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Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura
Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
O TRATAMENTO DADO À VARIAÇÃO LINGUÍSTICA EM PLANOS
DE AULA DA REVISTA NOVA ESCOLA
Rodrigo Alves Silva
Mestre e Doutorando em Letras – Universidade Federal do
Piauí (UFPI) – Teresina – Piauí – Brasil.
RESUMO: Este trabalho se insere no âmbito da Sociolinguística Educacional e tem como
objetivo geral analisar o tratamento dado à variação linguística em planos de aula da revista
Nova Escola. Os objetivos específicos são: fazer o levantamento dos planos de aula que
abordam variação linguística; identificar que aspectos da variação linguística são
abordados, se regional, social etc.; analisar que atividades são propostas para que sejam
desenvolvidas em sala de aula. Em termos metodológicos, essa pesquisa se caracteriza por
ser de cunho bibliográfico e qualitativo, uma vez que foram analisados seis Planos de Aula
(PA) propostos pela revista Nova Escola, à luz da BNCC, e disponíveis em seu site. Os
Planos de Aula selecionados são do nível do 6º ano do Ensino Fundamental e tratam do
tema da variação linguística. A análise dos planos teve como base teórica as discussões
sobre língua, norma, variação e ensino, fundamentadas em autores como Faraco (2008),
Bagno (2002), Possenti (1996), entre outros. Quanto aos resultados, percebeu-se que os
planos apresentam estratégias didáticas diversificadas, seguindo a proposta da BNCC e
fazendo uso de gêneros textuais como letras de canção, textos dramáticos e cenas de filmes.
Além disso, os planos sempre sugerem perguntas para reflexões que os professores podem
fazer aos seus alunos, a fim de discutir as noções de “certo” e “errado” em língua e a questão
do preconceito linguístico.
PALAVRAS-CHAVE: Variação linguística. Planos de aula. Ensino de língua.
ABSTRACT: This work is inserted in the Educational Sociolinguistics scope and has as
general objective to analyze the treatment given to linguistic variation in lesson plans from
the Nova Escola magazine. The specific objectives are: to make a collection of lesson plans
that approach linguistic variation. To identify witch aspects of linguistics variations are
approached, if regional, social etc.; to analyze which activities are proposed in order to be
developed in classrooms. In methodological terms, this research is characterized as being
bibliographical and qualitative, since six Lesson Plans (LP) proposed by the Nova Escola
magazine were analyzed, under the BNCC, and available on its site. The selected Lesson
Plans belong to the 6º grade of the Elementary School and adress the linguistic variation
theme. The analysis of the plans had as theoretical basis the discussions on language,
norms, variations and teaching, grounded by authors like Faraco (2008), Bagno (2002),
Possenti (1996), among others. As of the results, it was realized that the plans present a
diversified didactic strategies, fallowing the BNCC proposal and making usage of textual
genders like song lyrics, dramatic texts and movie scenes. Beyond that, the plans always
suggest questions for reflections that the teachers can make to their students, in order to
discuss the notions of “right” and “wrong” in language and the matter of linguistic
prejudice.
KEYWORDS: Linguistic variation. Lesson plan. Language teaching.
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Ano 16 - n.25 – 1º semestre– 2020 – ISSN 1807-5193
INTRODUÇÃO
Este trabalho se insere no campo da Sociolinguística Educacional e discute o tratamento
dado à variação linguística em Planos de Aula propostos pela revista Nova Escola, baseados na
Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Tal discussão se faz necessária devido à
importância que se deu ao tema da variação linguística na BNCC. Com isso, ao seguir as
diretrizes da Base, os professores de língua portuguesa devem abordar, em suas aulas, a
variação linguística do português com mais afinco.
Desde o advento da Sociolinguística, na década de 1960, e a democratização do ensino,
tem-se discutido a respeito de um ensino de língua materna que valorize as variedades
linguísticas dos alunos, sem contudo deixar de ensinar a norma-padrão, que é objeto de ensino
da escola. Os PCN já previam um ensino mais reflexivo da língua, colocando o texto como
elemento central, tanto para sua leitura como para sua produção, e, em alguns momentos,
propõe a abordagem da variação linguística.
Com a aprovação da BNCC em 2017, a variação linguística passou a ser tratada como
um dos campos do conhecimento linguístico ao lado da Fono-Ortografia, Morfossintaxe,
Sintaxe, Semântica e Elemento Notacionais da Escrita. Ainda que haja essa previsão de
abordagem da Variação Linguística, a BNCC não esclarece sobre como trabalhar, em termos
metodológicos, esse campo do conhecimentos em sala de aula. Isso porque a BNCC é apenas
uma base que propõe diretrizes para elaboração de currículos estaduais ou municipais e,
posteriormente, de planos de aula por escolas e professores.
Tendo em vista essa necessidade de tornar a BNCC algo mais prático ao professor das
séries finais do Ensino Fundamental, a revista Nova Escola montou uma equipe de professores,
chamados de time de autores, de vários estados do Brasil, a fim de elaborar planos de aula e
disponibilizá-los no site da revista, no intuito de torná-los acessíveis aos professores. Tais
planos de aula buscam abordar todas as temáticas apresentadas na BNCC, não só a variação
linguística.
