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6º Congresso SOPCOM 2773 O discurso jornalístico no enredo de "Os Simpsons" Lívio Galeno Tamiris Lima Paulo Fernando de Carvalho Lopes Universidade Federal do Piauí UFPI Resumo A série americana Os Simpsons está prestes a iniciar a 19ª temporada e com isso, fazer aniversário de 19 anos no ar. Desde os primeiros episódios, suscitam discussões que refletem a e na sociedade. Não distante disso, o jornalismo se configura através da importância que este apresenta na realidade e na série. Entretanto, conta com a vantagem e o respaldo de ser uma animação a fim de expressar opiniões. Posto isso, os pesquisadores realizarão um trabalho científico com a intenção de verificar a importância do jornalismo nos episódios. Para isso, analisarão as marcas enunciativas, baseados nas teorias de Análise de Discurso propostas por Emile Benveniste, Paulo Fernando Lopes de Carvalho e Milton José Pinto. Como ponto de análise específico, a configuração do diálogo entre os jornalísticos e seu público tendo como corpus de análise os episódios da primeira temporada do seriado. Introdução Os Simpsons completam 19 anos no ar em 2009. Ao longo desse tempo consolidou-se como uma série de grande repercussão uma vez que a história da família percorre diversos campos e momentos da sociedade fazendo deles uma análise, muitas vezes críticas e ridicularizadora, dos padrões de vida da classe média americana. A série se passa na cidade de Springfield sempre no mesmo ano: 1990. Homer Jay Simpson trabalha na usina nuclear local. Casado com a dona de casa Marge (Margareth) são os pais de Bart (Bartolomeu), garoto de dez anos que aterroriza a vizinhança e a escola além de envolver a família em diversos conflitos que causa, Lisa (Elisabeth), uma intelectual preocupada com causas sociais, e Maggie, um bebê que diversas vezes demonstra ser a mais esperta da casa. Os cinco têm um interesse em comum: Televisão. Já na abertura da série, os perfis são dispostos e a TV aparece como ponto de união dos personagens que se colocam, seja como e onde for, para assisti-la.

Os Simpsons

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6º Congresso SOPCOM 2773

O discurso jornalístico no enredo de "Os Simpsons"

Lívio Galeno

Tamiris Lima

Paulo Fernando de Carvalho Lopes

Universidade Federal do Piauí – UFPI

Resumo

A série americana Os Simpsons está prestes a iniciar a 19ª temporada e com isso, fazer

aniversário de 19 anos no ar. Desde os primeiros episódios, suscitam discussões que

refletem a e na sociedade. Não distante disso, o jornalismo se configura através da

importância que este apresenta na realidade e na série.

Entretanto, conta com a vantagem e o respaldo de ser uma animação a fim de expressar

opiniões. Posto isso, os pesquisadores realizarão um trabalho científico com a intenção

de verificar a importância do jornalismo nos episódios. Para isso, analisarão as marcas

enunciativas, baseados nas teorias de Análise de Discurso propostas por Emile

Benveniste, Paulo Fernando Lopes de Carvalho e Milton José Pinto.

Como ponto de análise específico, a configuração do diálogo entre os jornalísticos e seu

público tendo como corpus de análise os episódios da primeira temporada do seriado.

Introdução

Os Simpsons completam 19 anos no ar em 2009. Ao longo desse tempo

consolidou-se como uma série de grande repercussão uma vez que a história da família

percorre diversos campos e momentos da sociedade fazendo deles uma análise, muitas

vezes críticas e ridicularizadora, dos padrões de vida da classe média americana. A

série se passa na cidade de Springfield sempre no mesmo ano: 1990.

Homer Jay Simpson trabalha na usina nuclear local. Casado com a dona de casa

Marge (Margareth) são os pais de Bart (Bartolomeu), garoto de dez anos que aterroriza

a vizinhança e a escola além de envolver a família em diversos conflitos que causa, Lisa

(Elisabeth), uma intelectual preocupada com causas sociais, e Maggie, um bebê que

diversas vezes demonstra ser a mais esperta da casa. Os cinco têm um interesse em

comum: Televisão. Já na abertura da série, os perfis são dispostos e a TV aparece como

ponto de união dos personagens que se colocam, seja como e onde for, para assisti-la.

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Springfield, apesar de ser uma pequena cidade, possui um sistema de

comunicação desenvolvido: Rádio, diversas emissoras de TV e impressos. Afinal, para

uma cidade onde o inusitado sempre acontece, notícia é o que não falta.

