, emoções e reações podem ser externalizados. (SANTAELLA, 2002, p. 10).

No desenvolvimento das atividades grupais as ideias, locais de realização,

assuntos e dinâmicas ficaram a cargo do Profissional enfermeiro e dos ACS, com

base nas informações sobre as necessidades do momento. Aliando o conhecimento

científico ao conhecimento popular foi possível sensibilizar muitas pessoas da

comunidade a refletir acerca de importantes assuntos relacionados à saúde, mas

não somente a essa. Pontua-se aqui o apoio de toda a equipe para que as

atividades educativas acontecessem; em todos os momentos de ida e vinda os ACS

estavam presentes, participando com todos os profissionais envolvidos, médicos,

enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos, fisioterapeutas, educadores

físicos, favorecendo e alicerceando a ideia de interdisciplinaridade, que torna o

trabalho mais efetivo e completo, uma vez que há compartilhamento de

conhecimentos e de experiências.

Podemos aqui ver o papel da Atenção Básica de Saúde como um conjunto

de ações de saúde individual e coletiva abrangendo a promoção, proteção de saúde,

prevenção, de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação e manutenção da

saúde, através das atividades realizadas democrática e participativamente, trabalho

em equipe junto à comunidade, abrangendo os princípios da universalidade,

acessibilidade, coordenação do cuidado, estabelecimento de vínculo e continuidade

da integralidade da responsabilização, da humanização da equidade e da

participação social (BRASIL, 2012).

Entendemos, assim, que o ACS é uma pessoa trabalhada e orientada,

especialmente como aqui proposto, que está capacitada para exercer o processo

educativo em saúde, reconhecendo a importância do seu vinculo cultural junto à

comunidade, mantendo um elo efetivo vinculado aos serviços-profissionais de saúde

e melhoria da qualidade de vida.

Descrevo a seguir, através da experiência vivenciada no trabalho dos

grupos, algumas impressões, positivas, no trabalho dos ACS para a realização da

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educação em saúde. Observo que esse é um trabalho que continua em andamento,

um processo gradual de preparação e de sensibilização dos ACS: alguns, depois

dos grupos, demostram apresentar menos receio na abordagem e comunicação com

o cliente, em especial com algumas clientelas antes discriminadas, como usuários

de drogas, profissionais do sexo, moradores de rua alcoolizados, maridos agressivos

com casos de abuso na família e portadores de deficiência ou doença mental (surtos

psicóticos/agressivos). Identifico essas dificuldades como (des) valorizações da

situação cultural, interpretações de mundo e representações sociais, bem como

(des) humanização. Visivelmente presencio cotidianamente o nascimento de um

novo profissional, com menos receio e medo durante a realização de abordagens,

tentando reconhecer a real situação, com interesse e motivação na busca por

alcançar esses clientes, concretizando também a busca da educação em saúde e

melhoria da qualidade de vida da população de seu bairro.

“Quero, de alguma maneira, poder ajudar essas pessoas e melhorar a

qualidade de vida de seus familiares que sofrem com essa situação toda”. (fala de

um dos ACS).

Outro fator a ser evidenciado junto à equipe no desenvolvimento da

educação em saúde, e que ficou evidente durante as visitas foi a tentativa dos

clientes em burlar a dominação das prescrições médicas. Essas, após serem

identificadas e analisadas em suas motivações, passaram a ser trabalhadas,

visando melhorar o vínculo com o cliente, garantindo outras formas de comunicação,

orientação e convencimento ao tratamento, baseadas na mediação de posições,

conseguindo assim garantir uma mudança de comportamento e até mesmo

reforçando a capacidade de todos em lidar e compreender o outro.

Consequentemente, os efeitos interpretativos que os signos provocam em um receptor também não precisam ter necessariamente a natureza de um pensamento bem-formulado e comunicável, mas podem ser uma simples reação física ou podem ainda ser um mero sentimento ou compósito vago de sentimentos. (SANTAELLA, 2002, p. 14).

A perspectiva deste trabalho é mostrar a necessidade do ACS em decifrar a

interpretação da saúde/doença e quebrar o modelo de cuidado biomédico, orientado

pela racionalidade clínica e seus padrões de normalidade, que tem reduzido os

seres humanos a corpos biológicos, descontextualizados socioculturalmente, em

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que os sujeitos sociais são desconsiderados em suas dimensões afetivas, espirituais

e gerando sua própria desvalorização dentro da comunidade.

É necessário propiciar novos horizontes de cuidados, voltados para a

atenção principal dos sujeitos, valorizando suas queixas, seus sinais e sintomas,

vendo-os individualmente, conforme suas diferentes necessidades, fortalecendo-os

tanto no individual como no coletivo.

Desse modo, a teoria semiótica nos permite penetrar no próprio movimento interno das mensagens, no modo como elas são engendradas, nos procedimentos e recursos nelas utilizados. Permite-nos também captar seus vetores de referencialidade não apenas a um contexto mais imediato, como também a um contexto estendido, pois em todo o processo de signos ficam marcas deixadas pela historia, pelo nível de desenvolvimento das forças produtivas econômicas, pela técnica e pelo sujeito que a produz. Frente a este potencial, não há nada mais natural, portanto, do que buscar, nas definições e classificações abstrata de signos, os princípios-guias para um método de analise a ser aplicado a processos existentes de signos e as mensagens que eles transmitem, tais como aparecem em poemas, musicas, pinturas, fotos, filmes, matérias de jornal, dança, peças publicitárias, em qualquer meio em que essas peças possam aparecer: impresso, foto, cine, videográfico. (SANTAELLA; NÖTH, 2005, p. 5).

Exemplifico aqui essas afirmações por um fato ocorrido durante a realização

da pesquisa, em que o ACS pode, através da orientação recebida, valorizar a cultura

dos sujeitos em suas várias dimensões, entendendo-os como seres sociais. O caso

se deu quando o enfermeiro da UBS orientou uma cliente a realizar tratamento de

leucorreia com uso de pomada específica, no período noturno e banhos de assento

com água e vinagre. O ACS responsável pelo acompanhamento do caso, durante

uma visita domiciliar, encontrou a cliente realizando o procedimento do banho de

assento na mesma bacia usada para a alimentação da família: amassar o pão,

colocar alimentos e saladas e até mesmo usada para armazenar a louça depois de

limpa. Vendo a mesma bacia ser utilizada também para a realização do tratamento

vaginal, o ACS, dentro do seu papel de orientador e promotor da educação em

saúde, precisou compreender a leitura feita pela cliente das suas necessidades e

concepções acerca do que significava o tratamento. A partir desta perspectiva é que

o ACS reorientou a cliente quanto ao procedimento ser realizado num recipiente

adequado e de maneira adequada. Ao invés de culpabilizar a cliente pelo uso da

bacia comum e observe-se a importância de compreender o porquê dessa família ter

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apenas uma única bacia para todos os usos da casa, haja vista que uma bacia de

plástico não é, atualmente, um item expansivo, muito ao contrário valoriza-se a

adesão ao tratamento e assegura-se que esse será acompanhado até o final. O

ACS também tem um papel de orientar os outros profissionais da saúde

(Enfermeiros, Médicos, e outros) quanto à orientação ser passada de maneira

adequada à comunidade, fornecendo dados riquíssimos de como vivem as famílias,

suas condições sociais e como interpretam as orientações.

