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ESTUDOS| A MARgem, Uberlândia, v. 14, n. 1, fev-jul. 2018
OS GÊNEROS DISCURSIVOS NA ESCOLA: MUITO ALÉM DA LÍNGUA
PORTUGUESA
Rosana Mara Koerner1 (Orientadora)
Evelin de Freitas Costa
Felipe de Moraes Poffo
Thiago Túlio Pereira2
Universidade da Região de Joinville (Univille)
RESUMO: O artigo tem como tema o levantamento da contribuição das disciplinas do
Ensino Médio, além da Língua Portuguesa, na produção e conhecimento dos gêneros
discursivos. Para isso, utiliza-se como estudo de caso uma escola estadual de Joinville, Santa
Catarina. Sendo a linguagem mediadora do conhecimento humano, os gêneros discursivos são
enunciados que circulam em todas as disciplinas e contextos sociais. Diante disso, questiona-
se qual a contribuição dos diferentes campos do saber à formação de cidadãos multiletrados.
Para isso, foram investigadas questões como: a) o conhecimento dos professores referente ao
tema “gêneros discursivos”; b) a forma como esses gêneros são trabalhados nas disciplinas; e
c) se existe alguma integração nesse trabalho em nível inter-, multi- ou transdisciplinar. Para
balizar essa pesquisa, foram utilizadas fontes de caráter legal e conceitual. Entre os
documentos utilizados, incluem-se a Lei de Diretrizes e Bases e os Parâmetros Curriculares
Nacionais. Quanto às bases teóricas, utilizaram-se Kleiman, Mortatti e Rodrigues (2007, 2004
e 2014, respectivamente) no contexto dos gêneros discursivos e Campestrini et al. (2000)
referentes à discussão sobre inter-, multi- e transdisciplinaridade. A pesquisa foi feita
utilizando um questionário com perguntas abertas e fechadas aos professores da instituição
escolhida. A partir da tabulação e da análise dos dados, foi possível perceber a ainda frágil
formação dos professores no contexto dos gêneros discursivos e a necessidade de uma melhor
capacitação para tanto. Finalmente, salienta-se a importância dos resultados e questões
1Doutora, Professora da disciplina Linguística Aplicada à Língua Portuguesa (LALP), do curso de graduação em
Letras, e Orientadora da Pesquisa. 2 Os três últimos são graduandos em Letras – Licenciatura em Língua Portuguesa e Língua Inglesa e Respectivas
Literaturas, do 2º Ano, em 2017.
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levantadas no sentido de contribuir para a formação e a prática docente não somente em
Língua Portuguesa, mas em todas as disciplinas escolares.
PALAVRAS-CHAVE: Letramento. Gêneros Discursivos. Disciplinas Escolares.
ABSTRACT: The theme of this article is the contribution of the disciplines of High School,
beyond the Portuguese classes, in the production and knowledge of the discourse genres. It
uses as a case study a state school in Joinville, Santa Catarina. Language is the basis for the
knowledge, as well the discourse genres are statements that circulate in all disciplines and
social contexts. So, the question is what is the contribution of different fields of knowledge to
the formation of efficient readers. Some questions were made, including: a) the teachers'
knowledge about discourse genres; b) how they use these genres during their classes; and c) is
there any inter-, multi-, or transdisciplinary integration during this work? In order to validate
this research, legal and conceptual sources were searched. The “Lei de Diretrizes e Bases”
and the “Parâmetros Curriculares Nacionais” were used as a legal basis. Kleiman, Mortatti
and Rodrigues (2007, 2004 and 2014, in this sequency) were used about the discourse genres
and Campestrini et al. (2000) were used referring to the discussion on the inter-, multi- or
transdisciplinarity researches. There was a survey using a questionnaire with open and closed
questions to teachers of the institution. After tabulating and analyzing the data, it was possible
to realize a weak teacher training in the context of the discourse genres and the need for a
better capacitation in order to optimize this effort. Finally, the importance of the results and
issues raised is to the teachers' training and practice not only in Portuguese, but in all school
subjects.
KEYWORDS: Literacy. Discourse Genres. School Subjects.
INTRODUÇÃO
O conhecimento humano é uma realidade que se constrói a partir da linguagem.
