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Os Rompedores da Alvoradas Volume II parte 3

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A narrativa de Nabíl, (um dos primeiros adeptos do movimento bahá’í), é uma cuidadosa coleção de fatos feita no interesse da verdade, que foi completada durante a vida de Bahá'u'lláh, e por isto tem um valor incomparável. A edição em português se fez em dois volumes. Arquivo digital em 5 partes.

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CAPÍTULO XXIV

A EEVOLTA DE ZANJÁN

A fagulha que incendiara as grandes conflagrações de Mázindarán e Nayríz já havia inflamado Zanján (1) e suas cercanias quando o Báb encontrou Sua morte em Tabriz. Por profunda que fosse Sua tristeza sobre o lastimável e calamitoso destino que sobreviera os heróis de Shaykh Ta-barsí, a notícia dos sofrimentos não menos trágicos que foram a sorte de Vahíd e seus companheiros, veio como mais um golpe para Seu coração, já oprimido pelo peso de múltiplas aflições. A consciência dos perigos que se espes-savam a Seu redor; a memória da indignidade que Ele su-portou a última vez que foi conduzido a Tabriz; a pressão de um prolongado e rigoroso cativeiro em meio aos forti-ficados recintos das montanhas de Ádhirbáyján; a horrenda carnificina que assinalou as etapas concludentes das revol-tas de Mázindarán e Nayríz; os ultrajes a Sua Fé perpetra-dos pelos perseguidores dos Sete Mártires de Teerã — nem eram estas todas as tribulações que nublaram os dias res-tantes de uma vida que rapidamente minguava. Já estava

(1) Zanján é capital do distrito de Khamsih. "Khamsih é uma pequena província a este de Kaflán-Kúh ou montanha do Tigre, entre o Iraque e Ádhirbáyján. Sua capital, Zanján, é uma cidade formosa, rodeada por muralhas reforçadas por torres como todas as cidades persas. Os habitantes são de raça turca e a língua persa raramente é falada a não ser por empregados do governo. O território circundante está semeado por pequenas aldeias que são bastante prósperas. Tribos poderosas as visitam, principalmente no inverno e na primavera." (Idem, p. 191).

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Ele prostrado diante da severidade desses golpes quando Lhe alcançaram as notícias dos acontecimentos em Zanján, os quais então começavam a prognosticar suas tristes con-seqüências finais, servindo isso para consumar a angústia de Seus últimos dias. Quanta agonia não deve Ele ter su-portado à medida que as sombras da morte rapidamente O cercavam! Em toda área, quer no norte ou no sul, os campeões de Sua Fé foram sujeitados a sofrimentos ime-recidos, havendo sido infamemente enganados, roubados de seus bens e desumanamente massacrados. E agora, como se para encher até transbordar Seu cálice de dores, irrom-peu a tempestade de Zanján, a mais violenta e devastadora delas todas (2).

Procedo agora a relatar as circunstâncias que fizeram daquele evento um dos mais emocionantes episódios na história desta Revelação. Sua figura principal foi Hujját-i-Zanjání, cujo nome era Mullá Muhammad 'Ali (3), um dos

(2) "Nesses anos (D. H. 1266 e 1267), em toda a Pérsia, caiu fogo sobre o teto das casas dos Babis e cada um deles, não importa em qual aldeia estivessem, eram subjugados pelas armas pela mais insigni-ficante suspeita. Mais de quatro mil almas perderam a vida e grande número de mulheres e crianças ficaram sem proteção ou ajuda, desorien-tados, confundidos e finalmente foram subjugados e destruídos." ("A Traveller's Narrative", pp. 47-48).

(3) "Naquela cidade vivia um mujtahid chamado Mullá Muham-mad-'Alíy-i-Zanjání. Era nativo de Mázindarán e foi aluno de um mestre célebre, que tinha o título de Sharífu'1-Ulamá. Muhammad-'Ali concen-trou sua atenção sobre a teologia dogmática e a jurisprudência, che-gando a ser famoso. Os muçulmanos afirmam que em sua função como mujtahid mostrou-se inquieto e turbulento. Nenhuma questão jamais lhe pareceu suficientemente estudada nem devidamente esclare-cida. Seus fatvás repetidos desconcertavam a consciência e confundiam a prática dos fiéis. Ansioso por introduzir modificações, nunca era tolerante nas discussões nem comedido nos debates. Em ocasiões pro-longava sem razão o jejum de Ramadán por motivos que ninguém havia aduzido antes, outras vezes modificava o rito da oração de forma bas-tante revolucionária. Para os pacíficos resultava indesejável e para os tradicionalistas odioso. Admite-se também que havia muitos que o se-guiam considerando-o um santo, louvavam seu zelo e depositavam sua confiança nele. Um juiz imparcial podia reconhecer nele um desses muçulmanos que só o são em aparência e urgidos por uma fé viva e um zelo religioso abundante para os que buscam ansiosamente um campo

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mais capazes dignitários eclesiásticos de sua época e certa-mente um dos mais temidos campeões da Causa. Seu pai, Mullá Rahím-i-Zanjání, foi um dos mais eminentes mujta-hids de Zanján, muito estimado por sua piedade, sua eru-dição e força de caráter. Mullá Muhammad'Alí, cognomi-nado Hujját, nasceu no ano de 1227 A, H. (4). Desde meni-no, mostrou ele tamanha capacidade que seu pai prodiga-lizava cuidados em sua educação. Mandou-o a Najaf, onde ele se distinguiu por sua perspicácia, sua habilidade e seu fogoso ardor (5). Seus conhecimentos e sua aguçada inte-ligência excitaram a admiração de seus amigos, enquanto sua franqueza e força de caráter fizeram-no o terror de seus adversários. Seu pai lhe aconselhou que não regres-sasse a Zanján, onde seus inimigos estavam contra ele conspirando. De acordo com isso decidiu estabelecer resi-dência em Hamadán (6), onde se casou com uma parenta e morou por cerca de dois anos e meio. Veio-lhe então a notícia do falecimento de seu pai, quando resolveu partir para sua cidade natal. A ovação que ele recebeu ao chegar, inflamou a hostilidade dos ulemás, os quais a despeito de sua oposição manifesta, de suas mãos receberam todas as provas de consideração e bondade (7).

propício. Sua desgraça foi que encontrou, ou acreditou encontrar, um uso natural para seus poderes derrubando tradições cuja escassa signi-ficação não justificava semelhante transtorno". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans PAsie Centrale", pp. 191-192).

(4) 1812-1813 A. D. (5) "Entre os 'Ulemás da cidade encontrava-se um homem cha.

mado Akhúnd Mullá 'Abdu-'r-Rahím, renomado por sua piedade. Tinha um filho que vivia em Najáf e em Karbilá onde assistia às aulas do célebre Sharífu'l-'Ulamáy-i-Mázindarání. Este jovem era de espírito bastante inquieto e impaciente com a estreiteza do shiísmo." (A. L. M. Nicolas, "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 332).

(6) "Em seu regresso da Terra Santa deteve-se em Hamadán onde os cidadãos lhe deram uma cordial acolhida e solicitaram encare-cidamente para que ele ficasse". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muham-mad dit le Báb", p. 336).

(7) "Todos os Ulemás da cidade vieram visitá-lo e ao partirem mostravam-se preocupados pelas poucas palavras que ele havia dito e que revelavam uma forma muito moderna de pensar. Na verdade, a atitude do recém-chegado logo provou a estes homens piedosos que suas conjecturas tinham bom fundamento". (Idem).

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Do púlpito do masjid erigido pelos seus amigos em sua honra, exortou a vasta multidão, lá reunida a fim de ouvi-Io, a se abster de excessiva indulgência para consigo pró-prio e a exercer moderação em todos os seus atos (8). Ele suprimiu inexoravelmente toda forma de abuso e pelo seu exemplo animou o povo a aderir rigidamente aos princípios inculcados pelo Alcorão. Com tão grande cuidado e tanta habilidade ensinava ele os discípulos, que estes excederam em conhecimentos e compreensão os reconhecidos ulemás de Zànján. Durante dezessete anos prosseguiu seus labores meritórios e conseguiu purificar as mentes e os corações de seus concidadãos de qualquer coisa que parecesse ser contrária ao espírito e aos ensinamentos de sua Fé (9).

Quando lhe veio a Chamado de Shíráz, ele despachou seu mensageiro fidedigno, Mullá Iskandar para indagar so-bre as pretensões da nova Revelação, tal foi sua resposta a essa Mensagem que seus inimigos foram incitados a re-dobrar contra ele seus ataques. Não havendo podido, antes, desonrá-lo aos olhos do governo e do povo, tentaram agora

(8) "Havia um caravansarai do tempo do Sháh 'Abbás que gra-dualmente se transformou num síghih-khánih (prostíbulo); a fim de evitar a quebra das leis xiitas, um tal Mullá Dúst-Muhammad que havia estabelecido ali sua residência, abençoava as uniões transitórias entre os homens e as pensionistas do estabelecimento. Hujjátu'1-Islám — este foi o título que se auto-denominou este Mullá — ordenou que se fechasse a instituição, casou a maioria destas mulheres e arranjou emprego para as restantes em lugares honrosos. Também mandou açoi-tar um comerciante de vinhos e ordenou que fosse destruída sua casa". (Idem, pp. 332-333).

(9) "Porém não se limitou a isso sua atividade. Sempre preocupa-do por problemas suscitados por uma religião baseada em hadíths que eram freqüentemente contraditórios, causou perplexidade na consciência dos fiéis com estranhos fatvás que transtornavam antigas tradições. Assim, restaurou o hadíth segundo o qual Maomé havia dito: 'O mês de Ramadán sempre é cheio.' Sem investigar a origem daquela tradição e sem averiguar se aqueles que a transmitiram eram dignos de confiança, ordenou que devia ser obedecido literalmente induzindo assim a quem a escutasse que jejuasse no dia Fitr, o que se considerava um pecado grave. Também permitiu que durante a oração as prostrações se fizessem descansando a cabeça sobre uma pedra de cristal. Todas estas inovações lhe carrearam grande número de adeptos que admiravam sua atividade e ciência, porém causaram nojo ao clero oficial cujo ódio, acrescentado mais ainda pela inquietude, não conhecia limites". (Idem, p. 333).

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denunciá-lo como defensor de uma heresia e repudiador de tudo o que havia de sagrado e acariciado no Islã. "Sua reputação pela justiça, piedade, sabedoria e erudição," sus-surravam um ao outro, "tem sido tal que nos era impossível lhe enfraquecer sua posição. Quando chamado a Teerã, na presença de Muhammad Sháh, não conseguiu ele, com sua eloqüência magnética, ganhar sua simpatia e dele fazer um de seus devotados admiradores? Agora, entretanto, haven-do ele tão abertamente se tornado campeão da Causa do Siyyid-i-Báb, podemos seguramente ter sucesso em obter do governo a ordem para sua apreensão e seu banimento de nossa cidade."

Assim redigiram uma petição a Muhammad-Sháh, na qual tentaram, por meio de todo ardil que suas mentes ma-lévolas e astuciosas puderam inventar, desacreditar seu nome. "Enquanto ainda se professando seguidor de nossa Fé," queixaram-se eles, "com a ajuda de seus discípulos ele tem podido repudiar nossa autoridade. Agora que se iden-tificou com a causa do Siyyid-i-Báb e converteu àquele odioso credo dois terços da população de Zanján, que hu-milhação não infligirá ele a nós! A multidão que se aglo-mera nos seus portões não mais cabe no masjid inteiro. Tal é sua influência que o masjid que pertencia a seu pai e aquele que foi erigido em sua honra foram ligados, tor-nando-se um só edifício a fim de acomodar a sempre cres-cente congregação que se apressa avidamente para segui-lo na oração. Aproxima-se o tempo rapidamente quando não só Zanján, como também as aldeias vizinhas haverão se de-clarado seus aderentes."

O Xá muito se admirou do tom e da linguagem em que os peticionários tentaram acusar Hujját. Participou seu es-panto a Mírzá Nazar-'Ali, o Hakím-Báshí, e se lembrou do fervoroso tributo que muitos visitantes a Zanján prestaram às habilidades e integridade do acusado. Decidiu chamá-lo, juntamente com seus opositores, a Teerã. Em uma reunião especial que ele próprio, juntamente com Hájí Mírzá Áqásí e os principais oficiais do governo, bem como alguns dos ulemás reconhecidos convocaram, pediu que os dirigentes eclesiásticos de Zanján vindicassem as queixas que haviam

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avançado. Quaisquer perguntas que eles a respeito dos en-sinamentos de sua Fé, fizessem a Hujját, ele respondia de um modo que não pudesse deixar de ganhar a admiração incondicional de seus ouvintes e estabelecer a confiança do soberano em sua inocência. O Xá expressou sua plena sa-tisfação e recompensou Hujját amplamente pela excelente maneira com que conseguira refutar as alegações de seus inimigos. Ordenou-lhe que regressasse a Zanján e continuas-se seus valiosos serviços à causa de seu povo, asseguran-do-lhe que sob todas as circunstâncias lhe daria seu apoio e pedindo que lhe informasse de qualquer dificuldade com que ele talvez tivesse que se defrontar no futuro (10).

Sua chegada em Zanján foi sinal para uma explosão feroz da parte de seus humilhados opositores. À medida que sua hostilidade se multiplicava, as provas de devoção por parte dos amigos e defensores aumentava em grau cor-respondente (11). Inteiramente desdenhoso de suas maqui-nações, prosseguia com inalterável zelo as atividades (12).

(10) "Hujját veio e mediante a cortesia de sua atraente perso-nalidade, logo conquistou a todos que o conheciam, inclusive Sua Ma-jestade. Certo dia, conta uma história, encontrava-se no palácio do Sháh com vários de seus colegas quando um deles, um 'Ulemá de Káshán, pegou um documento e solicitou ao rei que o firmasse com o selo real. Era um decreto que concedia certos estipêndios. Hujját pôs-se de pé e denunciou amargamente a um clero que mendigava pensões ao governo. Lançou mão dos hadíths e do Alcorão para mostrar quão vergonhosa era esta prática que havia começado com os Báni-Umayyih. Seus colegas ficaram fora de si de raiva, porém o Sháh, muito contente com tanta franqueza, o presenteou com um cajado e um anel e o auto-rizou a regressar a Zanján". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Muhammad Ali dit le Báb", pp. 333-4).

(11) "Os habitantes de Zanján vieram em multidão encontrá-lo e ofereceram em sacrifício bois, ovelhas e galinhas. No centro do cortejo havia doze meninos, cada um deles de doze anos de idade, com um lenço vermelho amarrado no pescoço, numa demonstração de que estavam dispostos a sacrificar tudo o que tinham. Foi uma entrada triunfal". (Idem, p. 334).

(12) "Transformou seus discípulos em modelos de virtude e mo-deração; daqui para a frente os homens saciariam sua sede na fonte da vida espiritual. Jejuavam durante três meses, alongavam suas ora-ções agregando todos os dias uma inovação de Já'far-i-Tayya'r, faziam uma vez por dia suas abluções com a água de Qur (medida legal de pureza) e finalmente às sextas-feiras iam às mesquitas". (Idem, p. 334).

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Os princípios liberais que ele destemida e incessantemente promovia atacaram pela própria raiz a estrutura que um inimigo intolerante havia laboriosamente erigido. Presen-ciaram com fúria impotente o rompimento de sua própria autoridade e o colapso de suas instituições.

Foi nesses dias que seu emissário especial, Mashhadí Ahmad, que fora despachado confidenciaimente a Shíráz com uma petição e presentes para o Báb, chegou em San-ján e lhe entregou nas mãos enquanto ele discursava aos discípulos, uma carta lacrada de seu Bem-Amado. Na Epís-tola recebida, o Báb lhe conferiu um de Seus próprios tí-tulos, o de Hujját, e lhe solicitou que proclamasse do púl-pito, sem a mínima reserva, os ensinamentos fundamentais de Sua Fé. Assim que foi informado dos desejos de seu Mestre, ele imediatamente declarou sua resolução de se de-dicar à pronta execução de qualquer injunção contida na Epístola. Dissolveu logo a classe, ordenando que os discípu-los fechassem os livros, e declarou sua intenção de encer-rar seus cursos de estudo. "De que proveito," disse ele, "são estudo e pesquisas para aqueles que já encontraram a Ver-dade e por que se esforçar para adquirir erudição quando Aquele que é o Objeto de todo o conhecimento se mani-festa?"

Assim que tentou dirigir a congregação em oferecer a oração de sexta-feira, segundo o Báb (13) lhe solicitara, o Imám-Jum'ih, que havia até então cumprido esse dever, protestou veementemente, asseverando ser esse direito o

(13) "Finalmente pronunciou em voz clara a oração das sextas-feiras que deve ser recitada quando chegar o Imame, em lugar da que se utiliza diariamente. Depois deu a conhecer certos números de pala-vras do Báb e concluiu com as seguintes palavras: 'A meta pelo qual venho lutando neste mundo, está alcançada, livre de véus e obstáculos. O Sol da Verdade amanheceu e as luzes da imaginação e imitação estão extinguidas. Fixem vossos olhos sobre o Báb e não sobre mim que sou o mais humilde de seus escravos. Minha sabedoria em comparação com a Sua é como um pavio apagado ante o sol do meio-dia. Conheça Deus por Deus e ao sol por seus raios. Eis aqui, hoje apareceu o Sáhibu'z-Zamán, o Sultán das Possibilidades'. Não há como descrever o que estas palavras causaram de profunda impressão no auditório. Quase todos aceitaram esta mensagem e conversaram entre si a respeito da verdadeira natureza do Báb". (Idem, p. 335).

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exclusivo privilégio de seus próprios antecessores, a ele conferido pelo seu soberano, direito esse que ninguém, por mais exaltada sua posição, podia usurpar. "Esse direito," retorquiu Hujját, "foi superado pela autoridade da qual o próprio Qa'im me investiu. Ele ordenou que eu assumisse publicamente essa função, e não posso permitir que qual-quer pessoa infrinja esse direito. Se eu for agredido, toma-rei medidas para me defender e para proteger as vidas de meus companheiros."

Sua destemida insistência no dever que lhe fora impos-to pelo Báb fez os ulemás de Zanján aliarem-se com o Imám-Jum'ih (14) e levaram suas queixas a Haji Mírzá Áqásí, diante de quem argüiram que Hujját desafiara a va-lidade de reconhecidas instituições e lhes espezinhara os direitos. "Devemos fugir desta cidade com nossas famílias e nossos pertences," insistiam, "e deixar a seu cuidado ex-clusivo os destinos de seu povo, ou obter de Muhammad Sháh um édito para sua imediata expulsão deste país, pois acreditamos firmemente que estaríamos solicitando desgra-ça se permitíssemos que ele ficasse sobre seu solo." Em-bora Haji Mírzá Áqásí nutrisse no coração desconfiança da ordem eclesiástica de seu país e tivesse uma aversão natural para suas crenças e práticas, ele foi forçado afinal a submeter a questão a Muhammad Sháh, que ordenou a transferência de Hujját de Zanján para a capital.

Um curdo, de nome Qilíj Khán, foi pelo Xá incumbido de entregar o chamado real a Hujját. O Báb neste entre-mentes chegara na vizinhança de Teerã em Seu caminho para Tabríz. Antes da chegada do mensageiro real em Zan-ján, Hujját enviara um dos amigos, um certo Khán-Mu-hammad-i-Túb-Chí, a seu Mestre com uma petição na qual solicitava lhe fosse permitido salvá-Lo das mãos do inimi-go. O Báb assegurou-lhe que Sua salvação o Todo-Poderoso tão somente poderia realizar e que ninguém podia escapar de Seu decreto ou se evadir de Sua lei. "Quanto a vosso en-

(14) "A conversão de Mullá Muhammad-'Alí e seus numerosos partidários terminaram por fazer perder a paciência do Imán-Jum'ih e de Shaykhu'1-Islám. Escreveram cartas furiosas à Sua Majestade que respondeu fazendo prender o culpado". (Idem, p. 336).

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contro Comigo," acrescentou, "este breve haverá de se rea-lizar no mundo do além, na morada de imperecível glória."

No dia em que Hujját recebeu essa mensagem, Qilíj Khán chegou em Zanján, lhe informou das ordens recebi-das e partiu, acompanhado por ele, para a capital. Sua che-gada em Teerã coincidiu com a partida do Báb da aldeia de Kulayn, onde Ele fora detido por alguns dias.

As autoridades, apreensivas de que um encontro entre o Báb e Hujját causasse novas comoções, haviam tomado as precauções necessárias para assegurar a ausência de Hujját de Zanján durante a passagem do Báb pela cidade. Os companheiros que estavam seguindo Hujját a alguma distância em seu caminho à capital foram por ele solicita-dos a regressar e tentar encontrar seu Mestre e lhe assegu-rar de sua prontidão para vir livrá-Lo. Enquanto de volta a seus lares, encontraram o Báb, que expressou novamen-te Seu desejo de que nenhum de Seus amigos tentasse li-bertá-Lo de Seu cativeiro. Até ordenou que dissessem aos crentes entre seus concidadãos que não se aproximassem Dele e sim O evitassem onde quer que estivesse.

Mal essa mensagem fora entregue àqueles que haviam saído para lhe dar boas vindas no momento de Sua Apro-ximação da cidade, quando começaram a lamentar e deplo-rar sua sorte. Não puderam, entretanto, resistir ao impulso que os impelia a sair a Seu encontro, esquecidos do desejo por Ele expresso.

Logo que foram encontrados pelos guardas que mar-chavam na dianteira de seu Cativo, foram ímpiedosamente dispersos. Quando alcançaram uma bifurcação da estrada, surgiu uma altercação entre Muhammad Big-i-Chápárchí e seu colega, que havia sido despachado de Teerã para ajudar a conduzir o Báb a Tabríz. Muhammad Big insistia que seu Prisioneiro fosse levado à cidade, onde lhe seria permitido passar a noite no caravançarai de Mirzá Ma'sum-i-Tabíb, pai de Mírzá Muhammad-'Alíy-i-Tabíb, mártir da Fé, antes de continuar sua marcha para Adhirbáyján. Alegou que se passassem a noite fora do portão, estariam expondo suas vidas a perigo e animando os opositores a tentar um ataque contra eles. Conseguiu afinal, convencer o colega de que

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devesse conduzir o Báb àquele caravançarai. Quando pas-savam pelas ruas, espantaram-se ao ver a multidão que se apinhara nos telhados das casas, tão grande era sua ansie-dade de obter um vislumbre da face do Prisioneiro.

Mírzá Ma'súm, antigo dono do caravançarai, havia morrido recentemente, e seu filho mais velho, Mírzá Mu-hammad-'Alí, o mais eminente médico de Hamadán quem, embora não um crente, tinha amor sincero pelo Báb, che-gara em Zanján e estava de luto pelo seu pai. Ele recebeu o Báb amorosamente no caravançarai que ele, com cuidado especial, preparara antecipadamente para Sua recepção. Até tarde naquela noite permaneceu em Sua presença, aceitan-do incondicionalmente a Sua Causa.

"Naquela mesma noite que testemunhou minha conver-são," eu o ouvi relatar subseqüentemente, "levantei-me an-tes do amanhecer, acendi minha lanterna e, precedido pelo servo de meu pai, dirigi meus passos ao caravançarai. Os guardas que estavam estacionados na entrada, reconhecen-do-me, permitiram que eu entrasse. O Báb estava fazendo Suas abluções quando fui conduzido a Sua presença. Im-pressionou-me muito vê-lo absorto em Suas devoções. En-cheu-me o coração um sentimento de júbilo reverente, en-quanto atrás Dele eu permanecia, orando. Preparei, eu mes-mo, Seu chá e quando O estava lhe oferecendo, Ele me so-licitou que partisse para Hamadán. 'Esta cidade/ disse Ele. 'será precipitada em grande tumulto e em suas ruas corre-rá sangue.' Expressei meu forte desejo de ser permitido a derramar meu sangue em Seu caminho. Assegurou-me Ele que não viera ainda a hora de meu martírio e me disse que eu me resignasse a qualquer coisa que fosse decretada por Deus. Na hora do nascer do sol, enquanto Ele montava Seu cavalo e se preparava para partir, Lhe implorei, que me deixasse segui-Lo, mas Ele aconselhou-me que ficasse e me assegurou Suas orações infalíveis. Resignando-me a Sua vontade, com pesar eu O via desaparecer de minha vista."

Ao chegar em Teerã, Hujját foi conduzido à presença de Hájí Mírzá Áqásí que, em nome do Xá e em seu pró-prio, expressou seu aborrecimento por causa da intensa hostilidade que sua conduta levantara entre os ulamás

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de Zanján. "Muhammad Sháh e eu," disse-lhe, "somos con-tinuamente assediados por denúncias verbais e por escrito contra vós. Dificilmente pude acreditar em sua acusação relativa ao vosso abandono da Fé de vossos antepassados. Nem se inclina o Xá em tais asserções. Ele mandou que eu vos chamasse a sua capital e induzisse a refutar essas acusações. Entristece-me ouvir que um homem que consi-dero infinitamente superior em conhecimento e habilidade ao Siyyid-i-Báb quis identificar-se com seu credo." "Não é assim," respondeu Hujját, "Deus sabe que, se esse mesmo Siyyid fosse confiar a mim o mais humilde serviço em seu lar, isso eu julgaria uma honra tal que os mais altos favo-res de meu soberano jamais poderiam esperar exceder." "Isso nunca pode ser!" bradou Hájí Mirzá Áqásí. "É minha firme e inalterável convicção," reafirmou Hujját, "que esse Siyyid de Shíráz é, em verdade, Aquele cujo advento vós mesmo como todos os povos do mundo, estais ansiosamen-te esperando. Ele é nosso Senhor, nosso prometido Salva-dor."

Hájí Mírzá Áqásí relatou isso a Muhammad-Sháh, a quem expressou seus receios de que, fossem permitir tão temível adversário — julgado pelo próprio soberano o mais hábil dos ulemás de seu reino — prosseguir irrestritamente o curso de suas atividades, seria esta uma política que acarretava o mais grave perigo ao Estado. O Xá, não favo-rável a dar crédito a tais relatos, atribuindo-os à malícia e inveja dos inimigos do acusado, ordenou convocar uma reunião especial na qual se lhe pediria que vindicasse sua posição em presença dos ulemás reunidos da capital.

Houve várias reuniões com esse propósito, em cada uma das quais Hujját expôs com eloqüência as pretensões básicas de sua Fé, confundindo os argumentos daqueles que tentaram lhe fazer oposição. "Não é a seguinte tradi-ção," declarou ele audazmente, "reconhecida de modo igual pelo islã xiita e pelo sunita: — 'Deixo entre vós meus tes-temunhos gêmeos, o Livro de Deus e minha família?' — Em vossa opinião, não passou o segundo destes testemu-nhos, e não é nosso único meio de guia em conseqüência, contido no testemunho do Livro Sagrado? Solicito-vos a

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medir toda pretensão avançada por qualquer um de nós, pelo padrão estabelecido naquele Livro, e considerá-lo a autoridade suprema pela qual pode ser julgada a justeza de nosso argumento." Não podendo defender a questão con-tra ele, se aventuraram a pedir-lhe, como último recurso, que apresentasse um milagre para estabelecer a verdade de sua asserção. "Qual o milagre maior," exclamou ele, "do que o de haver Ele me dado o poder de triunfar, só e sem auxílio, pela simples força de meu argumento, contra as hostes combinadas dos mujtahids e ulemás de Teerã?"

A maneira magistral de Hujját, em refutar as insegu-ras pretensões avançadas pelos seus adversários ganhou-lhe o favor de seu soberano, não mais sendo ele, desde aquele dia, dominado pelas insinuações de seus inimigos. Embora a inteira companhia dos ulemás de Zanján, bem como mui-tos dos dirigentes eclesiásticos de Teerã, o tivessem decla-rado um infiel e condenado à morte, Muhammad Sháh continuou, entretanto, a lhe conferir seus favores e lhe assegurar que podia contar com seu apoio. Hájí Mírzá Áqá-sí, embora não fosse de coração amigo de Hujját, não podia, em face dessas inquestionáveis evidências de favor real, resistir abertamente a sua influência e, com suas freqüentes visitas a sua casa e os presentes que com profusão lhe dava, aquele insincero ministro procurava esconder seu ressentimento e sua inveja.

Hujját era virtualmente prisioneiro em Teerã. Não podia transpor os portões da capital, nem lhe era permi-tido livre contato com os amigos. Os crentes entre seus concidadãos resolveram, afinal, enviar uma delegação para lhe pedir novas instruções sobre sua atitude para com os princípios e leis de sua Pé. Ele os incumbiu de observar com lealdade absoluta as admoestações recebidas do Báb por intermédio dos mensageiros que ele mandara investigar Sua Causa. Enumerou uma série de preceitos alguns dos quais constituíam uma bem definida divergência das tradi-ções estabelecidas do Islã. "Siyyid Kázim-Zanjání", ele lhes assegurou, "estava intimamente associado a meu Mestre tanto em Shiráz, como em Isfáhán. Ele, como também

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Mullá Iskandar e Mashhadí Ahmad, ambos os quais mandei ao Seu encontro, tem declarado positivamente ser Ele próprio o primeiro a praticar os preceitos que impôs aos fiéis. Com-pete pois, a nós que somos Seus aderentes, seguir-Lhe o nobre exemplo."

Assim que essas explícitas instruções foram lidas a seus companheiros, eles se tornaram inflamados com um desejo irresistível de aceder a sua vontade. Entusiasticamente assu-miram a tarefa de executar as leis da nova Dispensação e, abandonando os costumes e práticas anteriores, sem a míni-ma hesitação se identificaram com suas pretensões. Até crianças pequenas eram encorajadas a seguir escrupulosa-mente as admoestações do Báb. "Nosso bem-amado Mestre", eram ensinadas a dizer, "é, Ele Próprio o primeiro a praticá-las. Por que devemos nós, que somos Seus discípulos privi-legiados, hesitar em fazê-las os princípios dominantes de nossas vidas?".

Hujját era ainda cativo em Teerã quando lhe veio a notícia do assédio do forte de Tabarsí. Ardentemente dese-java ele, e deplorava isto lhe ser impossível, compartir da sorte de seus companheiros que com tão esplêndido heroísmo lutavam pela emancipação de sua Fé. Seu consolo único na-queles dias era sua estreita associação com Bahá'u'lláh, de quem ele recebeu o poder sustentador que lhe possibilitou, em época subseqüente, distinguir-se por façanhas não menos notáveis do que aquelas manifestadas por essa companhia nas horas mais tenebrosas de sua memorável luta.

Ele estava ainda em Teerã quando Muhammad Sháh faleceu, deixando o trono a seu filho Násiri'd-Dín Sháh (15). O Amír-Nizám, o novo Grão-Vizir, decidiu tornar mais rigo-rosa a prisão de Hujját e, neste ínterim, procurar um meio de destruí-lo. Esse cativo, ao ser informado da iminência do perigo que lhe ameaçava a vida, resolveu sair disfarçado de

(15) "Esteve em Teerã até o dia em que, depois da morte de Muhammad Sháh, Násiri'd-Dín Mirzá, agora Násiri'd-Dín Sháh, no-meou como governador de Zanján a um de seus tios, Amír Arslán Khán Majdu'd-Dawlih, que era Ishíq Ághásí do palácio". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid 'Alí-Muhammad dit le Báb", p. 337).

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Teerã e se juntar aos companheiros, que ansiosamente aguardavam sua volta.

A chegada em sua cidade natal, ao ser anunciada aos companheiros por um certo Karbilá'í Valí-'Attar, foi sinal para uma tremenda demonstração de devotada lealdade por parte de seus numerosos admiradores. Aglomeraram-se ho-mens, mulheres e crianças para lhe dar boas vindas e reno-var seus protestos de duradouro e inalterável afeto (16). O governador de Zanján, Majdu'd-Dawlih (17), tio materno de Násíri'd-Dín Sháh, assombrado diante da espontaneidade dessa ovação ordenou, na fúria de seu desespero, que a lín-gua de Karbilá'í Valí-Attár fosse de imediato arrancada. Embora de coração detestasse Hujját, ele fingia ser seu amigo que desejava seu bem. Visitava-o freqüentemene, mostrando-lhe consideração sem limites e, no entanto, se-

d e ) "Teve uma entrada triunfal em sua cidade natal. Agora que ele era um Babí somaram às suas antigas amizades os seguidores da nova doutrina. Grande número de homens, gente rica e respeitada, militares, comerciantes e inclusive Mullás vieram a seu encontro quando se achava a uma distância de uma ou duas jornadas e o escoltaram à sua casa, não como a um exilado que regressa, não como um suplicante que só busca o descanso nem tampouco como um rival o suficientemente forte como para demandar respeito, senão que entrou como um amo". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans l'Asie Centrale", p. 193). "O autor de Násikhu't-Taváríkh' em pessoa reco-nheceu que um bom número de cidadãos de Zanján e entre eles oficiais de alta patente, viajaram uma distância de duas jornadas para encon-trá-lo. Foi recebido como um conquistador e muitas cabeças de gado foram sacrificadas em sua honra. Nenhum de seus adversários se atreveu a perguntar por que havia saído de Teerã para regressar a Zanján; o Islán se viu severamente posto à prova já que os Zanjánís não vacilaram em ensinar a nova doutrina por toda a cidade. O autor muçulmano fez notar que os zanjánís eram pessoas sensíveis e por este motivo caíram facilmente na armadilha; contradizendo-se, no en-tanto, disse que só os velhacos, os que ansiavam bens terrenos e os ímpios se congregaram ao redor do novo chefe. No entanto eram bas-tante numerosos e de acordo com seu relato alcançavam quinze mil, o que parece ser uma cifra exagerada". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", pp. 337-338).

(17) "Majdu'd-Dawlih, o governador da cidade, que era um ho-mem severo e cruel, se enfureceu ao ver o regresso de uma pessoa tão revoltante como Hujját, por isso ordenou que Muhammad Bik fosse açoitado e que fosse arrancada a língua de Karbilá'í Vali". (Idem, p. 337).

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cretameníe estava conspirando contra sua vida e aguardan-do o momento em que lhe pudesse infligir o golpe fatal.

Essa hostilidade latente seria breve transformada até romper em chama, por um incidente que era em si, de pou-ca importância. Forneceu a ocasião, uma briga repentina entre duas crianças de Zanján, uma das quais era de um parente de um dos companheiros de Hujját. O governador de imediato mandou apreender a criança e a confinar estri-tamente. Uma quantia foi oferecida ao governador pelos crentes, a fim de induzi-lo a libertar seu jovem prisioneiro. Ele recusou a oferta quando, então queixaram-se a Hujját, que protestou veementemente. "Essa criança," escreveu ele ao governador, "é nova demais para ser considerada respon-sável pela sua conduta. Se merece castigo é seu pai e não a criança, que se deve fazer sofrer."

Vendo que o apelo não fora atendido, renovou ele seu protesto e o entregou às mãos de um de seus amigos, ho-mens de influência, Mir Jalíl, pai de Siyyid Ashraf e már-tir da Fé, incumbindo-o de apresentá-lo pessoalmente ao governador. Os guardas estacionados na entrada da casa recusaram de início, admiti-lo. Indignado com isso, ele ameaçou forçar acesso pelo portão e conseguiu superar-lhes a resistência pela simples ameaça de desembainhar a espada e o governador enfurecido, foi obrigado a libertar a criança.

O fato de o governador haver acedido incondicional-mente a demanda de Mir Jalíl provocou a furiosa indigna-ção dos ulemás. Protestaram violentamente, reprovando sua submissão às ameaças com as quais os oponentes haviam tentado intimidá-lo. Expressaram-lhe seu receio de que, por haver ele assim cedido, seriam encorajados a exigir dele ainda mais, e habilitados assumir, dentro em breve, as rédeas da autoridade e excluí-lo de participar na adminis-tração do governo, induziram-no afinal, a autorizar a prisão de Hujját, convencidos de qüe com este ato se pudesse deter o progresso de sua influência.

O governador, com relutância, consentiu. Repetidamen. te asseguravam-lhe os ulemás que sua ação em nenhuma circunstância viria a pôr em perigo a paz e segurança da

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cidade. Dois de seus aderentes, Pahlaván(18) Asadulláh e Pahlaván Safar-'Ali, sendo ambos notórios por sua brutali-dade e sua força prodigiosa, ofereceram-se para prender Hujját e entregá-lo algemado ao governador. A cada um se prometeu uma generosa recompensa em retribuição desse serviço. Vestidos em sua armadura, com capacetes nas ca-beças, e lhes seguindo um bando de rufiões recrutados dentre os mais degradados da população, partiram para executar seu propósito. Os ulemás neste ínterim estavam diligentemente ocupados em incitar a população e animá-la a redobrar os esforços.

Logo que os emissários chegaram no bairro em que Hujját residia, defrontaram-se inesperadamente com Mir Saláh, um de seus mais temerosos adeptos que, juntamen-te com sete de seus companheiros armados, fez forte opo-sição ao avanço deles. Perguntou a Asadu'lláh onde ia e ao receber dele uma resposta insultante, desembainhou a es-pada e, com o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" (19), saltou em cima dele e lhe feriu na testa. A audácia de Mír Saláh a despeito da armadura pesada que o adversário usava, assustou o bando inteiro, causando sua fuga em várias di-reções (20).

O brado que aquele intrépido defensor da Fé levantou nesse dia foi ouvido pela primeira vez em Zanján — um brado que espalhou pânico pela cidade. O governador, ate-morizado por sua força tremenda, perguntou o que poderia significar aquele brado e de quem foi a voz que o pudera levantar. Ficou gravemente agitado quando lhe disseram que era a senha dos companheiros de Hujját, com a qual pediam a assistência do Qa'im na hora da angústia.

Os remanescentes daquele bando amedrontado pouco depois, encontraram Shaykh Muhammad-i-Túb-Chí, a quem reconheceram imediatamente como um de seus mais hábeis adversários. Vendo-o desarmado caíram sobre ele e com

(18) Veja glossário. (19) Veja glossário. (20) "Ao ver o espetáculo os muçulmanos fugiram e o homem

ferido foi cuidado pela tia de Mír Saláh em sua própria casa". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 341).

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um machado que um deles levava, golpearam-no, ferindo-lhe a cabeça. Levaram-no ao governador e mal haviam dei-tado o homem ferido, quando certo Siyyid Abu'1-Qásin, um dos mujtahids de Zanján o qual estava presente, se preci-pitou contra ele com o canivete e o apunhalou no peito. O governador também desembainhou a espada, lhe bateu na boca e foi seguido pelos atendentes que, com as armas a seu dispor, consumaram o assassinato de sua desventurada vítima. Enquanto sobre ele choviam seus golpes, ouviram-no, inconsciente de seus sofrimentos, dizer: "Agradeço-Te, ó meu Deus, por me haveres concedido a coroa do martí-rio." Ele foi o primeiro entre os crentes de Zanján a ofer-tar a vida no caminho da Causa. Sua morte, ocorrida na sexta-feira, dia quatro de Rajab, no ano de 1266 A. H. (21), precedeu por quarenta e cinco dias o martírio de Vahíd e por cinqüenta e cinco dias, o do Báb.

O sangue que naquele dia se derramou, longe de apa-ziguar a hostilidade do inimigo, serviu para, ainda mais, lhe inflamar as paixões, para lhe reforçar a determinação de sujeitar ao mesmo destino o restante dos companheiros. Encorajados pelo fato de que a tácita aprovação do gover-nador fora dada as suas intenções expressas, resolveram tru-cidar todos aqueles em que pudessem pôr as mãos, sem antes obterem a expressa autorização dos oficiais do gover-no. Comprometeram-se solenemente entre si a não descan-sar antes de haverem extinguido o fogo daquilo que consi-deravam uma vergonhosa heresia (22). Forçaram o gover-nador a mandar um pregoeiro proclamar por todo o Zanján que quem quisesse pôr em perigo sua vida, deixar serem confiscados seus bens, expor a esposa e os filhos à miséria e à vergonha, poderia aliar-se a Hujját e seus companhei-ros; e aqueles que desejavam assegurar seu próprio bem-

(21) 16 de maio de 1850 A. D. (22) "O governador e os ulemás escreveram informes à Sua Ma-

jestade nos quais se fazia evidente seu temor e perplexidade. O Sháh que apenas havia terminado com a guerra em Mázindarán e furioso ante a idéia de outra rebelião em seu império, alertado por seu filho Sadr-i-A'zám e os ulemás, que haviam declarado a guerra santa deu ordens para matar os Babís e saquear suas possessões. Foi numa sexta-feira, três de Rajab que a ordem chegou a Zanján". (Idem, pp. 342 343).

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estar e honra, bem como o de suas famílias, deveriam re-tirar-se da vizinhança em que residiam aqueles companhei-ros e procurar o abrigo da proteção do soberano.

Essa advertência, de imediato, dividiu os habitantes em dois grupos distintos e severamente pôs à prova a fé dos que não estavam firmes ainda em sua lealdade à Causa. Deu origem às mais comovedoras cenas, causou a separa-ção de pais e filhos, a alienação de irmãos e de outros pa-rentes. Todo laço de afeto terreno parecia dissolver-se nesse dia, e as promessas solenes foram rejeitadas a favor de uma lealdade mais poderosa e mais sagrada do que qualquer lealdade deste mundo. Zanján caiu vítima da mais frenética agitação. O grito de angústia que membros de famílias divi-didas levantavam ao céu em um frenesi de desespero, con-fundia-se com as blasfemas vociferações que um inimigo ameaçador lhes arremessava. Exclamações de júbilo a todo momento saudavam aqueles que, desprendendo-se de seus lares e parentes, se alistavam como espontâneos defenso-res da Causa de Hujját. O acampamento do inimigo zumbia de febril atividade em preparação para a grande luta na qual eles haviam secretamente resolvido entrar. Precipita-ram-se a mandar das aldeias vizinhas reforços para a ci-dade, segundo ordens do governador, e animados pelos mujtahids, siyds e ulemás que o apoiaram (23).

Imperturbável diante do crescente tumulto, Hujját su-biu ao púlpito e, erguendo a voz, proclamou à congregação: "A mão da Onipotência neste dia, separou a verdade da falsidade e dividiu a luz da guia, das trevas do erro. Não consinto a que vós sofrais algum mal por minha causa. O objetivo único do governador e dos ulemás que o apoiam, é me apreender e me matar. Não nutrem outra ambição. Têm sede de meu sangue e não procuram outro, além de

(23) "Tudo era incrível confusão. Os muçulmanos corriam deses-perados de uma parte à outra, buscando as suas esposas> seus filhos e seus bens. Iam e vinham como enlouquecidos, aniquilados, chorando sobre o que tinham que abandonar. As famílias se dividiam, os pais rechaçavam seus filhos, mulheres a seus maridos e filhos a suas mães. Casas inteiras ficavam desertas por causa da grande precipitação e o governador enviou soldados às aldeias vizinhas para obter novos recrutas para a guerra santa". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 342).

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mim. Qualquer um entre os que sinta o menor desejo de salvaguardar sua vida contra os perigos que nos cercam, qualquer um que hesite em oferecer a vida por nossa Causa — que ele, antes de ser tarde demais, se retire deste lugar e volte para aquele donde veio (24)."

Nesse dia mais de três mil homens foram recrutados das aldeias circunvizinhas de Zanján pelo governador. Nes-te ínterim Mír Saláh, acompanhado por alguns de seus companheiros, tendo observado a crescente agitação de seus oponentes, procurou a presença de Hujját e o exortou, como medida de precaução, a transferir sua residência ao forte de Alí-Mardán Khán (25), adjacente ao bairro em que

(24) "Os Babís, por sua parte, não ficaram: inativos. Organiza-ram-se para sua própria proteção. Hujját os exortava a jamais ataca-rem, porém sempre se defenderem. "Irmãos", costumava dizer-lhes, "não se envergonhem de mim. Não creiam que por ser companheiros do Sáhibu'z-Zamán devam conquistar o mundo mediante a espada. Tomo a Deus por testemunha; serão mortos, serão queimados e enviarão suas cabeças de cidade em cidade. A única vitória que os espera é o sacri-fício de vocês, de suas esposas e de suas propriedades. Deus sempre tem decretado que em todas as idades o sangue dos crentes há de ser o azeite da lâmpada da religião. Ouviram falar das torturas que supor-taram os santos mártires de Mázindarán. Morreram porque afirmaram que o Mihdí prometido havia chegado. Eu lhes digo, quem quer que não tenha a fortaleza para suportar semelhante tortura, que siga outro caminho porque nós teremos de suportar o martírio. Não está por acaso o nosso mestre em seu poder? (Idem, pp. 342-343).

(25) "Imagine-se leitor numa cidade persa. As ruas são estreitas e medem quatro ou cinco pés de largura. A superfície sem calçamento tem tantos buracos que é preciso andar com cuidado para não quebrar uma perna. As casas que carecem de janelas para a rua, apresentam muralhas de ambos os lados, ininterruptas que em geral alcançam mais ou menos quinze pés de altura sobre a qual tem um terraço sem varanda, em algumas ocasiões coroada por um bálá-Khánih ou pavilhão aberto que é em geral, um sinal de uma casa rica. Tudo isto é feito de adobe ou tijolos cozidos ao sol. As colunas são feitas de tijolos cozidos no forno. Este tipo, que é antiquíssimo e estava em uso in-clusive em épocas remotas na Mesopotamia, tem muitas vantagens: é barato, é saudável e se adapta a planos modestos ou pretenciosos; pode ser uma casa pequena ou um palácio totalmente recoberto por mosaicos, pinturas brilhantes e ornamentos de ouro. Porém, como sempre neste mundo, tantas vantagens tem também seu lado ruim: a facilidade com que essas habitações se desmoronam. Não é necessário usar balas de

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ele morava. Hujját deu seu consentimento e ordenou que as mulheres e crianças, com as provisões necessárias, fos-sem levadas ao forte. Embora estivesse ocupado pelos donos, os companheiros induziram-nos afinal a se retirarem, dando-lhes em troca as casas em que eles mesmos haviam residido.

O inimigo entrementes se preparava para lançar contra eles um ataque violento. Mal um destacamento de suas for-ças abrira fogo contra as barricadas levantadas pelos com-panheiros, quando Mír Rida, um siyyid de excepcional co-ragem pediu a seu líder que lhe permitisse tentar apre-ender o governador e trazê-lo preso ao forte. Hujját, não consentindo com esse pedido, lhe aconselhou que não ar-riscasse a vida.