O telejornalismo está presente em vários episódios da primeira temporada como

ponto fundamental para o desenvolvimento da história. Uma vez que os repórteres são

pessoas que estão sempre por perto e não perdem um furo de reportagem. Como os

Simpsons se envolvem facilmente em situações inusitadas, as notícias os englobam de

alguma forma.

Dentre os personagens de mídia destacam-se na primeira temporada o palhaço

Krusty (protagonista do show de humor preferido das crianças Simpsons e dono dos

Estúdios Krustylu), Kent Brockman (âncora dos principais programas jornalísticos da

cidade), Arnie Pie (Repórter e apresentador eventual de programas jornalísticos).

A popularidade da televisão dentro da classe média a tornou personagem tão

importante na série quanto os próprios integrantes da família. A notícia televisiva

passou a ser a mais percebida, deixando marcas do discurso midiático que atravessa os

meios de massa e perpassa por diversos outros campos integrando-os ao enunciado e

fazendo circular na sociedade. A pequena cidade da série faz voltar nossos olhos para as

formas de caracterização e circulação das produções telejornalísticas. Já que a série

reflete valores da sociedade real em uma cidade fictícia, inspira suas críticas e

personagens em fatos atuais.

Metodologia e Referencial Teórico

A metodologia aplicada à pesquisa baseia na Análise de Discurso. Como a

primeira temporada de “Os Simpsons” é composta por treze episódios, os autores

tomaram por corpus quatro episódios escolhidos aleatoriamente. O material analisado

encontra-se dublado para a língua portuguesa, seguindo normas oficiais do Brasil. As

falas dos personagens foram recortadas literalmente, para depois serem aplicadas as

teorias escolhidas como norte da pesquisa.

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A motivação do projeto focou-se na tentativa de desvendar como é construído o

conceito de jornalismo para esta temporada do seriado, e como este conceito influencia

no desenvolver das situações de conflito criadas no decorrer de cada episódio analisado.

O trabalho de Émile Benveniste, visitado por Valdir Flores e Marlene Teixeira

no texto “A lingüística comporta a enunciação: Émile Benveniste”, foi o reporte

utilizado quando houve a necessidade de se utilizar a Teoria da Enunciação. Benveniste

foi um dos lingüistas que propôs um modelo de análise da língua, especialmente em

uma época em que se vivia o apogeu do estruturalismo. Neste artigo será usado o

primeiro eixo de análise proposto por Benveniste que trata da “(inter)subjetividade na

linguagem” que “corresponde ao nível „intralinguístico‟ em que cada signo é distinto,

significativo em relação aos demais, dotado de valores opositivos e genéricos e

dispositivos em uma organização paradigmática” (Flores; Teixeira, 2005).

Ainda sobre a teoria de Benveniste, lançamos mão da concepção de que a

imagem do outro (tu), e de si mesmo (eu), se faz presente no ato de modificar a língua

imposto pela fala de um agente (eu) e como esta imagem presente no discurso molda e

adequa a enunciação de um indivíduo.

No ato de enunciar, de por a língua em funcionamento, o sujeito instaura a

presença do outro. Este segundo sujeito social é inevitável uma vez que ao falar, sempre

se fala para alguém. A partir daí o sujeito utiliza a língua para estabelecer uma relação

com o mundo através do outro e com isso, o homem insere-se no mundo,

transformando-o.

Essa transformação se dá de maneira subjetiva. Ao fazer uso da língua, da

cultura, a subjetividade do sujeito é posta em funcionamento, pois é a subjetividade que

determina as formas de falar ao outro.

Outro autor adota para compor a análise foi Milton José Pinto e sua obra

“Comunicação e Discurso”, de onde utilizamos o fragmento “Uma Agenda para a

Análise de Discurso”. Deste trecho recortamos a necessidade, baseado em uma

tendência estruturalista moderna, de se destacar o contexto social impregnado na

enunciação utilizada como base da análise.

Milton Pinto destaca a necessidade de os pesquisadores, que adotam a Análise

de Discurso como meio para se produzir conhecimento, se deterem a “textura” de cada

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texto, já que é nesses locais que são passíveis de determinação das marcas sociais e

pessoais impregnadas na enunciação.

