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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
JAIDE MANDOLINI BARONE BUENO MENDES
OS EFEITOS DO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL,
QUANDO FUNDADO NA LEGÍTIMA DEFESA
CURITIBA
2013
JAIDE MANDOLINI BARONE BUENO MENDES
OS EFEITOS DO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL,
QUANDO FUNDADO NA LEGÍTIMA DEFESA
Trabalho de conclusão do curso apresentado ao curso de direito da faculdade de ciências jurídicas, da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em direito. Orientador: Prof. Dr. Néfi Cordeiro.
CURITIBA
2013
TERMO DE APROVAÇÃO
JAIDE MANDOLINI BARONE BUENO MENDES
OS EFEITOS DO ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL,
QUANDO FUNDADO NA LEGÍTIMA DEFESA
Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharelado no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.
Curitiba, ___ de _____________ de 2013.
____________________________________________
Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite
Coordenador do Núcleo de Monografia
Universidade Tuiuti do Paraná
Orientador: ____________________________________________
Prof. Prof. Dr. Néfi Cordeiro
Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Direito
Supervisor: _____________________________________________
Prof. Dr. Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Direito
Supervisor:______________________________________________
Prof. Dr. Universidade Tuiuti do Paraná
Curso de Direito
AGRADECIMENTO
A Deus, acima de tudo, pois é Ele quem guia e ilumina os meus passos, me
da força para superar obstáculos e coragem para vencer.
Agradeço aos meus pais, Elisabeth Mandolini Barone Bueno Mendes e Jaide
Bueno Mendes Júnior, por tudo que fazem por mim, principalmente pelo apoio de
todos os dias, que me proporcionaram chegar até aqui. Aos meus irmãos Jaienne
Mandolini Barone Bueno Mendes e Giovane da Silva Souza, aos quais espero dar o
bom exemplo acadêmico a ser seguido.
E não poderia deixar de agradecer a minha esposa Daniella Dallasen, minha
amiga, companheira de todas as horas por me apoiar sempre durante o período de
graduação, não me deixando convalescer no caminho.
A minha ilustre amiga, desde o primeiro período de faculdade e também
concluinte do último ano de graduação, Rita de Cássia Rocha Veiga uma mente
abençoada e mutio esforçada para o aprendizado constante, que muito me motivou
e certamente um motivo de inspiração.
Merecedor de meu aterno apreço, o grande e admirável professor e
orientador Néfi Cordeiro pela sua paciência, eficiência, competência e seu imenso
saber intelectual me auxiliando, enfim, guiando os meus passos nessa caminhada
de pesquisa e estudo.
Enfim, a todos aqueles que colaboraram de perto ou de longe com a
finalização deste trabalho, me ajudando concluir mais essa etapa da minha vida.
Obrigado!
Dedico este trabalho a minha família, com todo amor e gratidão.
Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim. (Francisco Cândido Xavier)
RESUMO
A análise dos efeitos do arquivamento do inquérito policial é de suma
importância, tendo em vista que parte da doutrina entende se tratar de coisa julgada
formal, divergindo a segunda corrente doutrinária, entendendo ser a este
arquivamento atribuído o efeito de coisa julgada material. Não sendo possível, de
modo algum, sua reabertura com base em provas novas, por entender que a
sentença de arquivamento decidiu o mérito, fato rechaçado pela primeira parcela da
doutrina citada acima. O presente estudo tem como principal finalidade rever as
consequências jurídicas e até mesmo, a ausência de regulação jurídica e suas
implicações no mundo do direito. O principal objetivo da pesquisa é tentar através da
dialética, encontrar a posição que mais se aproxime da adequada.
Palavra chave: Inquérito Policial, Arquivamento, Coisa Julgada Formal, Coisa
Julgada Material, Efeitos.
8
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 9
2 LEGÍTIMA DEFESA ................................................................................ 10
2.1 CONCEITO ............................................................................................. 10
3 O INQUÉRITO POLICIAL ....................................................................... 12
3.1 CONCEITO ............................................................................................. 13
3.2 NATUREZA DO INQUÉRITO POLICIAL ................................................. 14
3.3 INÍCIO DO INQUÉRITO .......................................................................... 16
4 ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL ...................................... 20
4.1 CONCEITO ............................................................................................. 21
4.2 ESPÉCIES DE ARQUIVAMENTO .......................................................... 23
4.2.1 Arquivamento direto ................................................................................ 23
4.2.2 Arquivamento implícito ou tácito .............................................................. 24
4.2.3 Arquivamento indireto.............................................................................. 26
5 COISA JULGADA MATERIAL Vs COISA JULGADA FORMAL ........... 27
5.1 CONCEITO ............................................................................................. 28
5.2 COISA JULGADA MATERIAL ................................................................. 29
5.3 COISA JULGADA FORMAL .................................................................... 31
6 ANÁLISE DE PRECEDENTES ............................................................... 33
7 GRAU DE CERTEZA DA DECISÃO QUE ARQUIVA O INQUÉRITO POLICIAL......................................................................................................... 35
CONCLUSÃO .................................................................................................. 38
REFERÊNCIAS ................................................................................................ 41
9
1 INTRODUÇÃO
A falta de posicionamento a respeito da eficácia da coisa julgada
material nas decisões que determinam o arquivamento do inquérito policial,
com base nas causas de justificação como a legítima defesa, motivaram a
presente pesquisa, a fim de saber qual é o posicionamento doutrinário e
jurisprudencial sobre o tema. Essa falta de posicionamento é prejudicial,
gerando, na prática, diversas decisões conflitantes. O método de pesquisa
escolhido foi o bibliográfico / teórico, compreendendo a busca por respostas em
diversos livros e julgados, em especial os da Suprema Corte. O tema será
apresentado de maneira lógica ao leitor, trazendo o histórico do inquérito
policial, sua conceituação doutrinária, sua natureza jurídica, bem como dos
atos que o compreendem. Seguindo pela apresentação da posição da doutrina
a respeito do arquivamento do inquérito, suas espécies de arquivamento, para
então adentrar na coisa julgada propriamente dita, suas diferenças, analisando
precedentes e observando o grau de certeza de que detém o juiz, ao
determinar o arquivamento do inquérito, quando explícita a presença da
legítima defesa.
10
2 LEGÍTIMA DEFESA
Com o intuito de assegurar ao leitor uma compreensão de todos os
institutos aqui abordados, a fim de que possa evoluir acompanhando o contexto
dos efeitos do arquivamento do inquérito policial fundado na excludente da
legítima defesa, é de suma importância que esta causa de justificação “legítima
defesa” seja corretamente abordada.
Iniciando com a apresentação da excludente, seus efeitos e sítio na
norma penal.
2.1 CONCEITO
As causas de excludente de ilicitude são gênero, do qual a legítima
defesa é espécie. Esta se refere ao ato de repelir injusta agressão, contra sí ou
terceiros, utilizando meios moderados.
Tal excludente está positivada (conceituada) no artigo 25 do Código
Penal, visto abaixo:
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Esse instituto justifica o ato daquele que deste modo agiu, por isso
também é chamada de causa de justificação, tendo como resultado prático a
exclusão do caráter ilícito do tipo penal praticado. A esse respeito, a doutrina,
através de seus ilustres representantes também conceitua tal instituto.
Trata-se de uma situação conflitiva, na qual o sujeito pode agir legitimamente, porque o direito não tem outra forma de garantir o exercício de seus direitos, ou, melhor dito, a proteção de seus bens jurídicos. A legítima defesa surge de uma situação de necessidade, o que a vincula a outra causa de justificação: o estado de necessidade. (ZAFFARONI, 2002, p. 578- 579)
Outro doutrinador que leciona a respeito da legítima defesa relata:
11
A legítima defesa vem a ser “a repulsa ou o impedimento da agressão ilegítima, atual ou iminente, pelo agredido ou terceira pessoa, contra o agressor, sem ultrapassar a necessidade de defesa e dentro da racional proporção dos meios empregados para impedi-la”. (PRADO, 2008, p. 350)
O autor ainda esclarece a excludente afirmando que se trata de uma
situação em que uma pessoa repele agressão eminente e antijurídica,
prejudicial a direito seu ou de terceiro, apontando ser a mais acentuada e
antiga causa de justificação, que tem por escopo transformar uma ação típica e
antijurídica em uma ação lícita.
Com conceito simples, em verdade quase transcrevendo a letra da lei,
Fragoso (1986) descreve a causa de justificação aqui abordada, especificando
alguns requisitos como a injusta agressão, defesa necessária, meios
moderados, entre outros. Citando o art. 25 do Código Penal, FRAGOSO (1986,
p. 192) descreve: “Entende-se em legítima defesa quem, usando
moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou
iminente, a direito seu ou de outrem”.
