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OS LADRILHOS HIDRÁULICOS NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO URBANO NA ZONA CENTRAL DE PELOTAS KRÜGER, GISELA J. (1) 1. PPGAU - Centro Universitário Ritter dos Reis, associação UniRitter/Mackenzie. Endereço: Rua Orfanotrófio, 515 - Alto Teresópolis, Porto Alegre RS. E-mail: [email protected] RESUMO Este artigo apresenta a contribuição e a importância do ladrilho hidráulico para o patrimônio arquitetônico urbano da zona central de Pelotas, Rio Grande do Sul. A cidade dispõe de um grandioso patrimônio cultural, que pode ser comprovado através dos exemplares arquitetônicos e das diversas edificações tombadas ou inventariadas como patrimônio histórico e cultural. É também onde encontramos a mais antiga fábrica de mosaicos em ladrilhos hidráulicos que ainda se encontra em funcionamento no Brasil. Trata-se de um estudo que faz uma análise sobre o uso do ladrilho hidráulico em três principais instituições e casas pelotenses no entorno da Praça Coronel Pedro Osório. A escolha dessas obras deve-se ao fato de serem exemplos do patrimônio cultural e estarem localizadas no centro da cidade como pontos de referências. O presente trabalho desenvolve-se através de pesquisa bibliográfica, referências e imagens das edificações escolhidas. O estudo visa identificar as principais características do uso do ladrilho hidráulico nessa cidade e demonstrar sua importância para o patrimônio cultural. Palavras-chave: Ladrilho Hidráulico; Patrimônio Arquitetônico; Fábrica de Mosaicos.

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OS LADRILHOS HIDRÁULICOS NO PATRIMÔNIO ARQUITETÔNICO

URBANO NA ZONA CENTRAL DE PELOTAS

KRÜGER, GISELA J. (1)

1. PPGAU - Centro Universitário Ritter dos Reis, associação UniRitter/Mackenzie.

Endereço: Rua Orfanotrófio, 515 - Alto Teresópolis, Porto Alegre – RS.

E-mail: [email protected]

RESUMO

Este artigo apresenta a contribuição e a importância do ladrilho hidráulico para o patrimônio arquitetônico urbano da zona central de Pelotas, Rio Grande do Sul. A cidade dispõe de um grandioso patrimônio cultural, que pode ser comprovado através dos exemplares arquitetônicos e das diversas edificações tombadas ou inventariadas como patrimônio histórico e cultural. É também onde encontramos a mais antiga fábrica de mosaicos em ladrilhos hidráulicos que ainda se encontra em funcionamento no Brasil. Trata-se de um estudo que faz uma análise sobre o uso do ladrilho hidráulico em três principais instituições e casas pelotenses no entorno da Praça Coronel Pedro Osório. A escolha dessas obras deve-se ao fato de serem exemplos do patrimônio cultural e estarem localizadas no centro da cidade como pontos de referências. O presente trabalho desenvolve-se através de pesquisa bibliográfica, referências e imagens das edificações escolhidas. O estudo visa identificar as principais características do uso do ladrilho hidráulico nessa cidade e demonstrar sua importância para o patrimônio cultural.

Palavras-chave: Ladrilho Hidráulico; Patrimônio Arquitetônico; Fábrica de Mosaicos.

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3° COLÓQUIO IBERO-AMERICANO PAISAGEM CULTURAL, PATRIMÔNIO E PROJETO - DESAFIOS E PERSPECTIVAS

Belo Horizonte, de 15 a 17 de setembro

1 Introdução

Este estudo “Os Ladrilhos Hidráulicos no Patrimônio Arquitetônico Urbano na Zona Central

de Pelotas” objetiva, através de pesquisa bibliográfica e investigação in loco, ampliar o

conhecimento sobre o uso dos ladrilhos hidráulicos na cidade de Pelotas-RS. Desta forma,

resgatar a importância histórica dos ladrilhos hidráulicos para a arquitetura e para o

patrimônio arquitetônico urbano de Pelotas-RS.

