Upload
haliem
View
213
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
50.475
Capítulo 4
Os grandes atores do cenário energético global
4.1 A centralidade do Estado no campo da energia
A garantia do abastecimento de energia é uma responsabilidade
essencial de qualquer Estado. Por isso, o estudo da dimensão
energética das relações internacionais atribui uma importância
decisiva aos atores estatais. Dotados de poderes soberanos para
decidir sobre o uso dos recursos energéticos existentes em cada país
e para impor as políticas de energia, os Estados dispõem de diversos
instrumentos para cumprir suas responsabilidades nesse setor. Em
muitos casos, eles constituem empresas estatais de hidrocarbonetos,
como a Aramco (Arábia Saudita), a Gazprom (Rússia) e a brasileira
Petrobras (com participação também de capital privado a partir da
década de 1990).
Na lista das empresas com as maiores reservas de
hidrocarbonetos do mundo, os dez primeiros lugares são ocupados
por estatais. Em 2011, essas empresas controlavam 85% das reservas
provadas em escala global1. Em contraste, o volume das reservas de
1 ESTADOS UNIDOS. International Energy Outlook 2011. Department of Energy (DoE), Information
Energy Agency (IEA). De acordo com a base de dados do governo estadunidense, 47% dessas reservas
estavam em mãos de empresas de capital 100% estatal, enquanto 38% eram controladas por companhias
estatais abertas à participação de investidores privados, como é o caso da Petrobras.
hidrocarbonetos em mãos das empresas petroleiras internacionais –
ExxonMobil, BP, Chevron, Shell, e dezenas de outras, menores –
correspondia a 15% do total. Essa tendência se manteve ao longo da
primeira década do século 21. Em fevereiro de 2012, a renomada
publicação PetroStrategies apurou que 13 das 20 maiores empresas
proprietárias de reservas de petróleo e gás natural eram estatais ou
companhias de economia mista2.
O Estado também exerce seu poder no campo da energia por meio
dos investimentos em pesquisa e no financiamento dos atores
privados de acordo com prioridades estabelecidas a partir de
critérios públicos. Outro mecanismo decisivo de influência estatal é
a cobrança de impostos, taxas e outras formas de arrecadação fiscal
sobre os atores privados na produção e comércio de bens
energéticos. A cobrança de tributos constitui, em muitos países, uma
das principais fontes de receita dos Estados, que também utilizam as
normas fiscais, conforme a política adotada, como um meio de
regular a participação do capital privado no setor e de também de
estimular (ou não) a adoção de determinados hábitos de consumo
de energia entre os seus cidadãos.
Por fim, os Estados – especialmente, as grandes potências –
podem recorrer à ameaça de guerra ou até mesmo à força das armas
para garantir o seu acesso a recursos energéticos existentes em
2 http://www.petrostrategies.org/Links/worlds_largest_oil_and_gas_companies.html
países estrangeiros ou para condicionar o comportamento de outros
Estados em questões ligadas ao abastecimento de combustíveis.
Os principais atores da energia global podem ser agrupados em
três grandes categorias: os países produtores, os países
consumidores e as empresas transnacionais de energia. Mas o
contexto energético global também envolve um conjunto de
organizações internacionais, com destaque para a Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (Opep) e Agência Internacional de
Energia (AIE).
4.2 Os principais países exportadores de energia
Ao contrário do carvão, presente em todos os continentes em
grandes quantidades, o petróleo se distribui pelo planeta de um
modo muito desigual. De acordo com o BP Statistical Review of World
Energy, os países do Oriente Médio detém cerca de 54,4% das
reservas comprovadas de petróleo (BP, 2011, p.7), conforme a tabela.
DISTRIBUIÇÃO MUNDIAL DAS RESERVAS POR REGIÃO
REGIÃO RESERVAS %
(em bilhões de barris)
Oriente Médio........................... 752,5 54,4
América do Sul e Central............ 239,4 17,3
Europa e Eurásia3........................ 139,7 10,1
África..........................................132,1 9,5
América do Norte........................ 74,3 5,4
Ásia e Pacífico............................. 45,2 3,9
(fonte: BP Statistical Review of World Energy June 2011)
Na lista dos países com as maiores reservas provadas, cinco dos
seis primeiros lugares pertencem àquela parte do mundo: pela
ordem, Arábia Saudita, Irã, Iraque, Emirados Árabes Unidos e
Kuwait. A Venezuela aparece em 2º lugar, a Rússia em 7º, a Líbia em
8º, o Cazaquistão em 9º e a Nigéria em 10º. O Brasil, que atualmente
ocupa a 15ª posição, deverá pular para a 12ª, assim forem
contabilizadas pela primeira vez as reservas do pré-sal, estimadas,
em uma avaliação conservadora, como um pouco mais de 30 bilhões
de barris de petróleo. No total, as reservas provadas no Oriente
Médio atingiam em 2011, de acordo com o anuário estatístico da BP,
752,5 bilhões de barris de petróleo.
Tabela: OS PAISES COM MAIORES RESERVAS PROVADAS
DE PETRÓLEO
País Reservas ( em bilhões de barris)
3 A denominação “Eurásia” significa, aqui, a Rússia e as demais ex-repúblicas soviéticas da Ásia Central,
com destaque para o Cazaquistão e o Azerbaijão.
1º Arábia Saudita............................................264,5
2º Venezuela...................................................211,2
3º Irã..............................................................137,0
4º Iraque......................................................... 115,0
5º Kuwait.........................................................101,5
6º Emirados Árabes Unidos.............................. 97,8
7º Rússia.......................................................... 77,4
8º Líbia............................................................ 46,4
9º Cazaquistão.................................................. 39,8
10º Nigéria........................................................ 37,2
11º Canadá......................................................... 32,1
12º Estados Unidos .............................................30,9
13º Catar............................................................. 25,9
14º China............................................................ 14,8
15º Brasil............................................................. 14,2
16º Angola........................................................... 13,5
17º Argélia............................................................12,2
18º México............................................................11,4
19º Índia............................................................... 9,0
20º Azerbaijão...................................................... 7,0
(fonte: BP Statistical Review of World Energy June 2011)
Dois fatores reforçam dramaticamente a importância do petróleo
do Oriente Médio – especificamente, do Golfo Pérsico, pois a
produção em outros lugares da região, como a Síria e o Egito, é
relativamente pequena, e exportadores importantes, como a Líbia e
a Argélia, costumam ser classificados no contexto africano. Em
primeiro lugar, a região exerce uma posição única no mercado
internacional, por sua capacidade de ampliar significativamente a
produção em curtíssimo prazo. Entre todos os países do mundo, a
Arábia Saudita é o único a manter uma reserva significativa de
capacidade ociosa pronta para ser acionada, o que lhe confere a
posição privilegiada de swing producer, ou seja, aquele que é capaz,
sozinho, de alterar as condições da oferta petroleira. Ainda mais
importante é o fato de que somente no Oriente Médio e no Norte da
África4, os países exportadores são considerados capazes de
aumentar sua produção, de modo sustentável, ao longo dos
próximos vinte ou trinta anos. Esse potencial se reforça ainda mais
com o fato de que, historicamente, os países do Golfo Pérsico têm
consumido uma parcela relativamente pequena do petróleo que
produzem5.