Nucci (2012, p. 268) conceituando legítima defesa relata: “É a defesa
necessária empreendida contra agressão injusta, atual ou iminente, contra
direito próprio ou de terceiro, usando, para tanto, moderadamente, os meios
necessários”.
[...] “é a repulsa da agressão ilegítima, atual ou iminente, por parte do agredido ou em favor de terceira pessoa, contra o agressor, sem ultrapassar anecessidade da defesa e dentro da racional proporção dos meios empregados para impedi-la ou repeli-la”. (ASÚA, 1995, citado por NUCCI, 2012, p. 268)
Assim, tem-se que, presente uma das causas de justificação
(excludentes de ilicitude), aquele que praticou o ato não será punido, pois em
que pese o ato ser típico (positivado / considerado crime), não será contrário à
lei. De modo que a culpabilidade nem sequer será analisada, dentro da
estratificação do crime. Lembrando que, para que haja um crime é necessário
que a conduta humana seja típica, antijurídica e culpável.
12
3 O INQUÉRITO POLICIAL
O inquérito policial que conhecemos, surgiu da reforma processual
ocorrida no Brasil no ano de 1871. Podendo ser chamado de um procedimento,
que admitia a realização de todas as diligências necessárias para a resolução
das infrações penais (gênero que compreende crimes e contravenções penais).
Essa reforma tornou-se medida fundamental para estabelecer limites ao
trabalho policial, que naquela época realizava os atos de investigação e de
certa forma, já contaminando a futura decisão judicial, que era produzida em
seguida.
O surgimento do inquérito no direito brasileiro se deu com a reforma processual de 1871, por meio da Lei nº 2.003, cujo regulamento nº 4.828, em seu art. 42, estabelecia que o inquérito consiste na realização de “todas as diligências necessárias para o descobrimento dos factos criminosos, de suas circunstâncias e dos seus autores e cúmplices”.
(MACHADO,2012, p. 88)
Para o doutrinador a reforma que ocorrera no processo penal no ano de
1871, ajudou a retirar algumas atribuições do Poder Judiciário, que haviam sido
concedidas a polícia em 1841. Aqui uma amostra da independência funcional
do juiz.
O inquérito polcial foi estruturado, no direito brasileiro, pelo Decreto nº 4.824, em 1871, fruto de uma preocupação do Estado monárquico com os direitos e garantias individuais, pois os abusos eram constantes por parte das autoridades policiais [...] (RANGEL, 2012, p. 71)
O autor ressalta a mudança ocorrida no processo, removendo da polícia
poderes adquiridos com a promulgação da Lei de 3 de dezembro de 1841, bem
como do advento do Regulamento 120, de 31 de dezembro do ano seguinte.
Segundo o autor, as autoridades policiais em nosso país possuíam poderes em
demasia, sem contar com as funções judicantes de formação da culpa.
Acrescentando ainda, que inúmeros abusos foram cometidos em decorrência
da amplitude dos poderes disponíveis a polícia.
Júnior (2012), apesar de não esclarecer em sua obra o exato momento
13
do surgimento do inquérito policial, descreve o cenário em que foi mantido, por
ocasião da elaboração do Código de Processo Penal de 1941:
O inquérito policial foi mantido no CPP de 1941, pois entendeu o legislador da época que o ponderado exame da realidade brasileira, que não é apenas a dos centros urbanos, senão também a dos remotos distritos das comarcas do interior, desaconselha o repúdio do sistema vigênte [...]. (JÚNIOR, 2012, p. 289)
O autor ainda afirma que o período vivenciado pelos brasileiros (1841)
era a da ultrapassada investigação preliminar policial, enquanto países
desenvolvidos como Espanha, Itália, Alemanha e França faziam uso do
sistema do juiz de instrução.
Com o surgimento do inquérito policial, a fase pré-processual começou a
tomar contornos semelhantes com o sistema vivido atualmente.
3.1 CONCEITO
De maneira simples, podemos definir o inquérito policial como sendo um
ato administrativo realizado pela autoridade policial (delegado), bem como as
autoridades administrativas, a que a lei conceda mesma função, ou, de acordo
com Júnior (2012), o inquérito policial é a busca por informações a respeito de
um fato. “Não existe um dispositivo que, de forma clara e satisfatória, defina o
inquérito policial, pelo que devemos recorrer a uma leitura, pelo menos, dos
arts. 4º e 6º do CPP”. (JÚNIOR, 2012, p. 290).
Este mesmo autor acrescenta que o Código Penal de 1841 trazia em
seu texto, que o inquérito policial seria realizado pelas autoridades policiais,
nos limites do território de suas respectivas circunscrições e teria por escopo a
apuração dos delitos penais, bem como de sua autoria. Destacando a
utilização da palavra no feminino “apuração”, que deriva etimologicamente do
puro, significando purificar, aperfeiçoar, conhecer certo.
Em um olhar mais singelo, entende Machado (2012), que o inquérito
policial nada mais é do que vários atos investigatórios, perpetrados pela
autoridade policial (delegado), que em conjunto, visam aquilatar o fato típico e
sua autoria.
14
Portanto, trata-se de um procedimento que se carcteriza pela realização de uma série de diligências de investigação, documentadas e reunidas em autos próprios, sob a presidência do delegado de polícia, que é autoridade incumbida das atividades de polícia judiciária. (MACHADO, 2012, p. 87)
Rangel (2012) conceitua o inquérito policial de maneira peculiar,
acrescentando que no Código Penal não há de maneira clara, uma definição de
inquérito policial e o seu objetivo que é a própria investigação criminal.
Inquérito policial é um conjunto de atos praticados pela função executiva do Estado com o escopo de apurar a autoria e materialidade (nos crimes que deixam vestígios – delicta facti permanentis) de uma infração penal, dando ao Ministério Público elementos necessários que viabilizem o exercício da ação penal. (RANGEL, 2012, p.71)
Nas palavras de Pacelli (2012):
Como regra é a inciativa (legitimação ativa) da ação penal a cargo do Estado, também a fase pré-processual da persecução penal, nos crimes comuns, é atribuída a órgãos estatais, competindo às autoridades administrativas, excepcionalmente, quando expressamente autorizadas por lei e no exercício de suas funções, e à Polícia Judiciária, como regra, o esclarecimento das infrações penais. (PACELLI, 2012, p. 56)
Alguns autores, como o próprio Pacelli (2012) afirmam que conceituar o
inquérito policial não é tarefa das mais suaves. O direito português, em seu
Código de Processo Penal, mais precisamente em seu artigo 262, item 1,
consegue conceituar o instituto, aqui estudado, de forma clara e concisa como
transcrito: “O Inquérito Policial compreende o conjunto de diligências que visam
investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a
responsabilidade deles e descobrir e recolher provas, em ordem à decisão
sobre a acusação”.
3.2 NATUREZA DO INQUÉRITO POLICIAL
Um dos pontos que fundamentarão a produção de efeitos decorrentes
do arquivamento do inquérito policial é estabelecer a sua natureza jurídica,
analisando de forma conjunta os motivos que levaram ao pedido de
15
arquivamento.
De maneira breve e de modo preliminar, fica o entendimento prévio de
que o inquérito policial nada mais é do que um ato administrativo conferido a
autoridade competente (policial ou administrativa), a fim de realizar atos
correspondentes às suas forças, para prover da melhor maneira possível o
representante do Ministério Público, para que entendendo ser cabível proceda
a persecusão criminal.
Segundo Júnior (2012), a natureza jurídica do inquérito pode ser
determinada através do sujeito e pela própria natureza dos atos realizados. É
por esta razão que o doutrinador entende que o inquérito é um procedimento
administratiivo pré-processual, vez que necessita de ordem decorrente de
autoridade com potestade jurisdicional, não podendo, portanto, ser considerada
atividade do Poder Judiciário e como decorrencia lógica não existindo
fundamento quanto aos que alegam ser um ato processual. Mesmo porque,
durante a realização do inquérito, não existe paridade de armas entre a
autoridade policial que apura o crime e o indiciado que não pode se defender
nesta fase. Segundo Machado (2012, p. 114): “[...] como o inquérito tem
natureza inquisitiva, os elementos colhidos nesse procedimento não se
submetem aos princípios do coontraditório e ampla defesa, são colhidos de
forma unilateral, portanto, sem o rigor e a credibilidade da prova autêntica”.
De acordo com Manzini (1951) citado por Júnior (2012, p. 290): “[...] só
pode haver uma relação de índole administrativa entre a polícia, que é um
órgão administrativo igual ao MP (quando vinculado ao Poder Executivo), e
aquele sobre quem recaia a suspeita de haver cometido um delito”.
