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O Tempo Retorna:Formas elementares da pós-modernidade
Michel Maffesoli
Tammie Sandri e Tauana Jeffman
Michel Maffesoli
É vice-presidente do Instituto Internacional de
Sociologia; professor da Sorbone (Paris Descartes) e do Instituto Universitário da
França; diretor do Centro de estudos sobre questões do cotidiano (CEAQ) e do
Centro de pesquisa sobre o imaginário (CRI-MSH).
Um dos mais importantes teóricos da pós-modernidade, desenvolve trabalhos
acerca dos laços sociais comunitários, da prevalência do imaginário e da vida
quotidiana nas sociedades contemporâneas.
O relevante para o teórico não é ser pós-moderno, ter esta ou aquela
identidade, mas utilizar este termo como fermento metodológico e
assim, compreender “relações e fenômenos sociais ainda em estado nascente”.
Por isto, “vale mais ser um sociólogo da pós-modernidade do que um
sociólogo pós-moderno” (1998, p. 08).
Nada é eterno. Tudo se transforma, quebra, termina, cansa.
“[...] os sistemas de explicação do mundo, elaborados na segunda metade do
século XIX, como o marxismo, o freudismo, ou o funcionalismo, baseiam-se
todos numa visão positivista, teleológica e material da evolução humana. [...]
Portanto, homogeneização nacional, institucional e ideológica” (1998, p. 09).
Deuses (épocas anteriores)
Indivíduo, História e Razão (modernidade)
Desgaste = Emergência da pós-modernidade
“Pode-se constatar , quanto à pós-modernidade, o retorno ao local, a
importância da tribo e a colagem mitológica” (1998, p. 11).
“Se tomamos por hipótese a existência de um local tribal gerador de pequenas
mitologias, qual seria o seu substrato epistemológico? Empiricamente parece que
o Indivíduo, a História e a Razão cedem, mais ou menos, lugar à fusão afetual
encarnada no presente em torno de imagens de comunhão” (1998, p. 12).
Indivíduo > Persona, aquele que exerce diversos papeis nas tribos às quais
adere. A identidade fragiliza-se, dando lugar às identificações.
Pós-modernidade: “a importância da imagem na constituição do sujeito e da
sociedade” (1998, p. 13).
A modernidade foi essencialmente iconoclasta, renegando a imagem e o
imaginário, considerando-os “a louca da casa”.
Atualmente, observamos o retorno da imagem, tão negada e repelida.
Imagem publicitária, imagem televisual, imagem virtual, imagem de marca.
“Tudo deve ser visto e apresentar-se em espetáculo” (1998, p. 13).
“As civilizações são mortais, enquanto a vida perdura” (1998, p. 14).
“Nada pode parar uma ideia cujo o tempo já chegou” (Victor Hugo APUD
Maffesoli, 1998, p. 14).
“...essa passagem de um tempo para outro não é uma coisa nova [...] existemressacas, retornos violentos de coisas que se acreditava estaremdefinitivamente superadas”(2012, p. 3).
Metáfora “onde o prazer dos olhos tem seu lugar” (2012, p. 8).
Estetização: ruptura entre modernidade e pós-modernidade.
“Esse “mais antigo” está presente no coração de nossa humanidade [...] é estefundo [...] verdadeiro capital que se constituiu ao longo dos séculos.
Memória sedimentada. Tradição enraizada” (2011, p.11).
Fala de “duração como “envolvimento” pelo passado: garantia do futuro.” Chave
universal para entender fenômenos pós-modernos.
“A volta à matriz”. Ingresso (ingrès) para designar vitalidade,
de múltiplas manifestações. Não regressão.
“se contentando com essas pequenas utopias intersticiais, “zonas de autonomia
temporárias”, onde se vai aninhar a intensidade do presente”.
“o vivido concreto [...] coloca-se como vetor de religação ao mesmo tempo comos outros e com o espaço que é a nossa matriz comum” (2012, p.12).
Concreto = crescer com – os outros e o mundo
“Cada um, pessoa plural em sua tribo de escolha, vai ser o que é a partir dasligações que o constituem. Ligações deafetos, odores, gostos, sentimentos, sensações, tudo fazendo que cresçamos com.”
“O Ritmo da vida (2004) corre a partir de um ponto fixo. [...] O fluxo vital nãoescapa a essa lei necessária [...] que lembra a importância do complexo, anecessidade das raízes, a profundidade da superfície. Em suma, oenvolvimentismo útil a todo crescimento”.