É na superfície dos textos que podem ser encontradas as pistas ou marcas deixadas

pelos processos sociais de produção de sentidos que o analista vai interpretar. O analista

de discurso é uma espécie de detetive sociocultural. Sua prática é primordialmente a de

procurar e interpretar os vestígios que permitem a contextualização (PINTO, 1999)

Por fim, a tese de doutoramento de Paulo Fernando intitulada “Negociando

Sentidos, Articulando Lugares: o modelo semiológico-discursivo nas teorias da

comunicação e do jornalismo” contribui com a idéia de que vê a notícia, a matéria-

prima do jornalismo, como “prática discursiva” que deve ser entendida “a partir dos

processos de produção, circulação e consumo de sentidos como sendo um texto redigido

para alguém ler” e como tal são “o lugar por excelência do ideológico”.

Jornalismo em “Os Simpsons”

O primeiro episódio analisado é o terceiro da primeira temporada e é intitulado

“A odisséia de Homer”. Resumidamente, neste capítulo, o pai da típica família norte

americana é demitido de seu trabalho em uma usina de energia termo nuclear. Sem

ocupação, Homer passar a defender a segurança do trânsito em sua cidade e encontra no

jornalismo um aliado para se fazer visível na sociedade de Springfield.

Uma tomada que apresenta o personagem em diversas capas do jornal da cidade

confirma a idéia de que o fato de Homer estar em uma série de capas do periódico lhe

dá destaque perante os outros. Lembremos aqui da importância da primeira página, ou

capa, de um periódico. Geralmente, para defender a pertinência de um assunto ou

pessoa na primeira página de um jornal, por exemplo, o mesmo deve ser tocado por

algum dos critérios de noticiabilidade citados por tantos teóricos do jornalismo.

A manchete da capa deve ser alguém, ou algo, de importância para a vida em

sociedade, e através de sua luta pela segurança em Springfield, Homer se tornou

destacável na multidão.

Prova disso pode ser notado na primeira manchete que o jornal da cidade traz:

“Simpson afirma: é seguro!”. Nesta seqüência discursiva podemos perceber que de

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simples trabalhador, Homer passar a ser uma autoridade em segurança a ponto de

garantir a população de sua cidade um estado de proteção a partir de sua afirmação.

Neste período podemos perceber a idéia primeira de que agora, após a atuação de

Simpsons, o trecho passa a oferecer segurança à população já que quem afirma,

confirma. Se agora o local passa a ser seguro, é por que antes não o era. O ponto de

exclamação apresenta o fim da proposição com uma certeza, contrastando com a dúvida

de segurança do local (conclui-se isso pela opção de não usar o ponto final que

encerraria de vez qualquer discussão posterior).

Outra constatação é evidenciada pela preferência de uma pausa antes da citação

da fala de Homer. O narrador mantém distanciamento da ideologia de segurança

expressa na afirmação de Simpson, daquilo que acredita o jornal através dos dois

pontos. Essa pausa deixa claro que o jornal esta apenas reproduzindo a idéia de um

outro, e não assumindo como sua. Percebe uma desconfiança do veículo de

comunicação jogado a responsabilidade da enunciação de segurança para o enunciador.

Na segunda seqüência discursiva relevante encontramos a frase “Dezenas

aplaudem Homer Simpson”. Percebemos mais uma vez que o jornal de Springfield,

mesmo dando destaque às ações do personagem, mantém um distanciamento do ator ao

noticiar seu feitos. A expressão “dezenas” transmite a idéia de que a população passa a

apoiar as atitudes de Homer paulatinamente. Sua causa não é da maioria, mas já

conquista adeptos. O verbo “aplaudem” completa a idéia de adesão, entretanto, a

restringe aos adeptos, não significando uma posição do jornal. Desta vez, nenhum ponto

foi usado, o que deixa a margem da interpretação pessoal de cada leitor para a validade

da causa explicitada mais uma vez na capa do jornal.

Após diversas aparições em jornais, Homer ainda não se sente satisfeito e

pretende atacar seus antigos patrões, donos de uma usina de energia nuclear na cidade.

Uma multidão acompanha Simpson à porta da fábrica. Lá, um simpatizante do novo

cidadão expoente anuncia: “O homem cujo próprio nome é sinônimo de segurança”.

Este posicionamento mostra o poder do jornalismo na criação e promoção de uma

personalidade perante uma sociedade, mesmo não havendo a adesão às idéias de Homer.

O segundo episódio analisado recebe o título de “A Lisa esta tristonha”. O título

já evidencia um possível tema de discussão: o humor de Lisa. Este é o 6º capítulo da

primeira temporada.

