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OS PRODUTORES DO ARROZ ORGÂNICO DO ASSENTAMENTO INTEGRAÇÃO GAÚCHA (ELDORADO DO SUL/RS) E AS INTERAÇÕES
COM A COMUNIDADE E O ABIENTE NA REGIÃO METROPOLITANA DE PORTO ALEGRE/RS
Joel Luís Melchiors Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS
Rosa Maria Vieira Medeiros Departamento de Geografia
Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS [email protected]
Resumo Mostraremos nesse artigo como a cadeia produtiva do arroz ecológico transforma a condição de vida dos assentados, seja por meio de uma nova relação com o mercado consumidor, bem como com uma nova forma de manejo do solo e dos recursos hídricos, assim possibilitando uma melhor qualidade de vida aos assentados produtores desse cereal e a recuperação do ambiente natural local. Palavras-chave: Cadeia produtiva. Arroz ecológico. Assentados rurais. Qualidade de vida. Recuperação do ambiente local. Introdução Os agricultores oriundos e integrantes do Movimento dos Sem-Terra (MST) que atualmente
residem no Assentamento Integração Gaúcha, localizado no município metropolitano de
Eldorado do Sul, estão, desde o início da década passada, utilizando técnicas agroecológicas
na produção do arroz. Essa experiência inovadora resultou na elaboração de um produto
diferenciado – o arroz orgânico – que não só possibilitou uma relação diferenciada com o
ambiente local, como também uma nova forma de organização comunitária dos agricultores
assentados. Estes vêm se organizando numa cooperativa (a Cooperativa dos Trabalhadores
Assentados na Região de Porto Alegre - COOTAP), realizando um planejamento contínuo
de crescimento, que é pensado e executado através de reuniões do Grupo Gestor do Arroz –
que é responsável pela estruturação da produção deste produto e pela definição (ou
redefinição de rumos) do processo produtivo, contando com a participação e intervenção
dos assentados que o compõe.
O principal cliente da COOTAP atualmente é o governo federal, que compra cerca de
70% da produção pelo Programa Mais Alimentos da Companhia Nacional de
Abastecimento (CONAB). O governo destina o arroz comprado para a composição da
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merenda escolar. Para se ter uma ideia, em uma década a área envolvida na produção do
arroz ecológico passou de 2 hectares em 2 assentamentos para mais de 2.500 hectares
em 11 assentamentos e o número de famílias envolvidas passou de uma dezena para
cerca de 300.
Assim, o arroz orgânico e cadeia produtiva projetada por ele, visto sob os enfoque
territorial, configura-se como um importante objeto de pesquisa por demonstrar a
viabilidade de uma produção agroecológica em larga escala (embora represente 2% da
produção orizícola do Rio Grande do Sul nos últimos anos) e envolvendo múltiplos
atores, que ocupam áreas de grande porte (superando os mil hectares em alguns casos) e
rompendo com a noção de que a agroecologia é viável apenas em pequenas áreas.
Do ponto de vista socioeconômico, os agricultores contribuem de forma direta no
processo de tomada de decisões, desde que sejam pertencentes à cooperativa, tendo
autodeterminação em todas as etapas do processo produtivo, ampliando assim a sua rede
de relações com atores públicos e privados para negociar investimentos e ampliar o
mercado do arroz que produzem.
Desenvolvimento Objetivos Como objetivo central deste artigo pretende-se realizar uma breve análise territorial da
cadeia produtiva do arroz ecológico no assentamento Integração Gaúcha, localizado em
Eldorado do Sul, município este pertencente à Região Metropolitana de Porto Alegre
(RMPA), através dos resultados da pesquisa de campo realizada com os agricultores
produtores do arroz orgânico desse local e da elaboração cartográfica (os dois mapas
que irão ser apresentados posteriormente).