Seguindo o mesmo pensamento, tem-se Pacelli (2012) quando fala a
respeito da fase de investigação, realizada pela autoridade policial, precedendo
à provocação da jurisdição penal:
Exatamente por isso se fala em fase pré-processual, tratando-se de procedimento tendente ao cabal e completo esclarecimento do caso penal, destinado, pois, à formação do convencimento (opinio delicti) do responsável pela acusação. (PACELLI, 2012, p. 53)
Conforme Muccio (2011), o inquérito é realizado por uma autoridade
administrativa vinculada à administração da segurança pública. Composto por
atos discricionários, em que a autoridade decide o momento, a forma e ainda
16
quanto a sua conveniência, embora reconhecça que alguns atos são
totalmente vinculados (prisão em flagrante), já que não estão atrelados a um
formalismo, tendo em vista que esta última não traz nulidades aos atos
praticados.
Afirma-se que a natureza do inquérito é nitidamente administrativa. E isso por pelo menos três motivos: (a) o inquérito é sempre instaurado e presidido por uma autoridade administrativa, o delegado de polícia; (b) os atos de inquérito, em regra, são de competência discricionária, tais como os atos da administração em geral; e, por isso mesmo, (c) esses atos não estão submetidos ao rigor de forma nem ao sistema de nulidades processuais. (MACHADO, 2012, p. 90)
Na definição, um pouco mais suscinta, Marques (2009) citado por
Machado (2012, p. 90) relata: “O inquérito é um procedimento administrativo-
persecutório de instrução provisória, destinado a preparar a ação penal”.
Seguindo a idéia de Rangel (2012), quanto à natureza jurídica do
inquérito policial, podemos entender que o inquérito policial encontra-se
integralmente inserido nos atos praticados pelo Estado (Ente Administrativo) e
como consequência direta, entende se tratar de um ato administrativo, como
visto abaixo:
Assim, sem muitas delongas, sua natureza jurídica é de um procedimento de índole meramente administrativa, de caráter informativo, preparatório da ação penal. O inquérito é um instituto que deve ser estudado à luz do direito administrativo, porém dentro do direito processual penal, já que são tomadas medidas de coerção pessoal e real contra o indiciado, necessitando, neste caso, de intervenção do Estado-juiz. (RANGEL, 2012, p. 74)
Conforme análise da doutrina, em linhas gerais, entende-se que o
inquérito policial é sem sombra de dúvidas um ato administrativo, devendo a
ele ser observadas as regras do direito administrativo. Oportunidade em que
deve haver a concordância com as disposições constantes no Código de
Processo Penal, quando se tratar de matéria afim.
3.3 INÍCIO DO INQUÉRITO
Por inteligência do artigo 5º do Código de Processo Penal, o inquérito
17
será iniciado: de ofício, mediante requisição da autoridade judiciária ou do
Ministério Público, ou, a requerimento do efendido ou de quem tiver qualidade
para representá-lo.
Caso a autoridade policial se recuse a iniciar o inquérito, o interessado
poderá, observando o § 2º do artigo 5º do Código de Processo Penal, dispor de
recurso dirigido ao chefe de polícia.
Assim, qualquer pessoa que tiver conhecimento da existência de uma
infração penal pública, poderá informar a autoridade policial. Se procedentes as
indormações prestadas, a autoridade policial dará início ao inquérito policial.
Cabe ressalva neste ponto, apenas para diferenciar os verbos
empregados (requerer / requisitar). Tanto a autoridade judiciária como o
representante do parquet não pedem, eles requisitam (ordenam) que a
autoridade policial instaure o inquérito. De modo diverso, quando a norma
processual faculta a qualquer do povo requerer (solicitar) a abertura do
inquérito policial, ela não está impondo um dever de acolhimento do pedido por
parte da autoridade policial. Tal é a acertiva, que do indeferimento caberá
recurso.
Art. 5o Nos crimes de ação pública o inquérito policial será iniciado: [...] § 2o Do despacho que indeferir o requerimento de abertura de inquérito caberá recurso para o chefe de Polícia. (BARROSO, 2013, et al, p. 639)
Muccio (2011) afirma que, a polícia investigará as infrações penais que
tiver notícia, sem prejuízo da apuração da autoria.
Praticada a infração penal, deverá instaurar o inquérito policial para a sua devida apuração. É preciso, para tanto, que a notitia criminis lhe chegue ao aconhecimento. A notícia do crime a possibilitar o início das investigações poderá chegar à autoridade policial por intermédio de uma cognição: imediata, mediata, ou coercitiva. (MUCCIO, 2011, p. 112)
O autor ainda complementa a explicação ao distinguir o momento do
início da peça administrativa, em relação ao modo como a autoridade policial
toma conhecimento do fato criminoso. Assim, a cognição será imediata quando
a infração penal chegar ao conhecimento da autoridade competente, por meio
de sua própria ação policial, decorrente de suas atividades, de uma notícia
veiculada nos jornais ou revistas, ou mesmo através de uma notitia criminis
18
realizada pela vítima, testemunha ou um interessado qualquer.
A cognição mediata se dá quando o delegado conhece o fato, através do
requerimento da vítima ou de seu representante legal, por meio da
representação ou requisição do juiz ou do membro do MP. Por último, Muccio
(2011) traz em sua obra, a terceira cognição, a coercitiva. Esta ocorre quando o
autor do delito é apresentado à autoridade juntamente com a notitia cirminis,
trazendo como exemplo, a prisão em flagrante.
Para Machado (2012) a abertura do inquérito policial deve ser dotada de
certa dose de cuidado. Embora reconheça que o inquérito deva ser instaurado
de ofício pela autoridade competente em caso de ação penal pública, salienta
serem necessários alguns elementos que justifiquem tal abertura, quais sejam:
a ocorrência de um fato criminoso, ou no mínimo, diante da plausibilidade de
que uma conduta típica e antijurídica tenha ocorrido. Como decorrência lógica,
a investigação criminal não poderá ser deflagrada, com o intuito de apurar
ilícitos civis, administrativos. Fato que não seria justificável se ocorresse de
forma indiscriminada e aleatória, apurando comportamentos humanos diversos,
que poderiam se tornar um tipo penal.
Aliás, a exigência de um fato típico in concreto para a instauração do inquérito está implícita no artigo 4º do CPP, quando diz que a polícia judiciária investigará “as infrações penais”, e no art. 6º, quando estabelece que a autoridade policial realizará providencias investigatórias “logo que tiver conhecimento da prática da infração penal”. (MACHADO, 2012, p. 92-93)
Este mesmo autor também estabelece de modo didático, a diferença
entre as espécies de cognição que a autoridade competente possui, no
momento de instauração do inquérito. Para ele, há cognição espontânea
(imediata), quando a autoridade policial toma conhecimento do fato típico
através de sua atividade cotidiana, sem que haja intervenção de qualquer
pessoa. A cognição será provocada ou mediata quando a notícia do fato
delituoso chegar por interposta pessoa (pode ser a própria vítima ou seu
representante, como pode ser qualquer pessoa, em razão da delação “delatio
criminis)”.
É coercitiva a cognição da notitia criminis nas hipóteses de requisição pelo juiz ou promotor de justiça, bem como nos casos de prisão em
19
flagrante, quando a autoridade policial, juntamente com a notícia do crime, recebe o criminoso, as testemunhas, os instrumentos e o produto do crime, não lhe restando alternativa senão instaurar o inquérito policial. (MACHADO, 2012, p. 93)
Pacelli (2012) expõe que em relação à ação penal pública, podemos
notar o monopólio em sua processualização da persecução penal, fato que
pode ser facilmente percebido na jurisdição.
[...] o inquérito policial deve ser instaurado de ofício pela autoridade policial (delegado de polícia, estadual ou federal), a partir do conhecimento da existência do cometimento do fato delituoso. A notícia do crime, ou notitia criminis, pode ser oferecida por qualquer pessoa do povo e, obviamente, pode ter início a partir do próprio conhecimento pessoal do fato pela autoridade policial. (art. 5º, § 3º, CPP). (PACELLI, 2012, p. 56)
O autor acima citado faz ressalva ao cuidado que a autoridade policial
deve ter, quando tomar conhecimento do fato através de denúncia anônima
(apócrifa). Em virtude da gravidade do fato noticiado e da verossimilhança da
informação, a autoridade policial deverá ter o cuidado de realizar de maneira
informal, diligências a fim de apurar se o fato delituoso de que tomou
conhecimento possui idoneidade. Mediante tais cuidados, a autoridade policial
evita a instauração imediata de um inquérito policial, sem que se tenha sido
demonstrada a infração penal ou mesmo diante da ausência de qualquer
indicativo idôneo da existência do delito conhecido.
É dizer: o órgão persecutório deve promover diligências para apurar se foi ou não, ou se está ou não, sendo praticada a alegada infração penal. Em duas palavras, utilizadas, aliás, pelo Min. Celso de Mello, com fundamento na doutrina de Frederico Marques, deve-se agir com prudência e discrição, sobretudo para evitar a devassa indevida no patrimônio moral de que, tenha sido, levianamente, apontado na delação anônima. (PACELLI, 2012, p. 57)
Júnior (2012), afirma que o inquérito será formalmente iniciado mediante
portaria.