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Homer assiste uma notícia de um telejornal. A TV aparece na cena mostrada por

trás, pouco valorizando e criando uma imagem generalista de que a situação, a ser

descrita na cena, poderia ser noticiada por qualquer canal de TV de Springfield que os

resultados seriam o mesmo. Percebemos que para investir nesta concepção de que a

audiência é massificada, o jornalismo da primeira temporada do seriado tem uma

imagem de telespectador ideal: sem cultura e que apenas se preocupa com aspectos

imediatos de sua rotina cotidiana, podendo ser destacado o critério de noticiabilidade da

proximidade do fato noticiado com a vida do receptor.

A notícia fala sobre um incêndio que se alastrou pelo centro de Springfield.

Foram destruídos o “Teatro Municipal, o Museu de História Natural de Springfield, o

Centro de Arte de Springfield e o bar na esquina do boliche”. Homer assiste o jornal

sem esboçar reação, a não ser quando, no final do texto televisivo surge a informação de

que o bar fora atingido. Simpson desperta e aparenta desespero quando vai comentar a

notícia com Marge. Sua esposa está na cozinha, visivelmente perturbada. Simpson

pergunta se ela está bem. Marge responde que está aborrecida. Então, Homer fala: “Meu

Deus! O que vamos fazer?”. A partir de desta enunciação conclui-se que o personagem

subtende que estado de humor de sua esposa se deve ao fato de o bar ter sido destruído.

A seqüência discursiva mostra a falta de interesse do enunciador pelo ocorrido com a

história e arte de sua sociedade. O fato de nem citarem o nome do bar deixando a livre

interpretação de que foi “(apenas mais um) bar da esquina” confirma as “preocupações”

e as impressões do canal de TV do telespectador ideal, representado por Homer. Assim,

seu discurso é moldado propositalmente para que se possa perceber que Homer é o tipo

de pessoa que se preocupa com um incêndio em um bar, mas não com a cultura e lazer,

quanto mais com a tristeza de sua filha.

Percebe-se na análise um comportamento egoísta do telespectador que apenas se

manifesta quando se sente intimamente prejudicado. O episódio é marcado por crítica a

um receptor ideal que nem mesmo se sensibiliza por problemas ocorridos em seus lares,

desde que esses fatos não interfiram em sua rotina.

O sétimo episódio da temporada é intitulado “Chamando os Simpsons”: A

família adquire um novo veículo e saem a um passeio na floresta ao redor de

Springfield. No entanto, saem da rota, o carro com todos os pertences cai em um abismo

e os Simpsons ficam perdidos na mata. Então, Homer e Bart tentam retornar à cidade

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para pedir ajuda enquanto as mulheres ficam em um determinado local. No desenrolar

da história, Homer envolve-se em um grande engano, pois ao tentar fugir de um

enxame, cai em uma poça de lama e é confundido com um personagem folclórico, Pé

Grande, por um naturalista que fazia filmagens da natureza. O vídeo é divulgado pela

imprensa.

A primeira seqüência discursiva encontrada no telejornal local é marcada pela

fala do âncora, Arnie Pie, que não deixa esconder espanto com a notícia: “O legendário

meio homem meio macaco não é mais só lenda, ele é muito, muito real”. O uso da

palavra “só” traz ao enunciado duas concepções: a primeira parte do pressuposto que

seja de conhecimento geral a existência da lenda do Pé Grande; e a segunda diz que o

Pé Grande deixa de ser um mito e passa a ser realidade. A expressão “não é mais”

intensifica e garante a realidade do fato. A repetição do advérbio “muito” insere uma

possível desconfiança da realidade e do terror causado pelo mito. A postura do jornalista

é de extremo desconforto e medo, olhando sempre ao redor. Isso exprime o critério de

noticiabilidade adotado para a reportagem: alerta de perigo.

Ao encerrar, o jornalista Arnie Pie propõe um acompanhamento dos

espectadores: “naturalmente teremos mais detalhes dessa história”. O advérbio instiga

o conhecimento de que a imprensa investigará o fato, isso é retomado ao usar a palavra

“detalhes”, sugerindo a divulgação completa, não superficial.

A cena seguinte mostra a imprensa com várias equipes de reportagem de

diversas emissoras na floresta. O ambiente está modificado pela divulgação do fato que

atraiu muitas pessoas, inclusive vendedores ambulantes, como uma espécie de ponto

turístico.

O alvoroço faz com que Lisa e Marge sejam encontradas na mata e é neste

momento que tomam conhecimento do fato. Marge recebe um jornal com a seguinte

manchete: “Elo Perdido ainda à solta”. A palavra “ainda” contribui dando a idéia de

motivos para ter medo, assim podendo ser percebido o postura de cobrança de atitudes

das autoridades locais para proteção dos habitantes, sugerindo a ineficácia delas.