.........................................................
SAIBA MAIS
Reservas provadas, prováveis e possíveis
4 Recentemente, agregou-se a esse argumento o Brasil, que deverá, segundo estimativas da Petrobras,
duplicar sua produção de petróleo, com 5 milhões de barris diários em 2020, graças à exploração das
reservas da camada submarina do pré-sal. 5 Com a elevação gradual dos padrões de vida nos países exportadores de petróleo do Oriente Médio,
essas condições estão se modificando, o que introduz um novo elemento de preocupação no cenário
energético global.
As reservas de petróleo podem ser classificadas em vários tipos, de
acordo com o grau de certeza de sua existência. As reservas
provadas correspondem ao volume de óleo que pode ser extraído de
uma determinada jazida, em condições economicamente viáveis,
com um grau de certeza estimado em 90% ou mais. Em geral, são
reservas já comprovadas por meio da perfuração de poços. Já as
reservas prováveis são aquelas cujas possibilidades de extração
economicamente viável são estimadas entre 50% e 90%. Por fim,
denominam-se reservas possíveis aquelas que se acredita existirem
em condições de serem extraídas naqueles campos onde os
trabalhos de prospecção ainda não terminaram – portanto, com um
nível de certeza muito pequeno. Conforme explica Helder Queiroz
Pinto Jr., professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), as reservas possíveis estão situadas em “campos onde foram
feitos estudos sísmicos e correlações com campos próximos já
estudados, mas ainda não houve perfuração de poços6”.
...........................................................
Além do Oriente Médio, vale a pena destacar alguns países e
regiões mais importantes entre os exportadores mundiais de
petróleo.
6 PINTO JUNIOR, Helder Queiroz (org.). Economia da Energia – Fundamentos Econômicos, Evolução Histórica
e Organização Industrial. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p.51.
Rússia – O país desfruta de uma posição privilegiada no cenário
energético. Embora seu território abrigue a 7ª maior reserva provada
de petróleo do mundo, a Rússia lidera o ranking dos maiores
produtores (10,2 milhões de barris diários em 2011), superando por
pouco a Arábia Saudita (10 milhões de barris diários) e muito à
frente dos demais fornecedores globais7. Destaca-se também no
cenário do gás natural, como dona das maiores reservas do mundo e
principal fornecedora de gás para a Europa Ocidental, à qual está
ligada por uma rede de gasodutos. Em 2011, a Rússia produziu 21%
de todo o gás consumido no mundo e 12% do petróleo. Suas jazidas
petrolíferas, de 77,4 bilhões de barris em reservas provadas,
espalham-se por seis regiões, com destaque para o litoral do Mar
Cáspio, os montes Urais e as ilhas Sakhalinas, no Pacífico. Somando-
se os volumes da comercialização de petróleo e de gás natural, a
Rússia exporta mais hidrocarbonetos do que a Arábia Saudita.
Alguns países europeus são especialmente dependentes das
remessas da Rússia, como a Alemanha, que recebe da Rússia 40% do
gás e 20% do petróleo necessários para o seu abastecimento. O Leste
Europeu e os países bálticos (Lituânia, Estônia e Letônia), assim
como Ucrânia, Moldova e Belarus, são ainda mais dependentes dos
suprimentos russos de energia – um legado da era soviética.
A indústria russa do petróleo passou por duas fases bem distintas
após a dissolução da URSS, em 1991. No primeiro período, as
empresas estatais foram desmanteladas e o fabuloso patrimônio do
7 BP. BP Statistical Review of World Energy 2011, London, 2011, p.8.
país em recursos energéticos foi transferido para grandes empresas
privadas, ao mesmo tempo em que, incentivadas pelo governo,
transnacionais como a BP, a ExxonMobil e a Shell se instalaram no
país. No período seguinte, iniciado em 2000 com a posse de
Vladimir Putin como presidente, o Estado retomou as rédeas do
setor de energia, com a ampliação do controle estatal sobre a gestão
das gigantescas empresas mistas de petróleo e gás – com destaque, a
Rosneft e a Gazprom – e a adoção de restrições à presença do capital
estrangeiro. Tudo indica que o modelo atual, em que o Estado
detém o controle do setor da energia, deva se consolidar8.
Ásia Central – Embora as reservas petrolíferas das antigas
repúblicas soviéticas ao redor do Mar Cáspio não sejam tão
volumosas quanto as do Oriente Médio, ainda assim se tornaram, a
partir da década de 1990, o foco de uma corrida entre as principais
empresas petroleiras internacionais, ávidas pelo acesso a uma
riqueza que permaneceu sub-explorada durante a existência da
URSS. A região do Mar Cáspio abriga 48 milhões de barris de
petróleo e 499 trilhões de pés cúbicos de gás natural, concentrados
em quatro países: Azerbeijão, Cazaquistão, Uzbequistão e
Turcomenistão. De acordo com as projeções do governo
estadunidense, a produção de petróleo e gás do Mar Cáspio deverá
888
COLIN, Roberto. Rússia – O ressurgimento da grande potência. Florianópolis: Letras Brasileiras, 2007,
p.94-96..
aumentar 171% no período de 2005 a 2030, o que torna essa região
uma das mais promissoras do mundo no setor energético.
O principal entre os produtores de petróleo do Mar Cáspio é o
Cazaquistão, que abriga o campo on shore de Tenguiz, o sexto maior
do mundo. Explorado desde 1993, quando entrou em operação, por
um consórcio entre a Chevron (50%), Shell (25%), KazMunaiGaz (a
estatal de hidrocarbonetos cazaque, com 20%) e a Rosneft (russa,
com 5%), esse campo petrolífero gera uma produção diária de 450
mil barris diários. Outra importante riqueza energética do
Cazaquistão é o campo petrolífero off shore de Kashagan, no Mar
Cáspio, cuja descoberta, em 2000, foi a maior dos últimos 30 anos –
antes das reservas brasileiras do pré-sal. Com reservas estimadas
entre 7 bilhões e 9 bilhões de barris de petróleo recuperáveis,
Kashagan está sendo explorado por uma sociedade que reúne a
Shell, ExxonMobil, ConocoPhillips, Eni, Total, Inpex (japonesa) e
KazMunaiGaz. Devido às difíceis condições climáticas, com
temperadoras de até 30º negativos no inverno e até 40º positivos no
verão, o início das operações foi adiado sucessivas vezes desde 2005.
A previsão, no início de 2012, era de que entrasse em funcionamento
no final desse mesmo ano9.