Como objetivos mais específicos, busca-se um entendimento a respeito das questões
relacionadas à segurança alimentar, bem como das técnicas diferenciadas de plantação
orgânica do arroz, e os efeitos que este método produtivo acarreta ao ambiente local e a
conjuntura socioeconômica das famílias de agricultores envolvidas; também se elabora
uma cartografia da área de estudo, reunindo dados atualizados e detalhando os espaços
de produção do arroz, com base nos princípios da agroecologia e, por fim, é buscado um
entendimento das relações dos sujeitos estudados (os assentados) com o mercado
consumidor e a comunidade que está inserida na cadeia produtiva do arroz, para mostrar
se tais relações afetam as suas condições de vida e como elas ocorrem.
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Justificativa e Área de Estudo Tendo em vista a ocorrência da expansão na área do cultivo do arroz orgânico nos
assentamentos da RMPA (considerada atualmente como a maior área de cultivo desse
tipo da América do Sul), os assentados estão se engajando cada vez mais neste tipo de
produção; além disso, está havendo a redução dos impactos ambientais dentro dessa
prática e há novas políticas públicas direcionadas a este cultivo (tanto do governo
federal quanto do governo estadual). O Rio Grande do Sul é atualmente o maior
produtor de arroz fora do continente asiático e o potencial de crescimento de mercado
para o arroz denominado orgânico/ecológico é significativo dentro desse contexto.
Imagem 1 – Embalagens do arroz ecológico produzido na RMPA
Fonte: Site da COOPTEC
A realização da análise territorial do assentamento, que é abordada no presente artigo,
pode dar uma significativa contribuição para os agricultores que trabalham nesse local
porque, com a explicação de como o seu trabalho está ocorrendo e de como eles se
organizam e cooperam entre si, outras pessoas podem ter conhecimento disso e vir a
ajudá-los num momento posterior à divulgação do presente trabalho.
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Imagem 2 - Área de arroz irrigado no assentamento Integração Gaúcha
Autora: Rosa, Maria Vieira Medeiros.
Busca-se nesse artigo mostrar como que a mudança do plantio do arroz convencional
para o arroz orgânico começou a acontecer no início dos anos 2000 (alterando dessa
forma o modo de vida e as interações com os demais assentados, com as comunidades
do entorno e com o meio ambiente em que produzem).
Imagem 3 – Selo da Certificadora IMO e de Produto Orgânico
Fonte: Site da COOPTEC
Localizado nas proximidades da sede do município de Eldorado do Sul, também
conhecida como Medianeira, o Assentamento Integração Gaúcha tem acesso pela
Estrada da Carreteira e é mais popularmente chamado de Assentamento do Instituto
Riograndense do Arroz (IRGA). Ocupado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais
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Sem-Terra (o MST) desde o início da década de 90, foi instalado oficialmente pelo
INCRA em 1992 (COOPTEC, 2012).
Há no assentamento atualmente a criação de gado bovino para leite, horticultura e a
produção de arroz irrigado (tanto do convencional quanto do orgânico). Há 69 famílias
assentadas numa área que compreende 1.997 hectares, o que resulta em uma área média
de 18,2 hectares por lote. Deste total, 1.065 hectares são utilizados para o cultivo do
arroz irrigado.
Imagem 4 – Localização do assentamento na RMPA
Fonte: IBGE ,INCRA Org.: Autor
A área nordeste do Integração Gaúcha (onde há as várzeas do arroz) é irrigada pelo Rio
Jacuí no seu baixo curso, já nas proximidades da desembocadura deste com o Lago
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Guaíba na região denominada de Delta do Jacuí. Por outro lado, a água para
abastecimento humano provém da CORSAN. O regime hídrico local apresenta períodos
curtos de estiagem no verão, que pouco afetam a exploração agrícola, visto que esta está
embasada na produção de arroz irrigado.
Imagem 5 – Localização do assentamento em Eldorado do Sul
Fonte: IBGE e INCRA Org.:Autor
Referencial Teórico
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A produção limpa do arroz que ocorre na Região Metropolitana de Porto Alegre
(RMPA) é analisada sob diversos pontos de vista em vários trabalhos já publicados.
Considerando-se como um breve histórico da distribuição de terras na RMPA, Lovois e
Grando (2002) afirmam que o município de Eldorado do Sul é o segundo maior
produtor de arroz da RMPA, atrás apenas do município de Viamão. Devido a tal
importância vê-se que o fato do local estudado neste município não ocorre por acaso,
haja vista o seu potencial para a produção de arroz.
