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Os tempos que o tempo levou

Os tempos

que o tempo

levou

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Os tempos que o tempo levou

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Os tempos que o tempo levou

Os tempos

que o tempo

levou

Victor Tanaka

Danilo Fajardo

Roberto Maty

Veronica de Souza

Rosana Ferreira

Marco Ghaiotto

Marizia Cezar

Kelly Campolongo

Nilton Divino D’Addio

Arzélio Ferreira

Rennan Loezer

Org. Juliana Maringoni

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Os tempos que o tempo levou

Créditos:

Edição, coordenação, organização:

Juliana Maringoni

Capa: Marco Gaiotto e Juliana

Maringoni

Agradecimentos:

Casa da Palavra Mário de Andrade,

Instituto Poiesis,

Secretaria da Cultura do

Estado de São Paulo e em

especial a Grace Carreira e

Rosa Artigas que

acreditaram neste projeto.

Esta obra é dedicada às vítimas e

familiares da tragédia

na boate Kiss, em Santa

Maria, RS, quando o

tempo foi curto demais

para evitar dizer adeus.

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Os tempos que o tempo levou

Índice

Porta-retratos * 7

É tempo de momentos * 13

Voz à paixão * 15

Adeus Sertão * 21

Contos Indecisos * 23

Quando derem vez ao morro * 25

Bit-Beat-Bit * 27

A alquimia do tempo * 30

Do sino ao Facebook * 33

Estou no mundo, mas o mundo não está

em mim * 39

O tempo de todos os dias * 44

Apresentação

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Os tempos que o tempo levou

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Prezado leitor,

Você está prestes a mergulhar em uma

antologia de textos de ficção e realidade

sobre o tempo e suas memórias. Afinal,

parafraseando Clarice Lispector, todas

as lembranças podem ser verdades

inventadas.

Boa leitura!

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Os tempos que o tempo levou

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Porta-Retratos

Por Victor Tanaka

Dedico esse trabalho, essas palavras, esses

sentimentalismos para todos que possuem saudade,

para todos para quem o tempo passa, para todos

que olham para o passado e respiram aquele ar de

missão cumprida…

Para Seu Genésio, o tempo passava

impreterivelmente. Afinal, ele era um ser

humano como qualquer outro. E a cada

alvorada, mais nítida ficava a forma como

esse tal de tempo agia. O seu andar

começara a ficar vagaroso e a bengala

tornou-se um artefato indispensável. Suas

mãos tremulavam cada vez mais,

suavemente, como se agitam cortinas de

seda em dia de ventania. Seus cabelos

embranqueceram e caíram, abrindo uma

simpática careca em sua cabeça. E as rugas

brotavam aos montes na face descorada.

Aquela era a forma que o tempo escolhera

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Os tempos que o tempo levou

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para avisá-lo de que seus intermináveis

caminhos, durante um quase centenário,

finalmente o levavam para algum lugar.

Admito que, mesmo não tendo um

coração, eu sentia muita pena de Seu

Genésio. E meu ódio por esse tal de tempo

crescia. O tempo havia lhe tirado a

agilidade de subir em árvores, levou

embora aquela memória certeira, que

outrora entregava em primeira mão a lista

dos números telefônicos de todos os seus

amigos e parentes. O tempo lhe roubara até

Dona Maricota, aquela moça simpática que,

segundo ele, “partiu para o infinito”. Às

vezes, eu pegava Seu Genésio suspirando

na janela. Provavelmente, ele estava

tentando olhar para esse lugar onde Dona

Maricota, mas até a boa visão o tempo lhe

arrancara, e ele era obrigado a usar o dia

todo um par de óculos redondos que

viviam escorregando pelo seu nariz. A cada

dia que passava, mais triste ficavam os

olhares que ele me lançava. E eu bem sabia

que o culpado disso tudo era o tempo.

Eu exercia uma função muito

importante na vida dele: me escolhera,

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Os tempos que o tempo levou

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dentre tantos outros, para tornar imortal o

que eles chamam de passado. Era meu

trabalho fazer com que ele nunca se

esquecesse dos sóis que iluminaram sua

infância. Era eu que devia fazer com que

ele sempre se lembrasse de como já fora

uma pessoa feliz, e não aquela “criatura

amargurada”, como ele próprio ousava se

chamar.

Todo dia, Seu Genésio sentava à

minha frente e contava suas histórias,

aquelas que o tempo lhe dera em troca de

tudo que lhe havia extirpado. E eu sempre

via no fundo de seus olhos aquelas lágrimas

puras, como gotas do mais etéreo cristal,

que refletiam as infinitas escolhas, alegrias e

perdas de toda uma vida. E depois

transbordavam de suas pupilas e

percorriam sua face enrugada lentamente.