Experiência é outra forma de designar a tradição. A ênfase é posta na vida, no
cotidiano, no seio da tribo.
Proxemia: fundo individual da vida cotidiana, próximo, vida do dia a dia,
proximidade, vivido, experiência.
“Quando nada é importante, tudo tem importância” (2012, p. 17).
Revolução da vida cotidiana “nos força a reconsiderar uma cultura feita de
elementos simples e servindo de cimento ao estar junto, ao viver junto. A
relação com o outro sendo tributária do lugar onde se vive” (2012, p. 18 ).
Fala da horizontalidade da lei dos irmãos – irmanação.
Para autor, a ordem simbólica, a da correspondência no grupo, com
a natureza, em referência ao sagrado, estabelece o homem em
relação. Copertencimento enquanto comunicação.
“[...] a morte do poder é sempre o indício de revivescência da potência” (2012 p. 20).
Não mais o contrato racional na base do viver junto, mas o pacto emocional.
Sociologia compreensiva (de Webber) – compreender = tomar junto, viver com..
O sentido pode ser vivido no aqui e agora, “tudo faz sentido” = correspondência
holística. “A partir desse presenteísmo que o “lugar cria laço” (2012, p. 24).
Presente como presença para o outro. Vínculo – religiosidade presenteísta “sendo a
especificidade do espírito do tempo”. Solidariedade mecânica dá lugar à orgânica,
vinda de baixo, “repousando sobre o sentimento de pertencimento e as
emoções vividas em comum” (2012, p. 26).
Divino se torna difuso: “Ambiência advinda de um processo de vinculação onde a
fauna, a flora, vivendo sob todas as suas formas, se harmonizam, tanto bem
quanto mal, para constituir um ser coletivo, cuja partilha no quotidiano é o
elemento central” (2012, p. 27).
Atmosfera = atmos – vapor que pode submergir, impossível de controlar e de
abstrair-se
Clima = elemento do caráter das nações. Clima espiritual tem consequências
sobre os modos de vida. Informa as maneiras de ser.
Com geossociologia (importância do enraizamento) a climatologia elucida o
espírito do tempo do qual somos tributários.
“A climatologia nos lembra que existe o “mais que um” no ar, mais que o
Indivíduo” (2011, p. 30).
“na atmofera do momento: a pregnância dos “vapores” coletivos que se exprimem
na volta de um sentimento difuso do sagrado” (o sacral de Régis Debray).
“(...) nesse espírito do tempo que nos ocupa no mais alto grau, o
aspecto difuso do sagrado, da “transcendência imanente” em questão,
desempenha um papel matricial” (2012, p. 32).
“Retroceder do derivado ao essencial permite [...] captar o que se expressa de
uma forma oculta [...] “verdadeira revolução dos espíritos, que se vê a volta dos
humores, paixões, emoções” (2012, p. 33).
“As atmosferas, os vapores vindos do céu, crenças e terra compartilhados pela
tribo, é isso mesmo que, para além do contrato racional, vai privilegiar o pacto
emocional” (2011, p. 35). “É o que permite que se fale de éticas da estética.”
Fala de saturação da moral-política e revivescência da ética-estética.
Magia simbolista - ordem simbólica encontra vetor eficaz no emocional
Olhar do outro: parâmetro. “Andamos em marcha cadenciada segundo
uma melodia elaborada pelo outro” (2012, p. 41).
“As vibrações estão no ar dos tempos. Como já disse,
vivemos em uma verdadeira mudança climática e, com certeza,
temos uma cara de atmosfera!” (2012, p. 41).
“Pessoa plural e tribos emocionais, eis o que é, hoje em dia, difícil de
negar, ou de denegar” (2012, p. 43).
Cultura do instinto, em que se quer afrontar o destino, jogar com
eventualidade, risco, aventura.
Versatilidade de opiniões e refluxo do engajamento político são manifestações
dessa dessubjetivação - perda no outro. “[...] pessoa que se despedaça para
aceder a um si mais vasto: o si da tribo, o si da natureza ou o si da religiosidade. ”
“Nessa fragmentação do si ao Si, tudo é relativo, isto é, tudo é relação. E o
vívico das encenações, dos chats e dos diversos sites de redes sociais é a
manifestação por excelência de um despedaçamento desse tipo” (2012, p. 45).
Pessoa plural se observa na indecibilidade.
Propõe três grandes características do fenômeno tribal: supremacia sobre o
território onde se situa; compartilhamento de um gosto; volta da figura da
criança eterna.