Assustada, Marge diz que é Homer, seu marido, e torna-se alvo da mídia, dando

entrevista e gerando manchetes sem investigações jornalísticas que garanta a veracidade

dos fatos, prendem-se apenas a uma fonte.

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No momento da entrevista a Marge, um repórter pede a produção para tirar os

ursos de perto, pois estão atrapalhando. Isso traz a imagem de que para o repórter o

importante é a produção, não os obstáculos, por mais absurdos que sejam. Então um

integrante da produção diz aos ursos: “estamos gravando, todos os ursos para fora do

cenário, já!”. O local da notícia é visto como algo que foi montado, um cenário “real”.

O “já” como palavra de ordem instaura o trabalho jornalístico como algo superior,

intocável.

Na seqüência da entrevista com Marge, o repórter faz perguntas com duplicidade

de sentido causando constrangimento na entrevistada ao ponto dela perguntar se vai sair

na TV. No entanto, ele não recua e passa a induzir respostas mais constrangedoras

causando fúria em Marge.

Quando encontram Homer, a comunidade científica o prendem sendo seguidos

passo-a-passo pela imprensa. Na última cena, Homer, já em casa, vê uma entrevista

coletiva de imprensa dos cientistas, que estavam estudando o caso, ao lado de Marge e

demonstra preocupação ao dizer que os rapazes do trabalho vão divertir-se às suas

custas, desliga a TV dizendo palavrões. Simpson só se preocupa com a repercussão no

seu dia-a-dia não dando importância para a repercussão midiática do caso.

O décimo segundo episódio da temporada é intitulado “Krusty se machuca”.

Nele o palhaço Krusty é acusado de assalto a mão armada a um mercadinho local

enquanto Homer fazia compras, tornando-se uma das principais testemunhas. Por ser o

palhaço uma figura midiática importante na cidade, o caso ganha espaço na imprensa.

Não acreditando que seu ídolo seja um bandido, Bart pede ajuda a Lisa para

averiguarem o caso e acabam por constatar que o ajudante de palco do Show do Krusty,

Selvagem Cor-de-rosa, cometeu um crime tentando culpar Krusty.

Ao chegar em casa após os procedimentos posteriores ao assalto, Homer tenta

explicar a Marge o porquê do atraso quando se dá conta que o Noticiário está

veiculando o fato. A primeira imagem é a vinheta do Springfield News. No entanto, esta

não aparece como de costume, pois a palavra “ação” está piscando. Isso chama atenção

ao caráter de alerta. Simultaneamente a sonora da chamada do noticiário aponta: “A

equipe de repórteres número um de Springfield com nosso apresentador premiado Kent

Brockman”. Em seguida um outro jornalista apresenta-se como substituto, pois Kent

está de folga no dia o que caracteriza prestação de contas com o telespectador. Então faz

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a chamada para a matéria: “Por que um palhaço cruza a fronteira?O assalto ao

mercadinho. Os bastidores desta enigmática brincadeira logo depois dos comerciais” –

neste momento, Homer tentar desviar a atenção de Bart da matéria. As características

do palhaço de fazer piadas, charadas e brincadeiras são tomadas na chamada da

reportagem fazendo referência sutil ao crime. Ao utilizar o pronome demonstrativo

“desta” antes de referir-se ao fato como brincadeira, mas ao mesmo tempo o trata como

grave ao especificar o crime.

Porém, a seqüência da cena dá a notícia diretamente: “Krusty, o palhaço, está na

cadeia esta noite depois de um ousado assalto a um mercadinho local”. Por referir-se a

membro de outra emissora, identificam o personagem com um aposto. O crime é

caracterizado como ousado, sendo que o adjetivo posto antes do substantivo remete a

uma intensificação do crime.

O jornalista continua: “Esta noite a equipe Swat de Springfield prendeu o

palhaço televisivo que aparece em nossa concorrente no horário de nosso premiado

robô Hank”. Além de caracterizar o palhaço, aproveitou-se da fala em uma espécie de

contrapropaganda, já que se utiliza da má fama do personagem para divulgar um

produto seu. Ademias, dizer que tem um jornalista e um programa de TV premiado

contribui para a promoção da emissora.