Uma de cada vez. Eu tinha vontade de

devolver para ele as risadas da infância, o

aroma convidativo da comida da sua mãe,

os beijos de Dona Maricota com gosto de

morango, o prazer de ter em mãos o

primeiro salário, que ganhara honestamente

aos quinze anos lavando o carro do

vizinho… Mas eu não conseguia repor toda

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Os tempos que o tempo levou

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a felicidade que faltava no seu coração e

isso dilacerava emocionalmente minha

moldura. Eu não conseguia replantar em

seu rosto a vivacidade daquele extinto

sorriso jovial. Eu só podia expor

melancolicamente todas aquelas lembranças

e condená-lo àquela tristeza cotidiana.

Minha rotina era presenciar todo

dia o maior sofrimento dos homens – a

incapacidade de voltar no tempo. Eu

assistia Seu Genésio chorar em frente à

lareira porque queria reviver os abraços da

primeira namorada, a felicidade que sentiu

quando o mar tocou seus pés, o medo que

gelava o sangue quando a diretora da escola

aparecia, e os sustos que tomava com Dona

Maria, a vizinha que tinha fama de bruxa.

Cabia a mim me culpar por estar

aprisionando tudo aquilo e todo dia apenas

poder banhar seu coração com aquilo

chamado saudade, substância abstrata e

irônica - corrói como ácido e é

contemplado como dádiva. Eu sofria tanto

quanto ele, mas eu não tinha escolha. Era

essa minha sina.

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Os tempos que o tempo levou

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Uma noite, Seu Genésio fechou a

porta do quarto e nunca mais abriu. A

movimentação de pessoas desconhecidas

na casa, no dia seguinte, me causou um

certo incômodo, afinal, eu estava habituado

àquela tranquilidade incessante de Seu

Genésio. Mas dentre os rumores que

passaram de boca em boca naquela manhã,

acabei ouvindo que Seu Genésio desistiu de

sofrer pelo passado e decidiu encontrá-lo

no futuro. Eu não entendi como isso era

possível, mas no fundo, sentia que ele

estava feliz. Na verdade, acho que

conseguiu encontrar naquele quarto uma

fuga para os dias de seu passado, onde

poderia protagonizar de novo e de novo

todos aqueles relatos da adolescência.

Penso que Seu Genésio encontrou uma

espécie de porta secreta que o levara para

os tais “dias de outrora”.

Nunca mais o vi. Fui escolhido

para guardar as alegrias passadas de outras

pessoas. Um casal que quase nunca olha

para mim. Às vezes penso em Seu Genésio

e sinto um aperto na minha moldura.

Lembro me das noites frias em que ele

tomava café me apreciando com aquele

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Os tempos que o tempo levou

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olhar carinhoso e tristonho. Hoje, os cupins

já começam a me corroer. Isso significa que

eu me tornei outra vítima do tempo. E

ainda estou triste por Seu Genésio nunca

ter se despedido. Acho que é isso que se

chama saudade. No fundo, eu sei como ele

se sentia.

Sobre o autor: Victor Tanaka, nascido em

abril de 1995, é paulista e paulistano de

nascença e apaixonado por arte.

Atualmente, a deus-dará, espera que o

vento lhe sopre um rumo (ou que a arte lhe

aponte uma resposta, como diria Oswaldo

Montenegro), não sabe que faculdade vai

fazer, pretende ser escritor – porém nunca

termina o que começa. Integra um grupo

teatral chamado Cia. IndustriArte de

Teatro.

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Os tempos que o tempo levou

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É tempo de

momentos!

Por Danilo Fajardo

Tempo é a mistura inventada para o

controle do pensamento.

O tempo, de verdade, não existe para o

coração de quem imagina.

O tempo se enquadra em pensamentos

racionais na saudade de quem ama.

Periódico diário da rotina.

O tempo que o tempo passou. Não existe

tempo passado. São só experiências de

nossas almas e espelho de nossos corpos.

Infeliz de quem contar o tempo. Está

comprovado. Einstein pensador: pensou na

relatividade.

Infeliz de quem conta o tempo que passou,

e esqueceu que a vida é feita de momentos.

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Os tempos que o tempo levou

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Sobre o autor: Danilo Fajardo de Oliveira,

27 anos, estudante do último ano de

Comunicação Social - Publicidade e

Propaganda. Faz estágio em Marketing,

trabalha como fotógrafo, diagramador, arte

finalista e escreve Poesias. É capoeirista e

jogador de xadrez. Gosta de textos e

imagens. Se preocupa com o corpo e com a

mente. Seu grande interesse no ser humano

é a dualidade e as contradições que existem

na mente, sentimentos e comportamento.

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Os tempos que o tempo levou

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Voz à paixão

Por Roberto Maty

Esse novo passo literário dedico às inspirações que

me cercam, ao amor que me sorriu, à madrugada e

aos irmãos que escolhi.

