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Justiça Criminal e Democracia II BRUNO AMARAL MACHADO Coordenador Direito, Transdisciplinaridade & Pesquisas Sociojurídicas André Vinícius de Almeida Arthur Trindade M. Costa Bruno Amaral Machado Carlo Guarnieri Diego Zysman Quirós Evandro Piza Duarte Geilza Fátima Cavalcanti Diniz Guilherme Scotti Lourdes Maria Bandeira Manuel Maroto Calatayud Mauricio Martinez Sanchez Mauro Fonseca Andrade Myrna Villegas Díaz Nilo Batista Raquel Tiveron Renato Sérgio de Lima Roger Matthews Tania Mara C. Almeida Thiago André Pierobom de Ávila

Outros títulos desta Coleção Direito ... · PDF fileVisiting Scholar (Universidades de Fordham e John Jay -Nova Iorque, 2011 e Pompeo Fabra, Barcelona, 2013). ... Diego Zysman Quirós

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Justiça Criminale Democracia II

BRUNO AMARAL MACHADOCoordenador

A obra reúne textos que se inserem em variadas tradições acadêmicas: criminologia, política criminal, direito penal, processo penal, sociologia da violência e segurança pública. Orientados pelo eixo central da coleção, os autores, sob enfoques diferenciados e inspiração sociojurídica ou transdisciplinar, investem na reconstrução dialógica de seus respectivos campos de interesse, e sugerem vias para a compreensão e a refl exão de temas pertinentes ao debate democrático contemporâneo.

O debate sobre a democracia deve contemplar a diversidade dos contextos históricos. As lutas pela democratização expressam tensões entre igualdade e desigualdade, concentração e distribuição de poder. Assim, a construção de uma constituição democrática (e não oligárquica) supõe dinâmicas entre e para além das instituições políticas tradicionais, dirigidas à ampliação do “demos” (PISARELLO, 2011: 211). A relação entre direito penal e democracia constitui-se em tema relevante nas discussões orientadas pelo equilíbrio entre igualdade e liberdades (NINO, 2013: 102 e ss.). Que funções exercem as instituições políticas e jurídicas conformadas segundo lógicas e tradições específi cas?

As ciências sociais e a teoria jurídica podem cumprir um papel importante ao promover, refl exivamente, parâmetros para a reconstrução do horizonte hermenêutico adequado às demandas de intervenção penal, sem descuidar da peculiaridade do jogo democrático e dos distintos papéis assumidos pelas instituições. Longe da linearidade de explicações simplistas ou unilaterais, a complexidade das políticas criminais e de segurança pública impõe olhar atento às variáveis envolvidas no debate sobre o uso do direito penal como instrumento de controle de condutas e de proteção de interesses coletivos.

BRUNO AMARAL MACHADO é doutor em Sociologia Jurídico-Penal (Universidade de Barcelona), pós-doutorado em Sociologia (Universidades de Brasília, Fordham e John Jay – Nova Iorque). Visiting Scholar (Universidades de Fordham e John Jay -Nova Iorque, 2011 e Pompeo Fabra, Barcelona, 2013). Professor da graduação e dos Programas de Mestrado e Doutorado em Direito do Uniceub, Pesquisador Associado do Departamento de Sociologia (Universidade de Brasília), Professor do Programa de Doutorado em Ciências Penais da Universidade de San Carlos da Guatemala, Professor dos programas de pós-graduação da FESMPDFT. Professor convidado do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público) e da Escola Superior do Ministério Público da União (ESMPU). Promotor de Justiça em Brasília.

ISBN 978-85-66722-32-1

Justiça Criminal e D

emocracia II

COLEÇÃO da FESMPDFT

Direito, Transdisciplinaridade & Pesquisas Sociojurídicas

A complexidade do conhecimento científi co e a espe-cialização levaram à diferenciação interna da ciência em distintos subsistemas científi cos. Nesse processo, como marco da modernidade, o senso comum, inva-riavelmente, foi relegado à categoria de conhecimento menor, não contemplado pelos cânones do rigor epis-temológico.

A diferenciação da ciência levou a dois fenômenos distintos: por um lado, a verticalização da produção do saber, nicho ocupado por especialistas, marcado pela escassa ou nula interlocução entre as áreas. Por outro, a natureza disciplinar do conhecimento ensejou o estudo simultâneo de um determinado objeto sob a perspectiva de diferentes tradições. Como resultado, observa-se, inicialmente, a transferência de categorias e métodos entre disciplinas, fenômeno descrito como interdisciplinaridade, marcado pela linearidade e redu-ção a um nível simplifi cado da realidade observada.

A transdisciplinaridade, de outro ângulo, focaliza as virtualidades da interlocução entre as áreas e inves-te nas soluções que superam a cegueira seletiva que não raramente leva à verticalização epistemológica em compartimentos estanques. Inspirada por esse último enfoque, a coleção Direito, Transdisciplinaridade & Pes-quisas Sociojurídicas investe nas pesquisas que privile-giam a interlocução do direito com diferentes áreas do conhecimento. Não se nega a relevância da especiali-zação no direito e há um inequívoco ganho em escala na interlocução. As obras selecionadas pela Coleção evidenciam ressonâncias entre distintos subsistemas científi cos, sem a negação a priori do senso comum e de outros saberes (literatura, cinema e demais manifes-tações artísticas – sistema arte). Ao promover a aber-tura cognitiva às diferentes abordagens, a transdisci-plinaridade privilegia a interseção entre as linguagens e questiona as fronteiras demarcadas historicamente. Ciente da complexidade e policontextualidade da reali-dade contemporânea, a Coleção estimula as pesquisas que apostam na produção do conhecimento inspirado pela reconstrução de novos horizontes entre as diferen-tes áreas do conhecimento.