Tão acabrunhado de medo estava o governador ao ser informado da intenção desse siyyid, que decidiu sair ime-diatamente de Zanján. Foi dissuadido de tomar tal medida entretanto, por um certo siyyid que argüia que sua partida seria sinal para tão graves distúrbios, que o desonrariam aos olhos de seus superiores. O próprio siyyid, como evi-dência de sua sinceridade, partiu para lançar uma ofensiva contra os ocupantes do forte. Mal dera ele o sinal para o ataque e começara a avançar na vanguarda de um bando de trinta de seus companheiros, quando inesperadamente, encontrou com dois de seus adversários, os quais marcha-vam em sua direção com as espadas desembainhadas. Acre-ditando que eles pretendiam assaltá-lo, ele com seu bando inteiro foram de repente tomados de pânico, voltou imedia-

canhão, a chuva, se não se tem cuidado, por si só basta. É assim que podemos visualizar estes lugares famosos cobertos, de acordo com a tradição, por imensas cidades que nada sobra exceto as ruínas de tem-plos, palácios e montículos dispersos sobre a planície.

"Em poucos anos desaparecem distritos completos sem deixar ves-tígios se não são feitas reparações constantes nas casas. Como todas as cidades persas estão construídas de acordo com o mesmo padrão e dos mesmos materiais, é fácil imaginar Zanján com suas muralhas com elevadas torres, ruas tortuosas sem pavimento e cheias de sulcos. No meio destas encontra-se uma cidadela formidável chamada "Castelo de Alí-Mardán Khán". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philo-sophies dans PAsie Centrale" pp. 197-198).

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tamente a sua casa e, esquecido de tudo o que assegurara ao govenador, permaneceu durante todo o dia fechado em seu quarto. Os que estavam com ele dispersaram-se pron-tamente, desistindo da idéia de prosseguir o ataque. Foram subseqüentemente informados de que os dois homens com quem haviam encontrado não lhes tinham nenhuma inten-ção hostil, que iriam simplesmente cumprir uma comissão que lhes fora confiada.

A esse episódio humilhante seguiram-se, dentro em bre-ve, várias tentativas similares por parte daqueles que apoia-vam o governador, todas as quais falharam completamente na consecução de seu propósito. Cada vez que se apres-savam a atacar o forte, Hujját mandava uma pequena parte de seus companheiros, cujo número era de três mil, para emergir de seu abrigo e dissipar essas forças. Nenhuma vez ao dar tais ordens, deixou ele de acautelar aos discípu-los contra desnecessário derramamento de sangue. Lembra-va-lhes constantemente de que sua ação era de caráter puramente defensivo, e seu propósito único era preservar inviolada a segurança de suas mulheres e seus filhos. "É-nos proibido," ouvia-se ele freqüentemente observar, "tra-var guerra santa, sob quaisquer circunstâncias contra os descrentes, não importa qual seja sua atitude para conosco."

Esse estado de coisas continuou (26) até que as ordens do Amír-Nizám chegaram a um dos generais do exército

(26) "Ele (o governador de Zanján), temendo por sua própria segurança, tomou de imediato medidas para resguardar sua autoridade e remeteu a Mirzá Muhammad-Taqí Khán Amír-i-Kabír um relato pervertido do assunto; ele temia que algum outro pudesse adquirir mais influência da que tinha, debilitando-se desta forma sua autoridade e a consideração que gozava. Como conseqüência de seus informes, Siyyíd Ali Khán, Tenente-coronel de Firúz-Kúh, recebeu uma ordem real para que fosse com uma força numerosa de cavalaria e infantaria a Zanján com o objetivo de prender Mullá Muhammad-Alí que havia se retirado com seus adeptos (quase cinco mil no total) para o interior da cidadela. Logo que chegou, Siyyid Ali Khán cercou a cidadela e assim como ateou a chama da luta o número de mortos em ambos os lados aumen-tava dia a dia até que finalmente sofreu uma derrota ignominiosa e se viu obrigado a solicitar reforços à capital. O governo quis enviar Ja'far-Qulí Khán, o tenente-coronel e irmão de Ptimádu'd-Dawlih, po-

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imperial de nome Sadru'd-Dawlih-Isfáhání (27), que havia partido em comando de dois regimentos, para o Ádhirbáy-ján. As ordens por escrito do Grão-Vizir lhe alcançaram em Khansih, mandando que cancelasse a projetada viagem e seguisse imediatamente a Zanján e lá prestasse sua assis-tência às forças que haviam sido juntadas pelo governo. "Postes incumbido por vosso soberano," escrevia-lhe o Amír Nizám, "de subjulgar o bando de malfeitores em Zanján e suas cercanias. É privilégio vosso esmagar-lhes as esperan-ças e exterminar as forças. Tão insigne serviço, em tão crí-tico momento, vos ganhará o mais alto favor do Xá, bem como o aplauso e a estima do seu povo."

Esse farmán animador incitou a imaginação do ambi-cioso Sadrú'd-Dawlih. Marchou ele instantaneamente para Zanján na vanguarda de seus dois regimentos, organizou as forças que o governador colocara a seu dispor e deu ordens para um ataque por todas as forças combinadas contra o

rém ele se recusou e disse a Mirzá Taqí Khán Amír-i-Kabír: "Eu não sou um Ibn-i-Zíyád para ir fazer guerra a um grupo de siyyid e homens eruditos de cujos princípios nada sei, embora esteja pronto para lutar contra os russos, os judeus ou contra outros infiéis". Além dele, outros oficiais se mostraram pouco dispostos a participar desta guerra. Outro destes foi Mír Siyyid Husayn Khán de Firúz-Kúh o qual Mirzá Taqí Khán destituiu e degradou quando soube da sua forma de pensar. Assim como também muitos dos oficiais da seita Alíyu'lláhís que foram à guerra e se retiraram dela quando souberam mais sobre o assunto. Seu chefe os havia proibido de lutar e por isso fugiram. Porque está escrito em seus livros que quando os soldados de Gúrán vieram à capital do rei, então o Senhor da Época (a quem chamam Deus) se manifestará; e esta profecia se havia cumprido agora. Eles também possuíam certos poemas em que se menciona a data da Manifestação e isto também se cumpriu. É por isto que estavam convencidos que esta era a Verdade que havia feito manifesta e pediram que se lhes excusas-sem de participar na guerra, coisa que eles declararam não poder fazer. E aos Babís eles disseram: "Em futuros conflitos, quando esti-ver em perigo a estrutura de vossa religião, nós os ajudaremos". Em resumo, quando os oficiais e o exército se deram conta que seus adver-sários só mostravam devoção, temor a Deus e piedade, alguns vacila-ram em segredo e não puseram todo o seu empenho na guerra". (O "Taríkh-i-Jadíd", pp. 138-43).

(27) Segundo Gobineau (p. 198), ele era o neto de Hájí Muham-mad-Husayn Khán-i-Isfáhání.

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forte e seus defensores (28). A luta enfurecia-se nas cerca-nias do forte durante três dias e três noites, enquanto os assediados, sob a direção de Hujját, resistiam com esplên-dida bravura a feroz investida dos atacantes. Nem seu nú-mero preponderante, nem a superioridade de seu equipa-mento e treino, podia habilitá-los a reduzir os intrépidos companheiros à rendição incondicional (29). Inabaláveis di-ante do fogo de canhão que sobre eles caía feito um dilúvio

(28) "No quarto dia os muçulmanos viram com grande alegria que SadruM-Dawlih, o neto de Hájí Muhammad-Husayn Khán de Isfahán, entrava em seu setor da cidade à frente da cavalaria das tribos de Khamsih. Durante vários dias sucessivos chegaram reforços em grande número. Em primeiro lugar Siyyid 'Ali Khán e Sháhbár Khán, um deles de Firúz-Kúh e o outro de Marághíh, cada um com duzentos sol-dados da cavalaria de suas respectivas tribos. Depois deles veio Mu-hammad Ali Khán-i-Sháh-Sún com duzentos afshárs a cavalo; cinqüenta artilheiros com dois canhões de campanha e dois morteiros, de modo que o governador estava provido com toda ajuda que desejasse e estava rodeado de bom número de chefes militares entre os quais se encontravam alguns que eram famosos em todo o país". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", pp. 198-199).

"Um dos encontros mais terríveis que se relatam no diário do cerco foi o que aconteceu em cinco de Ramadán, Mustafá Khán, Qájár, com o décimo quinto regimento de Shigághí; Sadru'd-Dawlih com sua cavalaria de Khamsih; Siyyid Ali Khán de Firúz-Kúh com seu regi-mento; Muhammad-Alí Khán com a cavalaria Afshár; Muhammad Áqá, o coronel, com o regimento de Násír chamado o regimento real; o maior Nábí Big com sua cavalaria e um destacamento constituído por cida-dãos leais em Zanján, todos estes homens atacaram ao amanhecer as fortificações Babís. A defesa dos Babís foi magnífica porém desastrosa. Viram cair seus melhores chefes um atrás do outro, chefes valentes e de verdade santos que não podiam ser substituídos: Núr-Alí, o caça-dor; Bakhsh Ali, o carpinteiro; Khudádád e Fathul láh Big, todos eles indispensáveis para obter a vitória. Todos caíram, alguns pela manhã outros ao entardecer". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Phi-losophies dans 1'Asie Centrale", p. 200).

(29) "Pode ser visto em Zanján as ruínas desse feroz encontro; setores inteiros da cidade ainda não haviam sido reconstruídos e é provável que jamais o sejam. Pessoas que tiveram participação na tragédia me relataram alguns incidentes; os Babís subiam e desciam os terraços levando consigo seus canhões. Em algumas ocasiões o piso de terra, que não era muito firme, cedia, e eles tinham que levantar o pesado canhão com a força de seus braços enquanto tentavam firmar a terra com vigas. Ao chegar perto do inimigo a multidão entusiasta rodeava os canhões e todos os braços estendiam-se para levantá-los,

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e esquecidos tanto de fome como de sono, precipitaram-se do forte em impetuosa investida, completamente alheios aos perigos aos quais tal ataque os expunha. Às imprecações com que a hoste oponente saudava sua saída de seu abrigo, bra-davam sua resposta de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" e, enlevados pelo encanto dessa invocação, arremessaram-se contra o inimigo, dispersando-lhe as forças. A freqüência e o êxito dessas investidas desmoralizavam seus atacantes e os con-venceram da futilidade de seus esforços. Breve foram obri-gados a admitir sua incapacidade de ganhar uma vitória decisiva. O próprio Sadru'd-Dawlih teve que confessar que após haverem transcorrido nove meses de combate con-tínuo, de todos os homens que originariamente pertenciam a seus dois regimentos, nada mais que trinta soldados alei-jados foram deixados para apoiá-lo. Acabrunhado de humi-lhação, foi forçado, afinal a admitir sua incapacidade de atemorizar o espírito de seus oponentes. Foi degradado e severamente repreendido pelo seu soberano. As esperanças por ele acariciadas foram, em conseqüência dessa derrota, irreparavelmente esmagadas.

Tão abjeta derrota lançou em consternação os corações do povo de Zanján. Poucos consentiam, após aquele desas-tre, em arriscar suas vidas em desesperançosos encontros. Somente aqueles obrigados a combater se aventuravam a renovar os ataques contra os assediados. O peso da luta foi suportado mormente pelos regimentos que estavam sendo despachados sucessivamente de Teerã para esse fim. En-quanto os habitantes da cidade, em particular a classe co-mercial, lucraram muito com repentino fluxo de tão grande número de forças os companheiros de Hujját sofreram necessidade e privação dentro dos muros do forte. Seus su-primentos diminuíam rapidamente; sua única esperança de receber alguns alimentos de fora estava nos esforços, mui-tas vezes mal sucedidos, de um pequeno número de mulhe-res que conseguiam, sob vários pretextos, aproximar-se do forte e lhes vender, por preços exorbitantes, as provisões das quais eles tão aflitivamente necessitavam.

enquanto alguns dos que o levavam caíam sob as balas dos atacantes, cem companheiros competiam entre si pela honra de substituí-los. Não havia dúvida que esta era verdadeira fé!" (Idem, pp. 200-201).

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Embora oprimidos pela fome e vexados por investidas ferozes e repentinas, eles mantinham com inalterável deter-minação a defesa do forte. Sustentados por uma esperança que as adversidades por mais numerosas que fossem, não poderiam ofuscar, conseguiram erigir nada menos que vin-te e oito barricadas, cada uma das quais foi entregue ao cuidado de um grupo de dezenove de seus co-discípulos. Em cada barricada foram estacionados mais dezenove compa-nheiros como sentinelas, cuja função era observar e comu-nicar os movimentos do inimigo.

Freqüentemente eram surpreendidos pela voz do pre-goeiro, mandado pelo inimigo às proximidades do forte a fim de induzir os ocupantes a abandonar Hujját e sua Cau-sa. "O governador da província", proclamou ele, "e o co-mandante em chefe também estão prontos a perdoar e oferecer uma passagem segura a qualquer um entre vós que decida deixar o forte e renunciar a sua fé. Tal homem será amplamente recompensado pelo seu soberano que, além de lhe prodigalizar dádivas, o investirá da dignidade de um grau nobre. Tanto o Xá como seus representantes hipotecaram sua honra que não deixarão de cumprir a pro-messa por eles feita." A esse chamado os assediados, unis-sonamente, davam respostas desdenhosas e decisivas.

Evidência adicional do espírito da sublime renúncia que animava esses valorosos companheiros, foi fornecida pela conduta de uma mocinha de aldeia que, de sua espontânea vontade, se determinou a compartilhar da sorte do bando de mulheres e crianças que se haviam aliado aos defenso-res do forte. Seu nome era Zaynab, seu lugar de residência, uma pequenina aldeia nas proximidades de Zanján. Ela era graciosa, de belas feições e estava inflamada com uma fé sublime e dotada de intrépida coragem. Ao ver as provações e durezas que os companheiros tiveram de suportar, sen-tiu-se impelida por um irrepressível desejo de se disfarçar em trajes masculinos e participar na repulsa dos repetidos ataques do inimigo. Vestindo uma túnica e pondo na ca-beça um toucado igual ao dos companheiros, ela cortou o cabelo, cingiu-se de espada e, apanhando uma espingarda e um escudo, introduziu-se em suas fileiras. Ninguém suspei-tava que era moça quando ela saltou para frente tomando

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seu lugar atrás da barricada. Logo que o inimigo atacou, ela desembainhou a espada e, erguendo o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" precipitou-se, com incrível audácia con-tra as forças dispostas em sua frente. Amigo e inimigo maravilhavam-se, naquele dia, de uma coragem e uma enge-nhosidade que raramente seus olhos haviam contemplado. Seus inimigos pronunciaram-na uma maldição que uma Pro-vidência irada sobre eles lançara. Desesperados, abandonan-do suas barricadas, fugiram em vergonhosa derrota diante dela.

Hujját, observando de uma das torres os movimentos do inimigo, reconheceu-a e se maravilhou da proeza mos-trada por essa mocinha. Começara ela a perseguir os ata-cantes, quando ele deu ordens aos homens que a mandas-sem regressar ao forte e desistir da tentativa. "Nenhum homem", ouviu-se ele dizer, ao vê-la precipitar-se no fogo contra ela dirigido pelo inimigo, "se demonstrou capaz de tal vitalidade e tão grande coragem". Quando por ele inter-rogada quanto ao motivo de sua conduta, ela em lágrimas disse: "Meu coração doía de compaixão e tristeza ao con-templar a lida e os sofrimentos de meus co-discípulos. Avancei por um impulso interior ao qual não pude resistir. Receava que me negasse o privilégio de compartilhar da sorte de meus companheiros masculinos." "Você é certa-mente a mesma Zaynab", perguntou-lhe Hujját, "que se ofereceu para se unir aos companheiros do forte?" "Sou", respondeu ela. "Posso lhe assegurar em confiança que nin-guém até agora descobriu meu sexo. Vós, somente, me re-conhecestes. Adjuro-vos pelo Báb, que não me negueis aque-le inestimável privilégio, a coroa do martírio, o único desejo de minha vida."

Impressionaram profundamente Hujját, o tom e a ma-neira de seu apelo. Ele tentou acalmar o tumulto de sua alma, assegurou-lhe suas orações por ela e lhe deu o nome de Rustam-'Alí em sinal de sua nobre coragem. "Este é o Dia da Ressurreição", disse-lhe, "o dia em que todos os segredos serão revelados (30)". Não pela sua aparência ex-

(30) Alcorão, 86:9.

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terior, mas sim, pelo caráter de suas crenças e por seu modo de viver julga Deus Suas criaturas, sejam homens ou mulheres. Embora uma mocinha de tenra idade e imatura em experiência, demonstrasse tal vitalidade e engenhosidade como poucos homens poderiam esperar exceder. Ele ace-deu a seu pedido e lhe advertiu que não transgredisse os limites que sua Fé lhes impusera. "Somos instados a de-fender nossas vidas", lembrava-lhe ele, "contra um adversá-rio traiçoeiro e não a travar contra ele guerra santa".

Por um período de não menos de cinco meses, essa mocinha continuou a resistir, com heroísmo não igualado, às forças do inimigo. Desdenhando de alimento e sono, lidava com assiduidade febril pela Causa que ela mais ama-va. Pelo exemplo de sua esplêndida audácia, estimulava a coragem dos poucos que vacilavam, lembrando-os do dever que cada um deveria cumprir. A espada que levava perma-necia, durante todo esse período, a seu lado. Nos breves intervalos de sono que ela podia obter, era vista com a cabeça descansando na espada, e com seu escudo cobrindo o corpo. Para cada um de seus companheiros era determi-nado um posto a ser por ele guardado e defendido, ao passo que essa destemida mocinha, somente, tinha liberdade para se mover em qualquer direção que ela quisesse. Sempre no auge e na vanguarda do tumulto que a seu redor se enfu-recia, Zaynab estava a todo instante pronta para apressar-se a salvar qualquer posto que o adversário ameaçasse e a prestar assistência a qualquer um que necessitasse de ser por ela animado ou apoiado. Quando já o fim de sua vida se aproximava, seus inimigos descobriram seu segredo, mas continuaram, apesar de saberem que era uma moça, a temer sua influência e a tremer quando ela avançava. Bastava o som estridente de sua voz para lhes consternar os corações e enchê-los de desespero.

Um dia, vendo que seus companheiros estavam sendo cercados subitamente pelas forças inimigas, Zaynab, angus-tiada correu a Hujját e, jogando-se a seus pés lhe implorou, com os olhos cheios de lágrimas, que lhe permitisse apres-sar-se a socorrê-los. "Sinto que minha vida se aproxima de seu fim", acrescentou ela. "Posso, eu mesma, cair sob a

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espada do agressor. Perdoai, suplico-vos minhas transgres-sões e intercedei por mim com meu Mestre, por amor a Quem anseio sacrificar minha vida."

Hujját, estava emocionado demais para responder. En-corajada por seu silêncio, o qual ela interpretou como sinal de seu consentimento ao apelo que lhe fizera, Zaynab sal-tou para fora do portão e, sete vezes erguendo o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!", apressou-se a deter a mão que já trucidara vários de seus companheiros. "Por que enodoar com vossos atos o belo nome do Islã?" ela exclamou, en-quanto contra eles se precipitava. "Por que fugir abjeta-mente diante de nossa face, se sois defensores da verdade?" Ela correu às barricadas que o inimigo erigia, pôs em de-bandada aqueles que guardavam as três primeiras das defesas e estava no ato de vencer a quarta, quando, sob uma chuva de balas, ela caiu morta no chão. Voz alguma entre seus oponentes atreveu-se a questionar sua castidade ou desprezar a sublimidade de sua fé e as qualidades im-perecíveis de seu caráter. Tal foi sua devoção que, após sua morte nada menos que vinte mulheres, conhecidas dela, abraçaram a Causa do Báb. Para elas, Zaynab deixara de ser a jovem camponesa que haviam conhecido; era a própria encarnação dos mais nobres princípios da conduta humana, uma incorporação viva do espírito que somente uma Fé como a sua poderia manifestar.

Os mensageiros que serviam de intermediários entre Hujját e seus companheiros receberam instruções um dia para informar os guardas das barricadas que deveriam seguir a injunção do Báb a Seus seguidores, a de repetir dezenove vezes, toda noite, cada uma das seguintes invoca-ções "Alláh-u-Akbar", (31) "Alláh-u-A'zam", (32) "Alláh-u-Ajmal", (33) "AUáh-u-Abhá" (34) e "AUáh-u-Athar" (35). Na mema noite em que foi recebida essa ordem, todos os de-fensores das barricadas exclamaram simultaneamente essas

(31) (32) (33) (34) (35)

"Deu é Grande". "Deus é o Maior". "Deus é o Mais Belo". "Deus é Mais Glorioso". "Deus é Mais Puro".

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palavras, erguendo um brado tão forte e penetrante que fez o inimigo acordar bruscamente de seu sono, abandonar em pavor o acampamento e se apressar às cercanias da residência do governador e procurar abrigo nas casas vizi-nhas. Alguns poucos foram tão chocados e aterrorizados que instantaneamente caíram mortos. Um número conside-rável dos habitantes de Zanján fugiu tomado de pânico, para as aldeias adjacentes. Muitos acreditaram que esse estupendo clamor fosse um sinal que prenunciava o Dia do Juízo; para outros significava a emissão, por parte de Huj-ját, de um novo chamado que seria o prelúdio de uma súbita ofensiva contra eles mais terrível do que qualquer uma já experimentada.

"Que teria sido", ouviu-se Hujját comentar ao ser in-formado do terror que essa invocação repentina causava, "se me tivesse sido permitido por meu Mestre travar guerra santa contra esses infames covardes! Sou por Ele ordenado a instilar nos corações dos homens os princípios enobrece-dores da caridade e do amor e de me refrear de toda vio-lência desnecessária. Meu objetivo e o de meus companhei-ros é, e sempre será, servir lealmente a nosso soberano e desejar o bem de seu povo. Tivesse eu preferido seguir as pegadas dos ulemás de Zanján, teria por toda a vida con-tinuado a ser objeto da adoração servil desse povo. Jamais consentirei em trocar, por todos os tesouros e todas as honras que este mundo me puder conferir, a imorredoura lealdade que tenho hipotecado à Sua Causa."

A memória daquela noite ainda persiste nas mentes dos que presenciaram seu temor e assombro. Tenho ouvido di-versas testemunhas oculares expressarem em termos vivi-dos o contraste entre o tumulto e desordem que no acam-pamento do inimigo reinavam e a atmosfera de reverente devoção que predominava no forte. Enquanto aqueles no forte invocavam o nome de Deus e suplicavam Sua guia e misericórdia, seus oponentes, tanto oficiais como suas for-ças, estavam ocupados em atos de libertinagem e vergonha. Embora debilitados e exaustos, os ocupantes do forte con-tinuaram a observar suas vigílias e a entoar tais hinos como o Báb instruíra que repetissem. No acampamento do

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inimigo, nessa mesma hora, retumbavam estrondosas gar-galhadas, imprecações e blasfêmias. Nessa noite, em espe-cial, mal ressoara a invocação, quando os oficiais dissolu-tos, que seguravam nas mãos seus copos de vinho, os deixaram cair no chão instantaneamente e se precipitaram para fora, descalços como se estarrecidos por aquele esten-tóreo brado. Mesas de jogo foram entornadas em meio à desordem que se seguiu. Meio vestidos e com cabeças des-cobertas, alguns correram para a mata, enquanto outros se apressavam às casas dos ulemás e os acordaram de seu sono. Alarmados e assombrados, estes começaram a dirigir, um ao outro, as mais veementes invectivas por haverem ateado o fogo de tão grande mal.

Logo que o inimigo descobrira o propósito daquele alto clamor, voltaram para seus postos tranqüilos, mas muito humilhados por sua experiência. Os oficiais mandaram cer-to número de seus homens ficar de emboscada e abrir fogo para qualquer direção de que procedessem novamente aque-las vozes. Desse modo conseguiram matar, toda noite, vá-rios dos companheiros. Imperturbáveis diante das perdas que eles repetidamente sofriam, os que apoiavam Hujját continuaram a erguer sua invocação com inalterado fervor, desdenhando os perigos aos quais se expunham ao oferecer a oração. A medida que seu número diminuía, mais alta se tornava essa oração e mais penetrante. Nem a iminência da morte pôde induzir os intrépidos defensores do forte a desistirem daquilo que julgavam ser a mais nobre e a mais poderosa lembrança de seu Bem-Amado.

Ainda se enfurecia o combate, quando Hujját se sentiu impelido a dirigir sua mensagem escrita a Násírí'd-Dín Sháh. "Os súditos de Vossa Majestade", escreveu a ele, "vos consideram tanto seu governante temporal como o su-premo custódio de sua Fé. A vós dirigem um apelo por justiça e olham para vós como o supremo protetor de seus direitos. Nossa controvérsia era, primariamente, só com os ulemás de Zanján, sob nenhuma circunstância envolvendo vosso governo ou povo. Eu mesmo fui chamado a Teerã por vosso predecessor e por ele solicitado a expor as pre-tensões básicas de minha Fé. O falecido Xá estava inteira-mente satisfeito e muito comentou meus esforços. Resignei-

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me a deixar minha casa e estabelecer residência em Teerã, sem outra intenção senão mitigar a tempestade que se en-furecia em volta de minha pessoa, e extinguir o fogo que os malfeitores acenderam. Embora livre para regressar a minha casa, preferi permanecer na capital, dependendo in-teiramente da justiça de meu soberano. Nos primeiros dias de vosso reinado, o Amír-Nizám, enquanto continuava ainda o tumulto de Mázindarán, suspeitava de mim de traição e estava determinado a destruir minha vida. Não encontrando em Teerã quem me pudesse proteger, resolvi, em defesa própria, fugir a Zanján, onde reassumi meus labores e fiz tudo dentro de meu alcance a fim de promover os verda-deiros interesses do Islã. Prosseguia eu meu trabalho, quan-do Majdu'd-Dawlih contra mim se levantou. Várias vezes eu lhe fazia apelos para que exercesse moderação e justiça, mas se recusava a aceder a meu pedido. Instigado pelos ulemás de Zanján e encorajados pela adulação que lhe pro-figavam, determinou-se ele a me apreender. Meus amigos interviram, tentando lhe deter a mão. Ele continuou a in-citar o povo contra mim e eles, por sua vez, agiram de um modo que levou a situação atual. Vossa Majestade até agora tem deixado de conceder benévolo amparo a nós, que so-mos as inocentes vítimas de tão feroz crueldade. Nossos inimigos tentaram até representar nossa Causa aos olhos de Vossa Majestade como uma conspiração contra a auto-ridade da qual fostes investido. Certamente todo observador imparcial admitirá logo que em nossos corações nenhuma intenção de tal natureza é nutrida. Nosso objetivo único é promover os melhores interesses de vosso governo e de vosso povo. Eu e meus principais companheiros nos man-temos em prontidão para ir a Teerã, a fim de podermos estabelecer em vossa presença, bem como na de nossos maiores oponentes, a verdade de nossa Causa."

Não se contentando com apenas sua própria petição, solicitou a seus mais eminentes defensores que dirigissem ao Xá apelos similares, reforçando seu pedido por justiça.

Assim que o mensageiro que levava a Teerã esses pe-didos se pôs a caminho, foi apreendido e obrigado a voltar, sendo levado à presença do governador. Enfurecido pela

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ação dos oponentes, mandou que o mensageiro fosse morto imediatamente. Destruiu as petições e em seu lugar escre-veu ao Xá cartas cheias de abuso e insultos e, afixando as assinaturas de Hujját e seus principais companheiros, as despachou a Teerã.

A tal ponto o Xá se indignou, após perscrutar essas insolentes petições, que deu ordens para o despacho ime-diato de dois regimentos equipados de espingardas e mu-nições a Zanján, mandando que não deixassem sobreviver nenhum aderente de Hujját.

A notícia do martírio do Báb viera, neste ínterim, aos ocupantes do forte, tão penosamente oprimidos, através de Siyyid Hasan, irmão de Siyyid Husayn, amanuense do Báb, tendo ele chegado de Ádhirbáyján em seu caminho para Qazvín. Espalhou-se a notícia entre as forças inimigas, sen-do por elas acolhida com gritos de delirante regozijo. Apres-saram-se a ridicularizar e zombar dos esforços de Seus aderentes. "Por que razão", gritaram com escárneo arrogan-te, "desejareis, de agora em diante, vos sacrificar? Aquele em cujo caminho ansiais por oferecer vossas vidas, caiu vítima, Ele próprio, às balas de um inimigo triunfante. Seu corpo, mesmo agora, está perdido tanto para seus inimigos como para seus amigos. Por que persistir em vossa obsti-nácia quando basta uma palavra para vos livrar de vossa angústia?" Por mais que se esforçassem para minar a con-fiança da comunidade pesarosa, não conseguiram, afinal, induzir nem sequer o mais fraco entre eles a abandonar o forte ou retratar sua Fé.

O Amír-Nizám instava seu soberano, entrementes, a despachar mais reforços a Zanján. Muhammad Khán, o Amír-Túmán, com cinco regimentos sob seu comando e equipado com uma quantidade considerável de armas e mu-nições, foi incumbido, finalmente, de demolir o forte e eliminar os ocupantes.

Durante os vinte dias em que as hostilidades estavam suspensas, 'Aziz Khán-i-Mukrí, chamado Sardár-i-Kull, que estava em missão militar a íraván (36) chegou em Zanján

(36) Segundo Gobineau (p. 202) 'Azíz Khán era "general em chefe das tropas de Ádhirbáyján e logo primeiro ajudante de campo

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e conseguiu encontrar-se com Hujját por intermédio de seu anfitrião, Siyyid Ali Khán. Este relatou a 'Aziz Khán as circunstâncias de uma entrevista comovedora que ele tivera com Hujját, quando obteve toda a informação que ele ne-cessitava sobre as intenções e propostas dos assediados. "Fosse o governo", dissera-lhe Hujját, "recusar considerar meu apelo, eu, com sua permissão, estaria disposto a partir com minha família para um lugar além dos confins desta terra. Caso recusasse aceder mesmo a este pedido, e persis-tisse em nos atacar, nós nos sentiríamos impelidos a nos levantar e defender. 'Aziz Khán assegurou a Siyyid 'Ali Khán que faria todo possível para induzir as autoridades a efeti-var uma rápida solução desse problema. Mal havia Siyyid 'Ali Khán se retirado, quando 'Aziz Khán foi surpreendido pelo farrásh (37) do Amír-Nizám que havia vindo com o fim de apreender Siyyid 'Ali Khán e conduzi-lo à capital. Tomado de grande medo, ele, para afastar de si qualquer suspeita, começou a aviltar Hujját e a denunciá-lo aberta-mente diante do farrásh. Por este meio pôde ele desviar o perigo que lhe ameaçava a própria vida.

A chegada do Amíz-Túmán foi sinal para o reinicio de hostilidades em escala jamais vista por Zanján. Dezessete regimentos de cavalaria e infantaria se haviam reunido sob seu estandarte, e combateram sob seu comando (38). Nada menos que quatorze canhões foram, segundo suas ordens, dirigidos contra o forte. Cinco regimentos adicionais, recru-

do rei. Ele estava passando por Zanján, rumo a Tiflis, para cumpri-mentar o grão duque, herdeiro da Rússia, por ocasião da sua chegada ao Cáucaso".

(37) Veja Glossário. (38) "Muhammad Khán, que então era Biglíyirbigí e Mír-panj,

o general de divisão, hoje Amír-Túmán, se uniu às tropas já recrutadas nesta cidade; três mil homens dos regimentos de Shigághí e alguns re-gimentos de guardas com seis canhões e dois morteiros. Quase ao mes-mo tempo chegou Qásim Khán procedente da fronteira de Karabágh, que entrou em Zanjám por outro setor e o grande Arslán Khán com a cavalaria de Khírghán e Alí-Akbar, capitão de Khuy, chegou com a in-fantaria. Todos eles haviam recebido ordens do rei e se apressaram em cumpri-las." (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", p. 201).

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tados da vizinhança pelo Amír, estavam, sendo por ele treinados como reforços. Na mesma noite em que chegou, emitiu ordens para fazer soarem às trombetas como sinal para o reinicio do ataque. Ordenou que os oficiais que co-mandavam a artilharia abrissem fogo instantaneamente con-tra os assediados. Mal começara o ressoar dos canhões, distintamente ouvido a uma distância de cerca de quatorze farsangs (39), quando Hujját mandou seus companheiros fazerem uso dos dois canhões que eles mesmos haviam cons, truído. Um foi transportado a uma posição elevada que dominava o quartel do Amír. Uma bala atingiu sua tenda e feriu mortalmente seu corcel. O inimigo durante este tempo dirigia seu fogo contra o forte com impiedosa fúria, e conseguira matar grande número dos ocupantes.

Com o decorrer dos dias, tornou-se cada vez mais evi-dente que as forças sob o comando do Amír-Túmán, a despeito de sua grande superioridade em número, equipa-mento e treino, não puderam alcançar a vitória que haviam credulamente antecipado. A morte de Farrukh Khán, fiiho de Yahyá Khán e irmão de Hájí Sulaymán Khán, um dos generais do exército inimigo, incitou a indignação do Amír-Nizám, que dirigiu uma comunicação veemente ao oficial em comando, repreendendo-lhe por não haver conseguido forçar os assediados a renderem-se incondicionalmente. "Maculastes o belo nome de nosso país", ele lhe escreveu, "desmoralizastes o exército e desperdiçastes as vidas de seus oficiais mais capazes." Mandou-lhe manter a mais estrita disciplina entre os subordinados e limpar o acampamento de toda mancha de libertinagem e vício. Instou-lhe, além disso, a consultar com os chefes do povo de Zanján, adver-tindo-lhe que se não conseguisse atingir seu objetivo, seria degradado de sua posição. "Se vossos esforços combinados", ele acrescentou, "se provarem ser impotentes para forçá-los a se submeter, eu mesmo procederei a Zanján e ordenarei um massacre geral de seus habitantes, nada importando sua posição ou crença. Uma cidade que pode trazer tanta hu-

(39) Veja Glossário

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milhação ao Xá e aflição a seu povo é completamente in-digna da clemência de nosso soberano."

Em um frenesi de desespero, o Amír-Túmán convocou todos os Kad-Khudás (40) e chefes do povo, mostrou-lhes o texto dessa carta e com suas fervorosas instâncias conse-guiu despertá-los para ação imediata. Até o dia seguinte, todo homem apto de Zanján havia se alistado sob o estan-darte do Amír-Túmán. Comandada por seus Kad-Khudás e precedida por quatro regimentos, uma vasta multidão do povo marchou, acompanhada do som de trombetas e toque de tambores, em direção ao forte. Intrépidos diante de seu clamor, os companheiros de Hujját ergueram simultanea-mente o brado de "Yá Sahibu'z-Zamán!", então enxamea-ram-se fora dos portões e com ímpeto contra eles investi-ram. Esse encontro foi o mais feroz, o combate mais deses-perado até então ocorrido. A flor dos defensores de Hujját caiu nesse dia, vítimas de uma impiedosa carnificina. Mui-tos foram os filhos trucidados em circunstâncias de desen-freada crueldade na vista das mães, enquanto irmãs con-templavam com horror e angústia as cabeças dos irmãos erguidas sobre lanças e brutalmente desfiguradas pelas armas dos inimigos. Em meio a um tumulto em que o impetuoso entusiasmo dos companheiros de Hujját enfren-tava a fúria e o barbarismo de um inimigo exasperado, as vozes de mulheres, que lutavam lado a lado com os homens, eram de vez em quando ouvidas, animando o zelo de seus co-discípulos. A vitória que milagrosamente se ganhou nesse dia foi em grande parte devida aos brados de exultação que essas mulheres erguiam face a um poderoso adversário — brados que se tornavam mais penetrantes em virtude de seus próprios atos de heroísmo e sacrifício. Disfarçadas em trajes de homem, algumas se haviam precipitado para a frente em sua ansiedade de substituir seus irmãos caídos, enquanto se viam outras carregando nos ombros vasilhas de água com que tentavam aliviar a sede e restaurar as forças dos feridos. Confusão reinava, durante esse tempo, no acampamento do inimigo. Privados de água e perturba-

(40) Veja Glossário.

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dos pela deserção em suas fileiras, lutavam em uma bata-lha na qual estavam perdendo, vendo-se impelidos a se retirar e impossibilitados de vencer. Nada menos que tre-zentos companheiros, naquele dia, sorveram do cálice do martírio.

Um dos adeptos de Hujját, era um homem chamado Muhsim, cuja função era soar o adhán (41). Sua voz era dotada de um ardor e um tom melodioso que nenhum ho-mem nessa vizinhança podia igualar. Sua reverberação en-quanto ele convocava à prece os fiéis, distintamente se percebia até nas aldeias adjacentes, onde penetrava nos corações dos que a ouviam. Muitas vezes os devotos nessa região, em cujos ouvidos ressoava a voz de Muhsin, expres-savam sua indignação pelas acusações de heresia, imputada a Hujját e aos seus amigos. Tão alto se tornaram seus protestos que alcançaram afinal, os ouvidos do principal mujtahid de Zanján que, não conseguindo lhes impor silên-cio, instou ao Amír-Túmán que buscasse algum meio de erradicar das mentes do povo a crença na piedade e reti-dão de Hujját e seus companheiros. "Dia e noite", queixou-se ele, "me esforço através de meu discurso público, não menos que em conversa particular com indivíduos, para lhes instilar na mente a convicção de ser aquele miserável bando o inimigo renhido do Profeta e o destruidor de Sua Fé. O brado daquele homem mau, Muhsin às minhas pala-vras rouba a influência, e meus esforços nulifica. Extermi-nar aquele homem vil é, seguramente, vossa primeira obrigação."

O Amír, de início, recusou considerar seu apelo. "Vós e os que vos são iguais", ele replicou, "deveis ser considera-dos responsáveis por haverdes declarado a necessidade de travar guerra santa contra eles. Nós somos apenas os servos do governo e é nosso dever obedecermos as ordens que recebemos. Se, entretanto, tendes em mira pôr fim à sua vida, deveis estar preparado para fazer o devido sacrifício." O Siyyid entendeu de imediato o propósito da alusão do

(41) Veja Glossário.

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Amír. Logo que voltou a sua casa, mandou-lhe, pela mão de um mensageiro, o presente de cem túmáns (42).

Logo ordenou o Amír que alguns de seus homens reno-mados por sua pontaria, esperassem em emboscada a Muh-sin e o fuzilassem enquanto no ato de entoar a oração. Na hora do alvorecer, enquanto Muhsin erguia o tarado de "Lá Iláh-a-Illa'lláh," (43) uma bala atingiu-lhe na boca, ma-tando-o instantaneamente. Hujját, ao ser informado desse ato cruel, mandou que outro de seus companheiros ascen-desse a torre e continuasse a oração de onde Muhsin deixa-ra. Embora lhe fosse poupada a vida até a cessação de hos-tilidades ele, juntamente com certos de seus irmãos teve, afinal, que sofrer uma morte não menos atroz que a de seu co-discípulo.

Ao se aproximarem de seu fim os dias do assédio, Hujját instou com todos os que eram noivos para que ce-lebrassem suas núpcias. Para cada jovem solteiro entre os assediados, escolheu ele uma esposa e, dentro dos limites dos meios a seu dispor, contribuiu do próprio bolso qual-quer coisa que pudesse aumentar o conforto e a alegria dos recém-casados. Vendeu todas as jóias que sua esposa pos-suía e, com o dinheiro, providenciou qualquer coisa que lhe fosse possível obter para dar prazer e felicidade àqueles que ele unira em matrimônio. Durante mais de três meses continuaram as festividades — festividades essas, intercala-das com os terrores e as durezas de um muito prolongado assédio. Quantas vezes, pelo clamor de um inimigo que avançava, eram abafadas as aclamações de júbiio com as quais a noiva e o noivo se saudavam! Quão subitamente se silenciava a voz do regozijo diante do brado de "Yá Sahi-bu'z-Zamán!", que convocava os fiéis a se levantarem e re-pulsarem o invasor! Com quanta ternura a noiva implorava ao noivo para se demorar um pouco mais a seu lado antes de se precipitar para ganhar a coroa do martírio! "Não posso dar mais tempo," respondia ele. "Devo apressar-me a obter a coroa da glória. Nós seguramente haveremos de nos en-

(42) Veja Glossário. (43) Não há outro Deus senão Deus.

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contrar de novo nas plagas do grande Além, sítio de uma reunião bem-aventurada e eterna."

Nada menos que duzentos jovens foram unidos em núpcias durante aqueles dias tumultuosos. Alguns por um mês, outros por poucos dias, e ainda outros por apenas um breve momento, puderam demorar-se tranqüilos na compa-nhia de suas esposas, mas ao se tocar o tambor que anun-ciava a hora da partida, nenhum dentre eles deixou de responder jubilosamente ao chamado. De bom grado ofere-cia-se cada um, sem exceção, como um sacrifício a seu verdadeiro Bem-Amado; todos, afinal, sorveram do cálice do martírio. Não é de se admirar haver sido esse lugar — que fora teatro de indizíveis sofrimentos e testemunha de tamanho heroísmo — nomeado pelo Báb de Ard-i-A'lá (44), título esse que permanece por todo o tempo ligado com Seu próprio nome abençoado.

Entre os companheiros havia um certo Karbilá'í'Abdu'l-Báqí, pai de sete filhos, cinco dos quais Hujját fez entra-rem em matrimônio. Mal terminaram as cerimônias nup-ciais, quando, subitamente, gritos de terror anunciaram o reinicio da ofensiva contra eles. Logo se puseram em pé e deixando suas esposas queridas, precipitaram-se instanta-neamente em repulsar o invasor. Um após outro, caíram todos os cinco no decorrer desse encontro. O mais velho deles, jovem muito estimado por sua inteligência, e de re-nome por sua coragem, foi capturado e conduzido à pre-sença do Amír-Túmán.

"Deitem-no no chão," gritou o Amír enfurecido, "e in-cendéiem sobre seu peito, que se atreveu a nutrir tão grande amor a Hujját, um fogo que haverá de consumi-lo." "Ho-mem miserável." exclamou o jovem destemido, "nem chama alguma que as mãos de vossos homens conseguirem atear, poderá destruir o amor que arde em meu coração." O lou-vor a seu Bem-Amado persistiu em seus lábios até o último momento de sua vida.

Entre as mulheres que se distinguiram pela tenacidade

(44) "O Lugar Exaltado", título que o Báb deu a Zanján.

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de sua fé, havia uma de nome Umm-i-Ashraf (45), casada pouco antes de irromper o tumulto de Zanján. Estava den-tro do forte quando nasceu seu filho Ashraf. Tanto a mãe como o filho sobreviveram ao massacre que assinalou as etapas finais daquela tragédia. Anos depois, quando esse filho havia crescido, tornando-se jovem muito promissor, foi envolvido nas perseguições que afligiram seus irmãos. Os inimigos, não podendo persuadi-lo a se retratar, tenta-ram alarmar sua mãe e convencê-la da necessidade de sal-vá-lo, antes de ser tarde demais, do destino que lhe espe-rava. "Eu te deserdarei como meu filho," exclamou a mãe, ao ser levada face a face com ele, "se inclinardes teu coração para tão malévolos sussurros e os deixares te desviarem da Verdade." Fiel às advertências da mãe, Ashraf enfrentou a morte com calma intrépida. Embora fosse ela mesma testemunha das crueldades que a seu filho infligiram, não lamentou, e nenhuma lágrima foi vista. Essa maravilhosa mãe mostrou uma coragem e uma fortaleza que assombra-ram aqueles que perpetraram tão ignóbil ato. "Recordo agora," exclamou ela, enquanto lançava um olhar de despe^ dida para o cadáver de seu filho, "um voto feito por mim no dia de teu nascimento, enquanto assediada no forte de Alí-Mardán Khán. Regozijo-me porque tu, único filho que Deus me deu, me possibilitaste a cumprir minha promessa."

Minha pena é impotente para descrever, muito menos ihe prestar o merecido tributo, o entusiasmo consumidor que ardia naqueles valorosos corações. Por violentos que fossem os ventos da adversidade, não tinham o poder de ihe extinguir a chama. Homens e mulheres labutaram com um não diminuído fervor para fortalecer as defesas do forte e reconstruir tudo o que o inimigo havia demolido. Qual-quer momento de lazer que lhes fosse disponível, dedica-vam-no à oração. Cada pensamento, cada desejo era su-bordinado a suprema necessidade de guardar sua cidadela contra as investidas do agressor. O papel desempenhado pelas mulheres nessas operações não foi menos árduo do

(45) "Mãe de Ashraf".

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que aquele levado a cabo pelos seus companheiros. Toda mulher, fosse de qualquer posição ou idade, participou energicamente na tarefa comum. Costuravam as vestimen-tas, assavam o pão, cuidavam dos enfermos e feridos, fa-ziam reparos nas barricadas, limpavam os pátios e terraços das balas e dos projéteis lançados sobre eles pelo inimigo e em último lugar, mas não de menor importância — ale-gravam aqueles cujos corações desfaleciam e animavam a fé dos vacilantes (46). Até as crianças participavam, dando à causa comum toda a assistência em seu poder, e parecen-do estar inflamados por um entusiasmo não menos extra-ordinário do que o demonstrado pelos seus pais e mães.

Tal foi o espírito de solidariedade que caracterizava seus labores, e tamanho o heroísmo de suas façanhas, que o inimigo foi levado a crer que seu número atingia nada menos que dez mil. Admitia-se geralmente que um supri-mento contínuo de provisões, de um modo inexplicável, se encaminhava ao forte e que novos reforços estavam sendo constantemente despachados de Nayríz, de Khurásán e de Tabríz. O poder dos assediados parecia-lhes ser tão inabalá-vel como sempre e inesgotáveis os recursos.

O Amír-Túmán, exasperado diante de sua inalterável tenacidade e incitado pelos protestos e repreensões das autoridades em Teerã, determinou-se a recorrer às armas ab-jetas da traição a fim de conseguir a submissão completa dos assediados (47). Firmemente convencido da futilidade de

(46) "A defesa desesperada dos Babís não deve ser atribuída so-mente à solidez do forte que ocupavam mas também à extraordinária valentia com que se defendiam. As mulheres tinham uma participação ativa e pude ouvir, posteriormente, por autoridades dignas de confiança, que assim como as mulheres da antiga Cartago, cortavam a longa ca-beleira e a amarravam em torno dos canhões enlouquecidos para dar-lhes o apoio necessário". (E. G. Browne: "A Year Amongst the Per-sians", p. 74).

