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6 Domingo, 30 de outubro de 2011.
O GLOBO l OPINIÃO l PÁGINA 6 - Edição: 30/10/2011 - Impresso: 29/10/2011 — 10: 26 h
O GLOBO
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O G L O B O É A S S O C I A D O :
PRETO/BRANCO
O P I N I Ã O
Depois de vários fins de semana som-brios para a economia mundial, oacerto fechado na Europa na ma-drugada de quinta-feira, com o aba-
timento de 50% da dívida grega de posse domercado, inevitável, gerou algum ânimo emtodos os continentes. A crise de dívidas so-beranas, com uma ligação bancária umbilical,não está resolvida, mas foi movida uma peça-chave na direção certa. Sem deságio de dívi-das — como o Brasil já bem demonstrou nadécada de 90 —, o devedor não paga, apertaos cintos, mas sua economia também nãocresce para um dia poder resgatar o débito.Cai-se num atoleiro.
Há quem preveja uma década para que aEuropa faça a digestão deste enorme passivoa descoberto. E mesmo que os Estados Uni-dos, cuja economia tem justa tradição de agi-lidade nas recuperações das crises, retome al-gum vigor, o mais provável, o mundo aindanão conseguirá enxergar no horizonte a volta
te indica um custo 30% superior dos produtosbrasileiros em relação a uma média de seispaíses (EUA, França, Inglaterra, Austrália, Áfri-ca do Sul e China). O Brasil tende a ficar forade mercado. E para compensar todas as de-ficiências da economia brasileira — impostosem primeiro lugar, segundo Rabello de Castro— o câmbio teria de ser R$ 2,48 (está em R$1,70). Seria um choque inflacionário de razoá-veis dimensões. A proposta do Brasil Eficienteé de uma redução da caga tributária, estimadapelo movimento em 33,56% , em um pontopercentual por ano até o nível de 30%. Seriagrande incentivo à competitividade do país,que se encontra em baixa.
Quem tem dúvidas deve estudar o exemploalemão. Diante da competição do Leste da Eu-ropa, reduziu o Custo Alemanha (legislaçãotrabalhista, previdência, etc) e estancou a mi-gração de fábricas e empregos. Grécia, Portu-gal, Espanha e Itália nada fizeram. A atual cri-se já mostrou quem estava certo.
Crise mundial impõe corte de impostosde um tempo de bonança como foi a virada dadécada de 90 para os anos 2000, até2007/2008, quando o anunciado estouro dabolha imobiliário-financeira ame-ricana aconteceu, numa explo-são que alguns subdimensiona-ram.
Mesmo sem ter feito reformasimportantes que aumentassem acapacidade de competir no mun-do globalizado, o Brasil foi bene-ficiado pelo ciclo de crescimen-to, puxado por uma China ávidapor matérias-primas. O país pas-sou a ser fornecedor importantede minérios e alimentos dos chi-neses, resgatou a dívida externae, como é de nossa tradição, dei-tou em berço esplêndido. Deveria despertaragora que o cenário externo leva a crer quedurante muito tempo o Brasil não se benefi-ciará de uma conjuntura de expansão mundial
sincronizada, que mascarou suas deficiências.O tema está agenda do economista Paulo Ra-bello de Castro, do Movimento Brasil Eficiente
(MBE). Em entrevista ao GLOBO,Paulo Rabello tachou, com ra-zão, de “catástrofe competitiva”a carga de impostos sobre asempresas brasileiras.
O mundo e a China, em parti-cular, desaceleram. As exporta-ções de produtos primários ten-dem a perder fôlego. Há risco atéde déficits comerciais, desvalori-zação mais acelerada do real,volta de maiores pressões infla-cionárias. Este é um cenário, tra-çado por Rabello de Castro,diante do qual Brasília pode fin-
gir sangue-frio, mas tem de agir. O ponto-cha-ve, defende o economista, na questão da com-petitividade, é a carga de impostos, mais quea própria logística. Pesquisa do Brasil Eficien-
Carga tributária
prejudica
capacidade de
o país competir
no mundo
No penúltimo ano de seu mandato,quando todos os olhos se voltampara as eleições de 2012, o presi-dente Barack Obama segue colecio-
nando bons resultados na área externa. Eleanunciou a retirada total das tropas do Iraqueaté o final do ano — uma solene promessa decampanha — na mesma semana em que o di-tador líbio Muamar Kadafi foi eliminado. Temsido reconhecida como inteligente sua postu-ra em relação à Líbia: deixar o comando po-lítico nas mãos dos líderes europeus NicolasSarkozy, presidente da França, e David Came-ron, premier da Grã-Bretanha, e a frente mi-litar com a Otan. Com isso, a intervenção con-tra Kadafi não teve qualquer baixa americanae custou pouco aos cofres dos EUA.