Pensando nesse exemplo concordo com Santaella quando pontua que a

semiótica está alicerçada na fenomenologia. Por isso, os signos não precisam ter a

natureza plena de uma linguagem (palavras, desenhos, diagramas, fotos etc.), mas

podem ser uma mera ação ou reação (por exemplo, correr para pegar um ônibus ou

abrir uma janela, ou o uso de uma bacia, etc.). O signo pode ainda ser uma mera

emoção ou qualquer sentimento ainda mais indefinido do que uma emoção como,

por exemplo, a qualidade vaga de sentir ternura, desejo, raiva etc. Qualquer coisa

que esteja presente à mente tem a natureza de um signo. Signo é aquilo que dá

corpo ao pensamento, às emoções e reações. Essas ligações são tão intimas que

causam efeitos interpretativos, que provocam o interpretante a reconhecer a

realidade da natureza com a formação de um pensamento bem formulado e

comunicável. (SANTAELLA, 1998, p. 31).

Durante a realização das visitas domiciliares e prestação dos cuidados foi

observado um crescente envolvimento e sensibilidade daquele que cuida (ACS), e

do outro que recebe o cuidado (Comunidade), numa relação de troca constante,

pessoas em sintonia, numa permuta de conhecimentos, na compreensão do ser

humano como um todo. Vejo esta relação constituída numa dimensão essencial e

complexa de troca de experiências e cuidados vividos, tanto pela parte dos

cuidadores como dos seres a serem cuidados.

Toda a equipe se envolve com os hábitos sociais da comunidade, seu meio

cultural, pois cada cultura tem suas maneiras próprias de definir, compreender,

expressar e explicar a saúde e a doença. Na comunidade encontramos diferentes

estilos de vida, portanto, cada ser deve ser tratado individualmente e este trabalho

de interpretação, de compreensão, das representações sociais que vigoram nessas

interações, nada mais é que um cuidado, porque o cuidado é um fenômeno

culturalmente construído pelo PSF, em especial pelo ACS, que permite esta ponte.

Para tal compreensão e realização deste trabalho o ACS deve ser muito bem

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orientado e capacitado para compreender esta importante batalha para a mudança

da qualidade de vida, através da busca do cuidado com as famílias, visualizando a

realidade da qual fazem parte, na perspectiva de compreender os fatores que os

envolvem e que afetam a saúde, como as condições socioeconômicas, culturais e

biológicas.

Concordo, portanto, que a proposta oferecida pelo PSF condensa cuidados

por meio de uma equipe multiprofissional, que permanece ligada diretamente com as

famílias e a comunidade, através do ACS, num processo de trabalho em longo

prazo, que favorece a inter-relação e elevação do autopotencial entre quem cuida e

quem deve ser cuidado. (SILVA, 1998, p. 49).

O intérprete tem um lugar no processo interpretativo, mas este processo está aquém e vai além do intérprete. Logo, o primeiro nível do interpretante é chamado de interpretante imediato. É um interpretante interno ao signo. Assim como o signo tem um objeto imediato, que lhe é interno, também tem um interpretante interno. Trata-se do potencial interpretativo do signo, quer dizer, de sua interpretabilidade ainda no nível abstrato, antes de o signo encontrar um intérprete qualquer em que esse potencial se efetive. (SANTAELLA, 2002, p. 22).

O conhecimento não se estende do que se julga sabedor até aqueles que se julga não saberem; o conhecimento se constitui nas relações homem-mundo relações de transformação, e se aperfeiçoa na problematização crítica destas relações. (FREIRE, 2001, p. 42).

Para atingir a mudança da tão sonhada qualidade de vida da população a

equipe deve ter uma abordagem multidisciplinar, baseada nos processos de

“decifragem” dos diagnósticos levados pelos ACS, que detém a realidade dos

acontecimentos, planejando, a partir daí, as ações e organização do trabalho a ser

desenvolvido.

Este modelo deve ser baseado na identificação dos fatos levantados,

valorizando os cuidados humanísticos, mesmo diante de algumas limitações físicas,

sociais ou culturais; na otimização da assistência de cuidados mediando o trabalho

do ACS, cultivando cada dia mais a segurança e confiança dessa relação do

binômio profissional/cliente baseada em cuidados amplos, voltados aos aspectos

biofísicos, espirituais e mentais, promovendo uma assistência promotora de

crescimento individual para o ser cuidado e para o cuidador, capacitando o

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autocontrole, autocuidado, autopotencial e autoconhecimento do cuidador e do ser

cuidado.

O ACS evidencia a importância do Cuidado Humanizado em prestar um

atendimento digno: a proposta é cuidar da comunidade conhecendo e entendendo o

lugar onde se vive e as pessoas que estão ao seu redor, evidenciando também a

importância da responsabilidade em ter que cuidar do outro, fazendo o possível para

compreendê-lo, valorizando seu estilo de vida, singularidades e particularidades.

O signo é múltiplo, variável e modifica-se de acordo com o olhar do observador que, na semiose analítica, na sua posição de interpretante dinâmico, também é signo em diálogo com o signo que está sendo interpretado. Mas é preciso lembrar que o signo tem uma autonomia relativa em relação ao seu intérprete. Seu poder evocativo, indicativo e significativo não depende inteiramente do intérprete. Este apenas atualiza alguns níveis de um poder que já está no signo. É por isso que analisar semioticamente significa empreender um diálogo de signos, no qual nós mesmos somos signos que respondem a signos. (SANTAELLA, 2002, p.31).

Todo ato de pensar exige um sujeito que pensa, um objeto pensado, que mediatiza o primeiro sujeito do segundo sujeito, e a comunicação entre ambos, que se dá através dos signos linguísticos. O mundo é, desta forma um mundo de comunicação, é então indispensável ao ato comunicativo, para que este seja eficiente, o acordo entre os sujeitos, reciprocamente comunicantes, isto é a expressão verbal de um dos sujeitos tem que ser percebida dentro de um quadro significativo comum ao outro sujeito. (FREIRE, 2001, p. 46).

Esta compreensão favorece o cuidado afetivo e humano, melhora o vínculo

afetivo, traz uma relação empática dando oportunidade de ouvir o paciente

aceitando e compreendendo seus sentimentos e seus problemas. Nesta

compreensão o cuidar é a essência do ser humano, pois, impulsiona a sensibilidade,

o envolvimento entre quem cuida e quem recebe os cuidados; contribui, igualmente,

para que os envolvidos no cuidado tenham uma visão ampliada de mundo e

habilidades de pensamento crítico para que possam promover autonomia, liberdade,

melhores condições de vida e de trabalho.