BRUNO AMARAL MACHADO

Coordenador da Coleção – FESMPDFT

Direito, Transdisciplinaridade & Pesquisas Sociojurídicas

Outros títulos desta Coleção

Violência x CidadeO papel do Direito Urbanístico na violência urbana Paulo Afonso Cavichioli Carmona

Cinema & Criminologia Bruno Amaral Machado Cristina Zackseski Evandro Piza Duarte

André Vinícius de Almeida Arthur Trindade M. Costa Bruno Amaral Machado Carlo Guarnieri Diego Zysman Quirós Evandro Piza Duarte Geilza Fátima Cavalcanti Diniz Guilherme Scotti

Lourdes Maria Bandeira Manuel Maroto Calatayud Mauricio Martinez Sanchez Mauro Fonseca Andrade Myrna Villegas Díaz Nilo Batista Raquel Tiveron

Renato Sérgio de Lima Roger Matthews Tania Mara C. Almeida Thiago André Pierobom de Ávila

Justiça Criminal e DemocraciaII

Justiça Criminal e Democracia

II

Bruno AmArAl mAchAdoCoordenador

André Vinícius de AlmeidaArthur Trindade M. Costa Bruno Amaral Machado

Carlo GuarnieriDiego Zysman QuirósEvandro Piza Duarte

Geilza Fátima Cavalcanti DinizGuilherme Scotti

Lourdes Maria Bandeira Manuel Maroto CalatayudMauricio Martinez SanchezMauro Fonseca Andrade

Myrna Villegas DíazNilo Batista

Raquel TiveronRenato Sérgio de Lima

Roger MatthewsTania Mara C. Almeida

Thiago André Pierobom de Ávila

MADRI | BARCELONA | BUENOS AIRES | SãO PAULO

Coleção Direito, Transdisciplinaridade & Pesquisas SociojurídicasCoordenador: Bruno Amaral Machado

Conselho Científico Editorial da Coleção (FESMPDFT): Adilson Abreu Dallari (PUC-SP) / Antonio Henrique Graciano Suxberger (Uniceub/FESMPDFT) / Cristina Zackseski (UnB) / Ela Wiecko (Unb) / Fabio Roberto D’Ávila (PUC-RS) / Gabriel Ignacio Anitua (Universidade de Buenos Aires) / Iñaki Rivera Beiras (Universidade de Barcelona) / Ingo Wolfgang Sarlet (PUC-RS) / Jefferson Carús Guedes (Uniceub) / Julio Zino Torrazza (Universidade de Barcelona) / Luis Manuel Fonseca Pires (PUC-SP) / Márcio Pugliesi (PUC-SP) / Máximo Sozzo (Universidade Del Litoral) / Miguel Etinger de Araújo Júnior (UEL) / Paulo Gustavo Branco Gonet (IDP/FESMPDFT) / Roberto Bergalli (Universidade de Barcelona) / Roberto Freitas Filho (Uniceub)

Justiça criminal e democracia IIAndré Vinícius de Almeida / Arthur Trindade M. Costa / Bruno Amaral Machado / Carlo Guar-nieri / Diego Zysman Quirós / Evandro Piza Duarte / Geilza Fátima Cavalcanti Diniz / Guilherme Scotti / Lourdes Maria Bandeira / Manuel Maroto Calatayud / Mauricio Martinez Sanchez / Mauro Fonseca Andrade / Myrna Villegas Díaz / Nilo Batista / Raquel Tiveron / Renato Sérgio de Lima / Roger Matthews / Tania Mara C. Almeida / Thiago André Pierobom de Ávila

Preparação e Editoração eletrônicaIda Gouveia / Oficina das Letras®

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Impresso no Brasil [04-2015]

© Bruno Amaral Machado, coordenador Fomento: FESMPDFT – Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal

e Territórios. Colaboração: ALPEC – Associação Latino-Americana de Direito Penal e Criminologia© FUNDAÇÃO ESCOLA SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E

TERRITÓRIOS

SCRS Quadra 502, Bloco A, Loja 55, Asa Sul, CEP 70330-510 Brasília-DF ( (61) 3226.4643 www.fesmpdft.org.br – [email protected]

Cip-Brasil. Catalogação na publicaçãoSindicato Nacional dos Editores de Livros, RJJ97

Justiça criminal e democracia / André Vinícius de Almeida ... [et alii] ; coordenador Bruno Amaral Machado – 1. ed. – São Paulo: Marcial Pons ; Brasília, DF: Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, 2015.

(Direito, Transdisciplinaridade & Pesquisas Sociojurídicas - vol. 2)

Inclui bibliografiaISBN 978-85-66722-32-1

1. Direito penal – Brasil. 2. Processo penal – Brasil. I. Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. II. Série.