O inquérito policial tem sua origem na notitia criminis ou mesmo na atividade de ofício dos órgãos encarregados da segurança pública. Formalmente, o IP inicia com um ato administrativo do delegado de polícia, que determina a sua instauração através de uma portaria. Sem embargo, a relevância está no ato que dá causa à portaria, que, em última análise, carece de importância jurídica. Por isso, dispõe o art. 5º do CPP que o IP será iniciado: [...] (JÚNIOR, 2012, p. 302)
20
O autor faz distinção entre os graus de cognição do fato delituoso, no
momento da abertura do inquérito. Se o fato típico e antijurídico ocorreu nos
limites territoriais da jurisdição da autoridade policial, esta deverá instaurar o
inquérito de ofício, o que é definido pelo autor como inquisiti ex officio.
Modalidade mais rara, pois de modo geral, o delegado só instaura o inquérito
por provocação. Fundamentando sua posição, Dias; Andrade (1992) citado por
Júnior (2012) traz dados colhidos nos Estado Unidos e Alemanha, que
demonstram que cerca de 85% até 95% dos inquéritos são deflagrados em
razão da iniciativa das partes. Assim:
Na realidade, excetuando-se o flagrante, são raros os casos de self-starter da polícia, que em geral só atua mediante invocação. Como explicam FIGUEIREDO DIAS e COSTA ANDRADE, o Estado, seja por meio da polícia, do Ministério Público ou dos órgãos jurisdicionais (juiz de instrução), não atua em regra pelo sistema de self-starter, mas sim através de uma reação a uma notitia criminis. (JÚNIOR, 2012, p. 303)
4 ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL
Quando as investigações estiverem encerradas, a autoridade policial
relatará o inquérito (artigo 10 do Código de Processo Penal), encaminhando-o
em seguida ao juiz competente, que abrirá vistas ao Ministério Público. Este
poderá tomar as seguintes providências: oferecer denúncia; devolver o
inquérito para a autoridade, para que esta realize novas diligências,
indispensáveis para o oferecimento da denúncia ou requerer o arquivamento
do inquérito policial. E é exatamente quanto aos efeitos desse arquivamento,
que a doutrina ainda não é uníssona.
Trata-se de ato essencialmente complexo, visto ser necessária à
atuação / envolvimento de duas autoridades: o promotor de justiça, que o
promove, e o juiz, que aprecia a promoção. Basta dizer que, o juiz não pode
arquivar o inquérito policial sem que antes o promotor da causa, assim entenda
ser cabível. Nem o promotor pode arquivá-lo sem que o magistrado exerça o
seu juízo de valoração.
21
Muccio (2011), a respeito desse ato complexo, nos mostra que o
membro do Ministério Público é o sujeito ativo do arquivamento e mesmo
entendendo este, se tratar de um caso de arquivamento, ainda dependerá do
juiz, que concordando, irá homologar. Caso contrário, cumprirá o disposto no
art. 28 e remeterá ao Procurador. O autor ainda esclarece que o ato do
arquivamento só produzirá seus efeitos quando sofrer a fiscalização sobre a
obrigatoriedade da ação penal pública.
Portanto, o ato administrativo de arquivamento do inquérito só se concretiza pela manifestação de vontade sucessiva, do promotor de justiça e, depois, do juiz, fazendo surgir o chamado ato administrativo complexo. (MUCCIO, 2011, p. 202 -203)
4.1 CONCEITO
Muccio (2011) descreve que somente o juiz poderá arquivar os autos de
inquérito policial. Este procedimento deve ser iniciado através das diligências
necessárias para a apuração da autoria e da própria infração penal, sem aludir
outras, que no caso concreto sejam recomendadas para que a futura ação
penal, possa ser intentada com uma margem de viabilidade de sucesso maior.
Ao encerrar o inquérito policial, a autoridade policial deverá elaborar um
relatório, dando por concluída sua função de polícia judiciária (atualmente
chamada de polícia investigativa). Sempre observando a proibição de qualquer
juízo de valor.
Ao elaborá-lo, a autoridade policial não pode fazer qualquer juízo de valor sobre a culpabilidade ou antijuridicidade e nem deve fazer considerações de ordem pessoal sobre o fato em si, pois a opinio delicti compete, por ser o dominus litis, ao órgão do Ministério Público e é, em juízo, sob o crivo do contraditório, que se estabelece o debate sobre tais questões. (MUCCIO, 2011, p. 179)
Júnior (2012) relata que o procedimento administrativo se encerrará com
a elaboração do relatório. Este deverá conter a exposição objetiva e impessoal
dos dados apurados durante a investigação, sendo enviada ao foro, a fim de
ser distribuído. Quando o juiz recebe o inquérito, imediatamente fará vista ao
representante do MP. Por esta razão e por entendimento do artigo 129, I da
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CFRB, o autor acima citado, acredita que o melhor caminho seria distribuir de
imediato ao representante do MP, pois é dele a competência para perseguir a
ação penal.
Uma vez iniciado formalmente o IP, a teor do art. 17 do CPP, não poderá a autoridade policial arquivá-lo, pois não possui competência para isso. O arquivamento somente será decretado por decisão do juiz a pedido do MP. Não concordando com o pedido de arquivamento, caberá ao juiz aplicar o art. 28, enviando os autos ao Procurador Geral. (JÚNIOR, 2012, p. 323)
Rangel (2012) demonstra que os casos em que obrigatoriamente o
inquérito deveria ser arquivado não estão expressamente previstos na norma.
Contudo, podem ser captados da leitura dos artigos 41 e 395 do Código de
Processo Penal.
[...] a) o fato narrado evidentemente não constitui crime; b) já está extinta a punibilidade; c) faltar pressupostos processual; d) ausência de uma condição exigida em lei para o regular exercício do direito de agir. Em todos esses casos o inquérito deve ser arquivado. O arquivamento, portanto, é o encerramento das investigações policiais. É o término da atividade administrativa do estado de persecução penal. (RANGEL, 2012, p. 201)
Pacelli (2012), por sua vez ressalta:
Encerradas as investigações, não podendo a polícia judiciária emitir qualquer juízo de valor – a não ser aquele meramente opinativo, constante do relatório de encerramento do procedimento (art. 10, §§ 1º e 2º, CPP) – acerca dos fatos e do direito a eles aplicável, isto é, a respeito de eventual ocorrência de prescrição ou de qualquer outra causa extintiva da punibilidade, bem como acerca da suficiência ou insuficiência da prova, da existência ou inexistência de crime, os autos de inquérito deverão ser encaminhados ao Ministério Público, que poderá adotar as seguintes providências: a) oferecimento da denúncia; b) devolução à autoridade policial, para a realização de novas diligências, indispensáveis, a seu juízo, ao ajuizamento da ação penal; c) requerimento de arquivamento do inquérito, seja por entender inexistente o crime (atipicidade, ou pela ausência de quaisquer dos demais elementos que constituem a habitual conceituação analítica do crime – ilicitude e culpabilidade), seja por acreditar insuficiente o material probatório disponível (ou ao alcance de novas diligências), no que se refere à comprovação da autoria e da materialidade. (PACELLI, 2012, p. 65)
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Na visão de Machado (2012):
Uma vez instaurado o inquérito, a autoridade policial não poderá mandar arquivá-lo (art. 17 do CPP). O procedimento investigatório deverá prosseguir até o fim, com a realização de todas as diligências necessárias à elucidação do fato até o relatório final do delegado de policia, assim que estiverem encerradas as diligências necessárias. Pois bem, concluído o inquérito, este será remetido ao juiz criminal competente, o qual determinará a sua permanência em cartório aguardando a queixa do ofendido, se o caso for de ação penal privada; ou remeterá o inquérito ao promotor de justiça, com atribuições perante a vara competente, para a formação da opinio delicti, averiguando se o caso é de oferecimento da denúncia ou de arquivamento dos autos. Na verdade, ao receber os autos de inquérito, o órgão do Ministério Público poderá tomar um de três caminhos: a) oferecer a denúncia, se os elementos da justa causa já se encontrarem suficientemente apurados; b) determinar a volta dos autos à delegacia para a realização de alguma diligência imprescindível (art. 16 do CPP); ou c) propor ao juiz o arquivamento desses autos se não houver base para denúncia, fazendo-o então de forma fundamentada. (MACHADO, 2012, p. 117)
4.2 ESPÉCIES DE ARQUIVAMENTO
4.2.1 Arquivamento direto
Pacelli (2012) diz que, se o juiz concordar com o pedido do Ministério
Público, determinará o arquivamento do ato e conforme o artigo 18 do Código
de Processo Penal, este procedimento só poderá ser reaberto na presença
(surgimento) de novas provas, ou seja, das provas que não se encontram no
corpo do inquérito policial já arquivado. A essa decisão, o autor dá o nome de
arquivamento direto.