Não há possibilidade de uma reação comunicativa entre sujeitos interlocutores se não se estabelece a compreensão em torno da significação do signo. Ou o signo tem o mesmo significado para os sujeitos que se comunicam, ou a comunicação se torna inviável entre ambos por falta da compreensão indispensável. (FREIRE, 2001, p. 48).

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Traz-se outra exemplificação a partir de um fato ocorrido dentro da

comunidade investigada, argumentando quanto à relevância do ACS que ouve,

interpreta e valoriza as queixas do cliente, compreende seus sentimentos e seus

problemas, realizando o que for necessário para a boa adequação do tratamento e

reabilitação. O fato evidenciado aqui ocorreu durante a pesquisa, no relato de caso

de dona G.A.S, acamada de 87 anos, debilitada, desidratada com herpes zoster fase

ativa, ICC (Insuficiência Cardíaca Congestiva), EAP (Edema Agudo de Pulmão), IRC

(Insuficiência Renal Crônica), uso de hemodiálise 3 vezes na semana, evolução ruim

do quadro patológico, estando em fase terminal. O ACS visita-a diariamente,

acompanha toda a evolução do quadro e solicita a ajuda de outros profissionais,

neste caso a presença médica (visita domiciliar com consulta) para melhor adesão

aos cuidados complexos necessários e conforto da família; que neste momento está

abalada e sensível.

Porém, até o profissional comparecer às visitas o ACS não abandona o

caso, continua com visitas diárias frequentes, fortalecendo a família e os

Profissionais do ESF, garantindo informações importantes, valorizando a educação

em saúde e a ligação da comunidade com os profissionais.

Pode-se identificar aqui a representação do papel do ACS frente à

comunidade, a sua importância na ligação da equipe e da comunidade e no repasse

dos problemas. Afirmo aqui que o sentimento identificado por parte do ACS, no caso

relatado, é de responsabilidade pelos problemas de saúde/doença do cliente, de

interesse, esperança frente à melhora de saúde e recuperação e conforto por parte

da família. São interpretados esses momentos difíceis e sua atuação se torna

humanizada e acolhedora; são presenciados sentimentos de incapacidade pelas

limitações em não poder solucionar os problemas sozinhos, mas, em contrapartida,

também são observados sentimentos de ser útil, motivação, comprometimento,

valorização do seu papel do trabalho em grupo, valorizado pelo seu trabalho,

reconhecimento e gratidão por parte da família. Enfim, cultivando cada dia mais a

segurança e confiança dessa relação profissional/cliente, garantindo um TAO

diferenciado na melhoria da qualidade de vida para a comunidade, favorecendo o

respeito de ter um atendimento, um tratamento, um acompanhamento e uma morte

digna.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

No casulo em que se fecha a borboleta algo mágico tende a acontecer!

A transformação é dolorosa, é difícil

Mas ela sabe que quando suas asas ficarem prontas

Elas a conduzirão para o alto

De onde poderá vislumbrar as mais belas coisas desse mundo.

Michele Bertoletti

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127

Nas considerações finais desta dissertação busco um novo olhar

educacional, a ser centrado dentro da comunidade; a valorização da educação e da

saúde, trabalhando de mãos dadas, procurando soluções para os problemas sociais.

O homem é um corpo consciente, sua consciência é intencionada ao mundo.

O homem está em constante evolução e relação com o mundo. Pela tomada de

consciência o homem age, trabalha e aprende junto, trocando informações vividas;

por isso valorizo toda essa mudança baseada nos trabalhos em grupo.

Concretizo que o Agente Comunitário de Saúde tem a capacidade de buscar

um novo caminho dentro da saúde pública, por meio da valorização do seu papel de

educador dentro da comunidade, fortalecendo vínculos e criando elos. Mostro aqui

possibilidades educacionais e meios de aprendizado, com base nas teorias da

semiótica, focando sua importância na interpretação de suas compreensões,

significações, na linguagem e nos sinais, pela educação Sociocomunitaria dos

trabalhos em grupo com a comunidade; o ACS é capaz de construir uma nova forma

de cuidar da saúde, tendo a família e seu espaço social como núcleo básico de

atenção, de forma integral, contínua, em diferentes níveis, na prevenção, promoção,

cura e reabilitação, o que requer uma compreensão ampliada do processo saúde-

doença.

Os grupos de usuários reconhecem a Saúde da Família como uma

estratégia de mudança do modelo de atenção, no que se refere a um atendimento

mais acolhedor e com criação de vínculo, encontrando-se no universo consensual

das representações, conseguindo garantir um atendimento mais ético e humanizado

centrado no ser humano e não apenas na sua doença. Sendo assim, compreendo

que o verdadeiro papel do ACS dentro do PSF é o de um conhecedor e interpretador

dos problemas a serem levados para a equipe de saúde, favorecendo a proposta de

melhoria da qualidade de vida da comunidade, através de seu conhecimento prévio,

da compreensão dos sinais e sintomas apresentados por essa. Daí a importância da

interpretação semiótica, dos conceitos da antropologia médica, do trabalho em

grupo, do conhecimento das representações sociais, desmistificando regras,

discutindo culturas, ideologias, religiosidades, interpretando gestos, sinais, palavras

e significados, desenvolvendo um trabalho humanizador de mudança nas

concepções de saúde/doença dentro do PSF. Isto deve ser feito com

responsabilidade e sensibilização, procurando sempre melhor qualidade de vida

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para o usuário, buscando compreender o contexto em que a comunidade está

inserida.

Foi um extremo prazer poder participar deste projeto e contribuir para este

caminho de educação/saúde, valorizando a importância da educação

sociocomunitaria. Reconheço e valorizo o modelo de saúde existente no Brasil, ESF

e os agentes comunitários de saúde que contribuem para a promoção da qualidade

de vida, de forma digna à comunidade, atuando na promoção, prevenção,

recuperação e na manutenção da saúde da população, com as ações em grupo,

valorizando a culturação, interpretando as semioses, se fundamentando numa

educação constante baseada no próprio conhecimento e no linguajar da

comunidade, garantindo vínculo afetivo e credibilidade, concretizando seu

verdadeiro papel junto à comunidade, uma vez que suas raízes não são

modificadas, mas sim valorizadas, pois, pertencem à cultura e valorizam a sua

própria representação social promovendo, assim, uma atenção integral à saúde.

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Salvador Dali

Foi com enorme prazer e orgulho que escrevi este trabalho. Termino aqui

com o voo da borboleta. Demorei até começar a escrever este final, não que eu não

tenha o que dizer em relação ao seu significado, mas sim, como vou passar para as

palavras esse sentimento tão forte, tão indescritível, todas estas emoções que ela

me representa e que construí durante a realização deste trabalho.

