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O USO DO MICROSCÓPIO E ESTEREOSCÓPIO TRINOCULARES NO TRABALHO PEDAGÓGICO DESTINADO AO AUTOCONHECIMENTO:
contribuições de professores de biologia e alunos do ensino médio
Autor: Agnes Cordeiro de Carvalho 1 Orientador: Carlos Eduardo Rocha Garcia 2
Resumo
A proposta deste trabalho é contribuir com o processo ensino e aprendizagem da disciplina de Biologia, identificando possibilidades de uso do microscópio e estereoscópio trinoculares, em atividades práticas que envolvam conteúdos relativos ao conhecimento do aluno sobre si mesmo. Este reconhecimento vincula-se a percepção de sua mortalidade, da importância da alimentação saudável, da realização de atividades físicas regulares, do exercício da sexualidade com responsabilidade, ou seja, da autopreservação. O objeto de estudo da disciplina é o fenômeno vida e se questiona sobre sua contribuição para que o aluno se reconheça como um ser biológico. A pesquisa-ação foi definida como procedimento metodológico, estimulando a participação de professores e alunos de ensino médio para esta sensibilização, sendo a coleta de dados realizada a partir da organização de quatro grupos focais, três dos quais direcionados à comunidade do Colégio Estadual Paulo Leminski - situado em Curitiba/PR, e um referente aos professores inscritos no grupo de trabalho em rede/PDE-2011. Ressalta-se a participação do professor como investigador de sua prática, de modo a valorizar o conhecimento e a experiência de sala de aula.
Palavras-chave: microscópio; estereoscópio; ensino médio; formação continuada; grupo focal.
1 Introdução
O objeto de estudo da disciplina de Biologia é o fenômeno VIDA (DCE de
BIOLOBIA, 2008, p. 38) e a história da ciência mostra que a definição de vida se
modificou ao longo dos vários períodos históricos sob influência de diferentes
correntes filosóficas desde sua primeira definição formal, feita por Aristóteles, no
tratado Da Alma, até as tentativas da ciência contemporânea (CORRÊA et al, 2008).
1Especialista em Planejamento e Gestão de Políticas Públicas - Universidade Federal do Paraná/UFPR,
Licenciada em Ciências Biológicas/UFPR, Professora PDE 2010/2012 do Colégio Estadual Paulo Leminski –
Curitiba/PR. 2 Doutor na Área de Farmácia, Graduado em Farmácia - Universidade Estadual de Londrina/PR, Docente do
Departamento de Farmácia/UFPR – Curitiba/PR.
De acordo com os autores, embora a definição tenha se tornado um problema de
cunho científico na virada do século XIX quando a Biologia se constituiu como
campo de conhecimento, o conceito de vida pode integrar diferentes áreas da
Biologia promovendo menor fragmentação dos diversos conceitos trabalhados na
educação formal.
No Paraná, as diretrizes estaduais orientam o trabalho docente da disciplina
para quatro modelos biológicos interpretativos deste fenômeno: o descritivo, o
mecanicista, o evolutivo e o da manipulação genética. Eles, por sua vez, embasam a
definição de quatro conteúdos estruturantes - a organização dos seres vivos, os
mecanismos biológicos, a biodiversidade e a manipulação genética, que devem ser
abordados pelo professor, de forma integrada e de acordo com a série, nos
diferentes conteúdos básicos. No documento, as atividades experimentais são
afirmadas como importantes estratégias metodológicas para a realização do trabalho
pedagógico (DCE de BIOLOGIA, 2008).
Este artigo propõe a investigação das possibilidades do uso do microscópio e
do estereoscópio trinoculares, em atividades experimentais que envolvam conteúdos
previstos nas diretrizes curriculares associados à sensibilização do aluno para o
autoconhecimento com fins de autopreservação, e objetiva contribuir com o
processo de ensino e aprendizagem da disciplina de Biologia.
Os microscópios e estereoscópios trinoculares são instrumentos ópticos
existentes nos laboratórios escolares, tendo sido encaminhados pela Secretaria de
Estado da Educação às escolas públicas de ensino fundamental e médio, entre
novembro de 2010 e junho de 2011. A respeito dos microscópios são reconhecidos
os trabalhos de Robert Hooke (1635 – 1703), descritos no livro Micrographia (1665)
e os de Antoni van Leeuwenhoek (1632 - 1723), cujas investigações contribuíram
significativamente com a compreensão dos mecanismos biológicos da época
(MARTINS, 2011) que se refletem até a atualidade.
Os objetivos específicos propostos para a pesquisa são: identificar o emprego
do laboratório escolar como estratégia metodológica para o trabalho com os
conteúdos da disciplina; avaliar as dificuldades encontradas pelos docentes quanto
ao uso do laboratório; analisar o papel das atividades práticas durante a formação
básica dos alunos; correlacionar os conteúdos específicos referentes ao
autoconhecimento aos conteúdos estruturantes propostos pelas DCE da disciplina,
estabelecendo suas inter-relações; e indicar conteúdos para a produção de material
pedagógico específico para uso de professores nos laboratórios escolares. O
trabalho possibilita, ainda, verificar se os investimentos provenientes das
contribuições fiscais dos cidadãos paranaenses, realizados para manutenção do
laboratório escolar, estão sendo aproveitados no âmbito escolar.
2 Desenvolvimento
2.1 Revisão de literatura
2.1.1 Diretrizes Curriculares Estaduais de Biologia
No texto de introdução das Diretrizes Curriculares Estaduais da disciplina de
Biologia (DCE de BIOLOGIA, 2008, P.14) está expresso quem são os sujeitos da
escola pública, qual o papel da escola, a concepção de currículo proposto e as
dimensões do conhecimento e sua relação com as disciplinas. Elas também
apresentam o objeto de estudo da disciplina, seus conteúdos estruturantes e
conteúdos básicos.
A respeito dos alunos, sujeitos da escola pública, o texto esclarece que “um
sujeito é fruto de seu tempo histórico, das relações sociais onde está inserido, mas
é, também, um ser singular, que atua no mundo a partir do modo como o
compreende e como dele lhe é possível participar.” (DCE de BIOLOGIA, 2008, p.14)
Correlacionadas às diferentes concepções de currículo, as DCE apresentam
três grandes matrizes curriculares: o currículo vinculado ao academicismo e ao
cientificismo; o currículo vinculado às subjetividades e experiências vividas pelo
aluno e o currículo como configurador da prática, vinculado às teorias críticas. As
DCE estão propostas segundo a última concepção e afirma que em sua elaboração:
Buscou-se manter o vínculo com o campo das teorias críticas da educação e com as metodologias que priorizem diferentes formas de ensinar, de aprender e de avaliar. Além disso, nestas matrizes a concepção de conhecimento considera suas dimensões científica, filosófica e artística, enfatizando-se a importância de todas as disciplinas. Para a seleção do conhecimento, que é tratado, na escola, por meio dos conteúdos das disciplinas concorrem tanto os fatores ditos externos, como aqueles determinados pelo regime sócio-político, religião, família, trabalho quanto as características sociais e culturais do público escolar, além de fatores específicos do sistema como os níveis de ensino, entre outros. Além desses fatores, estão os saberes acadêmicos, trazidos para os currículos escolares
e neles tomando diferentes formas e abordagens em função de suas permanências e transformações. (DCE de Biologia, 2008, p.19-20)
A DCE de Biologia afirma que a disciplina “tem como objeto de estudo o
fenômeno VIDA” (2008, p.38) e, pautada na história da ciência, discorre como este
fenômeno foi ou vem sendo conceituado. Assim, apresenta o pensamento biológico
descritivo, o pensamento biológico mecanicista, o pensamento biológico evolutivo e
o pensamento biológico da manipulação genética, que marcaram a história da
ciência e são os organizadores dos conteúdos estruturantes propostos para a
disciplina. Estes marcos conceituais, cada qual com metodologia própria, acrescem
ao processo educativo diferentes encaminhamentos metodológicos.
No item 2 das DCE de Biologia estão descritos os fundamentos teórico-
metodológicos da disciplina. Em relação à metodologia o texto apresenta diversas
passagens relacionadas à experimentação. Entre elas o seguinte recorte:
A metodologia de ensino da Biologia, nessa concepção, envolve o conjunto de processos organizados e integrados, quer no nível de célula, de indivíduo, de organismo no meio, na relação ser humano e natureza e nas relações sociais, políticas, econômicas e culturais. Nesse contexto, as aulas experimentais podem significar uma crítica ao ensino com ênfase exclusiva na divulgação de resultados do processo de produção do conhecimento científico, e apontar soluções que permitam a construção racional do conhecimento científico na sala de aula, sem dissociar as implicações deste conhecimento para o ser humano. Cabe ressaltar que a aula assim concebida deve introduzir momentos de reflexão teórica com base na exposição dialogada, bem como com a experimentação como possibilidade de superar o modelo tradicional das aulas práticas dissociadas das teóricas. As aulas práticas passam a fazer parte de um processo de ensino pensado e estruturado pelo professor, repensando-se inclusive, o local onde possam acontecer, não ficando restritas ao espaço laboratório. As aulas, dessa forma, não são apenas experimentais ou apenas teóricas, mas pensadas de forma a assegurar a relação interativa entre o professor e o aluno, ambos tendo espaço para expor suas explicações, refletir a respeito das implicações de seus pressupostos e revê-los à luz das evidências científicas. (DCE de Biologia, 2008, p.53-54)
A citação indica que, ao proporcionar atividades experimentais aos alunos do
Ensino Médio, o professor resgata a natureza do conhecimento científico; e, ao
assegurar a relação teoria e prática no ambiente escolar, pode organizar momentos
de sensibilização do aluno para a necessidade do domínio de sua estrutura
biológica, de modo que possa fazer escolhas conscientes e evitar situações que
coloquem em risco sua vida.
2.1.2 Experimentação
O conhecimento científico apresenta uma dimensão teórica e uma dimensão
empírica, embora se apresente como um sistema teórico. Oportunizar aos
estudantes, durante seu processo de formação, o ensino teórico associado ao
ensino prático é considerar as dimensões do conhecimento científico.
Isso não significa admitir que podemos adquirir uma compreensão dos conhecimentos teóricos através de experimentos, mas que as dimensões teóricas e empíricas do conhecimento científico não são isoladas. Não se trata, pois, de contrapor o ensino experimental ao teórico, mas de encontrar formas que evitem essa fragmentação no conhecimento, para tornar a aprendizagem mais interessante, motivadora e acessível aos estudantes. (BORGES, 2002, p.16)
Amaral (1997) considera que para o estabelecimento do papel da
experimentação é importante a articulação entre o caráter epistemológico, o caráter
pedagógico e as dimensões sociológicas e ideológicas que os afetam. Ao caráter
epistemológico estaria intimamente correlacionado à concepção da ciência adotada;
ao caráter pedagógico associa-se à concepção de currículo adotado e às dimensões
sociológicas e ideológicas estão relacionadas ao uso didático da experimentação.