Tal modalidade de decisão denomina-se arquivamento direto, com eficácia preclusiva típica de coisa julgada formal, na medida em que impede, diante daquele conjunto probatório, a rediscussão ou novas investidas sobre os fatos. (PACELLI, 2012, p. 65)
Júnior (2012) acredita que esse arquivamento não transita em julgado e
fundamenta seu posicionamento na súmula 524 do Supremo.
Súmula n. 524 do STF: arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada sem novas provas. Destarte, a autoridade policial pode seguir investigando, a fim de obter novos elementos de convicção
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capazes de justificar o exercício da ação penal (art. 18). Mas nada impede que o MP solicite novamente o arquivamento. (BARROSO, 2013, et al, p. 2014)
4.2.2 Arquivamento implícito ou tácito
Na via contrária de alguns doutrinadores, Pacelli (2012) entende não ser
cabível o arquivamento implícito, afirmando que a decisão que arquiva as
peças de informação ou do inquérito deve ser sempre explícita, tornando
impossível a rediscussão da matéria, exceto com o aparecimento de novas
provas a que se refere o artigo 18 do Código de Processo Penal.
Assim, quando houver indiciado não incluído naquela, cumpre ao magistrado renovar a vista ao órgão do parquet para manifestação expressa sobre a exclusão, não se admitindo arquivamento implícito. (neste sentido, decisão da suprema corte: RHC 95141/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandoski, 6.10.2009). (PACELLI, 2012, p. 69)
Nas palavras de Júnior (2012), é admissível o arquivamento implícito do
inquérito policial, apesar de deixar claro não ser entendimento unânime da
doutrina brasileira, citando inclusive precedente do Supremo Tribunal Federal
(RHC 95.141-0, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 06/10/2009). O autor traz um
exemplo, em que um inquérito apurando que determinado delito fora praticado
por Tício, Mévio e João, situação que hipoteticamente o membro do parquet
ofereceu denúncia apenas contra Ticio e Mévio, não incluindo em sua
acusação João e tão pouco requereu fundamentadamente o arquivamento em
relação a este. Neste caso caberá à vítima oferecer a queixa-crime contra
João, se a ação penal for privada subsidiária da pública. Esse exemplo é
possível devido à inércia do representante do Ministério Público que não se
manifestou quanto a João, fato que também ocorreu por parte do magistrado,
eis que não observou o disposto no artigo 28 do Código de Processo Penal,
cuja disposição estabelece que em caso de discordância, deveria o magistrado
remeter os autos ao Procurador Geral.
O arquivamento implícito decorre da má sistematização da matéria por parte do CPP, de modo que se o MP deixar de incluir na denúncia algum fato ou indiciado, sem expressa fundamentação, terá se operado a omissão que o constitui. Assim, se o juiz também não se manifestar sobre o fato ou sujeito, estará consolidado o
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arquivamento. Daí por que o arquivamento é, na verdade, tácito, decorrendo da omissão do MP e da inércia do juiz (que poderia ter utilizado o art. 28, remetendo para o procurador-geral, caso não concordasse). A matéria é extremamente relevante na medida em que, operado o arquivamento tácito ou implícito, não caberá aditamento ou nova denúncia em relação àquele fato ou autor, salvo se existirem novas provas (pois, assim aponta, acertadamente, a Súmula n. 524 do STF). (JARDIM, 2007, citado por JÚNIOR, 2012, p. 324-325)
Muccio (2011) demonstra a via estreita do arquivamento do inquérito
policial, quando deixa de ser considerado parcial e passa a ser considerado
implícito. Assim, caso o órgão do Ministério Público ofereça denúncia excluindo
uma ou mais infrações, com pedido parcial de arquivamento, o magistrado
poderá receber a inicial acusatória, determinando o prosseguimento do feito.
Caso venha a discordar dos fundamentos determinantes da exclusão de tais
fatos na denúncia, poderá lançar mão do disposto no artigo 28 do CPP. Da
mesma forma entende que deve ocorrer o mesmo quando a omissão se der em
relação a um ou mais autores. O magistrado deverá sempre remeter os autos
do processo ao órgão do Ministério Público, quando faltar fundamentação na
denúncia, para que este possa se pronunciar a respeito (poderá aditar a
denúncia, incluindo o autor ou partícipe ou ainda a infração omitida).
Caso o juiz remeta os autos ao parquet e este, ao invés de aditar a
exordial acusatória, requerer o arquivamento, o juiz pode acolher o pedido ou
se discordar, poderá através de traslado, remeter ao Procurador Geral de
Justiça. Caso não proceda de nenhuma das formas apresentadas, deverá:
Na hipótese de deixar de fazer uma coisa ou outra (não aditar a denúncia para incluir a infração penal, o autor ou partícipe omitido, ou deixar de fundamentar, em razão da omissão, o pedido de arquivamento), por entender descabida a postura do juiz, a este só restará aplicar o art. 28, remetendo os autos ao procurador geral de justiça, e por traslado, porque configurado implícito pedido de arquivamento em relação à infração, ao coautor, ou ao partícipe excluído. (MUCCIO, 2011, p. 229)
Rangel (2012), a respeito do arquivamento implícito diz que há casos em
que o Ministério Público ao invés de determinar o arquivamento do inquérito
policial, oferece denúncia em face de um dos investigados, esquecendo de
relacionar outro indiciado, ou ainda, imputando ao autor um fato delituoso, não
menciona outro fato apurado por ocasião do inquérito policial. Em qualquer dos
casos, segundo o autor, caberá ao juiz perceber a omissão do promotor e
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remeter os autos ao Procurador-Geral, como preceitua o artigo 28 do Código
de Processo Penal. O arquivamento implícito se perfectibilizará nos casos em
que juiz também se omitir e não adotar medidas que assegurem a correção da
exclusão de algum fato(s) ou autor(es).
Assim, o arquivamento implícito ocorre sempre que há inércia do promotor de justiça e do juiz, que não exerceu a fiscalização sobre o princípio da obrigatoriedade da ação penal. Destarte, haverá dois tipos de arquivamento implícito: a) um objetivo, referindo-se a fato (s) investigado (s) e; b) outro subjetivo, referindo-se a autor (es) do (s) fato (s). (RANGEL, 2012, p. 208)
Comungando do mesmo pensamento, Machado (2012) discute acerca
da possibilidade de arquivamento tácito (implícito), quando existindo vários
indiciados o promotor de justiça oferece denúncia em relação a um e se
mantem silente em relação aos demais, ou quando o inquérito policial apurou
vários fatos delituosos, e tanto o juiz quanto o promotor, expressamente, se
manifestam sobre um fato não se pronunciando quanto aos demais, ao
entenderem pelo arquivamento.
A lei processual penal não prevê a figura do arquivamento implícito ou tácito, mas parece evidente que o indiciado ou os fatos excluídos da denúncia, se não o foram por descuido ou equívoco do órgão da acusação, estarão abrangidos pela hipótese desse tipo de arquivamento, (...). Ocorre também o arquivamento tácito em relação aos crimes não referidos expressamente na proposta do órgão ministerial, se do teor dessa proposta se puder inferir que o promotor de justiça analisou todos os fatos apurados no inquérito e omitiu algum deles por simples equívoco. (MACHADO, 2012, p. 120-121)
4.2.3 Arquivamento indireto
A respeito do arquivamento do inquérito policial de maneira indireta, tem-
se que:
Fala-se em pedido de arquivamento indireto quando o órgão do Ministério Público deixar de oferecer denúncia sob o fundamento de que o juízo é incompetente, com aplicação do art. 28 do CPP. Nem todos admitem a figura do arquivamento indireto: “O art. 28 do CPP somente se aplica na hipótese de pedido de arquivamento de inquérito policial. Constitui, portanto, error in procedendo sua aplicação quando pleiteia o órgão da acusação a redistribuição daquele, por entender incompetente o juízo para a sua apreciação. (MUCCIO, 2011, p. 229)
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Pacelli (2012) ao dissertar sobre o arquivamento do inquérito policial, em
específico o indireto, diz que:
Também merece registro a hipótese em que o órgão do Ministério Público, em vez de requerer o arquivamento ou o retorno dos autos à polícia para novas diligências, ou, ainda, de não oferecer denúncia, manifesta-se no sentido da incompetência do juízo perante o qual oficia, recusando, por isso, atribuição para a apreciação do fato investigado. É o que ocorrerá, por exemplo, no âmbito da Justiça Federal, quando o Procurador da República entender que o crime acaso existente não se inclui entre aqueles para os quais ele tem atribuição, ou seja, que a hipótese não configura, em tese, crime federal, e sim estadual. Em tais circunstâncias, ele deverá recusar atribuição para o juízo de valoração jurídico-penal do fato, requerendo ao juiz que seja declinada a competência para a Justiça Estadual, com a posterior remessa dos autos a este juízo, para encaminhamento ao respectivo Ministério Público estadual. (PACELLI, 2012, p. 71)
5 COISA JULGADA MATERIAL Vs COISA JULGADA FORMAL
O artigo 6º, parágrafo 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro (LINDB) descreve, de maneira muito sucinta, que a coisa julgada é a
decisão de que já não caiba recurso. Trata-se de decisão com efeito de coisa
julgada material, onde o mérito não poderá ser rediscutido.