Ando esquecendo de como gosto

do meu café. O espelho não diz muito mais

do que o óbvio, os olhos nem ao menos

choram. Quase sempre está frio e o tempo

maçante, não consigo lembrar quando parei

de sorrir apenas quando queria, nem

quando a minha melhor vista se tornou

uma, quando meus olhos se castraram e

meus sentimentos foram parar em uma

agenda.

Ando procurando a mim, cada

pedaço. De repente a vida pareceu cinza, o

que eu digo já não faz tanto sentido. Por

onde estive? Abdução, rapto, lobotomia?

Talvez estava adormecido. Sim! Dopado,

um “boa noite cinderela” triplo, uma bela

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Os tempos que o tempo levou

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adormecida do nosso século. Que saco! Por

onde estive?

Sei que de mim não sai, não mudei,

não casei, nem tive filhos, não tomei nada

duvidoso e nem fui apresentado a

estranhos. Que perda lastimável... Me perdi

no tempo, mas quanto tempo foi isso?

Se não lembro de como vim parar

aqui, não saberei explicar a ninguém como

isso aconteceu. Talvez um médico possa

me ajudar, vou marcar uma consulta,

descobrir o que tenho e que palidez é essa

em meu rosto. Vamos! Um café para ajudar

a pensar, sem açúcar, puro, amargo.

Que gosto horrível! Costumo

tomar isso mesmo? Espera... Falta algo...

Uma colher de açúcar talvez, só uma não

fará mal. Isso... Bem melhor.

— Me vê também um pedaço daquele

bolo... Esse de chocolate.

Acho que posso ter batido a cabeça

em algo, sou um desmemoriado, mas do

que esqueci? Lembro dos meus últimos

dias, porém não dos primeiros, meu

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Os tempos que o tempo levou

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primeiro beijo, meu primeiro amor, a

primeira vez que cai de bicicleta. Onde

encontro isso?

Será que salvei em algum lugar, em

uma pasta de memórias, ou melhor, “meus

primeiros acontecimentos da vida”? Parece

que não. Sentir saudades não é muito

comum para mim, aliás, há tempos não

paro e sinto algo realmente que faça alguma

diferença, apesar de ter certeza de um dia já

ter sentido.

Onde foram parar? A paixão! Onde

foi? Acho que a senti por algumas vezes,

tinha algo que a mantinha viva e a mim,

vivo. É isso! Preciso encontrar o que a

despertava!

Pé no chão, areia, bicicleta, pé-de-

moleque, brigadeiro, balanço, batata,

abraço, torso, beijo, carinho, manga,

amasso, jeans, cerveja, parque, cinema,

morango, bolo, sorvete de uva, amora, boca

vermelha, piada, escola, filme, câmera e

videoclipe.

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Os tempos que o tempo levou

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Paixão! Quase não a reconheço.

Agora me lembro de menino dos nossos

tropeços, os apegos, aqueles desejos... Da

fita cassete! Isso sim era vida, até ficava

eufórico em revelar o ganhador da rifa de

páscoa.

— Por onde esteve todo esse tempo?

— Estava aqui, até chegar o medo.

***

Foi de repente, se aproximou

sorrateiro, aos poucos tomou conta e

trouxe também a angústia. Nessa altura já

não podia falar mais nada, ficava quieta no

meu canto. Nunca fui tão desprezada!

Só ouvia um choro agudo, como

quem não quer lágrimas, ficou tão seco aqui

dentro, que a tristeza sem ter por onde sair

foi parar na pele, que deixou seu rosto

assim, um bagaço. Lentamente a preguiça

apareceu, arrogante e prepotente, nem um

‘oi’ nos deu, chegou e se instalou.

Tudo uma farsa, a partir daí a

verdade sumiu, a sinceridade se mudou e o

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Os tempos que o tempo levou

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sorriso se escondeu, tempos difíceis, das

vacas mais magras. Nem ao menos um

romance, nem daqueles de sessão da tarde.

A vida era corrida, não olhava o céu e se

bronzeava à luz de tela.

Só agora com a saudade pensei em

ter outra chance, mas faltava a coragem,

que se fez de rogada até a culpa se despedir.

Lhe percebi como nos primeiros passos,

aprendendo a andar novamente e a usar o

tempo, em vez de ser usado por ele!

Voltou a sorrir, grande avanço, mas

não o bastante, há muita poeira, ferrugem,

falta amor, de desejo, de vigor. Muito

trabalho. Escute! Depois que terminarmos

aqui, ouça bem, não se deixe levar de novo,

vou sempre estar aqui, mas não sei quão

forte estarei em uma próxima vez.

