BIOS, Cadernos do Departamento de Cincias Biolgicas da PUC-Minas, v.4, n.4, p. 5-10, Dez.1996

ARTIGO

Dinmica da ovognese em peixes forrageiros da represa de TrsMarias, Minas Gerais: estudo histolgico e histoqumico

Oogenesis dynamics in forrager fishes from Trs Marias reservoir,Minas Gerais: histological and histochemical study

NILO BAZZOLIMuseu de Cincias Naturais - lCBS PUC-Minas

Laboratrio de lctiohistologia - Depto de Morfologia - ICB - UFMGELIZETE RIZZO

Laboratrio de lctiohistologia - Depto de Morfologia - ICB - UFMGJOS ENEMIR DOS SANTOS

Depto de Cincias Biolgicas - lCBS - PUC-MinasYOSHIMI SATO

Estao de Hidrobiologia e Piscicultura de Trs Marias - CODEVASF

RESUMOO desenvolvimento ovocitrio dos telesteos Hemigrammus marginatus, Moenkhausiacostae e Roeboides xenodon foi dividido em quatro estdios, de acordo com caracters-ticas citolgicas do ovcito e suas camadas envoltoras. Tcnicas histoqumicas de-monstraram presena de glicoprotenas neutras nos glbulos de vitelo, nas clulasfoliculares e na zona pelcida das trs espcies. O contedo dos alvolos corticaisvariou entre as espcies: glicoprotenas neutras e glicoconjugados cidos carboxiladosou sulfatados. A camada externa da zona pelcida de M. costae e H. marginatus contmtambm glicoconjugados cidos carboxilados e glicoprotenas ricas em cido silico,respectivamente. As variaes morfolgicas dessas estruturas foliculares podem estarrelacionadas com funes especficas durante a ovognese e fertilizao.Unitermos: Ovognese, peixes forrageiros, represa de Trs Marias.

ABSTRACTThe oocyte development of teleost species Hemigrammus marginatus, Moenkhausiacostae and Roeboides xenodon was divided into four stages based on ytologicalcharacteristics of the oocyte and its surrounding layers. Histochemical techniques showedthe presence of neutral glycoproteins in the yoIk globules, in follicular cells and in zonapellucida of three species. The cortical alveoli content varied among the species: neutralglycoproteins and sulphated or carboxilated acid glycoconjugates. The outer layer ofzona pellucida in M. costae and H. marginatus also contained carboxilated acidglycoconjugates and sialic acid-rich glycoproteins, respectively. The morphologicalvariations in the follicular structures may be related to specific functions during oogenesisand fertilization.key-words: Oogenesis, forager fishes, Trs Marias reservoir.

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NILO BAZZOLI; ELIZETE RIZZO; JOS ENEMIR DOS SANTOS; YOSHIMI SATO

I Introduo

Os peixes forrageiros Hemigrammusmarginatus Ellis, 1911, Moenkhausia costae(Steindachner, 1907) e Roeboides xenodon (Reinhardt,1849), characdeos de pequeno porte, constituem eloindispensvel na cadeia alimentar da represa de TrsMarias, Minas Gerais, servindo de alimento a diver-sos piscvoros.

O estudo das caractersticas morfolgicas dasvesculas corticais, glbulos de vitelo, zona pelcidae clulas foliculares dos ovcitos de peixes nativosconstitui etapa bsica e primordial para estabelecer abiologia reprodutiva dos mesmos (Guraya, 1986). Adeterminao da natureza qumica dessas estruturas essencial para a compreenso de seus papis fun-cionais na fertilizao, desenvolvimento inicial doembrio (Hart, 1990) e crescimento de larvas (Moodieet al., 1989).