A principal mensagem simbólica da BORBOLETA é criar, transformar, mudar

e ter coragem de aceitar as mudanças e a vida é feita de casulos que forçosamente

temos que deixar. Eu encontrei uma frase para este acontecimento “ou você se

move na vida... ou a vida faz você se mover”.....me inspiro na borboleta.

A borboleta é considerada o símbolo da alma, da mesma forma que

abandona a crisálida para voar, o espírito se liberta do corpo físico, para ganhar o

espaço infinito, ela representa o renascimento e a imortalidade, devido à

metamorfose do seu ovo, para lagarta, desta para crisálida e desta para borboleta.

Indicando as etapas por que passa nossa alma até atingir a iluminação,

assim como elas, nos também estamos em algum destes estágios...

Primeiro estágio: é quando a ideia nasce é o estágio do “ovo” é o ponto de

iniciarmos o caminho...

Segundo estágio: é quando tomamos a decisão de entrar no caminho e

colocar o pé no primeiro degrau... é o estagio da “larva”...

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Terceiro estágio: escolhido o caminho desejado é preciso realizar o projeto;

este é o estágio do “casulo”...

Último estágio: é a transformação; é deixar o “casulo” e “voar”; é a

realização....

Todos são como borboletas, cedo ou tarde tomaremos consciência e

sairemos do casulo e abriremos nossas asas. (Sociedade Magjistare, 2011).

Sinto que é hora de voar e como uma borboleta estou me desprendendo do

meu casulo, me preparo para voar...mudei e me transformei.....Aqui inicio meu voo.

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APÊNDICE − MEMORIAL

A vida é cheia de obstáculos, e tropeços, por isso temos que observar cada um dos passos que damos rumo à caminhada que teremos que alcançar.

Cada passo tem que ser analisado, compreendido e avaliado para que durante todo o nosso trajeto venham os obstáculos e não fiquem sequelas de um caminho mau traçado e dos pés feridos durante a caminhada.

Vamos então nos conscientizar de que o tropeço aparecerá e faz parte do caminho que teremos que percorrer o importante é podermos passar por ele vencedores vendo-o como uma forma de aprendemos a sobreviver e superar todos os perigos e obstáculos, que ele possa trazer.

Não existe caminho sem obstáculo, ou tropeços, a cada queda buscar a dignidade e a vontade de se erguer novamente e seguir a caminhada até a reta final a vitória tão sonhada a ser alcançada. Portanto nos cabe atravessar todo obstáculo e tropeço com esperança animo vontade, alegria, compaixão, amor e guardar toda a trajetória percorrida como uma linda experiência de vida e sucesso.

Fabiula Antonello

MEU MEMORIAL

Só sei que nada sei, e o fato de saber isso, me coloca em vantagem sobre aqueles

que acham que sabem alguma coisa

Sócrates

É grande minha satisfação de poder estar aqui e contar-lhes um pouco dos

muitos caminhos que percorri; como foi minha trajetória nesta minha carreira desde

o inicio da minha infância ate a época atual.

Nasci no Paraná, na cidade de Paranavaí, interior do Estado,

aproximadamente a 450 km da capital Curitiba. Aos 5 anos de idade nos mudamos

para uma cidade chamada Ivinhema, no Estado do Mato Grosso do Sul, e lá cresci e

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fui pela primeira vez à escola, porem em todas as minhas férias escolares ia para o

Paraná. Escola da qual até hoje tenho lembranças memoráveis e se chama Escola

Estadual Reynaldo Massi; também foi lá que passei toda minha adolescência, fica

perto do rio Ivinhema, que deságua no grande rio Paraná. Cresci no meio de muita

gente, muita água e muita natureza. Brincava com as formigas, gostava de pegar as

lagartas no pé de maracujá, brincava com boizinhos feitos de bucha e bonecas que

tinham cabelo de milho, brincava sobre as árvores frondosas e em baixo da

bananeira, onde fazia as casinhas com latas de óleo e as comidinhas nas panelas

improvisadas; pulava amarelinha e elástico; jogava queimada com bola de meia e

“betes” na rua; andava de bicicleta e brincava na areia na esquina da minha casa, de

forninho junto com várias colegas e netas da minha avó, que eram menores.

A minha casa era grande, mas o quintal maior ainda dividia cerca com a

casa da minha avó e era fabuloso poder brincar junto às arvores, especialmente do

pé de goiaba, que ficava próximo á janela da cozinha, e os passeios na horta,

quando apanhava cebolinha e salsinha para o almoço a pedido de minha avó.

Esperava ansiosa para ver os caramujos e esperava as visitas dos lagartos e sapos,

adorava também ouvir a galinha cacarejar para pegar o ovo ainda quentinho, pois

muitas vezes, ganhava gemada feita pela minha avó. Quando o ovo tinha a casca

azul, era uma eterna briga, pois não queria quebrá-lo, pois na minha cabecinha de

criança, achava que o pintinho ao invés de sair amarelo, poderia nascer todo azul.

Mas isso nunca aconteceu e, só depois de muito tempo, fiquei sabendo que todos

nasceriam amarelinhos mesmo. Vivia subindo em árvores para comer a fruta da

época, tinha de tudo que meus pais, na medida do possível, podiam me

proporcionar. Mas meu eterno sonho era poder ganhar uma bicicleta nova, que fui

conseguir depois de muito tempo, há mais ou menos uns três anos atrás.

Nas férias, de junho e dezembro voltava novamente para o Paraná, estado

no qual me orgulho de ter nascido, mas, especificamente, numa cidadezinha

interiorana chamada Guairaçá. Lá realizava inúmeras traquinagens de criança... ah,

como era bom encontrar com minhas primas (Ana Paula e Fabiana) na casa de

minha avó materna, adorávamos soltar o cachorro para “cavoucar” o quintal, que era

enorme, roubava uvas na parreira de minha avó e brincava incansavelmente em

baixo do sótão da casa, com minhas primas; era um momento mágico, indescritível,

cheio de ideias, sonhos elaborados no mundo da imaginação de uma criança.

Melhor que isso, só o banho! A casa tinha só um banheiro, e a água das torneiras

passava rápido e em jatos, trancávamos os ralos e imaginávamos banheiras

transbordando água pela casa toda... e isso ocorreu inúmeras vezes, quando davam

conta que demorávamos muito no banho o alagamento já tinha acontecido e muitas

vezes pagávamos pelo fato ocorrido e até rolava algumas chineladas, foram

inúmeras travessuras.

Tínhamos uma hóspede diferente, um fantasma coletivo, que dizíamos

morar dentro do capô velho, que era utilizado antigamente no carro, e ficava na

garagem. A velha garagem, que ficava trancada na corrente, mas todo mundo via o

fantasma de vez em quando. Tínhamos a oportunidade de entrar ou de ver pelo

buraco da madeira, onde se encontrava a corrente: era um momento único e de pura

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imaginação. Ah, e ainda tinha um “passo preto” da minha avó, e meu maior sonho

era poder soltá-lo; foram varias tentativas, até que um belo dia deu certo.