O Azerbaijão já foi um dos líderes da produção mundial de
petróleo. Atualmente, seus campos petrolíferos on shore estão em
declínio, mas descobertas recentes, off shore, estimadas em até 6,5
9 “Kashagan costs surge”, Robert M. Cutler, Asia Times, Bangkok, 21 de janeiro de 2012. Acesso em
7/4/2012 em http://www.atimes.com/atimes/Central_Asia/NA21Ag01.html
bilhões de barris, devem garantir ao país um lugar entre os maiores
produtores. Outro importante campo off shore no Azerbaijão, o de
Shah Deniz, contém imensos volumes de gás. Já no Turcomenistão e
no Uzbequistão as reservas de petróleo são muito modestas, até
aonde se sabe, estimadas em apenas 600 milhões de barris em cada
um deles. Em compensação, esses dois países abrigam riquíssimas
reservas de gás. Em 2011, descobriu-se, no Turcomenistão, o campo
gasífero de Yolatan Sul, o segundo maior do mundo.
A grande dificuldade política na Ásia Central é o transporte dos
seus valiosos recursos energéticos até os mercados consumidores,
uma vez que o Mar Cáspio é um grande lago, cercado de terra por
todos os lados, e os países produtores de hidrocarbonetos, sem
acesso direto às águas marítimas, precisam fazer acordos
internacionais para obter a passagem dos recursos exportados, por
meio de oleodutos e gasodutos. A Rússia, potência dominante na
região, está empenhada em garantir o controle dessas rotas de
transporte, enquanto o EUA e seus aliados europeus estimulam,
com apoio político e financiamentos de bilhões de dólares, uma rede
de dutos alternativos para levar o petróleo e o gás da Ásia Central
até a Europa sem passar pela Rússia nem pelo Irã.
África – O continente africano está adquirindo importância
crescente na geopolítica energética global. Segundo o BP Statistical of
World Energy 2011, o continente africano é responsável por 12,4% da
produção mundial de petróleo e 7% de gás natural. Seu subsolo
abriga 132 bilhões de barris em reservas de petróleo provadas, o que
representa cerca de 9,5% do total existente no mundo. A maior parte
desse volume está concentrado em um punhado de países – Argélia,
Angola, Líbia, Nigéria e Sudão – que possuem no conjunto 115
bilhões de barris. Há ainda um grupo de países com reservas
menores, porém sugnificativas ao ponto de atrair o interesses das
empresas estrangeiras. Entre eles, se incluem o Chade, Gabão, Egito,
Guiné Equatorial e República do Congo (Congo-Brazzaville).
Mesmo sem possuir estoques de hidrocarbonetos da mesma
magnitude do Golfo Pérsico, a África apresenta certas
particularidades que realçam o seu interesse aos olhos dos
investidores estrangeiros. A maior parte das suas reservas só
começou a ser intensamente explorada nas duas últimas décadas, o
que traz a promessa de maiores volumes de extração no futuro,
quando muitos campos petrolíferos em outras partes do mundo já
estarão em declínio. A previsão do Departamento de Energia dos
EUA é que a produção petrolífera africana deverá saltar de 10
milhões de barris diários em 2005 para 18 milhões em 2020 – um
aumento espetacular, de 80%. Outro atrativo é que boa parte do
continente ainda não foi devidamente pesquisada, o que significa
uma alta probabilidade de que ainda existam grandes reservas a
serem descobertas. Além disso, devido às condições de pobreza em
todo o continente africano, o consumo interno desses recursos é
ínfimo, liberando a quase totalidade da produção para as
exportações.
Por esses e outros motivos, a África se tornou foco do interesse dos
principais países importadores de petróleo, especialmente os EUA, a
China, a França e a Itália. A África fornece atualmente 20% do
petróleo importado pelos EUA e essa parcela deverá atingir 25% em
2015, quando os novos campos petrolíferos off shore em Angola e na
Nigéria já estiveram em pleno funcionamento. O documento oficial
estadunidense de política energética, National Energy Policy, de 2001,
assinala a África, e em especial a região do Golfo da Guiné, como “a
fonte petrolífera e de gás para o mercado dos EUA que terá o
crescimento mais rápido10”.
O interesse estadunidense pelo petróleo do Golfo da Guiné é
movido por fatores que vão além do imenso volume das suas
reservas, estimadas em 24 bilhões de barris. Trata-se de um petróleo
do tipo “leve” (isto é, altamente fluido e com baixa presença de
enxofre), muito valorizado pelas refinarias dos EUA. O risco político
da exploração é baixo, uma vez que as principais reservas se situam
off shore. A exploração, em plataformas a quilômetros de distância
da costa, está imune aos conflitos étnicos, frequentes na região, e aos
protestos de populações descontentes por serem excluídas dos
benefícios da exploração das riquezas situadas nos territórios onde
vivem11. Por fim, a localização das reservas do Golfo da Guiné é
perfeita, tanto do ponto de vista logístico quanto do estratégico. As
10
THE WHITE HOUSE. Reliable, Affordable, and Environmentally Sound Energy for America’s Future – Report
of the National Energy Policy Development Group, 16 de maio de 2001. 11
KLARE, Michael T. Rising Powers, Shrinking Planet – The New Geopolitics of Energy. New York:
Metropolitan Books, 2008, p.158.
rotas marítimas entre o litoral oeste africano e a costa leste dos EUA
estão completamente desimpedidas, sem a necessidade de que os
navios-petroleiros atravessem estreitos como o de Ormuz, no Golfo
Pérsico, ou o do Bósforo, entre o Mediterrâneo e o Mar Negro –
gargalos geopolíticos sempre sob o risco de bloqueio em função de
conflitos internacionais. Ao contrário, a navegação ocorre em águas
do Atlântico sob total controle da frota naval estadunidense.
Venezuela – Com uma produção diária de 2,4 milhões de barris
diários de petróleo, na maior parte extraída do Lago de Maracaibo, a
Venezuela é o maior produtor de petróleo das Américas12. Suas
reservas começaram a ser exploradas intensamente na década de
1910 pela Royal Dutch Shell e pela Standard Oil of New Jersey. No
final da década seguinte, o país já tinha se tornado o segundo
produtor mundial, atrás apenas dos EUA. Esse tesouro enriquecia as
transnacionais petroleiras, que se beneficiavam de contratos de
concessão firmados com governantes corruptos, submissos aos
interesses estrangeiros. Até quase a metade do século, as regras
desiguais para a partilha dos lucros com a exploração das reservas
do país garantiam aos investidores externos até 85% da receita
petroleira, cabendo ao Estado venezuelano apenas 15%, na forma de
royalties e de impostos13.
12
BP. BP Statistical Review of World Energy 2011. 13
MARINGONI, Gilberto. A Venezuela que se inventa – Poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez. São
Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004, p.87.
A situação começou a mudar em 1948, quando a Venezuela
liderou uma mobilização dos países produtores para estabelecer a
partilha dos ganhos entre o Estado proprietário dos recursos e as
empresas concessionárias na base de 50%/50%, com sucesso. Em
1960, tornou-se o primeiro país do hemisfério ocidental a participar
da Opep e, mais tarde, em 1974, incorporou-se à maré
nacionalizante mundial ao estatizar as petroleiras transnacionais,
com a criação da empresa estatal Petroleos de Venezuela S.A.