Estudos recentes com ovcitos de vrias es-pcies de peixes da represa de Trs Marias indica-ram variaes na morfologia e composio qumicade estruturas ovocitrias (Bazzoli & Rizzo, 1990; Rizzo& Bazzoli, 1991; 1993; 1995). Alguns aspectos dadinmica da ovognese podem apresentar padresmorfolgicos similares em certos grupos sistemti-cos sem, no entanto, apresentar correlaofilogentica (Bazzoli & Godinho, 1994; 1995). Apesarda abundncia de peixes forrageiros na referida repre-sa, no existe literatura a respeito da biologia e, emparticular da reproduo dessas espcies. Em vistadisso, o presente trabalho caracteriza histolgica ehistoquimicamente aspectos da ovognese de H.marginatus, M. costae e R. xenodon da represa deTrs Marias.

II Material e Mtodos

Exemplares de Hemigrammus marginatus,Moenkhausia costae e Roeboides xenodon captura-dos s margens da represa de Trs Marias, com au-xlio de redes de arrasto, foram fixados inteiros emlquido de Bouin por 18 a 24 horas. No Museu de Ci-ncias Naturais da PUC-Minas, foram selecionadas5 a 10 fmeas em maturao avanada de cada es-pcie e seus ovrios dissecados para processamentohistolgico. No Laboratrio de lctiohistologia do ICB/UFMG, as gnadas foram includas em resina plsti-ca glicol-metacrilato (JB-4, Polysciences), cortadascom 1 a 5 m de espessura e coradas com azul de

toluidina-borato de sdio e colorao de Dominici.Para anlise do contedo de carboidratos e protenasnas estruturas ovocitrias, cortes de 5 a 7 m, defragmentos includos em parafina, foram submetidoss seguintes tcnicas histoqumicas, de acordo comPearse (1985): Periodic Acid-Schiff (PAS); amilasesalivar + PAS; Alcian blue (AB) pH 2,5; AB pH 0,5;ninhidrina-Schiff (NS); mtodo combinado de Alcianyellow (AY) pH 2,5 + AB pH 0,5 (Ravetto, 1964) ehidrlise com HCl 0,1 N (8 horas a 60C) seguida doPAS e do AB pH 2,5 (Quintarelli et al., 1961). Paraanlise do contedo de lpides, alguns fragmentos deovrios foram fixados em formol a 10%, cortados emcriostato com 12 a 15 m de espessura e submeti-dos s tcnicas de Sudan black B e Sulfato de azuldo Nilo.

III Resultados

Ovcitos das espcies estudadas foram clas-sificados em 4 estdios de desenvolvimento, de acor-do com Bazzoli & Rizzo (1990): O1 = ovcito jovem,O2 = ovcito pr-vitelognico, O3 = ovcito comvesculas corticais e, O4 = ovcito com glbulos devitelo ou vitelognico (Figs. 1 a 6).

Nos ovcitos das trs espcies, vesculas oualvolos corticais ocorrem como estruturasvacuoladas, no coradas ou ligeiramente basfilas naspreparaes histolgicas de rotina (Figs. 2 e 3). Elassurgem no ooplasma perifrico, antes do incio davitelognese, aumentam em nmero e volume, consti-tuindo colar perifrico aps a deposio dos glbulosde vitelo (Figs. 4 a 6).

Nos ovcitos vitelognicos de R. xenodonobservaram-se alvolos corticais contnuos formadosde vesculas grandes; glbulos de vitelo esfricos;clulas foliculares cbicas; zona pelcida ondulada ecom duas camadas (Fig. 5). Nos ovcitos vitelognicosde H. marginatus e M. costae observaram-se alvo-los corticais descontnuos formados de vesculas pe-quenas; glbulos de vitelo esfricos; clulas folicularespavimentosas; zona pelcida ondulada e tambm comduas camadas (Fig. 6).