Infelizmente, ele não foi muito longe da gaiola, tinha a asa cortada, e para minha

decepção minha avó colocou-o novamente na gaiola. Não entendia como ele não

queria ser livre e sair voando pelo céu.

Dentre meus momentos de diversão tinha uma que eu adorava; o contato

com a Fofinha, a cachorra do meu tio; aliás, meu pai nunca me deixava ter um

cachorro só pra mim, então, adotei aquele do meu tio. Ela, que se arrastava com o

rabo, me esperava ansiosa da chegada da escola e as tardes eram grandes e

intermináveis na sua presença. Ela era minha maior cúmplice de travessuras e

brincadeiras. Me recordo de muitas vezes, depois de levarmos uma boa bronca e

até umas palmadas da minha avó, por nos esfregarmos no chão da área, que era de

vermelhão, encerado com escovão todo dia, que minha avó teimava em deixar

sempre limpo.

Na minha infância nunca brinquei com meus irmãos, pois nesta época eles

ainda não eram nascidos, e sentia muita vontade de poder dividir meus momentos

com alguém. Minha irmã só “apareceu” quando eu tinha 10 anos de idade, minha

mãe tinha problemas em não poder ter filhos, foram alguns abortos espontâneos que

me marcaram, sentia muito medo de perdê-la.

Eu era uma criança feliz e saudável, aos domingos meu pai nos levava para

tomar banho de rio e íamos todos na carroceria do caminhão, era um Mercedes-

1113 azul. Às vezes, nas nascentes do rio Piraveve, outras vezes, nas nascentes do

rio Vitória; depois da farra voltávamos para casa cansados e com muita fome.

Comíamos o que sobrava do macarrão do almoço... aliás, domingo sem macarrão,

em casa, não era domingo. Com direito ainda de assistir aos “Trapalhões”. Na

maioria das vezes dormia no sofá, antes de ir pra cama e, só depois de muita

insistência da minha mãe, ia escovar os dentes e cair na cama. Na maioria das

vezes voltava novamente para o sofá e meu pai me carregava para a cama.

Minha mãe, além de professora e dona de casa, também costurava, pois

nosso dinheiro não dava para comprar roupas novas. A maioria das minhas roupas

era feita por ela, especialmente as de casamento ou a roupa do domingo, de ir para

missa, e quando não serviam mais em mim eram passadas para minhas primas, até

virar pano de chão.

Quando era criança me lembro de ter muitos problemas de afta. Realmente

não sei por que, mas não importa, elas melhoravam com violeta de gentamicina,

ficava com os dentes todos azuis e era uma festa de brincadeiras. Adorava também

me esconder atrás da cortina do quarto da minha mãe e comer seus batons, minha

mãe falava que tinha lombriga, ficava com medo delas, achava que o barulho que

minha barriga fazia era quando elas estavam brincando.

Meu pai trabalhava com meu avô e depois de sua morte continuou como

pequeno produtor rural da região. Vivíamos numa cidadezinha pequena, voltada

para a área rural. Minha mãe lecionava, mas nunca me deu aula, fui alfabetizada por

ela e quando entrei na escola, aos 5 anos, já sabia ler e escrever. Na escola, aliás,

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umas das poucas que tinha na cidade, todas as crianças estudavam juntas, aquelas

com e aquelas sem dinheiro.

No meu primeiro dia de aula tive muito medo, mas fiquei encantada. Minha

mãe me acompanhou até dentro da sala de aula e eu quis ir embora, mas minha

primeira professora, D. Lucinei Franco, me segurou no braço e disse que ia me

ensinar tudo. Não sai até hoje! Ela foi uma coparticipante da minha educação e ali

foi onde aprendi a ser sociável. Adorava minha cartilha “Caminho Suave”, passava

horas viajando nos desenhos.

Na quarta série minha professora, D. Juraci, me deu um trabalho para fazer,

foi através deste trabalho realizado, que me despertou a vontade pela educação. O

trabalho foi realizado com uma colega que se chamava Ragna Crivelaro, e nos

empenhamos muito. Foram inúmeros temas com sucesso, me lembro de que um

deles foi sobre as plantas venenosas: nosso tema foi a “saia branca”, o outro tema

foi sobre os peixes. As apresentações do conteúdo eram ilustradas com fatos reais,

que levávamos para dentro da sala de aula. Foi um sucesso, nossa nota foi a

melhor em questão!

Dos 13 para os 14 anos comecei a jogar vôlei, sempre gostava muito, a

escola tinha uma quadra aberta, chão de cimento, que me causou inúmeros ralados

e marcas que existem até hoje. O sol era escaldante e, mesmo assim, todos

disputavam um espaço... Existia apenas uma única bola, que era disputada e

cobiçada por todos... Depois de algum tempo já estava jogando no time da cidade,

os jogos de vôlei me rendaram inúmeros momentos felizes.

Carregava a bandeira no dia da proclamação da República, nos 7 de

setembro, cantei na missa aos domingos pela manhã, fiz catequese e crisma como

qualquer pré-adolescente da minha idade. Tinha que ir no sábado à tarde e depois

nos divertíamos andando de bicicleta até chegar em casa. Eram voltas

intermináveis... a cidade, nesta época, parecia imensa.

Um dos momentos mais marcantes foi o da época da faculdade, quando me

mudei para a cidade de Dourados. Uma turma composta de 50 alunos, com muitos

sorrisos, aqueles que demonstravam coragem e determinação, olhar que refletiam

os sonhos, a vontade de vencer e de alcançar um novo ideal. Mas, como em toda

trajetória, foram surgindo as dificuldades e muitos desses sonhos compartilhados

foram se ausentando e a cada despedida surgia uma tristeza, que me invadia,

deixando-me por muitas vezes ansiosa, insegura e por muitas vezes desanimada.

Em todos esses anos experimentei inúmeras sensações e sentimentos, que por

vezes eram contraditórios: a vontade de ficar e ao mesmo tempo de ir embora,

desistir, medo de ir embora e ao mesmo tempo medo de prosseguir... Assim

surgiram sentimento de raiva, frustração, alegria e tristeza; tive que aprender a lidar

com minhas emoções, não somente em relação à vida, como também lidar com os

sentimentos de morte, o que sei ser um processo natural, mas que sempre gera

sofrimentos. Porém, com paciência e perseverança, e muita fé, fui superando as

perdas e passei a lutar cada vez mais pelos meus objetivos. Mergulhei a cara nos

livros por muitas e muitas madrugadas, deixando de lado diversões, passeios, e até

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mesmo a companhia de pessoas que amamos- pais, irmãos, amigos, família. Hoje

agradeço a Deus o apoio que todos me deram, a dedicação e a compreensão.