Sobre a arquitetura pelotense Moura; Schlee (1998, p.29) afirmam:

Reflexos das contradições do mundo atual, a pós-modernidade corresponde, em nível

filosófico, à negação da possibilidade de se entender a história, à contraposição à

racionalidade, à fragmentação do conhecimento e à abstração como método de

compreender a realidade. É importante frisar que o termo pós-moderno, enquanto

linguagem arquitetônica, possui inúmeros significados, [...] identificaremos como

correntes pós-modernas todas as vertentes que, de uma forma ou de outra, regam

premissas do chamado “Movimento Moderno”, seja na percepção espacial, na

abordagem da arquitetura do passado, na concepção do projeto, na intenção formal

ou apenas na resolução da fachada.

Com a realização deste estudo, espera-se contribuir para ampliar os conhecimentos sobre

ladrilhos hidráulicos em edificações dos séculos XVIII, XIX e início do século XX,

caracterizando os estilos neoclássicos, ecléticos e protoracionalistas. Temas abordados por

Moura; Schlee (1998) na obra 100 Imagens da Arquitetura Pelotense. Nessa obra os

autores caracterizam as tendências da arquitetura de Pelotas por eles denominados

modernistas e pós-modernos. Asseguram que em Pelotas predominam três correntes

arquitetônicas identificadas como neo-racionalismo, neo-ecletismo e regionalismo, sendo

que em muitos casos a edificação pode ser enquadrada em mais de uma corrente.

Na 1° parte, serão apresentados o patrimônio arquitetônico de Pelotas e os ladrilhos

hidráulicos, serão abordados aspectos históricos do patrimônio cultural e artístico de

Pelotas, seus principais objetivos, características e levantamento de dados na fábrica de

ladrilho hidráulico, explorando assim as diversas questões que envolvem o patrimônio

arquitetônico dessa cidade e os ladrilhos hidráulicos.

Na sequência, apresenta-se uma análise de edificações em torno da Praça Coronel Pedro

Osório que utilizam os ladrilhos hidráulicos da época de sua construção: Biblioteca Pública

de Pelotas, Casa 2 (Centro Cultural, Museu Adail B. Costa e Secretaria de Cultura) e

Casarão 8 (Casa do Conselheiro Francisco Antunes Maciel, Barão de Cacequi).

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A escolha dessas edificações deve-se a contribuição e importância dos ladrilhos hidráulicos

para a arquitetura e urbanismo e às características de estilos arquitetônicos que envolvem

ladrilho hidráulico da época. O estudo resgata a importância dessas edificações para o

patrimônio arquitetônico urbano da cidade de Pelotas-RS.

2 Um Pouco de História da Cidade de Pelotas

A primeira referência histórica do surgimento de Pelotas data de junho de 1758, através da

doação de terras que ficavam às margens da Lagoa dos Patos. Fugindo da invasão

espanhola, em 1763, muitos dos habitantes da Vila de Rio Grande buscaram refúgio nestas

terras. A eles vieram juntar-se os retirantes da Colônia do Sacramento, entregue pelos

portugueses aos espanhóis em 1777, cumprindo o tratado de Santo Ildefonso assinado

entre os dois países.

Em 1780 é fundada, às margens do Arroio Pelotas a primeira Charqueada. A prosperidade

do estabelecimento, favorecida pela localização, estimulou a criação de outras charqueadas

e o crescimento da região, dando origem à povoação que demarcaria o início da cidade de

Pelotas.

A Freguesia de São Francisco de Paula, fundada em 07 de Julho de 1812 por iniciativa do

padre Pedro Pereira de Mesquita, foi elevada à categoria de Vila em 07 de abril de 1832.

Três anos depois o Presidente da Província, Antônio Rodrigues Fernandes Braga, outorgou

à Vila os foros de cidade, com o nome de Pelotas.

O nome originou-se das embarcações de varas de corticeira forradas de couro, usadas para

a travessia dos rios na época das charqueadas. Desde o início do século, a economia

pelotense registrava expressivo acúmulo de capital decorrente do êxito da indústria e do

comércio do charque.

Nesse mesmo período, organizam-se também, movimentos sociais e sindicais como o

Grupo Feminino de Estudos Sociais, de jovens (Grupo Juventude Anti-Militarista), o Centro

de Estudos Sociais e a criação da Liga Operária Pelotense, de influência anarquista,

movimento que contribuiu, também, com a criação de diferentes manifestações culturais na

cidade.