Assim, quanto mais desenvolvida a linguagem humana, mais possibilidades de construção de
saber. Esse conhecimento exige das pessoas uma boa noção dos gêneros discursivos, que são
as formas como a linguagem e o conhecimento se manifestam nos diversos contextos sociais e
culturais, sejam informais ou formais.
Embora de maneira oficial sejam conteúdos da disciplina Língua Portuguesa, os
gêneros discursivos podem – e devem – ser trabalhados nas demais disciplinas. Seu uso vai
muito além de uma única matéria, haja vista que são o suporte da produção do conhecimento
das demais. Assim, a grande questão é de como esses gêneros são trabalhados e utilizados nas
outras disciplinas da Matriz Curricular do Ensino Médio.
Os objetivos dos questionários e levantamentos realizados na pesquisa foram: a)
analisar como a noção e o uso de gêneros discursivos é apropriada pelos docentes; b) se
ocorre um trabalho com esses conceitos e terminologias e como ele acontece; e c) se existe
alguma integração entre as disciplinas e em que nível: inter-, multi- ou transdisciplinar.
Como estudo de caso, foi desenvolvido em uma escola estadual de Santa Catarina,
localizada na cidade de Joinville, que atende a Educação Básica. Utilizando os conceitos de
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Letramento, Gêneros Discursivos e Disciplinaridade, presentes em Kleiman (2007), Mortatti
(2004), Rodrigues (2014) e Campestrini (2000) et. al., aplicaram-se, tabularam-se e
analisaram-se questionários aplicados aos docentes do ensino médio da escola. Agruparam-se
os professores por áreas do conhecimento, sendo elas: Linguagens e Códigos; Matemática;
Ciências Naturais e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas.
A escolha da instituição deveu-se à sua afiliação ao Programa Ensino Médio Inovador,
doravante EMI, programa de educação financiado de forma conjunta com o Governo Federal,
que tem como principal objetivo, por meio de aulas, projetos e oficinas inovadoras, tornar o
Ensino Médio uma experiência mais positiva para os estudantes, inclusive nos quesitos
ligados à produção/recepção de gêneros discursivos diversos.
O artigo estrutura-se em quatro grandes seções organizadas nesta sequência: a) os
referenciais teóricos com os conceitos fundantes e a base jurídica educacional; b) a
apresentação dos materiais e métodos utilizados para a realização da pesquisa; c) a discussão
dos resultados tabulados e analisados durante as pesquisas e coletas; e d) as considerações
finais do artigo.
A pesquisa pode contribuir para que professores tenham mais clareza dos gêneros
discursivos. Além disso, fornece subsídios e dados relevantes à maneira como esses gêneros
discursivos já são trabalhados nas escolas de Ensino Médio. Portanto, não se tem a intenção
de esgotar o assunto, mas sim problematizá-lo para que haja uma melhor apreensão teórica e
metodológica do campo pelos docentes e discentes.
1 REFERENCIAL TEÓRICO
Sendo a comunicação um processo formado por interlocutores, ou seja, dependente do
diálogo entre dois ou mais sujeitos da comunicação, ela se dá por meio dos chamados
enunciados, que se diferenciam como gêneros do discurso. Baseando-se em Bakhtin,
Rodrigues (2004), afirma que os gêneros do discurso são
[...] tipos de enunciados, relativamente estáveis e normativos, que
estão vinculados a situações típicas de comunicação social. Essa é a
natureza verbal comum dos gêneros a que o autor se refere: a relação
intrínseca dos gêneros com os enunciados (e não uma dimensão
linguística e/ou formal propriamente dita, desvinculada da atividade
social, que excluiria a abordagem de cunho social dos gêneros); isto é,
a natureza sócio-ideológica [sic] e discursiva dos gêneros.
(RODRIGUES, 2004, p. 9, grifo no original).
Assim, todo texto – ou enunciado – verbal e não-verbal pode ser considerado um
gênero do discurso ou, como em alguns documentos oficiais, gêneros textuais. Esses tipos se
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tornam concretos a partir das situações sociais em que se manifestam. Assim, enquanto o
gênero bula de remédio se faz concreto em um contexto social específico, o gênero poema
soneto se concretiza em outra situação. Eles vão se adequando às situações e contextos a que
estão ligados.