(47) "Sem dúvida a situação se tornava cada vez mais crítica para os muçulmanos e parecia que nunca poderiam vencer resistência tão tenaz. Além do mais, para que dar-se a tanto trabalho? Por que pôr em perigo as vidas, sem necessidade — não a dos soldados que eram só carne de canhão — e sim a dos oficiais e generais? Para que expor-se a cada dia ao ridículo e à derrota? Por que não seguir ao exemplo de

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seus esforços para enfrentar os oponentes honradamente no campo, usou de astúcia, ordenando a suspensão de hostili-dades e mandando circular a informação de que o Xá de-cidira abandonar toda a tentativa. Representou seu sobe-rano como oposto, desde o início, à idéia de apoiar as forças em luta em Mázindarán e Nayriz, dizendo haver ele deplo-rado o derramamento de tanto sangue por uma causa tão insignificante. O povo de Zanján e das aldeias circunvizi-nhas foi levado a crer que Násiri'd-Dín Sháh havia realmen-te mandado o Amír-Túmán negociar uma solução amigável das questões entre ele e Hujját, e que era sua intenção pôr término, o mais rapidamente possível, a esse infeliz estado de coisas.

Confiante de que o povo fora enganado por sua astu-ciosa trama, redigiu um apelo pela paz, no qual assegurou a Hujját a sinceridade de sua intenção de conseguir um acordo durável entre ele e seus partidários. Acompanhou essa declaração um exemplar selado do Alcorão, como tes-temunho de ser sagrada sua promessa. "Meu soberano," acrescentou ele, "vos perdoou. Com isso declaro solenemen-te estardes vós, bem como vossos seguidores, sob a prote-ção de Sua Majestade Imperial. Este Livro de Deus é meu testemunho de que, se qualquer um de vós decidir sair do forte, ele estará salvo de todo perigo."

Reverentemente recebeu Hujját o Alcorão, da mão do mensageiro e, logo após haver lido o apelo, mandou o por-tador informar seu mestre que enviaria uma resposta no decorrer do dia seguinte. Naquela noite, reuniu ele seus principais companheiros e lhes falou de suas dúvidas quan-to à sinceridade das declarações do inimigo. "Os atos trai-çoeiros de Mázindarán e de Nayriz estão vividos ainda em nossas mentes. O que foi contra eles perpetrado, o mesmo pretendem perpetrar contra nós. Em deferência ao Alcorão, entretanto, responderemos a seu convite, despachando a seu

Shaykh Tabarsí? Por que não recorrer ao engano? Por que não fazer as mais sagradas promessas ainda que seja necessário massacrar depois aos ingênuos que haviam depositado sua confiança nelas? (A. L. M. Ni-colas: Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 350).

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acampamento um grupo de nossos companheiros, a fim de que seja assim exposta sua falsidade."

Tenho ouvido Ustád Mihr-'Alíy-i-Haddád, que sobreviveu ao massacre de Zanján, relatar o seguinte: "Eu era uma das nove crianças, nenhuma das quais tinha mais de dez anos, que acompanharam a delegação enviada por Hujját ao Amír Túmán. O restante consistia de homens de mais de oitenta anos de idade. Entre eles se encontravam Karbilá'í Mawlá-Qulí-Ágá-Dádásh, Darvísh-Saláh, Muhammad-Rahím e Mu-hammad. Darvísh-Saláh era uma figura muito imponente, alto de estatura, de barba branca e de singular formosura. Era muito estimado por sua conduta honrosa e justa. Sua intercessão em prol dos espezinhados recebia invariavelmen-te, a consideração e simpatia das devidas autoridades. Após sua conversão, renunciou ele a todas as honras que havia re-cebido e, embora de idade muito avançada, se alistou entre os defensores do forte. Ele marchou em nossa frente, le-vando o Alcorão selado, enquanto nos conduziam a presença do Amír-Túmán.

"Ao alcançarmos sua tenda, ficamos em pé na entrada, aguardando suas ordens. A nossa saudação ele não respon-deu, tratando-nos com desprezo marcante. Deixou-nos ficar em pé durante meia hora, antes de se dignar dirigir-se a nós num tom de severa repreensão. "Um povo mais mise-rável e sem vergonha do que esse," gritou ele com altivo desdém, "jamais foi visto!" Ele havia arremessado contra nós suas denúncias, quando um dos companheiros, o mais idoso e débil entre eles, implorou permissão para lhe dizer algumas palavras e, ao obter licença, embora fosse ele ile-trado, falou de uma maneira que não pôde deixar de nos causar admiração profunda. "Deus sabe," argüia ele, "que somos e para sempre permaneceremos súditos leais e res-peitadores da lei de nosso soberano não tendo outro desejo, senão o de promover os verdadeiros interesses de seu go-verno e seu povo. Acusações lastimavelmente falsas foram feitas contra nós por pessoas malévolas. Nenhum dos re-presentantes do Xá se inclinou a nos proteger ou nos am-parar; não se encontrou quem defendesse nossa Causa pe-rante ele. Repetidas vezes lhe fazíamos apelos, mas ele de-

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satendia nossas súplicas e se mantinha surdo para nosso chamado. Nossos inimigos, tornados audazes diante da indi-ferença que caracterizava a atitude das autoridades vigentes, atacavam-nos de todos os lados, saqueando-nos os bens, violando a honra de nossas esposas e filhas e capturando nossas crianças. Desprotegidos pelo governo e cercados por nossos inimigos, sentimo-nos forçados a nos levantar e de-fender nossas vidas."

"O Amír-Túmán virou-se a seu tenente e perguntou que ação lhe aconselhava. 'Estou em dúvida,' acrescentou o Amír, 'quanto à resposta que deveria dar a esse homem. Fosse eu religioso de coração, eu sem hesitar, abraçaria sua Causa.' 'Nada, senão a espada,' replicou o tenente, 'nos li-vrará dessa abominação de heresia.' 'Ainda seguro em mi-nha mão o Alcorão,' interpôs Darvísh-Saláh, 'e levo a de-claração que vós, de vossa espontânea vontade, vos dignas-tes fazer. Serão as palavras que acabamos de ouvir, nossa recompensa por havermos respondido a vosso apelo?'"

"O Amír-Túmán, em uma explosão de fúria, mandou arrancar a barba de Darvísh-Saláh e jogá-lo, juntamente com aqueles que o acompanhavam, em uma masmorra. Eu e as outras crianças estávamos assustados e tentamos esca-par. Levantando o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" apres-samo-nos em direção a nossas barricadas. Alcançaram-nos e prenderam algumas de nós. Enquanto eu fugia, o homem que me perseguia pegou na bainha de minha roupa. Ar-ranquei-me de sua mão e consegui alcançar, já completa-mente exausto, o portão que conduzia às proximidades do forte. Como foi grande minha surpresa ao ver um dos com-panheiros, de nome ímán-Qulí, ser selvagemente mutilado pelo inimigo. Horrorizado, fitava eu aquela cena, ciente que era, de que naquele mesmo dia a cessação de hostilidades fora proclamada e as mais solenes promessas dadas de que nenhum ato de violência seria cometida. Fui logo informado de que a vítima fora traída por seu irmão, havendo este, sob o pretexto de desejar falar com ele, o entregue a seus perseguidores.

"Apressei-me imediatamente a procurar Hujját, que me recebeu com afeto e, limpando a poeira de meu rosto e

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me vestindo com roupas novas convidou-me a sentar a seu lado e mandou contar-lhe o que havia acontecido com seus companheiros. Descrevi tudo o que havia visto. "Ê o tumul-to do dia da Ressurreição/ explicou ele, 'um tumulto tal como o mundo jamais viu. É este o dia em que "o homem haverá de fugir de seu irmão, e de sua mãe e seu pai, e de sua esposa e seus filhos" (48). É este o dia em que o homem, não se contentando com a infidelidade ao irmão, sacrifica sua substância a fim de derramar o sangue de seu parente mais próximo. É este o dia em que "cada mulher que amamenta haverá de abandonar sua criancinha e cada mulher prenhe se livrará desse peso. E tu verás homens ébrios e, no entanto, não estão ébrios mas é o poderoso castigo de Deus!" (49)

Sentando-se no centro do maydán (50), Hujját convo-cou seus seguidores. Quando chegaram, levantou-se e em pé, ereto em seu meio, lhes disse estas palavras! "Estou muito satisfeito com vossos destemidos esforços, meus bem-amados companheiros. Nossos inimigos estão determinados a destruir-nos. Não nutrem outro desejo. Foi sua intenção com suas astúcias induzir-vos a sair do forte e então vos trucidar impiedosamente, segundo o desejo de seus cora-ções. Vendo que sua perfídia fora exposta, eles, na fúria de sua ira, maltrataram e aprisionaram os mais idosos e os mais jovens entre vós. Está claro que, enquanto não captu-rarem este forte e vos dispersarem, não vão depor as ar-mas, nem cessarão suas perseguições contra nós. Vossa mais prolongada presença neste forte levará, afinal, à vossa captu-ra pelo inimigo, o qual certamente, desonrará vossas espo-sas e trucidará vossos filhos. É melhor pois, que escapeis na calada da noite, levando convosco as esposas e crianças. Que cada um busque um lugar de segurança até a hora em que haja passado essa tirania. Eu permanecerei só, para enfrentar o inimigo. Seria melhor que minha morte lhes

(48) Alcorão, 80:34. (49) Alcorão, 22:2. (50) Veja glossário.

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aliviasse a sede por vingança em vez de deixar vós todos perecer."

Os companheiros, profundamenete comovidos, com lá-grimas nos olhos, declararam sua firme resolução de perma-necer a seu lado até o fim. "Jamais poderemos consentir," exclamaram, "em vos abandonar â mercê de um inimigo sanguinário. Nossas vidas não são mais preciosas que vossa vida, nem são nossas famílias de mais nobre linhagem do que vossos parentes. Qualquer calamidade que vos possa suceder, é a que de bom grado aceitaremos para nós."

Todos, menos alguns poucos, cumpriram fielmente sua promessa. Estes, não podendo suportar a sempre crescente angústia de um assédio prolongado, e encorajados pelo con-selho que o próprio Hujját lhes dera, retiraram-se para um lugar de segurança, afastado do forte, assim separando-se do resto de seus co-discípulos.

O Amír-Túmán, revigorando-se com uma resolução oriunda do desespero, mandou que todos os homens aptos em Zanján se juntassem nas proximidades do acampamento, prontos para receber suas ordens. Reorganizou as forças de seus regimentos, nomeou-lhes os oficiais e os acrescen-tou à hoste de recrutas novos que se haviam aglomerado na cidade. Mandou que nada menos de dezesseis regimentos, sendo cada um equipado com dez canhões, marchassem contra o forte. Oito desses regimentos foram incumbidos de atacar o forte toda manhã, depois do qual as forças res-tantes os substituiriam na ofensiva até ao anoitecer. O pró-prio Amír entrou no combate, sendo visto na parte da ma-nhã de cada dia, a dirigir os esforços de seu exército, asse-gurando-lhes a recompensa que os esperava no caso de seu êxito e lhes advertindo do castigo que, no caso de sua der-rota, o soberano lhes infligiria.

Durante um mês inteiro o assédio continuou. Não se contentando com os ataques, o inimigo os atacava à noite também. A ferocidade de suas investidas, a força sobrepu-jante de seu número e a rápida sucessão dos assaltos dizi-mavam as fileiras dos companheiros e lhes agravavam a aflição. Reforços para o inimigo continuavam a afluir de

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todas as direções, enquanto os assediados languesciam em um estado de miséria e fome (51).

O Amír-Nizám, neste ínterim, decidiu fortalecer as mãos do Amír-Túmán pela nomeação de Hasan-'Alí Khán-i-Kar-rúsí, a quem deu ordens para marchar a Zanján com dois regimentos sunitas sob seu mando. Sua chegada foi o sinal para a concentração da artilharia do inimigo contra o forte. Um tremendo bombardeio ameaçou a estrutura de destrui-ção imediata. Prolongou-se por alguns dias, durante os quais a cidadela se manteve firme a despeito do crescente fogo contra ela dirigido. Os amigos de Hujját, durante aqueles dias, mostraram intrepidez e habilidade que até os mais re-nhidos inimigos eram forçados a admirar.

Um dia, enquanto o bombardeio ainda procedia, uma bala atingiu Hujját no braço direito enquanto ele estava fazendo suas abluções. Apesar de suas ordens ao criado que não informasse sua esposa da ferida que recebera, tal foi a angústia desse homem que não pôde ocultar a emoção. Suas lágrimas mostraram sua aflição e logo que a esposa de Hujját soube da ferida infligida ao marido, correu aflita, e o encontrou absorto em oração, num estado de impertur-bável calma. Embora sangrando profusamente da ferida, sua face retinha sua expressão de confiança serena. "Per-doa esse povo, ó Deus," ouviram-no dizer, "pois eles não sabem o que fazem. Que lhe tenhas misericórdia, pois aque-les que o desencaminharam são, tão somente, responsáveis pelas más ações que as mãos desse povo cometeram."

Hujját tentou acalmar a agitação que se apoderara da esposa e dos parentes ao verem o sangue que lhe cobria o corpo. "Regozigem-se", disse-lhes, "pois ainda estou com vo-cês, e desejo que se resignem inteiramente à vontade de Deus. O que agora estão vendo é apenas uma gota em com-paração com o oceano de aflições que jorrará na hora de minha morte. Qualquer que seja Seu decreto, é nosso dever aquiescermos e nos curvarmos diante de Sua Vontade."

(51) "Finalmente, ante as ameaças da corte, os estímulos e os reforços chegaram com tanta pressa e havia tal desproporção entre os Babís e seus adversários que o resultado final se fazia evidente e emi-nente". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 350).

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Mal lhes chegara a notícia de haver ele sido ferido, quando os companheiros, deixando de lado as armas, a ele se apressaram. O inimigo, neste ínterim, aproveitando a ausência momentânea dos adversários, redobrou o ataque contra o forte e conseguiu forçar a passagem pelo por-tão (52). Nesse dia capturaram nada menos que cem das mulheres e crianças e pilharam todas as suas possessões. A despeito da severidade daquele inverno, essas cativas foram deixadas ao relento durante pelo menos quinze dias e noites, expostas a um frio intenso, tal como Zanján raras vezes experimentara. Vestidas nas mais leves roupas, sem agasalho algum para protegê-las, foram abandonadas, sem alimento ou abrigo, no mato. Sua única proteção era a gaze que lhes cobria a cabeça, com a qual em vão tentavam aga-salhar as faces contra o vento gélido que impiedosamen-te sobre elas soprava. Multidões de mulheres, a maioria das quais lhe era inferior quanto à posição social, aglome-raram-se vindo dos vários bairros de Zanján, na cena de seus sofrimentos e lhes prodigalizavam desprezo e ridículo. "Agora achastes vosso Deus", exclamaram, mofando delas, enquanto dançavam freneticamente a seu redor, "e fostes por ele recompensadas abundantemente." Cuspiram-lhes nas faces e sobre elas amontoaram as mais vis invectivas.

A captura do forte, embora roubasse os companheiros de Hujját de seu principal instrumento de defesa, não con-seguiu lhes intimidar o espírito nem desanimar os esforços. Todos os bens em que o inimigo podia pôr a mão foram pilhados e quaisquer mulheres e crianças que fossem deixa-das indefesas, foram tornadas cativas. Os companheiros restantes, juntamente com o resto das mulheres e crianças, amontoaram-se nas casas das imediações da residência de Hujját. Dividiram-se era cinco companhias, consistindo cada

(52) "O regimento de Karrús, sob as ordens do chefe da tribo, Hasan-Alí Khán (hoje ministro de Paris) , apoderou-se do forte Alí-Mardán Khán; o quarto regimento entrou à força na casa de Áqá Ázis, um dos pontos fortes da cidade e o reduziu a cinzas; o regimento de guardas demoliu com explosivos o caravançarai localizado perto do por-tão de Hamadán; perdeu um capitão e alguns soldados como conseqüên-cia da explosão, porém finalmente caiu em possessão do lugar". (Idem, p. 203).

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uma de dezenove vezes dezenove companheiros. De cada uma dessas companhias, dezenove precipitavam-se juntos, erguendo unissonamente o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!", e arremessavam-se em meio ao inimigo, cujas forças conse. guiam dispersar. As vozes levantadas por esses noventa e cinco companheiros bastavam, por si só, para paralisar os esforços dos agressores e lhes esmagar o espírito.

Continuou por alguns dias tal estado de coisas, acar-retando não somente humilhação como prejuízo a um ini-migo que se julgara capaz de atingir uma vitória imediata e insigne. Muitos foram mortos no decorrer desses encon-tros. Oficiais, para a consternação de seus superiores, co-meçavam a desertar de seus postos, capitães de artilharia abandonavam os canhões, enquanto os soldados rasos do exército estavam desmoralizados e completamente exaustos. O próprio Amír-Túmán cansava-se das medidas coercivas às quais fora compelido a recorrer, a fim de manter a dis-ciplina de seus homens e não permitir que diminuísse sua eficiência e seu vigor. Viu-se impelido novamente a consul-tar os oficiais restantes e procurar um remédio desespe-rado para uma situação que acarretava grave perigo para sua própria vida, bem como para a vida dos habitantes de Zanján. "Estou cansado," confessou ele, "da resistência feroz desse povo. Anima-lhe, evidentemente, um espírito que nosso soberano, por mais que se esforce para encora-já-los, jamais poderá incitar em nossos homens. Tamanha abnegação, certamente, ninguém nas fileiras de nosso exér-cito é capaz de manifestar. Nenhum poder de que eu posso valer-me conseguirá despertar meus homens do abismo de desespero no qual caíram. Quer triunfando, quer derrota-dos, estes soldados acreditam que são destinados à conde-nação eterna."

Suas maduras deliberações resultaram na decisão de cavar passagens subterrâneas desde o local ocupado por seu acampamento até um lugar debaixo do recinto onde se situavam as moradas dos aderentes de Hujját. Estavam determinados a destruir por explosão essas casas e por este meio forçá-los a se render incondicionalmente. Durante um mês inteiro trabalharam para encher essas passagens subter-râneas de toda espécie de explosivo e, ao mesmo tempo,

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continuaram a demolir, com diabólica crueldade, as casas que permaneciam em pé. Desejando aceierar o trabalho de destruição, o Amír-Túmán mandou os oficiais responsáveis pela artilharia dirigirem seu fogo à residência de Hujját pois, como os prédios que intervinham entre essa casa, e o acampamento do inimigo haviam sido arrasados e não restava outro obstáculo que impedisse sua destruição final.

Uma parte de sua morada já havia ruído quando Hujját, que ainda residia dentro de suas paredes, virou-se à esposa Khadíjih, que segurava nos braços Hádí, seu bebê e lhe advertiu de que rapidamente se aproximava o dia em que ela e o bebê pudessem ser tornados cativos, e lhe solicitou que estivesse preparada para aquele dia. Ela estava dando vazão a sua angústia quando uma bala de canhão atingiu o quarto por ela ocupado, matando-a instantaneamente. A criancinha que ela segurava ao peito caiu no braseiro ao seu lado vindo a morrer pouco depois, em conseqüência dos ferimentos sofridos, na casa de Mírzà Abu'1-Qásím, o mujtahid de Zanján.

Hujját, embora cheio de pesar, recusou entregar-se a inútil tristeza. "No dia em que encontrei Teu Bem-Amado, ó meu Deus," exclamou, "e Nele reconheci a Manifestação de Teu Espírito eterno, previ as tribulações que por amor a Ti eu haveria de sofrer. Por grandes que tenham sido minhas tristezas até agora, jamais poderão ser comparadas com as agonias que eu de bom grado sofreria em Teu nome. Como pode esta minha miserável vida, a perda de minha esposa e de meu filho e o sacrifício de meus parentes e companheiros, comparar com as bênçãos que o reconheci-mento de Teu Manifestante me conferiu! Oxalá fossem mi-nha uma miríades de vidas, oxalá possuísse eu as riquezas de toda a terra e sua glória, para que eu as pudesse renun-ciar a todas elas, livre e jubilosamente em Teu caminho."

A trágica perda sofrida por seu bem-amado líder e a penosa ferida que lhe fora infligida, angustiaram os com-panheiros de Hujját, enchendo-os de veemente indignação. Determinaram-se a fazer um último esforço desesperado para vingar o sangue de seus irmãos trucidados. Hujját, no entanto, dissuadiu-os de fazer tal tentativa, exortando-lhes que não apressassem o desfecho do conflito. Solicitou-

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lhes que se resignassem à vontade de Deus e se mantives-sem calmos e firmes até o fim, quando quer que esse fim viesse.

Com o passar do tempo seu número diminuía, seus sofrimentos multiplicavam-se e se reduzia a área dentro da qual se podiam sentir seguros. Na manhã do quinto dia do mês de Rabi'u'1-Awal, no ano de 1267 A. H. (53), Hujjãt, que já por dezenove dias vinha suportando a dor aguda causada pelo ferimento estava orando, havendo se prostrado com a face no chão invocando o nome do Bata quando, de repente, faleceu.

Sua morte sútaita veio como um choque severo para os parentes e companheiros. Profundo foi seu pesar pelo tres-passe de um líder tão capaz, de tanta habilidade, tão grande inspirador; a perda era irreparável. Dois de seus compa-nheiros, Dín Muhammad-Vazír e Mír Ridáy-i-Sardár, incum-biram-se imediatamente, antes de o inimigo ficar ciente de sua morte, de enterrar os restos mortais em um lugar que nem os parentes nem os amigos podiam suspeitar. Ã meia-noite, o corpo foi levado a um aposento que pertencia a Dín-Muhammad-Vazír, onde foi sepultado. Demoliram esse aposento, a fim de salvaguardar de desecração os restos mortais e exerceram o máximo cuidado para manter em segredo o lugar.

Mais de quinhentas mulheres que sobreviveram àquela terrível tragédia, imediatamente após a morte de Hujját, reuniram-se em sua casa. Os companheiros, a despeito da morte de seu líder, continuaram a enfrentar, com zelo inal-terável as forças dos assaltantes. Da grande multidão que se havia agregado em volta do estandarte de Hujját, resta-vam somente duzentos homens vigorosos; os demais haviam morrido ou ficado completamente incapacitados pelos feri-mentos recebidos.

Ao saber do desaparecimento do líder tão inspirador, o inimigo fortaleceu sua resistência e decidiu eliminar o que ainda restava das forças temíveis que eles não haviam po-dido dominar. Lançaram um ataque geral, mais feroz e mais

(53) 8 de janeiro de 1851 A. D.

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determinado do que qualquer anterior. Animados pelo toque dos tambores e pelo som das trombetas e encorajados pelos gritos de exultação soltados pelo povo arremessaram-se contra os companheiros com irrestrita ferocidade, resolvi-dos a não descansar antes de se haver aniquilado a com-panhia inteira. À face dessa investida feroz, os companheiros mais uma vez ergueram o brado de "Yá Sáhibu'z-Zamán!" e se precipitaram, intrépidos, para continuar a luta heróica até que todos eles haviam sido trucidados ou tomados ca-tivos.

Mal se perpetrara esse massacre, quando o sinal foi dado para uma pilhagem sem precedentes quanto a seu âmbito e sua ferocidade. Não tivesse o Amír-Túmán emitido ordens para poupar o que restava da casa e dos bens de Hujját e se abster de atos de violência contra seus paren-tes, o exército feroz teria feito ataques ainda mais mali-ciosos. Era sua intenção informar as autoridades em Teerã e delas procurar quaisquer instruções que lhe quisessem dar. Não conseguiu, entretanto, restringir indefinidamente o espírito de violência que animava seus homens. Os ulemás de Zanján, exaltados com a vitória que lhes custara tanto esforço e perda de vidas, envolvendo-lhes em grau tão sem precedentes a reputação e o prestígio, agora envidaram es-forços para incitar o povo a cometer todo ultraje imaginá-vel contra a vida dos homens cativos e contra a honra de suas mulheres. As sentinelas que guardavam a entrada para a casa em que Hujját havia morado, foram expulsas de seus postos no tumulto geral que se seguiu. O povo juntou-se ao exército para saquear a propriedade e assaltar as pessoas dos poucos que ainda sobreviviam àquela memorá-vel luta. Nem o Amír-Túmán, nem o governador pôde sa-tisfazer a sede de pilhagem e vingança que se apoderara da cidade inteira. Não mais existiam ordem e disciplina em meio à confusão geral.

O governador da província, entretanto, conseguiu indu-zir os oficiais do exército a ajuntar os cativos na casa de um certo Hájí Ghulám e mantê-los em custódia até a che-gada de novas instruções de Teerã. A companhia inteira foi amontoada como ovelhas naquele miserável lugar, exposta ao frio de um inverno rigoroso. O recinto em que estavam

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confinados não tinha teto, nem mobília. Durante alguns dias ficaram sem alimento. Daí as mulheres foram transferidas para a casa de um mujtahid de nome Mírzá Abu'1-Qásim, na esperança de que ele as induzisse a se retratarem em troca de sua liberdade. O mujtahid avarento, porém, com a ajuda de suas esposas, irmãs e filhas, conseguira apode-rar-se de tudo o que lhes fora permitido levar; ele as dis-po jara de suas vestes, substituindo-as por trajes miseráveis, e apropriou-se de quaisquer objetos de valor que pudesse encontrar entre seus pertences.

Após sofrerem indizíveis durezas, essas mulheres cativas obtiveram permissão para procurar a companhia de seus parentes, sob a condição de que estes assumissem plena responsabilidade por seu futuro comportamento. O resto foi disperso pelas aldeias vizinhas, cujos habitantes, dife-rentes do povo de Zanján, acolheram os recém vindos com tratamento que era a um tempo afetuoso e genuíno. A famí-lia de Hujját, no entanto, foi detida em Zanján até a che-gada de instruções definitivas de Teerã.

Quanto aos feridos, ficaram presos, aguardando o tem-po em que as autoridades na capital mandassem dizer de que modo devessem ser tratados. Neste ínterim, tal foi a severidade do frio ao qual foram expostos e tão grandes as crueldades às quais foram sujeitados que, dentro de poucos dias, todos pereceram.

Os cativos restantes foram entregues pelo Amír-Túmán às mãos dos regimentos de Karrúsí, Khamsih e 'Iráqí, com ordens para sua execução imediata. Conduziram-nos em pro-cissão com acompanhamento de tambores e trombetas, ao acampamento onde o exército estava estacionado (54). To-

(54) "Então Muhammad Khán Biglíyirbigí, Amír Arslán Khán e outros comandantes, mesmo tendo dado garantias sob palavra de honra que respeitariam as vidas dos Babís, reuniram-nos diante das tropas sob o acompanhamento de tambores e trobetas e deram ordens a cem ho-mens, eleitos de diferentes regimentos, que pegassem os prisioneiros e os pusessem em fila. Foi então dada a ordem para que os apunhalassem com as baionetas, o que foi feito. Os chefes Babís, Sulaymán, o sapa-teiro, e Hájí Kházim Giltughi foram despedaçados ao serem disparados das bocas dos canhões. Esta forma de execução foi inventada na Ásia, porém foi praticada também pelas tropas britânicas durante a revolta

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dos esses regimentos se uniram em contribuir para o horror das abominações perpetradas contra os pobres sofredores. Armados de lanças e dardos, arremessaram-se contra os se-tenta e seis companheiros que ainda restavam, furando e mutilando-lhes os corpos com uma impiedade selvagem que ultrapassava os atos nefários de até os mais requintados inventores de tortura que existiam entre sua raça. O espírito de vingança que naquele dia dominava esses homens bárba-ros, excedeu todos os limites. Regimento rivalizava com re-gimento em cometer as mais hediondas atrocidades que suas

na índia, com o refinamento com que a ciência e inteligência européia revestem tudo o que fazem, e consiste em amarrar a vítima à boca de um canhão carregado com pólvora. Quando sobrevém a explosão a víti-ma cai em pedaços e o tamanho destes depende da quantidade de pólvora empregada.

"Terminada a execução, os prisioneiros foram reclassificados. Pu-seram separados Mirzá Rida, lugar-tenente de Mullá Muhammad A]í-e todos os que tinham alto posto ou importância foram presos sendo lhes colocado argolas com correntes no pescoço e grilhões nas mãos e nos pés. Decidiram, então, omitirem-se à ordem real e conduziram-nos a Teerã com o objetivo de demonstrar suas vitórias. Enquanto a uns pou-cos desafortunados que caíram e cuja vida ou morte não tinha impor-tância para ninguém, foram deixados abandonados e o exército vitorioso regressou à capital, arrastando consigo os prisioneiros que iam a pé atrás dos cavalos dos generais vitoriosos.

"Enquanto iam para Teerã o Amír Nizám, primeiro ministro, achou que era necessário fazer um exemplo desta nova execução. Mirzá Rida Hájí Muhammad-Alí e Hájí Muhsin foram condenados a que se lhes abrissem as veias. As três vítimas ouviram a notícia sem mostrar a mínima emoção; no entanto eles declararam que a falta da boa-fé, de que eram culpadas as autoridades, não era um daqueles crimes que o Todo Poderoso se conformaria em castigar na forma ordinária; Ele exi-giria um castigo mais impressionante e extraordinário para os que per-seguiam a Seus Santos. Em conseqüência predisseram que o primeiro-ministro logo sofreria a mesma forma de execução que estava infli-gindo a eles.

"Eu ouvi referências a esta profecia e não tenho a menor dúvida por um só instante que aqueles que me informaram dela estavam fir-memente convencidos da sua veracidade. No entanto devo dizer aqui que quando me foi relatada haviam passado já quatro anos desde que o Amír Nizám foi executado em igual forma por decreto real. A única coisa que posso afirmar é que me foi assegurado que a profecia havia sido efetivamente feita pelos mártires de Zanján". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", pp. 207-209),

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mentes engenhosas podiam inventar. Preparavam-se para uma nova investida contra as vítimas, quando um certo Hájí Muhammad-Husayn, pai de Abá-Basír levantou-se e, erguen-do o chamado do Adhán (55), emocionou a multidão que a seu redor se reunira. Se bem que estivesse na hora de sua morte, tão intenso foi o fervor e tal a majestade com que ressoavam suas palavras "Alláh-u-Akbar," (56) que o inteiro regimento 'Iráqí proclamou de imediato sua recusa a con-tinuar sua participação em atos tão ignominiosos. Desertan-do de seus postos e levantando o brado de "Yá 'Ali", fugiram daquele lugar em horror e repugnância. "Maldito seja o Amír-Túmán!" podia-se ouvi-los exclamarem, enquanto vira-vam as costas para aquela cena de carnificina e horror. "Aquele miserável enganou-nos! Com diabólica persistência procurava ele convencer-nos da deslealdade desse povo ao Imame 'Ali e seus parentes. Jamais, embora sejamos todos mortos, consentiremos em participar de atos tão crimino-sos."

Vários desses cativos foram atirados de canhões, outros foram despidos completamente, depois do qual despejaram água gelada sobre seus corpos e então os açoitaram severa-mente. A outros ainda eles untaram de melaço e deixaram na neve para perecerem. Apesar da ignomínia e das cruel-dades que os fizeram sofrer, não se soube de nenhum desses cativos que se retratasse ou que pronunciasse uma palavra viosa contra seus perseguidores. Nem sequer um sussurro de descontentamento escapou de seus lábios, nem seus sem-blantes demonstraram uma sombra de arrependimento ou tristeza. As maiores adversidades não puderam obscurecer a luz que resplandecia naquelas faces; palavra alguma, por mais insultante que fosse, podia lhes perturbar a serenidade de expressão (57).

(55) Veja Glossário. (56) "Deus é o Maior". (57) "Terminada a execução, os expectadores invadiram o campo

de morte, alguns em busca do corpo de um amigo com o fim de dar-lhe uma sepultura, outros movidos tão-somente por curiosidade mórbida. Pala-se que um muçulmano chamado Valí-Muhammad, encontrou o corpo de um de seus vizinhos e notando que não estava completamente morto o chamou dizendo: "Sou seu vizinho, Valí-Muhammad. Se necessita algo

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Mal os perseguidores terminaram seu trabalho, quando começaram a procurar o corpo de Hujját, o lugar de cujo sepultamento os companheiros haviam cuidadosamente ocul-tado. Torturas das mais desumanas se haviam provado inú-teis para induzi-los a revelar a identidade desse lugar. O governador, exasperado diante do insucesso de sua procura, pediu que lhe trouxessem o filho de Hujját, criança de sete anos, de nome Husayn, a fim de que o induzisse a revelar o segredo (58). "Meu filho," disse-lhe ele, enquanto o acari-ciava com meiguice, "estou cheio de pesar ao saber de to-das as aflições que a seus pais sobrevieram. Não eu e sim, os mujtahids de Zanján devem ser tidos responsáveis pelas abominações cometidas. Estou disposto agora a conceder aos restos mortais de teu pai um sepultamento digno e dese-jo expiar os atos ignominiosos contra ele perpetrados." Com suas suaves insinuações, conseguiu induzir a criança a revelar o segredo e de imediato mandou seus homens bus-car o corpo. Mal fora entregue em suas mãos o objeto de seu desejo, quando deu ordens para que fosse por uma corda arrastado pelas ruas de Zanján, com acompanhamento de tambores e trombetas. Durante três dias e três noites, indi-zíveis ultrajes foram amontoados sobre o corpo, o qual jazia

peça-me". O outro indicou que tinha sede. De imediato o muçulmano trouxe uma enorme pedra e acercando-se ao seu vizinho disse: "Abra sua boca, lhe trago água". Enquanto o moribundo obedecia, lhe tritu-rou a cabeça com a pedra.

"Finalmente, o Biglíyirbigí partiu para Teerã levando consigo qua-renta e quatro prisioneiros entre os quais se encontrava o filho de Mirzá Rida, Hájí Muhammad-Alí e Hájí Muhsin, o cirurgião. Estes três foram executados à sua chegada e os demais foram condenados a apodrecer na prisão". (A. L. M. Nicolas: Siyyid Alí-Muhammad dit le Báb", p. 363).

(58) "Não lhes bastou haverem logrado a vitória tiveram inclu-sive que insultar os corpos de seus inimigos. Estavam desejosos de in-terrogar os Babís, porém não importava qual fosse a tortura que se lhes ameaçassem, os Babís recusavam-se a falar. Derramaram azeite fervendo na cabeça de Áqá Din-Muhammad, porém guardou silêncio. Finalmente o Sardár fez com que levassem à sua presença o filho do chefe morto. Esta criança só tinha sete anos de idade e se chamava Áqá Husayn; mediante astutas ameaças e carinhos insidiosos, lograram fazê-lo falar". (Idem, p. 361).

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exposto aos olhos do povo no maydán (59). Na terceira noite se espalhou a informação de que alguns homens montados haviam conseguido levar o que restava do corpo para um lugar de segurança na direção de Qazvín. Quanto aos paren-tes de Hujját, ordens foram recebidas de Teerã para con-duzi-los a Shíráz, e entregá-los às mãos do governador. Lá languesciam em pobreza e miséria. Quaisquer possessões que ainda lhes restassem, o governador as apanhou para si, condenando as vítimas de sua capacidade a buscar abrigo em uma casa dilapidada, em ruínas. O filho mais novo de Hujját, Mihdí, morreu em conseqüência das privações que ele e a família tiveram de sofrer e foi enterrado em meio às ruínas que lhe haviam servido de abrigo.

Nove anos após o término daquela memorável luta, tive o privilégio de visitar Zanján e contemplar a cena daquela nefanda carnificina. Pesaroso e horrorizado, eu olhava para as ruínas do forte de 'Alí-Mardán Khán e pisava no chão que fora saturado do sangue de seus defensores imortais. Pude discernir em seus portões e muros traços da carnifi-cina que assinalou sua rendição ao inimigo e descobrir nas próprias pedras que haviam servido de barricadas, manchas do sangue tão profusamente derramado nessas imediações.

Quanto ao número dos que caíram durante esses encon-tros, não se fez ainda um cálculo acurado. Tão numerosos foram aqueles que participaram naquela luta, e tão prolon-gado o assédio ao qual resistiram, que certificar-me de seus nomes e seu número seria uma tarefa que eu hesitaria em empreender. Uma lista provisória de tais nomes, que os lei-tores bem poderiam consultar, foi preparada por Ismu'-lláhu'1-Mín e Ismu'lláhu'1-Asad. Muitas e contraditórias são as informações relativas ao número exato dos que lutaram e caíram sob a bandeira de Hujját em Zanján. Estimaram alguns que o número de mártires atingia mil; segundo ou-tros, eram mais numerosos. Tenho ouvido dizer que um dos companheiros de Hujját que tentou anotar os nomes dos que haviam sofrido martírio, deixara uma declaração por escrito na qual calculou o número dos que caíram antes

(59) Veja Glossário.

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da morte de Hujját como mil quinhentos e noventa e oito, enquanto os que sofreram martírio depois, se pensava ha-verem sido, ao todo, duzentas e duas pessoas.

Tudo o que tenho relatado sobre os acontecimentos em Zanján, devo primariamente a Mírzá Muhammad-'Alíy-i-Ta-bíb-i-Zanjání, a Abá-Basír e a Siyyid Ashraf, todos mártires da Fé, cada um dos quais eu conhecia intimamente. O resto de minha narrativa baseia-se no manuscrito que um certo Mullá Husayn-i-Zanjání escreveu e enviou à presença de Ba-há'u'lláh, no qual registrou toda a informação que pôde colher de várias fontes sobre os eventos ligados àquele epi-sódio.

O que tenho relatado sobre a luta de Mázindarán, ou-trossim, foi em grande parte inspirado pela narrativa escrita que foi enviada a Terra Santa por um certo Siyyid Abú-Tálib-i-Shahmírzárdí, bem como pelo breve resumo aqui preparado por um dos crentes de nome Mírzá Haydar-'Alíy-i-Ardistání. Certos fatos a respeito daquela luta tenho obtido, além disso, de pessoas que realmente nela participaram, tais como Mullá Muhammad-Sádiq-i-Muqaddas, Mullá Mírzá Mu-harnmad-i-Furúghí e Hájí 'Abdu'1-Majíd, pai de Badí' e már-tir da Fé.

Quanto aos eventos relacionados à vida e aos feitos de Vahíd, obtive minha informação sobre aquilo que ocorreu em Yazd, de Rida'r-Rúh, um de seus companheiros íntimos. A parte de minha narrativa que trata das etapas posteriores daquela luta em Nayríz, é derivada de tal informação como eu pude colher da minuciosa relação mandada à Terra San-ta por um crente daquela cidade, chamado Mullá Shafí, que fizera uma investigação cuidadosa do assunto e o relatou a Bahá'u'lláh. Qualquer coisa que minha pena tenha deixado de anotar, futuras gerações, espero, haverão de colher e pre-servar para a posteridade. Muitas, confesso, são as lacunas nesta narrativa, pelas quais peço a indulgência de meus lei-tores. É minha fervorosa esperança que essas lacunas sejam preenchidas por aqueles que, depois de mim, se levantarão para compilar uma narrativa adequada e exaustiva desses eventos emocionantes cujo significado nós, por enquanto, apenas palidamente podemos discernir.

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CAPÍTULO XXV

A VIAGEM DE BAHÁ'U'LLÁH A KARBILÁ

Sempre, desde que comecei a escrever minha narrativa, tem sido minha firme intenção incluir em tais historias que eu pudesse contar sobre os primeiros dias desta Revelação, aquelas jóias de inestimável valor que foi privilégio meu ouvir, de tempos em tempos, dos lábios de Bahá'u'lláh. Essas palavras, algumas das quais dirigidas a mim somente, ou-tras das quais eu participava juntamente com meus co-dis-cípulos, enquanto sentados em Sua presença, se referiam principalmente aos próprios episódios que tenho tentado descrever. Os comentários de Bahá'u'lláh sobre a conferên-cia de Badasht e Suas referências ao tumulto que assinalou suas etapas finais, as quais mencionei em capítulo anterior, são apenas alguns exemplos das passagens com que espero enriquecer e enobrecer minha narrativa.

Ao terminar a descrição da luta de Zanján, fui condu-zido a Sua presença e recebi, juntamente com vários outros crentes, as bênçãos que Ele, em duas ocasiões, se dignou nos conferir. Ambas as visitas ocorreram durante os quatro dias que Bahá'u'lláh decidiu demorar-se na casa de Áqáy-i-Kalím. Na segunda, como também na quarta noite após haver Ele chegado, na casa de Seu irmão, o que aconteceu no sétimo dia do mês de Jamádíyu'1-Awal, no ano de 1306 A. H. (1), eu, na companhia de alguns peregrinos de Sarvistán e Farán, bem como de um pequeno número de crentes que lá resi-

(1) 9 de janeiro de 1889 A. D.

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diam, fui admitido a Sua presença. As palavras que Ele nos dirigiu permanecem gravadas para sempre em meu coração e creio que é meu dever para com meus leitores de com-partilhar com eles a substância de Seu discurso.

"Louvores a Deus," disse Ele, '-'que já foi revelado tudo o que é essencial para se dizer àqueles que acreditam nesta Revelação. Seus deveres foram claramente definidos e os atos que se espera sejam por eles realizados foram em Nosso Livro expostos de um modo óbvio. Agora é o tempo em que devem levantar-se e cumprir seu dever. Que tradu-zam para feitos as exortações que Nós lhes temos dado. Que se acautelem para que o amor que têm por Deus, um amor que tão radiantemente lhes arde no coração, não os faça transgredir os confins da moderação e ultrapassar os limites que para eles estabelecemos. A respeito desse assunto, as-sim escrevemos, enquanto no Iraque, a Hájí Mírzá Músáy-i-Qumí: 'Tal deverá ser a discrição por vós exercida que, fósseis sorver dos mananciais da fé e certeza, todos os rios do conhecimento, jamais deveríeís permitir que vossos lá-bios divulgassem, quer fosse a amigo ou a estranho, a mara-vilha da poção da qual participastes. Embora vosso coração esteja inflamado de Seu amor, acautelai-vos para que olho algum descubra vossa agitação interior e ainda que vossa alma se intumesça como um oceano, não deixeis a sereni-dade de vosso semblante se perturbar, nem o modo de vossa conduta revelar a intensidade de vossas emoções.'

"Sabe Deus que em tempo algum tentamos Nos ocultar ou esconder a Causa que Nos foi ordenada proclamar. Em-bora não usássemos as vestes dos sábios, temos repetidas vezes enfrentado os homens de grande erudição, tanto em Núr como em Mázindarán, apresentado-lhes nossos argu-mentos com eles raciocinando, e temos conseguido persuadi-los da verdade desta Revelação. Jamais vacilamos em Nossa determinação; jamais hesitamos em aceitar o desafio de qualquer direção que viesse. Qualquer um a quem falás-semos naqueles dias, Nós o encontramos receptivos a Nosso chamado e pronto para se identificar com seus preceitos. Não fosse o comportamento ignominioso do povo do Bayán, que pelos seus atos macularam a obra por Nós realizada,

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Núr e Mázindarán teriam sido conquistadas inteiramente para esta Causa e, até agora, incluídas no número de suas cidadelas principais.

"Em uma ocasião em que as forças do Príncipe Mihdí-Qulí Mirzá haviam assediado o forte de Tabarsí, resolvemos partir de Núr e prestar Nossa assistência aos heróicos de-fensores. Havíamos tencionado mandar 'Abdu'1-Vahháb, um de Nossos companheiros, em Nossa frente e lhe pedir que anunciasse aos assediados Nossa aproximação. Embora es-tivessem cercados pelas forças inimigas, havíamos decidido compartilhar da sorte daqueles fiéis companheiros e correr os riscos com os quais eles se defrontavam. Isto, entretanto, não havia de ser. A mão da Onipotência Nos salvou desse destino e Nos preservou para o trabalho a Nós destinado. De acordo com a inescrutável sabedoria de Deus, a intenção que havíamos formado, foi por certos habitantes de Núr comunicado, antes de Nossa chegada ao forte, a Mirzá Taqi, o governador de Ámul, que mandou seus homens Nos inter-ceptarem. Enquanto repousávamos e tomávamos Nosso chá, Nós nos vimos de repente cercados por alguns homens mon-tados que se apoderavam de Nossos pertences e capturaram Nossos corcéis. Deram-Nos em troca de Nosso próprio ca-valo, um animal pobremente aparelhado, que achamos ex-tremamente incômodo montar. Os outros de Nossos compa-nheiros foram conduzidos algemados, a Ámul. Apesar do tumulto provocado por Nossa chegada e em face da oposi-ção dos ulemás, Mirzá Taqí conseguiu libertar-Nos de suas mãos e Nos conduzir à sua própria casa. Mostrou-Nos a mais calorosa hospitalidade. Em algumas ocasiões cedia à pressão que os ulemás continuamente sobre ele exerciam e se sentia impotente para lhes frustrar as tentativas de Nos lesar. Es-távamos ainda em sua casa, quando o Sardár, que fora ao encontro do exército em Mázindarán, regressou a Ámul. Logo que foi informado das indignidades por Nós sofridas, ele repreendeu Mirzá Taqí pela fraqueza que mostrara em Nos proteger contra Nossos inimigos. 'De que importância,' per-guntou indignado, 'são as denúncias desse povo ignorante? Como é que vos permitistes ser movido pelo seu clamor? De-veríeis vos ter contentado por haverdes impedido o grupo

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de chegar a seu destino e, em vez de os deterdes nessa casa, haver providenciado seu regresso seguro e imediato a Teerã.'

"Enquanto em Sárí, fomos novamente expostos aos ul-trajes por parte do povo. Se bem que as notabilidades dessa cidade fossem pela maior parte Nossos amigos e tivessem em várias ocasiões conosco encontrado em Teerã, mal ha-via o povo da cidade Nos reconhecido enquanto andávamos com Quddús nas ruas, quando começou a arremessar con-tra nós suas invectivas. Com o grito de 'Bábí! Bábí!' éramos saudados, onde quer que fôssemos. Não pudemos escapar as suas amargas denúncias.

"Em Teerã fomos duas vezes aprisionados em conse-qüência de Nos havermos levantado para defender a Causa dos inocentes contra um impiedoso opressor. O primeiro encarceramento ao qual fomos sujeitados seguiu o assas-sinato de Mullá Taqíy-i-Qazvíní e foi causado pela assistên-cia que fomos movidos a prestar àqueles a quem foi infli-gido sem merecimento, um severo castigo. Nossa segunda prisão, infinitamente mais severa, foi precipitada pela ten-tativa que irresponsáveis seguidores da Fé fizeram contra a vida do Xá. Esse evento causou nosso desterro a Bagdá. Pouco depois de Nossa chegada, Nos retiramos para as mon-tanhas de Kurdistán, onde por algum tempo levamos uma vida de solidão completa. Procuramos abrigo no cume de uma montanha remota situada a uns três dias de distância da mais próxima morada humana. Faltavam completamente os confortos da vida. Permanecemos em inteiro isolamento de Nossos semelhantes até que um certo Shaykh Ismá'íl des-cobriu nossa morada e nos trouxe o alimento de que neces-sitávamos.