Destaca-se naqueles anos João Simões Lopes Neto, um autor regional com suas

publicações locais, que segundo estudiosos e críticos de literatura, foi o maior autor

regionalista do Rio Grande do Sul, pois procurou em sua produção literária valorizar a

história do gaúcho e suas tradições.

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A partir de 1887, com a libertação dos escravos e a Proclamação da República, se inicia

uma inserção em um tipo de capitalismo um pouco mais avançado, pois a exploração

econômica não pode mais contar com a mão-de-obra escrava. Era preciso uma nova

dinâmica nas relações de trabalho.

Ao final da década de 20, já se observava o declínio das charqueadas e as dificuldades

financeiras prenunciavam a grande depressão de 1929. Pelotas vivencia este momento com

grande intensidade em relação à alteração da sociedade e do espaço. Há uma

diversificação da economia até então baseada na cultura do charque, apontando para um

desenvolvimento industrial incipiente com a instalação do moinho, curtume, cervejaria,

fábricas de vidro, chapéus, máquinas de escrever, aparelhos ortopédicos, cofres, móveis,

sabão, velas, produtos farmacêuticos, confeitarias, cerâmicas entre outros.

A indústria nascente, diversificada, facilitou o surgimento de um comércio muito variado com

fornecimento de gêneros para toda a região. Um setor de prestação de serviços se tornaria

mais tarde uma especialização funcional da cidade.

Em decorrência do apogeu da indústria do charque, estabelecida no final do século XVIII na

região, Pelotas dispõe de um grandioso patrimônio cultural, que pode ser comprovado

através dos exemplares arquitetônicos e das diversas edificações tombadas ou

inventariadas como patrimônio histórico e cultural. Com a mistura de etnias que caracteriza

a cidade, não é difícil de se compreender sua riqueza cultural.

Pelotas é patrimônio histórico e artístico nacional e patrimônio cultural do Estado do Rio

Grande do Sul. Seu belo patrimônio cultural arquitetônico, de forte influência europeia, é um

dos maiores de estilo Eclético do Brasil, em quantidade e qualidade, com 1300 prédios

inventariados.

3 O Ladrilho Hidráulico no Patrimônio Arquitetônico Urbano de

Pelotas

3.1 Patrimônio Arquitetônico Urbano de Pelotas

No Brasil, medidas para a proteção de monumentos e objetos de valor histórico e artístico

surgiram em 1930 e em 1937 quando foi criado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional – SPHAN. Na década de 1980 foi criado o Instituto Histórico e Artístico Nacional –

IPHAN, instaurando-se no país um novo instrumento de preservação patrimonial, com o

registro de bens culturais de natureza imaterial. Através do Decreto-Lei 3551/2000, foram

criados instrumentos de preservação, como o tombamento, o registro e o inventário.

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Gutierrez (2004) informa que Pelotas é uma das cidades que fazem parte do patrimônio

histórico e artístico urbano do Brasil. É uma das vinte e seis cidades que participam do

Programa Monumenta coordenado pelo Ministério da Cultura, o qual tem o objetivo de

preservar áreas prioritárias do patrimônio histórico e artístico urbano do país, incluindo

espaços públicos e edificações, de forma a garantir sua conservação permanente.

Daltoé (2012, p.2) afirma:

A cidade de Pelotas/RS se destaca pelo conjunto arquitetônico edificado referente ao

final do século XIX e início do XX. Nessa época, o país desenvolveu uma arquitetura

cuja linguagem utilizava elementos variados originados de épocas e lugares distintos.

Para Pelotas, esse ecletismo, que ocorreu, sobretudo nas fachadas das edificações,

coincide com um momento histórico de apogeu econômico possibilitado pela

fabricação do charque.

Segundo a Prefeitura Municipal (2013), Pelotas dispõe de um grande patrimônio cultural,

comprovado através dos exemplares arquitetônicos e das diversas edificações tombadas ou

inventariadas como patrimônio histórico e cultural. Foi berço e morada de várias

personalidades da cultura. Pelotas é patrimônio histórico e artístico nacional e patrimônio

cultural do Estado do Rio Grande do Sul.