Significa dizer, portanto, que a experimentação no ensino de Biologia
acontece, implícita ou explicitamente, dentro de um contexto escolar, social e
científico que não podem ser desconsiderados.
Sobre o papel da experimentação o autor afirma, ainda, que:
qualquer que seja o tipo de experimento que nos proponhamos a realizar com nossos alunos, ele não subsiste isoladamente. Situa-se, na verdade, em um contexto onde, explícita ou implicitamente, estão presentes também o conhecimento formalmente constituído a que se refere o experimento e o fenômeno “natural” artificialmente trabalhado pelo experimento. (...) A experimentação no ensino, pois, não se encerra em si mesma, mas se apropria artificialmente de fenômenos do ambiente, lidando com eles, trabalhando-os segundo determinados objetivos cognitivos. E estes objetivos, de alguma forma estão balizados no conhecimento formalmente constituído. (AMARAL, 1997)
A literatura indica o favorecimento de diferentes fins à experimentação,
atrelados às diferentes correntes epistemológicas e concepções educacionais, bem
como aos diferentes processos históricos. Borges (2002) aponta quatro objetivos
associados tradicionalmente por docentes e alunos ao uso dos laboratórios
escolares: verificar/comprovar leis e teorias científicas, ensinar o método científico,
facilitar a aprendizagem e compreensão de conceitos e, ensinar habilidades práticas.
A definição clara do papel dos laboratórios escolares e da experimentação no
âmbito escolar é determinante para a realização dos fins educacionais desejados,
expressos nos projetos políticos pedagógicos escolares e nos planos de trabalho
docente e deve ser considerado quando da organização de aulas práticas.
A respeito da importância da relação entre as condições de infraestrutura
oferecidas pela escola e a aprendizagem, se escreve que:
As aprendizagens que os alunos realizam em ambientes escolares não acontecem no vazio, mas estão institucionalmente condicionadas pelas funções que a escola, como instituição, deve cumprir com os indivíduos que a frequentam. (...) Potencializar a qualidade da educação exige a melhora das condições nas quais essa aprendizagem pedagógica se produz. A mudança qualitativa de ensino, que tem muito haver com o tipo de metodologia ou prática que os professores desenvolvem e com os conteúdos curriculares se apoia, além disso, em todos os componentes contextuais que condicionam a aprendizagem escolar, alguns deles pouco evidentes à primeira vista. (SACRISTÁN, 2000, p.89)
Neste contexto o trabalho pedagógico com a experimentação, nos
laboratórios escolares, procura conquistar não só espaço físico, mas, também,
pedagógico. Compreender a realização de práticas como uma metodologia tem
como consequência a reflexão sobre a atuação do professor no contexto escolar,
qual seu papel, como se deu sua formação inicial, de que maneira a formação
continuada se processa e quais os estímulos para o exercício de seu papel social.
2.1.3 O professor no contexto escolar
Inserir o professor na discussão de quais conteúdos básicos são essenciais
para a compreensão pelo aluno de sua natureza biológica, e posteriormente,
desenvolver material pedagógico para utilização do microscópio e estereoscópio
para o trabalho com atividades experimentais nas aulas de Biologia, implica em
leituras sobre o professor e sua formação.
Gómez (1997) propõe a discussão sobre duas concepções: o professor como
técnico-especialista e o professor como prático autônomo. De acordo com o autor, o
professor como técnico está inserido no quadro da racionalidade técnica, que tem
raízes no positivismo. Nela a aplicação rigorosa de teorias e técnicas científicas
solucionariam os problemas educacionais com os quais o professor se depara em
sua atividade profissional.
Habermas (apud GÓMEZ, 1997, p.97) afirma que “a racionalidade tecnológica
reduz a atividade prática à análise dos meios apropriados para atingir determinados
fins, esquecendo o caráter moral e político da definição dos fins em qualquer ação
profissional que pretende resolver problemas humanos”.
A formação profissional do professor tem estado impregnada desta
concepção, abrangendo um componente científico-cultural (o conhecimento do
conteúdo a ensinar) e um componente psicopedagógico (o conhecimento de como
atuar em sala). O autor afirma que:
No componente psicopedagógico é preciso distinguir duas fases principais: na primeira, adquire-se o conhecimento dos princípios, leis e teorias que explicam os processos de ensino-aprendizagem e oferecem normas e regras para a sua aplicação racional; na segunda, tem lugar a aplicação na prática real ou simulada de tais normas ou regras, de modo a que o docente adquira as competências e capacidades requeridas para uma intervenção eficaz. (GÓMEZ, 1997, p. 98)
O autor reconhece que o modelo da racionalidade técnica é um progresso em
relação ao empirismo e a outras teses, no entanto, afirma que ele tem limites.
Considerando as correntes mais sofisticadas da racionalidade técnica, Gómez
(1997) afirma que a realidade social tem como característica a complexidade, a
incerteza, a instabilidade, a singularidade e o conflito de valores e, portanto, não se
encaixa em esquemas pré-estabelecidos.
Na prática social, de acordo com o autor, existem situações problemáticas e
não problemas. Estas situações são únicas e não podem ser tratadas pelo
profissional como um problema instrumental, no qual a aplicação de regras
soluciona a situação. A atividade do professor não pode ser considerada somente
técnica; ela é técnica quando a situação o exigir. Assim, considera-se que a
abordagem positivista da ciência é limitada para a complexidade da prática social.
Para ele, o sucesso do professor depende de sua capacidade de integrar a técnica e
o conhecimento, de forma inteligente e criativa, pois situações singulares individuais
ou grupais de aprendizagem requerem soluções também singulares e únicas.
Denomina-se conhecimento prático à capacidade do professor integrar
conhecimento e prática e, esta capacidade identifica-se com um processo de
reflexão-na-ação, que para Kemmis (apud GÓMEZ, 1997) não é determinada
biológica ou psicologicamente; pressupõe relações sociais; serve a interesses
humanos, políticos, culturais e sociais particulares; reproduz ou transforma as
práticas ideológicas; e, exprime o poder para reconstruir a vida social. Enfim,
“implica a imersão consciente do homem no mundo da sua experiência, um mundo
carregado de conotações, valores, intercâmbios simbólicos, correspondências
afetivas, interesses sociais e cenários políticos” (GÓMEZ, 1997, p. 103).
O autor, baseado em Schön (1983), apresenta três conceitos que integram o
conhecimento prático: (i) conhecimento-na-ação, (ii) reflexão-na-ação e, (iii) reflexão
sobre a ação e sobre a reflexão-na-ação.
O conhecimento-na-ação está relacionado ao saber fazer. A reflexão-na-ação
sobrepõe àquele o diálogo com a situação problema sendo difícil separar os
componentes racionais e os emotivos que condicionam a ação e a reflexão. De
acordo com o autor a reflexão-na-ação é o melhor instrumento de aprendizagem e
deveria ser considerado nos processos de formação do professor.
A análise posterior da própria ação constitui a reflexão sobre a ação e sobre a
reflexão-na-ação. Nela o profissional aplica os instrumentos conceituais e
estratégias para compreender e reconstruir a sua prática, considerando a relação
entre a situação e seu contexto.
O autor adverte que o emprego mecânico e rotineiro do conhecimento-na-
ação pode esvaziar o conhecimento prático do professor, tornando-o rígido,
empobrecido, insensível e incapaz para o diálogo. Ainda, que a reflexão-na-ação
não é um processo autônomo e autossuficiente. A análise posterior, ou seja, a
reflexão na e sobre a ação permite ao professor ser um investigador na sala de aula.
Sendo assim, compreender o pensamento prático do professor é essencial para os
programas de formação de professores.
O “professor reflexivo constrói de forma idiossincrática o seu próprio
conhecimento profissional, o qual incorpora e transcende o conhecimento emergente
da racionalidade técnica” (GÓMEZ, 1997, p. 110), assim, o autor sugere uma
formação que tenha como eixo do currículo a prática e apresenta pontos conceituais
convergentes na análise de vários autores para consideração neste novo modelo de
formação. São eles: a prática como eixo central do currículo; negação da separação
entre teoria e prática no âmbito profissional; prática como ponto de partida do
currículo de formação (estudo e análise do ato de ensinar); a prática desencadeando
uma séria reflexão sobre o conjunto das questões educativas; o pensamento prático
do professor entendido no seu todo e não como soma de partes; a prática como uma
atividade criativa; o pensamento prático do professor não pode ser ensinado, mas
pode ser aprendido no fazer e refletir na e sobre a ação; no processo de formação, a
figura do supervisor ou tutor é essencial; necessidade da criação de escolas de
desenvolvimento profissional; garantia de profissionais experientes e reflexivos de
sua própria prática para a formação de novos professores; e, a promoção da
integração entre as ciências básicas e aplicadas.
No âmbito desta pesquisa a compreensão de aspectos concernentes ao
professor e a sua formação auxiliam a interação com os docentes da disciplina de
Biologia do Colégio Estadual Paulo Leminski, assim como daqueles participantes do
Grupo de Trabalho em Rede, uma vez que a proposta implica na reflexão do
trabalho desenvolvido no processo de ensino e aprendizagem dos conteúdos
previstos para a disciplina, mais especificamente sobre o planejamento e a
realização de atividades práticas para alunos do Ensino Médio, tendo como
ferramentas o microscópio e o estereoscópio trinoculares.
Considerando-se a natureza do projeto de implementação pedagógica
proposto, tais entendimentos permitem, ainda, a opção por uma metodologia de
pesquisa que considere a reflexão do professor sobre sua prática como ponto de
partida das discussões em grupo.
2.1.4 Instrumentos ópticos
Registros afirmam que a manufatura de lentes era realizada pelos chineses, a
partir do polimento de cristais de quartzo ou de escamas da tartaruga de carey, há
cerca de 2.500 anos, e que Confúcio (551 a.C.–479 a.C.) as prescrevia para auxiliar
na visão. Marco Pólo, em visita à China no ano 1270, relata seu uso. Na Europa, os
primeiros óculos foram fabricados pelo italiano Salvino D’Armato, em 1285.
De acordo com Martins (2011, p.135) as lentes de aumento eram comuns na
Idade Média, mas não tinham aplicação em pesquisas científicas; atribuindo-se aos
holandeses Hans Janssem (1534-1592) e seu filho, Zacharias Janssem (aprox.