As escolas, ao contemplarem os diversos gêneros discursivos, desde os literários aos
não-literários, dos científicos aos filosóficos, dos mais formais até os informais,
instrumentalizam os estudantes para a prática da comunicação (verbal ou não-verbal). Essa
comunicação, como expressa Bakhtin e como pressuposto deste trabalho, é um processo
social e só tem sentido se analisado no contexto da interação humana. Nesse sentido, cabe
analisar como esse processo se materializa no lócus da Escola.
A LDB – Lei de Diretrizes e Bases (L9394/96) – agrupa e organiza em seus artigos
toda a legislação que estrutura a Educação Básica e Superior no Brasil. Todos os seus
pressupostos legais se baseiam na Constituição Federal, de 1988. Quanto à Educação Básica,
seus pressupostos se amparam também no ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente,
publicado em 1990 (L8069/90).
Seus inúmeros artigos tratam dos três níveis da Educação Básica, dos quais interessam
ao projeto aqui proposto somente o último (portanto, o Ensino Médio). Nessa etapa, a ideia de
formação do estudante não envolve apenas aprendizagem de conteúdos específicos, mas
também a formação de cidadãos críticos e conscientes, aptos para a vida em sociedade e a
inserção no mercado de trabalho. Isso perpassa necessariamente a organização curricular,
exigindo-lhe uma estrutura que atenda a essas premissas.
Sendo o trabalho com os gêneros discursivos uma questão que vai além da disciplina
de Língua Portuguesa, é necessário revisitar alguns conceitos básicos. Esses conceitos darão a
fundamentação teórica mínima para se compreender de que maneira é feito o trabalho com os
gêneros: disciplinar, multidisciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar.
O primeiro conceito, da disciplinaridade, segundo Pires (1998), envolve o olhar
clássico da Escola, em que cada disciplina tem seu objeto próprio de estudo e análise. Essa
abordagem muitas vezes é criticada, pois acaba fragmentando o conhecimento. Já a segunda
abordagem, da multidisciplinaridade, segundo a mesma autora, objetiva integrar diversos
olhares sobre o mesmo fenômeno, sendo muitas vezes insuficiente. A multidisciplinaridade
também é frágil, pois na maioria das vezes é uma mera sobreposição de olhares sem uma real
integração dos mesmos.
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Dessa forma, torna-se viável a abordagem interdisciplinar, que, como o próprio nome
diz, envolve um diálogo e uma interação entre as diversas disciplinas existentes, segundo se
expressa na análise filosófica disponível no artigo de Campestrini et al. (2000). Segundo os
Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000), essa interdisciplinaridade pode ser feita
através dos diversos eixos existentes na Educação Básica, tais como Linguagens, Códigos e
suas Tecnologias, Ciências Naturais, Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e
Sociais Aplicadas, organizados no Quadro 01, abaixo.
QUADRO 01 – EIXOS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
Eixo Disciplinas no Ensino
Fundamental Disciplinas no Ensino Médio
Linguagens e Códigos
Língua Portuguesa, língua
estrangeira (a partir do 6º ano
do ensino fundamental),
educação física e arte
Língua Portuguesa, língua
estrangeira (a partir do 6º ano
do ensino fundamental),
educação física e arte
Ciências Naturais e
Matemática Ciências e matemática
Biologia, física, química e
matemática
Ciências Humanas e Sociais e
Aplicadas
Ensino Religioso, geografia e
história
Sociologia, geografia, história e
filosofia Organizado por Thiago Túlio Pereira (2016), com base nos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio
(2000).
Finalmente, segundo Pires (1998), a transdisciplinaridade é uma abordagem que
transcende as fronteiras impostas pelas disciplinas, com um olhar mais holístico. Apesar de
ser uma tendência do conhecimento humano produzido na Contemporaneidade, a
transdisciplinaridade muitas vezes é praticamente impossível nas escolas, dada sua
organização ainda pautada no modelo disciplinar.
Na perspectiva dos gêneros do discurso, a questão da abordagem utilizada para
trabalhá-los faz-se fundamental para entender que metodologias nortearão a prática docente.
Sendo a Escola um lócus fundamental de contato com inúmeros saberes escolares, baseados
em diferentes eventos de letramento. Assim, uma aula de física ou química (Ciências Naturais
e Tecnologias) pode ser um evento (tempo e espaço) de letramento em gêneros discursivos
científicos, como o relatório de experiência científica ou mesmo uma pesquisa orientada.