Pelotas tem seu patrimônio cultural arquitetônico com forte influência europeia, é um dos

maiores de estilo Eclético do Brasil, em quantidade e qualidade, com 1300 prédios

inventariados. No ano de 2006, foi eleita, pela Revista Aplauso, como a cidade "Capital da

Cultura" do interior do estado.

Referenciando Moura; Schlee (1998), na obra 100 Imagens da Arquitetura Pelotense, pode-

se afirmar que estilo eclético é aquele que reúne estilos variados, ou seja, é a mistura de

estilos arquitetônicos em uma edificação.

Em 1982, foi criada a Lei 2708, que dispõe sobre a proteção do patrimônio histórico e

cultural do município de Pelotas. No artigo 4º desta Lei é instituído o Conselho Municipal do

Patrimônio Histórico e Cultural – COMPHIC.

Atualmente Pelotas tem como legislação promotora do tombamento a Lei nº 4093/96, que

cria o Conselho Municipal de Cultura - CONCULT - que designa como competência o

cadastro e tombamento dos bens culturais, revogando os artigos 4º, 5º e 6º da Lei Municipal

nº 2708/82.

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3.2 O Ladrilho Hidráulico

O ladrilho hidráulico é um produto tipicamente artesanal e produzido totalmente a mão, peça

por peça. Segundo informações do Catálogo da Fábrica de Mosaicos de Pelotas, o ladrilho é

uma placa de cimento constituída de areia, pó de mármore e pigmentos com superfície de

textura lisa, sendo usado para acabamento de paredes e pisos.

A Portland (2010), em seu Manual de Ladrilho Hidráulico informa que este revestimento

recebeu o nome de ladrilho hidráulico por ser apenas molhado, sem processos de queima.

Os ladrilhos têm durabilidade estimada em mais de 100 anos. A Associação Brasileira de

Normas Técnicas através da NBR 9457 de 1986 define ladrilho hidráulico como:

Placa de concreto de alta resistência ao desgaste para acabamento de paredes e pisos

internos e externos, contendo uma superfície com textura lisa ou em relevo, colorido ou não,

de formato quadrado, retangular ou outra forma geométrica definida.

As cores nos ladrilhos hidráulicos são bem diversificadas podendo ser combinadas com

várias formas e estampas. São poucas as referências que relatam com precisão a história

do ladrilho hidráulico. Constou-se que o processo de sua produção data do século XVIII.

J. M. dos Santos Simoes, em sua obra “Azulejos Portugueses” (1965), tece considerações

sobre esse tipo de azulejos. Informa este autor que o gosto pelo azulejo firmou-se após as

conquistas portuguesas no norte da África, com forte influencia moirisca. Na visão de J. M.

dos Santos Simoes (1965), é na aplicação decorativa que os azulejos decorativos

portugueses mais se destacam. Paralelamente à produção de grandes painéis figurados

foram produzidos azulejos seriados para ornamentações mais modestas que podiam ser

adquiridas tanto por unidades, dúzias, centenas, etc. são os chamados azulejos

ornamentais que permitiam grande variedade de combinações, além de serem acessíveis

monetariamente, podendo ser aplicados em corredores, salas, cozinhas, e em outros

espaços.

Outro tipo de azulejo foi o representado por pequenos painéis que tiveram como motivo

vasos floridos, figuras de sereias, golfinhos, anjinhos, ou figuras barrocas. Este tipo de

azulejo foi mais comumente utilizado no Brasil. Segundo J. M. dos Santos Simões (1965) o

período de soberania da azulejaria portuguesa no Brasil corresponde ao início de século

XVII até 1822, quando houve a separação política Brasil – Portugal. Contudo, após esse

período, continuou o emprego do azulejo após duas décadas de interrupção nas

importações, intensificando-se o seu emprego até a Primeira Guerra Mundial.