É de conhecimento comum, que as disposições constantes na LINDB
têm aplicabilidade sobre todo o ordenamento jurídico brasileiro. Não
importando se são normas de direito privado ou de direito público. É uma
norma jurídica que tem por objetivo, regular a aplicação das leis em nosso país,
no tempo (artigo 1º ao 6º) e no espaço (artigo 7º ao 19). Por isso, podem ser
empregadas em todas as normas e afirmamos com convicção, pois que
resguardados pelo entendimento da doutrinadora Diniz (2009) que em suas
palavras afirma se tratar de Lex legum, ou seja, um agrupamento de normas
sobre normas, formando um direito sobre direito, um superdireito, ou ainda, um
direito coordenador de direito.
Não rege, portanto, as relações da vida (ao menos diretamente), mas sim as normas, indicando como aplicá-las, determinando-lhes a vigência e eficácia, suas dimensões espaço-temporais, assinalando suas projeções nas situações conflitivas de ordenamentos jurídicos nacionais e alienígenas, evidenciando os respectivos elementos de
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conexão determinantes das normas substantivas, deste ou daquele outro ordenamento jurídico [...]. (DINIZ, 2009, p. 59)
Assim, a LINDB embora não esteja acima da Constituição Federal,
hierarquicamente, poderá ser utilizada para interpretar inclusive, esta última.
5.1 CONCEITO
A doutrina, por intermédio de seus representantes, apresenta conceitos
sobre a coisa julgada e faz diferenciação quanto as suas espécies (material /
formal) e suas respectivas consequências no mundo do direito.
No passado, alguns doutrinadores, discutiam quanto à qualidade da decisão
judicial que arquivava o inquérito policial. Atualmente, a questão é pacífica,
entendendo a doutrina, que o despacho que determina o arquivamento do
inquérito policial se equipara a uma decisão judicial. Para Pacelli (2012), o
Código de processo Penal trata a decisão que determina o arquivamento do
inquérito, como sendo um despacho, como pode ser visto no artigo 67 em seu
inciso I (BARROSO, 2013, et al, p. 644): “Art. 67. Não impedirão igualmente a
propositura da ação civil: I - o despacho de arquivamento do inquérito ou das
peças de informação;[...]”.
É possível observar que o referido diploma legal apresenta efeitos
idênticos à decisão (e não despacho!), que impronuncia o réu, em
procedimentos de competência do Tribunal do Júri, como visto no artigo 414,
parágrafo único do CPP:
Art. 414. Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado. Parágrafo único. Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova. (BARROSO, 2013, et al, p. 674)
Pacelli (2012) afirma que, se o fator relevante é a constatação de
existência de prova nova tanto para reabrir a investigação, quanto para a
instauração de nova ação penal contra o réu (procedimento do Júri), não há
porque não atribuir efeitos idênticos a um e outro (decisão ou despacho).
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De se ver então, que o arquivamento do inquérito gera direito subjetivo ao investigado, em face da Administração Pública, na medida em que a reabertura das investigações está condicionada ou subordinada à existência de determinado fato e/ ou situação concreta (art. 18, CPP). E, se assim é, referido ato do Judiciário não deixa de ser uma decisão, com efeitos jurídicos sobremaneira relevantes. E mais: caracteriza-se também como decisão dado que, ao juiz, em tese, caberia providência diversa, ou seja, discordar do requerimento de arquivamento (art. 28, CPP) e submeter a questão ao exame da chefia da instituição do Ministério Público. Não se trata, pois, de mero despacho de impulso ou de movimentação. (PACELLI, 2012, p. 66)
Bonfim (2012) nos ensina que a sentença de caráter absolutório é uma
hipótese de coisa julgada formal e material, visto que o trânsito em julgado
torna imutável a sentença, pela ausência de previsão legal em nosso
ordenamento pátrio, quanto à possibilidade de revisão criminal pro societate.
Não alterando a imutabilidade da sentença ainda surjam novas provas.
Desse modo, a coisa julgada absolutória é a falta do poder-dever de punir, e não pode mais ser atacada com qualquer ato rescisório ou revisional, colocando-se o indivíduo ao abrigo de novas acusações sobre os mesmos fatos, ainda que sob qualificação diferente. (BONFIM, 2012, p. 575)
5.2 COISA JULGADA MATERIAL
Pacelli (2012, p. 66), quando fala sobre a coisa julgada material, inicia
seu discurso apresentando um problema: “[...] estando convencido o Ministério
Público acerca da presença de causa extintiva de punibilidade, deveria ele
oferecer denúncia, com o fim de possibilitar a absolvição sumária? Obviamente
que não”.
De acordo com o autor, em tais situações, o MP deverá requerer o
arquivamento do inquérito ou das peças de informação, impedindo uma
imputação fadada ao insucesso. Ressalta que neste ponto existe uma
mudança, já que, antes da Lei 11.719/08, o parquet não requeria o
arquivamento, mas o reconhecimento expresso da extinção da punibilidade
(artigo 61 do CPP). Considera mais racional a solução do requerimento de
arquivamento, fundamentando sua posição com o novo rito, onde o juiz, antes
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da absolvição sumária, deve mandar citar o acusado, como prevê o artigo 396
do CPP:
Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. (BARROSO, 2013, p. 672)
Com a citação, poderá apresentar defesa escrita, tornando um
procedimento mais oneroso (inclusive com a indicação de defensor) e caso o
procedimento seja arquivado por reconhecimento da atipicidade, gerará coisa
julgada formal e material.
Nesse ponto, remetemos o leitor ao exame que fizemos do princípio da vedação da revisão pro societate, retro, no qual assentamos que, independentemente de sua designação legal, a decisão judicial que resolver a questão de mérito do caso penal produzirá efeitos de coisa julgada material, ainda que proferida por juiz absolutamente incompetente. É esse o caso do arquivamento, quando fundado em atipicidade ou em extinção da punibilidade, hipóteses de absolvição sumária do art. 397, III e IV, CPP. (PACELLI, 2012, p. 67)
Porém, o doutrinador não acredita ser possível a ocorrência da
absolvição sumária, por ocasião do inquérito policial, por entender que o
indiciado sequer se defende de uma acusação, visto ser o inquérito fase
incompatível com o exercício do contraditório e da ampla defesa.
Poder-se-ia pensar em absolvição sumária para tais situações, sem a adoção das providências antes mencionadas, isto é, sem o oferecimento de denúncia e sem a citação do réu. No entanto, como absolver-se aquele que não é acusado de nada??? (PACELLI, 2012, p. 67)
Quanto à coisa julgada formal, relata ser cabível apenas para os casos
em que o julgador não adentrar ao mérito e se manifestar pelo arquivamento do
inquérito, por falta de provas.
Conforme Machado (2012), ao analisar o arquivamento do inquérito
policial fundado em motivo diverso da falta de base para a denúncia, entende
que quando a decisão que determina o arquivamento do inquérito se fundar
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num outro motivo, que não seja apenas o motivo genérico (falta de base para
denúncia), a decisão poderá ser definitiva, como uma “verdadeira sentença
terminativa de mérito ou decisão interlocutória mista”.
Assim é quando, por exemplo, o promotor propõe e o juiz manda arquivar o inquérito policial por atipicidade do fato, pela ocorrência da prescrição penal, pela ocorrência da prescrição penal, pela impunibilidade do agente etc. nesse sentido decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo: “o pedido de arquivamento dos autos de inquérito policial pelo Ministério Público, fundado na atipicidade de conduta, acolhido pelo juiz, gera coisa julgada material, impossibilitando, assim, a instauração de ação penal baseada nos mesmos fatos” (RT 850/568). (MACHADO, 2012, p. 119)
De forma mais restritiva na doutrina, Muccio (2011) entende ser passível
a atribuição de eficácia de coisa julgada material, à decisão que arquiva o
inquérito sob o fundamento da atipicidade. Contudo, não adentra ao mérito do
arquivamento fundado na legítima defesa, como se vê:
O desarquivamento, no entanto, não será possível, se as razões invocadas para o arquivamento se prenderam à atipicidade do fato imputado ao indiciado, pois esse fundamento essencial e permanente, e não passageiro, impede a instauração da ação penal. (MUCCIO, 2011, p 234)
5.3 COISA JULGADA FORMAL
A respeito da coisa julgada formal e o seu papel em relação à decisão
que determina o arquivamento do inquérito policial, quando vislumbrado a falta
de provas, a súmula editada pelo STF de nº 524, diz que a ação penal pode ser
iniciada a partir de novas provas.