"Ao regressarmos a Bagdá, vimos com grande espanto, que a Causa do Báb fora penosamente negligenciada, que sua influência minguara e seu próprio nome quase se sub-mergira no esquecimento. Levantamo-Nos para ressuscitar Sua Causa e salvá-la da decadência e corrupção. Num tem-po em que medo e perplexidade se haviam apoderado fir-memente de nossos companheiros, reafirmamos, com intre-pidez e determinação, suas verdades essenciais, e convocamos todos aqueles que se haviam tornado indiferentes para es-posarem com entusiasmo a Fé da qual tão lamentavelmente

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tinham descuidado. Enviamos Nosso apelo aos povos do mundo, convidando-os a contemplarem a luz de Sua Reve-lação.

"Após Nossa partida de Adrianópolis, surgiu uma dis-cussão entre os oficiais do governo em Constantinopla sobre Nosso destino — se Nós e Nossos companheiros deveríamos ou não ser jogados no mar. A notícia dessa discussão che-gou na Pérsia e deu origem ao boato de que fora esta, real-mente, a sorte que Nos sobreviera. Em Khurásán, em espe-cial, Nossos amigos ficaram profundamente perturbados. Mírzá Ahmad-i-Azghandí, assim que foi informado dessa no-tícia — dizem — asseverou que sob nenhuma circunstância poderia ele dar crédito a tal boato. 'A Revelação do Báb,' — disse ele — 'deve, se isso for verdade, ser considerada absolutamente destituída de fundamento.' — A notícia de havermos chegado, são e salvo na cidade-prisão de 'Akká, regozijou os corações de Nossos amigos e tornou mais pro-funda a admiração dos crentes de Khurásán pela fé de Mírzá Ahmad, aumentando sua confiança nele.

"De Nossa, a Maior Prisão, sentimo-Nos movidos a diri-gir aos vários governantes e cabeças coroadas do mundo Epístolas nas quais os convocamos a se levantarem e abra-çarem a Causa de Deus. Ao Xá da Pérsia mandamos Nosso mensageiro Badí', em cujas mãos confiamos a Epístola. Foi ele quem a levantou no alto, diante dos olhos da multidão e, erguendo a voz, fez um apelo a seu soberano para que atendesse às palavras naquela Epístola contidas. As outras Epístolas igualmente, chegaram a seu destino. À Epístola que dirigimos ao imperador da França, uma resposta foi recebida de seu ministro, estando o original dessa resposta agora em poder do Maior Ramo (2). A ele dirigimos estas palavras: 'õ Rei de Paris! Dize ao padre que não mais toque os sinos. Por Deus o Verdadeiro! Apareceu o Sino Mais Po-deroso na forma Daquele que é o Maior Nome e os dedos da vontade de teu Senhor, o Excelso, o Altíssimo, o fazem soar no céu da imortalidade em Seu Nome, o Todo-Glorioso/ — Somente a Epístola que dirigimos ao Czar da Rússia não logrou chegar a seu destino. Outras Epístolas, porém foram

(2) Título de 'Abdu'1-Bahá.

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recebidas e aquela Epístola será afinal entregue em suas mãos.

"Sede gratos a Deus por haver Ele vos capacitado a reconhecer Sua Causa. Qualquer um que receba esta bênção deve ter realizado, anteriormente a sua aceitação, algum feito o qual, embora ele próprio estivesse inconsciente de seu caráter, foi ordenado por Deus como um meio pelo qual ele tem sido guiado a encontrar e abraçar a Verdade. Quan-to àqueles que ficaram privados dessa bênção, seus atos, tão somente, os impediram de reconhecer a verdade desta Revelação. Nutrimos a esperança de que vós, havendo atin-gido a esta luz, envideis os máximos esforços para banirdes as trevas da superstição e descrença do meio do povo. Que vossas ações proclamem vossa fé e vos capacitem a guiar os errantes aos caminhos da salvação eterna. A memória desta noite jamais será apagada. Que nunca se oblitere com o passar do tempo; que sua menção para sempre persista nos lábios dos homens."

O sétimo Naw-Rúz após a Declaração do Báb caiu no décimo sexto dia do mês de Jamádíyu'1-Avval, no ano de 1267 A. H. (3), Um mês e meio após o término da luta de Zanján. Naquele mesmo ano, perto do fim da primavera, nos primeiros dias do mês de Shabán (4), Bahá'u'lláh partiu da capital para Karbilá. Eu, nessa ocasião, morava em Kir-mánshá, na companhia de Mírzá Ahmad, amanuense do Báb, a quem Bahá'u'lláh mandara colecionar e transcrever todos os escritos sagrados, estando os originais, pela maior parte, em seu poder. Estive em Zarand, na casa de meu pai, quando aos Sete Mártires de Teerã sobreveio seu destino cruel. Con-segui subseqüentemente partir para Qum, sob o pretexto de desejar visitar o santuário. Não podendo localizar Mírzá Ahmad, com quem desejava me encontrar, parti para Káshán, seguindo o conselho de Hájí Mírzá Músáy-i-Qumí, que me informou que a única pessoa capaz de me esclarecer quanto ao paradeiro de Mírzá Ahmad era 'Azím, então residente em Káshán. Com ele voltei a Qum, onde fui apresentado a um certo Siyyid Abu'l-Qásim-i-'Aláqih-Band-i-Isfáhání, que pre-

(3) 1851, A. D. (4) I — 30 de junho de 1851, A. D.

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viamente acompanhara Mírzá Ahmad em sua viagem a Kir-mánsháh. 'Azím deu-lhe instruções para me conduzir ao portão da cidade, onde ele me informaria do lugar em que Mírzá Ahmad residia e providenciaria minha partida para Hamadán. Siyyid -Abu'1-Qásim, por sua vez, me referiu a Mírzá Muhammad-'Alíy-i-Tabíb-i-Zanjání quem, ele disse, eu haveria de encontrar seguramente em Hamadán, e quem me informaria do lugar onde eu pudesse encontrar Mírzá Ah-mad. Segui suas instruções e fui mandado, por esse Mírzá Muhammad-'Alí, a Kirmánsháh, para lá encontrar com um certo mercador, de nome Ghulám-Husayn-í-Shushtari, que me conduziria à casa em que Mírzá Ahmad residia.

Poucos dias após minha chegada, Mírzá Ahmad me in-formou que, durante sua estada em Qum havia conseguido ensinar a Causa a íldirím Mírzá, irmão de Khánlar Mírzá, a quem ele queria apresentar um exemplar do "Dalá'il-i-Sab'ih" (5) e expressou seu desejo de que eu fosse seu por-tador, íldirím Mírzá era naquele tempo governador de Khur-ram-Ábád, na província de Luristán e havia acampado com seu exército nas montanhas de Khávih-Válishtar. Com o má-ximo prazer acedi a seu pedido, expressando-lhe minha pron-tidão para sair imediatamente nessa jornada. Com um guia curdo foram atravessadas montanhas e florestas durante seis dias e seis noites até que alcançamos o quartel do governa-dor. Entreguei em suas mãos a incumbência e trouxe de volta comigo uma mensagem por ele escrita a Mírzá Ahmad, expressando sua apreciação do presente e lhe assegurando sua devoção à Causa de seu Autor.

Ao regressar, recebi de Mírzá Ahmad as jubilosas novas da chegada de Bahá'u'lláh em Kirmánsháh. Enquanto está-vamos sendo conduzidos a Sua presença, nós O encontra-mos — sendo este o mês de Ramadan — ocupado em ler o Alcorão e assim tivemos a bênção de ouvi-lo ler versí-culos desse sagrado Livro. Apresentei-lhe a mensagem es-crita por íldirím Mírzá a Mírzá Ahmad. "A fé que um membro da dinastia de Qájár professa," comentou Ele, de-pois de ler a carta, "não é fidedigna. Suas declarações são

(5) Uma das obras mais conhecidas do Báb.

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insinceras. Esperando que algum dia os bábís assassinarão o soberano, ele nutre no coração a esperança de ser por eles aclamado o sucessor. O amor pelo Bata que ele professa é atuado por esse motivo." Dentro de poucos meses reconhe-cemos a verdade de Suas palavras. Esse mesmo Ildirím Mírzá deu ordens para a execução de um certo Siyyid Basír-i-Hindí, fervoroso aderente da Fé.

Seria apropriado a esta altura, desviar-nos do curso de nossa narrativa e nos referirmos, em poucas palavras, às circunstâncias da conversão e morte desse mártir. Entre os discípulos solicitados pelo Bata, nos primeiros dias de Sua Missão, a dispersarem e ensinarem Sua Causa, havia um certo Shaykh Sa'íd-i-Hindí, uma das Letras dos Viventes, a quem seu Mestre mandara viajar através da índia e procla-mar a seu povo os preceitos de Sua Revelação. Shaykh Sa'íd, no curso de suas viagens, visitou a cidade de Mooltán, onde conheceu esse Siyyid Basír (6) que, emtaora cego pôde, com os olhos interiores, perceber de imediato o significado da mensagem que Shaykh Sa'íd lhe trouxera. Os vastos co-nhecimentos que ele havia adquirido, longe de impedi-lo de apreciar o valor da Causa à qual foi chamado, o capacitaram

(6) "Desde sua infância Siyyid Basír mostrou sinais das mara. vilhosas faculdades que manifestou posteriormente. Durante sete anos desfrutou das bênçãos de poder ver, porém, quando a visão de seu es-pírito aclarou um véu de obscuridade desceu sobre sua vista exterior. Desde a infância havia mostrado sua boa disposição e seu caráter amá-vel tanto de palavra como de ação; a isto agregou agora uma singular piedade e uma vida sóbria. Finalmente aos vinte e um anos empreendeu viagem com grande pompa e cerimônia (pois tinha muitas riquezas na índia) com o fim de fazer a peregrinação; quando chegou à Pérsia começou a associar-se a todas as seitas e partidos (pois conhecia bem as doutrinas e as leis de todas) e a distribuir grandes somas de di-nheiro aos pobres, enquanto se submetia à mais rigorosa disciplina re-ligiosa. E já que seus antepassados haviam profetizado que nesses dias apareceria um Homem Perfeito na Pérsia estava continuamente ocupa-do em fazer averiguações. Visitou Meca e depois de fazer a peregri-nação, dirigiu-se aos santuários sagrados de Karbilá e Najaf, onde co-nheceu ao extinto Hájí Siyyid Kázim, com quem teve uma sincera ami-zade. Então voltou à índia; quando chegou a Bombaim ouviu falar que havia aparecido na Pérsia uma pessoa que havia se proclamado ser o Báb, em vista disso regressou para ali de imediato". (El "Taríkh-i-Jadíd", p. 245-6).

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a abranger seu significado e compreender a grandeza de seu poder. Pondo atrás de si e se desprendendo de amigos e parentes, levantou-se com a firme resolução de prestar seu quinhão de serviço à Causa que ele abraçara. Seu primeiro ato foi empreender uma peregrinação a Shíráz, na esperança de encontrar com seu Bem-Amado. Ao chegar nessa cidade, foi informado, para sua surpresa e pesar, de que o Báb fora banido às montanhas de Ádhirbáyján, onde levava uma vida de solidão ininterrupta. Logo seguiu ele a Teerã e daí partiu para Nür, onde se encontrou com Bahá'u'lláh. Esse encontro lhe aliviou o coração da carga de tristeza causada pelo in-sucesso em ver seu Mestre. Àqueles que vieram subseqüen-temente a conhecer, de qualquer classe ou credo, participou ele as alegrias e as bênçãos que recebera, com tanta abun-dância das mãos de Bahá'u'lláh, podendo dotá-los de alguma medida do poder do qual seu contato com Ele investira seu mais íntimo ser.

Tenho ouvido Shaykh Shahíd-i-Mázkán relatar o seguin-te: "Tive o privilégio de conhecer Siyyid Basír no auge do verão durante sua passagem por Qansar, onde vão os prin-cipais residentes de Káshán a fim de escapar do calor dessa cidade. Dia e noite eu o encontrava ocupado em discutir com os mais eminentes ulemás, que se haviam congregado nessa aldeia. Com habilidade e perspicácia, com eles tratava das sutilezas de sua Fé, expondo-lhes sem medo ou reserva os ensinamentos fundamentais da Causa e lhes refutando, em absoluto, os argumentos. Pessoa alguma, por maiores que fossem seus conhecimentos e experiências, conseguia rejeitar as evidências por ele apresentadas para sustentar as pretensões. Tal era sua percepção e tal sua famiiiaridade com os ensinamentos e preceitos do Islã que seus adversá-rios o imaginavam um feiticeiro, cuja perniciosa influência lhes pudesse, receavam, roubar sua posição."

De igual modo tenho ouvido Mullá Ibráhim, cognomi-nado Mullá-Báshí, que foi martirizado em Sultán-Ábád, re-latar sua impressão de Siyyid Basír: "Perto do fim de sua vida, Siyyid Basír passou por Sultán-Ábád, onde com ele eu pude encontrar. Ele estava continuamente associado com os principais Ulemás. Ninguém lhe podia exceder em seu co-nhecimento do Alcorão e domínio das tradições atribuídas

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a Maomé. Ele mostrava um entendimento que o tornava o terror de seus adversários. Muitas vezes seus oponentes questionavam a exatidão de suas citações ou rejeitavam a existência da tradição que ele apresentava para sustentar seu argumento. Com infalível exatidão estabelecia ele a ver-dade de seu argumento com sua referência ao texto do 'Usúl-i-Káff e do 'Biháru'1-Anvár', (7) do qual tirava, logo, a tradição especial que demonstrava a verdade de suas pa-lavras. Mantinha-se sem rival tanto na fluência de seu argu-mento como na facilidade com que expunha as provas in-contestáveis em apoio de seu tema."

De Sultán-'Ábád, procedeu Siyyid Basír a Luristán, onde visitou o acampamento de íldirím Mírzá, por quem foi re-cebido com notável respeito e consideração. No curso de sua conversa com ele um dia, o Siyyid, que era homem de grande coragem, se referiu a Muhammad Sháh em termos que inci-taram a ira feroz de íldirím Mírzá. Ficou ele furioso por causa do tom e da veemência de seus comentários e orde-nou que a língua lhe fosse arrancada através da nuca. Com assombrosa fortaleza suportou o siyyid essa tortura desu-mana, mas sucumbiu à dor que seu opressor impiedosa-mente lhe infligira. Na mesma semana uma carta na qual íldirím Mírzá injuriara o irmão, Khánlar Mírzá, foi desco-berta por este e de imediato ele obteve o consentimento de seu soberano para tratá-lo de qualquer maneira que ele qui-sesse. Khánlar Mírzá, que tinha um ódio implacável por seu irmão, mandou que fosse despido e levado nu e acor-rentado a Ardibíl, onde foi encarcerado e, afinal, morreu.

Bahá'u'lláh passou o mês inteiro de Ramadán em Kir-mánsháh. Shukru'lláh-i-Núrí, um parente Seu, e Mírzá Mu-hammad-i-Mázindarání, que sobrevivera a luta de Tabarsí. foram os únicos companheiros que Ele escolheu para acom-panhá-Lo a Karbilá. Ouvi o próprio Bahá'u'lláh dar as razões de Sua partida de Teerã. "O Amír-Nizám," disse-nos Ele, "pediu-Nos um dia que fôssemos vê-lo. Ele nos recebeu cor-dialmente e revelou o propósito de Nos haver chamado a sua presença. 'Estou bem ciente,' insinuou ele suavemente., 'da natureza e da influência de vossas atividades e estou

(7) Recopilação de tradições muçulmanas.

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firmemente convencido de que, se não fosse o apoio e a assistência por vós prestados a Mullá Husayn e seus com-panheiros, nem ele, nem seu bando de estudantes inexperi-entes teria sido capaz de resistir por sete meses as forças do governo imperial. A habilidade e destreza com que pu-destes dirigir e animar aqueles esforços não deixaram de me despertar a admiração. Não tenho podido obter evidên-cia para estabelecer vossa cumplicidade no caso. Acho uma pena que uma pessoa tão capaz fique vadia, não lhe sendo concedida oportunidade para servir a seu país e seu sobe-rano. Veio-me o pensamento de vos sugerir que visiteis Karbilá nestes dias em que o Xá está considerando uma viagem a Isfáhán. É minha intenção, quando ele voltar, po-der vos conferir a posição de Amír-Díván, função esta po-deríeis admiravelmente desempenhar.' Protestamos veemen-temente contra tais acusações e recusamos aceitar a posição que ele esperava Nos oferecer. Poucos dias depois dessa entrevista, saímos de Teerã para Karbilá."

Antes da partida de Bahá'u'lláh de Kirmánshán, Ele chamou a Sua presença Mírzá Ahmad e também a mim e nos mandou partir para Teerã. Fui incumbido de encontrar com Mírzá Yahyá imediatamente depois de minha chegada e levá-lo comigo ao forte de Dhu'1-Fakár Khán, situado nas proximidades de Sháhrúd, lá com ele permanecendo até o regresso de Bahá'u'lláh à capital. A Mírzá Ahmad foi orde-nado que se detivesse em Teerã até Sua chegada e lhe foi entregue uma caixa de doces e uma carta endereçada a Áqáy-i-Kalím, quem deveria despachar o presente a Mázin-darán, onde residiam o Maior Ramo e Sua mãe.

Mírzá Yahyá, a quem entreguei a mensagem, recusou partir de Teerã e queria, em vez disso, que eu partisse para Qazvín. Obrigou-me a aceder a seu desejo e levar comigo algumas cartas que ele me mandou entregar a certos ami-gos seus nessa cidade. Ao regressar a Teerã, fui constran-gido, diante da insistência de meus parentes, a sair para Zarand. Mírzá Ahmad, entretanto, prometeu providenciar novamente meu regresso à capital, promessa esta que ele cumpriu. Dois meses mais tarde, eu estava outra vez resi-dindo com ele em um caravansarai fora do portão de Naw, onde passei em sua companhia, todo o inverno. Ele dedicava

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seus dias à transcrição do Bayán Persa e do "Dalá'il-i-Sab'-ih," trabalho este que ele executava com entusiasmo admi-rável. Entregou a mim dois exemplares deste último, pedin-do-me que os apresentasse em seu nome a Mustaw-fíyu'l-Mamálik-i-Áshtíyání e Mírzá Siyyid 'Aliy-i-Tafarshí, cogno-minado Majdu'1-Ashráf. O primeiro foi tão afetado que se convenceu completamente da verdade da Fé. Quanto a Mírzá Siyyid 'Ali, as opiniões por ele expressas foram de um cará-ter totalmente diverso. Em uma reunião na qual 'Aqáy-i-Kalím estava presente, comentou de um modo desfavorável sobre as contínuas atividades dos crentes. "Essa seita", de-clarou ele publicamente, "ainda vive. Seus emissários traba-lham assiduamente, difundindo os ensinamentos de seu lí-der. Um deles, um jovem, veio me visitar outro dia e me apresentou um tratado que eu considero extremamente peri-goso. Qualquer um dentre a plebe que leia esse livro, se en-ganará seguramente com seu tom." Áqáy-i-Kalím, de ime-diato, percebeu de suas referências que Mírzá Ahmad lhe havia mandado o livro e que eu servira de mensageiro. Nesse mesmo dia Áqáy-i-Kalím convidou-me a visitá-lo e me acon-selhou que voltasse a minha casa em Zarand. Pediu-me que induzisse Mírzá Ahmad a partir imediatamente para Qum, pois nós dois, em sua opinião, estávamos expostos a grande perigo. Agindo de acordo com as instruções de Mírzá Ah-mad, consegui induzir o siyyid a devolver o Livro que lhe fora oferecido. Pouco depois, despedi-me de Mírzá Ahmad, com quem nunca mais me encontrei. Acompanhei-lhe até Sháh-'Abdu'l-Azím, donde ele partiu para Qum, enquanto eu segui meu caminho para Zarand.

O mês de Shawál, no ano de 1267 A. H. (8), testemu-nhou a chegada de Bahá'u'lláh em Karbilá. No caminho para essa cidade santa, Ele se demorou alguns dias em Bagdá, cidade essa que Ele breve haveria de visitar novamente e onde Sua Causa era destinada a amadurecer e se desvelar diante do mundo. Ao chegar em Karbilá soube que alguns de seus principais residentes, entre os quais Shaykh Sultán e Hájí Siyyid Javád, haviam caído vítimas da perniciosa influência de um certo Siyyid-i-'Ulluvv e se declaravam seus

(8) 30 de julho — 28 de agosto de 1851, A. D.

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aderentes. Estavam imersos em superstições e acreditavam que seu líder era a própria encarnação do Espírito Santo. Shaykh Sultán figurava entre seus mais fervorosos discípu-los e se considerava a si próprio em segundo lugar, depois de seu mestre, como o proeminente líder de seus conter-râneos. Bahá'u'lláh em várias ocasiões se encontrou com. ele e com Suas palavras de conselho e de benevolência, pôde lhe purificar a mente de suas vãs fantasias e livrá-lo do es-tado de servitude abjeta em que se submergira. Ganhou sua completa lealdade à Causa do Báb e lhe ateou no coração o desejo de propagar a Fé. Seus co-discípuios, testemunhando os efeitos de sua imediata e maravilhosa conversão foram levados, um após outro, a abandonar sua lealdade anterior e abraçar a Causa que seu colega se levantara para defen-der. Abandonado e desprezado pelos antigos aderentes, o Siyyid-i-'Ulluvv foi, afinal, levado a reconhecer a autoridade de Bahá'u'lláh e admitir a superioridade de Sua posição. Ele chegou até ao ponto de expressar arrependimento por seus atos e de dar sua palavra que jamais advogaria as teorias e os princípios com os quais se havia identificado.

Foi durante essa visita a Karbilá que Bahá'u'lláh, en-quanto andava pelas ruas, encontrou Shaykh Hasan-i-Zunúsí, a quem confiou o segredo que Ele era destinado a revelar posteriormente em Bagdá. Viu que ele buscava ansiosamen-te o prometido Husayn, a quem o Báb com tanto amor se referira, prometendo-lhe que o encontraria em Karbilá. Jà temos, em capítulo anterior, narrado as circunstâncias que levaram a seu encontro com Bahá'u'lláh. Desde aquele dia, Shaykh Hasan estava como que magnetizado pelo encanto de seu Mestre novamente encontrado e, não fosse a cautela que lhe fora solicitado exercer, teria proclamado aos habi-tantes de Karbilá a volta do prometido Husayn cujo apare-cimento esperavam.

Entre aqueles que vieram a sentir esse poder, figurava Mírzá Muhammad-'Alíy-i-Tabíb-i-Zanjání, em cujo coração se implantava uma semente destinada a crescer e florescer em uma fé tão tenaz que os fogos da perseguição impotentes seriam para extingui-la. De sua devoção, sua magnanimidade e sua dedicação a um único objetivo, o próprio Bahá'u'lláh deu testemunho. Essa fé o levou afinal, ao campo do mar-

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tírio. De destino igual participou Mírzá 'Abdu'1-Vahháb-i-Shírází, filho de Hájí 'Abdu'1-Majíd, proprietário de uma loja em Karbilá, que se sentiu impelido a renunciar a todas as possessões e seguir seu Mestre. Foi aconselhado, entre-tanto, a que não abandonasse seu trabalho e sim, continuas-se a ganhar seu sustento, até o tempo em que fosse cha-mado a Teerã. Bahá'u'lláh exortou-o a ser paciente e o en-corajou a ampliar o âmbito de seus negócios, dando-lhe certa quantia para esse fim. Não podendo concentrar sua atenção em seu ofício porém, Mírzá 'Abdu'1-Vahháb apressou-se a Teerã, onde permaneceu até ser aprisionado na masmorra na qual seu Mestre estava confinado, onde sofreu martírio por amor a Ele.

De igual modo foi Shaykh 'Alí-Mírzáy-i-Shírází atraído à Causa a qual fora chamado e a qual ele serviu com uma abnegação e devoção além de todo louvor, mantendo-se até o último momento de sua vida um destemido defensor. A amigo e inimigo, igualmente, contava ele suas experiências em virtude da maravilhosa influência que a presença ae Bahá'u'lláh sobre ele exercia, e os sinais e prodígios por ele testemunhados durante e após os dias de sua conversão ele os descrevia entusiasticamente.

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CAPÍTULO XXVI ATENTADO CONTRA A VIDA DO XÁ

E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

Na ocasião do oitavo Naw-Rúz após a Declaração do Báb, que caiu no vigésimo sétimo dia do mês de Jamádiyu'1-Avval, no ano de 1268 A. H. (1), Bahá'u'lláh encontrava-se ainda no Iraque, ocupado em disseminar os ensinamentos da Nova Revelação e lhe tornar firmes os fundamentos. De-monstrando um entusiasmo e uma habilidade que faziam lembrar Suas atividades nos primeiros dias do movimento em Núr e Mázindarán, continuou Ele a Se devotar à tarefa de reanimar as energias, organizar as forças e dirigir as atividades dos companheiros do Báb, tão largamente disper-sos. Era Ele a luz única em meio às trevas que cercavam os discípulos desconcertados os quais, por um lado, haviam testemunhado o martírio cruel de seu bem-amado Líder e por outro, o trágico destino de seus companheiros. Ele, tão somente, pôde inspirar neles a coragem e fortaleza neces-sárias para que suportassem as numerosas aflições sobre eles amontoadas; somente Ele tinha capacidade para pre-pará-los para a pesada tarefa com a qual eram destinados a arcar, e pôde habituá-los a desafiar a tempestade e os peri-gos que breve eles haveriam de enfrentar.

Na primavera daquele ano, Mírzá Taqí Khán, o Amir-Nizám, o Grão-Vizir de Násirí'd-Dín Sháh, autor de tão in-fames ultrajes contra o Báb e Seus companheiros, foi morto

(1) 1852 A. D.

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em um banho público em Pín, perto de Káshán (2), tendo sido miseravelmente frustrado em sua tentativa de deter o ímpeto da Fé a qual ele lutara tão desesperadamente para esmagar. Sua própria fama e honra eram destinadas a pere-cer afinal, com sua morte e não a influência daquela vida que ele procurara extinguir. Durante os três anos em que ocupava o posto de Grão-Vizir da Pérsia, seu ministério ma-culou-se com feitos da pior infâmia. Que atrocidades não foram perpetradas pelas suas mãos, enquanto se estendiam para demolir a estrutura que o Báb erguera! A que medidas traiçoeiras não recorria ele em sua fúria impotente, a fim de solapar a vitalidade de uma Causa que ele temia e odiava! O primeiro ano de sua administração foi marcado pela in-vestida feroz do exército imperial de Násirí-d-Dín Sháh contra os defensores do forte de Tabarsi. Quão impiedosa-mente conduziu ele a campanha de repressão contra aqueles aderentes da Fé Divina! Que fúria e eloqüência exibiu em seu apelo por exterminar as vidas de Quddús e Muilá Hu-

(2) "Mais ou menos a quatro milhas a sudoeste de Káshán, sobre as encostas das montanhas, encontra se o palácio de Pín, cujas fontes termais têm feito dele um lugar favorito da realeza desde tempos re-motos . . . Em época recente se têm relacionado lembranças mais tene-brosas com o palácio de Pín; foi aqui onde em 1852 foi morto por ordem real, Mirzá Taqí Khán o primeiro grande ministro do Sháh reinante e cunhado do rei, quando lhe foram abertas suas veias enquanto se achava no banho. O palácio se encontra agora deserto". (Lord Curzon "Pérsia and the Persian Question", vol. 2, p. 16). "Uma dama do harém foi enviada à Princesa para dizer-lhe que secara suas lágrimas, porque o Sháh havia cedido e que o Ámir devia regressar a Teerã ou ir a Kar-bilá, o asilo habitual para os persas caídos em desgraça. 'O Khal'át ou manto de honra', disse ela, 'está por chegar e estará aqui dentro de uma ou duas horas; vá pois, ao banho e prepare se para recebê-lo'. Durante todo esse tempo o Ámir não se havia aventurado a sair uma só vez do apartamento da Princesa e da sua presença pela segurança que lhe oferecia. Ao ouvir a boa notícia, entretanto, resolveu seguir o conselho dessa mulher e deu-se ao luxo de um banho. Deixou a Prin-cesa e ela jamais voltou a vê-lo. Quando chegou no banho a ordem fatal já havia sido dada e o crime foi perpetrado. Apresentou-se o farrásh-báshí e seu bando desprezível e lhe foi dado o direito de escolher o tipo de morte que desejava. Diz-se que suportou sua morte com paciên-cia e fortaleza. Suas veias foram abertas e finalmente expirou". (Lady Sheil: "GHmpses of Life and Manners in Pérsia", pp. 251-2).

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sayn e de trezentos e treze dos melhores e mais nobres de seus conterrâneos! O segundo ano de seu ministério, estava lutando com determinação selvagem, para extirpar a Fé na capital. Ele foi quem autorizou e encorajou a apreensão dos crentes que residiam nessa cidade, e ordenou a execução dos Sete Mártires de Teerã. Ele foi quem desencadeou a ofensiva contra Vahíd e seus companheiros, quem inspirou aquela campanha de vingança que animou os perseguidores, insti-gando-os a cometer as abominações com as quais aquele epi-sódio estará para sempre associado. Nesse mesmo ano se testemunhou outro golpe, um mais terrível do que qualquer até então infligido por ele àquela comunidade tão perseguida •— golpe esse que levou a um trágico fim a vida Daquele que era a Fonte de todas as forças que ele em vão tentara repri-mir. Os últimos anos da vida daquele Vizir permanecerão para sempre assinalados pela mais revoltante das vastas campanhas que sua mente engenhosa planejou, sendo uma campanha que envolveu a destruição das vidas de Hujját e de nada menos que mil e oitocentos de seus companheiros. Tais foram as feições que distinguiram uma carreira ini-ciada e finda em um reinado de terror cujo igual a Pérsia raramente havia visto.

Sucedeu-lhe Mírzá Áqá Khán-i-Núrí (3) que, no início de seu ministério, se esforçou para efetivar uma reconcilia-ção entre o governo do qual era ele o chefe, e Bahá'u'lláh, considerado por ele o mais capaz dos discípulos do Báb. Enviou-lhe uma carta cordial, pedindo-lhe que voltasse a Teerã e expressando sua ansiedade de com Ele se encon-trar. Bahá'u'lláh, antes de receber essa carta, já decidira partir do Iraque para a Pérsia.

Ele chegou na capital no mês de Rajab (4), sendo-lhe dadas boas vindas pelo irmão do Grão-Vizir, Ja'far-Qulí Khán, que recebera instruções especiais para sair ao Seu encontro. Durante um mês inteiro foi Ele o hóspede de honra do Grão-Vizir o qual havia incumbido o irmão de represen-tá-lo no papel de anfitrião. Tamanho foi o número de nota-

is) Seu título era rtimádu'd-Dawlih, o Homem de Confiança do Estado. (Lady Sheil: "Glimpses of Life and Manners in Pérsia", p. 249).

(4) 21 de abril — 21 de maio de 1852 A. D.

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bilidades e dignitários da capital que se congregavam a Seu redor, que Ele se viu impossibilitado de voltar a Sua pró-pria casa. Permaneceu nessa casa até Sua partida para Shi-mírán.

Tenho ouvido dizer que durante essa jornada Bahá'u'-lláh teve oportunidade de encontrar com 'Azím, que desde muito tempo estava tentando vê-lo e que, nessa entrevista foi aconselhado, em termos os mais enfáticos a abandonar o plano que ele havia concebido. Bahá'u'lláh condenou seus desígnios, desligou-se inteiramente do ato que ele tencionava cometer e lhe advertiu de que tal tentativa precipitaria no-vos desastres de magnitude sem precedentes.

Bahá'u'lláh procedeu a Lavásán, tendo parado na aldeia de Afchih, propriedade do Grão-Vizir, quando lhe veio a no-tícia da tentativa contra a vida de Násiri'd-Dín-Sháh, Jáfar-Qulí Khán ainda era Seu anfitrião em nome do Amír-Nizám. Esse ato criminoso foi perpetrado perto do fim do mês de Shavvál, no ano de 1268 A. H. (6), por dois obscuros e ir-responsáveis jovens, um de nome Sádiq-i-Tabrízí e o outro, Fathu'lláh-i-Qumí ambos ganhavam a vida em Teerã. Em uma ocasião em que o exército imperial, chefiado pelo pró-prio Xá, havia acampado em Shimírán, esses dois jovens ignorantes, em um frenesi de desespero, levantaram-se para vingar o sangue de seus irmãos trucidados (7). A loucura

(5) "Shimírám ou Shimrám (em algumas ocasiões utilizado no plural Shimránát) é o nome que se dá em geral às aldeias e mansões situadas nos outeiros mais baixos quando se desce de Elburz e que servem como residências de verão aos habitantes mais ricos de Teerã". ("A TraveFers Narrative", p. 81, anotação I ) .

(6) Shavvál 28 — Agosto 15, 1852 A. D. (7) "De manhã o rei saiu para dar um passeio a cavalo. A sua

frente iam, como de costume, os cavaleiros que levavam longas lanças, conduzindo cavalos com selas bordadas e um grupo de jinetes nômades com seus rifles pendurados nos ombros e seus sabres nas montarias. Esta comitiva precedia o rei com o objetivo que ele não fosse molestado pelo povo e o rei seguia a passo lento, a curta distância do séquito de gran-des senhores, chefes e oficiais que o acompanhavam à toda parte. En-contrava-se perto do palácio e apenas havia passado ao lado do pequeno portão do jardim de Muhammad-Hasan, Sanduq-dár o tesoureiro das finanças, quando observou, a um canto do caminho, três homens, três jardineiros, que estavam de pé dois à esquerda e um à direita e que

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que caracterizou seu ato foi demonstrada pelo fato de que, ao fazerem tal tentativa contra a vida de seu soberano, em vez de empregarem armas efetivas que pudessem assegurar o êxito de sua arriscada façanha, esses jovens carregaram suas pistolas de balas que nenhuma pessoa de razão jamais pensaria em usar para tal fim. Se sua ação tivesse sido instigada por um homem de juízo e bom senso, ele certa-

pareciam que o estavam esperando. Não suspeitou perigo de modo que continuou cavalgando. Quando estava bem perto viu que faziam juntos uma reverência e diziam em voz alta: "Somos um sacrifício por vós. Desejamos fazer um pedido". Esta era a forma tradicional, porém, em lugar de manterem-se a certa distância como de costume, precipitaram-se sobre ele repetindo: "Desejamos fazer um pedido". Surpreendido o rei gritou: "Insolentes! O que querem?". Nesse momento o homem da direita agarrou as rédeas e disparou contra o rei. Entretanto os dois homens da esquerda dispararam também. Um dos chumbos cortou o colar de pérolas que adornava o pescoço do cavalo, enquanto outro dis-paro cheio de chumbos atingiu o braço direito e o ombro do rei. Ime-diatamente o homem da direita puxou a perna de Sua Majestade e o teria arrancado da sela se os dois assassinos da esquerda não houves-sem tentado fazer o mesmo pelo outro lado. O rei estava golpeando os assaltantes com seus punhos enquanto que os saltos do assustado ca-valo diminuíam seus esforços e retardavam a agressão. O séquito real, descrito no primeiro instante, se apressou a ajudar seu amo. Assadu' lláh Khán, o chefe dos cavaleiros e um dos jinetes nômades mataram imediatamente o homem da direita com seus sabres. Enquanto outros vários chefes derrubavam os outros dois homens e os amarravam.

"O doutor Cloquet, o médico da corte, fez com que levassem ime-diatamente o rei ao jardim de Muhammad-Hasan, Sanduq-dár, como ninguém parecia saber o que na realidade havia sucedido e se bem que se tinha uma idéia da magnitude do perigo, ninguém tinha uma noção da sua verdadeira gravidade. Durante mais de uma hora reinou uma grande confusão na cidade de Niyávarán enquanto que os ministros en-cabeçados por Sard-i-A'zam entravam apressadamente no jardim. As cometas, os tambores, os taróis, as flautas todas faziam um chamado as tropas, os ghuláms chegaram cavalgando num frenético galope; todo mundo dava ordens, ninguém viu, ouviu ou sabia alguma coisa. No meio desta confusão chegou um estafeta procedente de Teerã que havia sido enviado por Ardishír Mirzá, o governador da cidade, para ave-riguar o sucedido e que medidas deveriam ser tomadas na capital já que desde a manhã até a tarde os rumores de que o rei havia sido as-sassinado haviam tomado características de certeza. Os bazares, percor-ridos por homens armados com atitude ameaçante, haviam sido aban-donados pelos comerciantes. Durante toda a noite as padarias ficaram

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mente nunca lhes teria permitido executar sua intenção com instrumentos tão ridiculamente ineficazes (8).

Esse ato, embora cometido por fanáticos desequilibra-dos e débeis mentais e apesar de haver sido desde o início,

rodeadas por pessoas que procuravam comprar provisões para vários dias, como é costume quando se prevê perigo.

"Ao amanhecei-, à medida que aumentava o tumulto, Ardishír Mirzá ordenou que as portas da cidade fossem fechadas, pôs o regimento em estado de alerta e preparou os canhões ainda que não tivesse idéia de quem seria o inimigo; logo pediu instruções. (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Ásie Centrale", pp. 231-233).

(8) Lord Curzon, que considera que este episódio foi "lamenta-velmente confundido com uma conspiração revolucionária e anarquista", escreve o seguinte: "O fato do Babismo ter entrado em conflito em seus primórdios com as autoridades civis e que um atentado foi per-petrado por Babís contra a vida do Sháh, tem se referido erroneamente que o movimento era de origem política e de caráter niilista. Do estudo dos escritos do Báb e de seus sucessores não parece existir fundamento algum para tal suposição. A perseguição do governo iogo obrigou aos seguidores da nova doutrina a adotar uma atitude de rebelião, devido à exasperação produzida pela luta e à feroz brutalidade com que os vencedores exerceram seu direito de conquista, não é de surpreender se houve mãos fanáticas dispostas a abater o soberano. Na atualidade, os Babís são igualmente leais como qualquer outro súdito da coroa. Tampouco parece haver justiça alguma nos ataques de socialismo, co-munismo e imoralidade que se tem feito tão livremente à nova doutrina. Por certo que não tem sinal algum de que uma idéia de comunismo no sentido europeu, ou seja, uma redistribuição da propriedade pela força, ou de socialismo no sentido do século XIX, ou seja, a derrota do ca-pital pelo trabalho, haja entrado jamais na cabeça do Báb ou de seus discípulos. O único comunismo conhecido e recomendado por ele foi aquele do Novo Testamento e da Igreja Cristã nos primórdios, isto é, o com-partilhar de bens comuns pelos membros da fé e a prática de dar es-molas e uma ampla caridade. A acusação de imoralidade parece haver nascido em parte das malvadas invenções de seus adversários e em parte da maior liberdade dada às mulheres pelo Báb, o que para uma mentalidade oriental apenas se pode dissociar de conduta l ibert ina. . . Visto em suas linhas gerais, pode-se definir o Babismo como uma con-fissão de caridade e de um sentido humano comum. O amor fraternal, a bondade para com as crianças, a cortesia com dignidade, a sociabili-dade, hospitalidade e a falta de beateria, a amizade inclusive com os cristãos, todos estão incluídos em seus preceitos. Asseverar que todos os babís reconhecem ou observam estas disposições seria uma torpeza; permita-se pelo menos que se vai ser posto em juízo um profeta, que se o julgue por seus próprios ensinamentos". (Lord Curzon: "Pérsia and the Persian Question" pp. 501-502).

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enfaticamente condenado por uma pessoa não menos res-ponsável que Bahá'u'lláh, foi o sinal para irromper uma série de perseguições e massacres de tão bárbara ferocidade que só poderiam ser comparados às atrocidades de Mázin-darán e Zanján. A tempestade à qual esse ato deu origem mergulhou Teerã inteira em consternação e angústia. Envol-via a vida dos principais companheiros que haviam sobre-vivido às calamidades às quais sua Fé fora tão cruei e repetidamente sujeitada. Ainda se no furor desta tempesta-de, Bahá'u'lláh com alguns de Seus tenentes mais capazes, foi imerso na escuridão de uma masmorra, nauseabunda e cheia de doenças, enquanto lhe colocaram no pescoço cor-rentes de um peso que só criminosos notórios eram conde-nados a suportar. Por nada menos de quatro meses, tolerou Ele esse peso e tamanha foi a intensidade de Seu sofrimento que os traços dessa crueldade permaneceram gravados em Seu corpo durante todos os dias de Sua vida.

Tão grave ameaça a seu soberano e às instituições de seu reino incitou a indignação do inteiro corpo da ordem eclesiástica da Pérsia. Em sua opinião, um ato tão audaz exigia punição imediata e condizente. Medidas de severidade sem precedentes, clamavam eles, deveriam ser tomadas, a fim de deter a maré que estava engolfando tanto o governo, como a Fé do Islã. A despeito da moderação que os segui-dores do Báb haviam exercido em toda parte do país, sem-pre, desde o início da Fé; apesar das repetidas exortações dos principais discípulos a seus irmãos de Fé, mandando, lhes abster de atos de violência, lealmente obedecer a seu governo e desmentir qualquer intenção de guerra santa, seus inimigos perseveraram em seus deliberados esforços para deturparem diante das autoridades a natureza e o propósito dessa Fé. Agora que um ato de tão momentosas conseqüên-cias fora cometido, que acusações não seriam esses mes-mos inimigos incentivados a atribuir à Causa com a qual os perpetradores do crime haviam estado associados! Parecia haver vindo o momento, em que podiam afinal despertar os governantes do país para a necessidade de se extirpar, tão rapidamente quanto possível, uma heresia que parecia amea-çar os próprios fundamentos do Estado.

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Ja'far-Qulí Khán, que estava em Shimírán quando se fez a tentativa contra a vida do Xá, escreveu de imediato uma carta a Bahá'u'lláh, informando-O do ocorrido. "A mãe do Xá", escreveu ele, "está inflamada de ira. Está vos denun-ciando abertamente perante a corte e o povo como 'aquele que pretendia assassinar' seu filho. Ela está tentando envol-ver nesse ato também Mírzá Áqá Khán, acusando-o de ser vosso cúmplice." Instou a Bahá'u'lláh que permanecesse escondido por algum tempo naquela vizinhança, até que a paixão do povo se tivesse acalmado. Despachou a Afchih um velho e experiente mensageiro, a quem ordenou que ficasse ao dispor de seu Hóspede e se mantivesse em pron-tidão para acompanhá-Lo até qualquer lugar de segurança que Ele desejasse.

Bahá'u'lláh recusou valer-Se da oportunidade oferecida por Ja'far-Qulí Khán. Desatendendo ao mensageiro e lhe rejeitando a proposta, partiu montado, na manhã seguinte com tranqüila confiança, indo de Lavásán, onde estava hos-pedado, à sede do exército imperial então estacionado em Níyávarán, no distrito de Shimírán. Quando chegou na al-deia de Zarkandih, sede da legação russa, situada a uma distância de um maydán (9) de Niyávarán, veio a Seu en-contro Mírzá Majíd, Seu cunhado, que ocupava o posto de secretário do ministro russo (10) e foi por ele convidado a se hospedar em sua casa, a qual era adjacente àquela de seu superior. Os subordinados de Hájí 'Ali Khán, o Hájibu'd-Dawlih reconhecendo-O, foram imediatamente avisar seu Mestre quem, por sua vez, levou a informação ao conheci-mento do Xá.

A notícia da chegada de Bahá'u'lláh causou grande sur-presa entre os oficiais do exército imperial. O próprio Ná-siri'd-Dín-Sháh espantou-se diante do passo audaz e inespe-rado que fora dado por um homem a quem se acusava de ser o principal instigador da tentativa contra sua vida. Ime-diatamente mandou à legação um de seus oficiais de con-fiança, exigindo que o Acusado fosse entregue em suas mãos. O ministro russo recusou e pediu a Bahá'u'lláh que pro-

(9) Veja glossário. (10) Príncipe Dolgorouki.

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cedesse à residência de Mírzá Áqá Khán, o Grão-Vizir, sendo este o lugar que eie considerava o mais apropriado nestas circunstâncias. Acedeu Ele a seu pedido e o ministro então comunicou formalmente ao Grão-Vizir seu desejo de que o máximo cuidado exercido para garantir a segurança e pro-teção da incumbência que seu governo lhe estava entregan-do, e advertindo-lhe que o teria por responsável caso deixas-se de cumprir com seu desejo (11).

Mírzá Áqá Khán, embora se incumbisse de dar as mais completas garantias, segundo lhe foram exigidas, e se bem que recebesse Bahá'u'lláh em sua casa com toda demonstra-ção de respeito, estava entretanto, demasiado apreensivo pela segurança de sua própria posição para conceder a seu Hóspede o tratamento que se esperava.

Quando Bahá'u'lláh estava partindo da aldeia de Zarkan-dih, a filha do ministro, sentindo-se muito aflita por causa dos perigos que Lhe ameaçavam a vida, ficou tão profun-damente emocionada que não pôde restringir as lágrimas. "De que proveito", ouviu-se ela apelar para o pai, "é a auto-ridade da qual foste investido, se és impotente para esten-der tua proteção a um hóspede que recebestes em tua casa?" O ministro, que tinha grande afeto pela filha, comoveu-se ao ver suas lágrimas e tentou confortá-la, assegurando-lhe que faria tudo em seu poder para afastar o perigo que ameaçava a vida de Bahá'u'lláh.

Nesse dia irrompeu no exército de Násiri'd-Dín-Sháh um estado de violento tumulto. As ordens peremptórias do so-berano, seguindo-se tão rapidamente após a tentativa contra sua vida, provocaram os mais exagerados boatos e excitaram as mais ferozes paixões nos corações do povo da região. Es-palhou-se a agitação até Teerã, crescendo até atingirem um estado de fúria flamejante, as brasas de ódio que os inimigos da Causa ainda guardavam latentes em seus corações. Con-fusão, sem precedentes em seu âmbito, reinava na capital.

(11) "Quando Me encontrava acorrentado e com grilhões na pri-são de Tá, um de vossos embaixadores Me prestou ajuda. Por causa disto Deus decretou para vós um posto que ninguém senão Ele pode compreender. Guarda-o e não vá perder esta exaltada posição". (Epís-tola de Bahá'u'lláh ao Czar da Rússia).

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Bastava uma palavra de denúncia, um sinal ou um sussurro, para sujeitar uma pessoa inocente a uma perseguição que nenhuma pena se atreve a tentar descrever. Segurança de vida e propriedade haviam se desvanecido completamente. As mais altas autoridades eclesiásticas na capital de mãos dadas com os mais prestigiosos membros do governo, infli-giram o que esperavam fosse o golpe fatal a um inimigo que, por oito anos, tão gravemente abalava a paz do país e que nenhuma astúcia nem violência conseguira ainda si-lenciar (12).