A anlise histoqumica (Tab. I e II) demonstroupresena de glicoprotenas neutras nos alvoloscorticais, glbulos de vitelo, clulas foliculares e zonapelcida das espcies em estudo. Na camada exter-na da zona pelcida de M. costae, detectaram-se tam-bm glicoconjugados cidos carboxilados eglicoprotenas ricas em cido silico em H.marginatus. Nos glbulos de vitelo das trs espcies,demonstrou-se presena de lpides neutros. Nos al-volos corticais de M. costae detectaram-se somen-te glicoprotenas neutras, nos de H. marginatus

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glicoprotenas neutras e glicoconjugados cidossulfatados e nos de R. xenodon glicoprotenas neu-tras nos ovcitos vitelognicos (04) e glicoconjugadoscidos sulfatados nos ovcitos com vesculas corticais(03). A reao do PAS permaneceu inalterada apstratamento prvio com amilase salivar, excluindo, destemodo, presena de glicognio nas estruturasovocitrias analisadas. A presena de cido silicona camada externa da zona pelcida de H. marginatusfoi confirmada pela reao negativa hidrlise cidaseguida do AB pH 2,5 e tambm pela diminuio deintensidade da reao de hidrlise cida seguida doPAS.

IV Discusso

Os alvolos corticais dos ovcitos de telesteosso anlogos aos grnulos corticais de outros verte-brados e invertebrados, sendo seus contedos libe-rados no espao perivitelnico durante a reao corticalps-fertilizao, impedindo a polispermia (Yamamoto,1961; Selman et al., 1988; Ohta, 1990). No presenteestudo, observou-se morfologia variada dos alvoloscorticais, dependendo da espcie, o que foi tambmconstatado por Kobayashi (1985); Selman et al.(1988); Hart & Donavan (1983); Bazzoli & Rizzo (1990);Bazzoli & Godinho (1994).

As glicoprotenas detectadas nos alvolos cor-ticais das trs espcies analisadas coincidem comaquelas de outros telesteos neotropicais estudadospor Bazzoli & Godinho (1994). Variaes no conte-do das vesculas corticais nos 03 e 04 de R. xenodonindicam modificaes na composio qumica des-sas vesculas durante a maturao ovocitria. Ob-servaes similares foram feitas no lambari-bocarra,Oligosarcus argenteus por Neves et al. (1995). Se-gundo Verma & Thakur (1988), variaes no contedodos alvolos corticais podem possibilitar desempenhode funes especficas durante a fertilizao.

Estudos recentes identificaram uma polisialogli-coprotena nos alvolos corticais de Salmo gairdnerii(Inoue et al., 1987; Kitajima et al., 1989) que, apsfertilizao, apresenta propriedades similares a mu-copolissacardeos cidos (Hart, 1990). A presena decido silico nos alvolos corticais das espcies ana-lisadas no presente trabalho foi excluda, uma vez quea intensidade do PAS e do AB pH 2,5 permaneceu

inalterada aps hidrlise cida. No entanto,glicoprotenas ricas em cido silico foram detecta-das nos alvolos corticais de cicldeos, do pirarucu edo aruan (Bazzoli & Godinho, 1994).

Nos glbulos de vitelo das trs espciesestudadas detectaram-se glicoprotenas neutras elpides neutros, coincidindo com as observaes deBazzoli (1992) em 103 espcies de telesteosneotropicais de gua doce.

A presena de glicoprotenas neutras na zonapelcida de telesteos brasileiros uma constante(Bazzoli, 1992). Entretanto, nossos resultados reve-laram, ainda, glicoconjugados cidos carboxilados nacamada externa desse envoltrio em M. costae, coin-cidindo com observaes em Serrasalmus brandtii(Rizzo & Bazzoli, 1991) em outros characiformes dassub-famlias Serrasalminae, Myleinae e tambm emProchilodontidae e Pimelodidae (Bazzoli, 1992). Poroutro lado, a zona pelcida de R. xenodon contmsomente glicoprotenas neutras, tanto na camada in-terna como na externa, semelhante a vrios chara-cdeos, anastomdeos, curimatdeos, entre outros(Bazzoli, 1992). O cido silico parece ser de ocor-rncia rara na zona pelcida de telesteos brasilei-ros, uma vez que foi detectado somente na espcieArapaima gigas, das 103 analisadas por Bazzoli (1992)e em H. marginatus, no presente trabalho. Variaesna estrutura e composio qumica da zona pelcidade telesteos refletem adaptaes de seus ovos adiferentes habitats (Guraya, 1986).