(PdVSA). Essa gigantesca empresa responde, até hoje, por cerca de
90% das exportações venezuelanas e cerca de 50% da arrecadação
fiscal. Na década de 1980, a crise econômica e a ofensiva ideológica
do neoliberalismo criaram condições para a chamada “abertura
petroleira”, com o ingresso de capital estrangeiro no setor e o início
de um processo gradual de privatização da PdVSA14. Essa
tendência se reverteu a partir da posse, em 1999, do presidente
Hugo Chávez, eleito com o compromisso de interromper a pilhagem
do petróleo venezuelano pelas empresas transnacionais e pelas elites
locais associadas a elas – e a utilizar a renda das exportações para
melhorar as condições de vida da maioria da população,
historicamente submetida a todos os tipos de carências. Chávez
passou a destinar grande parte dos lucros da PdVSA para financiar
programas sociais de saúde, moradia, alimentação e ensino, em
14
MOMMER, Bernard. Subversive Oil. In: ELLNER, Steve; HELLINGER, Daniel
(eds.), Venezuelan Politics in the Chávez Era, pp. 131-146. Boulder (EUA), London:
Lynne Rienner Publishers, 2003.
favor das camadas mais pobres. Ao mesmo tempo, obrigou as
transnacionais a renegociar os contratos, com o aumento da
participação estatal sobre a receita, e determinou que a estatal
venezuelana tivesse a maioria das ações em todos os projetos com
empresas estrangeiras para a exploração de hidrocarbonetos.
Por sua política nacionalista e opção pelo uso social das riquezas
petrolíferas, Chávez sofre forte oposição das transnacionais da
energia e seus aliados na mídia e nos governos. Ainda assim, muitas
empresas estrangeiras continuam a operar na Venezuela, como
sócias minoritárias do Estado, atraídas pelo petróleo extra-pesado
das margens do Rio Orenoco. O reconhecimento oficial desses
estoques de hidrocarbonetos, em 2010, elevou as reservas provadas
da Venezuela de cerca de 77 bilhões de barris para 211 bilhões
situando o país em segundo lugar no ranking mundial dos donos de
reservas petrolíferas, com 15% do total no planeta, atrás apenas da
Arábia Saudita15.
4.3 Os principais países importadores de energia
Dois fenômenos paralelos deverão impulsionar a demanda
mundial por petróleo nas próximas décadas: 1) os EUA e demais
países desenvolvidos deverão manter sua dependência das
importações de hidrocarbonetos – petróleo e gás natural – e, no caso
da Europa, também do etanol; 2) prosseguirá o aumento vertiginoso
15
BP, BP Statistical Review of World Energy 2011.
do consumo de energia – inclusive de petróleo – nos países em
desenvolvimento, principalmente na China e na Índia.
Estados Unidos – Com apenas 5% da população mundial, os EUA
consumiram, em 2010, cerca de 21% de todo o petróleo produzido
no planeta16. Desse consumo, de 18,7 milhões de barris diários, cerca
da metade (49,7%) corresponde às importações de petróleo do
exterior17. Esse resultado foi comemorado pelo governo de Barack
Obama como uma proeza, uma vez que inverte a tendência de
aumento constante do percentual de importações no volume total de
petróleo consumido nos EUA. Pela primeira vez desde 1997, o país
produziu internamente mais petróleo do que o volume recebido de
fornecedores estrangeiros. No entanto, esse resultado positivo pode
ser atribuído, em grande medida, à recessão econômica iniciada em
2008.
A dependência das importações de petróleo é apontada por
muitos analistas como o “calcanhar-de-aquiles” do império
estadunidense, pois, na hipótese de um conflito global, colocará em
risco o funcionamento de sua economia e até mesmo suas
capacidades militares. Desde o Choque do Petróleo, de 1973, todos 16
BP, BP Statistical Review of World Energy 2011. 17
“U.S. relies less on oil imports to meet fuel demand: government”, Tom Doggett, Reuters, Washington,
25 de maio de 2011. Acesso em 7/4/2012: http://www.reuters.com/article/2011/05/25/us-usa-oil-imports-
idUSTRE74O78R20110525
os presidentes dos EUA têm defendido a adoção de medidas para
conquistar a “independência energética”, ou seja, a auto-suficiência
na produção de energia. Na prática, as importações de petróleo
pelos EUA cresceram de 3,2 milhões de barris diários em 1973 para
5,3 milhões em 1980 e continuaram até atingir a proporção de 60,3%
em 200518. Desde então, as importações vem diminuindo, em um
fenômeno atribuído a conjunto de fatores que inclui o aumento da
produção de petróleo offshore (no Golfo do México), a mistura de
etanol com a gasolina, a fabricação de carros e caminhões mais
eficientes e, a partir de 2008, a redução do ritmo de crescimento
econômico devido à crise mundial do capitalismo. Ainda assim, o
Departamento de Energia dos EUA prevê que, mesmo no cenário
mais favorável, o país chegará a 2035 – ano em que perderá para a
China a posição de maior consumidor de petróleo do mundo – com
uma dependência de 40% em relação ao petróleo importado. Em
caso de uma redução da oferta petroleira global, a maior potência
militar do mundo terá de competir no mercado internacional para
obter os suprimentos indispensáveis, tal como qualquer outro país.
Outro fator a ser considerado é a crescente dependência
estadunidense em relação à importação de produtos
manufaturados, em consequência da relativa desindustrialização de
sua economia e dos custos mais baixos de produção na China e em
outros países asiáticos. Na medida em que essas importações
18
CORDESMAN, Anthony H. US Oil and Gas Import Dependence: Department of Energy Projections in 2011.
Center for Strategic and International Studies (CSIS), Washington, 29 de abril de 2011.
absorvem petróleo em seu processo produtivo, pode-se afirmar que
a dependência energética dos EUA é, na realidade, bem maior do
que sugerem as estatísticas oficiais.
Nas duas últimas décadas, os EUA têm procurado diversificar os
fornecedores externos a fim de reduzir sua vulnerabilidade a
rupturas no suprimento de petróleo. Os dirigentes estadunidenses
se preocupam, em especial, com o risco de o país se tornar
dependente dos exportadores do Golfo Pérsico, uma região marcada
por intensos conflitos. Entre os dez países que mais exportaram
petróleo para os EUA em 2010, três estão situados no contexto
geopolítico do Oriente Médio e Norte da África: Arábia Saudita,
Iraque e Argélia. Os outros quatro são Canadá, México, Venezuela,
Nigéria, Rússia, Angola e Colômbia19.
O grande problema do abastecimento de energia nos EUA é que o
consumo de petróleo está cada vez mais concentrado no setor de
transportes, que se tornou o principal causador do crescimento da
demanda desse combustível. Os transportes respondem por 85% do
aumento do consumo de petróleo naquele país entre 1985 e 2000.