(12) Renan, em sua obra intitulada "Les Apôtres", caracteriza este grande massacre em Teerã depois do atentado ao Sháh, como: "Um dia que possivelmente não tem paralelo na história do mundo". (E. G. Browne na introdução de "A Travellers Narrative", p. 45). "O número de martírios que tem sucedido na Pérsia foi calculado em dez mil" (esta é uma cifra benevolente. Muitos a fixam entre vinte e trinta mil e alguns dão cifras mais altas ainda). A maioria destes ocorreu du-rante os primeiros anos da fé, porém, têm continuado em número de-crescente até a época atual." (M. H. Phelps: "Life and Teachings of Abbás Effendi", introdução, p. 36). "Entre os documentos que se re-ferem aos Babís e que estão em meu poder há uma cópia manuscrita de um artigo em alemão publicado em 17 de outubro de 1852, no núme-ro 291 de algum periódico alemão e austríaco do qual, desafortunada-mente, não está anotado o título. Creio que o recebo faz muitos anos da viúva do extinto Dr. Polak, um médico austríaco que atendeu Násiri ' d-Din Sháh no início de seu reinado, e que é o autor de um livro valioso e vários tratados menores sobre a Pérsia e questões relaciona-das a este país. Baseia-se principalmente numa carta escrita em 29 de agosto de 1852 por um oficial austríaco, Capitão Von Goumoens, que estava a serviço do Sháh, porém sentiu tal desagrado e horror ante as crueldades que se viu obrigado a testemunhar, que pediu sua renúncia. A tradução deste artigo é a seguinte: "Fazem alguns dias que men-cionamos o atentado feito contra a vida do Sháh por ocasião de uma saída para uma caçada. Os conspiradores, como bem se sabe, perten-ciam à seita religiosa Babí. No que concerne a esta seita e às medidas repreensivas tomadas contra ela, a carta do Capitão austríaco Von Gou-moens publicada ultimamente em "Amigo do Soldado" (soldatenfreund) contém informações interessantes e aclara até certo ponto o atentado em questão. Esta carta diz o seguinte: "Teerã, 29 de agosto de 1852. Querido amigo. Minha última carta de 20 etc, mencionou o atentado contra o Rei. Agora, lhe comunicarei o resultado do interrogatório a que foram submetidos os dois criminosos. Apesar das terríveis torturas que lhes foram infligidas, o exame não permitiu obter confissões compreen-síveis; os lábios dos fanáticos permaneceram fechados inclusive quando

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Bahá'u'lláh, agora que o Báb deixara este mundo, apa-recia a seus olhos como o arqui-inimigo cuja apreensão e prisão eles julgavam ser seu primeiro dever. Figurava-lhes como a reinearnação do Espírito que o Báb tão poderosa-mente manifestara, o Espírito através do qual Eie pudera

usaram pinças incandescentes e parafusos para desconjuntar suas ex tremidades tentando descobrir o nome do principal conspirador.. . Po-rém, acompanha-me estimado amigo, você que diz ter um coração e uni sentido ético europeu, acompanha-me para ver os infelizes que com o& olhos vazados devem comer, no mesmo iugar da ação e sem nenhum molho, suas próprias orelhas amputadas; ou cujos dentes são arranca dos com desumana violência pela mão do carrasco, ou cujos crânio» desnudos são triturados através de golpes de martelo; ou onde os baza-res são iluminados pelas infelizes vítimas, porque à direita e à esquerda as pessoas fazem profundos buracos em seus peitos e ombros e inserem neles estopas com óleo incandescente. Vi como alguns eram arrastados acorrentados pelo bazar, precedidos por uma banda militar, e nos quais as estopas haviam queimado a tal profundidade que agora a gordura ardia em forma convulsiva na ferida, como uma lâmpada recém extin-guida. Não raro, a incansável inventiva dos Orientais leva a novas torturas. Arrancam a pele da planta do pé dos Babís, impregnam a ferida com azeite fervendo e lhes colocam uma ferradura como num cavalo obrigando o desgraçado a correr. Nem um só gemido sai do peito da vítima; o tormento se suporta em lúgubre silêncio pelos sen-tidos engrossados do fanático; agora deve correr; o corpo não pode su portar o que já suportou o espírito; cai. Dêem-lhe um golpe de mise-ricórdia! Acabem com sua dor! Não! O carrasco levanta seu chicote e — eu mesmo fui testemunha disto — a infeliz vítima de cem torturas corre! Este é o começo do fim. Quanto ao fim mesmo, penduram os corpos queimados e perfurados pelas mãos e pelos pés em uma árvore com a cabeça pendendo para baixo e agora cada pessoa pode experi-mentar a pontaria a seu gosto, de uma distância fixa, porém não de-masiada perto, em um nobre cômodo posto à sua disposição. Vi cadá-veres perfurados por cerca de cento e cinqüenta ba la s . . . Quando volto a ler o que lhe escrevi me vem na idéia que aqueles que estão consigo na nossa querida Áustria possam duvidar da total veracidade do quadro e me acusem de exagerado. Oxalá Deus quisesse que eu não vivesse para testemunhar! Porém pelos deveres de minha profissão fui teste-munha, e muito freqüentemente, uma testemunha destas abominações. Atualmente não saio nunca de minha casa para não presenciar novas cenas de horror. Depois de sua morte os Babís são partidos em dois e são pregados à porta da cidade ou seus restos deixados nas planícies para que sirvam de alimento aos cães e chacais. Desta forma o castigo se estende mais além dos limites que circunscreve esta vida amarga, porque os muçulmanos que não são sepultados não têm o direito de

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efetivar tão completa transformação nas vidas e nos hábi-tos de seus conterrâneos. As precauções tomadas pelo mi-nistro russo e a advertência por ele pronunciada não pu-deram deter a mão estendida com tão firme determinação contra aquela Vida preciosa.

entrar no Paraíso do Profeta. Já que toda minha alma se rebela contra tais infâmias e contra tais abominações de tempos recentes, não man-terei por mais tempo minha conexão com o cenário de tais crimes". (Segue dizendo que já havia pedido que o exonerassem, porém, não havia recebido ainda a resposta). (E. G. Browne: "Materials for the Study of the Babí Religion", pp. 267-71). "Ardishír Mirzá se viu obrigado a agir. Manteve as portas da cidade fechada, com guardas e deu ordens de examinar cuidadosamente a quem quer que solicitasse autorização para sair. Incitou as multidões para que trepassem nas muralhas perto da porta de Shimírán para que vissem o corpo mutilado de Sádiq jogado no meio do campo do outro lado da ponte. O príncipe governador reuniu os Kalántar ou chefes de polícia, o Vazír da cidade, o Dárúghih ou juiz de direito, e, chefes comuns e lhes ordenou a buscar e arrastar a toda pessoa suspeita de ser Babí. Como ninguém podia sair da cidade, esperaram até o anoitecer para começar a caçada, utilizando-se de pre-ferência o engano e a astúcia. A força policial em Teerã asaim como em toda cidade asiática, é muito bem organizada. É um legado que os Califas árabes têm cuidado escrupulosamente. Como era vantajoso para todos os governos (não importa se foram ruins e ainda mais para os piores) conservarem, não têm sofrido mudança alguma, ou seja, em meio da ruína de outras instituições igualmente eficientes, que têm caído em decadência. É necessário acentuar que cada chefe da comunidade, que sempre está em contato com o Kalántar, tem sob suas ordens um pu-nhado de homens chamados 'sar-ghishmihs, policiais que não usam uni-forme nem distintivo e que nunca saem das ruas a que são designados. Em geral as pessoas os aceitam com simpatia e convivem com eles de modo bastante familiar. Prestam ajuda a todo momento e durante a noite, seja verão ou inverno, acomodam-se debaixo de um toldo de qual. quer loja, indiferentes à chuva e à neve, e vigiam as propriedades pri-vadas. Desta forma diminuem o número de roubos fazendo com que sejam difíceis. Além disso conhecem todos os habitantes e seus costu-mes de modo que podem ajudar em caso de uma investigação, sabem a forma de pensar, as opiniões, as amizades e as relações de todo mundo; e se um convida a três amigos a cear, o 'sar-ghishmih, sem espionar, está tão bem informado que sabe a hora da chegada dos convidados, o que foi servido, o que foi dito e feito e a hora da partida. Os Kad-khudá advertiram estes policiais que vigiassem os Babís em suas respectivas áreas e todos esperaram os resultados". (Conde de Gobineau: "Les Re-ligions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", pp. 234-235).

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Na viagem de Shimírán a Teerã, Bahá'u'lláh foi várias vezes despojado das vestes e acabrunhado de abuso e ridí-culo. A pé e exposto aos impiedosos raios do solstício de verão, foi Ele obrigado a percorrer a inteira distância desde Shimárán até a masmorra já mencionada. Por todo o ca-minho era Ele apedrejado e vilificado pelas turbas às quais Seus inimigos haviam podido convencer de Ser Ele o ini-migo renhido de seu soberano e demolidor de seu reino. Faltam-me palavras para descrever o horroroso tratamento a Ele inflingido, enquanto O levavam ao Síyáh-Chál de Teerã (13). Quando se aproximava dessa masmorra, viu-se uma velha e decrépita mulher emergir do meio da multidão, com uma pedra na mão, ansiosa de jogá-la no rosto de Bahá'u'liáh. Seus olhos cintilavam com uma determinação e um fanatismo de que poucas mulheres de sua idade seriam capazes. Todo o seu corpo tremia de fúria, enquan-to ela avançava, levantando a mão para contra Ele lançar seu projétil. "Pelo Siyyidu'sh-Shuhadá (14), vos adjuro", apelava, enquanto ela corria para alcançar aqueles em cujas mãos Bahá'u'lláh fora entregue, "dêem-me oportunidade para jogar minha pedra em seu rosto!" "Não deixem essa mulher ficar desapontada", foram as palavras de BaháV-lláh a Seus guardas, quando a viu apressar-se atrás Dele. "Não lhe neguem o que considera um ato meritório aos olhos de Deus."

O Síyáh-Chál, onde Bahá*u'lláh foi confinado, original-mente um reservatório de água para um dos banhos públi-cos de Teerã, era a masmorra subterrânea na qual se cos-tumava confinar criminosos do pior tipo. A escuridão, a imundície e o caráter dos presos combinaram para tornar essa pestilenta masmorra o lugar mais abominável ao qual seres humanos pudessem ser condenados. Seus pés foram postos em um tronco e ao redor de Seu pescoço prende-ram as correntes de Qará-Guhar, notórias em toda a Pérsia por seu peso mortificante (15). Durante três dias e três

(13) Nome do calabouço, que significa "Fossa Negra". (14) O Imame Husayn. (15) "Se alguma vez pretender visitar a prisão de Sua Majesta-

de o Sháh, solicita ao diretor e chefe que mostre aquelas duas ea-

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noites, nenhuma espécie de alimento ou bebida foi dada a Bahá'u'lláh. Tanto repouso, como sono, Lhe era impossível. O lugar estava infestado de verminose e o fedor dessa mo-rada sombria era suficiente para esmagar os próprios espí-ritos daqueles condenados a sofrer seus horrores. Tais eram as condições às quais Ele estava sujeitado que até um dos algozes que O vigiavam se comoveu. Várias vezes esse ho-mem tentava induzi-Lo a tomar um pouco de chá que ele conseguira trazer para a masmorra escondido debaixo de suas roupas. Bahá'u'lláh, no entanto, recusava bebê-lo. Mem-bros de Sua família freqüentemente tentavam persuadir os guardas a deixá-los levar à Sua prisão o alimento que ha-viam para Ele preparado. Embora de início nem o mais fervente apelo pudesse induzir os guardas a relaxarem a

deias, uma das quais se chama Qará-Guhar e a outra Salasíl. Juro pelo Esplendor da Justiça que durante quatro meses Me vi sob o peso e o tormento de uma destas cadeias. "As aflições de Jacob empalidecem ante minhas aflições; e as aflições de Job não eram senão uma parte das minhas calamidades". ("The Epistle to the Son of the Wolf", p. 57). "No que se refere à forma de encarceramento utilizada na Pérsia, a prática difere tanto da nossa como no caso dos castigos. Não existe condenação perpétua, nem ainda por certo número de anos; o trabalho forçado se desconhece como castigo e o confinamento por um período longo de tempo é raro. Em geral há uma liberação nas prisões no pe-ríodo de ano novo; e quando é chamado um novo governador não é raro que se esvazie a prisão que tenha sido cheia pelo seu predecessor, apli-cando possivelmente, a pena de morte para alguns dos casos piores, com o fim de criar uma saudável impressão de força. Não existe cár-ceres para mulheres, porém estas ficam confinadas, como é também o caso com varões criminosos de elevada posição, na casa de um sacer-dote. Em Teerã diz-se que existem três classes de prisão. As celas sub-terrâneas de baixo da Arca, onde se diz que eram confinados os crimi-nosos culpados de conspiração ou de alta traição; o cárcere do povo onde é possível ver os criminosos comuns com colares de ferro, em seus pescoços ora com seus pés em um cepo ou uns unidos aos outros com cadeados; e a casa de confinamento particular que freqüentemente consiste numa parte das mansões das pessoas de renome. Nota-se que a teoria e a prática da justiça persa, como se pode constatar tanto nas sentenças judiciais, como na aplicação da pena e no código carcerário, é de um procedimento rápido e vigoroso cuja finalidade é o castigo (em grau mais ou menos equivalente ao crime original) e em nenhum caso há o perdão do culpado". (Lord Curzon: "Pérsia and the Persian Question", vol. I, PD. 458 9) .

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severidade de sua disciplina, pouco a pouco, entretanto, vieram a ceder à importunaçao de Seus amigos. Ninguém podia ter certeza, porém de o alimento chegar finalmente em Suas mãos, ou Dele consentir em comê-Lo, enquanto vários de Seus companheiros de prisão languesciam de fome ante Seus olhos. Certo é que maior miséria do que aquela que sobreveio a essas inocentes vítimas da ira de seu soberano, dificilmente se poderia imaginar (16).

(16) "Nada tínhamos que ver com esta ação odiosa e Nossa ino-cência foi provada de forma indiscutível nos tribunais. Apesar disso Nos arrastaram e Nos conduziram à prisão em Teerã até Níyávarán, que era então a sede da residência real; a pé, acorrentados e com a cabeça e os pés descobertos, porquanto um homem brutal que Nos acompanhava a cavalo arrancou o chapéu de Nossa cabeça, e acompanhado de vários carrascos e farráshes, Nos fizeram andar com grande pressa e Nos pu-seram durante quatro meses em um lugar nunca visto igual. Em ver-dade, uma cela estreita e escura teria sido muito melhor que o lugar onde foram confinados Este injuriado e Seus companheiros. A Nossa chegada, quando entramos na prisão, Nos conduziram por um lúgubre corredor e logo descemos três escalinatas erguidas até o calabouço as-sinalado para Nós. Era um lugar escuro e seus ocupantes eram cerca de cento e cinqüenta ladrões, assassinos e assaltantes de estrada. Ainda que contivesse tal número não tinha outra saída a não ser o passadiço pelo qual entramos. A pena falha ao descrever este lugar e seu odor nauseabundo. A maioria dos ocupantes carecia de roupas para vestir e de esteiras para se deitar. Deus sabe o que suportamos neste lugar lú-gubre e abominável! Dia e noite, enquanto estávamos na prisão, re-flexionávamos sobre as condições dos Babís, seus atos, seus assuntos, perguntando-nos como, apesar da sua grandeza de espírito, nobreza e inteligência, puderam haver sido capazes de uma ação tal como o audaz atentado contra a vida do soberano. Então Este injuriado determinou que, ao sair desta prisão, Se levantaria com o máximo empenho para obter a regeneração destas almas. Gsrta noite, em um sonho, se ouviu por toda parte esta palavra toda gloriosa: "Em verdade Nós Te ajuda-remos a triunfar por Ti mesmo e por Tua pena. Não Te aflijas pelo que Te está acontecendo e não temas. Na verdade, Tu és um dos que está seguro. Logo o Senhor enviará e revelará os tesouros da terra, homens que Te darão a vitória por Ti mesmo e por Teu nome; com ele que o Senhor tem ressucitado os corações dos que sabem". (Referência de Bahá'u'lláh à Síyáh-Chál em "The Epistle to the Son of the Wolf") "Abdul-Bahá", escreve o Dr. J. E. Esslemont, "relata como Se lhe per-mitiram entrar certo dia no pátio da prisão para ver Seu Amado Pai quando saía para Seu exercício diário. BaháVlláh estava profundamente alterado, estava tão doente que mal podia caminhar. Seu cabelo e barba

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Quanto ao jovem Sádiq-i-Tabrízí, o sofrimento a ele des-tinado foi tão cruel como humilhante. Apanharam-no no momento em que se precipitava em direção ao Xá, a quem já havia jogado do cavalo, esperando batê-lo com a espada que ele segurava na mão. O Shátir-Báshí, juntamente com os atendentes do Mustawfíyu'1-Mamálik, contra ele investi-ram e, sem tentarem saber quem ele era, no mesmo instan-te o trucidaram. Desejando apaziguar a agitação do povo cortaram seu corpo no meio e suspenderam cada metade para ser vista pelo público na entrada dos portões de Shi-mírán e Sháh 'AbduTAzím (17). Seus outros dois compa-nheiros, Fathu'lláh-i-Hakkák-i-Qumí e Hájí Qásím-i-Nayrízí, que haviam conseguido inflingir apenas leves ferimentos ao Xá, foram sujeitados a tratamento desumano, que causou afinal, sua morte. Fathu'lláh, embora sofrendo indizíveis crueldades, obstinadamente recusou responder às perguntas que lhe fizeram. O silêncio que manteve em face de múl-tiplas torturas levou seus perseguidores a acreditar que lhe faltava a faculdade da fala. Exasperados pelo insucesso de seus esforços, lhe despejaram na garganta chumbo derreti-do, ato esse que pôs término aos sofrimentos.

Seu companheiro, Hájí Qásim, foi tratado com uma selvageria ainda mais revoltante. No mesmo dia em que Hájí Sulaymán Khán estava sujeitado àquele terrível sofri-mento, essa pobre criatura estava recebendo tratamento semelhante nas mãos de seus perseguidores em Shimírán. Despojaram-no das roupas, furaram-lhe a carne e nela inse-riram velas acesas, e fizeram-no assim marchar diante dos olhos de um turba que gritava e o amaldiçoava. Parecia insaciável o espírito de vingança que animava aqueles em

estavam descuidados. Seu pescoço mostrava as feridas e estava inchado pela pressão de um pesado colar de aço. Seu corpo estava inclinado pelo peso das correntes e esta cena deixou uma impressão indelével na mente do sensível rapaz". ("BaháVlláh and the New Era", p. 61).

(17) "Foi ordenado que o corpo de Sádiq, o Babí que havia sido assassinado, fosse amarrado ao rabo de uma mula e arrastado sobre as pedras até Teerã, para que toda a população pudesse ver que os cons-piradores haviam fracassado. Ao mesmo tempo, enviaram mensagem a Ardishír Mirzá para dizer-lhe o que deveria fazer". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", p. 234).

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cujas mãos ele foi entregue. Dia após dia novas vítimas eram forçadas a expiar com o sangue um crime que nunca cometeram, às circunstâncias do qual eles ignoravam com-pletamente. Todo ardil engenhoso que os atormentadores de Teerã puderam empregar foi aplicado com impiedosa severidade nos corpos desses infelizes que nem foram leva-dos a julgamento nem interrogados, sendo-lhes negado in-teiramente seu direito de apelar e provar sua inocência.

Cada um daqueles dias de terror viu o martírio de dois companheiros do Báb, um dos quais era trucidado em Teerã, enquanto o outro encontrava seu destino em Shimí-rán. Ambos eram sujeitados ao mesmo modo de tortura, sendo ambos entregues ao público para tirar vingança. Aqueles encarcerados eram distribuídos entre as várias classes do povo, cujos mensageiros todo dia visitavam a masmorra e exigiam sua vítima (18). Conduzindo-a à cena de sua mor-te, davam o sinal para um ataque geral quando, então, ho-mens e mulheres cercavam sua presa, despedaçavam-lhe o corpo e de tal maneira o mutilavam que de sua forma origi-nal não restava um traço sequer. Tão grande impiedade espantava até os mais brutais dos algozes, cujas mãos, por mais acostumadas que estivessem à matança humana, ja-mais haviam perpetrado as atrocidades das quais essas pessoas se provaram ser capazes (19).

(18) "Foi nesta ocasião que Mirzá Áqá Khán, o Grão Vizír, com o objetivo de distribuir a responsabilidade do castigo e diminuir as pos-sibilidades de vingança com derramamento de sangue, concebeu a idéia extraordinária de assinar os diversos crimes para que fossem executados pelos ministros, generais, e oficiais principais da Corte, assim como a representantes do sacerdócio e dos comerciantes. O Secretário de Rela-ções Exteriores deu morte a um, o Ministro do Interior a outro, o Maior Palafreneiro, a outro e assim sucessivamente". (Lord Curzon: "Pérsia and the Persian Question", p. 402, nota 2) .

(19) "Sua Excelência resolveu repartir a execução das vítimas entre os diversos departamentos do estado; a única pessoa isenta foi ele mesmo. Em primeiro lugar vinha o Sháh, que tinha direito ao Qisás, ou retribuição legal, por suas ofensas. Para salvar a dignidade da coroa o mordomo principal representando o Sháh, disparou o primeiro tiro contra o conspirador selecionado como vítima e seus disputados, os far-ráshes, completaram a obra. O filho do Primeiro-Ministro estava à frente do Ministério do Interior e matou outro Babí. Depois veio o Ministro

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De todas as torturas que um inimigo insaciável inflingiu às suas vítimas, nenhuma foi mais revoltante do que aquela que caracterizou a morte de Hájí Sulaymán Khán. Era filho de Yahyá Khán, um dos oficiais no serviço do Náyibu's-Saltanih, que era o pai de Muhammad Sháh. Reteve ele essa mesma posição nos primeiros dias do reinado de Mu-

das Relações Exteriores. 0 Secretário de Estado para Relações Exte-riores era um homem religioso, mas imbecil que passava o tempo ca-vilando sobre as tradições de Maomé, deu o primeiro golpe de sabre desviando o rosto e o Sub-Secretário de Estado e os funcionários do Mi-nistério das Relações Exteriores acabaram por despedaçar a sua vitima. Os sacerdotes, os comerciantes, os artilheiros, a infantaria, todos tinham assassinado um Babí. Inclusive o admirável médico francês do Sháh, o extinto e lamentável Dr. Cloquet, recebeu um convite a mostrar sua leal-dade seguindo o exemplo do resto da corte. Ele se recusou e com sim-plicidade manifestou que matava muitos homens profissionalmente e não se permitia aumentar tal número mediante qualquer homicídio voluntário de sua parte. Recordou ao Sadr que estes procedimentos bárbaros e jamais vistos, não só eram repugnantes em si, como tam-bém produziriam um estremecimento de horror e desgosto em toda a Europa. Por esta razão se mostrou muito excitado e perguntou car-rancudo: "Você quer que a vingança de todos os Babís se concentre somente sobre mim?" O que segue é um extrato da "Gazeta de Teerã" desse dia e serve como amostra do que é um "editorial" persa: "Alguns indivíduos de vida leviana, sem princípios e sem religião, se fizeram discípulos do maldito Siyyid Alí-Muhammad Báb, que há alguns anos inventou uma nova religião e que posteriormente foi condenado. Não puderam provar a verdade de sua fé cuja falsidade era evidente. Por exemplo, ao cair alguns de seus livros em nossas mãos notamos que não contêm senão pura infidelidade. Em discussão aberta tampouco foram capazes de defender sua religião que só parecia servir para entrar em conflito com o Todo-Poderoso. Então começaram a aspirar a soberania, começaram a provocar insurreições com a esperança de beneficiarem-se pela confusão e a saquear os bens de seus vizinhos. Uma pandilha de gente miserável e depreciável, cujo chefe, Mullá Shaykh Ali de Turshíz, que se autodenominou o deputado do extinto Báb e que se deu a si mesmo o título de Alta Majestade, fazendo-se rodear por alguns dos antigos companheiros do Báb. Atraíram para seus princípios alguns in-divíduos de vida dissipada, um dos quais era Hájí Sulaymán Khán, o filho do extinto YahVyá Khán de Tabríz. Era costume deles reunirem-se na casa deste Hájí para consultar e planejar o atentado à auspiciosa vida de sua Majestade. Doze deles que se ofereceram como voluntários para a ação, foram selecionados para cumprir este propósito e a cada um deles foi dado pistolas, punhais, etc. Ficou resolvido que estes doze deviam ir à residência do Sháh em Niyavarán e esperar uma opoftu-

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hammad Sháh. Hájí Sulaymán Khán mostrava desde os primeiros anos marcante aversão para posição e cargo. Des-de o dia em que aceitara a Causa do Báb as ocupações triviais em que o povo a seu redor estava imerso excita-vam sua compaixão e seu desprezo. A vaidade de suas ambições fora abundantemente demonstrada aos seus olhos.

nidade". Depois disto vinha um relato do ataque que já foi dado com bastante detalhes. "Seis pessoas cujos crimes não foram provados com tanta clareza, foram condenadas à prisão perpétua; as restantes foram repartidas entre os sacerdotes, os doutores da lei, os servidores prin-cipais da corte, as pessoas do povo, mercadores, comerciantes, artesãos, que lhes deram seu merecido da seguinte forma: os mullás, sacerdotes e homens eruditos mataram Mullá Shaykh Ali, deputado do Báb, que se deu o título de Alta Majestade e que foi o autor desta atrocidade. Os príncipes mataram Siyyid Hasán de Khurásán, um homem de reconhecida vida leviana, com disparos de pistola, sabres e punhais. O Ministro de Relações Exteriores cheio de zelo e moral religiosa, foi o primeiro a disparar sobre Mullá Zaynau'1-Ábidín de Yazd e os secretários de seu departamento terminaram com ele e o cortaram em pedaços. O Nizámu'1-Mulk (filho do Primeiro-Ministro) matou Mullá Husayn. Mirzá Abdu'l Vahháb, de Shiráz, que era um dos doze assassinos, foi morto pelo irmão do Primeiro-Ministro e seus filhos; outros parentes o cor-taram em pedaços. Mullá Fathu'lláh de Qum, que disparou a bala que feriu a pessoa do rei, foi morto desta forma: no meio do acampamento real puseram mechas em seu corpo (mediante incisões) que foram in-cendiadas. O mordomo principal do palácio o feriu no mesmo lugar que havia ferido o Sháh e depois a criadagem o apedrejou. Os nobres da corte enviaram Shaykh Abbás de Teerã ao inferno. Os ajudantes pessoais do Sháh e o restante da criadagem dos estábulos puseram ferraduras nos pés de Muhammad Taqí de Shiráz e depois o reuniram com os com-panheiros. Os mestres de cerimônia e outros nobres, com seus deputados, mataram Muhammad Najáf-Ábád usando sabres e cacetes, mandando-o às profundezas do inferno. Os artilheiros primeiro furaram os olhos de Muhammad Najáf-Ábád e depois o dispararam da boca de um morteiro. Os soldados mataram com as baionetas Siyyid Husayn de Milán e o man-daram ao inferno. A cavalaria matou a Mirzá Rafí. Os tenentes-coro-néis, generais e coronéis mataram Siyyid Husayn". (Lady Sheíl; "Glimpses of Life and Manners in Pérsia", pp. 277-81). "Nesse dia observou-se um espetáculo nas ruas e bazares de Teerã que a gente nunca pode esquecer. Inclusive até os dias atuais continua sendo o assunto principal das conversas; todavia sente-se um horror espantoso que os anos não têm conseguido atenuar. A gente pode ver como marchavam, entre os carrascos, mulheres e crianças com covas profundas perfuradas na carne em que ardiam mechas incendiadas. As vítimas eram arras-tadas com cordas e obrigadas a andar à base do chicote. As crianças

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Cedo na juventude sentiu ele um ardente desejo de escapar do tumulto da cidade e buscar refúgio na cidade santa de Karbilá. Aí veio a conhecer Siyyid Kázím e se tornou um de seus mais fervorosos defensores. Sua piedade sincera, frugalidade e seu amor à reclusão figuravam entre as qua-lidades principais de seu caráter. Demorou-se em Karbilá

e as mulheres avançavam cantando esta canção: "Na verdade de Deus viemos e a Ele regressaremos". Suas vozes sobressaíam triunfantes sobre o silêncio das multidões porquanto os cidadãos de Teerã não acreditavam nem muito nem pouco no Islã. Quando alguma das vítimas caía ao solo, faziam-na levantar à ponta de baioneta e, se a perda de sangue que saía gotejando de suas feridas lhe deixasse ainda alguma força, come-çava a dançar e gritar com maior entusiasmo ainda: "Na verdade, de Deus viemos e a Ele regressaremos".

Algumas das crianças faleceram pelo caminho. Os carrascos lança-vam seus corpos sob os pés de seus pais e irmãos que orgulhosamente caminhavam sobre eles sem lhes dar a menor importância. Quando o cortejo chegou ao lugar da execução, perto do Portão Novo, deram às vítimas o direito de escolha entre abjurar a sua fé ou perder a vida e, o que parecia um tanto difícil, inclusive foram encontradas formas de aplicar-lhes meios de intimidação. Um dos carrascos concebeu a idéia de dizer a um pai que se não cedesse, degolaria seus dois filhos sobre seu próprio peito. Tratava-se de duas crianças, a maior das quais tinha qua-torze anos e que, vermelho com seu próprio sangue, com sua carne quei-mada, escutavam estoicamente as ameaças. O pai respondeu, enquanto se recostava, que estava disposto e o maior dos garotos, reclamando um direito de preferência, pediu para ser o primeiro a morrer. É bem pos-sível que o carrasco lhe tenha negado este último pedido. Por fim, ter-minou a tragédia e a noite caiu sobre um monte de corpos disformes; as cabeças pendiam aos montões nos postes de justiça e os cães dos su-búrbios da cidade se apinhavam ao seu redor. Esse dia conquistou para os Babís um número muito maior de seguidores secretos do que o con-seguiria muitos ensinamentos. Como já foi dito acima, a impressão dei-xada pela aterrorizante impassibilidade dos mártires era profunda e duradoura. Freqüentemente tenho ouvido testemunhas oculares descre. ver as cenas desse dia fatal, homens chegados ao governo, inclusive de alto posto. Enquanto os escutava era fácil crer que todos eram Babís, tão grande era sua admiração pelos acontecimentos nos quais o Islã de-sempenhou uma parte tão pouco gloriosa e por terem em alta conta os recursos, as esperanças e os meios de êxito da nova religião". (Con-de de Gobineau: Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", pp. 248-250). "Essas execuções não só eram criminosas como torpes. A barbaridade dos perseguidores derrotou seus próprios fins e em lugar de inspirar terror, deram aos mártires a oportunidade de exibir uma fortaleza heróica que tem feito mais do que qualquer propaganda, não

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até o dia em que o Chamado de Shíráz lhe atingiu por intermédio de Mullá Yusuf-i-Ardibílí e Mullá Mihdíy-i-Khu'í, ambos os quais se contavam entre seus mais conhecidos amigos. Entusiasticamente abraçou ele a Mensagem do Báb (20). Tencionara, ao regressar de Karbilá a Teerã, unir-se com os defensores do forte de Tabarsí, mas chegou muito tarde para realizar tal propósito. Permaneceu na capital e continuou a usar o tipo de vestimenta que adota-ra em Karbilá. O pequeno turbante que ele usava e a túnica branca que seu 'abá (21) preto escondia, não agradavam o Amír-Nizám, que o induziu a rejeitar essas roupas e se vestir em uniforme militar. Fizeram-no usar o Kuláh (22), um toucado que se considerava mais de acordo com a po-sição ocupada por seu pai. Apesar do Amír insistir que ele aceitasse um posto no serviço do governo, obstinadamente recusou aceder a seu pedido. A maior parte de seu tempo era passada na companhia dos discípulos do Báb, especial-mente daqueles companheiros Dele que sobreviveram à luta de Tabarsí. Ele os cercava com um cuidado e uma benevo-lência verdadeiramente admiráveis. Ele e seu pai tinham tanta influência que o Amír-Nizám foi induzido a lhe pou-par a vida e de fato, a se abster de qualquer ato de violên-cia contra ele. Embora estivesse presente em Teerã quando os sete companheiros do Báb com os quais estava intima-

ámporta quão hábil fora, pudera haver feito para assegurar o triunfo da causa pela qual deram suas v idas . . . A impressão produzida por tais exemplos de valor e resistência foi profunda e duradoura; ainda mais, a fé que inspirou aos mártires era normalmente contagiosa como mostra o seguinte incidente: Certo homem rude de Yazd, notável por sua vida desordenada e selvagem, foi ver a execução de alguns Babís, provavelmente com o objetivo de zombar deles. Porém quando viu a se-renidade e firmeza com que enfrentaram a tortura e a morte, seus sen-timentos sofreram um sobressalto repentino de tal intensidade que se adiantou correndo e gritando: "Matem-me também! Eu sou também um Babí!" Seguiu gritando desta forma até que ele também foi feito par-ticipante do destino que só havia saído a contemplar". (E. G. Browne: "A Year Among the Persians", pp. 111-12).

(20) Segundo Samandár (manuscrito pág. 2) , Sulaymán Khán chegou à presença do Bábi durante Sua peregrinação à Meca e Medina.

(21) Veja glossário. (22) Veja glossário.

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mente associado foram martirizados, nem os oficiais do go-verno, nem qualquer um da plebe se atreveram a exigir sua apreensão. Até em Tabríz, onde viajara com o propósito de salvar a vida do Báb, nenhum dentre os habitantes dessa cidade ousou levantar contra ele um dedo sequer. O Amír-Nizám, que estava devidamente informado de todos os seus serviços à Causa do Báb, preferiu não levar em conta seus atos, em vez de precipitar um conflito com ele e o pai.

Pouco depois do martírio de um certo Mullá Zaynu'1-Abidín-i-Yazdí, espalhou-se um boato de que aqueles que o governo tencionava executar, entre os quais Siyyid Husayn, amanuense do Báb, e Táhirih — seriam postos em liberdade e que seria abandonada definitivamente a perseguição de seus amigos. Divulgou-se a notícia em toda parte, que o Amír-Nizám, julgando estar próxima a hora de sua morte, fora acabrunhado de súbito por grande medo e, numa ago-nia de arrependimento, exclamara: "Sou perseguido pela visão do Siyyid-i-Báb, de cujo martírio fui eu a causa. Posso agora ver que terrível erro cometi. Eu deveria ter restrin-gido a violência daqueles que me instaram a derramar seu sangue e de seus companheiros. Agora percebo que os in-teresses do Estado exigiam isso." Seu sucessor Mírzá Aqá Khán, igualmente se inclinava a isso nos primeiros dias de sua administração e tencionava inaugurar seu ministério com uma reconciliação permanente entre ele e os seguido-res do Báb. Já estava ele se preparando para cumprir essa tarefa quando a tentativa contra a vida do Xá arrasou seus planos e lançou a capital em um estado de confusão sem precedentes.

Tenho ouvido o Maior Ramo (23), que naqueles dias era criança de apenas oito anos de idade, relatar uma de Suas experiências, quando se aventurou a sair da casa em que Ele então residia. "Nós havíamos procurado abrigo", ele nos disse, "na casa de Meu tio, Mírzá Ismá'il. Teerã estava na agonia da mais frenética agitação. Eu em certas ocasiões Me aventurava a sair dessa casa e atravessar a rua para ir ao mercado. Mal atravessava Eu o limiar e dava

(23) Título de 'Abdu'1-Bahá.

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um passo na rua, quando meninos de Minha idade, que estavam correndo por lá, se amontoavam a Meu redor gri-tando, 'Bábi! Bábü' Bem conhecendo o estado de agitação que se havia apoderado de todos os habitantes da capital tanto jovens como velhos, deliberadamente não levei em conta seu clamor e quietamente Me retirava para Minha casa. Aconteceu um dia que Eu estava andando sozinho pelo mercado, tencionando ir para a casa de Meu tio. Ao olhar para trás, vi um bando de pequenos rufiões correndo rapidamente a fim de Me alcançarem. Estavam atirando pedras contra Mim e gritando em tom ameaçador, 'Bábi! Bábü' Só intimidando-os, parecia-Me, poderia evitar o peri-go que Me ameaçava. Virei-Me para trás e Me precipitei em direção a eles com tão firme determinação que fugiram apavorados e se desvaneceram. Eu podia ouvir de longe seu grito, 'O pequeno Bábi está nos perseguindo depressa. Ele de certo vai nos alcançar e vai matar a nós todos!' Enquan-to Eu dirigia os passos para casa, ouvi um homem excla-mar bem alto: 'Fizeste muito bem, ó criança corajosa, des-temida! Ninguém de tua idade jamais teria podido, sem auxílio, resistir o ataque deles.' Depois daquele dia nunca mais fui molestado por qualquer um dos meninos da rua, nem ouvi mais nenhuma palavra ofensiva cair de seus lábios."

Entre aqueles que, em meio à confusão geral, foram apreendidos e aprisionados, se incluía Hájí Sulaymán Khán, as circunstâncias de cujo martírio irei relatar agora. Os fatos que menciono foram por mim cuidadosamente exami-nados e verificados e eu os devo pela maior parte, a Ãqáy-i-Kalím que estava, ele próprio em Teerã naqueles dias e teve que participar dos terrores e sofrimentos de seus ir-mãos de Fé. "No dia mesmo do martírio de Hájí Sulaymán Khán", informou-me ele, "aconteceu que eu estava presente com Mírzá 'Adu'1-Majíd, numa reunião em Teerã assistida por um número considerável das notalidades e dos digni-tários da capital. Entre eles se encontrava Hájí Mullá Mah-múd, o Nizámu'1-Ulamá, quem pediu ao Kalantar que des-crevesse as verdadeiras circunstâncias da morte de Hájí Sulaymán Khán. O Kalantar assinalou com o dedo a Mírzá

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Taqí, o Kad-Khudá (24) que, disse ele, conduzira a vítima desde o palácio imperial até o lugar de sua execução, fora do portão de Naw. Pediu-se então, a Mírzá Taqí que rela-tasse aos presentes tudo o que ele havia visto e ouvido. 'Eu e meus auxiliares', disse ele, 'recebemos ordens para comprar nove velas e inseri-las, nós mesmos, em buracos fundos que deveríamos cortar em sua carne. Instruíram-nos que acendêssemos cada uma dessas velas e o conduzísse-mos pelo mercado, com o acompanhamento de tambores e trombetas até o lugar de sua execução. Ordenaram que lá cortássemos seu corpo no meio e suspendêssemos cada me-tade a um dos dois lados no portão de Naw. Ele mesmo escolheu a maneira como desejava ser martirizado. Násiri'd-Dín Sháh havia mandado Hájíbu'd-Dawlih (25) indagar na cumplicidade do acusado e, caso se convencesse de sua ino-cência, induzi-lo a se retratar. Se ele se submetesse lhe seria poupada a vida e seria ele detido, pendente a julga-mento final de seu caso. Se ele recusasse, seria morto de qualquer modo que ele mesmo desejasse.

"As investigações de Hájibu'd-Dawlih convenceram-no da inocência de Hájí Sulaymán Khán. Logo que o acusado fora informado das instruções de seu soberano, ouviu-se ele exclamar jubilosamente: "Nunca, enquanto meu sangue vital continuar a pulsar em minhas veias, haverei de con-sentir em retratar minha fé em meu Bem-Amado! Este mundo que o Comandante dos Fiéis (26) comparou à car-niça, jamais me seduzirá do Desejo de meu coração." Pe-diram-lhe que determinasse a maneira como desejava mor-rer. "Que furem minha carne", foi a resposta instantânea, "e em cada ferida coloquem uma vela. Que acendam nove velas em todo o meu corpo e nesse estado, seja eu condu-zido pelas ruas de Teerã. Convocai a multidão para teste-munhar a glória de meu martírio, de modo que a memória de minha morte permaneça gravada em seus corações e lhes ajude, ao recordarem a intensidade de minha tribulação, a

(24) Veja glossário. (25) Chamava-se Hájí Ali Khán ("A Traveller's Narrative, p. 52,

Nota 1). (26) O Imame Ali.

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reconhecer a Luz que eu abracei. Depois de haver eu chegado ao pé do cadafalso e pronunciado a última oração de mi-nha vida terrena, parti meu corpo em dois e suspendei meus membros de cada lado do portão de Teerã, para que a mul-tidão que por baixo passa, testemunhe o amor que a Fé do Báb tem ateado nos corações de Seus discípulos e veja as provas de sua devoção."

"Hájibu'd-Dawlih mandou seus homens cumprirem os desejos expressados por Hájí Sulaymán Khán e me incum-biu de conduzi-lo pelo mercado até o lugar de sua execução. Quando entregaram à vítima as velas que haviam comprado e estavam prestes a lhe furar o peito com suas facas, ele fez uma súbita tentativa de apanhar a arma das mãos tre-mulas do algoz, a fim de mergulhá-la, ele mesmo, em sua própria carne. "Porque temer e hesitar?" exclamou ele, en-quanto estendia o braço para arrancar de suas mãos a faca. "Deixem-me cumprir eu mesmo a tarefa e acender as ve-las." Receando que ele nos atacasse, ordenei a meus ho-mens que resistissem sua tentativa e lhe amarrassem as mãos para trás. "Deixem-me", instava ele, "apontar com os dedos os lugares nos quais desejo que enfiem seu punhal, pois nenhum outro pedido tenho a fazer, senão este."

"Pediu-lhes ele que fizessem dois orifícios no peito, dois nos ombros, um na nuca e os outros quatro nas costas. Com calma estóica, suportou essas torturas. Em seus olhos ardia a chama de uma firmeza imperturbável, enquanto ele mantinha um silêncio misterioso e ininterrupto. Nem o ala-rido da multidão, nem o espetáculo do sangue que corria por toda parte de seu corpo pôde induzi-lo a interromper esse silêncio. Impassivo e sereno permaneceu até que todas as nove velas haviam sido colocadas e acendidas.

"Ao se consumar tudo para sua marcha à cena de sua morte ele, ereto como uma seta e com aquela mesma ina-balável fortaleza que em sua face fulgia, deu um passo para frente, para conduzir a multidão que a seu redor se apinha-va até o lugar destinado a ser a cena de seu martírio. De poucos em poucos passos interrompia ele a marcha e, con-templando os espectadores atônitos, exclamava: "Qual a pompa ou o fausto maior do que estes que acompanham meu progresso para ganhar a coroa da glória! Glorificado

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seja o Báb, que pode atear tal devoção nos peitos dos que lhe amam e dotá-los de um poder maior do que o dos reis!" Em alguns momentos, como se estivesse intoxicado do fer-vor dessa devoção, ele exclamava: "O Abraão de uma época passada enquanto suplicava a Deus, na hora de angústia extrema, que lhe fizesse descer o alívio pelo qual Sua alma ansiava, ouviu a voz do Invisível proclamar: 'õ fogo! Sê tu frio e para Abraão uma segurança! (27)' Mas este Sülaymán está implorando das profundezas de seu coração extasiado: 'Senhor, Senhor, deixa Teu fogo queimar incessantemente dentro de mim e permite que sua chama me consuma o ser.'" Quando seus olhos viram a cera agitar-se e oscilar nas feridas, irrompeu dele uma aclamação de frenético deleite: "Oxalá estivesse aqui para testemunhar meu estado, Aquele cuja mão me inflamou a alma." "Não pensem que eu esteja intoxicado com o vinho desta terra!" exclamou ele à vasta multidão atônita diante de sua conduta. "É o amor de meu Bem-Amado que me inundou a alma e fez que eu me sen-tisse como se estivesse dotado de uma soberania que até os reis poderiam invejar!"

"Não posso recordar as exclamações de júbilo que caíam de seus lábios à medida que ele se aproximava de seu fim. Todas das quais me posso lembrar são apenas poucas das palavras comovedoras que, em seus momentos de exultação, ele se sentia impelido a exclamar a congrega-ção de espectadores. Faltam-me palavras para descrever a expressão naquele semblante ou medir o efeito de que suas palavras surtiram na multidão.

"Ele estava ainda no bazar quando por uma brisa que soprou foi avivada a flama das velas colocadas sobre seu peito. Como se derretiam rapidamente, as chamas alcança-vam o nível das feridas nas quais haviam sido enfiadas. Nós que seguíamos a poucos passos atrás dele, podíamos ouvir distintamente o pipocar de sua carne. O espetáculo do sangue e do fogo lhe cobriam o corpo e em vez de si-lenciar sua voz, parecia aumentar seu inextingüível entu-siasmo. Ainda se podia ouvi-lo, agora se dirigindo às cha-mas, enquanto elas consumiam suas feridas: "Perdestes há

(27) Alcorão, 21:69.

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muito vosso aguilhão, ó chamas e vos foi roubado o poder de me inflingir dor. Apressai-vos, pois dessas línguas de fogo posso ouvir a voz que me chama a meu Bem-Amado!"

"Dor e sofrimento pareciam se haver dissolvido no ardor daquele entusiasmo. Envolto de chamas, andou ele assim como um conquistador poderia ter marchado à cena de sua vitória. Movia-se em meio à turba excitada feito uma luz flamejante entre as trevas que o cercavam. Ao alcançar o pé do cadafalso, novamente levantou ele a voz em um apelo final à multidão de espectadores. 'Este Sulaymán que vedes agora diante de vós, vítima de fogo e coberto de sangue, não gozava até recentemente todos os favores e todas as riquezas que este mundo pode proporcionar? Qual poderia ser a causa de haver ele renunciado esta glória terrena e aceito era troca tão grande degradação e sofri-mento?". Prostando-se em direção ao santuário do Imáme-Zádih Hasan, murmurou certas palavras em árabe, as quais eu não pude entender. "Está agora terminado meu traba-lho!" exclamou ele ao algoz, logo que concluiu sua oração. "Venha fazer o seu!" Ele ainda vivia quando com machado lhe partiram no meio o corpo. O louvor a seu Bem-Amado, apesar de tão incríveis sofrimentos, pairava sobre seus lábios até o último momento de sua vida (28).