A fala seguinte diz que “acaba de chegar as imagens da câmera de segurança

do mercadinho”. A expressão inicial exprime o ineditismo e eficiência da emissora o

que reforça a contrapropaganda. As imagens mostram o momento do assalto

exatamente quando Homer relata ao Abu, funcionário do supermercado, o motivo de

estar triste é porque suas cunhadas estão em sua casa. Então, uma das irmãs de Marge

diz “Então, a verdade aparece”, o “então” designa o momento certo para a verdade

aparecer e define verdade como o que é visto na TV, desviando o foco do palhaço para

Homer.

No dia seguinte, o noticiário apresentado por Kent Brockman inicia com a

imagem do rosto palhaço entre grades e um letreiro “Krusty vai em cana – o dia em que

o riso morreu”. Na primeira frase, há o uso de gíria. Na segunda o artigo definido

determina o dia da prisão seguido por uma expressão que remete a deterioração da

carreira de Krusty com o uso da palavra “morreu”, dando idéia de extinção,

impossibilidade de volta da carreira do personagem.

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A imagem, então, abre para o jornalista o qual saúda Springfield. A

personificação da cidade traz a generalidade de audiência para o telejornal. Kent

Brockman diz: “ Krusty, o palhaço e o bem amado dos adoráveis pirralhos, agora nada

mais é que um suspeito de um crime comum”. O aposto de identificação de Krusty

retoma sua popularidade e refere-se as crianças como “pirralhos”, apesar de empregar

um adjetivo anteriormente a fim de amenizar a ofensiva. Em seguida, a nova imagem do

palhaço é disposta por “nada mais é”, sugerindo a desconstrução da figura de mídia que

era.

As falas seguintes do jornalista exprime o modo sensacionalista de ação da

imprensa ao mencionar que o julgamento de Krusty “assumiu um picadeiro de um circo

armado pela imprensa”. Isso retoma a idéia mencionada a cerca do sétimo episódio de

cenário. O jornalista prossegue afirmando que as crianças de todas as idades aguardam

novidades sobre o caso. Assim, insere a importância da imprensa na vida dos

espectadores. A continuidade faz um resumo da vida de Kurst na TV. Vale ressaltar a

postura do âncora após mostrar um vídeo do momento em que o palhaço teve um

enfarte cardíaco no ar: o jornalista ri, mostrando subjetividade, e retoma o texto

naturalmente.

Para finalizar a edição, relata que o acontecimento causou balbúrdia na cidade e

movimentos sociais-religioso para a eliminação dos produtos mercadológicos referentes

ao personagem. E encerra: “Será Krusty, o palhaço, prestes a trocar suas calças largas

pelo uniforme relativamente justo da penitenciária de Springfield? Saberemos amanhã

quando o julgamento começar”. A interrogação abre espaço para a dúvida da inocência

do réu; o emprego do verbo saberemos demonstra que o caso é público e a espera por

uma ação da Justiça; a palavra “amanhã” denota a espera pelo julgamento e o

acompanhamento do caso pela imprensa.

Quando Bart e Lisa investigam e descobrem o verdadeiro criminoso, o Selvagem

Cor-de-rosa, os policiais tomam conhecimento através da TV. Só então, os policiais e a

imprensa direcionam para o estúdio, onde prendem o criminoso. No entanto, os jornais

não mais veiculam detalhadamente.

Considerações Finais

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O jornalismo é um meio capaz de manipular massas, mas sem se envolver a

ponto de aderir a qualquer idéia, tentando mostrar-se neutro. Age como um conselheiro

que aponta os caminhos a seguir, instaura seu poder e relevância na sociedade. Seu

ponto de vista e ações são moldados de acordo com o desenrolar dos acontecimentos.

Não mostra, portanto uma identidade fixa podendo ser moldado conforme gostos e

tendências populares. Tal manifestação não acontece apenas com o conteúdo, mas com

a linguagem, esta carregada de gírias e informalidade.

Em diversos pontos, a produção jornalística é sensacionalista. Os critérios de

noticiabilidade, a produção e circulação das informações se dão pelo caráter de ser

inusitado e ou conter um alerta a população.

Também se percebeu a construção de imagem de um receptor massificado na

sociedade, representado por Homer Simpson, preso a uma rotina individualizada que

não se insere num contexto familiar, mas num espaço social regido pela conveniência e

o bem estar pessoal. Mesmo os conflitos envolvendo os personagens, a repercussão

social não lhes atinge de forma direta. Suas preocupações são imediatas, o que pode

mudar em seu círculo social ou seu modo de vida.

Referência Bibliográfica

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Editora Contexto, pp. 29-44

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São Paulo, pp.36-46

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e Discurso. São Paulo: Hackers, pp. 25-99