Diante disso, a pergunta que norteia esta pesquisa é: como os planos de aula elaborados
pelo time de autores da revista Nova Escola tratam a variação linguística? Que atividades são
propostas para alunos e professores? A fim de responder tais perguntas, este trabalho tem como
objetivo geral analisar o tratamento dado à variação linguística em planos de aula da revista
Nova Escola. Os objetivos específicos são: fazer o levantamento dos planos de aula que
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abordam variação linguística; identificar que aspectos da variação linguística são abordados, se
regional, social etc.; analisar que atividades são propostas para que sejam desenvolvidas em
sala de aula.
A relevância desta pesquisa se dá, sobretudo, pelo aspecto didático-pedagógico, uma
vez que se trata de uma análise de planos de aula, os quais podem ser utilizados por professores
do todo o país e isso refletirá no ensino de língua de modo geral. Além disso, esse estudo poderá
contribuir na medida em que apresenta o que já se propõe sobre a abordagem da variação
linguística em sala de aula e o que ainda precisa ser melhor explorado.
Este trabalho se estrutura da seguinte forma: primeiramente, faz-se uma discussão
teórica sobre a sociolinguística educacional, ensino de língua materna e variação linguística.
Em seguida, apresenta-se a metodologia que norteou a pesquisa. Posteriormente, faz-se a
apresentação e a análise dos dados. E, por fim, as considerações finais.
LÍNGUA E NORMA
O surgimento da Linguística, no início do século XX, representou um grande avanço
nos estudos sobre a língua. Segundo Possenti (1996), uma das importantes contribuições no
estudo de línguas foi saber que não existem línguas primitivas ou línguas mais complexas do
que outras. Há quem acredite, por exemplo, que o português seja uma língua difícil por ter
“tantas regras e exceções”. No entanto, os estudos linguísticos já constataram que toda língua
apresenta estruturas de igual complexidade.
Outra grande contribuição da Linguística, sobretudo com o advento dos estudos
sociolinguísticos (mas não só), foi a constatação de que a língua é dinâmica e que, por isso,
sofre constantes variações e mudanças. Para Tarallo (1986), “tanto a variação (situação
linguística em um determinado momento; sincronia) como a mudança (situação linguística em
vários momentos sincrônicos, avaliados longitudinalmente; diacronia) linguísticas devem ser
estudadas” (TARALLO, 1986, p. 35). Além disso, como afirma Camacho (2003), “toda
mudança é o resultado de algum processo de variação” (CAMACHO, 2003, p. 56). Assim
sendo, não existem línguas uniformes.
Ratificando essa ideia, Faraco (2008) afirma que “língua é sempre heterogênea, ou seja,
constituída por um conjunto de variedades (por um conjunto de normas)” (FARACO, 2008, p.
73). Como consequência disso, não se pode afirmar que haja uma língua puramente homogênea,
ou que exista uma língua correta e pura de um lado e as variações de outro. Na verdade, o que
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existem são diversas realizações linguísticas, em uma mesma língua, que permitem a interação
verbal entre os falantes.
A crença de que existe uma língua uniforme surge da ideia do senso comum de que
língua é sinônimo de gramática (estudada na escola). Cabe distinguir aqui, mesmo que
sumariamente, língua e gramática1: a primeira, de acordo com Faraco (2008, p. 33), é um
conjunto de variedades; a segunda, por sua vez, entre outros sentidos, é um recorte da língua na
modalidade escrita, em um determinado período no tempo, para servir de modelo aos
falantes/escritores.
Por não levar em conta essa distinção, a comunidade em geral acredita que língua e
gramática são a mesma coisa e que, por isso, qualquer construção linguística que esteja em
desacordo com a gramática é considerada “errada”. Entretanto, em termos de língua, não
convém falar em erro, mas sim em variação. Conforme Possenti (1996), erro seria, na verdade,
qualquer construção linguística que nenhum falante de uma língua utiliza. Nesse sentido, erro
corresponde ao que se considera agramatical (construção que não condiz com os princípios e
as regras de uma determinada língua). No caso do português, por exemplo, seria erro ou
agramatical colocar o artigo depois do substantivo em um sintagma nominal, como *menino o.
Ainda levando em conta a noção de heterogeneidade linguística, Faraco (2008) concebe
variedade como sinônimo de norma. Para ele, o conceito de norma compreende dois aspectos:
o de normalidade – que corresponde àquilo que é recorrente, normal e usual em uma língua; e
o de normatividade – que diz respeito ao estabelecimento de padrões. Com isso, Faraco (2008)
distingue norma-padrão e norma culta. A primeira é “uma codificação relativamente abstrata,
uma baliza extraída do uso real para servir de referência, em sociedades marcadas por
acentuada dialetação, a projetos políticos de uniformização linguística” (FARACO, 2008, p. 75
– grifo nosso). A segunda é “o conjunto de fenômenos linguísticos que ocorrem habitualmente
no uso dos falantes letrados em situações mais monitoradas de fala e escrita” (ibidem, p. 73).