(28) O extraordinário heroísmo com que Sulaymán Khán suportou estas torturas espantosas é notável e em repetidas ocasiões tenho ouvido o relato, que durante a longa agonia que padeceu, não cessou em dar testemunho de sua alegria de que fora considerado digno de sofrer mar-tírio pela Causa de seu Mestre. Inclusive cantou e recitou versos entre os quais se achava o seguinte: "Tenho retornado! Tenho retornado! Tenho vindo pela rota de Shiráz! Tenho vindo com atraentes gestos e fa-vores! Tal é a loucura do amante!" "Por que não danças?", perguntaram, zombando, 03 verdugos, "já que ju'gas tão prazenteira a morte?" "Dan-çar!" exclamou Sulaymán Khán "com o copo de vinho numa mão e com os caracóis dos cabelos do Amigo na outra. Baile, dessa forma na praça do mercado é meu desejo!" ("A Travellers's Narrative", Nota I, pp. 343-4). Foi martirizado em agosto de 1852. "Quando detiveram Sulay-mán Khán e trataram, em consideração a seus fiéis serviços e lealdade, de induzi-lo, mediante promessas de recompensas do rei, a abandonar o credo que havia adotado, ele não consentiu como também respon-deu com firmeza: "Sua Majestade o rei tem direito a imiscuir-se em suas convicções religiosas". Em conseqüência destas valentes palavras foi dada a ordem que se fizessem perfurações em sua carne e que

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"Essa trágica narrativa comoveu até as próprias pro-fundezas da alma daqueles que ouviram. O Nizámu'l-'Ulamá, que escutava atentamente todos os detalhes torceu as mãos de horror e desespero. 'Como é estranha esta Causa, muito estranha!' exclamou. Sem acrescentar nenhuma palavra mais, nenhum outro comentário ele imediatamente depois, se levantou e partiu." (29)

em cada uma das feridas se introduzisse uma mecha acesa como lição para os demais. Outra vítima foi tratada em igual forma. Neste esta-do e precedido por trovadores e tamborins, o conduziram pelos lugares e entretanto, ele, com o rosto sorridente, repetia uma vez ou outra o verso:

"Feliz aquele que por amor intoxicado "Tem vencido a tal ponto que apenas sabe "Se aos pés de seu Bem Amado "É sua cabeça o turbante que tem lançado!'

Quando uma das mechas caía de seu corpo, levantava-a com suas próprias mãos, voltava a acendê-la com uma das outras e a colocava em seu lugar. Os carrascos, ao ver tal grau de regozijo e arrebatamento, disseram: "Se estais tão desejoso do martírio, por que não danças?" Com isto, começou a dar saltos e a cantar com versos apropriados à sua condição.

"Um ouvido já não por ignorância embotado "E o submetido ego dão direito a dançar. "Tontos dançam e cabriolam no mercado; "Homens dançam enquanto rápido corre seu sangue. "Quando o eu perece, aplaudem de felicidade. "E dançam, já que do mal lograram liberdade.

Nesta forma conduziram a ambos pelo portão de Sháh Abdu'1-Azím. Quando estavam preparando para cortar seu corpo em dois com uma serra, esticou seus pés sem temor nem vacilação, enquanto recitava este verso:

"A este corpo pouco valia tenho; "Espírito de valente sua morada terrena deprecia. "Punhal e espada fragante alfavaca parecem, "Ou flores para adornar com seu esplendor

o banquete da morte". (O Táríhh-i-Jadíd", pp. 228-30)

(29) "Se nossa atenção tem sido dirigida mais a uma conclusão que outra nesta retrospectiva que tenho dado, é que uma devoção subli me e sem ressentimento tem sido inculcada por esta nova fé, não im-porta o que ela seja. Creio que só houve unt caso de um Babí que

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Naqueles dias de incessante turbulência se testemunhou o martírio de ainda outro eminente discípulo do Báb. Uma mulher, pessoa essa de não menos destaque que a própria heróica Táhirih, foi engolfada na tempestade que então en-furecia com implacável violência em toda parte da capital. O que eu agora começo a relatar sobre as circunstâncias de seu martírio foi obtido de pessoas que podiam fornecer informações fidedignas, algumas das quais foram elas mes-mas, testemunhas dos acontecimentos que estou tentando descrever. Sua estadia em Teerã foi notável por ser ocasião de muitas provas do caloroso afeto e da alta estima que lhe tinham as mais eminentes mulheres da capital. Ela atingira de fato, naquele tempo, o auge de sua popularidade (30). A

tenha renegado sob pressão ou ameaça de sofrimento e tenha voltado à Fé, sendo executado dois anos mais tarde. Histórias de magnífico he-roísmo iluminam as páginas sangrentas da história Babí. Mesmo quan-do muito de seus devotos são ignorantes e analfabetos, no entanto estão prontos a morrer por sua religião, e as labaredas de Smithfield não incendiaram um coração mais nobre que o que tem enfrentado e desa-fiado aos refinados traficantes de torturas de Teerã. Não deve ser de pouca monta, então, os preceitos de uma crença capaz de despertar um espírito tão raro e belo de auto-sacrif íc io , , . São estes pequenos inci. dentes que de tempo em tempo descobrem o reluzir dos rostos, os que provam que a Pérsia não está ainda completamente redimida e que dei-xam um tanto aniquilados os que falam largamente da civilização ira-niana". (Lord Curzon: Pérsia and the Persian Question", Vol. 1, p. 501).

(30) "Ela permaneceu ali longo tempo recebendo numerosas vi-sitas, tanto homens como mulheres. Fez ver a estas últimas o reles obje-to que o Islã lhes havia consignado e as conquistas para a nova reli-gião ao mostrar-lhes a liberdade e respeito que lhes conferia. Sobrevie-ram muitas disputas domésticas as quais nem sempre resultaram em benefício ou favorecimento à reputação do marido. Estas discussões po-deriam haver se prolongado muito se Mirzá Aqá Khán-i-Núri não hou-vera sido designado Sard i-A'zam. O primeiro ordenou a Háji Mullá Muhammad Andirmání e a Hájí Mullá Ali Kini que passassem a visi-tá-la com freqüência com o objetivo de examinar suas crenças. Tive-ram sete conferências com ela nas quais argumentou com grande sen-timento e afirmou que o Bábi era o Imame prometido que se esperava. Seus adversários chamaram a sua atenção para o fato que, segundo as profecias o Imame prometido devia vir de Jábulqá e Jábulsá. Ela res-pondeu com profunda convicção que estas profecias eram falsas e haviam sido falsificadas por tradicionalistas insinceros e já que essas duas cidades nunca existiram, só podia ser produto da superstição de mentes enfermas. Ela expôs a nova doutrina, dando a conhecer sua ver-

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casa em que ela estava confinada estava assediada por suas admiradoras apinhando-se nas portas, ansiosas de entrar em sua presença em busca do benefício de seus conheci-mentos (31). Entre essas senhoras, a esposa do Kaián-tar (32) distinguia-se pela reverência extrema que mostrava a Táhirih. Desempenhando o papel de anfitriã, apresentava-lhe a flor da população feminina de Teerã, servia-lhe com entusiasmo extraordinário e nunca deixou de contribuir o que podia para aprofundar sua influência entre as mulheres da casa. Pessoas com as quais a esposa do Kalántar estava intimamente relacionada a ouviram contar o seguinte: "Uma noite, enquanto Táhirih estava hospedada em minha casa, fui chamada à sua presença e a encontrei totalmente adornada, vestida de seda nívea. Seu aposento emitia a fragrância do mais fino perfume. Expressei-lhe minha surpresa, nunca a havendo visto assim. 'Estou-me preparando para encontrar com meu Bem-Amado' disse-me, 'e desejo livrar-te dos cui-dados e ansiedades de meu encarceramento.' Assustei-me, de início e chorei ao pensar em ser dela separada. 'Não chores,' disse-me, querendo me consolar. 'Não veio ainda o tempo de tua lamentação. Desejo te participar meus últi-mos pedidos, pois a hora em que serei apreendida e conde-

dade, porém sempre revidavam com o mesmo argumento de Jábulqá. Exasperada lhes disse finalmente: "Vosso raciocínio é o de uma crian-ça ignorante e torpe; por quanto tempo mais vão se agarrar a estas ton-teiras e mentiras? Quando vão levantar seus olhos ao Sol da Verdade?". Escandalizados por tais blasfêmias, Hájí Mullá Ali se pôs de pé e le-vando consigo seu amigo, disse: "Por que temos de continuar discutin-do com uma infiel?". Regressaram a suas casas e escreveram a senten-ça que estabelecia sua apostasia e negativa a retratar-se e a condena-ram à morte em nome do Alcorão". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Mu-hammad dit le Báb", pp. 446-447).

(31) "Enquanto se achava prisioneira na casa de Kalántar foi celebrado o matrimônio do filho da família. Naturalmente, foram con-vidadas as esposas de todos os homens proeminentes; no entanto, ainda que o anfitrião houvesse gasto muito dinheiro para dar os entretenimen-tos de rigor as mulheres pediram em alta voz que Qurratu'1-Ayn fosse convidada à festa. Apenas havia aparecido e começado a falar quando os músicos e bailarinas foram despedidos. As damas lembrando os do-ces que tanto lhes agradavam, só tinham olhos para Qurratu'1-Ayn". (Idem, p. 448).

(32) Muhmud Khán-i-Kalántar, sob cuja custódia havia sido posta.

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nada a sofrer martírio aproxima-se rapidamente. Eu queria te pedir que deixeis teu filho me acompanhar à cena de minha morte e evitar que os guardas e o algoz em cujas mãos serei entregue me obriguem a me despir destas vestes. É também meu desejo que meu corpo seja jogado em uma cova e que esta seja enchida de terra e pedras. Três dias após minha morte, uma mulher virá te visitar, a quem darás este pacote que agora entrego em tuas mãos. Meu último pedido é que a ninguém permitas de agora em diante, entrar em meu aposento. Desde agora até o tempo em que serei chamada a partir desta casa, que a ninguém seja per-mitido perturbar minhas devoções. Neste dia tenciono je-juar e este jejum não haverei de quebrar antes de ser levada para ficar face à face com meu Bem-Amado.' Soli-citou-me com essas palavras, trancar a porta de seu apo-sento e não abri-la antes de soar a hora de sua partida. Instou-me também que guardasse em sigilo a notícia de sua morte até o tempo em que seus inimigos a revelassem eles mesmos.

"O grande amor que eu por ela nutria no coração, tão somente, me possibilitou aceder às suas instruções. Se não fosse o desejo predominante sentido por mim de cumprir sua vontade, jamais haveria eu consentido em me privar de um momento de sua presença. Tranquei a porta de seu apo-sento e me retirei para o meu próprio em estado de irrepri-mível tristeza. Insone e desconsolada permaneci deitada em meu leito. Lacerou-me a alma o pensar em seu eminente martírio. 'Senhor, Senhor', orava eu em meu desespero, 'afasta dela, se for Tua vontade, o cálice do qual seus lábios desejam sorver.' Durante aquele dia e noite, eu várias vezes, não podendo me conter levantei e fui furtivamente ao li-miar daquele aposento, permanecendo em silêncio na sua porta, ansiosa de ouvir quaisquer palavras que de seus lá-bios caíssem. Encantou-me a melodia daquela voz que en-toava louvor a seu Bem-Amado. Dificilmente podia eu me manter em pé, tamanha foi minha agitação. Quatro horas após o pôr-do-sol, ouvi bater na porta. Apressei-me de imediato a meu filho e o informei dos desejos de Táhirih. Deu-me ele a palavra que cumpriria todas as instruções que

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ela me dera. Aconteceu que naquela noite meu esposo estava ausente. Meu filho que abriu a porta, me informou que os farráshes (33) de 'Aziz Khán-i-Sardár estavam em pé no por-tão, exigindo que Táhirih fosse entregue imediatamente em suas mãos. Aterrorizada com essa notícia, fui cambaleando à sua porta a qual, com mãos trêmulas destranquei, encontran-do-a velada e pronta para deixar seu apartamento. Estava andando de um lado par outro quando entrei e estava en-toando uma litania que expressava tanto tristeza como triun-fo. Assim que me viu se aproximou e me beijou. Pôs em minha mão a chave de seu pequeno cofre, no qual ela me disse haver deixado para mim algumas coisas insignifican-tes como uma lembrança de sua estada em minha casa. 'Sempre que abrires este cofre' disse ela, 'e olhares para as coisas que contém, lembra-te de mim, eu espero e te re-gozijarás por causa de minha felicidade.'

"Com estas palavras se despediu de mim pela última vez e acompanhada por meu filho desapareceu de minha vista. Que dor angustiante senti naquele momento, ao ver sua bela figura desvanecer-se, pouco a pouco, na distância! Ela montou o corcel que o Sardár mandara e escoltada por meu filho e alguns atendentes que marchavam a cada lado, seguiu ao jardim que seria a cena de seu martírio.

"Três horas depois meu filho voltou, com o rosto inun-dado de lágrimas e fazendo imprecações contra o Sardár e seus tenentes abjetos. Tentei acalmar sua agitação e fazen-do-o sentar-se a meu lado, lhe pedi que relatasse da forma mais completa que pudesse, as circunstâncias de sua morte. 'Mãe', respondeu ele em frantos, 'quase não posso ten-tar descrever o que meus olhos testemunharam.' Procede-mos diretamente ao jardim de ílkhání (34), fora do portão

(33) Veja glossário. (34) "Em frente à Legação da Inglaterra e à Embaixada Turca

se estendia uma praça que tinha desaparecido desde 1S93. No centro desta praça, mantendo a linha da rua, havia cinco ou seis árvores que marcavam o lugar onde havia sido morta a heroína Babí já que naque-les dias o jardim de ílkhání chegava até ali. Em meu regresso' em 1898 a praça havia desaparecido completamente e estava coberta por edifícios modernos e não sei se o dono atual tem preservado aquelas árvores

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da cidade. Fiquei horrorizado ao encontrar o Sardár e seus tenentes absorvidos em atos vergonhosos de devassidão, enrubescidos de vinho e rebentando de gargalhadas. Ao al-cançar o portão Táhirih apeou e me chamando, pediu que eu agisse como seu intermediário com o Sardár, a quem ela não se inclinava a dirigir em meio dessa orgia. "Aparente-mente desejam me estrangular" disse-me. "Separei há mui-to tempo, um lenço de seda que eu esperava ser usado para esse fim. Entrego-o em vossas mãos e desejo que induzas aquele bêbado dissoluto a usá-lo como o meio pelo qual ele pode pôr termo à minha vida."

"Quando fui ao Sardár, o encontrei em estado da mais vil embriagues. "Interrompam a alegria de nosso festival!" eu o ouvi bradar enquanto dele me aproximava. "Que seja estrangulada aquela miserável, e jogado em uma cova seu corpo!" Admirei-me muito dessa ordem. Acreditando ser des-necessário aventurar-me a lhe fazer qualquer pedido, fui a dois de seus atendentes que eu já conhecia e lhe dei o lenço que Táhirih havia a mim confiado. Consentiram em lhe satisfazer o pedido. Esse mesmo lenço foi amarrado em volta de seu pescoço tornando-se o instrumento de seu martírio. Imediatamente depois apressei-me ao jardineiro e lhe perguntei se poderia sugerir um lugar em que eu pudes-se esconder o corpo. Fiquei muito contente quando me in-dicou um poço que se havia cavado recentemente e deixado sem acabar. Com a ajuda de alguns outros, eu a baixei para dentro de seu sepulcro e da maneira que ela mesma dese-jara, enchi o poço de terra e pedras. Aqueles que a viram em seus últimos momentos foram profundamente afetados. Baixando os olhos e envoltos de silêncio pesarosamente se dispersaram, deixando sua vítima, aquela que dera tão im-perecível brilho a seu país, sepultada sob um monte de pedras que eles com as próprias mãos, haviam sobre ela empilhado."

"Lágrimas escaldantes derramei enquanto meu filho des-dobrava diante de meus olhos essa trágica narrativa. A tal ponto me emocionei que caí inconsciente, prostrada no

plantadas por mãos piedosas". (A. L. M. Nicolas: "Siyyid Alí-Muham-mad dit le Báb", p. 452).

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chão. Ao recuperar os sentidos, encontrei meu filho em um estado de agonia não menos intensa do que minha própria. Estava deitado em seu leito em apaixonados prantos de devoção. Vendo meu estado aproximou-se, querendo me confortar. 'Tuas lágrimas', disse ele, 'aos olhos de meu pai, te denunciarão.' Considerações de grau e posição haverão de induzi-lo sem dúvida, a nos abandonar e cortar quaisquer laços que o prendam a esta casa. Se deixarmos de repri-mir nossas lágrimas; ele nos acusará perante Nasiri'd-Dín Shán, como vítimas do encanto de um odioso inimigo. Obtendo o consentimento do soberano para nossa morte ele, provavelmente, com as próprias mãos procederá a nos trucidar. Por que devemos nós, que nunca abraçamos aque-la Causa, deixar-nos sofrer tal sorte em suas mãos? Tudo o que nos compete fazer é defendê-la contra aqueles que a denunciam como a própria negação da castidade e da hon-ra. Deveríamos sempre entesourar em nossos corações seu amor e face a um inimigo caluniador, sustentar a integri-dade daquela vida."

"Suas palavras mitigaram minha agitação interior. Fui buscar seu cofre e com a chave que ela colocara em minha mão o abri. Encontrei um pequeno frasco do mais escolhido perfume, ao lado do qual havia um rosário, um colar de coral e três anéis nos quais estavam engastadas pedras da turquesa, cornalina e rubi. Enquanto contemplando seus pertences terrenos, eu meditava sobre as circunstâncias de sua vida tão cheia de acontecimentos e vibrando de admi-ração recordava sua intrépida coragem, seu zelo, seu alto senso de dever e sua inquestionável devoção. Lembrei-me de suas realizações literárias e meditei sobre os encarcera-mentos, a ignomínia e a calúnia que ela havia enfrentado com uma fortaleza como nenhuma outra mulher em sua terra poderia manifestar. Pairava na memória a visão da-quele rosto cativante que jazia agora, lamentavelmente, se-pultado debaixo de um monte de terra e pedras. A lem-brança de sua apaixonada eloqüência enchia de carinho meu coração, enquanto eu repetia a mim mesma as pala-vras que tantas vezes haviam caído de seus lábios. A cons-ciência da vastidão de seus conhecimentos e do seu domínio das Sagradas Escrituras do Islã, relampejaram através de

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minha mente que de súbito me desconcertou. Acima de tudo, sua apaixonada lealdade à Fé que ela abraçara, seu fervor enquanto lhe defendia a causa, os serviços que lhe prestava, as angústias e tribulações que ela sofria pelo amor que lhe tinha, o exemplo que dera aos seguidores, o ímpeto que fornecera a sua promoção, o nome que ela para si havia esculpido nos corações de seus conterrâneos, tudo isso eu recordava enquanto ficava em pé, em frente de seu cofre, perguntando a mim mesma o quê poderia ter induzido essa tão grande mulher a renunciar todas as riquezas e honras as quais estivera rodeada e se identificar com a causa de um jovem obscuro de Shíráz. Qual teria sido o segredo, perguntava a mim mesma, do poder que a apar-tara de seu lar e dos seus parentes, que a sustentou durante toda a sua tempestuosa carreira e afinal a levou ao túmulo? Poderia essa força, ponderava eu, ser de Deus? Poderia ter sido a mão do Todo-Poderoso que guiou seu destino e lhe dirigiu o curso em meio aos perigos de sua vida?

"No terceiro dia após seu martírio (35), veio a mulher cuja vinda ela prometera. Perguntei-lhe o nome e verifican-do ser o mesmo que Táhirih me dissera, entreguei em suas mãos o pacote que me havia sido confiado. Nunca antes tinha eu visto essa mulher e nunca mais a vi." (36)

O nome daquela mulher imortal era Fátimih, nome esse que seu pai lhe conferira. Foi cognominada de Umm-í-Sal-mih, por sua família e parentes, os quais também a desig-naram como Zakíyyih. Ela nasceu no ano de 1233 A.H. (37), o mesmo ano que testemunhou o nascimento de Bahá'u'lláh. Tinha trinta e seis anos quando sofreu martírio em Teerã. Possam gerações futuras apresentar uma digna descrição de uma vida que contemporâneos deixaram de reconhecer ade-quadamente. Possam futuros historiadores perceber a plena medida de sua influência e registrar os serviços incompará-veis que essa grande mulher prestou a sua terra e ao seu povo. Que os seguidores da Fé, a qual bem serviu, se

(35) Agosto de 1852 A. D. (36) Veja "Journal of the Royal Asiatic Society", 1889, art.

p. 492. (37) 1817-1818 A. D.

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esforcem para lhe seguir o exemplo, que relatem seus feitos, colecionem seus escritos, desvendem o segredo dos seus talentos e lhe consagrem para todo o sempre, um lugar na memória e nos afetos dos povos e raças da terra (38).

Outra figura de destaque entre os discípulos do Báb, que foi morta durante o período turbulento que sobreviera

(38) "A beleza e o sexo feminino também prestaram seu apoio ã nova crença e o heroísmo da formosa porém mal-afortunada poetisa de Qazvin, Zarrín-Táj (Coroa de Ouro) ou Qurratu'1-Ayn (Consolo dos Olhos) que, tirando o véu, levou o fogo missionário a todas as partes, é um dos episódios mais comoventes da história moderna". (Lord Curzon: "Pérsia and the Persian Question", vol. 1, p. 497. nota 2) . "Nenhuma recordação se venera mais profundamente ou acende maior entusiasmo que a sua e a influência que teve durante sua vida todavia tem efeito sobre seu sexo". (Valentine Chirol: "The Middle Eastern Question", p. 124). "A aparição de uma mulher como Qurra-tu'1-Ayn é um fenômeno raro em qualquer país e em qualquer época, porém em um país como a Pérsia é um prodígio, ainda mais é quase um milagre. Tanto em virtude de sua maravilhosa beleza, seus ex-cepcionais dotes intelectuais, sua fervente eloqüência, sua intrépida devoção e seu glorioso martírio, se destaca sem par e imortal entre suas compatriotas mulheres. Se a religião Babí não tivera outra pre-tensão à grandeza, lhe basta isto — haver produzido uma heroína como Qurrátu'1-Ayn". ("A Traveller's Narrative", Nota Q, pi 213) "Quase se pode dizer que a figura mais extraordinária de todo o movimento Babí foi a poetisa Qurratu'1-Ayn. Era renomada por sua virtude pie-dosa e erudição e havia terminado de converter-se quando leu alguns versos e exortações do Báb. Tão forte chegou a ser a sua fé que mesmo quando tinha riquezas e pertencia à nobreza, renunciou a seus bens materiais, seus parentes, seu nome e situação pelo serviço a seu Mes-tre e se dedicou a proclamar e estabelecer sua doutr ina. . . A beleza de suas palavras era tal que era capaz de apartar os convidados de uma boa música preparada para seu entretenimento pelo anfitrião. Seus versos encontram-se entre os mais comovedores da língua persa". (Sir Francis Younghusband: "The Gleam", pp. 202-3). "Uma retrospectiva na vida de Qurratu'1-Ayn nos surpreende especialmente por seu fogoso entusiasmo e sua falta absoluta de apego à vida terrena. Este mundo era para ela, assim como se diz que era para Qúddus, um mero punha-do de pó. Era também uma oradora eloqüente e tinha experiência no intrincado padrão de versificação persa. Um dos poucos poemas que são conhecidos até esta data é de especial interesse devido à crença que expressa no caráter divino-humano de a!guém (a quem ela chama de Senhor), cujas pretensões uma vez expostas, receberiam reconhecimen-to geral. Quem era este personagem? Parece que Qurratu'1-Ayn con-siderava que Ele mostrava muita lentidão em dar a conhecer estas pre-

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a Teerã foi Siyyid Husayn-i-Yazdí, amanuense do Báb tan-to em Máh-Kú como em Chihríq. Tal foi seu conhecimento dos ensinamentos da Fé que o Báb em uma Epístola diri-gida a Mirzá Yahyá, exortou este a buscar dele esclareci-mento em qualquer assunto pertencente aos sagrados escri-tos. Homem de elevada posição e experiência, em quem o

tensões. Pode-se pensar em outra pessoa a não ser Bahá'u'lláh? A poe-tisa era uma verdadeira Bahá'í". (Dr. T. K. Cheyne: "The Reconcilia-tions of Races and Religions", pp. 114-115). "A colheita semeada em terra islâmica por Qurratu'1-Ayn agora começa a dar frutos. Uma carta dirigida ao "Christian Commonwealth" em junho passado nos informa c;ue quarenta sufragistas turcas serão deportadas de Constantinopla a Akká (que tanto tempo foi a prisão de Bahá'u'lláh) : "Durante os últi-mos anos idéias sufragistas têm sido difundidas caladamente entre os haréns. Os homens não o sabiam; todo mundo o ignorava; e agora, re-pentinamente, foram abertas as comportas e os homens de Constanti-nopla acreditam ser necessário recorrer a medidas drásticas. São orga-nizadas sociedades sufragistas, são redigidos memoriais inteligentes que incorporam as petições femininas e se os têm feito circular; têm aparecido diários e revistas femininas que publicam artigos excelentes e se tem levado a efeito reuniões públicas. Então, certo dia, os membros deste clube — quatrocentas delas, descartaram o véu. As classes sociais estancadas e fossilizadas se escandalizaram, os bons muçulmanos deram o alarma e o governo se viu forçado a tomar medidas. Estas quatro-centas mulheres amantes da liberdade foram divididas em grupos. Um grupo de quarenta foi exilado a Akká e chegou dentro de alguns dias. Todo mundo fala dele e é surpreendente ver quão numerosos são os que estão a favor de retirar o véu do rosto das mulheres. Muitos homens com os quais tenho conversado não só consideram que o cos-tume é arcaico como também atrapalha a capacidade de pensar. As autoridades turcas, pensando extinguir esta luz de liberdade só a tem avivado sua chama e sua ação autoritária só tem servido para ajudar materialmente a criar uma opinião pública mais ampla e uma maior compreensão deste problema crucial". (Idem, pp. 115-116). "A outra missionária, a mulher a quem me refiro, havia vindo a Qazvín. Não havia dúvidas que ela era ao mesmo tempo, o objeto de veneração dos Babís e uma das manifestações mais extraordinárias e fascinantes desta religião. (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centra!e", p. 136). "Muitas pessoas que a conheceram e a es-cutaram em diferentes ocasiões declararam que, para uma pessoa tão erudita e lida, a característica que mais sobressaía em suas dissertações era uma extraordinária simplicidade e no entanto, quando falava, os que a escutavam se sentiam profundamente comovidos e cheios de admi-ração, freqüentemente com lágrimas nos olhos". (Idem, p. 150). "Ainda que tanto muçulmanos quanto Babís falem em termos mais elevados

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Báb depositava absoluta confiança e com quem fora inti-mamente associado, sofreu ele, após o martírio de seu Mes-tre em Tabríz, a agonia de um longo encarceramento na masmorra subterrânea de Teerã, o qual terminou com seu martírio. Bahá'u'lláh muito ajudou a suavizar as durezas que ele sofria. Todo mês, regularmente, mandou-lhe Ele qualquer auxílio financeiro de que necessitava. Ele era elo-giado e admirado até pelos carcereiros que o vigiavam. A longa e íntima associação com o Báb, durante os últimos e mais tempestuosos dias de Sua vida, lhe havia aprofundado a compreensão e dotado a alma de um poder que ele era destinado a manifestar mais e mais, à medida que os dias de sua vida terrena se aproximavam do fim. Jazia ele na prisão, ansiando pelo dia em que seria chamado para so-frer uma morte similar àquela de seu Mestre. Tendo-lhe sido negado o privilégio de ser martirizado no mesmo dia do Báb, privilégio es_>i que fora seu supremo desejo atin-gir, esperava agora ansiosamente a hora em que ele, por sua vez, pudesse sorver até a própria escória do cálice que tocara os lábios do Báb. Inúmeras vezes os oficiais cie maior destaque de Teerã se esforçavam por induzi-lo a aceitar seu oferecimento de livrá-lo dos rigores da prisão, bem como da perspectiva de uma morte ainda mais cruel. Firmemente ele recusava. Seus olhos vertiam lágrimas oriun-das de seu fervoroso desejo de ver mais uma vez aquela face cujo esplendor se irradiara tão brilhantemente em meio

da beleza de "Consolo dos olhos", não há dúvida alguma que a inteli-gência e caráter desta jovem eram ainda mais extraordinários do que se tem relatado. Tendo escutado sempre, e por que não dizer quase que diariamente as conversas eruditas, parece que numa idade precoce to-mou interesse nelas; daí então que era perfeitamente capaz de seguir os sutis argumentos de seu pai, de seu tio, de seu primo e agora de seu esposo e inclusive debater com eles e assombrá-los por causa do poder e agudeza da sua mente. Não é freqüente ver, na Pérsia, que as mu-lheres se ocupem de assuntos intelectuais, embora suceda em algumas ocasiões. O que é realmente extraordinário é encontrar uma mulher da habilidade de Qurratu'1-Ayn. Não só tinha um conhecimento inusitada-mente perfeito do árabe, como também se destacou por seus conheci-mentos das tradições do Islã e das diversas interpretações das pas-sagens discutidas do Alcorão e dos grandes escritores. Em Qazvín consideraram-na, com justa razão, um prodígio". (Idem, p. 137).

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às trevas de um encarceramento cruel em AcChirbáyján e cujo ardor aquecia as gélidas noites de inverno. Enquanto ele meditava, na negrura de sua cela de prisão, sobre aque-les dias de êxtase passados na presença de seu Mestre, veio-lhe Alguém que tão somente pode através da luz de Sua presença banir a angústia que de sua alma se apoderara. Seu Confortador não foi outro, senão o próprio Bahá'u'lláh, Em sua companhia teve Siyyid Husayn o privilégio de permanecer até a hora de sua morte. A mão de 'Aziz Khán-i-Sardár, a qual havia abatido Táhirih, foi a que inflingiu o golpe fatal ao amanuense do Báb e certa época Seu com-panheiro de prisão em Adhirbáyján. Desnecessário é deter-me sobre as circunstâncias da morte que aquele sanguiná-rio Sardár lhe inflingiu. Basta dizer que ele também, assim como aqueles que lhe precederam sorveu em circunstâncias de vergonhosa crueldade do cálice pelo qual, desde tanto tempo e tão profundamente, ansiava.

Procedo agora a relatar o que sobreveio aos companhei-ros restantes do Báb, àqueles privilegiados a compartilhar com Bahá'u'lláh os horrores do encarceramento. De seus próprios lábios tenho várias vezes ouvido o seguinte relato: "Todos os que foram abatidos pela tempestade que enfure-cia naquele ano memorável em Teerã vieram a ser Nossos companheiros de prisão no Síyáh-Chál, onde estávamos con-finados. Nós todos estávamos amontoados em uma só cela; os pés em tronco e em volta de nossos pescoços amarrada a corrente mais mortificante. O ar que respirávamos estava impregnado das mais fétidas impurezas, enquanto o chão em que estávamos sentados estava coberto de imundície e infestado de verminose. Não se permitia que um raio de luz penetrasse naquela pestilenta masmorra ou lhe aqueces-se o frio gélido. Fomos colocados em duas fileiras, uma em frente à outra. Nós lhes havíamos ensinado a repetir certos versículos os quais,, toda noite eles entoavam com extremo fervor. 'Deus me é suficiente; Ele, em verdade, é o Todo-suficiente', entoava uma das fileiras, enquanto a outra respondia: 'Que Nele os confiantes confiem.' O coro dessas vozes jubilosas continuava a ressoar até as primei-ras horas da manhã. Sua reverberação enchia a masmorra e penetrando seus muros maciços, alcançava os ouvidos de

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Násirid-Dín-Sháh, cujo palácio se situava não muito longe do lugar onde estávamos encarcerados. 'Que significa esse ruído?' dizem haver ele exclamado: 'É a antífona que os batais estão entoando em sua prisão', responderam. O Xá nenhum outro comentário fez, nem tentou restringir o en-tusiasmo que seus prisioneiros, a despeito dos horrores de seu encarceramento, continuaram a mostrar.

"Um dia, trouxeram à Nossa prisão uma bandeja de carne assada a qual, informaram-Nos, o Xá ordenara fosse distribuída entre os presos. 'O Xá', disseram-Nos, 'fiel a um voto que fizera, dignou-se hoje oferecer a todos vós este earneiro em cumprimento de sua promessa.' Um silêncio profundo caiu sobre Nossos companheiros, que esperavam que Nós respondêssemos em seu nome. 'Devolvemos a vós essa dádiva', respondemos Nós, 'bem podemos dispensar essa oferta'. A resposta que demos teria irritado muito os guardas, se eles não tivessem estado ávidos de devorar o alimento que havíamos recusado tocar. A despeito da fome que afligia Nossos companheiros somente um dentre eles, um certo Mírzá Husayn-i-Mulatavallíy-i-Qumí, mostrou algum desejo de comer do alimento que o soberano se dignara espalhar diante de Nós. Com uma fortaleza verdadeiramen-te heróica Nossos companheiros de prisão, sem nenhum murmúrio se sujeitavam a suportar a lastimável situação à qual foram reduzidos. De seus lábios caíam incessantemente Louvores a Deus, em vez de uma queixa contra o tratamen-to ao qual foram submetidos, pelo Xá — Louvor com o qual tentavam distrair-se das durezas de um cativeiro cruel.

"Cada dia, Nossos carcereiros, entrando em Nossa cela chamavam o nome de um de Nossos companheiros, man-dando-o levantar-se e segui-los até o pé do cadafalso. Com que fervor aquele a quem pertencia esse nome respondia ao solene chamado! Livrado de suas correntes alegremente se punha em pé e em estado de irrepressível deleite se aproximava de Nós e Nos abraçava. Procurávamos confor-tá-lo assegurando-lhe uma vida eterna no mundo do além e inundando-lhe o coração de esperança e júbilo O mandáva-mos partir para ganhar a coroa da glória. Abraçava ele por sua vez, os restantes companheiros de prisão, cada um por sua vez e então saía para morrer, tão destemidamente como

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ele vivera. Logo após o martírio de cada um desses compa-nheiros o algoz, que se havia tornado amigável a Nós, in-formava-Nos das circunstâncias da morte de sua vítima e da alegria com que suportara seus sofrimentos até mesmo o fim.

"Fomos acordados uma noite antes do alvorecer, por Mirzá 'Abdu'1-Vahháb-i-Shírází, que estava amarrado Conos-co pelas mesmas correntes. Ele havia partido de Kázimayn e Nos seguido até Teerã, onde foi apreendido e encarcera-do. Ele agora nos perguntou se estávamos acordados e em seguida relatou a Nós seu sonho. 'Tenho estado nesta noite', disse ele, 'voando em um espaço de infinita vastidão e bele-za. Eu parecia ser erguido sobre asas que me levavam para onde quer que eu quisesse ir. Uma emoção de deleite está-tico me inundava a alma. Eu voava em meio a essa imen-sidão com uma rapidez e facilidade que não posso descre-ver.' 'Hoje', respondemos, 'será tua vez para te sacrificar por esta Causa. Que permaneças firme e constante até o fim. Então te encontrarás voando naquele mesmo espaço ilimi-tado com que sonhaste, atravessando com a mesma facili-dade e rapidez o reino da soberania imortal e contemplando com aquele mesmo êxtase o Horizonte Infinito.'

"Naquela manhã o carcereiro entrou novamente em Nossa cela e esta vez chamou o nome de 'Abdu'1-Vahháb. Livrando-se das correntes pôs-se logo em pé, abraçou cada um de seus companheiros de prisão e tomando-Nos em seus braços Nos apertou afetuosamente ao coração. Nesse mo-mento descobrimos que ele não tinha sapatos para calçar. Nós demos os Nossos e com uma palavra final de conforto e alegria Nós o mandamos à cena de seu martírio. Mais tarde seu algoz veio a Nós, elogiando em linguagem fervo-rosa o espírito que esse jovem mostrara. Como éramos gratos a Deus por esse testemunho dado pelo próprio algoz!"

Todo esse sofrimento e a vingança cruel que as autori-dades haviam tirado dos que fizeram a tentativa contra a vida de seu soberano, não bastaram para aplacar a ira da mãe do Xá. Dia e noite persistia ela em seu vindictivo cla-mor exigindo a execução de Bahá'u'lláh por ela conside-rado o verdadeiro autor do crime. "Entregai-o ao algoz!"

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gritava ela insistentemente às autoridades. "Que humilha-ção maior que esta eu que sou a mãe do Xá, ser impoten-te para inflingir àquele criminoso o castigo que um ato tão pusilânime merece!" Seu brado por vingança, que uma fúria impotente servia para intensificar, era fadado a ficar sem resposta. A despeito de suas tramas, Bahá'u'lláh foi poupa-do do destino que ela tão inoportunamente se esforçara por precipitar. O Prisioneiro foi libertado afinal de Seu encar-ceramento e pôde desdobrar e estabelecer além dos confins do reino de seu filho, uma soberania com a possibilidade da qual jamais poderia ela ter sonhado. O sangue que no decorrer daquele ano fatídico em Teerã, foi derramado por aquela companhia heróica com a qual Bahá'u'lláh fora apri-sionado, foi o resgate pago para livrá-lo da mão de um inimigo que tencionava impedi-lo de cumprir o desígnio para o qual Deus o destinara. Sempre desde o tempo em que Ele esposara a Causa do Báb, perdeu Ele uma oportu-nidade para servir de campeão da Fé que abraçara, expon-do-se aos perigos que os seguidores da Fé tiveram que enfrentar nos primeiros anos. Foi o primeiro dos discípulos do Báb a dar o exemplo da renúncia e do serviço à Causa. Sua vida, entretanto, se bem que assediada pelos riscos e perigos que uma carreira como a Sua haveria infalivelmen-te de encontrar, foi poupada por aquela mesma Providên-cia que O escolhera para uma tarefa que Ele, de acordo com Sua sabedoria não podia proclamar publicamente.

O terror que convulsionou Teerã foi apenas um dos muitos riscos e perigos aos quais foi exposta a vida de Bahá'u'lláh. Homens, mulheres e crianças na capital tre-miam diante da impiedade com que o inimigo perseguia suas vítimas. Um jovem, de nome 'Abbás, antigo criado de Hájí Sulaymán Khán e por causa do largo círculo de ami-gos cultivados por seu mestre, completamente informado dos nomes e endereços e do número dos discípulos do Báb, foi empregado pelo inimigo como instrumento pronto, em mão, para a prossecuçao de seus desígnios. Ele se havia identificado com a Fé de seu mestre e se considerava um dos zelosos defensores. No início do tumulto, ele foi preso e instado a trair todos os que ele sabia estavam associados à Fé. Tentaram, mediante toda maneira de recompensa, in-

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duzi-lo a revelar aqueles que foram os co-discípulos de seu mestre, advertindo-lhe que, se recusasse informar-lhes de seus nomes, ele seria sujeitado a torturas desumanas. Ele deu a paiavra que acederia a seus desejos e informaria aos assistentes de Hájí 'Ali Khán, o Hájibu'd-Dawlih, o Farrásh-Báshí, seus nomes e endereços. Conduziram-no através das ruas de Teerã, mandando-o apontar cada um que ele reco-nhecia como seguidor do Báb. Várias pessoas que ele nunca havia visto e conhecido foram desse modo entregues nas mãos dos assistentes de Hájí 'Ali Khán — pessoas que ja-mais tiveram qualquer contato com o Báb e Sua Causa. Essas pessoas só puderam recuperar a liberdade mediante uma pesada gratificação àqueles que as haviam apreendido. Tal foi a cobiça desses subordinados do Hájibu'd-Dawlih que pediram especialmente a 'Abbás que saudasse como sinal de traição cada pessoa que ele pensava, desejaria e poderia pagar uma quantia grande como resgate. Até forçavam-no a denunciar essas pessoas, ameaçando-lhe de grave perigo à sua própria vida caso ele recusasse. Freqüentemente prometiam dar-lhe uma parte do dinheiro que estavam determinados a extorquir das vítimas.

Na esperança de que O denunciasse, levaram esse 'Abbás ao Síyáh-Chál para apresentá-lo a Bahá'u'lláh, com quem ele havia encontrado anteriormente, em várias ocasiões, na companhia de seu mestre. Prometeram que a mãe do Xá lhe recompensaria amplamente tal denúncia. Cada vez que era conduzido à presença de Bahá'u'lláh, 'Abbás depois de haver permanecido por alguns momentos em pé diante Dele contemplando-Lhe a face, saía do lugar, negando enfaticamente O haver visto alguma vez. Vendo assim fra-cassados seus esforços, recorreram ao veneno, na esperança de ganhar o favor da mãe de seu soberano. Conseguiram interceptar o alimento que seu Prisioneiro fora permitido receber de Sua casa e nele introduzir o veneno esperando que lhe fosse fatal. Essa medida, embora prejudicasse du-rante alguns anos a saúde de Bahá'u'lláh, não atingiu seu propósito.

O inimigo foi induzido, a deixar de considerá-lo o prin-cipal instigador daquela tentativa, e decidiu transferir a res-ponsabilidade por esse ato a 'Azim, a quem agora acusa-

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ram de ser o verdadeiro autor do crime. Tentaram por esse meio ganhar o favor da mãe do Xá, favor esse que muito cobiçavam. Hájí 'Ali Khán com grande prazer lhes secundou os esforços. Como ele mesmo nenhuma parte tomara no encarceramento de Bahá'u'lláh aproveitou a ocasião que se ofereceu para denunciar 'Azim, já havendo conseguido apreendê-lo, como o principal instigador e o responsável.

O ministro russo, que por intermédio de um de seus agentes, estava acompanhando o desenrolar da situação e sendo informado constantemente da condição de Bahá'u'lláh, dirigiu ao Grão-Vizir, através de seu intérprete, uma mensagem em linguagem veemente na qual protestava con-tra sua ação e sugeriu que um mensageiro, na companhia de um dos representantes de confiança do governo e de Hájibu'd-Dawlih, fosse ao Siyáh-Chál para pedir àquele re-centemente reconhecido como líder que declarasse publica-mente sua opinião no tocante à posição de Bahá'u'lláh. "Qualquer declaração que esse líder faça", escreveu ele, "quer seja em elogios ou em denúncia, deveria, em minha opinião, ser imediatamente anotada e servir de base para o julgamento final a ser pronunciado nessa questão."

O Grão-Vizir prometeu ao intérprete que seguiria o con-selho do ministro, até marcou uma hora para o mensagei-ro encontrar com o representante do governo e Hájibu'd-Dawlih e com eles seguir ao Siyáh-Chál.

Quando se perguntou a 'Azím se ele considerava Bahá'-u'lláh o responsável líder do grupo que fizera a tentativa contra a vida do Xá, ele respondeu: "O Líder dessa comu-nidade não foi outro, senão o Siyyid-i-Báb, trucidado em Tabríz e cujo martírio me induziu a me levantar e vingar Sua morte. Eu tão somente concebi esse plano e tentei executá-lo. O jovem que arrancou o Xá de seu cavalo não foi outro, senão Sádiq-i-Tabrízí, servidor em uma confeita-ria em Teerã que esteve a meu serviço durante 2 anos. Ele estava inflamado com um desejo, ainda mais fervoroso do que o meu próprio, de vingar o martírio de seu Líder. Agiu com demasiada pressa entretanto, e não pôde assegurar o êxito de sua tentativa."

As palavras de sua declaração foram anotadas tanto pelo intérprete do ministro, como pelo representante do

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Grão-Vizir os quais submeteram os relatórios a Mírzá Aqá Khán. Os documentos entregues em suas mãos foram em grande parte responsáveis pela libertação de Bahá'u'lláh de Seu encarceramento.

Entregaram 'Azim em conseqüência disso aos ulemás, os quais, embora estivessem ansiosos de apressar sua morte, foram impelidos pela hesitação de Mírzá Abúl Qásim, o Imame-Jum'íh de Teerã. Hájibu'd-Dawlíh, por causa cia aproximação do mês de Muharram, induziu os ulemás a se reunirem no andar superior do quartel, onde conseguiu obter a presença do Imame-Jum'íh, o qual ainda persistia em recusar dar seu consentimento para a morte de 'Azim. Ele deu instruções para trazer o acusado a esse lugar e deixá-lo esperar aí o julgamento que contra ele seria pronunciado. Com violência foi ele conduzido pelas ruas, sendo acabru-nhado de ridículo e aviltado pelo povo. Mediante uma trama sutil inventada pelo inimigo, conseguiram um veredito de morte. Um siyyid munido de clava precipitou-se contra ele e lhe esmagou a cabeça. Seu exemplo foi seguido pelo povo, que com paus, pedras e punhais o agrediu, mutilan-do-lhe o corpo. Hájí Mírzá Jámí também foi um dos que sofreram martírio no curso da agitação subseqüente à ten-tativa contra a vida do Xá. Por não estar o Grão-Vizir in-clinado a levá-lo, deram fim à sua vida secretamente.

A confragação que se ateou na capital espalhou-se às províncias adjacentes, levando em seu rastro devastação e miséria a incontáveis pessoas inocentes, contra os súditos do Xá. Assolou Mázindarán onde residia Bahá'u"lláh, e foi sinal para atos de violência que visavam todos os Seus bens nessa província. Dois dos devotados discípulos do Báb, Muhammad-Taqí Khán e 'Abdu'1-Vahháb, ambos residentes de Núr, sofreram martírio em conseqüência desse tumulto.

Os inimigos da Fé, desapontados ao verificarem que a libertação de Bahá'u'lláh do cárcere estava quase assegura-da, tentaram intimidar seu soberano e por este meio envol-ver Bahá'u'lláh em novas complicações, assim acarretando Sua morte. A insensatez de Mirzá Yahyá que, impelido por suas fúteis esperanças, procurara obter para si e para o bando de seus néscios aderentes uma supremacia que até

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então inutilmente se esforçara para ganhar, forneceu ao inimigo mais um pretexto para incitar o Xá a tomar me-didas drásticas para a destruição de qualquer influência que seu Prisioneiro ainda retivesse em Mázindarán.

As alarmantes notícias recebidas pelo Xá, que mal ss recuperara dos ferimentos, provocou uma terrível sede de vingança. Ele chamou o Grão-Vizir e lhe repreendeu por não haver podido manter ordem e disciplina entre o povo de sua própria província, que lhe era ligado por laços de parentesco. Embaraçado pela repreensão de seu soberano, expressou sua prontidão para cumprir qualquer instrução que ele lhe desse. Foi mandado despachar a essa província, de imediato, vários regimentos, com estritas ordens de re-primir com mão implacável aqueles que perturbavam a paz pública.

O Grão-Vizir, embora tivesse plena consciência do cará-ter exagerado das notícias que lhe haviam sido submetidas, se viu constrangido, diante da insistência do Xá, a despa-char o regimento de Sháh-Sún, chefiado por Husayn-'Alí Khán-i-Sháh-Sún, à aldeia de Tákur, no distrito de Núr, onde estava situada a casa de Bahá'ulláh. Entregou o co-mando supremo às mãos de seu sobrinho, Mírzá Abú-Talib Khán, cunhado de Mírzá Hasan, que era irmão de Bahá'u'-lláh por parte de pai. Mírzá Áqá Khán solicitou-ihe que exercesse a máxima precaução e moderação enquanto acam-pando nessa aldeia. "Quaisquer excessos", advertia-lhe ele, "que sejam cometidos por vossos homens, terão um efeito desfavorável no prestígio de Mírzá Hasan, causando aflição a vossa própria irmã." Mandou-lhe investigar a natureza dessas notícias e não acampar por mais de três dias na vizinhança daquela aldeia.