“Tudo que parece paradigmático do sentimento de pertencimento que é
sua causa e efeito” (2011, p. 48).
Lugar, território, localismo: social está ligado ao tempo. Socialidade, ao espaço.
“Às vezes, ao deixar seu território, a tribo faz algumas derivas em outro bairro
da cidade, no “bairro nobre” que atrai sem lhe ser familiar. No entanto, o ponto
de ligação, a fonte de seu ritmo comunitário, permanece o lugar onde tem seu
habitus, seus usos e costumes” (2012, p. 49).
Lugar e gosto conduzem à característica da criança eterna. Figura da criança
como essencial para imaginários sociais.
Maffesoli (2012, p. 57) entende por “invaginação”, a lógica do regresso, o retorno
ao ventre, a volta às nossas origens, para a busca do sentido da vida, com a busca
do sensível.
Neste aspecto, Maffesoli (2012, p. 59) sublinha que ao invés de buscarmos esse
sentido em um lugar longínquo, de projetarmos nossa felicidade para o
futuro, nós agora vivemos a filosofia Carpe Dien, aproveitando o hoje, o agora.
Sendo assim, o autor compreende que não estamos mais presos a um
progressismo, mas sim, estamos entrando em harmonia com “os ritmos, quase
fisiológicos, da nossa existência”.
Neste novo compasso da vida, destaca-se o culto ao
corpo. Desta forma, Maffesoli (2012, p. 61-62) acredita
que estamos nos “cosmetizando”, onde a cosmética é a
“valorização do corpo que adornamos (moda), de que
cuidamos (dieta), que construímos (body building) e que
conservamos (antienvelhecimento)”.
Para o autor, há uma “revivência mística” nesta celebração
do corpo, onde nós criamos o nosso quotidiano e nos
vestimos, moramos e comemos por meio da
criatividade, para dar “existência a mais bela forma”.
Nas palavras de Maffesoli (2012, p. 62), na pós-
modernidade vivemos um “materialismo mítico e um
corporeísmo espiritual”. Ou seja, nós voltamos a nossa
“pulsão primitiva” de nos adornarmos, nos enfeitarmos.
Nós cuidamos deste corpo, construímos e adornamos. E
tal aspecto não significa a individualização do
sujeito, mas o contrário, tais esforços são empenhados
para o reconhecimento alheio, um reconhecimento no
presente, pois sabemos que nosso corpo está condenado à
decadência.
Maffesoli (2012, p. 73) compreende que estamos nos transformando em pessoas
andrógenas, “tendo um patchwork de opiniões e vivendo um turn over
profissional”. Na realidade, vivemos “várias vidas em uma só”. E tal contexto não
significa momentos de anarquia, mas sim, de renovação.
Ilustrando esta concepção, o autor apresenta-nos exemplos
mitológicos, etnológicos e históricos. Assim, a mitologia nos apresenta Dionísio, o
deus andrógeno, das festas, das atividades prazerosas, do erotismo e também da
ambiguidade sexual.
Vida privada > Modernidade.
Segundo Maffesoli (2012, p. 77), “a pluralização da pessoa
é o coração vibrante do fenômeno tribal. Seguindo as
tribos das quais participamos, vestiremos a máscara
adequada e desempenharemos, por consequência, o papel
esperado”.
Desta forma, também há o “nômade sexual”, aquele que
busca um “novo mundo amoroso”, e sua procura é
facilitada pela internet. Para Maffesoli (2012, p. 78), “o sexo
no âmbito do aprisionamento conjugal já teve sua época”.
> Turismo
Valor das férias > Férias de valores.
Maffesoli (2012, p. 78-80) conta-nos que o “tour” era
destinado primeiramente a uma elite operária, onde após
a realização do trabalho, era permitido um “tour de
France”. Mas a partir do século XIX, houve uma iniciação
entre “artistas, jovens nobres, ou romancistas”. Tal grupo
aproveitava o “tour de d’Italie”, onde apreciavam grandes
obras da cultura da humanidade. Por meio da
curiosidade, esses jovens “adquiram uma cultura que faz
parte integrante de um capital que eles
saberiam, depois, explorar”.
Nas palavras de Maffesoli (2012, p. 84), o arcadismo é aflorado na pós-
modernidade, sendo que este se trata do primeiro, antigo, fundamental.
Uma volta às questões essenciais da vida.