Sobre o autor: Roberto Maty, paulistano

de 26 anos, jornalista, teve o seu primeiro

texto publicado na antologia de poemas

Vide-verso da editora Andross em 2008,

com o poema “Cavalos de Pedra”, que

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Os tempos que o tempo levou

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pode ser lido em sua página no site Recanto

das Letras. Possui trabalhos relacionados à

área audiovisual e mantém a maioria de

seus projetos reunidos no site

robertomaty.wordpress.com.

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Adeus Sertão

Por Veronica de Souza Nessa manhã de verão cá estou, varrendo esse terreiro pela última vez. No horizonte tudo se faz cinza. Cinza monocromático e lúgubre. Cinza dos galhos secos da aroeira, da imburana e do mandacaru. Cinza que fez morrer o gado. Findou a plantação, aboliu a fartura e escorraçou o povo do sertão. Lembro-me de quando dava aquela gaitada, era forró, samba de umbigada, coco, maracatu e embolada. Festança até raiar o dia. O terreiro sempre cheio, fragmento de alegria. Som de zabumba, triângulo e pandeiro, entoavam os costumes do nosso beligerante povo sertanejo. Cachaça e comida não faltavam, a mesa sempre farta. A luz do lampião contrastava com a luz da lua. Alumiava a astúcia e a criatividade de nossas danças, versos e cantorias. Era de lavar a alma e espairecer o corpo, após um dia intenso de trabalho árduo no roçado. Ô como era bom aquele tempo no sertão. Ninguém

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Os tempos que o tempo levou

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sentia fome, se quer ouvira falar em desolação. Meu coração aperta só em pensar que não mais viverei nessa terra. É duro recordar momentos tão felizes e ter que abandonar a caatinga de forma tão funesta. Adeus lajedo e restinga, vida de mulher em sonhos de menina. Adeus céu estrelado, farra de poeta, luar prateado Dizem que o sertão vai virar mar. Já virou! Um mar de solidão. Sua gente fugiu. Fauna e flora em extinção. Se eu não partir me afogarei em solidão. Quem sou eu? Mais uma cabocla, entristecida, retirante do sertão. Sobre a autora: Veronica de Souza Pereira nasceu em 1986 na cidade de São Paulo. Pós-graduada em História, Sociedade e Cultura, atua como pesquisadora e educadora. Seus textos são marcados por temáticas que discorrem sobre o sertão nordestino, o cotidiano periférico nas grandes cidades e a cultura afro-brasileira.

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Os tempos que o tempo levou

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Contos Indecisos Por Rosana Ferreira Lembranças ao vovô Carcílio, ao papai, ao mano e a mamãe, que juntos as construímos. Sabe aquela pedra que eu te cortei dias atrás? - Não sei João, não sei. Foi para morrer-te de susto. Deixei guardado no fundo da gaveta da memória um saco. Saco de areia, saco de retalhos. Saco de amendoim, saco de juízos. Saco de merda, saco de agulhas. As unhas que uma vez costurei ficaram em cima da mesa mesmo. E o gato? O gato comeu. Vi aquele fiozinho rosa dependurado na boca. De penduricalhos. Na minha boca o fio rosa era chiclete. Às vezes, sobrava no dedo aí já enrolava no cabelo. Às vezes, vinha figurinha. Mas uma vez mesmo foi parar atrás do trator. Trato horrorizado.

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Os tempos que o tempo levou

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Fui eu e mais um amigo meu, na casa da tia encher o copo com detergente. Depois a gente pediu desculpas. Mas a tia mesmo foi ficar triste com a Mona. Mona Lisa desculpida. Era um vaso que ela ganhou na rifa. A pintura parecia minha. Daí quebrou. Porque o vazo era bom mesmo. Sobre a autora: Rosana Ferreira estuda

artes visuais na UNESP, lá ela pinta,

desenha, escreve e pensa na vida. Fora de lá

também.

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Quando derem vez ao morro

Por Marco Ghaiotto

Dedico o poema ao grande Mestre Maestro Tom

Jobim, Vinicius de Moraes e a todos os envolvidos no meu dia-a-dia, tais como namorada, amigos

(Fernanda, Javali, Carla, Eraldo, Monique, Murylo, Victor, Leandro...)

Alguém ai viu Jobim? Saiu de fininho Brindou com Toquinho Reviveu Vinicius Realçou um violão E no Rio Uma ravina, rebarbativa O amor faz rebelião Um tiro passa de raspão Enquanto a música faz reboar Toda a imensidão Aqui jaz um sarau Que cantava coração Onde foi parar? Onde foi parar... Ninguém quer cantar

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Os tempos que o tempo levou

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Tom não apareceu Toquinho não bebeu Vinicius sequer escreveu... Sobre o autor: Marco Gaiotto, 23 anos, sou fotógrago, poeta urbano, e almejo um futuro cheio de realizações e projetos culturais que visam um conceito preparatório para com uma sociedade com mais "senso de perspectivas". Sigo viagem, fotografando, pensando, criando em Tom de Vinicius.