O Grão-Vizir depois chamou Husayn-'Alí Khán e o exor-tou a comportar-se com a máxima circunspecção e sabedo-ria. "Mírzá Abu-Tálib," disse-lhe, "é ainda jovem e inexpe-riente. Eu o escolhi especialmente devido a seu parentesco com Mírzá Hasan. Tenho confiança de que ele, por causa de sua irmã, se absterá de causar desnecessário dano aos habitantes de Tákur. Vós, por lhe serdes superior em idade e experiência, deveis dar-lhe um nobre exemplo e lhe acen-tuar a necessidade de servir os interesses tanto do governo

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como do povo. Nunca deveis permitir que ele empreenda quaisquer operações sem haver previamente vos consulta-do." Assegurou a Husayn-'Alí Khán que emitira instruções por escrito aos chefes daquele distrito incumbindo-lhe de ihe prestarem auxílio quando quer que fosse exigido.

Mírzá AM-Tálib Khán, inflamado de orgulho e entusias-mo, esqueceu os conselhos de moderação que o Grão-Vizír lhe dera. Recusou deixar-se influenciar pelos prementes ape-los de Husayn-'Alí Khán, que lhe solicitava que não provo-casse um conflito desnecessário com o povo. Mal alcançara ele o desfiladeiro que dividia o distrito de Núr da província adjacente, a qual não era muito distante de Tákur, quando mandou seus homens prepararem-se para atacar o povo dessa aldeia. Husayn-'Alí-Khán correu a ele em desespero e lhe implorou que se abstivesse de tal ato. "Cabe a mim," retorquiu Mírzá Abú-Tálib altivamente, "que sou vosso su-perior, decidir quais medidas devem ser tomadas e de que modo devo servir a meu soberano."

Um ataque repentino foi lançado sobre o povo indefeso de Tákur. Surpreendidos por uma investida tão inesperada e feroz, apelaram a Mírzá Hasan, o qual pediu que fosse conduzido à presença de Mírzá Abú-Tálib, sendo-Ihe recusa-do, porém acesso; "Diga-lhe," foi a mensagem do coman-dante, "que por meu soberano estou incumbido de ordenar um massacre geral do povo desta aldeia, capturar suas mu-lheres e lhes confiscar os bens. Por consideração a vós, entretanto, estou disposto a poupar as mulheres que se refugiarem em vossa casa."

Mírzá Hasan, indignado diante dessa recusa, lhe censu-rou severamente e, denunciando a ação do Xá, voltou a sua casa. Os homens dessa aldeia haviam nesse ínterim deixado suas moradas e buscado refúgio nas montanhas circunvízi-nhas. Suas mulheres, abandonadas a sua sorte dirigiram-se para a casa de Mírzá Hasan, de quem imploraram proteção contra o inimigo.

O primeiro ato de Mírzá Abú-Tálib Khán foi dirigido contra a casa que BaháVlláh herdara do Vizír, Seu pai, e da qual era Ele o único possuidor. Essa casa havia sido mobiliada regiamente, sendo decorada com vasos de valor inestimável. Ordenou a seus homens que arrombassem to-

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dos os seus tesouros e levassem o seu conteúdo. Tudo o que era impossível se levar, ele mandou destruir. Algumas coi-sas foram demolidas, outras queimadas. Até os aposentos, os quais eram mais imponentes do que os do palácio de Teerã, foram a tal ponto desfigurados que não tinham mais conserto; as vigas foram queimadas, sendo completamente arruinadas as decorações.

Em seguida dirigiu ele a atenção às casas do povo, as quais arrasou, tomando para si e para seus homens quais-quer objetos de valor nelas contidos. A aldeia inteira, des-pojada e abandonada pelos habitantes de sexo masculino, foi entregue às chamas. Não podendo encontrar nenhum homem apto, ele ordenou que uma busca fosse conduzida nas montanhas circunvizinhas. Qualquer um que fosse en-contrado seria ou fuzilado ou preso. Os únicos que eles conseguiram capturar foram alguns homens idosos e pasto-res que não haviam podido seguir para mais longe em sua tentativa de escapar do inimigo. Descobriram dois homens a alguma distância deitados do lado de um córrego no ae-clive de uma montanha. Suas armas que reluziam nos raios do sol os haviam traído. Eneontrando-os adormecidos, os agressores fuzilaram ambos do outro lado do córrego que entre eles e suas vítimas se interpunha. Foram reconheci-dos como 'Abdu'1-Vahháb e Muhammad-Taqí Khán. O pri-meiro morreu instantaneamente, o último foi gravemente ferido. Foram levados à presença de Mírzá Abú-Tálib, que fez o possível para preservar a vida da vítima, pois devido a sua famosa coragem, ele desejava levá-lo a Teerã como troféu de sua vitória. Falharam seus esforços, no entanto, vindo Muhammad-Taqí Khán, a morrer em conseqüência de seus ferimentos, dois dias depois. Os poucos homens que eles haviam podido capturar foram levados, acorrenta-dos a Teerã e lançados na mesma masmorra subterrânea em que Bahá'u'lláh fora confinado. Entre eles se encontrava Mullá 'Alí-Bábá, que, juntamente com vários companheiros de prisão, pereceu naquela masmorra por causa das priva-ções que tivera de suportar.

No ano seguinte, uma praga acometeu a esse mesmo Mírzá Abú-Tálib e levaram-no em estado de extrema aflição a Shimírán. Abandonado até pelos parentes mais próximos,

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jazia ele em sua cama, até que o mesmo Mírzá Hasan a quem ele tão arrogantemente insultara, ofereceu-lhe tratar as feridas e fazer companhia em seus dias de humilhação e solidão. Quando ele estava à beira da morte o Grão-Vizir lhe visitou, não encontrando a sua cabeceira pessoa alguma salvo o homem que ele havia tratado de uma maneira tão insuitante. Naquele mesmo dia expirou o miserável tirano amargamente desapontado por haverem falhado todas as esperanças tão enternecidamente por ele acariciadas.

A comoção que de Teerã se apoderara e cujos efeitos se havia sentido severamente em Núr e nos distritos cir-cunvizinhos, espalhou-se até Yazd e Nayríz, onde um núme-ro considerável dos discípulos do Báb foi apreendido e desumanamente martirizado. A Pérsia inteira parecia real-mente haver sentido o choque dessa grande convulsão. Sua maré varreu até as mais remotas aldeolas das províncias distantes, trazendo em seu rastro sofrimentos indizíveis pára os remanescentes de uma comunidade perseguida. Gover-nadores, não menos que seus subordinados, inflamados de avareza e vingança, aproveitaram a ocasião para enriquece-rem a si próprios e obterem o favor de seu soberano. Sem misericórdia, moderação ou vergonha, empregaram qualquer meio, por mais vil e ilegítimo que fosse, para extorquir de pessoas inocentes os benefícios que eles próprios cobiça-vam. Abandonando todo princípio de justiça e decência, apreendiam, aprisionavam e torturavam qualquer um que suspeitassem fosse babí e se apressavam a informar a Ná-siri'd-Dín-Sháh em Teerã das vitórias ganhas sobre um de-testado oponente.

Em Nayríz os plenos efeitos desse tumulto revelaram-se no tratamento dado por seus governantes e seu povo aos seguidores do Báb. Quase dois meses após a tentativa con-tra a vida do Xá, um jovem de nome Mírzá 'Ali, cuja ex-cepcional coragem lhe ganhara o cognome de 'Aliy-i-Sardár, se distinguiu pela solicitude extrema que ele estendeu aos sobreviventes da luta que havia terminado com a morte de Vahíd e seus aderentes. Freqüentemente era ele visto na calada da noite emergir de seu abrigo para levar qualquer auxílio dentro de seu alcance às viúvas e aos órfãos que haviam sofrido as conseqüências daquela tragédia. Aos ne-

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cessitados distribuía ele alimentos e roupas com nobre ge-nerosidade, tratava-lhes os ferimentos e os confortava em sua tristeza. O espetáculo dos sofrimentos contínuos dessas pessoas inocentes provocou a intensa indignação de alguns dos companheiros de Mirzá 'Ali, levando-os a se incumbir de tirar vingança de ZaynuVAbidín Khán, que ainda resi-dia em Nayríz e a quem consideravam o autor de seus in-fortúnios. Acreditando estar ele nutrindo no coração um desejo de sujeitá-los a ainda mais aflições, determinaram-se a lhe tirar a vida. Surpreenderam-no no banho público, onde conseguiram efetuar seu propósito. Isso levou a um tumulto que em suas etapas finais fazia lembrar o horror da carnificina de Zanján.

A viúva de Zaynu'l-'Abidín Khán instou a Mirzá Náím, então residente em Shíráz, em cujas mãos estavam as ré-deas da autoridade, que vingasse o sangue de seu esposo, prometendo que em recompensa lhe doaria todas as suas jóias e a seu nome transferiria qualquer de seus bens que ele desejasse. Mediante perfídia as autoridades conseguiram apreender um número considerável dos seguidores do Báb, muitos dos quais foram barbaramente chicoteados. Todos foram jogados na prisão enquanto se aguardava instruções de Teerã. A lista de nomes recebidas pelo Grão-Vizír foi por ele submetida, juntamente com o relatório que a acom-panhava, ao Xá, o qual expressou sua satisfação extrema com o êxito que coroara os esforços de seu representante em Shíráz, a quem ele recompensou amplamente por seu insigne serviço. Exigiu que todos os cativos fossem levados à capital.

Não tentarei registrar as várias circunstâncias que le-varam à carnificina que assinalou o término daquele episó-dio. Eu referiria meu leitor à narrativa gráfica e detalhada escrita por Mirzá Shafí'-i-Nayrízí em um livreto separado, no qual ele se refere acurada e veementemente a cada de-talhe desse evento comovedor. Basta dizer que nada menos que cento e oitenta dos valorosos discípulos do Báb so-freram martírio. Igual número foi ferido e, embora incapa-citado, recebeu ordens de partir para Teerã. Apenas vinte e oito pessoas entre eles sobreviveram às durezas da via-gem até a capital. Dessas vinte e oito, quinze foram leva-

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das ao cadafalso no mesmo dia de sua chegada. As restan-tes foram encarceradas, tendo que sofrer durante dois anos as mais horríveis atrocidades. Embora libertadas afinai, muitas pereceram no caminho para suas casas, estando exaustas pelas provações de um longo e cruel cativeiro.

Um grande número de seus co-discípulos foi trucidado em Shiráz por ordem de Tahmásb-Mírzá. As cabeças de du-zentas dessas vítimas foram colocadas em baionetas e leva-das em triunfo pelos opressores até Ábádih, uma aldeia em Párs. Tencionavam levá-las a Teerã, quando um mensageiro real os mandou abandonar esse projeto e eles então decidi-ram enterrar as cabeças nessa aldeia.

Quanto às mulheres, seiscentas em número, a metade foi posta em liberdade em Nayríz, enquanto as restantes foram levadas, tendo que viajar montadas, duas juntas em cada cavalo, sem sela, até Shiráz, onde, após haverem sido sujeitadas a severas torturas, foram abandonadas a sua sorte. Muitas pereceram no caminho para essa cidade; mui-tas renderam a vida em meio às aflições que tiveram de suportar antes de recobrarem sua liberdade. Minha pena estremece de horror ao tentar descrever o que sucedeu àque-les intrépidos homens e mulheres que tiveram de sofrer tão severamente pela sua Fé. A desenfreada barbaridade que caracterizava o tratamento a eles proporcionado atin-giu a máxima profundidade de infâmia nas etapas finais deste episódio lastimável.

O que tenho tentado relatar dos horrores do assédio de Zanján, das indignidades amontoadas sobre Hujját e seus aderentes, empalidece face a evidente ferocidade das atrocidades perpetradas poucos anos depois em Nayríz e Shiráz. Uma pena mais capaz do que a minha para descre-ver em todos os seus trágicos detalhes essa indizível selva-geria, será encontrada, espero, a fim de registrar uma nar-rativa, que por horrendas que sejam suas feições, há de per-manecer para sempre como uma das mais nobres evidên-cias da fé que a Causa do Báb pode inspirar em Seus se-guidores (39).

(39) "Ainda que pareça estranho, respeitaram as mulheres que lograram reunir e que levaram ao monte Bíyábán. Entre elas havia

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A confissão de 'Azim livrou Bahá'ulláh do perigo no qual Sua vida fora exposta. As circunstâncias da morte daquele que se declarara o principal instigador daquele cri-me serviram para mitigar a ira com a qual um povo enfu-recido clamava pelo castigo imediato de tão ousada tenta-tiva. Os gritos de fúria e vingança, os apelos por pronta retribuição, até então focalizados em Bahá'u'lláh, agora Dele se desviavam. A ferocidade daquelas reivindicadoras

dois anciões demasiado débeis para lutar: Mullá Muhammad-Músá, um pisoeiro e Mashhadí Báqir, uni tintureiro. Estes eles mataram. Mashhadí Báqir foi morto por Ali Big, capitão dos soldados Nayrízí, que deca-pitou sua vítima e deu a cabeça a um garoto; depois cobriu a cabeça da sobrinha da vítima com um véu negro e a levou a cavalo até onde Mirzá Na'im se encontrava, sobre o monte Bíyábán, sentado numa pedra em um jardim. Quando Ali Big chegou perto dele, lhe atirou a cabeça de Báqir e ao mesmo tempo deu um empurrão na menina que caiu de bruços, enquanto ele gritava: "Temos feito o que desejas, os Babís já não existem". Mirzá Na'ím ordenou que a boca de Ákhúnd Muilá Abdu'1-Husayn fosse recheada com terra; depois um ghulám atirou na sua cabeça porém, a ferida não foi mortal. Aproximadamente seiscentas e três mulheres foram arrastadas e conduzidas ao moinho chamado Takht que se encontra nas proximidades de Nayríz. Nosso autor relata o se-guinte fato: "Eu era muito jovem então e seguia minha mãe que tinha outro filho menor que eu. Um homem chamado Asadu'lláh levava como prova da ferocidade dos vencedores o meu irmão sobre seus ombros. O menino usava um chapéu decorado com alguns adornos. Um jinete viu o chapéu, chegou perto e o arrancou com tal violência que ao mesmo tempo agarrou o cabelo do bebê. . . A criança foi lançada a uma dis-tância de mais ou menos dez metros e minha pobre mãe desmaiou in-consciente". Não me deterei sobre os horrores que se seguiram à vitó-ria. Basta dizer que Mirzá Na'ím, montado a cavalo, ia precedido e se-guido por homens que levavam as cabeças dos mártires na ponta das lanças. Aos prisioneiros se lhes obrigava a avançar a chicotadas e com a ponta dos sabres. As mulheres foram jogadas em canais cheios d'água. Passaram a noite no Caravansarai em Shiráz. Na manhã seguinte, as mulheres foram deixadas nuas e se entretiveram dando-lhes pontapés, apedrejando-as, açoitando as e escarrando sobre elas. Quando seus ator-mentadores se cansaram, elas foram confinadas durante vinte dias e durante este tempo foram insultadas e ultrajadas a cada instante. Oiten-ta Babís, amarrados em grupos de dez a dez foram confiados a cem soldados para serem conduzidos a Shiráz. Siyyid Mír Muhammad Abd morreu em conseqüência do frio em Khánnihgird, outros morreram pouco depois. De tempo em tempo os guardas cortavam a cabeça de um deles. Finalmente chegaram a Shiráz atravessando a porta de Sa'dí. Fizeram

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denúncias suavizava pouco a pouco. Tornava-se mais firme nas mentes das autoridades responsáveis em Teerã a con-vicção de que Bahá'u'lláh, até então considerado o arqui-inimigo de Nasiri'd-Din-Sháh, não estava de modo algum envolvido em qualquer conspiração contra a vida do sobe-

desfilar os prisioneiros pelas ruas e depois os deixaram nas prisões. As mulheres, tiraram do edifício da escola no final de vinte dias e foram separadas em dois grupos. Um grupo delas foi posto em liberdade e outro foi enviado a Shiráz junto com outros prisioneiros homens que ha-viam sido detidos recentemente. Ao chegar a Shiráz dividiram novamente a caravana: as mulheres foram enviadas ao caravansarai Sháh Mír Ali Hamzih e os homens ao cárcere junto com outros Babís. O dia seguinte foi festa. O Governador, rodeado por todos os cidadãos destacados de Shi-ráz, ordenou que trouxessem os prisioneiros à sua presença. Um Nayrízí chamado Ja ál, a quem Na'ím havia apelidado de "Bulbul", deu a co-nhecer os nomes de seus concidadãos. O primeiro a aparecer foi Mullá Abdu'1-Husayn, a quem se ordenou amaldiçoar o Báb. Ele recusou e sua cabeça rolou para o solo. Hájí o filho de Asghar, Ali Garm-Síri, Hu-sayn filho de Hídi Khayrí, Sádiq filho de Sálih e Muhammad-ibn-i-Muhsin foram todos executados As mulheres foram postas em liberdade e os homens que sobreviveram foram conduzidos novamente à prisão. Como o Sháh havia reclamado o envio de prisioneiros, setenta e três foram mandados a Teerã. Vinte e dois pereceram durante a viagem entre os quais estavam Mullá Abdu'1-Husayn que faleceu em Saydán; Ali, filho de Karbilá í Zamán em Ábádih; Akbar, filho de Karbilá-í Muhammad em Qinárih; Hasan, filho de Abdu'1-Vahhab, Mullá Alí-Akhbar Ea'ís, Ghulám-Alí, filho de Pír Muhammad, Naqi e Muhammad Ali, filhos de Muhammad, todos faleceram no caminho. Os demais che-garam a Teerã e no mesmo dia da sua chegada quinze deles foram executados, entre eles Áqá Siyyid Ali que havia sido abandonado como morto. Karbilá'í Rajab, o barbeiro; Sayfu'd-Din, Sulaymán filho de K. Salmán, Ja'far, Murád Khayrí, Husayn filho de K. Báqir, Mirzá Abu'1-Hasan filho de Mirzá Taqí, Mullá Muhammad-Alí filho de Áqá Mihdí. Vinte e três morreram na prisão, treze foram deixados em li-berdade depois de três anos; o único que ficou em Teerã para falecer ali pouco depois, foi Karbila'í Zaynu'1-Abidín". (A. L. M. Nicoias: "Siyyid Ali Muhammad dit le Báb", pp. 421-4). "Seus perseguidores depois de haver capturado e matado os homens, se apoderaram e mata-ram quarenta mulheres e crianças da seguinte forma: foram colocados no meio de uma caverna que foi cheia com uma grande quantidade de lenha, puseram gasolina sobre os troncos e atearam fogo. Um dos que participou deste ato relatou o seguinte: "Depois de dois ou três dias subi a montanha e corri à porta da caverna. Vi que do fogo só res-tavam as cinzas; porém, todas aquelas mulheres com seus filhos per-maneciam sentadas, cada uma em algum canto, com os pequeninos abra-

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rano. Mírzá Áqá Khán foi, portanto, encorajado a enviar seu representante, um homem de confiança, chamado Hájí 'Ali, ao Síyáh-Chál, com o fim de apresentar ao Prisioneiro a ordem para Sua libertação.

O que esse emissário contemplou ao chegar encheu-o de tristeza e espanto. O espetáculo diante de seus olhos foi tal que ele dificilmente podia acreditar. Ele chorou ao ver Bahá'u'lláh acorrentado a um chão infestado de verminose, o pescoço sob o peso de cadeias vexatórias, a face aoabru-

çados em seu peito e sentadas formando um círculo, exatamente como as havíamos deixado. Algumas, como se estivessem desesperadas ou lamentando-se, haviam colocado suas cabeças entre as pernas por sua dor e todas conservavam a postura que haviam assumido. Me senti assombrado, pensando que o fogo não as havia queimado. Cheio de apreensão e abatido, entrei. Então vi que todas estavam queimadas até as cinzas, no entanto, em nenhum momento haviam feito um movi-mento sequer que provocasse a desintegração de seus corpos. E quando as toquei com a mão desintegraram-se caindo em cinzas. E quando vi-mos isto todos nós nos arrependemos do que havíamos feito. Porém de que adiantava isto agora?" ("O Taríkh i-Jadíd", 128-31). " 0 autor do "Taríkh-i-Jadíd" ao terminar seu relato, aproveita a oportunidade para mostrar quão literalmente foram cumpridas as profecias com estes acontecimentos, contidas em uma tradição que se refere aos sinais que indicaram a aparição do Imame Mihdí: "Nele se falarão a perfeição de Moisés, a preciosidade de Jesus, e a paciência de Job; Seus santos serão degradados em Sua época e Suas cabeças serão trocadas como pre-sentes, assim como as cabeças dos turcos e daylamitas são trocadas como brindes, e terão medo, cheios de pavor e desconcertados; a terra será inundada com seu sangue e prevalecerão as lamentações e as quei-xas entre suas mulheres; estes são, na verdade, Meus Santos". (Esta tradução, chamada Hadíth-i-Jábir é citada também no "Kafi", uma das recompilações principais das tradições xiitas, citado no " iqán") . Quando me ensontrava em Yazd no princípio do verão de 1888, conheci um Babí que ocupava um cargo de certa importância no governo, cujos antepassados haviam participado de forma destacada na supressão do levante de Nayríz. Do que me relatou, o que segue é um resumo do meu diário particular com data de 18 de maio de 1888: "Meu avô ma-terno Mihr-Alí Khán Shujá'u'1 Mulkh e meu tio-avô Mirzá Na'ím to-maram ambos uma parte ativa na guerra de Nayríz, — porém, no lado errado. Quando chegaram ordens a Shiráz de sufocar a insurreição, meu avô recebeu ordens de assumir o comando da expedição enviada com esse fim. Não lhe agradou a tarefa designada e deu a conhecer suas dúvidas a dois dos ulemás, os quais, no entanto, lhe asseguraram com declarações que a guerra que estava a ponto de empreender era uma

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nhada de tristeza, mal vestido e desgrenhado, respirando o ar pestilento dessa, a mais terrível das masmorras. "Maldi-to seja Mírzá Áqá Khán!" exclamou ele, ao reconhecer Bahá'u'lláh nas trevas que O cercavam. "Sabe Deus jamais eu imaginara que vós poderíeis ter sido sujeitado a tão hu-milhante cativeiro. Jamais teria eu imaginado que o Grão-Vizír pudesse atrever-se a cometer um ato tão abominável."

Removeu ele o manto dos próprios ombros e o ofere-ceu a Bahá'u'lláh, suplicando-lhe que o vestisse quando na presença do ministro e seus conselheiros. Bahá'u'lláh decll-

tarefa sagrada, aprovada pela Religião e que receberia por ela uma recompensa no Paraíso. E foi assim, o que aconteceu, aconteceu. Depois que mataram setecentos e cinqüenta homens, se apoderaram das mulheres e crianças, lhes arrancaram quase toda a roupa, montaram-nos, Sobre burros, mulas e camelos e os conduziram por longas filas de cabeças cortadas dos corpos inertes de seus pais, filhos, irmãos e maridos, até Shiráz. Quando chegaram ali foram colocados em um ruidoso caravan-sarai nas vizinhanças da porta de Isfahán e frente a frente a um Imán-zádih, enquanto seus captores se estabeleceram sob um arvorado vizinho. Permaneceram ali durante longo tempo sofrendo insultos e mal-trates, e muitos deles morreram. Agora observa o juízo de Deus sobre os opressores: já que daqueles especialmente responsáveis por estas crueldades todos tiveram um triste fim e faleceram oprimidos por ca-lamidades. Meu avô Mihr-Alí Khán ficou doente rapidamente e ficou mudo até o dia da sua morte. Quando estava prestes a expirar os que estavam perto dele viram pelos movimentos de seus lábios que estava sussurrando algo. Chegaram para ouvir suas últimas palavras e o es-cutaram murmurar debilmente: 'Babí! Babí! Babí!', três vezes. En-tão se deixou cair para trás e expirou. Meu tio avô Mirzá Na'ím caiu em desgraça perante o governo e foi multado duas vezes: a primeira em dez mil tumanes e a segunda em quinze mil tumanes. Porém seu castigo não terminou com isso, porque ele sofreu diversas torturas. Suas mãos foram postas no "il-chik" (uma tortura que consiste em pôr pedaços de madeira entre os dedos da vítima, amarrando-os logo muito apertados, com um cordel; depois se joga água fria sobre o cor-del para que se contraia ainda mais) e seus pés no "tang-i-Qájár" (ou "apretón Qájár" uma forma de tortura parecida com a "bota" que num tempo se usou na Inglaterra e por cuja introdução na Pérsia se deve agradecer à dinastia que atualmente ocupa o t rono); foi colocado de pé, com a cabeça descoberta, em pleno sol, cobrindo-se-lhe a cabeça com melaço para atrair as moscas; e depois de sofrer estas e outras torturas ainda mais dolorosas e humilhantes foi despedido; um homem caído em desgraça e arruinado". ("A Traveller's Narrative", Nota H, pp. 191-3).

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nou a oferta e usando os trajes de prisioneiro, seguiu logo à sede do governo imperial.

As primeiras palavras que o Grão-Vizír se sentiu mo-vido a dirigir a seu Cativo foram as seguintes. "Tivésseis vos dignado seguir meu conselho e tivésseis vos desassocia-do da fé do Siyyid-i-Báb, jamais haveríeis sofrido as dores e as indignidades que sobre vós se amontoaram." "Tivésseis vós, por vossa vez," replicou Bahá'u'lláh, "seguido meus conselhos, os assuntos do governo não haveriam chegado a um estado tão crítico."

O Grão-Vizír lembrou imediatamente a conversação tida com Ele na ocasião do martírio do Báb. As palavras: "A chama que se ateou arderá mais intensamente do que nun-ca" relampejou através da mente de Mírzá Áqá Khán. "A advertência que pronunciastes," observou ele, "infelizmente se cumpriu. Que é que vós agora aconselhais que eu faça?" "Ordenai aos governadores do reino" — foi a resposta ins-tantânea, "que cessem de derramar o sangue dos inocentes, que cessem de lhes saquear os bens, que cessem de deson-rar suas mulheres e lesar suas crianças. Que cessem de perseguir a Fé do Báb; que abandonem a vã esperança de eliminar seus seguidores."

Nesse mesmo dia foram emitidas ordens, mediante uma circular dirigida a todos os governadores do reino mandan-do-lhes desistir de seus atos cruéis e ignominiosos. "Basta o que já fizestes," escreveu-lhes Mirzá Áqá Khán. "Cessai de apreender e punir o povo. Não mais pertubeis a paz e tranqüilidade de vossos conterrâneos." O governo do Xá havia deliberado sobre as medidas mais efetivas a serem tomadas a fim de livrar o país, de uma vez por todas, da-quela maldição da qual fora afligido. Mal recuperara Bahá' u'lláh Sua liberdade, quando Lhe foi entregue a decisão do governo, informando-Lhe que, dentro de um mês após a emissão dessa ordem, com Sua família, deveria partir de Teerã para um lugar além dos confins da Pérsia.

O ministro russo, logo que soube das medidas que o governo tencionava tomar ofereceu levar Bahá'u'lláh sob sua proteção e O convidou a vir à Rússia. Bahá'u'lláh de-clinou a oferta preferindo, em lugar disso, partir para o

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Iraque. Nove meses após Seu regresso de Karbilá, no pri-meiro dia do mês de Rabí'u'th-Thání, no ano de 1269 A.H. (40) Bahá'u'lláh, acompanhado pelos membros de Sua fa-mília, entre os quais o Maior Ramo (41) e Aqáy-i-Kalím (42) e escoltado por um membro da guarda pessoal do Xá e por um representante oficial da legação russa, partiu de Teerã em Sua viagem a Bagdá.

(40) 12 de janeiro de 1853 A. D. (41) 'Abdu'1-Bahá. (42) Bahíyyih Khánum, a Folha Mais Sagrada, irmã de 'Abdu'l-

Bahá, que era então uma garotinha de sete anos de idade, acompanhou os exilados.

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EPÍLOGO

Jamais a sorte da Pé proclamada pelo Báb caíra a um nível tão baixo do que quando Bahá'u'lláh foi exilado de Sua terra natal para o Iraque. A Causa pela qual o Báb dera a vida, pela qual Bahá'u'lláh labutava e sofrerá, pare-cia estar no próprio limiar da extinção. Parecia que se lhe havia gasto a força e quebrado irreparavelmente a resistên-cia. Eventos desalentadores e desastres, cada qual mais de-vastador em seu efeito do que o anterior, haviam sucedido um ao outro, com deslumbrante rapidez, solapando-lhe a vitalidade e diminuindo a esperança de seus mais intrépi-dos defensores. De fato, para um leitor superficial das pá-ginas da narrativa de Nabíl, a história inteira, desde mesmo o princípio, parece ser uma simples enumeração de vicissl-tudes e massacres, de humilhação e desapontamentos, sendo cada um mais severo do que o precedente e culminando, afinal, no exílio de Bahá'u'lláh de Seu próprio país. Para o leitor cétido, que não esteja disposto a reconhecer a po-tência celestial de que foi dotada essa Fé, o inteiro concei-to que evoluíra na mente de seu Autor parece haver sido predestinado ao fracasso. A obra do Báb, tão gloriosamente concebida e empreendida com tanto heroísmo, pareceria haver terminado em um desastre colossal. Para tal leitor, a vida do infortunado Jovem de Shiráz pareceria julgando-se pelos golpes cruéis que ela sustentara, ser uma das mais tristes e mais infrutíferas já destinadas aos homens mor-tais. Aquela breve e heróica carreira que tão célere como um meteoro, relampejou através do firmamento da Pérsia por algum tempo parecendo haver trazido, na treva que

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cercava o país, a tão almejada luz da salvação eterna, foi enfim, mergulhada em um abismo de escuridão e desespero.

Todo passo que Ele dava, todo esforço que Ele fazia, servira apenas para intensificar as tristezas e desilusões que Lhe pesavam sobre a alma. O plano por Ele concebido, mesmo no início de Sua carreira — o de inaugurar Sua Missão com uma proclamação pública nas cidades santas de Meca e Medina, não alcançou o esperado êxito. O Xerife de Meca a quem Quddús foi mandado entregar Sua Mensa-gem, lhe deu tal recepção que por sua gélida indiferença demonstrou o desdenhoso desprezo por parte do governan-te de Hijáz e custódio de seu Ka'bih, para com a Causa de um Jovem de Shiráz. De igual modo se frustrou desespera-damente o projeto que tinha em mente, o de regressar triun-fante de Sua peregrinação e estabelecer Sua Causa nas ci-dades de Karbilá e Najaf, no próprio coração dessa cida-dela da ortodoxia xiita. O programa que Ele elaborara, cujos itens essenciais Ele já havia comunicado aos dezenove escolhidos dentre Seus discípulos, deixou em sua maior parte de ser cumprido. A moderação que Ele os exortara a observar foi esquecida no primeiro fluxo de entusiasmo que se apoderou dos primeiros missionários de Sua Fé, sendo essa conduta responsável em grande parte pelo insucesso cias esperanças que Ele tão carinhosamente nutrira. O Mu'ta-mid, aquele sábio e sagaz governante que tão habilmente afastara o perigo que ameaçava essa preciosa Vida, pro-vando sua capacidade para lhe prestar serviços de tal dis-tinção como poucos de Seus companheiros mais modestos poderiam ter esperado lhe oferecer, foi subitamente Lhe re-tirado, deixando-O à mercê do pérfido Gurgín Khán, o mais detestável e inescrupuloso de todos os Seus inimigos. A única oportunidade que o Báb tinha para se encontrar com Muhammad Sháh, encontro esse que Ele Próprio pedira e no qual havia focalizado suas esperanças mais acariciadas, foi derrubada ao chão pela intervenção daquele covarde e caprichoso Hájí Mírzá Áqásí, que tremia ao pensar na pos-sibilidade de Seu contato com o soberano, já indevidamen-te inclinado a favorecer essa Causa, provar-se fatal a seus próprios interesses. As tentativas, inspiradas e iniciadas pelo Báb as quais dois de Seus mais eminentes discípulos, Mullá

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'Alíy-i-Bastámí e Shaykh Sa'íd-i-Hindí, fizeram a fim de introduzir a Fé em um território turco e o outro na índia, terminaram em lastimável insucesso. O primeiro empreendi-mento faliu logo de início por causa do martírio cruel de quem o promoveu, enquanto o segundo foi produtivo den-tro daquilo que poderia parecer um resultado insignifican-te, sendo seu único fruto a conversão de um certo siyyid, cuja acidentada carreira de serviço foi levada a um súbito fim em Luvastán pela ação do pérfido íldirím Mírzá. O ca-tiveiro ao qual foi condenado o próprio Báb durante a maior parte dos anos de Seu ministério; Seu isolamento nas re-motas cidadelas nas montanhas de Ádhirbáyján do corpo de Seus seguidores, os quais estavam sendo penosamente perseguidos por um inimigo voraz; acima de tudo, a tragé-dia de Seu próprio martírio, tão intensa, tão terrivelmente humilhante, pareceria haver assinalado as ínfimas profun-dezas da ignomínia que uma Causa tão nobre, desde a hora mesma de seu nascimento, era destinada a sofrer. Sua mor-te, a culminação de uma célere e tempestuosa carreira, pa-receria haver posto o selo do fracasso em uma tarefa que, por heróica que fosse nos esforços que ela inspirou foi im-possível de ser realizada.

Por muito que Ele Próprio sofrerá, a agonia que teve de suportar foi apenas uma gota em comparação com as calamidades que haveria de chover sobre a multidão de Seus declarados seguidores. O cálice de tristeza que tocara Seus lábios tinha de ser sorvido até a própria escória por aqueles que, após Ele, ainda permaneciam. A catástrofe de Shaykh Tabarsí, que lhe roubou os mais hábeis tenentes, Quddús e Mullá Husayn, e que engolfou nada menos de trezentos e treze de Seus intrépidos companheiros, veio como o golpe mais cruel que até então sobre Ele caíra e envolveu em uma mortalha de escuridão os dias finais de Sua vida em rápido declínio. A luta de Nayríz, com os hor-rores e crueldades que a acompanhavam envolvendo a per-da de Vahíd, o mais erudito, o de maior prestígio e o mais capacitado entre os seguidores do Báb, foi mais um golpe aos recursos inúmeros daqueles que continuavam a erguer altamente a tocha em suas mãos. O assédio de Zanján — vindo logo no encalço do desastre que sobreviera à Pé em

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Nayríz e assinalado pela carnificina com a qual o nome dessa província permanecerá para sempre associada, dizimou em grau ainda maior as fileiras dos defensores da Fé e os privou da força sustentadora que a presença de Hujját neles inspirava. Com ele desaparecera a última figura de destaque entre os líderes representativos da Fé, os quais, em virtude de sua autoridade eclesiástica, sua erudição, sua intrepidez e sua força de caráter, se elevaram acima da generalidade de seus co-discípulos. Uma carnificina impie-dosa ceifara a flor dos seguidores do Báb, deixando atrás uma vasta companhia de mulheres e crianças escravizadas que gemiam sob o jugo de um inimigo implacável. Seus lí-deres que tanto por seu conhecimento como por seu exem-plo alimentavam e sustentavam a chama que ardia naqueles valorosos corações, também haviam perecido, ficando seu trabalho aparentemente abandonado em meio à confusão que afligia uma comunidade perseguida.

De todos os que se haviam mostrado capazes de levar avante a tarefa que o Báb transmitira a Seus aderentes, restava tão somente Bahá'u'lláh (1). Todos os demais ha-viam sido mortos pela espada do inimigo. Mírzá Yahyá, líder nominal dos que sobreviveram ao Báb, havia ingloriosamen-te, nas montanhas de Mázindarán, buscado refúgio dos pe-rigos do tumulto que se apoderara da capital. No disfarce de um dervixe, Kashkúl (2) em mão, desertara ele os com-panheiros e fugira da cena do perigo para as florestas de Gilán. Siyyid Husayn, amanuense do Báb e Mírzá Ahmad, seu colaborador, ambos bem versados nos ensinamentos e

(1) Mirzá Abu'l Fadl cita em seu "Fará' id" (pp. 50-51) a seguin-te e extraordinária tradição de Maomé, que é reconhecida como um pro-nunciamento autêntico do Profeta e a que se refere Siyyid Abdu'1-Vah-háb-i-Sháh'rání em sua obra intitulada "Kitábu'1-Yaváqit i-va'1-Javáhir". "Todos eles (os companheiros do Qá im) serão mortos exceto Um que chegará até a planície de Akká, a Sala do Banquete de Deus". O texto completo também é mencionado, segundo Mirzá Abu'1-Fadl, no "Futú-hát-i Makkíyyih", de Shakh Ibnu'1-Arabí.

(2) "Um recipiente oco mais ou menos do tamanho e forma de um coco, ao redor do orifício estão fixadas duas correntes em quatro pontos, para servir de cabo. Os dervixes o utilizam para receber esmo-las". ("A Traveller's Narrative", p. 51, nota 3) .

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nas implicações do recém-revelado Bayán, e possuindo ca-pacidade — em virtude de seu íntimo contato com seu Mestre e sua familiaridade com os preceitos de Sua Fé — para esclarecer o entendimento e consolidar os alicerces da fé de seus companheiros, jaziam acorrentados no Síyáh-Chál de Teerã, excluídos inteiramente do corpo dos crentes que tanto necessitavam de seus conselhos, e sendo ambos destinados a sofrer muito breve um martírio cruel. Até Seu próprio tio materno que sempre, desde Sua infância, O havia cercado de uma solicitude paterna que nenhum pai poderia ter excedido e lhe prestara insígnes serviços nos primeiros dias de Seus sofrimentos em Shiráz e que, se tivesse sido permitido de sobreviver a Ele por apenas pou-cos anos, poderia ter prestado serviços inestimáveis a Sua Causa — languescia na prisão, abandonado e sem esperança de continuar algum dia o trabalho tão acariciado em seu coração. Táhirih, aquele flamejante emblema de Sua Causa que, tanto pela indomável coragem como por seu caráter impetuoso, sua fé inabalável, seu veemente ardor e seus vastos conhecimentos, parecia durante algum tempo ter a possibilidade de ganhar todas as mulheres da Pérsia para a Causa de seu Bem-Amado, caiu lamentavelmente, na mes-ma hora em que a vitória parecia estar próxima, vítima da ira de um inimigo caluniador. Às pessoas presentes no mo-mento em que seu corpo era colocado na cova que lhe ser-via de sepultura, a influência de seu trabalho, cujo curso foi tão prematuramente interrompido, parecia se haver com-pletamente extinguido. As restantes Letras dos Viventes, nomeados pelo Báb, ou haviam perecido pela espada ou estavam agrilhoadas na prisão, ou levavam uma vida obscu-ra em algum canto remoto do reino. Os volumosos escritos do Báb sofreram, pela maior parte uma sorte não menos humilhante do que aquela que sobreviera a Seus discípulos. Muitas de Suas copiosas obras foram inteiramente oblitera-das, sendo outras rasgadas e reduzidas a cinzas, algumas foram corrompidas, uma grande quantidade foi apreendida pelo inimigo e as restantes obras jaziam — uma massa de manuscritos não organizados nem decifrados — precaria-mente escondidos e largamente espalhados entre os sobre-viventes de Seus companheiros.

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A Fé que o Báb proclamara e pela qual Ele tudo dera, havia realmente atingido o seu mais baixo limiar. Os fogos contra ele ateados haviam quase consumido a estrutura da qual dependia sua contínua existência. As asas da morte pareciam estar sobre ela pairando. Extermínio completo e irremediável parecia lhe ameaçar a própria vida. Em meio às sombras que rapidamente se juntavam a seu redor, só brilhava a figura de Bahá'u'lláh como o potencial Salvador de uma Causa que rapidamente se aproximava de seu fim. Os sinais de perspicácia, de coragem e sagacidade que Ele mostrara em mais de uma ocasião sempre que Se levantara para ser o Campeão da Causa do Báb, pareciam quaiifícá-Lo para ressuscitar o destino de uma Fé agonizante, se Lhe fosse assegurada a vida e Sua permanência na Pérsia. Mas isso não haveria de ser. Uma catástrofe, sem precedentes na inteira história dessa Fé, precipitou uma perseguição mais feroz que qualquer uma até então ocorrida, e desta vez impeliu para seu vórtice a própria pessoa de Bahá'u'lláh. As ternas esperanças que os remanescentes seguidores do Báb ainda nutriam foram demolidas em meio à confusão que se seguiu. Pois Bahá'u'lláh, sua única esperança e o objetivo único de sua confiança, foi a tal ponto abatido pela severidade daquela turbulência que não mais se pode-ria acreditar ser possível uma recuperação. Após haver sido Ele despojado de todas as Suas possessões em Núr e Teerã, sendo denunciado como o instigador primaz de uma tenta-tiva covarde contra a vida de Seu soberano, abandonado pelos parentes e desprezado por Seus antigos admiradores e amigos, mergulhado em uma masmorra tenebrosa e pes-tilenta e, afinal, com os membros de Sua famíüa forçado a um desesperançoso exílio além dos confins de Sua terra natal, todas as esperanças que se haviam centralizado ao redor Dele como o possível Redentor de uma Fé aflita, pa-reciam por um momento se haverem esvaecido completa-mente. ; m L

Não é de se admirar que Násiri'd-Dín Sháh, sob cujos olhos e por cuja instigação esses golpes estavam sendo in-flingidos, já se orgulhava de ser o demolidor de uma Causa contra a qual ele tão consistentemente batalhara e que apa-

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rentemente ele pudera, enfim, esmagar. Não é de se admi-rar haver ele imaginado, enquanto sentava a refletir sobre as sucessivas etapas desse vasto e sangrento empreendi-mento que, pelo ato do exílio que suas mãos haviam assina-do, estava tocando os sinos da morte daquela odiosa here-sia que tanto aterrorizara os corações de seu povo. A Ná-siri'd-Dín Sháh parecia, naquele momento supremo, que o encanto daquele terror, que a maré que varrera seu país estava finalmente se virando e restituindo a seus conter-râneos a paz pela qual gemia. Agora que o Bãb não mais existia; agora que os poderosos pilares que sustentavam Sua Causa foram esmagados em pó; agora que a massa de seus devotos, por toda a extensão de seu domínio, estava intimidada e exausta; agora que o próprio Bahá'u'lláh, a única esperança que restava para essa comunidade sem líder, já fora forçado ao exílio e de Sua espontânea von-tade buscara refúgio nas proximidades da cidadela do fa-natismo xiita, desvanecera-se para sempre o espectro que desde sua ascendência ao trono lhe perseguira. Nunca mais imaginava o Xá, haveria ele de saber daquele detestável Movimento que, se pudesse acreditar em seus melhores con-selheiros, rapidamente se retirava para a penumbra da im-potência e do olvido (3).

Até aos seguidores da Fé que sobreviveram às abomina-ções amontoadas sobre sua Causa, até mesmo aquela pe-quena caravana que no auge do inverno caminhava através

(3) "Excelência, depois da execução daquelas medidas enérgicas por parte do governo persa para extirpar e exterminar a detestável e desvairada seita dos Babís, de cujos detalhes Vossa Excelência está ple-namente informado (esta é uma alusão à grande perseguição de Babís em Teerã no verão de 1852), louvado seja Deus, graças à atenção da mente Imperial de sua potentíssima Majestade, cuja posição é como o de um Jamshíd, o refúgio da Verdadeira Religião — que minha vida seja sacrificada por ele! — as raízes foram arrancadas". (Extrato da carta enviada por Mirzá Sa'id Khán, ex-Ministro de Relações Exteriores da Pérsia, ao embaixador persa em Constaníinopla; datada de 12 de Dhu'1-Hijjih 1278 (10 de maio de 1862). Fac-símile e tradução do do-cumento reproduzido na obra de E. G. Browne: "Materials for the Study of the Babí Religion", p. 283.

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da neve das montanhas na fronteira do Iraque (4), poderia a Causa do Báb ter parecido por um momento haver fa-lhado — bem se pode imaginar — na realização de seu propósito. As forças das trevas que a haviam cercado de todos os lados pareceriam haver triunfado afinal, e extin-guido a luz acesa por aquele jovem Príncipe de Glória em Sua Terra.

Aos olhos de Násiri'd-Dín Sháh, em todo caso, o poder que por algum tempo parecia haver varrido para dentro de sua órbita todas as forças do reino havia cessado de contar. Malfadada desde seu próprio nascimento, a Fé fora finalmente forçada a render-se diante da violência dos gol-pes de espada que ele inflingira. A Fé sofrerá uma ruptura certamente bem merecida, livrado dessa maldição, que du-rante muitas noites lhe roubara o sono, pode ele agora com a atenção concentrada, aplicar-se à tarefa de salvar sua terra dos efeitos devastadores daquela imensa ilusão. Dora-vante era sua verdadeira missão, assim como ele a conce-bera, possibilitar tanto à Igreja como ao Estado consolida-rem seus alicerces e reforçarem suas fileiras contra a in-trusão de heresias similares que pudessem em um dia fu-turo envenenar a vida de seus conterrâneos.

Como era vão o que ele imaginava e vasta sua própria ilusão! A Causa que ele futilmente imaginara estar esmaga-da, ainda vivia, destinada a emergir do meio daquela con-vulsão tão grande, mais forte, mais pura e mais nobre do que nunca. A Causa que, à mente daquele insensato monar-ca, parecia estar se precipitando para a destruição, apenas passava pelas violentas provas de uma fase de transição que haveria de levá-la mais um passo adiante na vereda de seu alto destino. Desdobrava-se um novo capítulo em sua história, capítulo esse mais glorioso do que qualquer um que tivesse assinalado seu nascimento ou Sua aurora. A repressão que aquele monarca acreditara haver conseguido em selar seu destino foi apenas a etapa inicial em uma evo-lução destinada a florescer, na plenitude do tempo, em uma

(4) "Foi uma viagem terrível por um terreno agreste e monta-nhoso e os viajantes sofreram muito em conseqüência das intempéries". (Dr. T. K. Cheyne: "The Reconciliation of Races and Religions", p. 121).