Essa distinção entre norma-padrão e norma culta vai de encontro, mais uma vez, à
concepção de equivalência entre as duas normas pelo senso comum. Hoje, em muitos casos, as
duas normas são tratadas como sinônimos. Entretanto, e parafraseando os conceitos
anteriormente apresentados, norma-padrão é um “modelo de língua” e norma culta diz respeito
1 Vale destacar que o termo gramatica possui diferentes concepções, como gramática internalizada, gramática
descritiva e gramática normativa (POSSENTI, 1996). A concepção de que se trata neste trabalho é de gramática
normativa.
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às realizações linguísticas de falantes com nível superior completo, a qual estaria mais próxima
da norma-padrão. Faraco (2008) ressalta que a própria norma culta sofre variação em si mesma
quando das realizações nas diferentes modalidades (oral e escrita).
Em harmonia com os conceitos apresentados, Mattos e Silva (2004) também propõe
uma distinção de normas. A autora, por seu turno, trata de norma padrão, normas cultas (no
plural), e ainda normas vernáculas. Mattos e Silva (2004) faz essa distinção de normas
linguísticas, sobretudo no contexto escolar. Eis, então, o conceito de cada uma delas nas
palavras da autora:
norma padrão, preconizada pela tradição escolar e idealizada pelos estudos
gramaticais no Brasil desde a segunda metade do século XIX; normas cultas
(definindo-se como cultos indivíduos de escolarização completa, ensino fundamental,
ensino médio e ensino superior) plurais, como vem sendo demonstrado pelas análises
sucessivas que se vêm publicando, a partir dos dados coletados desde inícios de 1970
pelo Projeto nacional e interinstitucional Norma Urbana Culta (NURC); e as normas
vernáculas, tal como as cultas, plurais, que a massa de estudantes de seguimentos
socioculturais socioeconomicamente desprivilegiados trazem de suas casas e que cada
vez mais coincidem com as normas vernáculas da grande maioria dos professores das
escolas públicas, e também privadas, sobretudo as de ensino fundamental, por razões
sociopolíticas facilmente deduzíveis, decorrentes do real desprestígio que no Brasil
têm a qualidade da escola e a qualificação dos professores, apesar de discursos, cada
vez mais frequentes, no sentido contrário (MATTOS E SILVA, 2004, p. 109 – grifo
meu).
Com base no excerto acima, percebe-se que a autora afirma também que a própria norma
culta apresenta variações, visto que os falantes cultos, que são os falantes dessa norma, também
se distinguem por fatores geográficos, sociais, de sexo, etc., o que implica tais variações.
A autora também faz menção ao Projeto nacional e interinstitucional Norma Urbana
Culta (NURC), que desenvolveu pesquisas no Brasil sobre o falar das pessoas cultas. As
pesquisas se realizaram em cinco capitais – Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto
Alegre. Foi com as pesquisas desse projeto que se teve a comprovação de que o falar de pessoas
com grau superior completo se distancia, em determinadas situações, da norma-padrão e se
aproxima mais das normas vernaculares.
Por ser um ideal de língua, a norma-padrão é apregoada aos falantes durante toda sua
carreira escolar, além de ser defendida por outros meios, como jornais, revistas, consultórios
gramaticais etc. O que registra, pois, essa norma abstrata é a gramática normativa. Nela, se
materializa toda essa língua abstrata, como um conjunto de regras a serem seguidas.
No Brasil, a norma-padrão foi estabelecida na segunda metade do século XIX,
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conforme Pagotto (1998)2. O estabelecimento dessa norma esteve atrelado a um projeto político
da elite brasileira desse mesmo período, que consistia numa aproximação entre as culturas
portuguesa e brasileira.
Essa tentativa de aproximação cultural entre as civilizações europeia e brasileira
envolveu também questões linguísticas. A elite brasileira do século XIX convencionou eleger
a norma linguística da literatura portuguesa do período do Romantismo como a norma-padrão
da língua portuguesa no Brasil, no intuito de reforçar a europeização brasileira. Pagotto (1998)
afirma que essa escolha arbitrária da norma-padrão serviu para acentuar a distância que existe
até hoje entre essa norma e o português falado no Brasil, pois não houve qualquer abonação das
formas linguísticas realizadas pelos falantes brasileiros, mesmo que houvesse autores que
defendessem essa abonação, como José de Alencar. Pagotto (1998) ainda assevera que “afirmar
o português do Brasil como gramática possível na língua escrita equivalia a nivelar por baixo,
mesmo que uma série de traços da gramática já fizessem parte da fala daqueles que os queriam
negar” (PAGOTTO, 1998, p. 57). Com isso, observa-se que a eleição da norma-padrão do
português não seguiu um critério linguístico, mas apenas o critério político-social, com o intuito
de permanência da elite no poder em oposição à maioria da população.
No que tange ao ensino, o professor de língua se depara com alunos cuja norma
linguística não segue essa norma-padrão, mas trazem consigo um falar já consolidado pela sua
comunidade de fala, marcada por expressões que o identificam como pertencente a um
determinado grupos social. Assim, a sala de aula passa a ser também um lugar de varrições
linguística. É nesse contexto que a Sociolinguística Educacional se faz necessária, pois segundo
Bortoni-Ricardo (2014), essa campo de estudo nasceu preocupada com o desempenho escolar
de crianças oriundas de grupos sociais ou étnicos de menor poder econômico e cultura
predominantemente oral. Além disso, conforme a autora, a Sociolinguística Educacional
representa um esforço de aplicação dos resultados das pesquisas sociolinguísticas na solução
de problemas educacionais e em propostas de trabalho pedagógico mais efetivas.
A BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR E O ENSINO DE LÍNGUA
A educação brasileira passa por mudanças e desafios que, constantemente, são pontos
de debates entre professores, gestores e especialistas na área da educação. Isso porque, no
2 O autor não faz distinção entre norma-padrão e norma culta. Trata apenas de norma culta, ao se referir ao modelo
abstrato de língua, o que, neste trabalho, entende-se ser a norma-padrão.
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Brasil, sempre foi um desafio oferecer uma ensino de qualidade e igualitário que servisse de
base para formação humana integral. Além disso, a educação brasileira, ao longo de sua história,
sempre foi marcada pela desigualdade no acesso e na permanência na escola, uma vez que o
ensino se deu de forma diferenciada às mais diversas camadas sociais, privilegiando uma
pequena parcela da população e prejudicando uma grande maioria que, geralmente, se encontra
nas escolas públicas do país.
Pensando nessa realidade, e seguindo o que prevê a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB, Lei 9.394/1996), foi elaborada, durantes alguns anos e mediante
várias discussões e reformulações, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), a qual objetiva
apresentar as principais competências e habilidades que devem ser desenvolvidas na Educação
Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), em cada componente
curricular, visando “à formação humana integral e à construção de uma sociedade justa,
democrática e inclusiva” (BRASIL, 2017, p. 7). Desse modo, homologada em dezembro de
2017, a BNCC se caracteriza como “um documento de caráter normativo” que define as
aprendizagens essenciais para o aluno.
Esse documento normativo deve servir de base para a elaboração de novos currículos
em níveis federais, estaduais e municipais, que passem a contemplar os princípios estabelecidos
pela BNCC e visem ao desenvolvimento das competências3 estabelecidas pelo documento. No
entanto, é importante ressaltar que tais currículos não devem ser iguais à BNCC, mas precisam
atender às diferentes necessidades regionais e/ou locais, obedecendo sempre às diretrizes e
competências normativas previstas na Base. Em outras palavras: “as diretrizes e competências
são comuns, mas os currículos são diversos” (BRASIL, 2017, p. 11).
Diante do quadro da desigualdade e diversidade do país, a BNCC reafirma seu
compromisso com a igualdade, diversidade e equidade. Assim, orienta que “as escolas
precisam elaborar propostas pedagógicas que considerem as necessidades, as possibilidades e
os interesses dos estudantes, assim como suas identidades linguísticas, étnicas e culturais”
(BRASIL, 2017, p. 15). Partindo desses princípios, o documento explicita as aprendizagens
que devem ser garantidas a todos os alunos, promovendo a igualdade, mas respeitando suas
singularidades. Para tanto, as instituições de ensino devem desenvolver atividades que
3 “Na BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos),
habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida
cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho”. (BRASIL, 2017, p. 8).
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objetivem superar as desigualdades historicamente construídas, respeitando também as
diferenças étnicas, raciais e sociais, garantindo, então, a equidade (BRASIL, 2017).
Tendo em vista elaboração de currículos pelas mais diversas instituições de ensino ou
pelas Secretarias de Educação, a BNCC ressalta que:
BNCC e currículos têm papéis complementares para assegurar as aprendizagens
essenciais definidas para cada etapa da Educação Básica, uma vez que tais
aprendizagens só se materializam mediante o conjunto de decisões que caracterizam
o currículo em ação. São essas decisões que vão adequar as proposições da BNCC à
realidade local, considerando a autonomia dos sistemas ou das redes de ensino e das
instituições escolares, como também o contexto e as características dos alunos
(BRASIL, 2017, p. 16 – grifo meu).
Como se observa, a BNCC busca garantir, entre outras coisas, as aprendizagens
essenciais ao aluno em cada componente curricular ou disciplina. Desse modo, é possível
indagar, então, o que se tem como “aprendizagem essencial” quando se trata do ensino de língua
portuguesa?
As discussões sobre o que se deve ensinar nas aulas de português, fundamentadas em
autores como Possenti (1996), Antunes (2007), Bagno (2001), Neves (2003), Travaglia (1996),
desvelam ser ineficaz o ensino que prioriza a gramática tradicional, que impõe suas regras
prescritivas e suas classificações e nomenclaturas. Tais autores defendem um ensino reflexivo,
que priorize as práticas de leitura e escrita, reconhecendo estruturas formais e utilizando-as,
sempre visando à produção do texto oral ou escrito. Isso é previsto também nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN):
O que deve ser ensinado não responde às imposições de organização clássica de
conteúdos na gramática escolar, mas aos aspectos que precisam ser tematizados em
função das necessidades apresentadas pelos alunos nas atividades de produção, leitura
e escuta de textos (BRASIL, 1998, p. 29).