Quanto à questão da opção pelo plantio do arroz irrigado, que foi aprendida com os
produtores chamados de “catarinas”, Diel (2009) afirma que:
Sendo a produção agrícola dependente dos recursos naturais, o manejo sustentável da água a partir desta, é determinado diretamente pela necessidade de preservação deste recurso. Este manejo deve estar submetido ao manejo do agroecossistema como um todo. Desta forma a gestão de água deve fazer parte da gestão do agroecossistema, considerando seu uso múltiplo e suas funções naturais, o que confere considerações na quantidade e na qualidade, em busca da sustentabilidade do sistema produtivo.
Ao trazer à tona a importância do manejo e da utilização da água como um recurso
hídrico vital para a gestão de um agroecossitema como o arroz, o autor demonstra a
sustentabilidade e a responsabilidade no seu uso devem ser levadas a sério, seja pelos
produtores que plantam o orgânico, seja pelos produtores que plantam o convencional.
Apesar de a prioridade do uso da água ser garantida por lei para o uso humano
(abastecimento), não se deve deixar de levar em consideração a importância da
agricultura, pois sem ela não há como se produzir os alimentos para a população.
Ainda sobre detalhes das diretrizes da agricultura orgânica, Medeiros e Laurent (2008),
destacam que:
A agricultura orgânica prega, também, a rotação de culturas e mantém a biodiversidade dos espaços naturais no seio da paisagem agrícola. Essas unidades constituem os habitats favoráveis à fauna auxiliar, o que, por sua vez, reduz a invasão de parasitas.
Assim sendo, o controle das pragas que antes era realizado por herbicidas pelos
agricultores, hoje é em grande parte efetuado pela própria fauna (seja por répteis ou
aves). Eles também criam em casa os biofertilizantes, que não agridem a meio ambiente
e preservam a saúde dos próprios assentados e das suas famílias.
Graças a essa consciência ecológica da orizicultura orgânica, o processo identificado e
retratado por Filippi (2005) não está ocorrendo nos assentamentos em que há a
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produção do arroz orgânico (pelo menos ele não se dá entre os assentados que
participam das cooperativas):
...o “esvaziamento” humano do meio rural brasileiro deve-se não somente à maior oferta de trabalho em atividades urbanas...mas também ao aumento de tecnologias poupadoras de mão-de-obra nas atividades agrícolas.
Esse tipo de opção também demanda mais mão-de-obra do que a agricultura
convencional, por não haver o uso de agrotóxicos o controle das “pragas” emprega
também mais trabalhadores e exige um trabalho atento.
Pelo que foi mostrado até agora concordamos com Raffestin (1980) quando ele diz que
as pessoas são as representações do território que é vivido por elas e que elas podem
transformar este território em algo que gera tensões e conflitos, ou seja, o próprio
território vivido (neste caso, os assentamentos da RMPA e as relações que ocorrem
entre eles e com a sociedade). Tais relações nem sempre serão conflituosas, mas estarão
sujeitas a percalços entre os atores sociais envolvidos. Complementando tal afirmação
do geógrafo francês, Senhorinha (2011) evidencia essa situação ao dizer que:
...em um assentamento em que as famílias que plantam convencional e outras que participam da cadeia há conflitos entre as próprias famílias assentadas. Nos assentamentos em que todas as famílias participam da cadeia o conflito é com os plantadores das áreas vizinhas – arrendatários, os catarinas -...
Por essas razões têm-se verificado que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA) tem exigido dos novos assentados que ocorra a opção pela produção de
forma orgânica dos alimentos (INCRA, 2012). Tal obrigatoriedade demonstra como
atualmente esta alternativa tem dado certo não apenas no Assentamento Integração Gaúcha,
mas em vários outros pertencentes à RMPA e pertencentes à COOTAP, chegando a servir
de modelo para todos os novos assentados no Rio Grande do Sul e no Brasil.