Outra maneira de medir esse fenômeno é olhar para a parcela do
transporte no consumo de petróleo nos EUA20, que cresce sem parar,
passando de 54% em 1978 para 67% em 2000 (DoE 2005). Quase um
19
ESTADOS UNIDOS, Department of Energy (DoE), Information Energy Agency (IEA), International
Energy Outlook 2011. 20
(A indústria é estável na sua participação no consumo total de energia: 25%. E é responsável
por uma parte decrescente do aumento da demanda: 26% no período 1949-2000, e 15% em 1980-
2000. Os outros setores (residencial, comercial e produção de eletricidade) têm tendência a
permanecer marginais: 22% da demanda em 1949. (DoE 2005).
em cada sete barris de petróleo do mundo é consumido nas auto-
estradas dos EUA. Segundo o Wall Street Journal, entre 1970 e 2000, a
população dos Estados Unidos aumentou 32%; os titulares de carta
de motorista, 63%; o numero de veículos, 90%; e a distância total
percorrida por ano 132%.21 Essas estatísticas mostram que nenhuma
política de controle da demanda pode dar certo nos EUA se o país
não modificar os padrões de consumo de combustível nos
transportes.
China – O ingresso da China no cenário energético acompanha o
ritmo vertiginoso do seu crescimento econômico. Para se ter uma
ideia, o percentual da energia global consumido pela China em 1990
era de apenas 8%, enquanto os EUA consumiam três vezes mais,
24%, e os países da Europa Ocidental, somados, 20%. Em 2006, uma
década e meia depois, a parcela da China no consumo mundial de
energia havia duplicado para 16%, com a expectativa de atingir 21%
em 2030, segundo as projeções do governo estadunidense. Assim
com os EUA, a China depende, cada vez mais, da importação de
recursos energéticos, principalmente petróleo. Apesar do esforço
chinês de desenvolver as fontes domésticas de energia (carvão,
hidreletricidade e energia nuclear), a previsão é de que a
dependência das importações seguirá aumentando sem parar.
21
“The Road More Traveled. Cars are essential to the American Dream”, The Wall Street Journal,
Editorial Page, August 10, 2001.
A China já foi autossuficiente em petróleo e até exportava a
produção excedente. Em 1993, a situação se inverteu e as
importações passaram a superar as exportações. Doze anos depois,
em 2005, o país se tornou o segundo maior consumidor mundial de
petróleo e, de acordo com as previsões da Agência Internacional de
Energia (AIE), deverá ser responsável por 47% no aumento de
consumo até 203022. A AIE estima que o consumo de petróleo da
China crescerá 3,4% ao ano no período que se estende até 2030 –
uma taxa extraordinária, equivalente ao dobro do índice mundial.
Apesar do aumento acelerado da participação do petróleo e do
gás natural, o principal item na matriz energética chinesa é o carvão,
recurso do qual o país é, ao mesmo tempo, o maior produtor, o
maior consumidor e o maior importador mundial. Cerca da metade
do consumo mundial de carvão ocorre na China. A emergência da
China em 2009 como importador de carvão em termos líquidos23
acarretou uma alta dos preços e a realização de novos investimentos
em países exportadores, incluindo a Austrália, Indonésia, Rússia e
Mongólia24.Um problema estrutural do modelo energético chinês é a
localização das principais jazidas de carvão, no nordeste, enquanto
os maiores centros de consumo se situam no sudoeste. Isso obriga as
autoridades chinesas a mobilizar 60% do sistema ferroviário do país
apenas para transportar o carvão. O recurso intensivo ao carvão
22
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). World Energy Outlook 2011, Paris. 23
O fato de um país ser importador líquido significa que o valor das suas importações ultrapassa o das
exportações. 24
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). World Energy Outlook 2011, Paris.
coloca a China no topo da lista dos maiores poluidores mundiais,
gerando fortes pressões internacionais para que o país modifique a
sua política energética.
A saída tem sido o reforço da produção de energia em
hidrelétricas e centrais nuclear. O potencial hidrelétrico chinês
aumentou espetacularmente com a entrada em operação do
complexo de represas de Três Gargantas, o maior do mundo. O
equipamento nuclear ainda é modesto (11 reatores), mas existem
planos ambiciosos de expansão. A China também está procurando
investir nas fontes energéticas renováveis, como a energia eólica e a
energia solar, que deverão ampliar sua participação na geração de
eletricidade dos atuais 3% para 15% em 2035, graças ao apoio de
fortes subsídios estatais25.
Japão – Terceira economia mundial, o Japão é muito pobre em
recursos energéticos e, portanto, altamente dependente das
importações, que respondem por 88% da sua energia primária. O
país é o primeiro importador mundial de carvão e o terceiro de
petróleo e de gás. Suas únicas fontes energéticas significativas são a
hidroeletricidade (9% da produção total de eletricidade) e,
sobretudo, a energia nuclear (26% da eletricidade), da qual é o
terceiro maior produtor mundial, atrás dos EUA e da França.
25
INTERNATIONAL ENERGY AGENCY (IEA). World Energy Outlook 2011, Paris.
Europa – O panorama energético da União Europeia (UE) se
caracteriza, em primeiro lugar, pelo elevado consumo de energia e,
em segundo, pela dependência de fornecedores de fora da
comunidade (Rússia, Oriente Médio, África). Isso ocorre devido à
inexistência de rios caudalosos, capazes de gerar hidroeletricidade
em escala significativa, e de jazidas expressivas de petróleo e gás,
com exceção das reservas petrolíferas do Mar Norte, exploradas
pelo Reino Unido e pela Noruega. Mesmo essas já atingiram o seu
pico de produção e apresentam um rendimento menor a cada ano.
O problema da dependência se agrava pela falta de consenso
quanto aos meios de obter suprimentos energéticos. A grande
diversidade de condições impede que os principais integrantes da
UE coordenem suas estratégias no campo da energia, conforme
análise do especialista francês Bertrand Barré26. A Alemanha
importa 71% da energia que consome (principalmente, petróleo e
gás procedentes da Rússia) e sua situação de dependência tende a
aumentar na medida em que os atuais reatores atômicos –
responsáveis por 31% da eletricidade – esgotem seu prazo de
funcionamento, sem serem substituídos, em cumprimento à decisão
adotada por pressão do poderoso movimento anti-nuclear. O
fechamento desses reatores, com a consequente queda da produção
interna de eletricidade, deverá aprofundar a dependência da
Alemanha em relação aos suprimentos russos.
26
BARRÉ, Bertrand. Atlas des Énergies – Quels choix pour quel développement? Paris: Autrement, 2007, p.66.
A França, em contraste, aposta fortemente na energia nuclear, que
responde por um terço de sua matriz energética. Outro terço vem do
gás natural, importado da Argélia por um gasoduto submarino, e a
parcela restante corresponde ao petróleo do norte da África e do
Oriente Médio. Já o Reino Unido desfrutou, entre a segunda metade
da década de 1970 e o início da de 2000, de uma situação confortável
como o único país da União Europeia a exportar energia. A partir de
2004, com o esgotamento das reservas petrolíferas do Mar do Norte,
retomou seu programa de instalação de usinas nucleares.