Retomando às diretrizes da BNCC, observa-se que o documento lista uma série de
decisões que devem ser tomadas quando da elaboração do currículo. Entre elas, destacam-se:
selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-pedagógicas diversificadas,
recorrendo a ritmos diferenciados e a conteúdos complementares, se necessário, para
trabalhar com as necessidades de diferentes grupos de alunos, suas famílias e cultura
de origem, suas comunidades, seus grupos de socialização etc.;
criar e disponibilizar materiais de orientação para os professores, bem como manter
processos permanentes de formação docente que possibilitem contínuo
aperfeiçoamento dos processos de ensino e aprendizagem (BRASIL, 2017, p. 17)
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Essas tomadas decisões, vistas aqui como meios de se chegar à formação humana
integral, consistem em estratégias práticas que devem ser realizadas ao longo do processo de
ensino e aprendizagem. Ao “selecionar e aplicar metodologias e estratégias didático-
pedagógicas diversificadas”, o professor em sala de aula, aquele que de fato será o responsável
por executar essas tarefas, deve estar preparado pedagogicamente e seguro da realidade em que
se insere. No entanto, para que tais estratégias pedagógicas sejam concretamente executadas, é
necessário que se crie e se disponibilize materiais de orientação para os professores, conforme
dito na citação acima.
Por conta dessa necessidade, a revista Nova Escola se propôs a desenvolver Planos de
Aulas de diferentes disciplinas da Educação Básica que fossem acessíveis aos professores,
inclusive os de língua portuguesa. Esse projeto foi desenvolvido a partir da seleção de
profissionais da educação de todo o Brasil, que trabalharam durante o ano de 2018 no estudo e
na elaboração de Planos de Aula à luz da BNCC. Os Planos de Aula foram disponibilizados no
site da revista e podem ser consultados utilizados pelos professores.
Quanto à abordagem da variação linguística na BNCC, ela é posta dentro do eixo
Análise Linguística e Semiótica e é dito o seguinte:
Cabem também reflexões sobre os fenômenos da mudança linguística e da variação
linguística, inerentes a qualquer sistema linguístico, e que podem ser observados em
quaisquer níveis de análise. Em especial, as variedades linguísticas devem ser objeto
de reflexão e o valor social atribuído às variedades de prestígio e às variedades
estigmatizadas, que está relacionado a preconceitos sociais, deve ser tematizado
(BRASIL, 2017, p. 79).
As habilidades propostas para o ensino da variação linguística são:
Conhecer algumas das variedades linguísticas do português do Brasil e suas diferenças
fonológicas, prosódicas, lexicais e sintáticas, avaliando seus efeitos semânticos.
Discutir, no fenômeno da variação linguística, variedades prestigiadas e
estigmatizadas e o preconceito linguístico que as cerca, questionando suas bases de
maneira crítica (BRASIL, 2017, p. 81).
Com isso, observa-se que o tema da variação linguística tem sim lugar na Base Nacional
Comum Curricular e, portanto, deve ser tratado nas aulas de língua portuguesa. Conforme
Patriota e Pereira (2018), cabe às escolas implementar em seus currículos ações que reconheçam
a variação linguística e combatam o preconceito linguístico. Além disso, afirmam que a postura
do professor também é importante, pois este deve assumir a abordagem do ensino pautado na
variação e não no ensino mecanicista da gramática normativa tradicional.
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A seguir, apresenta-se os aspectos metodológicos deste trabalho.
METODOLOGIA
Esta pesquisa se caracteriza por ser de caráter bibliográfico e qualitativo. Isso porque
são feitas análises de planos de aula propostos pela revista Nova Escola. Os planos de aula
selecionados para análise são num total de seis e correspondem à série do 6º ano do Ensino
Fundamental maior. Optou-se por essa série de ensino pelo fato de eu, enquanto professor,
trabalhar em série desse nível, ministrando aulas de língua portuguesa. Desse modo, além de o
trabalho contribuir com as pesquisas na área da Sociolinguística Educacional, poderá suscitar
reflexões posteriores sobre minha prática docente. Além disso, o 6º ano é a primeira série do
Ensino Fundamental maior e é um nível oportuno para que os alunos comecem a pensar de
modo mais crítico e reflexivo sobre a língua.
A escolha por seis planos de aula para análise se deu pela quantidade de planos
encontrados cujos títulos citam a variação linguística. Assim, a seleção dos Planos de Aula
ocorreu da seguinte forma: primeiro acessou-se o site da Nova Escola; em seguida, fez-se o
filtro para seleção dos Planos, estabelecendo como critérios a série do 6º ano e o tema “variação
linguística”. Como resultado, apareceram 59 Planos de Aula, dos quais apenas seis trazem no
título alguma menção à variação linguística, o que não significa dizer que os outros planos não
abordem o tema de alguma forma.
Para análise, buscou principalmente observar os objetivos do Plano de Aula e o modo
de desenvolver o tema da variação linguística, de modo eminentemente descritivo. Ademais,
optou-se por apresentar, em formas de imagens, o resumo de cada Plano de Aula, a fim de que
se tenha uma visão geral da proposta de cada plano. Cada Plano de Aula recebeu a identificação
de PA, seguida do número da sequência (PA 1, PA 2, PA 3, PA 4, PA 5, PA 6). Tais resultados
e análises são apresentados a seguir.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os Planos de Aula em análise seguem o mesmo padrão, com uma estrutura de cabeçalho
formada pelo professor-autor do plano, o mentor e o especialista. Quanto à caracterização da
aula, tem-se o título da aula, a finalidade da aula, o objeto do conhecimento, a prática de
linguagem e a habilidade da BNCC.