Sobre letramento, o termo tem sua origem na língua inglesa, a partir de literacy.
Segundo Mortatti (2004), no Brasil ainda está arraigado o conceito de alfabetização, embora a
partir da década de 1980 o termo começasse a aparecer com força no Brasil. Apesar desse
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fortalecimento da nova terminologia, ainda convivem no Brasil os dois conceitos, dos quais
interessa a esta pesquisa a noção de letramento.
Todo letramento é, em sua essência, uma atividade comunicativa e social. Segundo
Kleiman (2007, p. 5),
(...)uma situação comunicativa que envolve atividades que usam ou pressupõem o
uso da língua escrita ─ um evento de letramento ─ não se diferencia de outras
situações da vida social: envolve uma atividade coletiva, com vários participantes
que têm diferentes saberes e os mobilizam (em geral cooperativamente) segundo
interesses, intenções e objetivos individuais e metas comuns.
Assim, ao mesmo tempo em que uma redação do ENEM (Exame Nacional do Ensino
Médio) é um importante evento de letramento, dentro dos parâmetros da Educação Formal,
uma mensagem de texto ou áudio de WhatsApp também o é. Partindo dessa perspectiva,
amplia-se a noção de gêneros do discurso para a esfera da prática social, a comunicação
humana, levando em conta suas intencionalidades, contradições e aspectos culturais.
A partir das inúmeras disciplinas e áreas do Ensino Médio e contando com a
multiplicidade de vozes e formações dos Professores envolvidos, é possível desenvolver uma
educação mais comprometida com os letramentos dos estudantes. Dessa forma, é possível
discutir abordagens e metodologias correspondentes a serem utilizadas.
2 MÉTODO
A pesquisa realizada utilizou como instrumento de coleta de dados um questionário
composto de sete questões, sendo majoritariamente objetivas (ou seja, em múltipla escolha).
Essas perguntas envolviam noções como gêneros discursivos (incluiu-se também a noção
distinta de gêneros textuais, mais corriqueira no senso comum), sua produção, recepção e
pesquisa. Partindo desses dados, foi feita a tabulação, seguida de uma análise quali-
quantitativa, ou seja, com os valores das tabelas e dos gráficos fundamentando as análises
qualitativas.
Essa pesquisa de campo teve como amostra todo o corpo docente do Ensino Médio
Diurno que leciona na escola escolhida, fechando no total de 18 entrevistados. De forma
anônima, esses professores responderam e entregaram o questionário. Depois de minuciosa
análise, os resultados numéricos foram tabulados e transformados em tabelas e gráficos
produzidos no programa Microsoft Office Excel. Com base nesses valores, foi feita a análise e
a discussão, culminando nas considerações finais e neste artigo final.
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3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
A Tabela 01, na sequência, organiza os 18 professores a partir das quatro áreas de
conhecimento, a saber: Linguagens e Códigos, Matemática, Ciências Naturais, Ciências
Humanas e Sociais Aplicadas e Segundo Professor – Professores da Inclusão Social, em
valores absolutos e relativos. Maior número de professores (05 ao total) é da área de
Linguagens e Códigos, onde se inclui a Língua Portuguesa.
FONTE: Pesquisa realizada com Professores em agosto de 2017
EMI = Ensino Médio Inovador
Outro aspecto obtido por meio da aplicação do questionário está relacionado ao perfil
dos professores. Quanto ao tempo médio de exercício dessa profissão, tem-se em torno de 11
a 12 anos, sendo que em média os professores estão na Escola há cerca de 6 ou 7 anos. Isso é
crucial para compreender certas respostas levantadas, pois ao longo do tempo as formações
docentes vão se modificando e traçando diferentes perspectivas. Ademais, outra questão
levantada foi a situação funcional de cada professor, constatando-se que, em sua maioria, são
professores contratados no Regime ACT – Admissão em Caráter Temporário, o que torna a
rotatividade da Escola alta. Consequentemente, projetos visando ao longo prazo são
comprometidos, pois 61% do Corpo Docente é temporário na instituição.