15-21817 CDU: 343.14

Conselho Administrativo FESMPDFT: Nardel Lucas da Silva – Diretor-Geral / Fabiano Coelho Vieira – Diretor Administrativo-Financeiro / Laís Cerqueira Silva Figueira – Dire-tora de Ensino / Cláudia Braga Tomelin de Almeida – Diretora Cultural / Bernardo de Urbano Resende – Diretor de Especialização / Edimar Carmo da Silva – Diretor Editorial.

SumáRio

DEMOCRACIA, LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO PENAL E POLíTICAS PÚBLICAS: NOTAS INTRODUTÓRIAS Bruno AMArAl MAchADo ................................................................. 9

1. O MITO DA PUNITIVIDADE REVISITADO rogEr MATThEwS .............................................................................. 21

2. ExACERBANDO EL DERECHO PENAL EN NOMBRE DE LAS VICTIMAS MAuricio MArTinEz SAnchEz ............................................................ 52

3. DEMOCRACIA E SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL: DO MODELO PUNITIVO à JUSTIÇA RESTAURATIVA rAquEl TivEron ................................................................................ 68

4. DEMOCRACIA, INTERNACIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS E PODER PUNITIVO gEilzA FáTiMA cAvAlcAnTi Diniz ..................................................... 97

5. DEMOCRACIA E A EVOLUÇÃO DA CULPABILIDADE COMO CATEGORIA DOGMÁTICO-PENAL: ASPECTOS TEÓRICOS E A REFORMA PENAL NO BRASIL AnDré viníciuS DE AlMEiDA .............................................................. 117

6. PROCESSO PENAL E DEMOCRACIA MAuro FonSEcA AnDrADE ................................................................. 147

8 justiça criminal e democracia ii

7. DEMOCRACIA, CASTIGO y POPULISMO PENAL: NOTAS DEL CASO ARGENTINO PARA UNA PROyECCIÓN LATINO- AMERICANA DiEgo zySMAn quiróS ....................................................................... 185

8. PROCESOS DE REFORMA PENAL EN CHILE: APROxIMACIO-NES DESDE EL CAMPO DEL DERECHO PENAL POLíTICO MyrnA villEgAS DíAz ...................................................................... 233

9. EL DERECHO PENAL COMO OBSTÁCULO AL CAMBIO SO-CIAL: TRES EJEMPLOS DE LA ESPAñA DEMOCRÁTICA MAnuEl MAroTo cAlATAyuD ............................................................ 272

10. MINISTÉRIO PÚBLICO, JUSTIÇA PENAL E A DEMOCRACIA ITALIANA cArlo guArniEri .............................................................................. 308

11. MUDANÇAS POLíTICAS E TRANSFORMAÇõES NO CAMPO DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL ArThur TrinDADE M. coSTA e rEnATo Sérgio DE liMA .................... 327

12. POLíTICAS PÚBLICAS DE ENFRENTAMENTO à VIOLêNCIA CONTRA AS MULHERES E O SISTEMA DE JUSTIÇA

lourDES MAriA BAnDEirA e TAniA MArA c. AlMEiDA ...................... 347

13. INFANTICIDIO INDíGENA EN BRASIL: UN DESAFíO PARA EL CONSTITUCIONALISMO PLURALISTA guilhErME ScoTTi e EvAnDro PizA DuArTE ...................................... 364

14. ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E CONTROLE ExTER- NO DA ATIVIDADE POLICIAL NO BRASIL

ThiAgo AnDré PiEroBoM DE ávilA .................................................... 381

15. AS PENAS DE UM PENALISTA nilo BATiSTA ..................................................................................... 418

DEmoCRACiA, LEGiTimiDADE DA iNTERVENÇÃo pENAL E poLÍTiCAS pÚBLiCAS:

NoTAS iNTRoDuTóRiAS

Bruno AMArAl MAchADo

A obra que apresento ao leitor insere-se na linha editorial da Coleção Direito, Transdisciplinaridade & Pesquisas Sociojurídicas, editada pela Marcial Pons e Fundação Escola Superior do MPDFT. Resultado da cola-boração de pesquisadores e professores de distintas localidades e áreas de interesse, reúne textos que se inserem em variadas tradições acadêmicas: criminologia, política criminal, direito penal, processo penal, sociologia da violência e segurança pública. Orientados pelo eixo central da coleção, os autores, sob enfoques diferenciados e inspiração sociojurídica ou transdis-ciplinar, investem na reconstrução dialógica de seus respectivos campos de interesse, e sugerem vias para a compreensão e a reflexão dos temas pertinentes ao debate democrático contemporâneo.

A especificidade do referido debate associa-se às condições ideais de participação no espaço público e nos processos deliberativos acerca dos arranjos jurídicos institucionais ajustados a diferentes modelos de socia-bilidade. A faticidade dos fatores de poder que impedem o livre fluxo da comunicação democrática interpela a validade das soluções consensuais inscritas na positivação dos direitos (hABErMAS, 2005).1 A análise empí-rica dos diferentes contextos sociais evidencia os multifacetados interesses envolvidos nos processos políticos.

1 Conferir análise sobre imperativos funcionais do sistema econômico e a via pela qual o direito positivado pode emprestar legitimidade a poderes ilegítimos (hABErMAS, 2005: 103).