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Os tempos que o tempo levou

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Bit-Beat-Bit

Por Marizia Cezar

Para a miúda Inês

Marizia Cesar – bit beat maria santa maria aria bit

Para superar o desconhecido hás de renascer como fênix das cinzas os sons e tons alcance sejas de novo o ápice até final singelo silêncio gozo cínzeo te cinzas à madrugada cinza ‘screvo-te e-book nuvem geração bit

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Os tempos que o tempo levou

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pairas sobre águas às bentas beiradas beiras eiras vieiras as santas videiras desmatado pessoas árvore queimadas João e Maria nascentes floresta festa Amargo templo doce versos poéticos são os tempos que o Tempo os levou para ser vívida poesia e e-nuvem bit o impermanente permanente sempre a felicidade é própria de ser inocente “ ‘screvo o meu livro à beira-mágoa” Sofrimento tenso patriótico tempos sonhos de império saber do futuro fadas o destino épico-lírico trágico mocinhos de carruagens e estrelas Hilstíca holística o céu mensagem star-book beat-bit cifras e luzes bit Contemporaneidade e intertextualidade com a

obra Mensagem, de Fernando

Pessoa, O encoberto.III a descoberta e a volta do

rei através do mito Sebastianista e Salvador - o

Mundo Novo, o V Império. Entrevista com

Augusto da Costa, citação: - " tenho meus olhos

quentes de água ", "tornar-me mais que o sopro

incerto"

http://www.vialactealiteratura.blogspot.com.br

em diálogo com os vitimizados guris de Santa

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Os tempos que o tempo levou

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Maria RGS. A informação citada desse blog

data-se em 29 de abril de 2011, consoante a

legislação dos Direitos Autorais.

Sobre a autora: Marizia Cezar é escritora UBE publicada pela Scortecci “Poemas do Amor à Vida”, em 1987 e “Poemas do Amor A PAZ”, em 2012, participante de Antologias de Contos e Poesias Scortecci, cadastro Fundação Biblioteca Nacional (FBN), é compositora com Registro EDA – Escola de Música, UFRJ (RJ). Artista Plástica selecionada no Centro Cultural São Paulo para a participação com Marilá Dardot: “LONGE DAQUI: AQUI MESMO”com o livro “reciclorecicloreciclo”, Exposição e Acervo da 29ª. Bienal Internacional de Artes 2010, São Paulo, SP, Brasil. Pós-graduanda UNIPAZSP a concluir o curso de Transdisciplinaridade em Educação, Saúde, Liderança e Cultura de Paz (lato sensu) em abril de 2013.

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A alquimia do tempo

Por Kelly Campolongo

Dedico esse texto a todas as pessoas que sabem valorizar os momentos de simplicidade que a vida lhes proporcionam, em especial, a minha querida e

amada mãe Diuza Campolongo. Quem nunca parou um momento na vida e pensou em tudo que já conquistou e o que deixou para trás? Lembranças, sonhos, escolhas, sucessos, fracassos, sorrisos, lágrimas e pensamentos. Um conjunto de experiências vividas numa linha de tempo que jamais voltará a nos oferecer a mesma história. Dependendo de como encaramos a vida, o tempo pode ser o nosso maior aliado ou o nosso maior pesadelo. Cada momento marcante fica registrado na memória, nos tornando seres inteiros com pedacinhos de cada época vivida.

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Uma época muitas vezes esquecida, com significados e valores que talvez uma nova geração jamais seja capaz de entender. Tempos de felicidade ao curtir os simples prazeres da vida, como o cheiro de terra molhada após uma chuva fina de começo de primavera. Tempos de ansiedade pelo fato de não saber ao certo se algumas atitudes que foram tomadas trarão o resultado desejado. Ou mesmo, tempos de solidão em que você começa a perceber que a vida é mais que deveres e obrigações, sendo que as dúvidas e questionamentos começam a surgir aliados ao seu propósito de vida. O tempo é dinâmico e a cada segundo num piscar de olhos a realidade que pensávamos ser uma, num instante acaba sendo outra. O passado que um dia foi presente e que significava o futuro nem sempre ultrapassa os limites da imortalidade, sendo perdido ao longo da jornada. Recordar daquilo que nos faz sentir vivos e poder reviver alguns instantes das experiências do passado é bom, mas nunca será a mesma vivência de um tempo que não volta mais.

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Sobre a autora: Kelly Campolongo cursou jornalismo e é bacharelada em Administração de Empresas. Tem experiência com Comunicação e Marketing na empresa que atua e já participou de projetos que envolvem a criação de material literário, como peças publicitárias, peças teatrais e artigos.