Súmula. 524 do STF – “Arquivado o inquérito policial, por despacho do juiz, a requerimento do promotor de justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas”. (BARROSO, 2013, et al, p. 2014)
Machado (2012) posiciona-se no sentido de que proposto o
arquivamento do inquérito pelo membro do parquet, o magistrado poderá
acatá-la ou não.
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Se o juiz acatar o pedido por falta de base para a denúncia, a decisão judicial terá apenas o efeito administrativo de fazer cessar as investigações. Tal significa dizer que a decisão de arquivamento do inquérito, por falta de elementos para a denúncia, é uma decisão rebus sic stantibus, ou seja, literalmente, “desde que perdurem as mesmas circunstâncias e condições”. Embora sendo uma decisão que não faz coisa julgada, o STF, na Súmula 524, estabeleceu que nem mesmo a ação penal poderá ser iniciada se, arquivado o inquérito, não houver novas provas. (MACHADO, 2012, p. 119)
No tocante aos efeitos de coisa julgada formal, em decorrência de
despacho judicial que arquiva o inquérito policial, temos o entendimento, de
Muccio (2011). Caso o juiz acolha o pedido de arquivamento feito pelo órgão
do MP, arquivará os autos. Decisão que tem eficácia de coisa julgada, vez que
nos termos do artigo 18 do CPP, a autoridade policial poderá proceder a novas
pesquisas, caso tenha notícias de outras provas. Segundo o autor, trata-se de
uma decisão com natureza terminativa, pois põe fim a primeira fase da
persecutio criminis, impedindo a deflagração de uma segunda etapa, a ação
penal, faz ressalva apenas quanto ao surgimento de novas provas.
Surgidas novas provas que alterem o anterior panorama fático do inquérito que serviu de base ao pedido de arquivamento, é evidente que o órgão do Ministério Público possa desarquivá-lo e, se diante da realidade fática advinda das novas pesquisas, presentes estiverem os elementos que justifiquem a ação penal, irá propô-la sem qualquer problema ou óbice legal. Só com a colação de outros elementos de convicção, em decorrência de prova nova, é que pode ser o inquérito desarquivado e o Ministério Público iniciar a ação penal. (MUCCIO, 2011, p. 231)
O doutrinador faz ressalva no sentido de que o inquérito não poderá ser
novamente apreciado pelo promotor que requereu seu arquivamento.
Destoando dos demais doutrinadores pesquisados, Rangel (2012)
entende ser possível o desarquivamento do inquérito policial diante do
surgimento de novas provas.
A expressão se de outras provas tiver notícia do art. 18 do CPP, deixa claro que o inquérito será desarquivado para que outras provas sejam procuradas, pois o que há é apenas a notícia de que elas existem, mas a autoridade policial ainda não as têm nas mãos, motivo pelo qual representa ao promotor de justiça (ou diretamente ao Procurador-Geral), solicitando o envio dos autos arquivados com as notícias ao Procurador-Geral, para que analise a possibilidade do desarquivamento. (RANGEL, 2012, p. 213)
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Completa seu posicionamento, afirmando que a decisão de
arquivamento não pode fazer coisa julgada formal e material.
O arquivamento é o encerramento das investigações policiais por falta de base para a denúncia (cf. art. 18 do CPP). Entretanto, a decisão de arquivamento não faz (e nem poderia fazer) coisa julgada, pois trata-se, como vimos, de decisão administrativa (rebus sic stantibus – estando assim as coisas). (RANGEL, 2012, p.212)
6 ANÁLISE DE PRECEDENTES
Em 25 de outubro de 2004, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o
Habeas Corpus nº 84.156 consolidou o entendimento de que o arquivamento
do inquérito policial fundado na ausência de tipicidade tem eficácia preclusiva,
fazendo coisa julgada formal e material. Veja abaixo a ementa:
INQUÉRITO POLICIAL - ARQUIVAMENTO ORDENADO POR MAGISTRADO COMPETENTE, A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, POR AUSÊNCIA DE TIPICIDADE PENAL DO FATO SOB APURAÇÃO - REABERTURA DA INVESTIGAÇÃO POLICIAL - IMPOSSIBILIDADE EM TAL HIPÓTESE - EFICÁCIA PRECLUSIVA DA DECISÃO JUDICIAL QUE DETERMINA O ARQUIVAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL, POR ATIPICIDADE DO FATO - PEDIDO DE "HABEAS CORPUS" DEFERIDO. - Não se revela cabível a reabertura das investigações penais, quando o arquivamento do respectivo inquérito policial tenha sido determinado por magistrado competente, a pedido do Ministério Público, em virtude da atipicidade penal do fato sob apuração, hipótese em que a decisão judicial - porque definitiva - revestir-se-á de eficácia preclusiva e obstativa de ulterior instauração da "persecutio criminis", mesmo que a peça acusatória busque apoiar-se em novos elementos probatórios. Inaplicabilidade, em tal situação, do art. 18 do CPP e da Súmula 524/STF. Doutrina. Precedentes.18CPP (84156 MT , Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 25/10/2004, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 11-02-2005 PP-00017 EMENT VOL-02179-02 PP-00172 RTJ VOL-00193-02 PP-00648 REVJMG v. 56, n. 172, 2005, p. 437-450)
Outro julgamento relevante para o tema em estudo é o Habeas Corpus
nº 95.211, julgado em 10 de março de 2009 também pelo Supremo Tribunal
Federal. Ocasião em que a mesma Corte Superior manifestou o entendimento
(não uníssono) de que o arquivamento do inquérito policial fundado na
excludente de ilicitude, mais especificamente o estrito cumprimento do dever
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legal, não teria a eficácia da coisa julgada formal e material, podendo ser
reaberto pela presença de provas novas, conforme a Súmula nº 524 de autoria
do Supremo. Veja abaixo:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. INQUÉRITO POLICIAL: ARQUIVAMENTO ORDENADO POR JUIZ COMPETENTE A PEDIDO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, COM BASE NO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. EXCLUDENTE DE ILICITUDE. ANTIJURIDICIDADE. DESARQUIVAMENTO. NOVAS PROVAS: POSSIBILIDADE. SÚMULA 524 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ORDEM DENEGADA. 1. A decisão que determina o arquivamento de inquérito policial, a pedido do Ministério Público e determinada por juiz competente, que reconhece que o fato apurado está coberto por excludente de ilicitude, não afasta a ocorrência de crime quando surgirem novas provas, suficientes para justificar o desarquivamento do inquérito, como autoriza a Súmula 524 deste Supremo Tribunal Federal. 2. Habeas corpus conhecido e denegado. (95211 ES, Relatora: CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento 10/03/2009, Primeira Turma, Data de Publicação: 22/08/2011 PP-000169 EMENT VOL-02570-01 PP-00169)
Essa foi a última vez em que o STF se manifestou a respeito da eficácia
da decisão judicial, que adentrando ao mérito, homologa o pedido de
arquivamento do inquérito policial. Naquela ocasião o julgamento não foi
unânime apresentando 4 votos (favoráveis a possibilidade da reabertura),
contra 3 votos (que entendiam se tratar de coisa julgada material).
No entanto, como pode ser visto nos votos apresentados no Habeas
Corpus nº 87.395 ainda em trâmite no Supremo Tribunal Federal, esse
entendimento ao que parece, já sinaliza mudança. Passando a entender que o
arquivamento do inquérito policial fundado nas causas de excludente de
ilicitude possui eficácia preclusiva, com força de coisa julgada formal e material.
Esse remédio constitucional se encontra suspenso pelo STF e até a
presente data não foi apreciado pelo pleno (por ocasião da discussão acerca
das provas adicionadas aos autos, se estas seriam provas materialmente ou
formalmente novas, um dos Ministros considerou prudente afetar o recurso ao
pleno, tendo em vista a necessidade primeira em se estabelecer a eficácia da
decisão que arquivou o inquérito policial com base em causa excludente de
ilicitude – legítima defesa).
Embora ainda se encontre sem a devida apreciação, os Ministros Marco
Aurélio, Joaquim Barbosa e Cesar Peluso já apresentaram seus votos
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concedendo totalmente a ordem, entendendo que a decisão de arquivamento
atingiu o mérito, produzindo coisa julgada formal e material. Por sua vez, o
Ministro Ricardo Lewandowski (relator) deferiu em parte o pedido de Habeas
Corpus, a fim de anular o recebimento de denúncia fundada em provas novas.