Uma aposta da Europa para reduzir a dependência da Rússia é a
diversificação dos seus fornecedores de gás. Em especial, os países
europeus podem se beneficiar da redução das mudanças
tecnológicas recentes que reduziram os preços do transporte do gás
natural liquefeito (GNL). A importação de maiores volumes de GNL
vai requerer investimentos substanciais em infra-estrutura de
terminas de gasificação, mas essa despesa deve ser vista como um
custo necessário para realçar a segurança energética e manter a
independência na formulação da política externa e econômica27.
4.3 As empresas transnacionais de energia
Conhecidas pela sigla de IOCs (International Oil Companies), as
transnacionais petroleiras dominaram o setor durante a maior parte
27
MYERS, Amy; SOLIGO, Ronald. Militarization of Energy: Geopolitical Threats to the Global Energy System,
Energy Forum – James A. Baker III Institute for Public Policy of Rice University, Houston (TX), 2008, p.34.
do século 20 e mantêm uma enorme influência ainda hoje. Na lista
das 500 maiores empresas do mundo pelo faturamento em 2011, seis
das doze maiores eram IOCs: RoyalDutch Shell (2º lugar28),
ExxonMobil (3º), BP (4º), Chevron (10º), Total (11º) e ConocoPhillips
(12º)29, conforme a tabela abaixo.
MAIORES EMPRESAS DE PETRÓLEO E GÁS (2011)
Posição na Empresa Faturamento País-sede
Propriedade
Fortune 500 (US$ bilhões,
em 2011)
2º Royal Dutch Shell 378 Reino Unido/Holanda Privada
3º Exxon/Mobil 484 EUA Privada
4º BP 308 Reino Unido Privada
5º Sinopec 273 China Mista
6º PetroChina 240 China Mista
10º Chevron 196 EUA Privada
11º Total 186 França Privada
12º ConocoPhillips 184 EUA Privada
28
O primeiro lugar na lista é ocupado pela rede de supermercados Wall-Mart, com um faturamente de
mais de US$ 421 em 2011.
29 Fortune Global 500, 2011. Disponível em www.money.cnn.com
23º ENI 131 Itália Privada
34º Petrobras 120 Brasil Mista
35º Gazprom 118 Rússia Mista
49º Pemex 101 México Estatal
66º PdVSA 88 Venezuela Estatal
(Fonte: Fortune Global 500, 2011)
Quase todas as IOCs compartilham a organização vertical que
caracteriza as grandes empresas petroleiras desde o seu surgimento,
ou seja, o controle de toda a cadeia produtiva, desde o poço de
petróleo até o posto de gasolina. Essas empresas gigantescas, em sua
trajetória de mais de um século, aprenderam a equilibrar a
cooperação e a disputa nas relações existentes entre si. Ao mesmo
tempo em que competem por mercados, avanços tecnológicos e
fontes de recursos energéticos, formam alianças entre si para
negociar com os governos na busca de regras mais vantajosas para o
negócio petroleiro, em geral, e para as grandes corporações do setor,
em especial. Embora privadas, as IOCs – também conhecidas,
coletivamente, como Big Oil ou “as principais” – desenvolveram
estreitos laços com os seus respectivos governos nacionais,
especialmente com o dos EUA, onde se situa a maioria delas30.
Essas empresas são principais fontes de financiamento das
campanhas eleitorais estadunidenses, o que lhes permite, após a
30Mesmo a Shell e a BP, sediadas respectivamente em Haia e em Londres, possuem subsidiárias poderosas
e influentes nos EUA, onde desenvolvem atividades de lobby e de financiamento de campanhas eleitorais.
vitória dos candidatos beneficiados pelo seu dinheiro, uma
capacidade especial de influir na elaboração de políticas públicas
favoráveis aos seus interesses, defendidos cotidianamente por meio
da atuação de lobistas contratados por elas. De acordo com a
pesquisadora Antonia Juhasz, entre 1998 e 2006, a ExxonMobil
sozinha gastou mais de US$ 80 milhões com lobby junto às
autoridades de Washington. Em conjunto, a ExxonMobil, a
Chevron, a BP, a Marathon e a ConocoPhillips gastaram nesse
período US$ 240 milhões com a contratação de escritórios de lobistas
para influenciar o governo estadunidense31.
Essa influência é exercida tanto em assuntos de política interna
dos EUA quanto nas questões mais importantes da política externa.
Por exemplo, no período entre o final da década de 1990 e o início
dos anos 2000, todas as companhias petroleiras participaram do
lobby para impedir o governo dos EUA e demais governos do
mundo de adotar medidas expressivas para interromper o
aquecimento global. “Suas motivações não são misteriosas”,
explicou Juhasz. “Conforme a oferta de petróleo convencional se
esgota, a oferta disponível de óleo cru vai ficando mais suja e está
sendo encontrada em regiões mais ambientalmente sensíveis32.”
As IOCs têm se empenhado, nas últimas décadas, em bloquear as
iniciativas de congressistas, funcionários governamentais e
organizações da sociedade civil estadunidense em favor da adoção
31 JUHASZ, Antonia. A Tirania do Petróleo – A mais poderosa indústria do mundo e o que pode ser feito para detê-
la. Rio de Janeiro: Ediouro, 2008, p.21. 32
JUHASZ, 2008, p.288.
de normas mais rígidas para a eficiência energética dos veículos e
para a proteção ambiental. Na agenda internacional dos EUA,
destaca-se o apoio das grandes petroleiras às intervenções militares
em países do Oriente Médio que abrigam valiosas reservas
petrolíferas, como o Iraque e a Líbia, beneficiando-se, após a
derrubada de governos locais hostis, com a assinatura de contratos
para a exploração desses recursos em termos altamente favoráveis
às transnacionais.
O imenso poder das IOCs se reflete em lucros impressionantes,
muito superiores ao de qualquer outro ramo dos negócios. De
acordo com o Comitê de Recursos Naturais da Câmara de
Representantes dos EUA, as cinco maiores empresas petroleiras,
somadas, lucraram US$ 952 bilhões no período de 2000 a 2010 – ou
seja, quase US$ 1 trilhão, em uma década marcada pela alta
contínua dos preços dos combustíveis33.
Várias da IOCs da atualidade são gigantescas corporações
resultantes da fusão entre empresas que já eram enormes
isoladamente: ExxonMobil, Chevron (agora incluindo a Texaco),
Total (que incorporou a Fina e Elf), entre outras. Esse processo de
fusões, assim como o ingresso de novas companhias no grupo das
principais durante as últimas décadas, tornou sem sentido a
expressão “Sete Irmãs”, utilizada para designar as integrantes do
33
“Oil and Gas Industry Profit Reports Spark Latest Outcry Against Subsidies”, Kathie Howell, The New
York Times, 29 de julho de 2001. Acesso em 21/4/2012 em
http://www.nytimes.com/gwire/2011/07/29/29greenwire-oil-and-gas-industry-profit-reports-spark-late-
87276.html
cartel das transnacionais petrolíferas que teve seu apogeu entre as
décadas de 1930 e 1960. Três das “sete irmãs” tiveram sua origem na
Standard Oil, o monopólio privado estadunidense que estabeleceu o
modelo de megaempresa petrolífera ainda em vigor: a Exxon, a
Mobil e a Chevron, criadas depois que a Standard foi dissolvida, em
1911, por uma decisão judicial. O grupo das sete integrantes do
extinto cartel das transnacionais se completava com a Gulf, a
Texaco, a British Petroleum (atual BP) e a anglo-holandesa Royal
Dutch Shell.