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Conforme se observou na pesquisa, alguns Planos de Aula compõem uma sequência de
planos que tratam do mesmo tema, como é o caso do plano seguinte, que é o primeiro de uma
sequência de três planos.
Figura 1: caracterização do PA 1
Fonte: site da Nova Escola
No Plano acima, a finalidade é compreender o conceito de variação linguística a partir
de exemplos da modalidade oral. Dessa forma, observa-se a preocupação em fazer os alunos
entenderem o que de fato é variação linguística. Conforme o Plano de Aula, o professor deverá
ter conhecimento teórico sobre o tema para levar os alunos a refletirem sobre a existência de
diferentes formas de falar no Brasil. É sugerido também que o professor faça um levantamento
sobre o que os alunos já sabem sobre o tema. Para tanto, o Plano sugere a reprodução de dois
vídeos que podem suscitar as discussões sobre a variação: o trailer do filme O auto da
compadecida e o curta-metragem Chico Bento em “Na roça é diferente”. Tais materiais
audiovisuais são interessantes para serem utilizados em sala porque trazem personagens com
falas regionais, o que caracteriza o fenômeno da variação linguística.
Além disso, o Plano propõe um trabalho de leitura coletiva da letra de canção
“Documento de Matuto”, de Luiz Gonzaga. A sugestão dada ao professor é que, após a leitura,
seja pedido aos alunos que destaquem as palavras desconhecidas e as palavras escritas conforme
a oralidade. Em seguida, pede-se que seja utilizado o dicionário a fim de procurar a grafia
correta das palavras destacadas na letra da canção.
Conforme se observa, propõe-se uma aula introdutória que faz os alunos pensarem sobre
as diversas formas de se falar. Muitas delas podem fazer parte da realidade dos alunos que
estejam assistindo à aula. O professor, portanto, deve destacar que existem situações em que a
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fala pode ser informal ou não. Ademais, observa-se um destaque para a variação no nível
fonético e prosódico, uma vez que a fala dos personagens de O auto da compadecida, do curta-
metragem do Chico Bento e a letra de canção “Documento de Matuto” trazem casos em que a
variação ocorre pela pronúncia das palavras, pela entoação da fala dos personagens, ou pelo
uso de palavras como “vivê”, “fío”, “criá”, ‘óio”, “pudê”, “sustentá”, “mostrá”, que destacam
a ausência do som de r no final de verbo ou a despalatalização do som de lh. Desse modo,
observa-se que o foco é a variação linguística na modalidade oral.
Quanto ao Plano de Aula 2, tem-se a segunda aula da sequência de 3. A finalidade desta
é analisar os efeitos de uso de variedades linguísticas em letras de música. As duas músicas
selecionadas para esta aula foram “Chopis Centis”, de Mamonas Assassinas, e “Em volta da
fogueira”, de Projota. A orientação dada ao professor é que a letra seja projetada e o áudio seja
reproduzido, pois a oralidade é o foco principal. Ei-lo:
Figura 2: caracterização do PA 2
Fonte: site da Nova Escola
O trabalho com músicas em sala de aula pode tornar a aula prazerosa e os alunos sempre
se interessam em ouvi-las, mesmo não as conhecendo. As músicas selecionadas provavelmente
não são de conhecimento dos alunos, mas não impedem de serem utilizadas, pois trazem marcas
de oralidade. Nesse caso, o professor pode sondar músicas que estão em alta naquele período e
que contenham marcas de oralidade para também trabalhar em sala de aula.
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O Plano de Aula ainda sugere que seja exibido aos alunos um vídeo que trata do falar
paulistano, cujo título é “Entenda o 'paulistanês', sotaque da capital que reúne 'parças' há 'mó
cota'” e, por fim, propõe-se que seja feita uma reflexão final sobre o porquê de os compositores
de música preferirem utilizar essas marcas de oralidade em suas músicas.
Esse trabalho de reflexão é bastante interessante, pois leva o aluno a pensar nas
motivações do compositor em usar a linguagem mais informal. Isso faz o aluno reconhecer que
sempre há intenções nos textos e na escolha de uma variedade ou de outra. Nesse caso também,
o professor deve fazer o aluno entender que existem formas de falar diferentes do que preconiza
a gramática normativa estudada nas aulas de língua portuguesa e que “estudar português” é
também conhecer e respeitar as variedades linguísticas.
Mais uma vez, observa-se um destaque para a variação no nível fonético e prosódico,
ilustrados pelas letras de canções. A seguir, passa-se a analisar o terceiro Plano de Aula.
Figura 3: caracterização do PA 3
Fonte: site da Nova Escola
Este Plano de Aula, que corresponde ao 3º plano de uma sequência de aulas sobre o
mesmo tema, busca abordar a questão social das variedades linguísticas. Sabe-se que o fator
social é indissociável da língua. Por isso mesmo, Labov (2008) afirma que o termo
“sociolinguística” é estranhamente redundante, uma vez que, para ele, a língua já é uma forma
de comportamento social, pois uma pessoa isolada do convívio social, por exemplo, não usa a
língua, e uma criança, em seus monólogos egocêntricos, reproduz falas derivadas do uso social
da língua. Dessa forma, é importante levar os alunos a refletirem sobre as questões sociais
envolvidas no uso das variedades linguísticas.