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Do sino ao Facebook

Por Nilton Divino D’Addio

Dedico este texto aos moradores de Santa Maria,

RS, esperando que encontrem forças para reconstruir suas vidas e a história da cidade.

Não dá para não ficar chocado ao se tomar conhecimento da tragédia ocorrida na boate Kiss, cidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul e que ceifou a vida de centenas de jovens. Em busca da alegria e descontração promovida pela agradável combinação de luzes, sons e bebidas, acabaram encontrando uma morte trágica, repentina e prematura. Não dá para se pensar que tenha ocorrido ali, apenas uma fatal coincidência. O que será que estamos fazendo com as diferentes tecnologias que o progresso nos oferece? É nesse momento que a fita do tempo é rebobinada em minha cabeça, voltando a momentos que eu nem mesmo cheguei a conhecer.

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Penso na minha querida cidade, São Paulo, nos tempos em que a eletricidade ainda não havia chegado, mas que a população já se adensava em razão das riquezas que o comércio do café trazia ao entroncamento ferroviário que se formava. Nessa época, os incêndios também aconteciam. Os precários materiais de construção, com a presença predominante de madeira, aliada à necessidade do uso de chamas abertas em lampiões, lamparinas e fogões, vira-e-mexe se transformavam em incêndios, provocando o alvoroço das pessoas. E era esse alvoroço, que chegando aos ouvidos do capelão da igreja mais próxima, fazia com que ele repicasse os sinos, na forma preestabelecida. E aí, de igreja em igreja o toque combinado acabava chegando à Rua Anita Garibaldi, bem no centro da cidade. Ali os burros eram encilhados, as caldeiras alimentadas e dava início à “corrida” em direção ao sinistro. Quando chegavam ao destino, os bombeiros pouco podiam fazer, porém, pouco precisavam fazer, pois embora o prédio fosse invariavelmente destruído, as condições de propagação do fogo eram minimizadas pelos recuos

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existentes e pela reduzida carga de elementos combustíveis em seu interior. Vítimas? Dificilmente existiam, pois as saídas eram muitas, sempre desobstruídas e localizadas em diferentes faces do imóvel. Assim, era muito difícil que alguém ficasse preso em seu interior. O tempo foi passando e o Homem, bicho esperto, foi descobrindo coisas. Inventou a eletricidade, criou máquinas sofisticadas, descobriu o petróleo (lá naqueles tempos, o lampião queimava óleo de baleia). E não parou mais. Descobriu uma infinidade de coisas fantásticas que se pode obter a partir do petróleo, além do diesel e da gasolina. A partir dele, o Homem aprendeu a produzir diferentes tipos de plásticos, solventes, corantes, espumas e não se preocupou ao ficar sabendo que esses produtos queimavam, soltando enormes quantidades de fumaça densa, carregada de gases profundamente tóxicos. Monóxido de carbono, gás cianídrico e gás sulfídrico são apenas alguns exemplos. Nesse meio tempo, o Homem também descobriu o mundo dos computadores, da telefonia de alta

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velocidade, o domínio sobre os efeitos sonoros, luminosos, pirotécnicos, etc. Esse mundo novo da tecnologia certamente trouxe possibilidades incríveis, gerando mais conforto, bem estar e segurança. A medicina foi largamente beneficiada com a chegada de aparelhos como ultrassom, ressonância magnética e radioterapia, só para citar alguns. Vieram também, maiores possibilidades de lazer, informação e conectividade. Mas se toda essa tecnologia for utilizada sem racionalidade, com extrema ganância e irresponsabilidade, visando apenas o interesse próprio e o lucro imediato, o resultado tende a ser catastrófico. E foi exatamente isso que aconteceu na madrugada de 26 para 27 de janeiro de 2013, na pacata cidade gaúcha de Santa Maria. Enquanto centenas de jovens estudantes universitários (eram a grande maioria) buscavam a alegria e descontração na música e no convívio social na discoteca, algumas pessoas, movidas por larga dose de irresponsabilidade e ganância, misturavam os ingredientes diabólicos oferecidos pela

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tecnologia, provocando um incêndio de consequências terríveis. Os alarmes eletrônicos foram acionados, certamente dezenas senão centenas de ligações foram feitas a partir de smartphones, ipads e similares e uma moça até chegou a postar mensagem de socorro no Facebook. Os bombeiros chegaram rapidamente, em viaturas potentes e com equipamentos sofisticados. Vieram também os médicos, paramédicos, engenheiros, peritos e equipes da Defesa Civil. Chegaram também, milhares de familiares que por estarem permanentemente “conectados” tomaram conhecimento quase que imediato do sinistro. E para que serviu tudo isso? Os políticos como sempre, marcaram presença rapidamente. A mesma jaqueta preta, os mesmos olhos marejados e as mesmas promessas de providências imediatas. A dúvida é saber se choram de remorso pela omissão ou se é pelos votos perdidos.