1580-1638) a invenção do primeiro microscópio composto, ou seja, com duas lentes
– uma ocular plano convexa e uma objetiva biconvexa, em 1590, com capacidade de
ampliação de cerca de 9 vezes. Ball (1966 apud MARTINS, 2011) afirma que no livro
Micrographia, Robert Hooke (1635-1703) descreve um microscópio composto que
teria um aumento de aproximadamente 40 vezes.
Conforme o autor, os microscópios compostos da época, além de baixa
capacidade de ampliação, eram deficientes em relação à iluminação e não
permitiam o manuseio do objeto a ser estudado, sendo que as imagens sofriam
distorções. Em seu livro Hooke fez indicações de como fazer uso do microscópio e
determinar sua capacidade de ampliação. Afirma Mayall (1886 apud MARTINS,
2011) que Hooke os teria modificado introduzindo as seguintes inovações:
formato compacto e pequeno tamanho; um poderoso sistema de iluminação, empregando luz difusa para evitar os fortes reflexos ocasionados pela luz solar direta; a introdução de uma lente intermediária entre a objetiva e a ocular (posteriormente denominada “lente de campo”), para aumentar a luminosidade e o campo de visão da imagem; o sistema de sustentação do microscópio, que permitia movimentos do seu corpo em qualquer direção; uma plataforma giratória para colocar as amostras estudadas. (MAYALL, 1886, apud MARTINS, 2011, p. 117)
No entanto, de acordo com Martins (2011) Robert Hooke utilizava-se,
também, de microscópios simples, ou seja, com uma única lente esférica e
minúscula, capaz de ampliar o objeto cerca de 200 ou 300 vezes. Os estudos do
pesquisador, membro e curador da Royal Society of London, está sistematizado no
livro Micrographia, or some physiological descriptions of minute bodies made by
magnifying glasses with observations and inquiries thereupon3, em 1665, que
apresenta 60 pranchas detalhando organismos vivos, tais quais “a cabeça de uma
mosca, uma pulga, uma formiga, o ferrão de uma abelha, os dentes de um caracol,
cabelo, superfície de folhas, e uma fina seção de um pedaço de cortiça” (GEST,
2005 apud MARTINS, 2011), descrita como cavidades que lembram a disposição de
um favo de mel e nomeadas de células.
Moreira (2003) assevera que o livro não só atesta o talento artístico de Hooke
(mestre em artes pelo Christ Church.College, em Oxford) e apresenta um grande
número de desenho realizados a partir de observações feitas no microscópio, como
“consolidou o uso de imagens na comunicação científica”.
3 Tradução do título: Micrografia, ou algumas descrições fisiológicas de pequenos corpos, feitas com lentes de
aumento, com observações e investigações sobre os mesmos.
Anton van Leeuwenhoek (1632-1723), estudioso holandês, dedicou-se à
construção de microscópios e a observação de estruturas biológicas, relatando a
descoberta de pequenos animais (hoje reconhecidos como diferentes bactérias,
protozoários e algas), a identificação e descrição dos glóbulos vermelhos, a
visualização de espermatozoides vivos, a circulação capilar de Malpighi, entre
outros. A biografia de Leeuwenhoek4 afirma:
Antony van Leeuwenhoek era um cientista improvável. Um comerciante de Delft, na Holanda, veio de uma família de comerciantes, não teve sorte, não recebeu graus de ensino superior ou universidade, e não conhecia outros idiomas além do seu holandês. Isso teria sido suficiente para excluí-lo da comunidade científica de seu tempo. No entanto, com habilidade, diligência, uma curiosidade infinita, e uma mente aberta, livre do dogma científico de sua época, Leeuwenhoek conseguiu fazer algumas das descobertas mais importantes na história da biologia. Foi ele quem descobriu as bactérias, de vida livre e parasitária, protistas microscópicos, os espermatozóides, glóbulos, nematóides microscópicos e rotíferos, e muito mais. Amplamente divulgadas, suas pesquisas, abriu todo um mundo de vida microscópica à consciência dos cientistas. (Tradução livre)
O interesse Leeuwenhoek na observação de estruturas vivas está relacionado
à leitura do livro de Hooke que, segundo Klitzman (2006 apud MARTINS, 2011), fora
mencionado a ele por Regnier de Graaf (1641-1673), anatomista relacionado à
descoberta dos ovários humanos. De Graaf adquiriu-o para Leeuwenhoek quando
de uma viagem a Londres que, a partir daí, passou a criar seus próprios
microscópios de uma única lente. Ele polia as próprias lentes, que chegaram a
permitir a ampliação de 200 vezes, tendo cerca de 500 instrumentos em sua
coleção. Suas descobertas foram publicadas na Philosophical Transactions, no ano
de 1722, pela Royal Society de Londres.
Amaral (2010) observou que, em 1624, Johann Giovanni Faber Bamberg
(1570-1640), médico do papa Urbano VII em Roma, e membro da Accademia
Nazionale dei Lincei, atribuiu ao aparelho o nome de microscópio (do grego micros =
pequeno; skopiem = examinar, ver), corroborado pela academia.
Segundo Santos (1985), o estereoscópio (lupa) é um instrumento para
visualização de amostras com grande relevo, sendo composto por dois microscópios
completos, cada qual com sua objetiva, ocular e sistema de construção do tipo
reflexivo ou refrativo. O autor relata que a formação da imagem tridimensional do
objeto observado é realizada pelo cérebro, a partir da observação de duas imagens 4 Disponível em: <http://www.ucmp.berkeley.edu/history/leeuwenhoek.html>. Acesso em 17/05/2011.
dissimilares; e, que a sensação da observação de características tridimensionais
(altura ou espessura) é possível quando cada olho do observador vê o objeto
original de um ângulo diferente, de acordo com o grau de inclinação existente entre
os microscópios, variável conforme o fabricante. Esclarece, ainda, que a iluminação
incidente é utilizada para observação de objetos opacos, enquanto a iluminação
transmitida para visualização de objetos transparentes.
Cabe lembrar que nos últimos anos a indústria cinematográfica tem investido
na produção de filmes 3D. Embora atual e acessível aos alunos do ensino médio, a
tecnologia que permite a visualização de imagens tridimensionais foi criada logo
após a invenção da fotografia, que data de 1826. Charles Wheatstone5 (1802–1875),
físico inglês, inventou o estereoscópio em 1848.
De acordo com os gestores administrativos e pedagógicos do Colégio
Estadual Paulo Leminski, dois microscópios e dois estereoscópios trinoculares
chegaram à escola em 2011 e estão disponíveis para uso dos professores no
laboratório escolar, em atividades experimentais que possibilitem a compreensão
dos conteúdos previstos para a disciplina e fundamentem os alunos de Ensino
Médio em questões sobre o autoconhecimento biológico.
2.1.5 Dados estatísticos sobre mortalidade
Dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), realizados a partir
de dados do Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN), do Banco de Dados
do Sistema Único de Saúde (DATASUS) e do Banco de Danos Pessoais Causados
por Veículos Automotores de Via Terrestre ou por sua Carga a Pessoas
Transportadas ou Não (DPVAT), no portal eletrônico do Ministério da Saúde,
revelam que ano de 2008, 57 mil pessoas morreram em acidentes de trânsito no
Brasil, o que significa 156 mortes por dia ou 6 por hora. E que 80% das vítimas fatais
são do sexo masculino e tem entre 20 e 39 anos. No Paraná, a média de óbitos por
100 mil habitantes, para os anos de 2005, 2006, 2007, foi de 28,8. Menor apenas
que as taxas de mortalidade de Santa Catarina e do Mato Grosso do Sul, portanto, o
3° estado em mortes decorrentes de acidentes de trânsito, do Brasil.
5 Biografia disponível em < http://www.dec.ufcg.edu.br/biografias/CharWhea.html>. Acesso em: 30/07/2012
De acordo com o Ministério da Saúde/MS, as principais causas de morte por
doença no Brasil são o câncer e doenças cardiovasculares. Pesquisa do Instituto
Nacional de Câncer, instituição ligada ao MS, informa que o câncer de pulmão é o
de maior incidência, e 90% das mortes são de fumantes ativos, 3,3% de fumantes
passivos e 6,7% não relacionados ao fumo, sendo o tabagismo considerado a maior
causa de morte evitável da atualidade. A incidência de hipertensão arterial, segundo
o MS, aumentou de 21,6% (2006) para 23,3% (2010), e é o maior fator de risco para
infarto do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais (derrames). Foram registrados
34.218 casos de AIDS, no ano de 2010, segundo o MS, sendo a taxa de incidência
de 17,9 casos por 100 mil habitantes. O Ministério alerta para o fato de que em 1989
para cada 6 casos em homens havia 1 mulher infectada, e em 2010 este número é
de 1,7 caso em homens para 1 caso feminino. A maior incidência está na faixa etária
de 25 a 49 anos. Chama atenção a observação que entre os 13 a 19 anos há mais
casos de AIDS em mulheres que em homens. Afirmam, ainda, que entre os jovens
há tendência de aumento dos casos de AIDS e outras doenças sexualmente
transmissíveis/DST, embora tenham conhecimentos sobre prevenção. Em março de
2012, dados estatísticos do MS apontaram a tuberculose como a quarta causa de
óbitos por doenças infecciosas, tendo sido notificados 69.245 casos em 2011.
Manfré et al. (2010) afirmam que a incidência de adolescentes grávidas está
entre 20 a 25% de gestantes no Brasil, o que significa pelo menos 1 em cada 5
mulheres grávidas. De acordo com as autoras, “existe uma grande preocupação
com as consequências que a maternidade precoce pode acarretar à saúde, à
educação e ao desenvolvimento econômico e social” da adolescente, pois a
maternidade precoce e não planejada têm resultado na exclusão escolar, causado
desajustes familiares e dificultado a inserção no mercado de trabalho.
Possibilitar aos alunos de Ensino Médio conhecer o corpo, perceber seu
funcionamento, compreender as reações dele aos fatores externos e identificar
doenças, por exemplo, pode sensibilizá-los para o cuidado com sua estrutura
biológica, o que acarretaria maior longevidade com melhor qualidade de vida, e, por
conseguinte, a alteração nos dados estatísticos apresentados.