10 justiça criminal e democracia ii

Certamente, qualquer conceito de democracia não pode ser adequada-mente compreendido se dissociado dos contextos históricos. As lutas pela democratização expressam tensões entre igualdade e desigualdade, concen-tração e distribuição de poder (PiSArEllo, 2011: 15). Assim, a construção de uma constituição democrática (e não oligárquica) supõe dinâmicas entre e para além das instituições políticas tradicionais, dirigidas à ampliação do “demos” (PiSArEllo, 2011: 211). A diversidade de experiências histó-ricas sugere involuções em diferentes contextos. O caso latino-americano constitui-se em terreno fértil para observação das dificuldades de mudanças substantivas na distribuição do poder constitucional (casa das máquinas das constituições) (gArgArEllA, 2014: 332-333).

A relação entre direito penal e democracia constitui-se em tema rele-vante nas discussões orientadas pelo equilíbrio entre igualdade e liberdades (nino, 2013: 102 e ss.). Que papéis cumprem as instituições políticas e jurí-dicas conformadas segundo lógicas e tradições específicas?

A produção legislativa penal configura locus importante de análise empírica acerca da legitimação dos instrumentos punitivos nas sociedades contemporâneas. Compreender a forma como as demandas por punições mais duras ou por mecanismos de diversificação da intervenção penal (conci-liação, restauração) transitam, de forma desigual e assimétrica, dos meios de comunicação de massa a determinados setores da sociedade, configurando o que se descreve como populismo penal, supõe observação atenta sobre o papel que cumprem as comunidades epistemológicas que participam, direta ou indiretamente, na formulação das propostas de reforma penal e processual penal, bem como as variadas formas de interação/ simbiose com o sistema político (Enguéléguélé, 1998; Sozzo, 2013).

A complexidade das organizações que participam da divisão do trabalho jurídico-penal conduz a outras questões relevantes para a implantação de políticas públicas. A configuração organizacional pressupõe trajetórias específicas e remete a distintos processos de institucionalização e padrões culturais que conformam premissas e racionalidades diferenciadas, o que impõe a necessidade de novas pesquisas sobre a (in)eficácia dos instru-mentos normativos (MAchADo, 2014). De outro ângulo, os processos de internacionalização do direito e a configuração de um campo jurídico-penal internacional (ainda em construção) supõem novas variáveis e um cenário ainda mais complexo sobre a legitimidade e efetividade do poder punitivo.

As ciências sociais e a teoria jurídica podem certamente cumprir um papel importante ao promover, reflexivamente, parâmetros para a recons-trução do horizonte hermenêutico adequado às demandas de intervenção penal, sem descuidar a peculiaridade do jogo democrático e os distintos papéis assumidos pelas instituições. Longe da linearidade de explicações

11DEMOCRACIA, LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO PENAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

simplistas ou unilaterais, a complexidade das políticas criminais e de segu-rança pública impõe olhar atento às variáveis envolvidas no debate sobre o uso do direito penal como instrumento de controle de condutas e de proteção de interesses coletivos.

Parte das demandas pela intervenção penal, descritas pela literatura como populismo punitivo, sugere a recepção e a manipulação do pânico pelos meios de comunicação de massa. Esse movimento, não raramente, é marcado pela ausência das condições ideais para o debate racional na esfera pública sobre os condicionantes e os possíveis e inesperados efeitos da inter-venção penal. Contudo, não se negam os múltiplos e contraditórios inte-resses em jogo. A interdição da via penal aos movimentos sociais, rotulados por parte da literatura como “empresários morais atípicos” não auxilia na construção de soluções dialógicas e ponderadas que contemplem os limites da programação jurídico-penal ao se pretender a utilização dos instru-mentos punitivos para a proteção de direitos (SchEErEr, 1986). A crítica do professor da Universidade de Hamburgo à suposta cruzada criminalizadora de determinados movimentos sociais, incluído parte do movimento femi-nista (cuja diversidade interna não é explicitada), foi debatida por distintos representantes da criminologia crítica e feminista.2 As transformações do movimento criminológico, particularmente as tensões e não poucas divisões entre os críticos diante de novas demandas sociais e o redescobrimento da vítima, levaram a novas propostas teóricas que devem ser compreendidas nos contextos sociais e políticos dos últimos 30 anos.

O debate sugere reflexões. Não há como ignorar os argumentos que reivindicam a dimensão simbólica dos processos de criminalização (lArrAuri, 2000). Contudo, deve-se investir na reconstrução de cenários significativamente amplos e abertos à multiplicidade de respostas possíveis e horizontes minimamente previsíveis. Nesse empenho, o olhar externo auxilia na definição de experiências que devem ser compartilhadas e, se for o caso, ampliadas ou incorporadas, bem como os percursos a evitar; com a cautela comum a todo e qualquer transplante jurídico.

A breve introdução apenas sugere parte dos temas apresentados e discutidos neste livro. Os autores traçam seus próprios percursos, resultado de preocupações que vivenciam em seus respectivos cenários históricos e específicos interesses acadêmicos.