Se os iconoclastas afirmam que a sociedade vive um
desencantamento, Maffesoli (2012, p. 86), por sua vez, argumenta que
presenciamos um reencantamento do mundo.
Maffesoli (2012, p. 90-95) argumenta que no ciberespaço “a rebelião do
imaginário se manifesta, com esplendor”, por meio de fantasias, de brincadeiras
e de fantasmagorias. Sendo assim, “o festivo, o imaginário e o onírico coletivos
se tornam as normas do ‘cyber’”.
A imagem, por sua vez, torna-se o que Durand denominou de
mesocosmo, atuando como ligação, vínculo entre indivíduos, ou “um mundo
do meio”, onde se “comunga a partilha das imagens eletrônicas”. Neste
contexto, o virtual do ciberespaço manifesta o desejo dos indivíduos de “estar
junto”, sendo que, “a partir do virtual, o vínculo social é ao mesmo tempo
sólido e pontilhado”.
A socialidade que daí emerge, é formada por “esse imaginário lúdico ou
onírico”, visto que, além de interagir e comungar, a socialidade nas redes
sociais nos permite “viver vidas múltiplas”.
Para Maffesoli (2012, p. 96), “através dos pseudônimos, dos papeis
desempenhados, de homepages verdadeiras ou falsas, cada um se investe de
figuras arquetípicas e por aí se inscreve na linhagem, com a concatenação
assegurando a permanência da comunidade humana”.
No dia 04 de fevereiro de 2008, um mar de pessoas inundou Bogotá, numprotesto contra as FARC. Tudo começou no Facebook, no quarto de OscarMorales.
Smart mob
Mobilizações “constituídas por pessoas quesão capazes de agir juntas mesmo sem seconhecerem”. As pessoas que participam dossmarts mobs “cooperam de maneira inéditaporque dispõem de aparatos comcapacidade tanto de comunicação quanto decomputação” (RHEINGOLD apud LEMOS2010, p. 72).
O autor acredita que o desenvolvimento tecnológico não está contribuindo
para as solidões, mas sim, está contribuindo para “uma nova ligação:
estar, sempre, em contato, em união, em comunhão, ser antenado”. Sendo
assim, para Maffesoli (2012, p. 98), “o ‘ciberespaço’ é um laço, de contornos
indefinidos, infinitos, onde, de uma forma matricial, se elabora o encontro
com o outro, onde se fortalece o corpo social”.
Maffesoli (2012, p. 100-101) sublinha que na socialidade, “é notável a
multiplicação de sites comunitários” onde percebemos o “desejo de
comunhão”. Para o autor, “os sites
comunitários, blogs, Orkut, Twitter e outros lembram que o
reencantamento do mundo está bem ancorado na socialidade pós-moderna.
Como as tribos primitivas em torno de seus totens, os internautas
contemporâneos se reúnem em torno de seus ídolos específicos”.
A pós-modernidade é a “sinergia do arcaico e do desenvolvimento tecnológico.
Essa tecnologia que tinha desencantado o mundo, está, curiosamente,
reencantando-o”.
Maffesoli (2012, p. 105) acredita que o cotidiano e o imaginário
concernem a pós-modernidade em curso. O cotidiano pode ser compreendido
como a maneira da sociedade estar junto, é o solo da comunhão. Já o imaginário
é esse “céu de ideias”, é o que garante a “coesão do conjunto social”.
Gilbert Durand é citado por Maffesoli (2012, p. 106), pois este afirma que as
estruturas antropológicas de Durand mostram como a vida social e a cultura só
podem ser entendidas pelo imaginário. Desta forma, compreende o
Maffesoli (2012, p. 106), “se quisermos captar a lógica íntima de um
acontecimento, ou de uma série de acontecimentos, talvez seja bom perceber
toda a sua carga imaginária, esse luxo noturno da fantasia”.
Nesta relação de tecnologia e imaginário, Maffesoli (2012, p. 108) acredita que a
pós-modernidade é a época do tecnomágico, enquanto o pré-moderno foi a
época do mágico e a modernidade a época do teológico-positivo.
Maffesoli (2012, p. 113) conclui lembrando-nos da metáfora bacia
semântica de Durand, onde esta é nutrida por “vários riachos nos flancos
das montanhas, que vão constituir uma nova corrente cultural, a que vamos dar
um nome e de que vamos concertar os guias antes que eles se percam de novo
no delta e um novo ciclo recomece”. Assim, o autor compreende que o riacho da
modernidade conclui-se e que presenciamos o surgimento de um novo riacho: a
pós-modernidade.