2.2 Desenvolvimento
2.2.1 Classificação do tipo de pesquisa
A pesquisa é classificada como aplicada quanto aos fins, uma vez que tem
por finalidade a utilização prática; como explicativa quanto aos objetivos, pois além
de registrar, analisar e interpretar os fenômenos observados procura identificar
fatores determinantes para proposição de material pedagógico; pesquisa-ação
quanto aos procedimentos, uma vez que a pesquisa é concebida com a participação
de professores da disciplina de Biologia, a pesquisadora e alunos de ensino médio,
para resolução de situação coletiva; quanto ao objeto, é caracterizada como
pesquisa de campo, uma vez que as informações serão coletadas diretamente no
local da pesquisa; e qualitativa quanto aos dados da pesquisa.
Engel (2000) afirma que a pesquisa-ação é “uma maneira de se fazer
pesquisa em situações em que também se é uma pessoa da prática e se deseja
melhorar a compreensão desta”. Segundo o autor a pesquisa-ação busca superar a
lacuna existente entre a teoria e a prática e, na área de ensino, teria se desenvolvido
na perspectiva de auxiliar os docentes com os problemas do cotidiano de sala de
aula, envolvendo-os na pesquisa de forma que a intervenção aconteça no seu
decorrer e não após o término, a partir de uma sugestão ou recomendação.
Na pesquisa a organização de grupos focais (GF) foi definida como estratégia
para coleta de dados. O focus group como afirma Gomes (2005) é uma técnica
qualitativa, proposta originalmente por Robert King Merton (1919-2003), sociólogo
estadunidense, cuja proposta era obter:
pela introspecção de diferentes sujeitos, informações sobre a vida diária e como cada indivíduo é influenciado por outros em situação de grupo e de que maneira ele próprio influencia o grupo, utilizando uma “entrevista focalizada”, com roteiros de questões e respostas de um grupo de indivíduos selecionados pelos investigadores, tendo em vista um tópico de pesquisa. (GOMES, 2005, p. 179)
O autor considera que este tipo de pesquisa permite ao pesquisador verificar
as informações no instante em que são fornecidas pelos pesquisados; flexibilidade
na condução da entrevista e maior aproximação com os dados coletados.
Melo e Araújo (2010, p.3) discorrem sobre o uso de grupo focal na pesquisa
qualitativa na área da educação. Segundo as autoras, os grupos focais constituem-
se como importante técnica que permite conhecer as “representações, percepções,
crenças, hábitos, valores, restrições, preconceitos, linguagens e simbologias
prevalentes no trato de uma dada questão por pessoas que partilham alguns traços
em comum, relevantes para o estudo do problema visado”. Afirmam, ainda, que a
adesão ao grupo deve ser voluntária, sendo imprescindível que os participantes
tenham algumas características homogêneas e outras variáveis, a fim de que
possam ser constatadas as divergências e convergências de opiniões.
No âmbito escolar, Gomes et al. (2006) utilizaram grupos focais envolvendo
alunos adolescentes matriculados em públicas e particulares do Distrito Federal, em
pesquisa exploratória sobre violência nas escolas e comunidades, buscando
compreender suas óticas sobre o assunto. Mendes e Vaz (2008) pesquisaram
aspectos relevantes para a abordagem da educação ambiental no ensino formal, a
partir de experiências profissionais e perspectivas de professores, valorizando seus
saberes e sinalizando sobre a possibilidade de formação de um repertório de
conhecimentos sobre o tema abordado.
Gomes e Barbosa (1999) afirmam que os grupos focais são pequenos grupos
de discussão informal, de baixo custo, cujos participantes têm características em
comum, onde um moderador levanta pontos para discussão a partir de um roteiro
prévio de perguntas abertas e pouco abrangentes, permitindo fluidez na
conversação. Sem emitir julgamentos, o moderador destaca ideias e informações
relevantes para a compreensão do tema pesquisado. A análise dos resultados deve
considerar o significado das palavras usadas, o contexto onde elas se inserem, o
objetivo do estudo, as informações destacadas, a mudança de opiniões no
transcorrer das discussões e se os relatos são baseados em experiências pessoais.
2.2.2 População e amostras
O desenvolvimento do projeto foi realizado no Colégio Estadual Paulo
Leminski - Ensino Fundamental Médio Normal e Profissionalizante, situado na Rua
Coronel Augusto de Almeida Garret, número 135, no Bairro do Tarumã, em Curitiba-
PR.
A tabela 1 especifica a população e a amostra trabalhadas na pesquisa,
referente aos alunos matriculados no colégio e professores de Biologia da rede
pública estadual do Paraná, que foi assim distribuída:
GRUPO FOCAL INTEGRANTES NÚMERO
Grupo focal 1 Professores de Biologia do Colégio Estadual Paulo Leminski – Curitiba/PR 3
Grupo focal 2 Professores de Biologia da rede estadual de ensino, participantes do Grupo de Trabalho em Rede / GTR 11
Grupo focal 3 Alunos do 1º ano do Ensino Médio, 2º semestre, do ano de 2011 18
Grupo focal 4 Alunos do 1º ano do Ensino Médio, 1º semestre, do ano de 2012 20
Tabela 1: Apresentação dos grupos focais, realizados para implementação do Programa de Desenvolvimento Educacional da SEED/PR – 2010/2012
Fonte: Dados da pesquisa, 2011
O trabalho foi iniciado com a apresentação do projeto “Identidade biológica:
contribuições do uso do microscópio e estereoscópio trinoculares”6 para as equipes
administrativa e pedagógica da escola. A partir desta apresentação foi realizada uma
reunião com os quatro professores de Biologia, do curso de Educação Geral, do
turno da manhã, quando foi explicitada a intenção e os objetivos da pesquisa e
disponibilizado o projeto para leitura e análise.
Propuseram-se a participar do projeto, constituindo o Grupo Focal 1, três
professores do Quadro Próprio do Magistério e, embora compreendendo a
importância da proposta, o quarto professor não participou em função da pouca
disponibilidade de horários na escola. A pesquisadora, como moderadora do grupo,
gravou a sessão de debates, garantindo a interação dos participantes a partir da
proposição de questões abrangentes, porém significativas para a captação de
informações, tendo como observadora a pedagoga do turno.
Inicialmente, conversou-se sobre o curso de graduação dos participantes, se
na formação inicial foi possibilitado o manuseio do microscópio e do estereoscópio e,
tendo sido utilizado, a qual área do conhecimento do curso de Biologia as disciplinas
estavam relacionadas – a área das disciplinas específicas ou a área das disciplinas
pedagógicas.
Na continuidade os professores falaram sobre suas experiências com aulas
práticas e se as utilizavam como recurso pedagógico para o ensino dos conteúdos
propostos para a disciplina, fazendo considerações sobre a possibilidade de planejar
6 Este trabalho relata a participação no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) / 2010-
2012, programa de formação continuada da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, oportunizado aos profissionais do Quadro Próprio do Magistério e este artigo apresenta os resultados da implementação de Projeto de Intervenção Pedagógica para a disciplina de Biologia, realizado nos meses de setembro a outubro de 2011 e março a junho de 2012, com professores e alunos da rede estadual de Ensino.
aulas práticas tendo como objetivo a formação de uma identidade biológica, com fins
na autopreservação.
Buscou-se a seguir exemplificar as práticas que poderiam ser organizadas
para o ano seguinte (uma vez que o trabalho com o grupo realizou-se nos meses de
outubro e novembro de 2011), relacionando-as aos conteúdos estruturantes e
específicos constantes nas DCE. Discutiu-se, então, o emprego da televisão
acoplada ao microscópio e ao estereoscópio.
Paralelamente, a pesquisadora coordenou o grupo focal 2. O trabalho em
rede foi oportunizado pela Secretaria de Estado da Educação, por meio da oferta de
formação continuada na modalidade à distância, no ambiente e-escola da plataforma
MOODLE, onde se inscreveram onze professores de Biologia de diferentes
municípios paranaenses. As atividades do grupo foram realizadas no período de 25
de setembro a 25 de novembro e compreenderam três módulos de atividades, cada
um com uma atividade de Diário e outra de Fórum.
No ambiente de aprendizagem MOODLE, o objetivo do diário é promover uma
reflexão orientada por um moderador que solicita ao estudante a reflexão sobre um
assunto com registro e aperfeiçoamento progressivo da questão, enquanto o fórum é
um espaço virtual de reunião, onde é possível a interação entre os participantes do
grupo. Nele os professores podem fazer reflexões, discutir, questionar, responder e
comentar assuntos referentes ao tema abordado.
As mensagens postadas ficam disponíveis para leitura, que embora
respondidas de forma assíncrona, isto é, em tempos diferentes, permitem que as
interações aconteçam a partir das postagens, todas registradas de forma escrita.
No primeiro módulo, o diário 1 teve por objetivo apresentar o Projeto de
Intervenção Pedagógica e verificar se os equipamentos foram recebidos nas
escolas, possibilitando acesso aos professores. No fórum 1 os objetivos foram
promover discussão sobre a importância do planejamento de atividades práticas na
disciplina e possibilitar interações entre os participantes e a tutora (moderadora do
grupo) com vistas à ampliação das ideias relacionando-as à temática proposta.
No segundo módulo, no fórum 2 refletiu-se criticamente sobre a possibilidade
da disciplina de Biologia contribuir para que o aluno perceba sua natureza orgânica,
e de como a autopreservação insere-se neste contexto, considerando que o objeto
de estudo da disciplina é a vida e os dados estatísticos que revelam um número
considerável de jovens morrendo ou comprometendo sua existência em função de
direção perigosa, abuso de álcool e substâncias tóxicas, automedicação, entre
outros. Foi trabalhado, no diário 2, a relevância da organização de uma Produção
Didático-Pedagógica para uso do microscópio e do estereoscópio trinoculares.
No diário e no fórum 3 os professores sugeriram práticas relacionadas ao
tema proposto e dialogaram sobre as dificuldades e desafios encontrados no
desenvolvimento das aulas práticas, a partir de afirmações feitas pelo grupo e pelos
alunos de Ensino Médio que compuseram o grupo focal 3.
Para o desenvolvimento da proposta junto ao grupo focal 3, formado por 18
alunos, escolhidos aleatoriamente, entre os alunos de duas turmas do Ensino Médio,
foram organizados quatro encontros. Nestes momentos debateu-se, qual a
compreensão dos alunos sobre singularidade e de como ela se expressava em cada
um; qual a experiência deles com aulas práticas e o uso do microscópio e o
estereoscópio, o que desejavam observar nestes instrumentos referentes ao
entendimento de seu corpo e quais as impressões sobre duas aulas práticas,
organizadas para observação microscópica e estereoscópica. O trabalho foi
realizado entre 15 de setembro e 15 de novembro de 2011.