Esses sucessos, aos quais se soma a elimi-nação de Osama bin Laden em maio, refutama habitual pregação do Partido Republicanode que presidentes democratas são “moles”
berando mais dinheiro para o consumo. Esti-ma-se em 6 milhões o número de proprietá-rios que perderam imóveis na crise da subpri-me.
Os primeiros sinais de que a União Euro-peia começa a arrumar a casa para impedir aimplosão do euro — de consequências impre-visíveis em face da gravidade da crise em queEUA e Europa já estão mergulhados — é, aprincípio, outro sinal favorável.
Falta pouco mais de um ano para as elei-ções nos EUA, e são muitos os fatores a seremlevados em consideração. Até agora, o nume-roso campo republicano não produziu alguémcapaz de empolgar o eleitorado, embora istonão esteja descartado. O caráter de gueto doTea Party vai se tornando mais claro. Por ou-tro lado, ainda é cedo para prever que influên-cia poderá ter no pleito o movimento OcupemWall Street. Tanto Obama quanto republica-nos que se acautelem.
Obama ainda espera boas notíciascom inimigos externos, ao mesmo tempo emque mostra aos eleitores que ele está cum-prindo promessas de campanha. Para a maio-ria dos analistas, porém, essesbons resultados externos são ca-fé pequeno para as necessidadesdo presidente de conquistar oseleitores a fim de assegurar a re-eleição. O que manda mesmo é obolso, ou seja, o desempenho daeconomia, e aí as preocupaçõesainda são enormes. O mais temi-do indicador é o desemprego,que continua em 9% — muito al-to para os padrões americanos.
Contudo, começam a surgir al-guns sinais de esperança para aCasa Branca. No terceiro trimes-tre, o PIB americano avançou a uma taxaanual de 2,5%, contra 1,3% no trimestre ante-rior. Os gastos dos consumidores, que repre-
sentam quase 70% do PIB, cresceram 2,4%,acima das previsões dos economistas. Mas,ao lado desses resultados, a economia conti-
nua produzindo indicadorespreocupantes, como o maior de-clínio da renda em dois anos epreço dos imóveis ainda em que-da, assim como a confiança dosconsumidores. São sinais mistos,insuficientes para definir umatendência. Mas já capazes depermitir algum alento.
A Casa Branca torce tambémpara que comecem a fazer efeitomais rapidamente as medidasadotadas para refinanciar as hi-potecas gravosas (isto é, quecustam mais do que o deprecia-
do valor do imóvel) de milhões de america-nos. As medidas adotadas pelo governo po-derão dar alívio financeiro a essas pessoas, li-
Presidente colhe
bons frutos na
área externa,
mas economia
fala mais alto
Inimigo deletadoCavalcante
O caso do americano al-Awlakinão foi muito diferente, e com elemorreu um segundo cidadão ameri-cano, contra quem não havia qual-quer acusação. Ambos foram execu-tados por robôs voadores capazesde encurralar e obliterar o inimigocom um simples apertar de botão àdistância. Tudo perfeitamente clíni-co, cirúrgico, eficiente e invisível. Ooposto da barbárie em Sirte.
DORRIT HARAZIM
“N este mundo, só impos-tos e a morte são inevi-táveis”, já disse Benja-min Franklin. Mesmo
assim, o mundo preferiria ter sidopoupado de assistir à morte de Mua-mar Kadafi. Não por ter sido um as-sassinato a sangue quente — afinal, ahumanidade convive sem desconfor-to com uma fornida história de justi-çamentos políticos. Mas por ter ocor-rido sem filtros, de forma crua, feia efétida. Plasticamente ofensiva a to-dos os nossos sentidos,em resumo.