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Para esta aula, o Plano propõe utilizar o vídeo intitulado “Paulistanês” e a música “Em
volta da fogueira” do cantor Projota. A atividade proposta consiste em os alunos identificarem
gírias na letra da música e pedir que ele reescrevam a letra usando expressões mais formais.
Essa atividade exige que o aluno faça inferências sobre os sentidos das palavras e expressões
que talvez eles não conheçam. Ao final do Plano, algumas questões são sugeridas para que se
façam reflexões sobre o uso da linguagem informal: Qual foi o impacto da mudança das
palavras na letra da música? A cadência permaneceu a mesma? Os sentidos que o autor quis
construir continuaram os mesmos? Com essas perguntas, os alunos poderão chegar à conclusão
de que as variedades linguísticas possuem expressividade de sentido e que, por isso,
determinados usos são necessários para cumprirem determinados objetivos. Desse modo, na
atividade de substituição de palavras, o professor deve deixar claro que não é uma correção do
texto, mas sim um trabalho de inferência e que o texto precisa manter sua originalidade com
expressões informais.
Os Planos de Aula seguintes são uma sequência de atividades que envolvem o texto
dramático. Além da leitura de textos desse gênero e exibição de vídeos, há proposta de
encenações utilizando a fala coloquial e/ou regional. Vê-se, a seguir, o Plano de Aula 4.
Figura 4: caracterização da PA 4
Fonte: site da Nova Escola
Para esta aula, são sugeridos dois trechos de textos dramáticos: “O Auto da
compadecida” e “O Pagador de Promessas”. Sugere-se que os alunos tanto leiam os textos
quanto assistam aos respectivos vídeos. Os alunos devem anotar suas impressões sobre as falas
dos personagens que, certamente, estão marcadas por informalidade. O que chama atenção
nessa proposta de aula são as perguntas reflexivas sugeridas para as discussões após o vídeo,
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quais sejam: 1) Ao comparar as falas dos personagens, quem você considera que fala mais
“corretamente”; 2) Existem falares “certos” e “errados”? Explique seu ponto de vista; 3) Em
nossa sociedade, quem fala mais “certo”? E quem fala mais “errado”?
Por se tratar de uma sequência de aula em que se vem trabalhando o tema da variação
linguística, é provável que os alunos já tenham discernimento sobre a noção de “certo” e
“errado” em língua. Assim, as perguntas para reflexão citadas anteriormente são uma
oportunidade para retomar essas discussões e esclarecer dúvidas e desfazer preconceitos
linguísticos, caso ainda existam entre os alunos. O professor deve, sempre que falar em
variedades linguísticas, deixar claro para os discentes que não existe “erro” em língua, mas sim
diferentes modos de se falar.
Outra sugestão interessante trazida neste Plano de Aula é a discussão sobre o conceito
de norma-padrão. Esse explicação é oportuna, uma vez que, segundo Bagno (2009), ninguém
integralmente utiliza a norma-padrão nem na fala nem na escrita, pois não representa o uso real
da língua. Além disso, Faraco (2008) também explica que a norma-padrão é um ideal de língua,
enquanto a norma realmente utilizada em situações monitoradas de fala e de escrita é a norma
culta. Sem aprofundar muito em questões conceituais, os alunos podem entender essas
distinções, mas é importante que o professor tenha esclarecimento sobre tais conceitos e não os
utilize indistintamente.
Figura 5: caracterização do PA 5
Fonte: site da Nova Escola
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O Plano de Aula 5 traz como material principal um trecho da obra Tu pra lá tu pra cá,
do autor maranhense Artur Azevedo. Trata-se de um texto dramático formando por falas na
linguagem informal. Espera-se que o aluno reconheça palavras e expressões que caracterizem
a linguagem informal e regional. Algumas expressões podem ser desconhecidas pelos alunos
porque estão em desuso atualmente e esse texto foi escrito no século XIX. Portanto, é sugerido
ao professor que trabalhe o conceito de variação histórica, a fim de esclarecer aos alunos que
muitas mudanças na língua podem ocorrer ao longo do tempo. O texto é também uma
oportunidade para se trabalhar a questão do preconceito linguístico.
Ainda relacionado à variação histórica da língua, o professor pode mencionar aos alunos
que alguns usos linguísticos considerados errados no passado passaram a fazer parte do usos
considerados corretos nos dias atuais ou vice-versa. Conforme Bagno (2002), esse é um
fenômeno comum na língua, como é o caso das palavras praca e ingrês, que, no português
arcaico, eram tidos como formas corretas, mas hoje são formas estigmatizadas.
Seguindo a sequência dos Planos de Aula, passa-se a analisar o último plano selecionado
para este trabalho.