Nas clulas foliculares das espcies estuda-das no presente trabalho detectaram-se glicoprotenasneutras, o que foi tambm constatado em outroscharaciformes por Bazzoli (1992). As protenas sin-tetizadas pelas clulas foliculares podem ser utiliza-das no crescimento da camada folicular, maturaoovocitria e formao da zona pelcida (Guraya, 1986).

As variaes na morfologia e contedo dos alv-olos corticais e zona pelcida, observadas no pre-sente estudo, podem refletir diferentes funes des-sas estruturas durante a ovognese e a fertilizao.

Agradecimentos Estao de Hidrobiologia e Piscicultura de Trs

Marias-CODEVASF, pela coleta e fornecimento domaterial biolgico, ao FIP-PUC-Minas, processo 95/011, CNPq, FAPEMIG e PRPq/UFMG.

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Figura 1- ovcito jovem (01) com citoplasma basfilo, ncleovesiculoso com vrios nuclolos perifrico e ovcito pr-vitelognico (02) com nuclolos acolados no envoltrio nuclear,fazendo protuses no mesmo- Moenkhausia costae - azul detoluidina - 180x.

Figura 2- ovcito com vesculas corticais (03) pequenas (setas)em incio de formao na periferia do ovcito, zona pelcidaondulada e clulas foliculares pavimentosas - Hemigrammusmarginatus - azul de toluidina - 190x.

Figura 3- ovcito com vesculas corticais (03) grandes noooplasma perifrico - Roeboides xenodon - azul de toluidina -190x.

Figura 4- ovcito em incio de vitelognese (04), mostrandovesculas corticais (setas), formando colar descontnuo noooplasma perifrico - Hemigrammus marginatus - azul de toluidina- 190x.

Figura 5- ovcito vitelognico (04) com alvolos corticais cont-nuos formados de vesculas grandes, glbulos de vitelo esfri-cos, zona pelcida ondulada com micrpila (seta) e clulasfoliculares cbicas - Roeboides xenodon - azul de toluidina -150x.

Figura 6- ovcito vitelognico (04) com alvolos corticaisdescontnuos formados de vesculas pequenas (seta), glbulosde vitelo esfricos e clulas foliculares pavimentosas -Hemigrammus marginatus - azul de toluidina - 130x.

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Tabela IContedo das vesculas corticais, glbulos de vitelo, zona pelcida e clulas foliculares de ovcitos

vitelognicos de H. marginatus, M. costae e R. xenodon da represa de Trs Marias, Minas Gerais

CI= camada interna; CE= camada externa; GNE= glicoprotenas neutras; GSU= glicoconjugados cidossulfatados; GAC= glicoconjugados cidos carboxilados; LIPN= lpides neutros; GSI= glicoprotenasricas em cido silico.

Tabela IIContedo ovocitrio e respectivas reaes histoqumicas

GNE= glicoprotenas neutras; GSI= glicoprotenas ricas em cido silico; GSU= glicoconjugados cidossulfatados; GAC= glicoconjugados cidos carboxilados; LIPN= lpides neutros; PAS= Periodic acid Schiff;AB 2,5= Alcian blue pH 2,5; AB 0,5= Alcian blue pH 0,5; AY 2,5= Alcian yellow pH 2,5; NS= ninhidrina-Schiff; SB= Sudan black B; SAN= Sulfato de azul do Nilo; HA= hidrlise cida.

ESTRUTURA H. marginatus M. costae R. xenodon

Alvolos corticais GNE + GSU GNE GNEGlbulos de vitelo GNE + LIPN GNE + LIPN GNE + LIPNZona pelcida (CI) GNE GNE GNEZona pelcida (CE) GNE + GSI GNE + GAC GNEClulas foliculares GNE GNE GNE

CONTEDO

CONTEDO PAS AB 2,5 AB 0,5 AY 2,5 NS SB SAN HA + AB 2,5

GNE + - - - + - - -GNE + GSU + + + - + - - +GNE + GAC + + - + + - - +GNE + LIPN + - - - + + + -GNE + GSI + + - + + - - -

REAES HISTOQUMICAS

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