Tudo, na forma comoKadafi foi abatido, cau-sou engulho. Tivesse oseu corpo sido varadopor obra de um improvi-sado pelotão de fuzila-mento, ou mesmo enfor-cado on-line, como Sad-dam Hussein cinco anosatrás, a repulsa geral tal-vez tivesse sido menor.Mas o conjunto da obra,naquela quinta-feira 20de outubro, esteve vários tons acimado suportável. Difícil foi diferenciarvítima e algozes, naquele chão batidode Sirte. Ademais, o bestial espetácu-lo adequadamente mal filmado.
Corte para outra execução, ocorri-da três semanas antes, no Iêmen. Oclérigo Anwar al-Awlaki, cidadãoamericano e principal propagandistaem língua inglesa da rede terroristaal-Qaeda, foi pulverizado por umavião não tripulado, que alvejou ocomboio em que ele se deslocava.Não teve direito a processo, julga-mento, condenação.
A operação foi executada pelo
Comando de Operações Especiaisdos Estados Unidos (também res-ponsável pela morte de Osama binLaden em maio passado), em con-junto com a CIA. Operação cirúrgi-ca, silenciosa, invisível — excetopara o seleto grupo de executores,aquartelados a três oceanos e doiscontinentes de distância.
Coube à jornalista Jane Meyer,em reportagem para a revista “NewYorker”, a primazia de um mergulhono mundo fantástico dos chamadosdrones, ou Veículos Aéreos Não Tri-pulados (UAV, sigla em inglês).
Meyer assistiu à trans-missão em tempo realde imagens que mostra-vam Baitullah Mehsud,um dos mais procura-dos terroristas do Tali-bã. Mehsud estava sen-do filmado na casa dosogro, no Paquistão,numa noite de verão de2009. Mais precisamen-te na laje da casa, ondepodia ser visto reclina-do, ao lado da mulher ede um tio médico.
As imagens feitas pela câmera in-fravermelha de um drone, e captadasa mais de três quilômetros de altitu-de, eram cristalinas. Em determinadomomento via-se o terrorista, que eradiabético e estava com o pâncreasarrebentado, receber uma injeção in-travenosa. As imagens não trememum milímetro sequer quando o aviãolança dois mísseis Hellfire acionadosda sede da CIA. E quando a espessanuvem de fumaça se dissipa, é pos-sível ver o que restou do terrorista:um torso. Outras onze pessoas mor-reram, entre as quais sua mulher, so-gro, sogra e onze guarda-costas.
A estreia dos UAVs no cenário daguerra global ao terrorismo ocorreupouco depois dos atentados às Tor-res Gêmeas de 2001. Eram, na épocaapenas 50 unidades voadoras. Hojeo inventário do Pentágono lista 7mil dessas aeronaves não tripula-das, numa variedade de formas e ta-manhos impressionante. A pontode a Força Aérea dos Estados Uni-dos já estar treinando mais pilotos
de drones do que pilotos de aviõesmilitares convencionais.
As quase 50 páginas que com-põem o memorando secreto autori-zando a execução de um cidadãoamericano, sem julgamento prévio,foram confeccionadas um ano atráse são o resultado de meses de deli-berações jurídicas na Casa Brancade Barack Obama.
Embora um decreto presidencialde Obama tenha vetado assassinatosde líderes políticos que não estejamem guerra contra os Estados Unidos,ele não proíbe a execução de alvos le-gítimos em caso de conflito armado.
A conclusão do documento pro-duzido pela Advocacia Geral do De-partamento de Justiça é que o clé-rigo poderia ser legalmente assassi-nado caso não fosse viável capturá-lo por ele se encontrar em meio aseguidores armados hostis. Ade-mais, o risco de despachar coman-dos terrestres para a operação e orisco de um imbróglio diplomáticono Iêmen acabaram justificando aopção da morte por videogame.
A turba de matadores improvisa-dos de Muamar Kadafi também pode-ria argumentar que não seria viávelmantê-lo vivo depois de capturado,por Sirte ainda estar infestada de se-guidores armados dispostos a mor-rer pelo “Irmão Líder”.
Que guerras civis não têm regrasnem lei, e abrigam acertos de contasselvagens, é sabido. Por isso sãoacompanhadas com tanto opróbrio,medo e choque. Encrenca nova é umestado de direito declarar uma guer-ra sem fronteiras. E em nome delasair matando inimigos mundo afora.Sem sequer manchar os dedos.
DORRIT HARAZIM é jornalista.
Encrenca nova
é um estado de
direito declarar
uma guerra
sem fronteiras