Morei com inúmeras pessoas nas repúblicas e quase todos os dias eram

marcados por “mijovinha”, uma mistura de miojo, cebola e ovo, mais conhecida

como “bafocity”.

Uma vez, fui para o xilindró, durante um protesto para conseguir passe livre

para os estudantes, porque abraçamos um ônibus no centro, em protesto contra os

valores exorbitantes para alunos de universidade, pois o campus da faculdade ficava

30 km longe da cidade. Na época, eu participava do movimento LUTA, LUTA

JOVEM, com nosso líder Prof. Marcos Renovatto. Rendemos inúmeras brigas e

conquistas, cantamos o hino do Mato Grosso do Sul... Quando se é moço tudo que

se tem sai do próprio esforço, para ser alguém, superando crises sempre que elas

vêm... e aí vai... mas conseguimos no final...

Mudei inúmeras vezes, aliás, nem sei quantas vezes... Só sei que foram

muitas: de quitinetes para repúblicas e etc... Foram cinco anos incansáveis, sem

paradeiro determinado, mas a convivência com outras pessoas me ensinou muito,

em especial respeitar os direitos de cada um e do valor do seu próprio espaço, pois

a faculdade era “puxada”: aula o dia todo e à noite estudar pra provas fazer

trabalhos; e quando os estágios chegaram ficou ainda mais difícil ter que levantar de

madrugada para pegar o “busão” e ir até o hospital. Às 6 horas tínhamos que estar

prontas pra entrar, nos dias de frio, quanta vontade dava de permanecer na cama...

Mas a obrigação e a vontade de vencer eram mais fortes... Mais um dia, mais uma

batalha.

Fui morar num apartamento que tinha uma população fixa, eu e Jane;

também tinha uma população flutuante, todo mundo que não tinha onde ficar

passava uns tempos conosco. Quando saía à noite, descalça eu descia a Av.

Marcelino Pires e quando chegava na Av. Fernando Miller lavava o pé no posto BR,

bem na esquina, botava a sandália de salto e zoava com a galera da faculdade;

algumas vezes saíamos com o fusca azul da Jane e na maioria das vezes tínhamos

que empurrar, pois a gasolina era cara e na muita das vezes era luxo sair com ele.

Aos fins de semana tocávamos violão até o dia amanhecer, nas repúblicas da galera

da sala, isso quando não tínhamos que levantar cedo pra fazer trabalhos e escalas

do hospital. Nesta época, os professores não davam uma trégua.

No segundo ano de aulas houve greve, mas nós ficamos na escola, ninguém

voltou pra casa, mesmo sem entender nada e até ajudamos no “enterro” do diretor

da época. Queria participar de tudo e fazia parte do DCE e nesta época tudo valia a

pena... quando a alma não é pequena

Desde que me lembro, mesmo criança, sempre tive a vontade de ser

enfermeira, estudava muito, passei num vestibular concorrido, estudando numa

biblioteca pública da cidade e valeu...valeu... muito a pena No terceiro ano, durante

as aulas de clínica médica, já sabíamos com qual especialidade tínhamos mais

afinidade e, como hoje, digo que tenho afinidade com tudo, pois me identifico com

todas as áreas relacionadas è enfermagem. Eu ficava muito próxima do cliente; o

doente precisa ser visto de perto, e muitas vezes me envolvia sentimentalmente,

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sofria muito com a dor deles... Foram inúmeras às vezes em que chorei e sofri com a

família, quando a pessoa perdia a luta com a morte, aprendi a conviver com ela, mas

o sentimento de perda e vazio permanecia por dias.

Os doentes crônicos em fase terminal nos ajudavam muito, pois tínhamos

aulas práticas e provas durante o estágio e eles, muitas vezes, nos contavam seu

diagnóstico e mostravam como examiná-los, imitávamos nossos professores e

várias vezes, depois, voltava à noite, aos seus quartos, para agradecer e comemorar

com eles a nota que havia conseguido. Quando fomos para a pediatria tudo mudou,

os sentimentos e os cuidados, ai pude ver como tão complexa era esta área em

cuidados, humanização e compreensão que tínhamos que ter frente às mães e às

crianças. Algumas, que permaneciam por tempo indeterminado no hospital, aos fins

de semana passeavam conosco ou realizávamos bonecos de fantoche para a

distração delas e para amenizar o sofrimento. Muitas vezes, levávamos escondidas

algumas balas para distribuir entre elas; eu inventava de tudo, minhas estórias

ficaram famosas e corriam por todos os quartos. Era fabuloso viajar com a

criançada; fazia uma história para todo mundo que me solicitava. Minha professora

Margarete sabia, e muitas vezes fingia que não sabia, que eu ia aos fins de semana

e levava guloseimas, acho até que ela gostava, porém, nunca tocou no assunto e

eu, por minha vez, fazia de conta que ela não sabia.

Uma grande figura daquele tempo foi o tio “Seu Zé da Unha”, dono de um

boteco ao lado do hospital, o apelido ficou, pois, depois de fazer o lanche na chapa,

ele limpava as unhas com a mesma espátula, e todo mundo ia lá comer lanche

quentinho... Nem nos importávamos com isso, era o melhor lanche da praça,

ficávamos depois dos plantões horas esperando sair um lanche da chapa, algumas

vezes perdíamos a hora tocando violão, e jogando conversa fora com “tio da unha”;

ele muitas vezes “pendurava” os lanches, acho que ele sabia da nossa pindaíba

quando chegava o fim do mês, daí ele “esquecia” de cobrar, fazíamos uma grande

vaquinha e pagávamos tudo.

Quando a cantoria entrava pela madrugada, “Dona Maria da Unha”, a

esposa, fazia escaldado ou mocotó e nos chamava para fazer uma boquinha.

Quando eu ia para casa trazia, na volta, tudo que minha mãe mandava;

muitas vezes foi até comida dentro do ônibus, parecia uma farofeira de primeira, e

quando chegava sempre tinha uma boa alma me esperando na rodoviária.

Aprendi a ser enfermeira assim, com muita alegria, lembro-me das aulas da

professora Roselaine, apaixonada pela obstetrícia e ginecologia, sabia tudo da

clínica e adorava ensinar, nas suas aulas viajávamos pela anatomia, fisiologia e

patologia, depois ela juntava tudo, eram experiências inesquecíveis.

No terceiro ano, pela primeira vez no hospital, nas discussões clínicas, eu

entrei em pânico, achei que não ia dar conta de conseguir ir até o final e ser

enfermeira, descobrir o diagnóstico e cuidar bem; parecia muito difícil. Foi quando a

professora me disse, faça tudo como se fosse para si própria, pense que o doente

hoje pode ser seu pai, sua mãe e faça o que você faria por eles... e o que você

gostaria que seus colegas fizessem por você.

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No estágio era assim, todo procedimento novo que alguém ia fazer,

chamava os outros para ficar junto, toda alta era uma vitória e comemoração,

mesmo em casa, fora do ambiente hospitalar, não falávamos em outra coisa:

vivíamos a medicina dia após dia.