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É nesse ponto que volto a me lembrar da história do tempo que se tocava sino de igreja para se chamar os bombeiros, que tinham seus carros puxados por parelhas de burros e que suas bombas eram acionadas por caldeiras movidas à lenha. Quando chegavam, a casa já estava queimada, mas com seus moradores sãos e salvos, lamentando apenas os danos materiais. Naqueles tempos, os incêndios produziam altas labaredas. Hoje, produzem fumaça densa, preta e mortífera. Sobre o autor: Nilton Divino D’Addio, coronel da Reserva do Corpo de Bombeiros do Estado de São Paulo. Membro Voluntário do Núcleo de Pesquisa da Memória do CBESP.

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Estou no mundo, mas o mundo não

está em mim Por Arzélio Alves Ferreira Para minha esposa Carmen Lucia, dedico este trabalho com carinho. Basta ligar o computador na internet que você já está conectado com o mundo. É o que eu acabo de fazer e estou interligado com o mundo dando e recebendo informações. Parei um instante e lembrei-me dessa lenda: Que, Pheidippides, cidadão grego poderia viver mais anos de vida do que viveu no ano de 490 a. C. se tivesse os recursos de hoje para levar a boa notícia até a cidade de Atenas na Grécia, noticiando aos cidadãos atenienses que os Gregos haviam vencido os Persas na batalha de Maratona. Ele, para levar essa boa notícia até a cidade de Atenas correu 35 km da planície de Maratona até lá com um fôlego suficiente para anunciar “vencemos” e depois cair morto.

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Isto aconteceu há milhares de anos. Se este fato ocorresse nos dias de hoje, com um simples toque de dedo, a notícia estaria no mundo inteiro sem precisar ninguém correr metro algum e nem morrer. Quem correria era a notícia que chegaria viva. Lembrei-me também de um personagem da história do Brasil, Paulo Emílio Bregaro. Se este homem vivesse nos dias de hoje, ele não ganharia tantas bolhas de água nas suas nádegas causadas pela sua montaria para levar a D. Pedro em São Paulo as notícias da Corte Portuguesa, que culminou com a Independência do Brasil. Hoje ele poderia remeter essas notícias confortavelmente. Não só o imperador receberia tais notícias como o mundo em poucos segundos. Hoje vivemos num mundo mais desenvolvido do que essas épocas citadas graças, à informatização que nos coloca em quase todas as partes do Planeta. Evoluímos. O mundo evoluiu. Recebemos, remetemos informações a qualquer parte instantaneamente. No meu trabalho, no escritório de comercialização, observo quantos assuntos

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são tratados de formas rápidas e quantos negócios comerciais são fechados online. O homem graças a sua inteligência inventou, desenvolveu, aperfeiçoou essa ciência da informatização, mas dependendo das “inteligências” essa ciência tecnológica é empregada para produzir o mal. O Rodolfo, porteiro do prédio onde eu moro, comprou um computador e estava todo feliz, mas numa infelicidade, ao lidar com a máquina forneceu o numero de seu cartão de crédito com senha e tudo para um destinatário que ele não conhecia. Caiu no prejuízo o pobre homem. Eu estou de frente do meu computador, distraído, nesses meus pensamentos e reflexões que até me esqueci de pagar esta fatura aqui na minha mesa. Se deixar para amanhã ela vira valor de duas. Vamos lá! Um clique aqui outro ali e pronto. Pagamento concluído com sucesso é o que leio na tela do monitor a minha frente. Espere! Alguém me chamando no bate papo. Que! É o Roberto de novo a me provocar. Todo o dia ele fica tirando uma onda comigo por causa do meu

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Corinthians. Esse cara é um são-paulino chato! Pronto. Já deletei ele de meus contatos. Esse não me enche mais. Faz mais de um mês que cortei o Roberto de minha rede social. Hoje ele passou por mim e fingiu que não me viu. Deve ter ficado bronqueado porque eu o deletei dos meus contatos. Melhor assim. Um remetente a menos para mim. Dependo muito de meu computador e não vou me incomodar com o Roberto. Já estamos quase no final de abril e eu tenho que prestar contas ao “leão”. Tenho que enviar meu imposto de renda. Está tudo prontinho é só enviar, mas antes, porém eu vou dar uma saída para comprar um tênis. Que agitação! Andei por diversas lojas e não achei nada que gostasse. Desisti. Vou procurar na internet e comprar por lá. Hoje não vai dar para fazer nada disso. Lembrei que tenho uma reunião na escola da minha filha. Fui convocado e se faltar vai ficar mal. Faço tudo isso semana que vem. Deus! Como o tempo passa! Hoje é o último dia para enviar o imposto de renda e eu fiquei todo esse tempo com ele ligado teclando no facebook e não dei andamento.