2 Conferir obra clássica sob perspectiva de gênero em relação às distintas tradições criminológicas (SMArT, 1975). Conferir os artigos de Cristina Zackseski e Carmen Hein, respectivamente, sobre as tendências político-criminais no Brasil e a complexidade das demandas dos movimentos feministas (Justiça Criminal e Democracia) (MAchADo, 2013).

12 justiça criminal e democracia ii

O professor Roger Matthews, criminólogo da Universidade de Kent, no artigo “O Mito da Punitividade Revisitado”, concentra-se na punitivi-dade como conceito que orienta os estudos sobre o controle da criminali-dade nos últimos anos. Matthews dirige sua crítica ao que descreve como consenso existente entre os criminólogos críticos. O mainstream do campo de estudos criminológicos críticos estrutura-se a partir da concepção de que há um inequívoco aumento das políticas punitivas. As abordagens sugerem movimentos distintos: o primeiro, impulsionados “por baixo”, cuja origem é a indignação do público; o segundo, fruto da manipulação política do pânico moral. O professor de Kent aponta que tal estratégia é restritiva e oculta a complexidade do fenômeno. Ao discutir a etiologia da punitividade na academia, especialmente no eixo Reino Unido-Estados Unidos, Matthews enfatiza a necessidade de estudos mais aprofundados ao longo das últimas décadas, a fim de contemplar a diversidade das práticas do controle punitivo nas democracias contemporâneas. A ambivalência das percepções e repre-sentações sociais do público em relação à punição, não raramente contradi-tórias, sugerem cautela nas descrições simplificadas dos contextos em que se inserem as políticas de controle da criminalidade.

A complexidade das políticas criminais nas democracias contemporâ-neas sugere processos de diferenciação espacial. Na América Latina, outras especificidades merecem a atenção de especialistas. Mauricio Martinez Sánchez, professor de Política Criminal da Universidade Nacional da Colômbia e membro do Ministério Público colombiano perante a Suprema Corte, no artigo “Exacerbando el Derecho Penal em Nombre de la Víctima”, concentra-se no novo papel atribuído à vítima no processo penal. Martínez não desconsidera a importância da vítima na idealização de instrumentos que incrementem a sua proteção. Alerta, contudo, para os riscos do popu-lismo penal e para os discursos políticos que se apropriam do sofrimento das vítimas para justificar a expansão penal e o que descreve como “desejos de vingança”. O professor colombiano enfatiza a necessidade de proteção e garantia aos direitos fundamentais de vítimas e acusados, em conformidade com Estado Constitucional de Direito. O risco de uma jurisprudência midi-ática, orientada pelo populismo punitivo, coloca em risco a legitimidade do papel que deve assumir o Judiciário nas democracias contemporâneas.

O artigo “Democracia e Sistema de Justiça Criminal: do Modelo Puni-tivo à Justiça Restaurativa”, de autoria da professora (Uniceub) e promotora de justiça (MPDFT) Raquel Tiveron, discute as racionalidades da justiça criminal e do modelo restaurativo sob o prisma da democracia. Inicial-mente, a autora repassa as principais críticas à trajetória do modelo punitivo, estabilizado em formas anacrônicas, marcado pela neutralização da vítima e pelo distanciamento dos contextos de conflito nos quais estão envolvidos autores e vítimas. Contrapondo-se à justiça criminal tradicional, a justiça

13DEMOCRACIA, LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO PENAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

restaurativa diferencia-se no que a autora descreve como “jurisconstrução”, na medida em que as pessoas diretamente afetadas tornam-se protagonistas na solução do conflito, por meio de procedimento dialógico e deliberativo. Inspirada pela teoria democrática contemporânea, sob perspectiva rigorosa, a autora assinala os atributos democráticos do paradigma restaurativo, seu conteúdo pedagógico e emancipatório.

Geilza Fátima Cavalcanti Diniz, magistrada e professora (Uniceub), no artigo “Democracia, Internacionalização dos Direitos e Poder Punitivo”, investe nas transformações do direito penal sob influência do processo de internacionalização dos direitos, em suas diferentes manifestações. A autora analisa a unificação dos sistemas, forma mais radical de interação e suas diversas dificuldades, a coordenação por entrecruzamento e as possibilidades de interpretações cruzadas entre distintos órgãos e jurisdições, bem com a harmonização por aproximação. Neste último, preservam-se as margens nacionais e privilegiam-se os princípios diretores para a cooperação jurí-dica. A emergência de um sistema de justiça criminal transnacional sugere novas estratégias de controle punitivo, o que supõe a redução de obstáculos à interação e circulação entre as pessoas. O fenômeno interpela a soberania e o monopólio da produção jurídica em matéria penal e remete à discussão sobre a legitimidade dos novos modelos idealizados. A autora parte de conceito operacional de democracia para enfatizar a necessidade de que a discussão oriente-se não por uma determinada forma de governo, mas pelo modo de exercício do poder. Nesse contexto, deve-se pensar os limites e as possibilidades da globalização da democracia. O que supõe a criação de instituições políticas e a promoção de conferências internacionais. Orien-tada por análise crítica, e ciente da complexidade das múltiplas facetas da internacionalização do direito penal, especialmente com a criação de corte internacional com jurisdição penal, a autora não descuida do déficit de legitimidade em relação à coercibilidade do poder punitivo, especialmente nos delitos do direito penal internacional, que dependem da cooperação dos Estados.