Lembro-me, muitas vezes, dos momentos e acontecimentos da faculdade,

dos professores inesquecíveis; ainda hoje me lembro do aperto de morar em

república, do dinheiro contado para comer, pagar as contas e tirar xerox. Minha

visão de vida mudou, acredito que tudo que aprendi e passei na faculdade não foi

nada jogado fora, mas sim bem aproveitado. Hoje me orgulho pelas muitas vezes

que reclamei de ter que estudar e fazer certos procedimentos, como dar banho,

fazer medicação mesmo no 4º ano... Ainda hoje continuo a fazê-los e orientar o

procedimento de como realizá-los, mas muito mais que isso, me sacrifico até hoje, é

certo, mas com certeza ainda está valendo a pena, pois cresci e continuo em

crescimento. A universidade foi apenas o primeiro degrau e meu alicerce, pelo qual

construo meus objetivos. Cresci como pessoa, como profissional, aperfeiçoei meu

espiritual, por acreditar por todo sempre que corpo e alma fazem um todo, descobri

a importância de lidar com as divergências entre sentimentos e opiniões, entre razão

e emoção. Por diversas vezes tive que deixar meus sentimentos de lado, a fim de

assim poder tomar decisões e atitudes corretas frente às situações com as quais

tenho me deparado, aos poucos estou adquirindo a segurança e tranquilidade de ser

ENFERMEIRA.

O último ano da faculdade foi esquisito, no último dia de aula, na aula de

despedida, eu não queria sair da escola, chorava nas festas de despedida, parecia

que ainda não estava preparada para cortar o cordão umbilical com os professores.

Lembro-me do primeiro dia de trabalho, achava-me insegura, mesmo

sabendo a teoria e o conhecimento, sabia que a experiência viria com a prática, foi

complicado lidar com tantos sentimentos. Estou orgulhosa de mim por ter aprendido

a lidar com meus medos e de ter aprendido a respeitar o sofrimento e os

sentimentos alheios, por ter sido forte o suficiente, e ainda tenho tentado ser para

conseguir superar os obstáculos que ainda vem pela frente, por inúmeras vezes ter

desenvolvido a capacidade de compreender e tolerar críticas, por adquirir a

competência necessária para apoiar e orientar a equipe, os pacientes e seus

familiares, cuidando sempre do seu conforto físico e emocional, mostrando assim a

importância de ser diferente, humanizando o cuidado, ofertando uma palavra amiga,

um sorriso, ou um gesto carinhoso, que além de ser essencial ao bom atendimento,

se é realizado com amor, nos dá um imenso prazer...

Foi difícil estar sozinha no primeiro emprego, ter que tomar atitudes sozinha,

resolver problemas... era frustrante e cansativo e eu ligava para minha grande

professora Roselaine que, por muitas vezes, me ajudou e orientou por um longo

período de tempo, com muita ternura. Logo no inicio de 2003 comecei a dar aulas e

foi pra mim imensamente prazeroso, pois nunca me via presa numa sala de aula

com alunos, foi minha grande paixão desde então, encontrei prazer em lecionar,

desde então.

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Minha caminhada profissional começou indo bem, nesta época já era

coordenadora de dois PSF na cidade de Ivinhema, no Mato Grosso do Sul, e foi um

grande aprendizado. No mesmo ano me aventurei em abrir a primeira UTI neonatal

e pediátrica da Santa Casa de Cuiabá, outro grande sonho da minha vida, poder

estar perto das crianças doentes, foram anos inesquecíveis conheci inúmeras

pessoas que me marcaram e inúmeras crianças que me deram alegria, pois a

recuperação era rápida e a cada alta era uma conquista.

Um dia, após buscar de transporte aéreo (helicóptero) um indígena recém-

nascido, prematuro, dentro da aldeia na região de Sinop, me encantei pela maneira

de vida deles: a antropologia me fascinava, foi aí que consegui, através de uma

prova em Brasília, ser consultora indígena. Pude percorrer todo estado do Mato

Grosso e também Brasília e Manaus; tive contato com 65 etnias diferentes;

permanecia 20 dias em cada aldeia e aprendi muito, como pessoa e como

profissional a respeitar outras culturas, que nunca antes tinha visto, bem como,

aprender a aceitar e entender certas atitudes. Foi meio difícil, mas compreendi que

aquele mundo não era o meu e sim o deles e eu tinha que respeitá-lo. Foram

momentos inesquecíveis; 5 anos de troca de experiências e muito aprendizado.

Sinto saudades até hoje... neste tempo ingressei na UFMT (Universidade Federal do

Mato Grosso) onde lecionava como professora contratado na cadeira de Saúde

Indígena, no curso de graduação de Enfermagem.

Foi então, que no ano de 2007 vim morar no Estado de São Paulo, mais

precisamente na cidade de Americana; foi difícil no inicio a adaptação, tudo era

diferente da realidade vivida. Acho que foi mais sofrido do que permanecer com a

realidade de vida dos índios, continuei sempre estudando, lecionando e trabalhando,

trabalhei em inúmeros hospitais da região: Piracicaba, Campinas, Americana. Após

ingressar na área acadêmica como professora da Graduação e Pós Graduação do

curso de Enfermagem resolvi concretizar mais um de meus sonhos me tornar

mestre. Foi aí que apareceu o Prof. Renato, que me acolheu com muito carinho,

esclarecendo todas as dúvidas necessárias para o ingresso no Programa de

Mestrado do UNISAL.

Foram dias de muita angústia até esperar o resultado da aprovação e nesta

época eu e o David, um colega de profissão; já estávamos desacreditados de

conseguir. Até que, após a segunda apresentação do projeto, enfim iniciamos como

alunos regulares do mestrado. Foi inacreditável o conhecimento adquirido, nada

comparado com a graduação, pois encontrei algo mais concreto e embasado, pude,

com as aulas da querida Profa. Malu e do Prof. Severino, fazer uma viagem, ficar

perto da poesia, alimentar a alma de conhecimento e cuidar dos sonhos. O mundo

foi visto, desde então, de maneira diferente, com mais vigor e interpretações nas

pequenas coisas antes não valorizadas, as aulas foram prazerosas e realmente

estava aberta a novos conhecimentos antes não vistos; cada dia de aula era uma

experiência nova, diferente de tudo já experimentado; o que recebi ali procurei

passar também aos meus alunos, minha perspectiva de vida mudou muito em

relação ao papel do educador como formador de opiniões.