Os trabalhos com o grupo focal 4, constituído por 20 alunos escolhidos
aleatoriamente entre os matriculados em quatro turmas de primeiro ano (1A, 1B, 1C
e 1D), desenvolveram-se durante o primeiro semestre de 2012. O plano de trabalho
docente foi organizado de modo a adequar os conteúdos específicos para a
disciplina de Biologia com a proposta de implantação do projeto. A partir das
observações do grupo focal 3 foram possibilitadas três aulas práticas. Ao todo foram
observados 12 diferentes materiais. Seguem as práticas, com especificação do
material observado ao natural ou em lâminas permanente existentes no laboratório
da escola.
Prática 1: Reconhecendo células e diferenciando células vegetais de animais
i. Reconhecendo células vegetais em tecido de cebola
ii. O experimento de Robert Hooke – a “célula”
iii. Reconhecendo células animais em tecido epitelial (mucosa da boca humana)
iv. Observação de estômatos em tecido de Tradescantia sp, no microscópio
v. Observação de pelos dos estames da Tradescantia sp , no estereoscópio.
Prática 2: Nutrição
vi. Observação de cloroplastos em Elodea sp
vii. Observação de plastos, utilizando raspagem em batata inglesa
viii. Pesquisa de glicídios (amido) nos alimentos
Prática 3: Reprodução
ix. Observação da corte ovariano de rata – ovulogênese
x. Observação de corte de testículo de rato – espermiogênese
xi. Observação de corte de raiz de cebola – mitose
xii. Observação de esfregaço de sangue – leucócitos e hemácias
As oito lâminas empregadas nas práticas 1 e 2 foram montadas pela docente
durante a realização das atividades, na presença dos alunos, utilizando materiais
existentes na escola. Na prática 3 foram utilizadas quatro lâminas permanentes que
compõem o kit enviado às escolas pela SEED-PR, com os instrumentos ópticos.
Durante as aulas, cada um dos materiais observados foi relacionado à
questão da compreensão de si mesmo e aos conteúdos dados em aulas teóricas.
Foram feitas observações quanto à possibilidade de autoconhecimento antes do
advento dos instrumentos e da visualização das unidades básicas dos seres vivos –
as células. Os materiais foram visualizados de maneira individual, primeiramente no
microscópio ou no estereoscópio; em seguida as imagens foram projetadas na
televisão para explicação coletiva das estruturas observadas. As aulas resultaram
em relatório de aula prática. Todas foram planejadas e combinadas com
antecedência com os alunos, não havendo ausências.
Os 20 alunos do grupo focal 4 reuniram-se para debater a participação nas
aulas de laboratório. Após as reflexões os alunos registraram suas impressões,
individualmente e por escrito, a partir do seguinte questionamento: “No primeiro
semestre de 2012, você teve oportunidade de ter aulas práticas dos conteúdos de
Biologia e utilizou o microscópio e o estereoscópio (lupa) trinoculares, observando
lâmina permanente na televisão. Qual a impressão sobre estas ferramentas
tecnológicas? São válidas ou não? Justifique.”
A análise do trabalho realizado é apresentada a seguir. Os grupos focais 1 e
2, formados por professores, são analisados em relação à formação, conhecimento
e experiência relativos aos instrumentos ópticos, possibilidade de planejamento de
aulas práticas com vistas ao trabalho com a autopreservação e seleção de temas
para composição de material pedagógico.
Os grupos focais 3 e 4, formados por alunos, são analisados a partir da
participação em aulas práticas, anteriores à pesquisa e após a organização de aulas
no laboratório, vinculadas à questão da autopreservação.
2.2.3 Resultados
GRUPO FOCAL 1
No grupo 1, em relação à formação, o professor 1 concluiu o curso de
Licenciatura em Ciências Biológicas na Universidade Federal do Paraná/UFPR no
final da década de 90, dando continuidade aos estudos à nível de mestrado no ano
seguinte de sua formatura, concluindo-o após dois anos. A professora 2 fez o curso
de Ciências, de licenciatura curta, na Universidade do Contestado, em Santa
Catarina e licenciatura em Biologia em Minas Gerais, especializando-se com
trabalho referente ao uso de modalidades didáticas diferentes para a disciplina. A
professora 3 fez o curso de bacharelado em Biologia, concluído em 2001, na UFPR;
durante o curso, por quatro anos, participou de programa de iniciação científica, na
área de Sistemática e Biotecnologia; na mesma instituição fez a licenciatura, o que
lhe permitiu assumir por dois meses, como professora contratada pelo Programa de
Seleção Simplificada/PSS, algumas turmas em escola de Curitiba. Segundo a
docente a experiência não foi agradável, talvez por ser fim de ano. Após término do
contrato, distribuiu currículos, não sendo contratada por um ano. Algumas escolas
afirmaram que o nível de formação não era condizente com o salário oferecido ou
que provavelmente não teria domínio de sala. Decidiu-se pelo doutorado, que exigia
dedicação exclusiva, e após tê-lo iniciado foi chamada para assumir concurso
realizado pelo Estado. Em função da dificuldade para conseguir um emprego optou
pelo padrão em Biologia, não concluindo o doutorado.
Os professores 1 e 3 afirmaram que tiveram acesso ao microscópio e ao
estereoscópio durante a formação inicial, na área das disciplinas específicas, não os
utilizando na área das disciplinas pedagógicas. A professora 2 afirmou que, na
universidade frequentada, várias disciplinas pedagógicas eram ministradas por
biólogos e eles oportunizaram aos graduandos aulas práticas em suas disciplinas.
Em relação as suas vivências em aulas práticas, o professor 1 trabalhou por
um ano como professor laboratorista, em escola da rede municipal. A professora 2
trabalhou como laboratorista por cinco anos, no próprio colégio, realizando práticas
para alunos de ensino fundamental e médio; e, a professora 3 envolveu-se por seis
anos consecutivos, quatro no programa de iniciação científica da UFPR e dois no
mestrado, diretamente com os instrumentos ópticos.
No ano de 2011 o professor 1 levou ao laboratório suas turmas de terceiro
ano de ensino médio. A aula foi planejada pela pesquisadora a partir de conteúdo
definido pelo professor (o DNA), que assumiu oito horas-aulas no laboratório em
quinze de agosto, quando do retorno à escola.
A professora 2, ao falar em aulas práticas cita os diferentes recursos que
existem no laboratório para além do microscópio e o estereoscópio, apresentando as
diferentes possibilidades de uso, inclusive em sala de aula. Faz menção a
maquetes, modelos anatômicos, materiais conservados em vidros, rochas, fósseis,
entre outros.
A professora 3 diz que não realizou práticas, relacionando esta observação ao
fato de ser a primeira vez que trabalha com o Ensino Médio por Blocos, e estar se
adaptando a dinâmica da modalidade. Em seu relato a professora surpreende-se
quando constata que apesar de ter trabalhado com a pesquisa científica por anos
não ter em seu planejamento aulas práticas. O depoimento a seguir refere-se a este
momento:
“(...) nas minhas experiências de sala de aula, pensando agora, que eu não tinha pensado neste
aspecto, tanta aula prática que tive, e eu ainda não levei meus alunos, [silêncio] nos seis anos que
estou no Estado, eu nunca levei no laboratório meus alunos; é, eu nunca levei eles, então [silêncio]
acho que esse rompimento em licenciatura e bacharelado reflete na minha prática; eu tinha prática,
eu acredito [nela], para fazer ciência como pesquisadora, foram seis anos, quatro de iniciação e dois
de mestrado, dentro da Federal, onde eu tinha lupa e microscópio, era o dia a dia do trabalho, o
tempo todo, então usava como pesquisadora, e a parte da licenciatura, como eu estou fazendo aqui
na escola, a prática de sala de aula, eu estou separando, então faço a parte teórica do que aprendi; é
isso que estou levando para os alunos, mas a prática da Biologia eu estou deixando de lado.”
Conversando sobre as dificuldades para o uso do laboratório escolar, os
professores indicam a dificuldade de adequar o número de aulas do período letivo à
quantidade de conteúdos mínimos para a disciplina; a ausência de profissionais com
formação específica na área para organizar as práticas, em apoio ao professor de
sala de aula; a falta de roteiros pré-estabelecidos para minimizar o tempo de
planejamento das aulas; o acesso em dias específicos ao laboratório, conforme
horário de trabalho do laboratorista e diferente dos dias de trabalho do professor;
não ter momentos que possibilitem a troca de experiências pedagógicas entre os
professores da própria escola; e, oferecimento de formação continuada pela
mantenedora, especificamente de oficinas e materiais que norteiem o trabalho no
laboratório. Falam, ainda, de que os alunos saem do Ensino Fundamental sem
terem vivência no laboratório, o que dificulta o trabalho no Ensino Médio.
Em relação à troca de experiências entre os docentes, os professores
percebem que a participação no grupo focal 3 permitiu que conhecessem o quão
rica era a experiência profissional de todos os envolvidos e percebessem o quanto
cada um poderia contribuir na organização conjunta do processo ensino e
aprendizagem dos alunos. Foi sugerido que, durante a semana cultural, fosse criado
um espaço para apresentação dos trabalhos individuais dos professores e não só de
alunos, como usualmente acontece. Os professores lembraram o quanto a
participação em aulas práticas em sua formação básica foi determinante para suas
escolhas profissionais.
A reflexão sobre a possibilidade de realizar aulas práticas focando o
autoconhecimento foi considerada por um professor como ousada e interessante,
porém possível.
A professora 3 menciona a dificuldade que as alunas de sua turma de
magistério têm de compreender a estrutura da célula, justificando importância de
trabalhar o autoconhecimento:
“O aluno tem tanta forma de buscar o conhecimento e não está conseguindo gerir tudo isso. Ele tem
MP3, MP4, um monte de informações básicas. (...) Eu estou com uma turma de Magistério, formação
de docentes, tentando ensinar que as células se dividem em três partes, eu chego ao final do ano
frustrada que elas não sabem ainda isso ... têm a cabeça voltada a tanta coisa, que o básico parece
que não entra ... então para buscar essa intimidade a gente tem que ter vários trabalhos (...), eles
acham que a Biologia não faz parte deles, que a Biologia é uma disciplina separada, que não tem
nada a ver com o dia a dia deles; então é bem engraçado isso que ele fala: ‘eu não gosto de biologia,
não gosto da natureza ... prá que isso ... que que isso vai ter relação comigo’. (...) É bem engraçado
isso, eles realmente separam. A gente pode estar colocando eles como sujeito de sua própria
formação, como as coisas estão acontecendo ali, como um cidadão mesmo, acho que é válido.”