O artigo “Democracia e a evolução da culpabilidade como categoria dogmático-penal: aspectos teóricos e a reforma penal no Brasil”, de autoria de André Vinícius de Almeida, procurador de justiça e doutor em Direito Penal (PUC-SP), discute a evolução da teoria jurídico-penal, especialmente a construção da categoria culpabilidade e sua relação com a democracia. Como ponto de partida, destaca o autor, “Possivelmente, o grande desafio do Direito Penal no contexto democrático seja justamente evidenciar o quão pouco democrático pode ele mesmo ser”. Em contraste com a desigualdade e seletividade do controle punitivo, a categoria dogmática da culpabilidade ganha especial relevância, especialmente quando se pretende minimizar o desequilíbrio entre forças sociais. O autor sintetiza os rumos contemporâ-

14 justiça criminal e democracia ii

neos das teorias da culpabilidade e coloca em questão se o instituto cumpre o papel de mecanismo que impulsiona a dignidade da pessoa humana no Estado Democrático de Direito. Ao final, André Vinícius analisa a legis-lação brasileira, assim como as propostas de reforma penal e, sob perspec-tiva crítica, discute e sugere caminhos a fim de incrementar o conceito de culpabilidade como baliza fundamental para o controle do poder punitivo.

Mauro Fonseca Andrade, professor de processo penal da UFRS e promotor de justiça (MP/RS), no artigo “Processo Penal e Democracia”, explora as possibilidades de interlocução entre a teoria processual penal e o debate teórico sobre a democracia. O professor parte da “tensão entre o ius libertatis e o ius puniendi do Estado” no que descreve como crise perma-nente do processo penal. Preocupa-se em rastrear os fundamentos filosóficos e matrizes ideológicas que inspiram o debate contemporâneo, destacando, em particular, o garantismo penal, o constitucionalismo e, mais recen-temente, “a bandeira da democracia”. O autor investe na reconstrução da história do processo penal, especialmente de suas matrizes clássicas, gregas e romanas, a fim de destacar o uso retórico da democracia. Em referência a Ramalho, “Cada um chamava democracia aquilo que mais lhe convinha (...)”. Ao discutir as proposições teóricas que associam o que configuraria um processo penal democrático, o autor recusa a opção simplista, no que descreve como processo penal “defensivo”. Andrade destaca a importância histórica do controle da acusação penal e a participação da sociedade na proteção dos interesses públicos. Nessa visão, o processo penal democrá-tico deve orientar-se pelo equilíbrio na proteção dos interesses de todos os envolvidos no conflito, tanto pela garantia dos direitos do acusado quanto dos interesses da vítima.

O professor da Universidade de Buenos Aires, Diego Zysman Quirós, no artigo “Democracia, castigo y populismo penal: notas del caso argentino para uma proyección lationamericana”, discute a necessidade de construir um campo de reflexão sobre democracia e política criminal na América Latina. O autor sistematiza cinco grupos de estudos, a partir dos quais destaca as diferentes racionalidades penais, especialmente os discursos e as práticas em diferentes países. Ao mapear a diversidade dos discursos e abordagens Zysman evidencia as manifestações da nova penalogia e do atuarialismo penal, confrontando as tendências do que é descrito como populismo punitivo. Ao focalizar o caso argentino, emergem as peculiari-dades e as principais tendências nos últimos anos, renovando-se o arsenal de justificativas da pena. O autor problematiza especialmente a compreensão generalizada de que a população é “punitiva”, e ressalta o debate sobre a democracia deliberativa e a justiça restaurativa, experiências descritas como “giro participativo” acadêmico. As diferentes questões levantadas e discu-tidas por Zysman ao analisar a reforma legal na Argentina nos últimos anos

15DEMOCRACIA, LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO PENAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

sugerem reflexões que superam as fronteiras argentinas, e apontam novos horizontes para a compreensão das trajetórias político-criminais na América Latina.

A professora da Universidade Central de Santiago (Chile), Myrna Villegas, discute democracia e direito penal sob perspectiva distinta. Investe nas tendências político-criminais no Chile nos últimos anos e evidencia a transição do garantismo penal ao que identifica como tendências autoritá-rias derivadas e herdeiras da ditadura. As propostas de reforma legislativa, conforme critica Myrna, assumem viés de um modelo de segurança nacional. A incapacidade do sistema representativo de atender a distintas demandas sociais, especialmente os direitos das minorias indígenas, levou a onda de protesto, muitas vezes seguidas de violência. A resposta do Executivo assume progressivamente a bandeira da política penal da ordem, implantada por meio da criminalização dos movimentos sociais, segundo lógica descrita e criticada como direito penal político.