Por unanimidade o Supremo decidiu suspender o julgamento, não
existindo novas movimentações até o momento.
7 GRAU DE CERTEZA DA DECISÃO QUE ARQUIVA O INQUÉRITO POLICIAL
Na fase administrativa, anterior ao recebimento da denúncia, o juiz
deverá respeitar o princípio do in dubio pro societate. Isso significa dizer que
havendo dúvida quanto a autoria delitiva, a denúncia deverá ser recebida para
que o acusado apresente defesa prévia.
Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias. (BARROSO, 2013, et al, p. 672)
Segundo a norma processual, tal medida deverá ser adotada sempre
que o juiz não rejeitar liminarmente a exordial acusatória. O princípio do in
dubio pro societate também será respeitado, nos casos em que a defesa não
demonstrar manifestamente:
Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar: I - a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato; II - a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade; III - que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou IV - extinta a punibilidade do agente. (BARROSO, 2013, et al, p. 672)
Como consequência necessária do insucesso da defesa prévia, em
demonstrar uma das hipóteses acima, o processo será instruído e ao final
sentenciado pelo juiz.
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[...] em nosso sistema, o princípio in dubio pro societate somente tem aplicação em específicas oportunidades: quando do oferecimento da inicial acusatória (denúncia ou queixa), porquanto não se cobra certeza definitiva quanto à autoria criminosa, somente indícios de autoria; e nos processos do Júri, quando do encerramento da primeira fase (judicium accusationis), no momento da decisão de pronúncia pelo juiz (art. 413 do CPP). (BONFIM, 2012, p. 88)
Nas palavras de Rangel, o in dubio pro reo ou favor rei se confunde com
outro princípio, o da presunção da inocência, que inverte o ônus da prova.
Trata-se de regra do processo penal que impõe ao juiz seguir tese mais favorável ao acusado sempre que a acusação não tenha carreado prova suficiente para obter condenação. [...] Caso a acusação não logre criar no tribunal a certeza da culpabilidade, então o que se impõe é uma decisão favorável ao acusado (Alexandre Viela, ob. Cit., p. 74). (RANGEL, 2010, p. 36)
Após a instrução processual, diferentemente do que ocorre nas fases anteriores, vige o princípio do in dubio pro reo, pelo qual a dúvida quanto à materialidade delitiva ou quanto à culpa, torna-se um benefício para o acusado, devendo o juiz absolver o réu, mesmo quando houver dúvida quanto à materialidade e autoria delitiva.
Em um Estado de Direito, deve-se privilegiar a liberdade em detrimento da pretensão punitiva. Somente a certeza da culpa poderá fundamentar uma condenação (art. 386, VII, CPP). Havendo dúvida quanto à culpa da acusado ou quanto à ocorrência do fato criminoso, deve ele ser absolvido. (BONFIM, 2012, p. 87)
Cabe ressaltar uma exceção, qual seja: os crimes de competência do
Tribunal do Júri, visto que ao final da instrução criminal (primeira fase do Júri)
se o magistrado ainda permanecer com dúvida quanto à autoridade criminosa,
deverá pronunciar o acusado por força do princípio do in dubio pro societate,
para que seja julgado pelos jurados (segunda fase do Júri).
Seguindo esse raciocínio, tem-se que o juiz só arquiva o inquérito
policial quando está investido de um grau de certeza absoluto, pois do contrário
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seria obrigado a receber a denúncia ou instruir o processo (dependendo da
fase).
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CONCLUSÃO
A partir da pesquisa realizada, é possível dizer que a doutrina majoritária
entende que toda decisão judicial, que determina o arquivamento do inquérito
policial, adentrando no mérito da causa, ou seja, quando fundamenta o
arquivamento com base nas causas excludentes de culpabilidade, excludentes
de ilicitude, de antijuridicidade, atipicidade tem eficácia de coisa julgada formal
e material. De modo que, o requisito para que haja coisa julgada material é
julgar a causa por assim dizer.
Apesar de uma parcela da doutrina não demonstrar de modo específico,
a presença da coisa julgada formal e material, quando o arquivamento foi
fundado na legítima defesa, temos como caminho lógico a ser percorrido o
seguinte: entendendo a doutrina, que o julgamento de mérito que resulta no
arquivamento do inquérito policial faz coisa julgada material e, sendo a legítima
defesa ou qualquer outra causa de justificação um entendimento que atinge o
mérito do caso concreto, por óbvio deve ter a mesma eficácia de coisa julgada
formal e material. Assim, mesmo que a doutrina não discorra de modo
individualizado sobre todas as hipóteses de decisões que atingem o mérito,
basta saber quais decisões são ou não de mérito, para que se possa distinguir
a coisa julgada formal da material decisão que determina o arquivamento do
inquérito policial.
No que diz respeito à força da decisão que arquiva o inquérito com base
na legítima defesa há outro ponto fundamental a ser suscitado, para que
possamos chegar a uma conclusão mais consistente e fundamentada sobre o
tema. Por ocasião da apresentação do tema ao orientador deste trabalho, fora
indicado que se buscasse estabelecer a relação entre a decisão que arquiva o
inquérito por legítima defesa e a decisão que absolve sumariamente o réu pela
mesma causa de justificação, fazendo um paralelo com o grau de cognição de
que dispõe o magistrado. Infelizmente, dentro da doutrina pesquisada nenhum
doutrinador leciona a esse respeito.
Quando o juiz recebe o inquérito policial faz vistas ao representante do
Ministério Público, que poderá oferecer denúncia, solicitar novas diligências
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(imprescindíveis) ou requerer o seu arquivamento. Tal arquivamento poderá se
dar por falta de base para a denúncia ou por qualquer hipótese que atinja
diretamente o mérito.
O magistrado, concordando com os fundamentos invocados determinará
o seu arquivamento. Note que, sabendo que a essa altura (fase administrativa)
sua cognição é sumária, tem o juiz, a possibilidade de discordar do parquet e
remeter os autos ao Procurador Geral.
Caso entenda o MP, pelo arquivamento por falta de base para a
denúncia, sendo acompanhado pelo magistrado, tornando perfeito o ato
complexo, arquivará o inquérito (coisa julgada formal).
Partindo do princípio de que o juiz possui diversas formas de lidar com o
inquérito policial, não sendo o arquivamento com fundamento no mérito a única
medida possível, tem-se como decorrência lógica que, para que o juiz julgue a
causa arquivando o inquérito policial por vislumbrar a presença de uma causa
de justificação (ex. legítima defesa), é porque sua certeza é realmente clara,
pois se assim não fosse, decidiria arquivar o feito por falta de base ou
remeteria os autos ao Procurador Geral, caso entendesse ser mais correto o
oferecimento de denúncia para que se procedesse à instrução criminal, onde
as provas seriam produzidas, a fim de afastar a dúvida quanto à culpabilidade
do acusado.
Segundo Pacelli (2012), essa é a solução mais acertada, pois do
contrário, caso o juiz e o membro do Ministério Público entendessem que no
caso concreto, o indiciado estivesse acobertado pela causa de justificação,
deveriam necessariamente instruir o processo, fazendo com que o acusado
sofresse durante todo o transcurso processual, para que ao final fosse então
absolvido sumariamente.
Por fim, é preciso salientar que o grau de convicção que detém o
magistrado quando determina o arquivamento do inquérito policial, através de
uma decisão de mérito, é muito maior de a sentença que absolve o acusado
quando encerrada a instrução processual, cujo princípio do in dubio pro reo se
impõe. Pois nesta ultima, o juiz deverá absolver o réu, mesmo havendo dúvida
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quanto à sua culpabilidade. O que não ocorre, na fase em que o magistrado
deve decidir se recebe ou não a denúncia. Nesta fase, se existir dúvida deverá
ser decidido em favor da sociedade, devendo o juiz instruir o processo.
Enfim, é fácil notar que a certeza de que dispõe o juiz, ao arquivar o
inquérito policial é maior do que aquela que absolve por respeito ao in dubio
pro reo.
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REFERÊNCIAS
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BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de processo penal. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. 26. ed. v.1. São Paulo: Saraiva, 2009.
FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de direito penal – A nova parte geral. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.
JÚNIOR, Aury Lopes. Direito Processual Penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MACHADO, Antônio Alberto. Curso de Processo Penal. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
MUCCIO, Hidejalma. Curso de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Método, 2011.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.
PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 8. ed. V. 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2012.
________. Direito Processual Penal. 17. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
TORNAGHI, Hélio Bastos. Curso de Processo Penal. V.1. 2 ed., atual. São Paulo: Saraiva , 1981.
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro – parte geral. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2002.