É importante registrar que, segundo J. M. dos Santos Simões (1965), foram os construtores

brasileiros quem pela primeira vez utilizou o azulejo para revestimentos e proteção de

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fachadas de templos e sobrados. No Brasil os estudos desse autor sobre azulejos

portugueses ocorreram mais no centro do País, como na Bahia (Salvador), Rio de Janeiro,

também em Pernambuco, Recife, sendo que em São Paulo e Estados do Sul, de formação

mais recente que os do norte, segundo ele (p. 28), “o azulejo teve fraca aplicação”. Tal

afirmação justifica o fato de que nesta obra, há pouca referência a utilização do azulejo no

Rio Grande do Sul nesse período.

No Brasil, segundo J. M. dos Santos Simoes (1965), inicialmente, ainda no período colonial,

os azulejos aqui inexistentes foram trazidos de Portugal para ornamentar igrejas e

conventos. No século XVII, a encomenda de azulejos podia ser feita, pois sua padronagem,

adaptava-se a qualquer edificação, independentemente de limites de enquadramento.

Informa este autor (p. 15) que no final deste século e durante todo o século seguinte, com a

moda dos revestimentos figurados, substituindo pela imitação da tapeçaria, passaram a

serem utilizados os ladrilhos para imitar o que antes era o “tapete”.

No Brasil, como na Europa, os ladrilhos eram criados para decorar e revestir os pisos,

paredes e expressar arte e religiosidade. As peças eram importadas de Portugal, França e

Bélgica, até serem fabricadas por imigrantes italianos que residiam em São Paulo. Os

mosaicos de ladrilhos hidráulicos no século XIX desempenhavam papel importante na

decoração de mansões da nobreza.

A colocação de ladrilhos hidráulicos deve fazer parte do projeto arquitetônico, que deve ser

planejado adequadamente para cada tipo de ambiente. Tateoka (2011, p.1) em seu artigo

sobre ladrilho hidráulico destaca que estes fizeram muito sucesso nas décadas de 30 e 40 e

podem ser aplicados com diversos desenhos em várias áreas urbanas.

Os ladrilhos hidráulicos podem apresentar desenhos e cores diversificadas. Ainda hoje são

encontradas em vários prédios históricos de Pelotas, peças com ladrilhos hidráulicos do

século XIX.

A fábrica de mosaicos, localizada na cidade de Pelotas no sul do Estado do Rio Grande do

Sul, teve seu crescimento no final do século XVIII, através da indústria do charque, que

transformou a região com a circulação de riquezas. É a mais antiga fábrica de ladrilhos

hidráulicos que ainda se encontra em funcionamento no País, sendo a fábrica mais

procurada graças às suas diversas estampas e formas. Podem apresentar grande variedade

de desenhos e cores.

Pelotas é referência mundial na produção de ladrilho hidráulico peças artesanais de

decoração exclusiva para pisos dos mais variados ambientes, com um processo de

produção centenário, diferente dos atuais porcelanatos e azulejos.

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Catoia; Liborio (2009) informam que os ladrilhos hidráulicos foram introduzidos no Brasil

pelos italianos. Embora no passado fosse uma alternativa na produção de revestimentos,

essencialmente com caráter decorativo, seu uso foi abandonado com o advento da indústria

cerâmica. Contudo, nos anos 80, arquitetos e decoradores começarem a valorizar

novamente os revestimentos hidráulicos, como forma de personalizar projetos e até pela

possibilidade de utilização em mosaicos.

Através de leituras, constatou-se que arquitetos e artistas vindos da Europa, trazidos pelos

ricos charqueadores, transformaram a cidade com uma arquitetura especial com o uso de

ladrilhos hidráulicos. Em diversas edificações da cidade foram utilizados ladrilhos

hidráulicos, além da escaiola e forros de gesso. O resultado está estampado em diversas

obras da cidade, uma paisagem urbana diferenciada, com requinte e sofisticação dos

materiais utilizados e os ladrilhos hidráulicos. Uma arquitetura de características coloniais e

residenciais neoclássicas e ecléticas, onde é visível o potencial de riqueza da região.

No próximo item são apresentados os registros fotográficos das visitas realizadas pela

autora em instituições e casas pelotenses para registrar o uso dos ladrilhos hidráulicos na

época de sua construção principalmente no entorno da Praça Coronel Pedro Osório, as

quais juntamente com outras edificações, farão parte do desenvolvimento deste estudo.