A professora 2 constata, a fim de reafirmar a importância da organização de
aulas práticas:
“Fiz o meu trabalho no PDE abordando modalidades didáticas diferentes na sala de aula. Todas
essas práticas em laboratório, e outras que a gente utiliza, vêm atingir as diferenças individuais, é
mais uma modalidade importantíssima que não pode ser deixada de lado, porque a televisão mostra
de um jeito, no laboratório, o microscópio vai mostrar o real. Acho que não se pode descartar essa
possibilidade.”
No grupo focal 1 os professores foram unânimes em sugerir a realização de
aulas práticas que esclareçam os discentes sobre sua própria sexualidade. Foram
sugeridas práticas sobre a observação da estrutura da célula, a fim de que o aluno
se perceba como ser vivo e que as células têm especificidade e necessidades que
precisam ser reconhecidas e supridas. Ainda, práticas relacionadas à questão da
nutrição que envolve situações de obesidade, dieta, bulimia, anorexia, autoestima e
bullying, presentes na realidade escolar.
GRUPO FOCAL 2
Este grupo é formado por 11 professores que atuam em 10 municípios
diferentes do Estado do Paraná, sendo 10 do sexo feminino. Todos têm graduação
em Ciências Biológicas, uma dos quais também em Matemática e outra cursa
Pedagogia. Dois dos docentes são contratados pelo Processo de Seleção
Simplificada e os demais são do Quadro Próprio do Magistério. A experiência
profissional varia de 28 a 2 anos e inclui o trabalho com o ensino regular
(fundamental e médio), a educação especial, a educação de jovens e adultos,
gestão escolar e composição de equipes de Núcleos Regionais de Educação. Três
professores têm experiência na rede privada.
O grupo é bastante heterogêneo e entre os participantes há especialistas em
Ecologia, Psicopedagogia, Interdisciplinaridade na Educação, Interdisciplinaridade e
Educação Especial, Educação e Gestão Ambiental, Arte Educação e, ainda, uma
docente que desenvolve projeto com Fotografia Científica. A heterogeneidade
permitiu amplo e frutífero debate nos fóruns de trabalho, todos registrados por
escrito.
As discussões da questão: “Você considera a realização de atividades
práticas uma possibilidade metodológica quando do planejamento da disciplina?
Justifique sua resposta.”, geraram 54 postagens na rede, uma por participante e as
demais de interações a partir das respostas individuais.
A análise das considerações dos docentes à questão acima é apresentada
no quadro I. A categorização reflete as múltiplas implicações da organização de
aulas práticas nos estabelecimentos de ensino. As observações dos professores são
agrupadas em três segmentos: infraestrutura física, material e humana; processo de
ensino e aprendizagem; e, formação profissional.
CATEGORIZAÇÃO
Infraestrutura física, material e humana
Escola não dispõe de laboratório
Falta apoio de laboratorista
Dificuldade de manutenção de equipamentos
Falta de segurança
Perda de investimentos públicos por falta de uso dos materiais
Processo de ensino e aprendizagem
Professores consideram importante a realização de aulas práticas
Necessidade de planejamento (que conteúdos, quando, como e por que realizar práticas)
Dissociação entre teoria e prática
Possibilita outro olhar sobre o conhecimento
(Re)significa a teoria dos livros
Dificuldade de adequar o currículo e horas-aulas da grade curricular (a questão do tempo)
Importância de inovar metodologicamente
Consideração do que o aluno sabe
Aulas práticas auxiliam a aprendizagem de conhecimentos teóricos
Melhoria da relação professor/aluno por meio do trabalho cooperativo que as práticas desencadeiam
Participação em aulas práticas influencia na escolha profissional
Formação profissional
Formação inicial do professor não prepara para o uso dos instrumentos
Necessidade de formação nas tecnologias (instrumentos ópticos trinoculares são novos nas escolas)
Formação continuada em educação para compreensão da função do professor, da prática e da disciplina de Biologia.
Quadro I: Categorização das implicações da organização de aulas práticas nas escolas, realizada a partir da sistematização das reflexões dos professores da rede estadual de ensino do Paraná,
participantes do grupo focal 2. Fonte: Dados da pesquisa, 2011
Os 11 professores são unânimes em relação à possibilidade da realização de
aulas práticas, sendo insistentes na necessidade de planejamento anterior
objetivando minimizar o tempo gasto com a organização das práticas, bem como
otimizar o número de aulas disponíveis nas grades horárias dos alunos.
Demostraram, ainda, preocupação com o tipo e qualidade das aulas, discutindo qual
o melhor momento para inserir as práticas, ou seja, realiza-las antes ou depois das
aulas teóricas. As considerações levaram o grupo a pensar sobre a dicotomia entre
teoria e prática e a necessidade de superar a visão fragmentada da Ciência.
O texto abaixo, transcrito literalmente, expressa os pensamentos da
professora S.M.H. que contextualiza a questão no ambiente escolar.
“Realmente, é lamentável que muitos estudantes ainda só tenham oportunizados conteúdos teóricos,
pois a dissociação entre teoria e prática leva a desvalorização de ambas, em particular do
conhecimento teórico. E apesar dessa constatação, devemos lembrar que a desgastada fórmula de
aulas apenas expositivas acaba transformando realizações fantásticas e elaborações indispensáveis
para a compreensão do mundo, em material tedioso, sem qualquer graça ou encanto para os
estudantes. A dinâmica empregada por nós educadores pode modificar essa situação e promover o
estudo de forma a torná-lo significativo e relevante para qualquer grupo de estudantes. A ponte a se
estabelecer entre a teoria e a prática, é necessária e imprescindível para continuarmos promovendo
uma educação conectada a realidade, ao cotidiano e ao mundo, permitindo aos nossos alunos o
desenvolvimento da criticidade, estimulando a sua capacidade analítica e comunicativa, com uma
educação mais sintonizada e plena, aguçando a criatividade e o senso crítico dos nossos alunos.”
Três dos professores participantes afirmaram que a participação em aulas
práticas durante a realização da educação básica influenciou, diretamente, a escolha
do curso de graduação.
O recebimento e acesso aos instrumentos ópticos, o domínio do professor em
sua utilização e a reflexão crítica sobre a relevância da organização de atividades
experimentais com fins de autopreservação, são apresentados no quadro II, a partir
da transcrição literal das observações escritas pelos professores.
As escolas dos 11 docentes receberam os materiais. Embora no interior das
escolas, de acordo com os relatos, o microscópio e o estereoscópio trinoculares são
utilizados efetivamente por três professores. É comum aos professores a menção
sobre a formação, realizada a partir de diferentes focos – do professor experiente
que tem domínio dos equipamentos e realiza atividades experimentais em sala de
aula e do iniciante que observa a necessidade de maior capacitação ao gestor de
Núcleo, que se preocupa com a possibilidade do sucateamento dos instrumentos por
dificuldades com o uso.
Recebimento dos materiais e aplicabilidade de intervenção pedagógica objetivando autopreservação
Sobre as dificuldades da organização de atividades práticas
Prof. 1 - "Dispomos de um excelente laboratório e de organização administrativa para o uso do mesmo. No entanto, ainda não realizei aula cuja metodologia adotada fosse o uso destes instrumentos. (...) nossas aulas precisam ser reformuladas, repensadas, contextualizadas, provocativas no que se refere a reflexão de que o estudo biológico é antes de tudo uma maneira de conhecer a
"levar para o laboratório uma média de quarenta e dois alunos (realidade que tenho nas 4 turmas de 3 ano que atuo este ano no período noturno e três turmas de 2 ano) em aula de quarenta e cinco minutos".
própria organização que nos mantém vivos e por isso, necessitamos de autopreservação e de escolhas mais sensatas de vida".
Prof. 2 - "Trabalho em três colégios distintos, cada um apresenta uma realidade, todos receberam no ano passado a “lupa” e o microscópio, utilizo-os com frequência em todas as escolas, porém em uma delas ainda não possuímos laboratório e este material fica sempre encaixotado, sendo necessário em cada vez, monta-lo, perdendo uma grande parte da aula. A Formação em Ação deste ano abordou a instrumentalização destes materiais o que foi muito importante, pois solucionamos várias dúvidas, podendo agora manuseá-los sem medo."
"vale salientar que capacitação dos docentes é um fator decisivo, pois muitas vezes o professor não usa estes materiais por receio de errar"
Prof. 3 - "O material fornecido pelo Governo do Estado (microscópio, estereoscópio e câmera) chegou para nossa escola no final do ano de 2010. Abrimos as caixas, tentamos montar, mas tivemos algumas dificuldades, então nos foi sugerido que aguardássemos, pois possivelmente haveria algum treinamento para manuseio dos mesmos. Nesse ano de 2011, fui escolhida entre os professores das duas escolas em que leciono, para participar de uma capacitação em Maringá, com vagas limitadas e com o compromisso de repassar o treinamento aos demais colegas. O treinamento teve duração de 4 horas. Em seguida, vieram instruções para que o repasse do treinamento fosse transformado numa das oficinas do Itinerante – 2011. Para mim foi um grande aprendizado, treinei muito para explicar aos demais colegas e por consequência me familiarizei com o material."
"Mas não está sendo fácil utilizá-los em minhas aulas; não com a frequência com que gostaria, por todas as dificuldades já mencionadas: falta de estrutura material e humana, disponibilidade de tempo e até mesmo a falta de conhecimento de atividades práticas que sejam pertinentes ao conteúdo que está sendo trabalhado."
Prof. 4 - "Recebemos os equipamentos (microscópio e estereoscópio) no final do 2º semestre de 2010, não sendo utilizado naquele ano. Neste ano foi utilizado poucas vezes, devido à falta de domínio no manuseio de tais recursos disponibilizados. Os mesmos estão organizados no laboratório, onde contamos com uma boa estrutura de espaço e funcionamento para as atividades(...)"
"Meu maior interesse ao me inscrever foi a possibilidade aperfeiçoar meus conhecimentos e aprender a usar de forma adequada o novo kit, pois até o momento não consegui utilizar o estereoscópio trinocular adequadamente"
Prof. 5 - No colégio aonde eu trabalho chegou todo o material de laboratório enviado pela SEED, no final do ano passado. Segundo a diretora, o material é de boa qualidade, mas ainda está nas caixas guardado, pois o laboratório não está sendo usado, está interditado devido o barranco que desmoronou e estragou o laboratório, a cantina e uma sala de aula.
"a formação do professor na área é imprescindível, caso contrário esse profissional não poderá usar os equipamentos"
Prof. 6 - "No Colégio Estadual (...), onde só temos o Ensino Médio, e no qual eu trabalho no período noturno, recebemos os equipamentos, tanto o microscópio quanto o estereoscópio. Utilizamos sempre que possível, mas não conseguimos conectar na TV- pendrive. A professora de Biologia do período matutino também tentou conectar e não foi possível. Informamos a equipe do núcleo responsável de nossa área e aguardamos retorno."