São as seguintes as principais empresas transnacionais privadas
no setor do petróleo:
ExxonMobil – A maior entre as 42 empresas em que se
fragmentou a Standard original foi a Standard Oil of New Jersey
(ou, simplesmente, Jersey), que em 1972 mudou o nome para Exxon
Corporation. Fora dos EUA (inclusive no Brasil), a empresa já
operava muito antes dessa data com o nome de Esso34. Sem fontes
próprias de petróleo nos EUA, a Jersey/Exxon, assim como outras
das herdeiras do império de John D. Rockefeller, dedicou-se desde
as primeiras décadas do século XX à exploração de reservas no
exterior: inicialmente, na Venezuela e no México; mais tarde,
também no Oriente Médio. Já a Mobil se formou com o nome de
Standard Oil of New York, ou Socony, como era conhecida. Em
1931, fundiu-se com outra das empresas-filhotes da Standard, a
Vaccum Oil Company, formando a Socony-Vacuum, que em 1966
34
FALOLA; GENOVA, 2005, p.29-30.
passou a se chamar Mobil Oil Corporation. Em 1999, a Exxon e a
Mobil se fundiram, formando a ExxonMobil, que atualmente opera
em mais de 200 países.
Royal Dutch Shell – A gigante anglo-holandesa começou, no final
do século XIX, como duas empresas separadas: a Royal Dutch, de
Henri Deterding, que recebeu uma concessão da monarquia
holandesa para explorar petróleo na Ásia, e a Shell Transport and
Trading Company, de Marcus Samuel, um antigo funcionário da
família de banqueiros Rothschild. Por ocasião da fusão, em 1907, a
Shell era, de longe, a mais forte das duas, dona de uma enorme frota
de navios e com uma rede de distribuição espalhada por boa parte
do mundo35. Mas a Royal Dutch tinha o que mais fazia falta à Shell:
ricas reservas petrolíferas, concentradas na colônia holandesa que,
mais tarde conquistou a independência com o nome de Indonésia.
Na segunda metade do século XX, a Shell expandiu suas operações
com grandes descobertas de petróleo no Mar do Norte e na Nigéria,
entre outros lugares. Opera atualmente em 145 países.
BP – A empresa, com sede em Londres, tem sua origem na
descoberta de petróleo na Pérsia (atual Irã), em 1901, pelo
aventureiro britânico William d’Arcy. Em 1909, a companhia criada
por D’Arcy se tornou a Anglo-Persian Oil Company, e controlava
quase todos os poços de petróleo da Pérsia (na época, uma semi-
colônia britânica). Em 1914, o governo britânico adquiriu a metade
35
YEOMANS, Matthew. Oil – Anatomy of an Industry. New York: The New Press, 2004, p. 4-5.
das ações da companhia, com o objetivo de garantir os suprimentos
de petróleo para a Marinha Real e de assegurar a participação da
Grâ-Bretanha na partilha dos recursos petrolíferos do Oriente Médio
entre as potências imperialistas36. Em 1935, a empresa passou a se
chamar Anglo-Iranian Oil Company, acompanhando a mudança de
nome do país. Até o início da década de 1950, a Anglo-Iranian
concentrava toda a sua produção petrolífera no Irã, sem operar em
nenhum outro país. Essa posição ficou abalada com o conflito
político que a levou a ser expulsa do Irã, em 1951, retornando em
1953, depois que um golpe de Estado articulado pelos governos dos
EUA e da Grã-Bretanha derrubou o primeiro-ministro nacionalista
Mohammed Mossadegh e substitui a democracia parlamentar por
uma ditadura militar liderada pelo xá Reza Pahlevi. Num esforço
para melhorar sua imagem após esse episódio, a Anglo-Iranian
mudou seu nome para British Petroleum em 1954. Mais tarde,
durante a onda de privatizações liderada pela primeira-ministra
Margaret Thatcher, o governo britânico vendeu suas ações da British
Petroleum, que, por sua vez, comprou a Standard Oil of Ohio e a
companhia britânica Britoil. Uma nova onda de expansão teve como
marco o ano de 1998, com a incorporação da Standard Oil of Indiana
(Amoco), uma das principais herdeiras do monopólio de
Rockefeller. Em 2001, a empresa mudou de nome outra vez, ao se
tornar apenas BP, juntando as iniciais de British Petroleum, e
agregando o slogan em inglês “Beyond Petroleum” (“Além do
36
YERGIN; 1993, p. 127-134.
Petróleo”), que repete as mesmas letras37. A intenção era dissociar
sua imagem de uma fonte de energia antiga e poluidora,
enfatizando um novo perfil, adequado à “era pós-petróleo” e com
foco nas energias renováveis. Mas essa ofensiva de relações públicas
desmoronou em abril de 2010, com a gravíssima catástrofe ecológica
provocada pela explosão de uma plataforma submarina da BP no
Golfo do México, Deepwater Horizon, espalhando milhões de barris
de petróleo por uma vasta área marítima.
ChevronTexaco – É o resultado da fusão da Chevron e da Texaco,
ocorrida em 2001. A Chevron, denominada SoCal até 1977, nasceu
com a descoberta de petróleo no norte de Califórnia, em 1879, com o
nome de Pacific Coast Oil Company, mas logo foi incorporada a
Standard Oil Company. Após a fragmentação do império de
Rockefeller, em 1911, reconstituiu-se como Standard Oil of
California (SoCal), aproveitando a abertura do Canal do Panamá,
três anos depois, para conquistar mercados na costa leste dos EUA e
na Europa. Nas décadas seguintes, conquistou seu lugar entre as
“Sete Irmãs” com a exploração de concessões petrolíferas no México,
Filipinas, Bahrein e Arábia Saudita. Um fator importante para o seu
crescimento foi a compra de empresas concorrentes, como a
Standard Oil of Kentucky (outra herdeira da Standard original), em
1961, e, principalmente, em 1984, a Gulf Oil Corporation – sua
37
FALOLA; GENOVA; 2005, p. 31-32.
antiga parceira no cartel das “Sete Irmãs”38. Após essa operação, a
SoCal passou a se chamar Chevron. Em sua trajetória, a empresa –
assim como as demais integrantes do grupo seleto do “Big Oil” –
sempre manteve grande proximidade com os círculos elevados do
poder em Washingon. O sinal mais visível dessas relações
privilegiadas foi a nomeação de uma alta executiva da Chevron,
Condoleeza Rice, para o cargo de secretária de Estado, no governo
de George W. Bush (2000-2008).