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Revelação mais poderosa do que qualquer uma que o pró-prio Báb tivesse proclamado. A semente por Sua mão lan-çada, embora fosse por algum tempo sujeitada à fúria de uma tempestade de inigualável violência, e se bem que, mais tarde fosse transplantada para um solo estranho, ha-veria de continuar a se desenvolver e crescer, no devido tempo, em uma Arvore fadada a estender sua sombra sobre todas as raças e todos os povos da terra. Embora os dis-cípulos do Báb fossem torturados e trucidados, e Seus com-panheiros humilhados e esmagados; ainda que Seus segui-dores decrescessem em número; embora a voz da própria Pé fosse silenciada pela arma da violência; embora sua sorte chegasse a ponto de desespero; se bem que seus mais aptos defensores cometessem apostasia, a promessa, entre-tanto encaixada dentro da concha de Sua palavra, mão al-guma conseguiria violar nem poder algum haveria de lhe impedir a germinação e crescimento.

Em verdade, já podiam ser discernidos, em meio às trevas que cercavam Bahá'u'lláh no Síyáh-Chál de Teerã (5), os primeiros vislumbres da Revelação nascente da qual o Báb se declarara o Arauto, e à aproximação e a certeza da qual Ele tão rapidamente se referira (6). A força oriunda

(5) "Durante os dias que estive encarcerado na Terra de Tá (Teerã) ainda quando o irritante peso das correntes e a repugnante atmosfera da prisão me permitiam um escasso sono, ocasionalmente, por momentos enquanto dormia, senti como se algo estivera derramando so-bre meu peito, assim como uma poderosa torrente que descendo desde o cimo de uma montanha, se precipita sobre a terra. Todo meu corpo pa-recia estar inflamado e em chamas. Em instantes como estes, minha língua recitava o que ouvidos mortais não podiam escutar". ("The Epis-tle to the Sons of the Wolf", p. 17).

(6) "Tão extraordinária foi sua valentia ao declarar ter autori-dade Divina como sua moderação ao insistir que sua autoridade não era final. Sentiu-se competente e comissionado para revelar muito, porém, sentiu com igual certeza que havia infinitamente mais por revelar to-davia. Eis aqui sua grandeza. E eis aqui seu maior sacrifício. Por isto corria o risco de uma diminuição de sua fama pessoal. Porém assegurou a continuidade de sua missão. . . Ele assegurou nesta forma que o mo-vimento que havia começado podia crescer e expandir-se. Ele mesmo não era senão "uma letra desse poderosíssimo livro, uma gota de orvalho desse oceano sem l imites". . . Esta era a humildade da verdadeira per-

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da momentosa Revelação liberada pelo Báb, a qual em época posterior haveria de se desdobrar em toda a sua glória e rodear o globo, já pulsava nas veias de Bahá'ulláh, enquanto Eie jazia em Sua cela, exposto à espada de Seu algoz. A voz quieta que, na hora de amarga agonia anun-ciou ao Prisioneiro a Revelação da qual foi Ele escolhido para ser o Porta Voz, não podia ter alcançado certamente, os ouvidos do monarca que já preparava a celebração do ex-termínio da Pé da qual o campeão fora seu Cativo. O en-carceramento o qual aquele que o causara acreditou haver estigmatizado de infâmia o belo nome de Bahá'u'lláh, e que ele considerava um prelúdio ao exílio para o Iraque ainda mais humilhante, foi na realidade a própria cena onde se testemunharam os primeiros impulsos daquele Movimento do qual Bahá'u'lláh viria a ser o Autor, Movimento esse que primeiro se tornaria conhecido na cidade de Bagdá e subseqüentemente, seria proclamado, da cidade-prisão de 'Akká, ao Xá, como também aos outros governantes e ca-beças coroadas do mundo.

Pouco imaginava Násiri'd-Dín Sháh que pelo próprio ato de pronunciar contra Bahá'u'lláh a sentença de exílio, ele estava ajudando a desdobrar o irreprimível Piano de Deus e que ele mesmo era apenas instrumento na execução desse Desígnio. Pouco imaginava ele que, enquanto seu rei-nado se aproximava do fim, haveria de testemunhar uma revivificação das próprias forças que ele tão zelosamente tentara exterminar, uma revivificação que manifestaria tal vitalidade que ele, na hora do mais tenebroso desespero, jamais acreditou fosse possuída por essa Fé. Não só dentro dos confins de seu próprio domínio (7), não só por todos

cepção. E teve seu efeito. Seu movimento tem crescido e expandido e todavia tem diante de si um grande futuro". (Sir Francis Younghus-band: "The' Gleam", pp. 210-11).

(7) Gobineau, escrevendo mais ou menos no ano de 1865, atesta o seguinte: "A opinião pública é que os Babís podem ser encontrados em todas as classes sociais e entre os membros de todas as religiões, com exceção dos Nusayrís e os Cristãos, porém é especialmente entre a classe educada, os homens eruditos, dos quais se suspeita terem simpatia pelo Babismo. Acredita-se, com bons fundamentos, que muitos mullás e, entre eles mujtahids de renome, magistrados de alta posição e oficiais de alta

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patente muito chegados ao rei, são Babís. Segundo um cálculo recente, haveria em Teerã, uma cidade de aproximadamente oi-tenta mil habitantes, cinco mil Babís. Porém estes cálculos não são muito dignos de confiança e me sinto inclinado a pensar que, se os Babís forem triunfar na Pérsia, seu número na capital seria muito maior já que, nesse momento haveria de agregar um número de ferventes discípulos, qualquer que seja agora seu número, uma grande proporção daqueles que recentemente se mostram a favor da doutrina oficialmente condenada e aos quais a vitória daria a coragem para declarar abertamente a sua fé" ("Les Religions et les Phüosophies dans l'AsÍ3 Centrale", p. 251). "Ainda não se passaram meio século desde qus Mirzá Ali Muhammad, o jovem Vidente de Shiráz, começou a pregar sua religião que agora conta seus mártires às centenas e seus seguidores às centenas de milhares; que parecia num tempo ameaçar a supremacia não só da dinastia Qájár como também a fé muçulmana da Pérsia e pode ainda constituir provavelmente um fator de importância na história da Ásia Ocidental". (Introdução do Prof. E. G. Browne no "Tárikh-i Jadíd' , p. 7) . "O Babismo", escreve o Professor James Dar. mesteter, "que se difundiu em menos de cinco anos de um extremo ao outro da Pérsia, que no ano de 1852 foi banhado com o sangue de seus mártires, tem se propagado e progredido silenciosamente. Se a Pérsia há de ser alguma vez regenerada, será por intermédio desta nova Fé." (Extraído de "Pérsia: um perfil Histórico e Literário", traduzido por G. K. Narimán). "Se o Babismo continuar crescendo com seu atual rit-mo de desenvolvimento, é concebível que chegará o momento que deslo-cará o Maometanismo do território da Pérsia. Creio que teria poucas possibilidades de conseguir isto se surgisse sob a bandeira de uma fé hostil. Porém já que seus recrutas são conquistados entre os melhores soldados que estão atacando, tenho mais razão ainda para crer que pre-valecerá ao longo do tempo. Para aqueles que sabem algo sobre o ca-ráter persa, que é tão extraordinariamente susceptível a influências religiosas, se fará evidente a quantas classes nesse país atrai com êxito. Os Sufis, os místicos, têm sustentado durante muito tempo, que sempre deve haver um Pír, ou Profeta, visível em carne e são absorvi-dos facilmente no rebanho Babí. Inclusive os muçulmanos ortodoxos cuja mente sempre se tem dirigido em ansiosa antecipação ao Imame desaparecido, se mostram receptivos aos argumentos coerentes mediante os quais busca-se demonstrar que já seja o Báb o Bahá, é o Mihdí, se-gundo todas as predições do Alcorão e das tradições. A vida pura e cheia de sofrimentos do Báb, sua morte ignominiosa, o heroísmo e mar-tírio de seus seguidores, atraíram a muitos outros os quais não podem encontrar fenômeno similar na história contemporânea do Islã". (Lord Curzon: "Pérsia and the Persian Question", p. 503, Vol. 1). Este autor, no mesmo capítulo, ao comentar sobre as perspectivas das missões cristãs na Pérsia, escreve o seguinte: "Tem-se dito que a Pérsia é o lugar onde o t raba^o missionário apresenta as melhores perspectivas de êxito no Oriente. Ao mesmo tempo que estou consciente do trabalho valioso que

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estão levando a cabo os representantes da sociedade missionária da In-glaterra, França e América nesse pais mediante a difusão da educação, os sinais de caridade, pela concessão de atendimento médico gratuito, e, pela força de bom exemplo, e enquanto que não sinto que esses tra-balhos piedosos deveriam ser reduzidos, não posso compartilhar, basea-do nas informações que possuo, das previsões otimistas que se tem dado para o futuro", (p. 504). " . . . N a Pérsia, no entanto, as dificulda-des menores que enfrentam as comunidades cristãs não é a que se de-riva de suas próprias diferenças sectárias; e os muçulmanos têm pleno direito a burlar-se daqueles os quais os convidam a entrar em um re-banho os diferentes membros do qual se amam entre si com tanta amar-gura. Os Protestantes disputam com Católicos Romanos, Presbiterianos e com os Episcopais. Os Nestorianos Protestantes não olham com bons olhos os Nestorianos propriamente ditos, e estes por sua vez, não têm ralações muito harmoniosas com os Caldeus ou Nestorianos Católicos. Os Armênios olham com desprezo os Armênios (Católicos) Unidos e am-bos andam de mãos dadas para protelar o trabalho dos Protestantes. Finalmente pode contar-se, em geral, com a hostilidade dos Judeus. Nos diversos países do Oriente pelos quais tenho viajado, desde a Síria até o Japão, tenho me surpreendido e estranhado com o doloroso fenômeno de ver grupos missionários defendendo a mais nobre das lutas sob o estandarte do Rei da Paz, usando armas fratricidas nas mãos", (pp. 507-8). " . . . S e o critério da empresa missionária Persa é, então, um número maior de conversões conquistadas do Islã, não vacilo em achar que o gasto prodigioso de dinheiro, de esforço honesto, e de luta sa-crificada que se tem derramado sobre este país, tem dado vim resultado totalmente inócuo. Jovens maometanos têm sido batizados em algumas ocasiões por missionários cristãos. Porém não se deve confundir isto com demasiada facilidade de conversão, já que a grande maioria de novos adeptos retorna à sua fé anterior. Tenho dúvidas se desde que Henry Martyn pôs os pés em Shiráz, até a data atual, se houve uma conversão autêntica de até meia dezena de muçulmanos persas ao cre-do cristão. Eu mesmo tenho freqüentemente investigado, porém, jamais vi um muçulmano convertido (com exceção, é claro, das crianças aban-donadas ou órfãos de pais muçulmanos que foram criadas desde a in-fância em colégios cristãos). Tampouco estou surpreso ante a completa demonstração de fracasso. Se colocamos de lado as pressuposições dog-máticas do Cristianismo (a doutrina da Trindade e a Divindade de Cristo), que são tão repugnantes ao conceito maometano da unidade de Deus, não podemos olhar muito assustados à falta de entusiasmo por abandonar a sua fé de Muçulmano, se recordarmos que a pena para esta ação é a morte. As possibilidades de conversão são por certo re-motas se tanto o corpo como a alma do convertido são colocadas na balança. Porém, apreensões pessoais, ainda que sejam importantes, não são um fator decisivo na situação. E ante a muralha de rocha do Islã, um sistema que abarca todas as esferas, todos os deveres e atos da vida que golpeiam em vão as ondas da ação missionária. Maravilhosa-

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os territórios adjacentes do Iraque e da Rússia, mas até a índia no Oriente (8) e até o Egito e a Turquia européia, no Ocidente, uma recrudescência da Fé, tal como ele nunca esperara, o despertou dos sonhos que tão credulamente aca-riciara. A Causa do Báb parecia se haver ressuscitado da morte. Apresentou-se sob uma forma infinitamente mais imponente do que qualquer outra sob a qual aparecera no passado. O novo ímpeto que, a despeito de seus cálculos, a personalidade de Bahá'u'lláh e acima de tudo a inerente força da Revelação por Ele personificada haviam prestado à Causa do Báb, foi tal como Násiri'd-Dín Sháh jamais ima-

mente adaptado tanto ao clima como ao caráter e ocupações daqueles países sobre os que têm posto seu punhado de poesia, o Islã faz de seu devoto uni servo completo desde seu nascimento até a morte. Para ele não é só religião, é governo, filosofia e ciência também. O conceito mao-metano não é tanto o de uma igreja do Estado, senão, se me permitem a expressão, a de um Estado-Igreja. Os cimentos da sociedade não são de construção civil, senão eclesiástico; e envoltos neste sublime se bem que estático, credo, o muçulmano vive em contente estado de rendição total de sua vontade e considera que é seu dever mais elevado adorar a Deus e de obrigar a outros (e onde isto não é possível, de depreciá-los) a adorá-lo em espírito e depois morrer seguro de alcançar o Paraíso. En-quanto este código de vida obrigado e que a tudo absorve mantém em seus braços os povos do Oriente, determinando todos os deveres, regu-lando todas as ações da existência e dando finalmente uma salvação segura, o esforço e dinheiro das missões será gasto em grande quanti-dade, em vão. Ainda mais, é minha opinião, que uma propaganda ativa é a pior política que pode adotar uma missão Cristã num país muçul-mano fanático e a tolerância mesma por que tem dado crédito o gover-no persa se deve à prudente abstenção por parte dos missionários cris-tãos de desenvolver um proselitismo declarado", (pp. 508-9).

(8) Gobineau, escrevendo em 1865 aproximadamente, dá o seguinte testemunho: "Assim como o Babismo tem tido uma influência conside-rável sobre a mente da Pérsia e, propagando-se além da fronteira, der-ramando-se sobre o pachalick de Bagdá, penetrando até a índia. Entre suas características, umas das que mais sobressai é que, inclusive du-rante a vida do Báb, muitos dos doutores da nova fé, grande número de seus seguidores convencidos e devotos, nunca conheceram pessoalmen-te o seu profeta e não parecem haver dado grande importância ao feito de ouvir suas instruções de seus próprios lábios. No entanto se rende-ram, de forma completa e sem reservas, as honras e a veneração as que, à sua vista, tinham direito". (Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", p. 255).

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ginara. A rapidez com que uma Fé adormecida se revivifi-cara e consolidara dentro de seu próprio território; sua expansão até Estados além de seus confins; as estupendas pretensões por Bahá'u'lláh quase em meio à cidadela onde se dignara residir; a declaração pública dessa pretensão na Turquia européia e Sua proclamação às cabeças coroadas da Terra em Epístolas desafiadoras, uma das quais o pró-prio Xá era destinado a receber; o entusiasmo que esse anúncio evocou nos corações de incontáveis seguidores; a transferência do centro de Sua Causa à Terra Santa; o gra-dativo relaxamento da severidade de Sua prisão que ca-racterizou os últimos dias de Sua vida; a anulação do inter-dito que o Sultão da Turquia impusera em Seu contato com visitantes e peregrinos, os quais de várias partes do Oriente afluíam à Sua prisão; o despertar de um espírito de investigação entre os pensamentos do Ocidente; a com-pleta desintegração das forças que haviam tentado efetivar um cisma nas fileiras de Seus seguidores e a sorte que sobreviera a seu principal instigador; acima de tudo a sublimidade daqueles ensinamentos nos quais Suas obras publicadas abundavam e que estavam sendo lidos, dissemi-nados e expostos por um sempre crescente número de adep-tos no Turquestão Russo, no Iraque, na índia, na Síria e até na Turquia Européia, estes figuravam entre os princi-pais fatores que de um modo convincente revelaram aos olhos do Xá o caráter invencível de uma Fé que ele acre-ditava haver podido, ele mesmo, refrear e destruir. A futi-lidade de seus esforços, por mais que ele tentasse ocultar seus sentimentos, era demasiadamente clara. A Causa do Báb, o nascimento e as tribulações da qual ele próprio testemunhara e cujo progresso triunfante ele agora presen-ciava, surgira de suas cinzas, semelhante à fênix, e estava avançando pelo caminho que a levaria a realizações nem sonhadas (9).

(9) " . . . e eis aqui como, matematicamente, se tem produzido um movimento religioso muito particular no qual a Ásia Central, ou seja na Pérsia, alguns lugares da índia e uma parte da Turquia asiática nas vizinhanças de Bagdá, se mostra hoje vivamente interessada, mo-vimento extraordinário e digno de ser estudado sob todos os aspectos.

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O próprio Nabíl pouco imaginava que dentro de qua-renta anos depois dele escrever sua narrativa, a Revelação de Bahá'u'lláh, flor e fruto de todas as passadas eras tivesse podido a tal ponto avançar no caminho que conduzia a seu reconhecimento e triunfo no mundo inteiro. Pouco imagi-nava ele que, em menos de quarenta anos apó a morte de Bahá'u'lláh, Sua Causa rompendo os confins da Pérsia e

Permite assistir ao desenvolvimento de acontecimentos, a manifestações, a catástrofes de natureza tal que não se está habituado a ver na atua. lidade e que um só podia imaginar como possíveis em épocas remota? quando nasceram as grandes religiões... Declaro assim mesmo que se eu visse na Europa uma seita de natureza similar ao Babismo, com as vantagens que possui, fé cega, extraordinário entusiasmo, valentia e devoção à toda prova, conquistando o respeito dos indiferentes, infun-dindo terror a seus adversários e ainda mais, como já foi mencionado, com uma atividade proselitista que não se detém em nenhum momento, cujos êxitos são constantes em todas as classes sociais; se eu visse, digo. que tudo isso existisse na E'uropa, não vacilaria em predizer que, dentro de um tempo prudencial, o poder e a soberania cairiam necessariamente aos possuidores destas grandes vantagens". ("Conde de Gobineau: "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale", pp. 116, 293-4). "Agora devo dizer que me parece que a história do movimento Babí deve ser de interesse em diferentes formas, principalmente àqueles que estão ocupados diretamente com o estudo do persa. O estudante do pensamento religioso terá muito material para suas reflexões, porque aqui poda contemplar personalidades tais que com o passar do tempo se transformam em heróis e semideuses ainda não obscurecidos sob o mito e a fábula; pode examinar sob a luz do testemunho atual e inde-pendente um daqueles estalidos estranhos de entusiasmo, fé, fervente devoção e de indomável heroísmo — ou fanatismo, se assim o preferirem — que estamos acostumados a associar com a história passada da raça humana; em uma palavra, pode atestar o nascimento de uma fé que não é impossível que chegue a conquistar um lugar entre as grandes reli-giões do mundo. Para o etnólogo também pode dar material para refie-xionar no que se refere ao caráter das pessoas que, estigmatizadas, como o têm sido freqüentemente, como egoístas, mercenárias, orgulhosas, sór-didas e covardes, que no entanto são capazes de mostrar, sob a influência de um forte impulso religioso, um grau de devoção, desinteresse, gene-rosidade, desprendimento, nobreza e valentia que pode ter paralelo na história porém qua dificilmente pode ser sobrepujado. Para o político também a questão tem a sua importância; que trocas não poderiam ser feitas num país que agora se considera só uma cifra no equilíbrio de forças nacionais, por uma religião capaz de evocar um espírito tão po-deroso? Que aqueles que sabem o que Maomé fez com os árabes consi-derem bem o que o Báb pode todavia fazer com os persas". (E. G.

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do Oriente, tivesse penetrado até às mais longínquas regiões do globo e cercado toda a terra. Dificilmente haveria ele acreditado a prediçao, se lhe fosse dito que a Causa teria, dentro desse período, implantado seu estandarte no cora-ção do continente americano, despertando atenção nas prin-cipais capitais da Europa, se expandindo até os confins sulinos da África e estabelecido seus postos avançados até

Browne: Introdução a "A Traveller's Narrative", pp. 8-9). "É assim como fui instalado como um hóspede em Bahjí, no meio de tudo o que o Babismo considera mais nobre e mais santo; e aqui passei cinco dos dias mais memoráveis durante os quais tive oportunidades inigualáveis e inesperadas de manter relações com aqueles que são a fonte desse po-deroso e maravilhoso espírito que trabalha com força invisível porém sempre crescente para a transformação e vivificação de um povo que dorme um sono como a morte. Foi por certo uma experiência estranha e comovedora, porém da qual lastimo comunicar nada mais que as mais débeis impressões. Por certo, poderia descrever com maiores detalhes os rostos e formas que me rodeavam, as conversas que tive o privilégio de escutar, a leitura solene e melodiosa dos livros sagrados, a sensação geral de harmonia e contento que impregnava o lugar, e os fragrantes e sombreados jardins que freqüentávamos ao entardecer; porém tudo isto era como nada em comparação com a atmosfera espiritual que me rodeava. Os muçulmanos persas diriam que os Babís enfeitiçam ou dão drogas a seus convidados para que estes, impelidos por uma fascinação que não podem resistir, se vejam contagiados de igual maneira pelo que os muçulmanos consideram uma forma estranha e incompreensível de loucura. Ainda que esta crença seja tola e absurda, no entanto, apóia-se sobre bases de feitos mais fortes que o que lhes serve de fundamento para a maior parte de seus alegados contra esta gente. O espírito que impregna os Babís é tal que apenas pode evitar de afetar poderosamente a todos os que se encontram sujeitos à sua influência. Pode ser chama-tivo e atrair ; não se lhe pode ignorar nem descartar. Que aqueles que não o têm visto não me creiam se assim o desejam; porém se alguma vez se revela este espírito para eles, experimentam uma emoção que acham difícil de esquecer". (Idem, p. 38-9). "Nessa forma nota-se que, em sua organização externa, o Babismo tem sofrido mudanças radicais desde que apareceu como uma força proselitista há meio século. No en-tanto estas trocas não têm atuado como impedimento, mas ao contrário, parece haver estimulado sua propaganda já que tem progredido com uma rapidez inexplicável para aqueles que só podem ver nela uma forma crua de fermento político ou metafísico. Os cálculos mais baixos estimam que o número de Babís na Pérsia é de meio milhão. Sinto-me inclinado a pensar, baseado em conversas com pessoas bem qualificadas para emitir um juízo, que o total está perto de um milhão. Pode-se encontrar em todas as ocupações, desde ministros e nobres da corte até lixeiros

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na Australásia. Dificilmente sua imaginação, se bem que inflamada por uma convicção quanto ao destino de sua Fé, o teria levado a tal ponto que ele pudesse conceber em sua mente o Túmulo-Santuário do Báb — o destino final de cujos restos mortais ele confessa ignorar entesourado no coração do Carmelo, um lugar de peregrinação e um farol

e eavalariços, e não é a menos importante esfera de sua atividade o sacerdócio muçulmano mesmo. Nota-se que o movimento foi iniciado por siyyids, hájís e mullás, isto é, pessoas que, por linhagem, por ten-dência piedosa ou por profissão, estavam intimamente preocupadas com o credo muçulmano; é inclusive entre os devotos declarados da fé que seguem fazendo suas conversões. De muitos Babís se sabe muito bem que o são, porém que enquanto procedem com circunspecção, não são objeto de intrusão ou perseguição. Entre os mais humildes no entanto, em geral se oculta o fato por temor a dar uma desculpa ao rancor de seus superiores. Em época recente os Babís têm tido muito êxito no campo de outro inimigo, havendo conquistado muitos prosélitos entre a população judia dos povos persas. É sabido que durante o último ano foram feitas 150 conversões de judeus em Teerã, 100 em Hamadán, 50 em Káshán e os 75% dos judeus de Gulpáiyigán". (Lord Curzon: "Pérsia and the Persian Question", vol. 1, pp. 499-500). "Daquela raça sutil", escreve o Dr. J. Estlin Garpenter, "provém o movimento mais extraordi-nário que já produziu o maometanismo moderno. . . Discípulos o cerca-ram e o movimento não foi detido por sua prisão, encarceramento por cerca de seis anos e sua final execução em 1850. . . Também reclama ter um ensinamento universal; já tem seu nobre exército de mártires e seus livros sagrados; será que a Pérsia, em meio das suas misérias, deu nascimento a uma religião que dará a volta ao mundo?" ("Compa-rative Religion", p. 70-71). "Uma vez mais", escreve o Professor E. G. Browne, "no curso da história da humanidade, o Oriente tem reivindicado sua pretensão a ensinar religião ao Ocidente e a possuir no Mundo Es-piritual aquela preeminência que os países do Ocidente possuem no ma-terial". (Introdução à obra de M. H. Phelp: "Life and Teachings of Abbás Effendi", p. 15). "Parece indubitável que desde o ponto de vista religioso e especialmente desde o moral, o Babismo assinala um avanço sobre os ensinamentos do Islã, poderia se dizer como o Sr. Vambery (Academia Francesa, 12 de março de 1892) que seus dirigentes haviam expressado doutrinas dignas dos maiores pensadores. . . Em todo caso, o crescimento do Babismo é um capítulo interessante na história das civilizações modernas. E nesta forma depois que se disse tudo, aqueles que o louvavam possivelmente estão com a razão; é possível que do Ba-bismo venha a regeneração do povo Persa, inclusive da totalidade do Islã que está muito necessitado dele. Desafortunadamente, raras vezes ocorre uma regeneração nacional sem abundante derramamento de san-gue". (M. J. Balteau: "Le Bábisme", p. 28).

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a iluminar numerosos visitantes de todos os recantos da terra. Dificilmente poderia ele ter imaginado que a humilde morada de Bahá'u"lláh — que se perdia em meio aos tor-tuosos becos da velha Bagdá algum dia, em conseqüência das intrigas de um inimigo infatigável, viesse a exigir a atenção dos representantes reunidos das principais potências da Europa e tornar-se objeto de suas sérias deliberações. Pouco imaginava ele — não obstante todo o louvor que em sua narrativa lhe prodigaliza — que procederia do Maior Ramo (10), um poder que dentro de um curto período despertasse os Estados do norte do continente americano para receberem a glória da Revelação que Bahá'u'lláh lhe legara. Pouco imaginava ele que as dinastias daqueles mo-narcas as evidências de cuja tirania ele tão vividamente relata em sua narrativa fossem cambalear e cair, sofrendo a mesma sorte que seus representantes tão desesperada-mente se haviam esforçado por inflingir aos oponentes que eles tanto temiam. Pouco imaginava ele que toda a hierar-quia eclesiástica de seu país, arqui-instigadora e o pronto instrumento das abominações amontoadas sobre sua Fé, fosse tão rápida e facilmente derrubada pelas próprias for-ças que tentara dominar. Nunca haveria ele acreditado que as mais altas instituições do Islã sunita — o sultanato e o califado (11), aqueles opressores gêmeos da Fé de Bahá'u'-lláh — fossem derrubados tão impiedosamente pelas pró-prias mãos dos professores aderentes da Fé do Islã. Pouco imaginava ele que, lado a lado com a constante expansão da Causa de Bahá'u'lláh, as forças de consolidação e admi-nistração interna a tal ponto progredissem que apresentas-sem ao mundo o espetáculo único de uma Comunidade de

(10) Título de 'Abdu'1-Bahá. (11) O Califato começou com a eleição de Abú-Bakr em 632 A.

D. e durou até 1258 A. D. quando Hulagu Khán saqueou Bagdá e matou Mu'tasim Bi'lláh. Durante quase três séculos depois desta ca-tástrofe se perpetuou o título de Califa no Egito por descendentes da Casa de Abbás que viveram sob a proteção de seus governantes mamelucos, até que no ano de 1517 A. D. o Sultão Salím, o Osmanlí, depois de haver conquistado a dinastia mameluca, induziu ao infortunado Califa a transferir a ele o título e insígnia". (P. M. Sykes: "À History of Pérsia", vol. 2, p. 25).

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povos, mundial em suas ramificações, unida em seu propó-sito, coordenada em seus esforços e inflamada por um zelo e um entusiasmo que as maiores adversidades não poderiam extinguir.

Quem sabe, entretanto, quais realizações maiores do que qualquer uma testemunhada no passado ou no presen-te não esperam ainda aqueles a cujas mãos foi confiada tão preciosa herança? Quem sabe se não vai emergir do caos que agita a face da sociedade moderna e mais cedo do que pensamos, a Ordem Mundial de Bahá'u'lláh, cujo mero esboço se discerne apenas ligeiramente entre as co-munidades espalhadas pelo mundo inteiro portadoras de Seu nome? Pois, por grande e maravilhosas que tenham sido as realizações do passado, a glória da idade áurea da Causa, cuja promessa se encaixa dentro da concha das palavras imortais de Bahá'u'lláh, ainda está para ser reve-lada. Por violenta que pareça a investida das forças das trevas que possam ainda afligir esta Causa, por mais de-sesperada e prolongada que seja essa luta e por severas que sejam as desilusões que ela ainda tenha de sofrer, a ascendência que esta Fé no fim haverá de conseguir será tal como nenhuma outra jamais, em toda a sua história, atingiu. A fusão das comunidades do Oriente e Ocidente em uma Fraternidade mundial — aquela da qual têm can-tado os poetas e os sonhadores, a promessa da qual se entesoura no próprio âmago da Revelação concebida por Bahá'u'lláh; o reconhecimento de Sua lei como o laço in-dissolúvel que une os povos e nações da terra; e a procla-mação do reinado da Paz Maior — são apenas poucos entre os capítulos da história gloriosa que a consumação da Fé de Bahá'u'lláh haverá de desdobrar.

Quem sabe se triunfos jamais excedidos em esplendor não esperam a multidão dos dedicados seguidores de Ba-há'u'lláh? De certo estamos próximos demais da estrutura colossal que Sua mão ergueu, para podermos, na presente etapa da evolução de Sua Revelação, pretender formar um conceito sequer da plena medida de sua prometida glória. Sua história passada, maculada com o sangue de incontá-veis mártires, bem pode em nós inspirar o pensamento de que — nada importando o que sobrevenha ainda a esta

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Causa, por temíveis que sejam as forças que ainda a possam atacar, por numerosos que sejam os reveses que inevitavel-mente haverá de sofrer sua marcha para a frente, jamais será detida e ela continuará a avançar até que a última promessa, entesourada dentro das palavras de Bahá'u'lláh, haja sido completamente cumprida.

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APÊNDICE

Lista das Obras Mais Conhecidas do Báb

1. O Bayán Persa. 2. O Bayán Árabe. 3. O Qayyúmu'1-Asmá. 4. O Sahífatu'1-Haramayn. 5. O Da!á'il-i-Sab'ih. 6. Comentário sobre a Sura de Kawthar. 7. Comentário sobre a Sura de Va'l-'Asr. 8. O Kitáb-i-Asmá'. 9. Sahíf;y-i-Ja'faríyyih.

10. Sahífiy-i-Makhdhúmíyyih. 11. Zíyárat-i-Sháh-'Abdu'l-'Azím. 12. Kitáb-i-Panj-Sha'n. 13. Sahífiy-i-Radavíyyih. 14. Risáliy-i-'Adlíyyih. 15. Risáliy-i Fighíyyih. 16. Risáliy-i-Dhahabíyyih. 17. Kitábu'r-Rúh. 18. Súriy-i-Tawhíd. 19. Lawh-i-Hurúfát. 20. Tafsír-i-Nubuvvat-i-Khássih. 21. Risáliy-i-Furú-i-'Adlíyyih. 22. Khasá'il-i-Sab'ih. 23. Epístolas à Muhammad Sháh e a Hájí Mirzá Áqásí.

N . B . O Báb mesmo assevera numa das passagens do Bayán Persa que Seus escritos compreendem nada menos que 500.000 versículos.

Obras Consultadas Pelo Tradutor

1. Lord Curzon "Pérsia and the Persian Question" (2." vol.) (Longmans, Green & Co., London 1892).

2. A. L. M. Nicolas "Essai sur le Shaykhisme I" (Librairie Paul Geuthner, Rue Mazarine, Paris 1910).

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3. A. L. M. Nicolas "Essai sur le Shaykhisme I I " (Librairie Paul Geuthner, Rue Mazarine, Paris 1914).

4. A. L. M. Nicolas "Siyyid Ali Muhammad dit le Báb" (Librairie Critique, Rue Notre-Dame de Lorette, Paris 1908).

5. Comte de Gobineau "Les Religions et les Philosophies dans 1'Asie Centrale"

(Les Editions G. Grés et Cie., Paris, Rue de Sèvres, 1928) 6. Lady Sheil "Glimpses of Life and Manners in Pérsia"

(John Murray, Albemarle Street, London 1856) 7. "The Tárikh-i-Jadíd" por Mirzá Husayn de Hamadán, traduzido

do persa para o inglês por E. G. Browne. (The University Press Cambridge 1893)

8. M. Clément Huart "La Religion de Báb" (Ernst Leroux, Rue Bonaparte, Paris 1889)

9. "A Traveller's Narrative" traduzido do persa para o inglês por E. G. Browne.

(The University Press Cambridge 1891) 10. "Le Bayán Persan", traduzido do persa para o francês por A. L.

M. Nicolas (4 vols.) (Librairie Paul Geuthner, Rue Mazarine, Paris 1911-14).

11. Journal of the Royal Asiatic Society, 1889, artigos 6, 12. 12. Journal of the Royal Asiatic Society, 1892, artigos 7, 9, 13. 13. "Le Livre des Sept Preuves", traduzido ao francês por A. L. M.

Nicolas (J. Maisonneuve, Rue des Mézières, Paris 1902).

14. E. G. Browne "A Year amongst the Persians" (Messers. A. and C, Black, Ltd., London 1893).

15. E. G. Browne "A Literary History of Pérsia" (4 vols.) (The University Press Cambridge 1924).

16. Lieutenant-Colonel P. M. Sykes "A History of Pérsia" (2 vols) (Macmillan & Co. London 1915).

17. Clements R. Markham "A General Sketch of the History Pérsia" (Longmans, Green and Co., London 1874).

18. R. G. Watson "History of Pérsia". 19. Journal Asiatique, 1866, sixième série, tomes 7, 8.

("Báb et les Babís", por Mirzá Kázím Big). 20. M. J. Balteau "Le Babisme"

(Lido por M. J. Balteau, membro titular, na sessão de 22 de maio de 1896 na Academia Nacional de Reims. Imprensa da Academia, Reims; N. Monce, Diretor; 24 Rue Pluche, 1987).

21. Gabriel Sacy "Du Regne de Dieu et de 1'Agneau connu sous le nom de Babisme"

12 de junho de 1902. 22. J. E. Esslemont, "Bahá'u'lláh and the New Era"

(The Bahá'í Publishing Committee, New York 1927. 23. Muhammad Mustafá "Risáliy-i-Amríyyih"

(Imprensa Sa'ádih, Cairo, Egito).

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24. E. G. Browne "Materials for the Study of the Babí Keligion" (The University Press, Cambridge 1918).

25. Mirzá Abu'1-Padl, manuscritos e notas (não publicados). 26. Mirzá Abu'1-Fadl, "The Kashfu'1-Ghitá"

('Ishqábád, Rússia). 27. M. H. Phelps "Life and Teachings of Abbás Effendi"

(G. P. Putnam's Sons, London 1912). 28. T. K. Cheyne "The Reconciliation of Races and Religions"

(Adam and Charles Black, 1914). 29. Sir Francis Younghusband "The Gleam"

(John Murray, Albemarle Street, London 1923). 30. Samandar: manuscrito (não publicado). 31. E. G. Browne "The Persian Revolution".

(The University Press, Cambridge 1910). 32. The Ghristian Commonwealth, 22 de janeiro de 1913. 33. G. K. Narimán "Pérsia and Parsis". Parte I

(The Iran League, Bombay 1925). 34. Valentine Chirol "The Middle Eastern Question". 35. J. Estlin Carpenter "Comparative Religion". 3íi. Série Comemorativa E'. J. W. Gibb, Vol. 15.

(Luzac & Co. London 1910). 37. "The Násikhu't-Tavárikh" (volume Qájáriyyih), por Mirzá Taqí

Mustawfí, Lisánu'1-Muikh, conhecido como Sipihr. (Edição litográfica, Teerã).

38. Hájí Mu'ínu's-Saltanih "History" (manuscrito). 39. Mirzá Abu'1-Fadl "Kitábu'1-Fará'id"

(Edição feita no Cairo).

Obras de Bahá'u'lláh:

"Kitáb-i íqán" (Edição feita no Cairo, 1900). "Epistle to the Son of the Wolf" (Edição do Cairo, 1920). "Ishráqát" (manuscrito). "Tablets to the Kings" (manuscrito).

Obras do Báb:

"Sahífatu'1-Haranayn" (manuscrito). "Qayyúmu'1-Asmá" (manuscrito). "Persian Bayán (manuscrito). "Arabic Bayán" (manuscrito). "Dalá'il-i-Sab'ih" (manuscrito).

Obras de 'Abdu'1-Bahá:

"Some Answered Questions" (Bahá'í Publishing Society, Chicago 1918). "Memoriais of the Faithful" (edição feita em Haifa 1924).

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N . B . Para uma bibliografia geral mais completa, recorrer A: 1. Bahá'í World. vol. 111, parte 3. 2. A. L. M. Nicolas "Siyyid Ali Muhammad dit le Báb". pp. 22-53. 3 . E. G. Browne "Materials for the Study of the Babí Religion", 4. Journal of the Royal Asiatic Society 1892, pp. 433-499, 637-710. 5. "A Traveller's Narraüve", pp. 173-211.

DIVISÕES ADMINISTRATIVAS DA PÉRSIA NO SÉCULO XIX

"Não existe um princípio fixo ou permanente nas subdivisões admi-nistrativas da Pérsia. Sua separação ou combinação está regulada pela habilidade ou a reputação de seus governadores ou por influência que lhes pode ser concedida pela confiança ou os temores do soberano.. . Deve-se notar também que nenhum princípio, seja geográfico, etnográ-fico ou político, parece ser determinado ao se adotar as fronteiras ou o tamanho das diversas divisões, cujo tamanho varia desde uma pro-víncia maior que toda a Inglaterra a um povoado pequeno e decadente com seus arredores".

PROVÍNCIAS MAIORES OU DISTRITOS Divisão Administrativa Capital Ádhirbáyján Tabríz Khurasán e Sístán Mashhad Teerã e Dependências Teerã Fárs Shiráz Isfáhán e Dependências Isfáhán Kirmán e Belúchistán persa Kirmán Arabistán Shushtar Gílán e Tálish Rasht Mázindaran Ámul Yazd e Dependências Yazd Litoral do Golfo Persa e Ilhas Búshihr

(De Lord Curzon "Pérsia and the Persian Question", Vol. 1, p. 437)

EMBAIXADORES BRITÂNICOS E RUSSOS PERANTE A CORTE PERSA (1814-1855)

Sr. Morier e Sr. Ellis Novembro 1814 Sir Henry Willock Julho 1815 Sir John Macdonald Setembro 1826 Sir John Campbell Junho 1830 Sir Henry Ellis Novembro 1835 Sir John McNeill Agosto 1836 Sir Justin Sheil Agosto 1842 Coronel Farrant (interino) Outubro 1847 Sir Justin Sheil (reassumiu após licença) . Novembro 1849 Sr. Taylor Thomson (interino) Fevereiro 1853 Hon. A. C. Murray Abril 1855

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General Yermoloff Agosto 1817 M. Mazarowitch Abril 1819 M. Ambourger (interino) Janeiro 1823 M. Mazarowitch (reassumiu após licença) . . Julho 1824 M. Ambourger Setembro 1825 Príncipe Menschikof f Julho 1826 M. Grebayadoff 1828 Príncipe Dolgorouki 1831 Conde Simonich Fevereiro 1833 Conde Meden 1839 Príncipe Dolgorouki Janeiro 1846 M. Anitchkoff Setembro 1854

(Tirado de Clements R. Markham C. B., F . R. S. "A General Sketch of the History of Pérsia", Apêndice B. Longmans, Green and Co., London, 1874).

LISTA DE MESES DO CALENDÁRIO MAOMETANO

Muharram Safar RabíVl-Awal Rabí'u'th-Thání Jamádiyu'1-Awal Jamádíy'th- Thání Rajab Shá*bán Ramadán Shawál Dhi'1-Qa'dih Dhi'1-Hijjih

Muharram 1, Muharram 1, Muharram 1, Muharram 1, Muharram 1, Muharram 1, Muharram 1, Muharram 1, Muharram 1, Muharram 1, Muharram 1, Muharram 1,

(Tirado de 1926).

1 D.H. . 1260 D.H. . 1261 D.H. . 1262 D.H. . 1263 D.H. . 1264 D.H. . 1265 D.H. . 1266 D.H. . 1267 D.H. . 1268 D.H. . 1269 D.H. . 1270 D.H. .

Wüstenfeld-lV

. . . Julho . . Janeiro . . Janeiro . . Dezembro . . Dezembro . . Dezembro . . Novembro . . Novembro . . Novembro . . Outubro . . Outubro . . Outubro

16, 22, 10, 30, 20, 9,

27, 17, 6,

27, 15, 4.

30 dias 29 ' 30 ' 29 ' 30 29 ' 30 ' 29 ' 30 ' 29 ' 30 '

29-30 '

622 A.D. 1844 A.D. 1845 A.D. 1845 A.D. 1846 A.D. 1847 A.D. 1848 A.D. 1849 A.D. 1850 A.D. 1851 A.D. 1852 A.D. 1853 A.D.

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Sexta-feira Segunda-feira Sexta feira Terça-feira Domingo Quinta-feira Segunda-feira Sábado Quarta-feira Segunda-feira Sexta-feira Terça-feira

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423

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QUADRO DE REPRESENTAÇÃO FONÉTICA

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O " i " posto no final de um nome de uma cidade significa 'pertence a"; desta forma a palavra Shírazí quer dizer "nativo de Shíráz'.

N . B . : A escritura das palavras orientais e nomes próprios utilizados neste livro foram feitos de acordo com o sistema fonético estabelecido em um dos Congressos Internacionais de Estudos Orientais.

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GLOSSÁRIO

'Abá: Capa ou manto. Aãhán: Chamada muçulmana à oração. Akbar: "O Grande". Amír: "Senhor", "príncipe", "comandante", "governador". Aqá: "Mestre". Título dado por Bahá'u'lláh à Abdu'1-Bahá. A'zam: "O Maior". Bab: "Porta". Título assumido por Mirzá 'Alí-Muhammad depois da

declaração de Sua Missão em Shiráz em maio de 1844 A.D, Bahá: "Glória", "Esplendor", "Luz". Título com que se designa Ba-

há'u'lláh (Mirzá Husayn-Alí). Baqíyyatu'lláh: "Remanescente de Deus". Título que se aplica tanto

ao Báb como à Bahá'u'lláh. Bayán: "Expressão", "Explicação". Título dadi pelo Báb a Sua Reve-

lação, em particular a Seus Livros. Big: Título Honorário; inferior ao título de Khán. Caravansarai: Uma pousada para caravanas. D H: Depois da Hégira. Data da migração de Maomé de Meca a Me-

dina, base da cronologia Maometana. Dárúghih: "Contestável Maior". Dawlih: "Estado", "Governo". Farmán: "Ordem", "Mandato", "Decreto Real". Farrásh: "Lacaio", "lictor", "assistente". Farrásh-Báshí: O principal farrásh. Farsang: Unidade de medida. Seu comprimento é diferente nas diver-

sas partes do país de acordo com a natureza do terreno; a inter-pretação local do termo é a distância que uma mula com carga pode caminhar em uma hora, o que varia de três a quatro mi-lhas. É um arabismo do persa antigo "parsang" e se supõe que deriva de pedaços de pedra (sang) postos à orla do caminho.

Hájí: Um maometano que tenha feito a peregrinação à Meca.

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Howdah: Uma liteira levada por um cavalo, camelo, mula ou elefante para viagens.

II: "Clã". Imán ou Imame: Título de doze sucessores Shfah de Maomé. Também

se aplica aos dirigentes religiosos muçulmanos. Imán-Jumih: O imame principal de uma cidade; chefe dos mullás. Imán-Zádih: Descendente de um Imame, ou seu santuário. Jubbíh: Um sobretudo. Ka'bih: Antigo santuário em Meca. Atualmente se reconhece como o

santuário mais sagrado do Islã. Kad-Khudá: Chefe de um município ou paróquia em uma cidade. Kalantar: "Alcaide". Kalím: "Desertor". Karbilá'í: Um maometano que tenha feito a peregrinação à Karbiiá. Khán: "Príncipe", "senhor", "chefe", "nobre". Kuláh: Gorro persa de couro de cordeiro que é utilizado pelos em-

pregados do governo e os civis. Madrish: Colégio religioso. Man-Yuzhiruhu'Iláh: "Aquele a Quem Deus Manifesta". Título que

o Báb deu ao Prometido. Mashhadí: Um maometano que tenha feito peregrinação à Mashhád. Masjid: Mesquita, templo, lugar de adoração. Maydan: Uma subdivisão de um farsang. Uma quadra ou lugar aberto. Mihdí: Título da Manifestação esperada pelo Islã. Mihráb: Lugar principal de uma mesquita onde ora o imame com seu

rosto voltado para Meca. Mi'ráj: "Subida"; usa-se em referência à ascensão de Maomé ao céu. Mirzá: Contração de Amír-Zádih, que significa filho de Amír. Quando

ee coloca depois de um nome significa príncipe; se à frente, sim-plesmente senhor.

Mu'adhdhin: Aquele que proclama o adhán, a chamada muçulmana à oração. Muezim.

Mujtahid: Doutor maometano em leis. A maioria dos mujtahids da Pérsia tem recebido seus diplomas dos mais eminentes juristas de Karbiiá e Najáf.

Mullá: Clérigo muçulmano. Mustagháth: "Aquele a quem o invoca", cujo valor numérico tem sido

assinalado pelo Báb como o limite de tempo fixado para o adven-to da prometida Manifestação.

Nabil: "Erudito", "nobre". Naw-Rúz: "Novo Dia". Nome que se dá ao Ano Novo Bahá'í; de

acordo com o calendário Persa, o dia em que o sol entra em Aries. Nuqtih: "Ponto".

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Pahlaván: "Atleta", "campeão". Termo que se aplica aos homens va-lentes e musculosos.

Qádí: Juiz: civil, criminal e eclesiástico. Qá'im: "Aquele que se levantará". Título que se designa o prometido

do Islã. Qalyán: Um cachimbo que se usa para fumar através da água. Qiblih: A direção para a qual se voltam as pessoas quando oram;

Meca, em especial é o Qiblih de todos os Maometanos. Qurbán: "Sacrifício". Sáhibu'z-Zamán: "Senhor da Era". Um dos títulos do Qá'im prometido. Shahíd: "Mártir". O plural de mártir é "Shuhadá". Shaykhu'1-Islán: Chefe de uma corte religiosa, que o Xá designa em

cada grande cidade. Siyyid: Descendente do Profeta Maomé. Sara: Nome dos capítulos do Alcorão. Tumán: Soma de dinheiro equivalente a um dólar. Valí-Ahd: Herdeiro ao trono. Zádih: "Filho".

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