O artigo “El derecho como obstáculo al cambio social: trés ejemplos de la España democrática”, de autoria do professor Manuel Maroto Cala-tayud, discorre sobre a recente fase política espanhola, influenciada pela crise de 2008. Nesse cenário internacional, Espanha atrela-se à política de desmantelamento do projeto de Welfare State. Com frequência, mobiliza--se e orienta-se o descontentamento popular em manifestações pela punição de integrantes da elite política e econômica. Indaga Maroto Calatayud se o direito penal pode se transformar em instrumento adequado para a transfor-mação social, a serviço dos interesses da maioria. O autor problematiza a via penal sob três aspectos: o papel do direito penal na repressão à dissidência política; o papel do sistema penal frente aos escândalos econômicos e de financiamento dos partidos políticos e a experiência do chamado movimento “memorialista” espanhol. Ao debater o que se apresenta como conflituosa cultura punitiva da esquerda, o professor da Universidade de Castilla La Mancha argumenta que as reivindicações punitivas e os processos judiciais podem cumprir funções de mobilização para processos de reparação, o que torna visíveis outros problemas que impõem visão crítica diante da obsessão pela resposta punitiva.

O professor da Universidade de Bolonha, Carlo Guarnieri, investe em tema de seu interesse há mais de 30 anos, atualizado no artigo “Ministério Público, Justiça Penal e a Democracia Italiana”. O autor relembra a pecu-liaridade do modelo de Ministério Público adotado na Itália nos últimos 40 anos, quando ganha independência e garantias conferidas aos magistrados. O momento coincide com as investigações complexas contra o crime orga-nizado e a corrupção política. A chamada operação “Mãos Limpas”, na década de 1990, desmantela parte das estruturas políticas, acentuando-se

16 justiça criminal e democracia ii

a crise com a classe política, que se exacerba com o governo Berlusconi. As diversas propostas de reformas do estatuto do Ministério Público, apre-sentadas nos últimos anos, não abalaram a estrutura da acusação pública, que continua muito influente no sistema político italiano. Por outro lado, membros do Ministério Público também incursionaram na carreira política, o que acaba evidenciando a necessidade de mecanismos de freios e contra-pesos, bem como de instrumentos de responsabilização política e distan-ciamento da magistratura, como forma de concretização da imparcialidade judicial. Guarnieri discute as vantagens e riscos do modelo de Ministério Público instituído na Itália e, em análise conjuntural, apresenta os argu-mentos que desacreditam as propostas de reformas do modelo de Ministério Público, o que sugere que essa organização ocupará um papel relevante no jogo político na Itália dos próximos anos.

O debate sobre justiça criminal e democracia sugere diferentes prismas. A formulação de políticas públicas na área de segurança pública relaciona--se aos processos políticos que definem instrumentos de atuação bem como aos diferentes atores envolvidos e especificidades do jogo organizacional. Nesta linha, os professores e pesquisadores Arthur Trindade M. Costa (UnB, atual secretário de segurança pública do Distrito Federal) e Renato Sérgio de Lima (FGV, Vice-Presidente do Conselho de Administração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública) discutem as transformações no campo da segurança pública no Brasil. Os autores enfatizam a escassez de debates sobre as consequências do processo de democratização sobre a segurança pública no Brasil. Os autores investem nas transformações nos arranjos polí-ticos e de que forma são afetadas as práticas dos atores envolvidos. Costa e Lima dedicam especial atenção ao que descrevem como “constrangimentos institucionais” reprodutores de práticas violentas. Na análise institucional do campo da segurança pública no Brasil, advertem os autores que o regime democrático é desafiado pela persistência de ações em desacordo com os princípios democráticos.

Sob outra perspectiva, mas igualmente interessadas na construção de políticas públicas que contemplem o uso do direito penal na proteção de direitos, as professoras Lourdes Maria Bandeira e Tânia Mara C. Almeida, pesquisadoras da UnB, apresentam e discutem as ações políticas implantadas para enfrentar a violência contra a mulher, a partir do marco legal instituído pela Lei Maria da Penha. As autoras, inspiradas pela transversalidade de gênero, sustentam a relevância da proposta para a articulação de estratégias nacionais de intervenção. O foco orienta-se pelos Planos Nacionais de Polí-ticas para as Mulheres, especialmente pelo potencial disponibilizado para discutir novas práticas, em sintonia com os movimentos e as demandas das mulheres. As autoras enfatizam a necessidade de uma abordagem reflexiva que contemple as desigualdades sociais e as estruturas de dominação. Ao

17DEMOCRACIA, LEGITIMIDADE DA INTERVENÇÃO PENAL E POLÍTICAS PÚBLICAS

final, discutem, a partir de experiências profissionais na Secretária de Polí-ticas para as Mulheres da Presidência da República, o impacto das políticas públicas sob o marco normativo iniciado pela Lei Maria da Penha e, critica-mente, avaliam o impacto positivo em distintas áreas.

A idealização de soluções jurídicas para enfrentar violações aos direitos humanos não passa necessariamente pela via do direito penal. As experiências de sociedades que vivenciam outras realidades culturais podem sugerir novos parâmetros para a reflexão e o debate. Os professores Evandro Piza e Guilherme Scotti (UnB) apresentam e discutem outro tema relevante para o debate democrático contemporâneo, especialmente na América Latina. No artigo “Infanticídio Indígena en Brasil: un desafío para el cons-titucionalismo pluralista” os autores apresentam e discutem o debate sobre o infanticídio indígena no Brasil, tema de projeto legislativo em trâmite no Congresso Nacional. Os autores trazem à reflexão a experiência de países que convivem com a prática da mutilação genital feminina como exemplo de construção dialógica de soluções compatíveis com os direitos humanos e a relevância da discussão na esfera pública, sem qualquer pretensão de soluções éticas unívocas ou o caminho do relativismo cultural.