Conclusões Preliminares O trabalho que foi apresentado não foi finalizado ainda, portanto não se pode chegar a
conclusões determinantes e finais com tão pouco tempo de pesquisa. Tentaremos até a
terceira saída de campo realizar o levantamento de dados importantes, tais como: se a
qualidade de vida dos assentados melhorou ou piorou antes e depois da escolha pela
produção do arroz orgânico, se a rentabilidade financeira dos assentados é maior ou
menor no momento atual e qual a percepção desses agricultores sobre essa mudança de
opção nas suas vidas Além disso, a pesquisa de dados ocorreu também na esfera virtual:
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foram consultados arquivos disponíveis online em sites de instituições de assistência
técnica (como a Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos LTDA - COOPTEC) e
de órgãos públicos (o Incra e o IBGE).
Através da percepção das respostas coletadas nas entrevistas, pode-se analisar em parte
como estão ocorrendo os impactos socioespaciais no que tange aos assentados. Tais
resultados irão comprovar ou não se as relações deles com as demais pessoas e com o
meio ambiente estão impactando local ou regionalmente a cadeia produtiva do arroz
como um todo.
Por ter sido realizada apenas uma saída de campo até o presente momento, com a
realização de 5 entrevistas (com 4 agricultores e um técnico da COOPTEC) concluiu-se
até o momento que a percepção social e ambiental dos produtores do arroz orgânico é
profunda – eles se dizem felizes e melhor remunerados agora do que antes de entrarem
na produção ecológica do arroz, além de poderem levar seus filhos desde cedo para a
lavoura, coisa que não acontecia anteriormente devido ao uso de agrotóxicos. O técnico
revelou que há pouca vida selvagem na área de plantio do arroz convencional (flora e
fauna) em comparação com a área de plantio do arroz ecológico e que os agricultores
assentados estão tendo uma vida mais saudável e com menos doença, além de obterem
mais lucro na venda do arroz.
Para finalizar, o fato de em Eldorado existir uma estrutura de comercialização,
assistência técnica (COPTEC e EMATER), agências bancárias, escolas e recursos
médicos, diversas atividades culturais, festas religiosas ,salões de bailes, etc. contribui
para o fato de os assentados não desistirem dos seus lotes com o passar do tempo,
mesmo aqueles que não estão inseridos na produção agroecológica.
Referências CAMPOS, C. S. S. C.; MEDEIROS, R. M. V. Análise territorial da cadeia produtiva do arroz ecológico nos assentamentos da Região Metropolitana de Porto Alegre – resultados preliminares. In: VI Encontro de Grupos de Pesquisa. Presidente Prudente, 2011. COOPTEC. Cooperativa de Prestação de Serviços Técnicos LTDA. CARACTERÍSTICAS AMBIENTAIS DO PROJETO DE ASSENTAMENTO – INTEGRAÇÃO GAÚCHA – ELDORADO DO SUL/RS – Documento Para Confecção de Plano de Recuperação de Assentamento – PRA. Disponivel em: http://www.coptec.org.br. Acesso em: 10, junho, 2012
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DIEL, R. Gestão de Água em Assentamento de Reforma Agrária a partir do Cultivo de Arroz Irrigado / Ricardo Diel. Defesa de Monografia do Centro de Ciências Agrárias / UFSC. Florianópolis, 2009. FILIPPI, E. E. Reforma Agrária: Experiências internacionais de reordenamento agrário e a evolução da questão da terra no Brasil. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2005. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: http://ibge.gov.br. Acesso em 8, junho, 2012. INCRA. Instituto Nacional de Colonização e reforma agrária. Disponível em: http://www.incra.gov.br. Acesso em 10, junho, 2012. MEDEIROS, R. M. V. e LAURENT, F. As redes de agricultores em favor do meio ambiente na França. In MARAFON, G. J.; PESSÔA, V. L. S. Agricultura, desenvolvimento e transformações socioespaciais (Orgs.). Uberlândia: Assis Editora, 2008. MIGUEL, L. A. GRANDO, M. Z (Org.). Agricultura na Região Metropolitana de Porto Alegre: aspectos rurais e contemporâneos. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002. RAFFESTIN, C. Por Uma Geografia do Poder. São Paulo: Editora Khedir, 2011.