Figura 6: caracterização do PA 6
Fonte: site da Nova Escola
Nesta aula, propõe-se que o professor trabalhe com os alunos a encenação de textos
dramáticos. Para tanto, os professores são orientados a dividir a turma em equipes para que eles
produzam esquetes (pequenas encenações) e apresentem. Tais esquetes devem representar
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exemplos de variação linguística, que serão interpretadas pelos próprios alunos. No Plano,
sugerem-se ao professor as seguintes situações para a produção das peças curtas:
• Conversa entre jovens em uma fila de cinema.
• Conversa entre os pais de um aluno indisciplinado e o professor.
• Conversa por telefone entre duas amigas adolescentes.
• Almoço em família: avós, pais e filhos.
• Chegada de um primo nordestino e encontro no aeroporto com seus parentes paulistas.
• Conversa entre um adolescente gaúcho e uma adolescente baiana sobre as músicas de
que mais gostam.
Cada situação deve ser sorteada para uma equipe, a qual ficará responsável por produzir
o texto e encená-lo posteriormente. Conforme o Plano de Aula, é possível que os alunos tenham
dificuldade de produzir textos dramáticos sobre situações do dia a dia, porque ainda não
dominam as características do gênero. No entanto, o professor poderá auxiliá-los nessa
produção, sobretudo quanto à reprodução das falas, que é o foco da atividade.
Um aspecto interessante nessa proposta é o trabalho com a oralidade, um dos eixos de
ensino previstos na BNCC. Ao levar o aluno a produzir um texto e encená-lo, o professor estará
permitindo que o aluno desenvolva sua fala, que ele consiga se expressar de forma mais
completa. Isso também revela que as produções dos alunos precisam ser divulgadas, mesmo
que seja entre os colegas da sala, para que os textos não fiquem restritos à leitura do professor.
O Plano de Aula 6 também sugere que o professor levante questões para reflexão sobre
a variação linguística e a questão do preconceito linguístico. Se isso for feito, mais uma vez o
professor estará esclarecendo aos alunos que a língua não é uniforme, mas um conjunto de
variedades (FARACO, 2008) e que o preconceito linguístico existe, mas deve ser combatido
(BAGNO, 2002). Além disso, o Plano sugere que o professor faça um breve estudo sobre as
características do gênero dramático, a fim de que o aluno tenha possibilidades de produzi-lo.
Tendo em vista que, em plano anteriores, previa-se o estudo de textos dramáticos, como os
trechos de “O Auto da compadecida” e “O Pagador de Promessas”, é provável que os alunos
tenham menos dificuldades em reconhecer o gênero e produzi-lo. Por isso, é importante que as
aulas sejam executadas na sequência proposta pelos Planos de Aula.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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O trabalho buscou discutir e analisar o tratamento dado à variação linguística em Planos
de Aula propostos pela revista Nova Escola, seguindo as diretrizes na BNCC. Para tanto, foi
necessário analisar como a BNCC aborda a questão da variação linguística. Este estudo nos fez
chegar a algumas conclusões. A primeira é a de que a variação linguística recebeu lugar de
destaque na BNCC, pois se tornou um dos tópicos de ensino dentro do eixo Análise
Linguística/Semiótica. Esse tratamento pode levar aos currículos das escolas darem mais
destaque ao tópico variação linguística e os professores a dedicarem mais tempo ao ensino
deste tópico, não só numa abordagem introdutória como se faz em alguns livros didáticos, mas
como um tópico paralelo aos estudos de análise linguística.
A análise de seis Planos de Aula desvelou que é possível abordar o tema da variação
linguística utilizando textos literários e materiais de áudio e vídeo. Além disso, os Planos de
Aula sempre sugerem perguntas para reflexões que os professores podem fazer aos seus alunos,
a fim de discutir as noções de “certo” e “errado” em língua e a questão do preconceito
linguístico.
O que se observa dessa sequência do Plano de Aula é a ênfase no aspecto regional da
variação linguística. Isso, certamente, é importante e deve ser abordado. No entanto por se tratar
de um fenômeno inerente à língua, a variação linguística deve ser abordada sempre que possível
nas aulas de análise linguística quando se discute algum tópico da gramática normativa. Por
exemplo: em aulas sobre regência ou concordância, o professor pode apresentar o que a norma-
padrão prevê e o que os falantes, em situações reais de fala, utilizam.
Como se trata de uma análise incipiente e de um recorte, não se pode afirmar como que
se dão as propostas de ensino nas outras séries do Ensino Fundamental. É provável que essas
reflexões sobre a variação linguística vão se aprofundando ao longo das séries. Sendo assim,
este trabalho pode abrir caminhos para pesquisas futuras que venham analisar outros Planos de
Aula também propostos pela Nova Escola e como eles podem contribuir para a formação crítica
do aluno quanto às questões sociais referentes à língua.
Além disso, este trabalho oportuniza ao professor conhecer possibilidades de trabalho
com o tema da variação linguística em sala de aula, já que esse fenômeno deve ser abordado,
como previsto na BNCC, e isso ajuda combater o ensino pautado na gramática tradicional
normativa que imprime um único modelo ideal de língua. Importante salientar que o papel da
escola é, de fato, ensinar a norma-padrão, mas sem propagar a ideia de língua pura e homogênea
e fomentar o preconceito linguístico.
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