ConocoPhillips – Com sede em Houston, no Texas, é uma grande
corporação, formada em 2002 com a fusão de duas empresas com
raízes no início do negócio petroleiro nos EUA, a Continental Oil e a
Phillips Petroleum Company. A Continental surgiu em 1875, com o
foco no carvão e no querosene, e depois foi incorporada ao truste de
Rockefeller. Com a fragmentação da Standard, retomou seu nome
original e se dedicou, na maior parte do século, ao refino e
comercialização de combustíveis, com filiais em diversos países
europeus. A Phillips, fundada em 1917, também acumulou capital
no varejo, com uma grande rede de postos de gasolina, e na década
de 1950 se tornou uma das pioneiras na exploração de petróleo off
shore, no Golfo do México, expandindo depois suas atividades para
o Mar do Norte, o Mar do Timor e o Mar da China39.
38
FALOLA; GENOVA; 2005, p.33-34. 39
FALOLA; GENOVA; 2005, p. 35-36
TotalFinaElf – Com o próprio nome sugere, a petrolífera francesa
é o resultado da fusão entre três empresas. A mais importante delas
é a antiga Compagnie Française des Pétroles (CFP), formado em
1924 e parcialmente estatizada três anos depois, quando o governo
se tornou o seu maior acionista. Desde então, atuou no Oriente
Médio (especialmente, no Iraque) e no Norte da África com o
objetivo de garantir à França suas próprias fontes de petróleo. A
aliança com as grandes companhias estadunidenses e inglesas fez
com a que a CPF ficasse conhecida como a “oitava irmã”. Na
década de 1980, passou a se chamar TotalCPF e, a partir de 1991,
apenas Total. No final daquela década, o governo francês vendeu a
maior parte de suas ações na empresa, mantendo apenas uma fração
de 10% do seu capital. Livre para buscar novos parceiros, a Total
comprou a companhia belga PetroFina, em 1999, passou a se chamar
TotalFina. No ano seguinte, fundiu-se com a francesa Elf Aquitaine,
formando a TotalFinaElf. A empresa opera atualmente em 130
países, com empreendimentos em petróleo e em gás natural40.
Ente Nazionale Idrocarburi (ENI) – A grande empresa italiana de
hidrocarbonetos foi criada como estatal, em 1953, incorporando
algumas refinarias, uma produtora de gás natural e os ativos da
Azienda Generale Italiana Petrole (Agip), a estatal fundada pelo
regime fascista em 1926. A ENI se tornou famosa na década de
1960, quando, sob o comando de Enrico Mattei, ajudou a quebrar o
40
FALOLA; GENOVA; 2005, p.36-37.
oligopólio das “Sete Irmãs” ao firmar um acordo com a Líbia em
que a participação da empresa italiana era de apenas 25%, em
contraste com os termos contratuais vigentes na época, na base de
50%-50%. Na visão de Mattei, a empresa concessionária deveria
atuar como parceira dos países em desenvolvimento, e não como
um agente da pilhagem dos seus recursos. Ela também estabeleceu
acordos de energia entre a Itália e a União Soviética, o que
desagradou o governo estadunidense41. No auge do seu confronto
com as transnacionais, Mattei morreu em um misterioso acidente
aéreo, em 1962. A trajetória rebelde da ENI se encerrou em 1992,
quando a empresa foi incluída na lista das privatizações que
marcaram a adesão da Itália ao neoliberalismo. Hoje a ENI opera em
mais de 60 países, sem nada que a diferencie das outras grandes
transnacionais.
5.5 Opep e AIE, as principais organizações internacionais no
campo da energia
Os dois organismos internacionais mais importantes no campo da
economia internacional dos combustíveis são a Organização dos
Países Exportadores de Petróleo (Opep) e Agência Internacional de
Energia (AIE). Cada uma delas expressa a articulação dos interesses
de um dos dois grandes campos em que se dividem os Estados no
que diz respeito às questões energéticas: os países exportadores, cuja
41
YERGIN; 1993, p.519-522.
parcela mais significativa é filiada à Opep, e os países desenvolvidos
consumidores de energia, que se fazem representar por meio da
AIE.
A Opep foi formada em 1960, como um instrumento dos
exportadores do Oriente Médio, juntamente com a Venezuela, para
se contrapor ao oligopólio das Sete Irmãs, que controlava o mercado
mundial de combustíveis desde a década de 1920. Os fundadores da
Opep compartilhavam a busca de uma estratégia coletiva para
adquirir maior controle sobre o petróleo que produziam e,
principalmente, ampliar a participação nos lucros obtidos com as
exportações petroleiras – um negócio milionário em que a parte do
leão ficava nas mãos das empresas tradicionais, quase todas
estadunidenses e britânicas.
A Opep, com sede em Viena, realiza duas conferências anuais e
uma grande quantidade de encontros periódicos, nos quais cada
país costuma ser representado pelo seu ministro da Energia ou do
Petróleo. Esses encontros são decisivos para a definição das cotações
do produto no mercado global. Entre os principais objetivos da
Opep se destacam o controle do preço do petróleo bruto e dos
volumes produzidos. A meta é criar um mercado estável tanto para
os produtores quanto para os consumidores, com a definição de
patamares de preços aceitáveis por ambos os lados. O principal
instrumento da Opep para controlar os preços do petróleo é o
estabelecimento de cotas de produção para os países-membros, de
modo a evitar que a tentativa de qualquer exportador individual em
aumentar suas exportações acabe por causar a queda do preço por
conta da ampliação da oferta. A cota de cada país-membro é
proporcional ao volume que é capaz de produzir, assim como às
suas reservas recuperáveis.
PAÍSES QUE INTEGRAM A OPEP E ANO DO SEU INGRESSO
Arábia Saudita (1960, membro fundador)
Irã (1960, membro fundador)
Iraque (1960, membro fundador)
Kuwait (1960, membro fundador)
Arábia Saudita (1960, membro fundador)
Venezuela (1960, membro fundador)
Catar (1961)
Líbia (1962)
Indonésia (1962)
Emirados Árabes Unidos (1967)
Nigéria (1971)
Equador (1973)42
É importante assinalar a ausência de exportadores importantes,
como a Rússia, o México, o Canadá e o Cazaquistão. O Brasil, até
recentemente um importador de petróleo, jamais cogitou ingressar
42
O Equador se retirou da Opep em 1994, no contexto da adoção de políticas privatizantes pelo governo
equatoriano, mas regressou em 2008, no primeiro mandato do presidente Rafael Correa, quando o país
adotou uma política petroleira nacionalista.
na Opep, mas agora, com as perspectivas de exportar uma parcela
significativa da produção a ser extraída nas reservas do pré-sal, essa
possibilidade já começa a ser discutida.
A AIE foi fundada em 1974, em reação ao primeiro choque do
petróleo. Instalada em Paris, é uma associação de países do
chamado mundo desenvolvido, com 27 integrantes em 2012, quase
todos eles importadores de recursos energéticos. Mantém vínculos
institucionais como a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico OCDE) e opera como uma entidade
inter-governamental voltada para o compartilhamento de
informações e para a coordenação de políticas com vistas a garantir
a segurança energética dos seus sócios. Desde 2005, a AIE tem
recomendado aos países consumidores que reduzam o seu consumo
de petróleo diante das evidências de que o mundo caminha para
uma situação de escassez na produção desse combustível.