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EDITORA-COORDENADORA: SIMONE RIBEIRO / [email protected] SÁB SALVADOR 5/4/2014 SEG VIAJAR TER POP QUA VISUAIS QUI CENA/GASTRONOMIA SEX FIM DE SEMANA HOJE LETRAS DOM TELEVISÃO atarde.com.br/caderno2mais LANÇAMENTO COM ATUAÇÃO E DIREÇÃO DO ASTRO BEN STILLER, O DRAMA A VIDA SECRETA DE WALTER MITTY CHEGA AO HOME VIDEO 2 LITERATURA ESCRITOR AMOS OZ FALA DE SONHOS E IDEAIS A PARTIR DE UM KIBUTZ 3 Divulgação MÚSICA Gil presta tributo a João Gilberto no novo disco e a turnê de lançamento chega em maio ao Teatro Castro Alves Daryan Dornelles / Divulgação 2 GILBERTOS SAMBA / GILBERTO GIL SONY MUSIC / R$ 25 MARCOS DIAS Quando os americanos tentam definir a bossa nova, quase in- variavelmente concluem que trata-se de um sofisticado estilo de jazz derivado do samba. Com o novo disco de Gilberto Gil, Gi- bertos Samba, um dos mais im- portantes artistas da música brasileira não só homenageia o gênio de João Gilberto, mas rea- firma o que a bossa é, de fato: samba. “Para os americanos, é bom ver a partir deles. Onde é que nós estamos nisso aí?, eles pen- sam e, claro, como eles estão, puxam a brasa para a sardinha deles e dizem isso é um jazz. A denominação que davam era la- tin jazz. Mas, para nós, como estamos do lado de cá, começa com o samba. O disco é para afirmar isto: antes de tudo, de qualquer coisa, a bossa nova é samba”. Ao regravar músicas que o criador da bossa tornou clássi- cas, Gil cumpre seu desejo de gravar um disco de samba e ex- pande musical e poeticamente a linha evolutiva do gênero. O repertório inclui seis com- posições dos anos 1940, ante- riores à bossa, propriamente as- sociada ao final dos anos 1950. Gil regravou Aos Pés da Cruz (Marino Pinto e Zé da Zilda), Eu Sambo Mesmo (Janet de Almei- da), O Pato (Jaime Silva e Neuza Teixeira), Tim Tim por Tim Tim (Geraldo Jacques e Haroldo Bar- bosa), Milagre e Doralice, de Do- rival Caymmi. Nessa época, diz Gil, a música popular tornou-se acessível pelo rádio e pelo disco, e foi quando a força do samba se revelou. “Essa foi talvez a maior gran- deza. Porque se ele tivesse se restringido ao repertório do fi- nal da década de 50, talvez não tivéssemos essa capacidade de explicação tão abrangente que acabou contida no repertório dele. João teve essa genialidade de colocar tudo isso e mais o avanço musical de Tom, o De- safinado de Newton Mendonça, aquela coisa no limite da canção popular, já extrapolando para o experimentalismo moderno. João foi muita coisa e Caetano diz: a bossa nova é foda”. Carne e osso Caetano, que gravou com Gil e João Gilberto em 1981 o álbum Brasil, escreve na apresentação de Gilbertos Samba que João foi o revolucionário que definiu a vida deles. E que quando co- nheceu Gil, já sentia que ele era o “milagre de alguém de carne e osso que podia reproduzir os acordes que João fazia”. “Foi um encantamento tão forte, tão profundo, quando a gente escutou”, lembra Gil. “O tratamento que João deu ao canto, ao violão e à canção che- gava muito claramente para nós como uma entidade nova, uma revolução estética”. A recepção inicial dessa no- vidade, contudo, não foi nada cool. Tom Zé lembrou, certa vez, que em Salvador a bossa che- gou a ser apontada como “mú- sica de viado”. O que pode pa- recer impensável para qualificar uma criação. No caso de João, Gil lembra, a rejeição chegou ao ponto de muitos dizerem que era um can- tor desafinado. “Era tamanha a carga de inovação, de surpresa que ele e os colegas fizeram, que a reação mais reacionária foi isso, buscar explicações absur- das, se valer de preconceitos pa- ra rejeitar aquilo, para não ser obrigado a compreender a gran- deza daquilo e, portanto, a obri- gação de incorporar aquilo co- mo linha evolutiva da nossa mú- sica e da nossa cultura. Os rea- cionários todos trabalharam contra nesse sentido, desde cha- mar de desafinado até dizer que era música de viado”. No álbum, Gil também regra- va Desafinado (Jobim e Newton Mendonça), Você e Eu (Carlos Lyra e Vinicius de Moraes), Des- de que o Samba é Samba (Cae- tano Veloso) e Eu Vim da Bahia (dele mesmo, gravada por João em 1972), que revelam desdo- bramentos da influência. “João lançou e possibilitou uma série de aprendizes e dis- cípulos, fãs tributários do tra- balhodeleequevieramdaruma contribuição enorme para a mú- sica. Até o primeiro disco de Ro- berto Carlos foi influenciado pe- la bossa. A cada cem anos um aparece”, diz ele, citando um verso da inédita Gilbertos, úl- tima faixa do disco, em que tam- bém reconhece que “foi Dorival Caymmi quem nos deu a noção da canção como um liceu”. E não é à toa que o CD (que também tem tiragem em vinil), além das duas músicas de Do- rival, conte com participações de Dori (violão) e Danilo Caymmi (flauta) em outras faixas. Em Gilbertos, é como se ele tratasse da transmissão dessa excelência. “Nós que derivamos dessa grandeza do João, que fomos levados a procurar em nós mesmos e no nosso entorno essa mesma grandeza, que nun- ca é a mesma, mas sempre um desdobramento dela em João, em Caymmi e em tantos que nos antecederam, que ela também permaneça em tantos que venham nos suceder”. Com produção do filho Bem Gil e de Moreno Veloso (filho de Caetano, com quem já havia tra- balhado em Quanta), a própria continuidade dessa transmissão parece assegurada. “Como são filhos dos discípulos de João, chamei para entrarem na roda e no processo do cuidado com a sucessão”. Gil revela que deixou que “os meninos” concebessem o disco com a feição deles e que só en- trou, basicamente, com a voz e violão. “Eles é que cuidaram de tudo, os aspectos ornamentais, o sentido da simplicidade no re- pertório, tudo isso foram eles e os amigos que eles trouxeram para participar”. Músicos como Domenico, Rodrigo Amarante, Nicolas Krassik (violino), Pedro Sá (guitarra) e Mestrinho (acor- deon), entre outros. Bem suave A estreia da turnê nacional de lançamento de Gilbertos Samba acontece hoje, no Teatro NET Rio, e nos dias 16 e 17 de maio o show chega a Salvador, no Teatro Castro Alves. De acordo com Gil, eles vão reproduzir a atmosfera básica do disco, com violão e voz, “per- cussão leve, não invasiva, bem suave, para prestigiar um pouco mais a atmosfera da voz e do violão que foram gravados de uma vez só, com uma captação bem joãogilbertiana”. Alem de todas as canções do disco, o show inclui sambas co- mo Mancada (do início de sua carreira), Meio de Campo (dos anos 70), Máquina de Ritmo ea inédita Rio Eu Te Amo. O tributo a João é ainda mais mágico, sendo o próprio Gil um mestre da música brasileira, rea- lizando esse projeto aos 71 anos. É como se as suas tantas e variadas realizações tivessem na obra de João o que teóricos do caos chamam de atrator, uma espécie de intenção cós- mica íntima que a anima. “Ainda que na minha capa- cidade de lidar e tratar a música eu tenha sido atraído por muitas outras coisas, por Gonzaga, a música do Recôncavo baiano, Caymmi, o jazz e o rock, de eu ter me entregue a um ecletismo va- gabundo de certa forma, em- bora tudo isso conte, talvez sem João eu não tivesse nem con- seguido me soltar tanto e com- preender tanto as possibilida- des tão variadas de abordagem musical e liberdade”. E dessa liberdade, algo que é música e um além da música também se revela: “João me fez compreender muita coisa: a io- ga, as novas leis da fisica, a es- piritualidade da matéria e a ma- terialidade do espírito. João aju- dou muito ao meu próprio per- curso pela floresta do existen- cial. Não só a mim, mas a todos da minha geração: ele é um mestre maior nesse sentido. Um grande iogue”. O samba dos G G i i l l b b e e r rt t o o s s Gilberto Gil reverencia, aos 71 anos, o mestre João Gilberto, “um grande iogue” O CD é produzido por Bem Gil e Moreno Veloso que, para Gil, garantem o “cuidado com a sucessão”