Quanto ao nível de formação dos professores, predominam os Especialistas3, sendo
62% do Corpo Docente, fato que não destoa muito de outras escolas. Apenas um Professor
(6%) tem nível de escolaridade Doutorado (Pós-Doutorado), enquanto uma parcela de 16%
tem em seu nível de escolaridade a Graduação. Finalmente, outros 16% ainda são graduandos
na disciplina em que lecionam, resultado que explica a lacuna de profissionais em diversas
disciplinas escolares.
3Especialistas são profissionais “Pós-Graduados”. Diferentemente dos Mestres e Doutores, que são Pós-
Graduados em nível Stricto Sensu, os Especialistas fazem a Pós-Graduação Lato Sensu.
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Dos professores entrevistados, somente 61% (11) responderam suficientemente ao
conceito de Gênero Discursivo ou Gênero Textual4, explicando-o claramente. Nenhum
conseguiu citar ao menos uma referência de consulta para essa questão, como os conceitos do
enunciado, seu uso social ou mesmo a relativa estabilidade existente nos gêneros, conforme
analisado em Rodrigues (2004). Não foram citados em momento algum os PCNs (Parâmetros
Curriculares Nacionais), referência fundamental para a reflexão sobre os gêneros discursivos.
Dos outros 39% (7), metade não respondeu e outra respondeu de forma insuficiente. Isso
denota a frágil formação docente na área dos Gêneros Discursivos, ainda muito concentrada
nos cursos superiores das áreas de Linguagens e Códigos e Ciências Humanas e frágil em
outras áreas como Matemática e Ciências Naturais.
Quanto aos instrumentos utilizados para a realização das avaliações escolares, o
Gráfico 01 setoriza em valores relativos os tipos de avaliações mais recorrentes. Nota-se no
gráfico o predomínio das avaliações e dos trabalhos escritos, bastante preponderantes na
maioria das escolas e universidades, seguidos por uma quantidade mediana de projetos
escritos e orais (feiras, encontros, pesquisas orientadas etc.) e, por último, atividades
envolvendo jogos e recursos audiovisuais.
GRÁFICO 01 – INSTRUMENTOS AVALIATIVOS UTILIZADOS
Organizado pelos autores (2017).
4 Apesar de este artigo não trabalhar com o conceito de gênero textual, mas sim gênero discursivo, utilizaram-se
no questionário ambos os conceitos. Com isso foi possível analisar se os docentes conheciam alguma teoria ou
estudioso de um desses paradigmas de análise linguística.
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Sobre os resultados obtidos, o grande questionamento é, de que maneira as formações
docentes têm dado conta do desafio de formar docentes avaliadores?
Predominam ainda formas tradicionais de avaliação, abrindo pouco espaço para a
renovação didática com atividades lúdicas, interdisciplinares e mais contextualizadas com os
desafios e as demandas dos jovens do Século XXI. Segundo Kleiman (2007), todas as
atividades, mesmo as mais banais e cotidianas, são, em si, eventos de letramento, podendo ser
analisados como instrumentos avaliativos, transcendendo os tradicionais trabalhos e provas.
Apesar das fragilidades observadas no quesito “instrumentos avaliativos”, percebeu-se
que a maior parte dos docentes da pesquisa expõe aos seus estudantes “qual gênero
textual/discursivo querem que eles desenvolvam em suas atividades e exercícios”, sendo que
95% disseram que explicam aos alunos qual gênero devem produzir. Além disso, 78%
afirmam auxiliar os estudantes em “como produzir aquele gênero específico”, corroborando a
hipótese de que a produção textual não deve estar restrita às aulas da disciplina de Língua
Portuguesa.
Outra possibilidade que foi investigada no processo foi a interdisciplinaridade. Sendo
o Programa Ensino Médio Inovador uma proposta que envolve um novo olhar, são suscitadas
atividades que envolvam projetos integrando áreas do conhecimento. Dessa forma, o objetivo
das perguntas relacionadas a esse tema foi analisar de que forma o trabalho pedagógico é feito
e se ele atinge algum nível de integração disciplinar, conforme o Gráfico 02.
GRÁFICO 02 – FREQUÊNCIA DE ATIVIDADES INTERDISCIPLINARES
Organizado pelos autores (2017).