No artigo “Democracia e o Controle Externo da Atividade Policial”, Thiago Pierobom de Ávila, promotor de justiça (MPDFT) e pesquisador, discute o controle externo da atividade policial a partir do marco constitu-cional instituído no modelo de Estado Democrático de Direito, conforme a Constituição brasileira de 1988. O autor situa o debate político a partir de bases sólidas da filosofia política clássica e contemporânea. Os argumentos teóricos estruturantes foram positivados em tratados internacionais e consti-tuições de distintos países. Nesse percurso, o autor situa o controle externo da atividade policial no debate sobre os direitos fundamentais e limites à atuação policial, destacando-se a legalidade, separação de poderes de fisca-lização, proteção jurídica e responsabilização de agentes. Ao discorrer sobre o modelo brasileiro, o autor enfatiza o papel desempenhado pelo Minis-tério Público e a diversificação das formas de atuação, tanto no controle processual de direção e de fiscalização, quanto no controle extraprocessual e de responsabilização pelos atos de desvio policial.

O texto que encerra o volume reproduz aula inaugural dos cursos da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, profe-rida em 25 de setembro de 2013, pelo professor Nilo Batista. O artigo “As penas de um penalista” resgata, como fio condutor e ponto de partida, o texto “Penitência de um Penitenciarista”, de Roberto Lyra, publicado em 1957. A desilusão com a pena privativa de liberdade espelha a experiência de Lyra durante quatro décadas de trabalho dedicado a aprimorar os métodos de gestão carcerária, além de intenso interesse acadêmico pelo direito penal. No

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percurso estabelecido por Nilo Batista, há notável empenho em evidenciar a necessidade de que o jurista tenha formação sociológica suficientemente ampla para perceber os papéis assumidos pelo poder punitivo. E, entre outras questões, interpela a função que cumpre o penalista na complexa estrutura do sistema penal. O texto é elucidativo e didático sob várias perspectivas e vale o alerta final em relação ao “senso comum criminológico incutido pela mídia, pela indústria cultural do crime e pelos preconceitos que circulam intensamente na sociedade brasileira”.

A breve síntese dos artigos não pretende, obviamente, esgotar a diversidade dos temas abordados e as distintas perspectivas que integram a parceria entre Marcial Pons e Fundação Escola Superior do MPDFT. O projeto editorial apenas é possível pelo envolvimento de pesquisadores vinculados a distintas instituições de ensino superior, tanto aqueles que inte-gram o conselho editorial quanto os colaboradores das obras selecionadas. Especial agradecimento às seguintes instituições: Uniceub, UnB, UNL (Universidade Nacional del Litoral), UERJ, UB (Universidade de Barce-lona), Universidade de Buenos Aires e Kent University.

Finalmente, nesta edição, agradeço a colaboração de Antonio H. Suxberger, Jefferson C. Guedes, Tiago Eli, Cris Zackseski e demais pesqui-sadores e estudantes do grupo de pesquisa “Política Criminal” (Uniceub/ UnB), bem como aos professores, pesquisadores e colaboradores que inte-gram a ALPEC – Associação Latino Americana de Direito Penal e Crimi-nologia.

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1

o miTo DA puNiTiViDADE REViSiTADo1

rogEr MATThEwS2

A noção de punitividade continua a servir como um conceito organi-zador nos estudos sobre o controle da criminalidade apesar de não ter sido adequadamente desconstruído, permanecendo, por isso, uma concepção caótica. A tentativa de analisar o desenvolvimento das políticas de controle da criminalidade em termos de uma dicotomia punitivo/não punitivo é desnecessariamente restritiva e não consegue alcançar a complexidade da mudança social. Não só a base teórica da tese da punitividade é fraca, mas as evidências disponíveis pouco servem para sustentar a noção de que tem havido um aumento qualitativo na punitividade nos últimos anos e, de fato, há indicações de que, na última década – o período em que a maior parte da literatura sobre punitividade foi produzida – há sinais claros de uma cres-cente liberalização e diversificação das políticas e práticas de controle da criminalidade.

PAlAvrAS-chAvE: Punitividade – Populismo – Opinião pública – Tole-rância.

1 Artigo traduzido por Adauto Villela. Revisado e adaptado para esta edição por Bruno Amaral Machado. 2 Professor e pesquisador da Universidade de Kent (Reino Unido).

Bruno AmArAl mAchAdo Coordenador

Doutor em Sociologia Jurídico--Penal (Universidade de Barcelona), pós-doutorado em Sociologia (Univer-sidade de Brasília). Visiting Scholar nas Universidades Fordham e John Jay (Nova Iorque, 2011) e UPF (Departamento de Criminologia) – Barcelona (2013). Professor Associado dos Programas de Pós-Graduação em Direito do Uniceub, Pesquisador Associado do Departamento de Sociologia (Universidade de Brasília), Professor do Programa de Doutorado em Ciências Penais da Universidade de San Carlos da Guatemala, Professor dos programas de pós-graduação da FESM-PDFT. Professor convidado do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público). Representante do Brasil na Associação Latino-Americana de Direito Penal e Criminologia (ALPEC). Promotor de Justiça em Brasília (MPDFT).

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