4 Análise das Edificações

4.1 Biblioteca Pública de Pelotas

Localização: Em frente à Praça Coronel Pedro Osório.

Fundada pelo jornalista Antônio Joaquim Dias.

Figura 1 – Fachada e Hall da Biblioteca em ladrilhos hidráulicos

Fonte: Autora

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Construída em 1875, projetada pelo arquiteto italiano Jose Isella e construção de autoria de

Manoel Jorge Rodrigues. A inauguração do prédio ocorreu de forma definitiva em 1888.

Entre 1914, sofreu acréscimo de um segundo piso, projetado por Caetano Casaretto. A

linguagem formal do edifício vem do historicismo eclético, composto por colunas e pilastras,

tendo o acesso central marcado por um frontão sustentado simetricamente por cariátides,

além de balcões e sacadas de púlpito. Um globo coroa toda a construção, como um marco

da sabedoria e símbolo máximo do Positivismo (filosofia embasada na observação e

experiência). O hall de entrada da Biblioteca Pública Pelotense (fig. 1), tem o piso revestido

com belos ladrilhos hidráulicos.

4.2 Casa 2 – Centro Cultural, Museu Adail B. Costa e Secretaria de Cultura

Localização: Praça Coronel Pedro Osório, 2.

Construído inicialmente em estilo colonial, de telhado com beiral foi erguido em 1830 para o

charqueador José Vieira Viana. Em 1880 foi adquirido pelo também charqueador José

Antônio Moreira (Barão de Butuí), que a presenteou a seu filho Ângelo Gonçalves Moreira,

quando foi feita uma reforma, pelo arquiteto contratado José Isella. O hall de entrada (fig. 2),

tem o piso revestido em ladrilhos hidráulicos.

Figura 2 – Fachada e Hall da Casa 2 em ladrilhos hidráulicos

Fonte: Autora

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Segundo Moura; Schlee (1998, p. 44):

A operação tinha dois objetivos básicos: “modernizar” a aparência do imóvel e

adequá-lo à linguagem dos seus dois vizinhos (residências 6 e 8, ambas igualmente

atribuídas a Isella. Como tantas outras construções do mesmo período, o prédio foi

submetido a transformações que buscavam “mascarar” sua aparência colonial [...].

Informa o Catálogo Roteiro da Azulejaria de Pelotas da Universidade Federal de Pelotas

(1999) que na área de serviço foram utilizados azulejos portugueses.

4.3 Casarão 8 – Casa do Conselheiro Francisco Antunes Maciel, Barão de

Cacequi

Localização: Praça Coronel Pedro Osório, 8.

O Casarão 8 foi construído em 1878 para o Conselheiro Francisco Antunes Maciel. Obra

atribuída ao arquiteto italiano José Isella. Encontra-se em reforma para recuperação da

estrutura de sua edificação.

Construção de esquina com recuos lateral e frontal formando acessos ajardinados; porão

alto com sacadas e platibanda mista, coroada por frontões curvos, vasos e estátuas

possuindo uma clarabóia sobre um hall de distribuição do bloco de esquina, iluminando a

circulação que serve de distribuição para diversos compartimentos.

No interior, possui forros trabalhados em estuque com relevos em gesso. As varandas são

decoradas e protegidas por lambrequins confeccionados em madeira. O mosaico fica

localizado no hall de entrada do prédio. Esta residência está sendo reformada através do

projeto Monumenta.

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Figura 3 – Fachada e Hall do Casarão 8 em mosaico

Fonte: Autora

Informa o Catálogo Roteiro da Azulejaria de Pelotas da Universidade Federal de Pelotas

(1999) que as paredes da cozinha são revestidas por azulejos franceses, pintados à mão,

com estampa floral estilizada.

Pela beleza e versatilidade das peças, os ladrilhos podiam ser aplicados em várias áreas,

com diversos desenhos, cores, e texturas. No entanto, nos anos de 1960, o ladrilho foi

deixado de lado, com a introdução da cerâmica industrializada e assim, muitas fábricas de

ladrilho hidráulico foram fechadas. A partir daí, os ladrilhos hidráulicos foram sendo pouco

utilizados em projetos de arquitetura.