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Neste período de Mestrado, já como aluna regular, elaborei um capítulo de

livro para publicação conjunta com os docentes e alunos da UFS, relacionados à

Educação Sociocomunitária e à Educação em Saúde, participei de congressos

realizados na UNISAL, apresentando trabalhos na Semana Educador em Ação

(Primeiros Socorros na Escola, out. 2011), no Seminário Nacional de Educação

Sociocomunitária de 2011, e no I Seminário de Extensão (2012), que me deram uma

visão bem diferenciada do papel da formação educacional como um todo. Realizei

apresentação de Banner e, nossa, como foi difícil a primeira tentativa: angústia,

desespero, ansiedade estavam juntos, porém depois da apresentação veio a

recompensa, alegria do bem realizado, sensação de prazer cumprido, felicidade e

satisfação tudo junto, foram momentos inesquecíveis junto aos colegas de mestrado

e nossa adorável Profa. Malu.

Após este trabalho de realização de artigos e trabalhos acadêmicos, hoje

como professora do curso de Pós-Graduação, estou desenvolvendo um trabalho

diferenciado com meus alunos, estamos elaborando artigos de conclusão do curso e

procuramos assim a publicação; foi da mesma maneira que aprendi dentro do

mestrado, em valorizar as publicações, a educação tem que ser comunicada para

todos e não ficar apenas arquivada em cadernos e na memória; estamos com afinco

valorizando o conhecimento.

Durante a segunda participação em encontros acadêmicos, no I Simpósio de

Extensão do UNISAL (agosto de 2012) já me senti tranquila e confiante, pois tinha

passado pela primeira experiência e tudo transcorreu muito bem. Neste encontro

abordei parte do trabalho realizado como tema de minha dissertação, juntamente

com meu trabalho desenvolvido dentro do PSF. Atualmente sou gerente de duas

unidades de ESF e uma UBS dentro de uma das maiores periferias da cidade de

Americana, na qual existem inúmeros problemas sociais. Toda a nova perspectiva

aprendida nas aulas foi, aos poucos, sendo colocada em prática dentro do meu

trabalho, foram inúmeras modificações tanto na estrutura física como na estrutura de

implantação e desenvolvimento de trabalho e atividades, pude compreender o ACS

e a comunidade como foco alvo de minhas experiências para a mudança e busca da

melhoria da qualidade de vida dessa população, e foram surgindo inúmeros

trabalhos, grupos que, graças a Deus, estão dando tão certo, que já tivemos

convites e propostas para estar implantando este trabalho em outras UBS

(comunidades). E em horário noturno, pois a comunidade que trabalha o dia todo

também quer participar dos grupos, eles são cooperativos e participantes, os ACS,

hoje, também têm uma visão diferente no acolhimento e na perspectiva de entender

o cliente; foi trabalhado e valorizado muito o seu papel, a valorização do seu

conhecimento e a interpretação do que realmente a comunidade quer dizer.

Sem esquecer as festas que realizamos nessa periferia: festas de

aniversário, festa junina, festa fim de ano, tudo é motivo pra comemoração, regada a

muitas guloseimas, (aprendi isso com a Malu, pois em toda sua aula tínhamos a

pausa para o café comunitário: com direito a todas as muitas degustações e pratos

diferenciados, graças aos nossos colegas de outros estados, que traziam “coisas

nunca antes vistas” e que eram maravilhosas, como o bolo de fubá assado dentro da

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palha da bananeira). Tudo isso, sem esquecer da festa de aniversário que fizemos

para o Prof. Severino e para a Prof. Malu. Nossa, como nos divertimos nestes dias,

saíamos para almoçar juntos e era uma bomba de problemas, cada um queria falar

de suas dificuldades dentro da sala de aula. Neste clima foi muito bom, pois percebi

que as angústias que tinha não eram só minhas; outros colegas compartilhavam do

mesmos sentimento e das mesmas ambições em busca de uma excelente qualidade

de ensino.

As batalhas nesta época foram surgindo e sendo solucionadas com mais

facilidade, sendo vencidas uma por uma a cada dia. Durante este caminho passei

por algumas mudanças, escolhas e amadurecimento profissional. A batalha da

minha vida continua, mas hoje vejo que são necessárias para o crescimento, pois

ainda vão vir outras inúmeras e estou preparada para enfrentá-las, e como antes,

desde a época da faculdade, ainda continuo sentindo hoje alegria, frustração,

desesperança esperança, sofrimento com o lidar com a perda, em ter que saber

administrar um setor, lidar com a equipe e com os clientes, deixo ainda muitas

coisas pra trás, como diversão, lazer, desfrutar da família, dos amigos, pois ainda

continuo estudando e por muitas vezes ainda passo as madrugadas em alerta,

aprofundando o que foi aprendido nesses anos com meus mestres. Em troca ganho

experiência e conhecimento, desfruto inúmeros momentos de crises e de

determinação, pois a diferença é que agora eu sou o professor responsável pela

educação de muitos.

Concretizo aqui ainda teria muito mais o que falar, mas o que se torna mais

essencial é a luta e a tentativa de sempre prosseguir, pois quanto maior for o

problema e as dificuldades que enfrentamos; quanto mais dura, longa e cansativa for

nossa jornada, melhor será o gosto da vitória. Aprendi que, muitas vezes, as quedas

se fazem necessárias para que possamos levantar, lutar e continuar a seguir o alvo

- nossos ideais, e que o grande segredo do sucesso é colocar amor em tudo que

possamos fazer, e que cada etapa vencida da minha vida não seja o término, mas

sim o início de uma linda e longa caminhada de conhecimentos, de sentimentos de

experiência e sucesso, que Deus seja sempre meu guia e mestre, tomando sempre

a direção de todos os meus passos...

O PERSISTIR TEM QUE SER SEMPRE, DESISTIR NUNCA, POIS OS

OBSTÁCULOS SÃO MUITOS, MAS A VONTADE É SEMPRE MAIOR.

Agradeço ao meu querido Deus e Pai por todas as coisas boas que vivi, e

por tudo o que tens feito para me livrar de tantos males, também sei que o bem

apenas dele é que vem. O que vivi de ruim em minha vida foi por ignorância,

estupidez e escolha minha, apenas minha.

Mas minhas felicidades eu só devo ao Pai!

Agradeço a todas as pessoas que sempre me quiseram bem, com elas

aprendi a perdoar, amar e a precaver-me contra as intempéries do mundo - eu

simplesmente agradeço!

E dizer que: "O sol sempre nascerá para mim, mas um dia, eu não nascerei

mais para ele, essa é a lei da vida. "

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Oração da Enfermeira

Logo ao amanhecer, começam a se movimentar, na luta contra a dor para a

vida de o seu semelhante salvar. Chamadas a todos os cantos, a todos atende com

muito amor, às vezes mal compreendidas, sem o semelhante reconhecer seu valor.

Às vezes até nem é culpada, de demorar a atender, esquecemos que esteve

ocupada, com outro caso grave para resolver. Com suas fardas brancas e lindas,

estão atentas à toda hora, para trazer o bálsamo que cura, como um anjo mandado

por Deus. Todos os doentes curados, saem alegres, por voltarem ao lar, A elas

devemos tributar, grande parte da nossa gratidão, pois contribuíram como puderam,

para nossa recuperação.

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ANEXOS