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Eu abusando do “leão”. Ia me ferrar se não lembrasse! Vou enviar agora! É rápido! Preencho aqui com meu CPF. Está pronto para o envio. Melhor dar mais uma verificada; basta um numero errado que vira milhões. Tudo certo! Pronto! Mensagem enviada com sucesso. Lembrei-me de outra coisa! O tênis que estava procurando dias atrás. Vou entrar na loja virtual. Pronto aqui está! Este não, este também não. Este aqui caiu bem! Pronto comprei! Em quatro dias estarei de “pisante” novo. Vocês perceberam tudo isso? Essa é a magia, magia não. Essa é a realidade da informatização. Comunicamos no ato com o outro, num piscar de olhos, mas... Sobre o autor: Arzélio Alves Ferreira nasceu em Cabrália Paulista, interior de São Paulo no ano de 1947, no dia 19 de abril e reside em São Paulo. É professor do Ensino Fundamental I (Ciclo I) na rede Municipal de Ensino da Prefeitura do Município de São Paulo e da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo (aposentado). Escreve contos, poesias, crônicas e peças teatrais.

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O tempo de todos os dias

Por Rennan Loezer

Para meus pais e meus amigos, que sempre tiveram

paciência em ouvir meus os escritos. Assim como as manhãs, com um despertar de um novo dia, dúvidas... e certezas. Os momentos passam. Os sonhos vem e vão. E tudo o que é, foi. E toda a minha vida se apaga. A todo instante acaba um segundo.

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E tudo foi, a cada novo segundo vira passado. Nada muda o tempo. ‘Sentir e ser’ tem seu próprio tempo. Um tempo feito de alma e vivência. Eu sei, eu vejo. Mas meus olhos mentem... ...assim, como na noite escura, ao tatear o que se imagina ‘ser e estar’. ‘Ser e estar e ver’, Estão distantes da verdade. E, se é que há verdade, e se a verdade liberta, prefiro ser e estar e ver. Prefiro a condenação de ser verdadeiramente livre.

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Mas se o medo e a dor da alma me tocarem, assim como o frio da madrugada solitária, tento acordar. Do contrário, volto a dormir. Sabendo que dormir e acordar não fazem tanta diferença assim. Eu gosto da mudança. Da mudança que eu não acredito. Não sei se sou louco, e de pouco importa saber. (Serei louco quando saberei que sou ou quando acredito não ser?) Mas qual loucura? De qual loucura estou falando? Essa loucura. Essa loucura de todos os dias. A loucura do cotidiano. Do cotidiano, do qual eu também não acredito. Não acredito porque prefiro cada dia como único.

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Assim como todas as tardes... que condensam tantos pensamentos meus em seu distante e feliz abandono entardecer. Assim como ao meio dia! Com o caos Com o caos que é o meio dia. Quando sinto a minha cabeça ferver com o sol, sem se dar conta de que é meio dia. E mesmo com ele. Com o caos. E mesmo com todas as manhãs, E mesmo com todas as tardes, todas as madrugadas solitárias. TODOS OS DIAS! E mesmo assim, e mesmo com tudo que eu sei. Eu sei que todos os dias são iguais, mas não há sequer um dia igual ao outro. ...eu sei também que isso de pouco importa. Porque o que importa mesmo é como eu vejo os dias, Vejo com meus olhos que mentem, Mas não só com eles, Também com as minhas certezas

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certeza das quais eu não acredito! Eu vejo com a minha loucura, e como louco que sou que, na verdade, não sei se sou. Mas tanto faz. Nada muda o tempo. Esse tempo que passa. E já foi embora O tempo de todos os dias, de loucura, certezas e mudanças. O tempo de todos os dias. O próprio tempo. O tempo que não existe. Sobre o autor: Como eu não vejo a menor graça em escrever em terceira pessoa, vamos lá: sou o Rennan Loezer, prazer. Me formei em Comunicação Social e hoje faço pós-graduação em Comunicação e Semiótica. Mesmo com todas as impossibilidades da palavra, sou fascinado por ler e escrever. Apaixonado por música e cinema. E vivo com eterna fixação em perceber os detalhes do cotidiano.

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Organizadora: Juliana Maringoni

Jornalista, especialista em Jornalismo Literário e

Educação. É autora de roteiros infanto-juvenis,

biografias e livros pela Editora Rosa Rosé.

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Proibida cópia para fins comerciais.

Para cópias sem fins comerciais, favor citar a

fonte e o nome do autor.

Este livro foi produzido durante a Oficina Como Escrever um Livro, ministrada por

Juliana Maringoni na Oficina Casa da Palavra Mário de Andrade, São Paulo/SP.