O ladrilho é formado por uma placa de cimento, areia, pó de mármore e pigmentos com

superfície lisa possuindo alta resistência ao desgaste, usado para acabamento de paredes e

pisos. A cura se dá na água, sem qualquer processo de queima. Com características de um

produto artesanal, é produzido em formato quadrado com dimensões de 10 x 10cm, 15 x

15cm e 20 x 20cm. Com superfície plana, desempenado, esquadriado, sem fendas,

uniforme, arestas vivas, acabamento liso e cores firmes. Totalizando 400 modelos de

ladrilhos padrões geométricos, florais, art déco, art nouveau e desenhos contemporâneos,

conforme figura 4:

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Figura 4 – Fabricação de ladrilho hidráulico na Fábrica de Mosaicos na cidade de Pelotas/RS

Fonte: http://fabricademosaicos.com.br/ladrilho-hidraulico-fabrica-de-ladrilhos-pelotas

O ladrilho hidráulico contribui para a arquitetura, pois é um produto artesanal, belo e

resistente. Como foi visto, é um revestimento antigo que apresenta grande durabilidade,

além de apresentar harmonias de cores e desenhos com várias possibilidades de criação,

permitindo que sejam feitas várias composições dos desenhos e as diferentes peças para

formar os "tapetes”.

No próximo item serão apresentadas as recomendações feitas pela fábrica de mosaico de

Pelotas.

5 Processo de Colocação do Ladrilho Hidráulico

1. Na véspera da colocação, para obter uma maior aderência, orienta-se chapiscar

cimento e areia na face inferior do ladrilho;

2. Não molhar os ladrilhos antes da colocação, apenas passe uma trincha molhada

nas duas faces do ladrilho;

3. Assentar os ladrilhos sobre a camada de argamassa gorda de cimento, areia e cal

de no mínimo 3 cm de espessura, (Não usar cimento cola);

4. Colocar os ladrilhos deixando uma junta de 2 a 3 mm com o apoio de uma régua

de alumínio, nunca bater com martelo de borracha; pois além de marcar as peças pode

fissurá-las ou trincá-las e essas micro fissuras ficam evidentes não durante a aplicação mas

quando as peças forem molhadas;

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5. Limpar com trincha molhada, observando com ajuda da régua se todos ladrilhos

estão nivelados;

6. 48 horas depois de assentados, rejuntar com rejunte pronto ou uma pasta de

cimento, água e corante (oxido de ferro) com auxilio de uma espátula de plástico flexível e

tirando os excessos com pano úmido e limpo antes que a pasta seque completamente;

7. Nunca usar qualquer tipo de ácido para limpeza;

8. Ao final do trabalho de colocação, limpar com água, sabão de coco ou sapólio,

podendo escovar a vontade com escova plástica ou lã de aço (Exemplo Bombril);

9. Para a manutenção usar cera líquida incolor à base de silicone;

6 Considerações Finais

O estudo possibilitou ampliar o conhecimento sobre os ladrilhos hidráulicos e a realização

de análise de diferentes edificações do entorno da Praça Coronel Pedro Osório em Pelotas,

RS. Teve destaque o ladrilho hidráulico como elemento de grande importância no patrimônio

arquitetônico.

Através de visitas a prédios históricos da cidade e à fábrica de mosaicos de Pelotas, foi

possível analisar o uso dos ladrilhos hidráulicos e seu processo de fabricação, identificando

a grande importância dessas peças nas casas daquela época, sendo hoje ainda muito

utilizadas também para decoração dos ambientes.

A análise auxilia na valorização da cultura local e evidencia um elemento que merece

destaque – o ladrilho hidráulico, incentivando a conservação e restauração dos prédios

históricos de Pelotas, sensibilizando e levando a todos a refletir sobre a questão do

patrimônio histórico.

Com disso, o presente artigo procurou destacar a importância das peças em mosaicos para

o patrimônio arquitetônico cultural da cidade de Pelotas, fornecendo um conjunto de

estratégias necessárias para um melhor entendimento do processo dos ladrilhos hidráulicos.

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