Entre os formatos mais utilizados para acontecer integração interdisciplinar, destacam-
se essencialmente as feiras realizadas ao longo do Calendário Escolar. Entre as feiras mais
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citadas, estiveram a Feira de Ciências, a Feira do Chá e a Semana de Arte e Literatura,
eventos já tradicionais e previstos em todos os anos letivos da Escola.
Apesar de a Escola já apresentar boas iniciativas de integrações disciplinares, esse
objetivo ainda está muito aquém do que propõem as metodologias recentes. Além das formas
tradicionais de avaliação, as organizações curriculares em forma de disciplinas ou
componentes curriculares isolados ainda predominam nas instituições, realidade que se agrava
com a própria organização dos currículos das escolas brasileiras.
Finalmente, foi investigada a maneira como os professores se instrumentam teórica e
metodologicamente dos conceitos de gêneros discursivos (ou textuais). Mesmo que muitos
não tenham consciência do conceito de gênero discursivo/ textual, o objetivo era analisar de
que forma eles chegavam às noções como, por exemplo, o que é um resumo, uma resenha, um
fichamento, uma síntese etc., culminando no resultado explicitado no Gráfico 03.
GRÁFICO 03 – REFERÊNCIAS DE CONSULTA SOBRE GÊNEROS DISCURSIVOS
Organizado pelos autores (2017).
Entre os resultados obtidos, predominaram fontes de caráter mais escolar, como textos
da Internet e do Livro Didático (num total de 95% aproximadamente). Fontes mais
acadêmicas, como os artigos científicos (55%) ou mesmo materiais da faculdade (40%), são
bem menos utilizados para a elaboração dos gêneros discursivos, alargando ainda mais o
fosso existente entre os discursos acadêmico e escolar.
Entre os professores que responderam utilizar como referências para a instrumentação
teórica e metodológica dos gêneros discursivos as fontes acadêmicas, predominaram aqueles
de áreas como Ciências Humanas e Linguagens e Códigos. Esse fator reforça ainda mais a
velha crença de que “texto é coisa de aulas de Português ou mesmo de Ciências Humanas”,
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obscurecendo a função social dos gêneros discursivos, intrínseca a todos os saberes humanos,
sejam estes escolares ou não, sobre fenômenos sociais ou naturais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conhecimento humano é uma realidade que se concretiza pela linguagem, sendo os
gêneros discursivos os instrumentos sociais que permitem essa construção. Portanto, a Escola
é um lócus importante de construção não só de saberes humanos, mas também de formação
dos estudantes para que estes saibam analisar e produzir gêneros discursivos com qualidade,
transitando entre diversos contextos.
Diante do exposto acima, percebeu-se na pesquisa realizada que ainda ocorre uma
maior concentração do trabalho e da consciência dos gêneros discursivos na disciplina de
Língua Portuguesa e, em especial, nas suas áreas afins (Linguagens e Humanas), tornando-se
mais incipiente nas áreas de Matemática e Ciências Naturais. Isso talvez venha não apenas de
um conhecimento/ desconhecimento por parte dos professores, mas de uma formação (tanto
em nível Básico quanto Superior) que setoriza as áreas do conhecimento em disciplinas mais
ou menos “familiarizadas com textos”.
Esta pesquisa evidenciou uma grande necessidade de se conhecer o conceito de
gêneros discursivos e de sua importância na produção do conhecimento escolar. Faz-se
necessário que não só os professores tenham conhecimento teórico e prático do assunto, mas
que também formem seus estudantes com mais clareza e eficiência. Isso porque a ideia da
Escola é de que os saberes transcendam disciplinas e teorias. Diante disso, estas investigações
abrem possibilidades para outras como: a) o trabalho com gêneros discursivos em disciplinas
ou mesmo áreas mais específicas; b) as principais lacunas na formação de professores na área
de “gêneros discursivos”; c) por que a integração entre disciplinas e projetos ainda é um
desafio para professores e escolas; entre outros.
REFERÊNCIAS
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Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm Acesso em 19 de agosto
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ESTUDOS| A MARgem, Uberlândia, v. 14, n. 1, fev-jul. 2018
KLEIMAN, A. B.. Letramento e suas implicações para o ensino de língua materna. In: Signo,
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Acesso em: 29 dez. 2016.
RECEBIDO EM: 14/02/2018 | APROVADO EM: 02/05/2018