"(...) para o uso dessas ferramentas de trabalho de maneira que os alunos compreendam é necessário também que o professor conhece e saiba a teoria afundo, não adianta dar a prática se não temos a teoria."
Prof. 7 - "A utilização do microscópio e do estereoscópio trinoculares na disciplina de Biologia em atividades práticas contribuirá para a formação da identidade biológica, reconhecimento da estrutura orgânica e a sensibilização dos alunos no processo ensino e aprendizagem, (...) No colégio onde trabalho os materiais foram recebidos e em seguida foi realizada a conferencia dos mesmos seguida da montagem. Todos os professores de Ciências e Biologia têm acesso aos materiais que são utilizados com bastante frequência."
“o colégio em que atuo não possui um laboratório com espaço adequado para a realização de práticas, mas isto nunca foi um empecilho para que eu realizasse as aulas empíricas. É preciso levar o microscópio ou a lupa estereoscópica para a sala de aula, acoplar o equipamento à TV Pendrive e, muitas vezes, preparar as lâminas com antecedência. Porém, conectar estas ferramentas à TV facilitou bastante o trabalho, porque agora todos visualizam o objeto de análise no mesmo instante.”
Prof. 8 - "Nos colégios em que trabalho não tenho problemas em relação a utilização do material, estão disponíveis sempre que necessário e os professores são incentivados a utilizá-los."
"a experimentação nos laboratórios escolares (...) encontra ainda algumas barreiras impostas tanto por parte de professores que com medo de danificar o material – não o utilizam – quanto por parte da equipe administrativa dos colégios, que por excesso de zelo acabam impedindo ou dificultando a utilização do microscópio e estereoscópio trinoculares, sem contar que por falta de espaço físico nas escolas alguns laboratórios são utilizados para outros fins"
Prof. 9 - "Sob o aspecto da relevância, é óbvio que qualquer ação que esteja voltada para a aplicação de atitudes ou atividades que visem as mudanças de posturas ou a quebra de paradigmas e que sejam traduzidas em significado para o ensino e para o processo do aprendizado, corresponderá diretamente para a importância de sua aplicação. (...) Nas escolas em que atuo os equipamentos estão à disposição para o seu uso para todos os professores."
"Um receio obscuro que ronda é o fato da possibilidade desses recursos permanecerem encaixotados pelo descaso, pela não procura ou até mesmo pela burocracia da sua guarda a “sete chaves” pelos seus guardiões. Este apontamento tem seu fundamento levantado no DEB itinerante, primeiro semestre/2011, em que muitos colegas professores relataram tal situação.”
Prof. 10 – “Quando o aluno reconhecer sua estrutura biológica, estará apto a fazer escolhas que preservem sua vida sem colocar em risco a sua integridade ou das outras pessoas a seu lado, (...). A inclusão de atividades práticas nas aulas garante uma associação mais eficiente pelos alunos da teoria com sua contextualização no cotidiano.
"Nossa escola recebeu os microscópios trinoculares e estereoscópio e participamos de um treinamento, de como utilizá-los no último curso de Formação em Ação realizado há alguns dias atrás. Foram trabalhados tópicos sobre a sua montagem e práticas possíveis de serem realizadas. Ficou mais fácil agora seu uso em sala de aula."
Prof. 11 - "faz-se necessário envolvimento substancial na própria organização das atividades escolares, mostrando que a motivação não é algo que está ou não está no aluno, mas que é resultado da interação social na sala de aula."
"temos muito para caminhar, pois não dá para transportar de uma sala para outra, pois é um material muito sensível, e também há uma dificuldade como fazer a aplicabilidade."
Quadro II: Considerações sobre o recebimento dos microscópios e estereoscópios trinoculares pelas escolas, da importância do uso para o autoconhecimento e das dificuldades na utilização, afirmadas
pelos professores da rede estadual de ensino do Paraná, participantes do grupo focal 2. Fonte: Dados da pesquisa, 2011
No fórum 2, foram postadas 37 mensagens durante a discussão da questão:
“A disciplina de Biologia contribui para a formação de uma identidade biológica?
Como a autopreservação insere-se neste contexto?”
O diálogo do grupo perpassa pelas dificuldades e possibilidades encontradas
por docentes e discentes no que concerne à autopreservação. O jovem que ocupa
atualmente os bancos escolares é caracterizado. Fala-se de seu domínio
tecnológico e de como é imprescindível ao professor planejar aulas para sujeitos
com grande acesso a informação; da importância do professor estabelecer uma
relação harmoniosa com seus alunos, a fim de poder tratar de assuntos como o
efeito da bebida, do fumo, das drogas, sem preconceitos; da juventude como um
período da vida para (re)fazer conceitos, desbravar o mundo e sonhar.
Observa-se, ainda, o papel de diferentes segmentos sociais que participam do
processo de ensino dos jovens e que serão considerados quando de suas escolhas.
Seguem-se três comentários relacionados, respectivamente à família, a escola e a
mídia.
“A família encontra-se dissolvida e os responsáveis afogados em seus empregos, as crianças, os
jovens adolescentes têm poucos exemplos a serem seguidos, pois permanecem, em sua maioria,
largados à criação pelas amizades formalizadas nas ruas. Assim, verifica-se a relevância deste
trabalho sugerido (...) J.A.F.
“A escola não educa sozinha, uma sociedade é que gera seus cidadãos através dos valores culturais
que lhes incute, a educação e o trabalho docente são projetos coletivos”. S.M.H.
“A interação do conteúdo deve estar sempre associada a fatos ocorridos na comunidade, os
apresentados pela mídia e demais situações, levando-os a análise/reflexão/ação, promovendo dessa
forma a apropriação do conteúdo, se vendo como ser biológico, sentido a necessidade de
sua autopreservação, pois a partir do momento que se reconhece como tal, entenderá que
determinadas ações os levarão ao estar bem ou não”. S.R.C
Embora a discussão sobre a questão tenha iniciado num contexto coletivo e
amplo, que atravessou a cultura global e familiar, os participantes fazem, também,
considerações a respeito do protagonismo do professor de Biologia e de colegas das
demais disciplinas na conscientização do aluno. As três citações literais abaixo,
exemplificam como o professor sente sua responsabilidade:
“O maior desafio do professor de biologia é justamente o de possibilitar ao aluno desenvolver sua
maturidade para que se perceba como um ser vivo e compreenda seu papel de ser integrante na
natureza(...)” M.G.A.
“Cabe a nós educadores assumirmos o papel de protagonistas na formação da identidade de nossos
alunos através da mudança de atitudes e com o envolvimento de todos os interessados na
construção de uma política pedagógica participativa, para a formação de alunos com maior qualidade
de vida e que efetuem escolhas adequadas ao seu modo de vida de forma significativa.” S.M.H.
“Devemos realmente assumir o papel de protagonistas, tarefa árdua e difícil, pois nós também
estamos imbuídos de concepções um tanto tradicionais que, às vezes, nos impedem de acreditar em
certas mudanças. (...) Se tornarmos nossos jovens responsáveis também na resolução dos
problemas, tanto individualmente como em grupo, haverá um envolvimento maior deles na solução de
situações/problemas reais, tomando iniciativas com liberdade e compromisso, pois cabe a ele a ação
de decisão consciente e disposição em responder por seus atos. (...)Desde que exerço esta profissão
o meu principal objetivo é mostrar ao educando o sentido e a importância da VIDA, que ele é parte
integrante do meio em que vive, que dele também depende seu bem estar e os demais seres vivos.
Essa não tem sido uma tarefa fácil, mas ainda não desisti, é um desafio a ser alcançado. ” S.R.C.
No terceiro momento de reflexões o grupo fez sugestões de atividades
práticas. Nelas os professores procuraram inter-relacionar os quatro conteúdos
estruturantes e os oito conteúdos básicos definidos pelas DCE da disciplina com a
autopreservação. Três dos professores são explícitos quanto ao entendimento de
que a abordagem teórico-metodológica deve integrar os diferentes conteúdos
estruturantes, dois dos quais integraram equipes dos Núcleos Regionais de
Educação. Além das atividades propostas, foi reconhecida a pertinência de
tratamento da utilização dos instrumentos ópticos, a importância de propor aos
alunos a compreensão de si mesmos a partir de uma situação problema e, após a
atividade prática, a realização de uma atividade reflexiva, como a produção de um
texto ou resolução de um problema.
A tabela 2 apresenta possibilidades de trabalho sugeridas pelos docentes.
Algumas delas compõem o Caderno Pedagógico, material pedagógico previsto no
PDE.
Conteúdos Estruturantes Atividade Prática Intervenção
Organização dos Seres Vivos
Observação de bactérias na placa bacteriana, no vinagre ou no iogurte, levedura e protozoário.
Doenças, higiene, vacinas, automedicação, conservação de alimentos
Observação de células da mucosa bucal e de células vegetais (Allium cepa)
Reconhecimento da estrutura celular humana e diferenças em relação a outros seres
Observação de cloroplastos, amiloplastos, leucoplastos, movimento intracelular (ciclose em Elodea sp e melanóforos em escamas de peixes), lipídios em casca de laranja ou limão
Alimentação saudável (opções orgânicas, livres de gorduras trans, modificadas geneticamente) e desnutrição, obesidade, distúrbios alimentares (bulimia e anorexia)
Mecanismos Biológicos
Observação do Sistema Circulatório em cauda de girino ou na cauda de peixe macho da espécie Betta slendens)
O transporte de substâncias que darão energia ao organismo, drogas
Observação de glóbulos vermelhos e glóbulos brancos em lâminas permanentes existentes na escola
Imunidade e evolução adaptativa bacteriana, AIDS, Diabetes
Biodiversidade
Observação de ovos e larvas de mosquitos Dengue
Observação de água poluída Desidratação, cuidado com os alimentos,
Parasitas externos (piolho, pulgas e carrapatos)
Higiene, desnutrição, doenças
Manipulação Genética Observação da Meiose e da Mitose Câncer, diversidade,
crescimento, reprodução e sexualidade, transplantes
Observação da cromatina sexual em células da mucosa bucal
Tabela 2: Atividades práticas sugeridas pelos docentes da rede estadual de ensino do Paraná, participantes dos grupos focais 2, correlacionadas as conteúdos estruturantes definidos na DCE de
Biologia/SEED-PR Fonte: Dados da pesquisa, 2011
GRUPO FOCAL 3
A análise do material relativo às discussões do grupo permite afirmar que
poucos alunos tiveram acesso ao microscópio e ao estereoscópio. Dos 18 alunos,
apenas três informaram ter tido aulas práticas, dois dos quais manusearam o
microscópio na 6ª série do Ensino Fundamental. O terceiro fez uso do microscópio e
do estereoscópio, tendo participado de cerca de seis aulas. Nenhum deles observou
as imagens na televisão.
Os dois alunos que participaram de uma aula no Ensino Fundamental, ao
descreverem o que viram, mencionaram as células de cebola e protozoários;
enquanto o outro acresceu a estas, a visualização de fungos, bactérias e fio de
cabelo. Estas pontuações suscitaram a curiosidade dos demais que se interessaram
pela possibilidade de poderem ter aulas práticas também. O grupo sugeriu a
observação de sêmen, DNA humano, sangue, vírus, bactéria, fungos, plantas,
fósseis, cabelo, unha, microrganismos e o olho humano.
A grande maioria das indicações mostra que os alunos não relacionam o uso
dos instrumentos ópticos às estruturas parciais, mas a estruturas vivas de porte
microscópio.
O aluno W.G. (14 anos), no entanto, diz: “gostaria de ver como meu
microrganismo se organiza” fazendo menção à organização interna de seu corpo,
complementando que assim saberia “do que as células precisam para mantê-las
saudáveis”. Outro aluno (14 anos) justifica a importância do uso dos instrumentos
afirmando: “Eu conseguiria me conhecer melhor e me cuidar mais”. Seu colega
relaciona as possíveis observações à autopreservação afirmando que “gostaria de
conhecer mais eu mesma por dentro para descobrir o que poderia melhorar para ter
uma vida longa e saudável”.
Dois alunos relacionam especificidades de suas vidas àquilo que desejam
observar. O aluno X menciona que faz musculação e “eu gostaria de ver como o
músculo funciona, o que acontece quando se treina e como ele cresce”. O aluno Z,
com deficiência visual, gostaria de observar o olho humano e conhece-lo nos
mínimos detalhes. O aluno Y sugere a observação do cérebro humano.
Para estes jovens falar em singularidade, que se reporta a uma identidade
própria, é falar de DNA, da racionalidade frente a outros mamíferos, a uma
característica comportamental, seja visível ou “camuflada”, e está associada ao
“individualismo”.
O acompanhamento das discussões permite afirmar que, embora os alunos
compreendam como função do microscópio a ampliação de imagens, eles têm
dificuldade em extrapolar as sugestões daquelas dadas pelos alunos que
participaram de aulas práticas. Cabe lembrar que todos são alunos concluintes do
primeiro ano do Ensino Médio e no momento da pesquisa estudavam a reprodução
humana, daí mencionarem o DNA, o sêmen, o sangue e os vírus. Estes últimos
tratados quando da apresentação de conteúdos referentes às DST.
Foram oportunizadas duas aulas práticas para encerramento do trabalho com
o grupo. Nelas os alunos observaram ao estereoscópio uma flor, buscando
compreender o mecanismo de reprodução vegetal; protozoários para diferenciação
de seres unicelulares de seres pluricelulares; observação do processo de mitose,
com a utilização da televisão para identificação de suas diferentes fases; observação
dos amiloplastos; verificação da ciclose nas folhas de Elodea sp, visando o
reconhecimento dos cloroplastos e da dinâmica interna da célula. Estas aulas foram
realizadas na última semana de aulas do ano letivo e seu objetivo maior foi
proporcionar aos alunos uma oportunidade de transitar pelos conteúdos trabalhados
pelos professores que atuaram com eles durante o semestre, a fim de que
buscassem relacionar teoria/prática e o que viam com suas próprias estruturas. Os
alunos registraram os objetos visto por meio de desenhos.
A transcrição na íntegra da resposta dada pelo aluno R.D. (14 anos) à
questão “Você gostou da aula de laboratório? Justifique sua resposta”, evidencia
como as aulas práticas impactaram os alunos.
“Sim, porque foi, na minha opinião, a aula mais ELETRIZANTE que já tive! Com todas aquelas
células e protozoários.”
GRUPO FOCAL 4
A leitura das respostas à questão proposta mostra que, para os 20 alunos do
GF4 a utilização do microscópio e do estereoscópio trinoculares é válida. Sendo que
suas justificativas são categorizadas conforme tabela 3.
Afirmação dos alunos sobre a participação em atividades experimentais Nº de alunos
Torna mais interessante e divertida a aula, despertando atenção e a curiosidade 4
Possibilita manipular os instrumentos 1
Remete a conhecimentos sobre si mesmo 8
Facilita o aprendizado 8
Melhora a relação com o conhecimento 1
Relaciona como boa metodologia para o uso do professor 3
Possibilita relacionar a teoria e a prática 6
Considera a utilização como oportunidade única 8
Precisa de investimento por parte dos gestores escolares e da mantenedora 1
Percebe o uso como um aprendizado mais aprofundado, com mais detalhes, diferenciado ou “real”
8
Remete ao conhecimento da ciência 1
Sugere mais aulas práticas 2
Amplia a visão do livro 6
Torna concreto o que se vê no livro 1
Cita como primeira oportunidade de uso 1
Tabela 3: Categorização das respostas dos alunos do 1º ano de Ensino Médio, do Colégio Estadual Paulo Leminski, Curitiba-PR, participantes do grupo focal 4, sobre a importância da realização de
atividades práticas, a partir da vivência de observações no laboratório escolar. Fonte: Dados da pesquisa, 2011
A tabela mostra que a percepção dos alunos, todos com idade entre 14 e 16
anos, em relação às atividades práticas, não se limita a questão individual da
facilitação da aprendizagem, mas transita por um contexto mais amplo que se
estende do entendimento de que seu uso é um recurso do qual o professor deveria
fazer uso, passa pelos conceitos descritos nos livros didáticos e chega à função dos
gestores, compreendendo a importância do investimento nos equipamentos.
As afirmações transcritas abaixo exemplificam como os jovens relacionam o
conhecimento possibilitado pelas aulas práticas e a compreensão sobre seu próprio
organismo.
Aluno 1: “Essas ferramentas tecnológicas são essenciais para a nossa aprendizagem, pois em textos
e explicações é claro que aprendemos, mas vendo aprendemos mais ainda. Poder observar o que
tem em nosso corpo, por exemplo, a célula, nos motiva, pois é muito interessante. Isso é válido sim,
para algumas pessoas pode ser a única vez que pode observar algo nessas ferramentas e vai saber
para o resto da vida, vai ajudar num vestibular. Desenhos não são a mesma coisa que poder ver num
microscópio.” L.A.G – 14 anos
Aluno 2: “São ferramentas ótimas. Em minha opinião deveriam ser usadas em todos os colégios
estaduais, pois observar o que nós observamos lá é fundamental para nosso aprendizado. Minha
participação nas aulas melhoraram 100%. Devido as aulas conheci melhor o meu corpo, aprendi a
cuidar dele melhor também e sei o que fazer em situações complicadas como (...)” A.S.P. 16 anos
Aluno 3: “As ferramentas são bastante valiosas, pois aumentam a capacidade humana de enxergar
coisas que não somos capazes de ver. Toda tecnologia no laboratório é essencial para o aprendizado
profundo sobre nossa e outras espécies.” E.S. - 14 anos
Observa-se que o aluno 3 extrapola o uso das ferramentas para além do
conhecimento de si próprio, ampliando-as para o conhecimento de outras espécies,
o que não foi a intenção das práticas ou conteúdos específicos planejados para o
primeiro ano.
Em relação à adaptação dos instrumentos à televisão, P.H.S. – 16 anos
observa,
Aluno 4: “Eu achei essas aulas ‘da hora’ porque eu via células que nem sabia como eram. E a
tecnologia que passa do microscópio para a televisão muito legal mesmo, valeu a pena aprender.”
O aluno A.C.S. (15 anos) expressa de forma contundente o quanto sua
vivência nas aulas práticas foi transformadora quando diz:
Aluno 5: “A minha impressão é que esses aparelhos tecnológicos ajudam muito no aprendizado.
Todos os professores de Biologia deveriam preparar aulas assim, diferenciadas e legais. Os colégios
estaduais deveriam investir mais nesses aparelhos para melhor desempenho dos alunos. (...)
Despertei um grande interesse nessa área devido a tudo o que aprendi que foi muito; confesso nunca
ter aprendido tanto.”
Percebe-se no depoimento de J.V.L.P. (15 anos) como a compreensão do
conhecimento presente no livro didático exige a abstração do aluno e está distante
do que ele entende por real. Fazer a visualização de estruturas cujas imagens foram
vistas no livro ao microscópio permite-lhe a certeza de que o posto no livro é um fato
observável.
Aluno 6: “Achei bastante interessante, pois a gente compreende tudo que a professora passa no
quadro; tudo o que a gente vê no livro, existe mesmo, é real.”
Somam-se a ele outros sete alunos que afirmam que poder observar
diretamente o material permite outro nível de conhecimento, qualificado como menos
superficial, mais detalhado, diferenciado ou, ainda, real. São seis, ainda, os jovens
que dizem relacionar a teoria à prática.
3 Considerações finais
O trabalho desenvolvido demonstrou que professores e alunos de ensino
médio, da rede pública estadual do Paraná, consideram possível a realização de
atividades práticas envolvendo o autoconhecimento.
Constata-se, a partir das observações dos educadores de diferentes
municípios do Estado, que prover os espaços escolares com os instrumentos ópticos
não garantirá seu uso como recurso metodológico, quando da elaboração dos
planos de ação docente. Entre os argumentos de tal afirmação encontra-se,
insistentemente, a importância de formação continuada, tanto para superação de
deficiências na formação inicial quanto para atualização teórica e tecnológica.
O segmento dos alunos não faz menção às dificuldades observadas pelos
professores, mas é profuso na significação das atividades práticas lhes
proporcionadas. Elas são sempre qualificadas positivamente a partir da
oportunidade de vivenciar conceitos para além das aulas teóricas expositivas ou das
imagens do livro didático.
Nos dois grupos formados por professores, verificou-se que a reflexão-na-
ação e a reflexão sobre a ação pedagógica podem ser caminhos não só individuais
mais estratégias para a organização de cursos de formação continuada, reafirmando
as proposta de Schön. Compartilhar a análise do fazer pedagógico entre os
docentes pode beneficiar o processo ensino e aprendizagem.
No que concerne especificamente à disciplina de Biologia, as diretrizes
curriculares estaduais possibilitam integrar conteúdos estruturantes e conteúdos
básicos com atividades práticas, que envolvam o reconhecimento por parte do aluno
de sua natureza orgânica, objetivando a autopreservação.
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