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EDITORA-COORDENADORA: SIMONE RIBEIRO / [email protected]

SÁBSALVADOR5/4/2014

SEG VIAJARTER POPQUA VISUAISQUI CENA/GASTRONOMIASEX FIM DE SEMANAHOJE LETRASDOM TELEVISÃO

atarde.com.br/caderno2mais

LANÇAMENTO COM ATUAÇÃOE DIREÇÃO DO ASTRO BENSTILLER, O DRAMA A VIDASECRETA DE WALTER MITTYCHEGA AO HOME VIDEO 2

LITERATURA ESCRITOR AMOS OZ FALA DESONHOS E IDEAIS A PARTIR DE UM KIBUTZ 3

Divulgação

MÚSICA Gil presta tributo a João Gilbertono novo disco e a turnê de lançamentochega em maio ao Teatro Castro Alves

Daryan Dornelles / Divulgação2

GILBERTOS SAMBA / GILBERTO GIL

SONY MUSIC / R$ 25

MARCOS DIAS

Quando os americanos tentamdefinir a bossa nova, quase in-variavelmente concluem quetrata-se de um sofisticado estilode jazz derivadodo samba. Como novo disco de Gilberto Gil, Gi-bertos Samba, um dos mais im-portantes artistas da músicabrasileira não só homenageia ogêniodeJoãoGilberto,mas rea-firma o que a bossa é, de fato:samba.“Para os americanos, é bom

ver a partir deles. Onde é quenós estamos nisso aí?, eles pen-sam e, claro, como eles estão,puxam a brasa para a sardinhadeles e dizem isso é um jazz. Adenominaçãoquedavamera la-tin jazz. Mas, para nós, comoestamos do lado de cá, começacom o samba. O disco é paraafirmar isto: antes de tudo, dequalquer coisa, a bossa nova ésamba”.Ao regravar músicas que o

criador da bossa tornou clássi-cas, Gil cumpre seu desejo degravar um disco de samba e ex-pandemusicalepoeticamentealinha evolutiva do gênero.O repertório inclui seis com-

posições dos anos 1940, ante-rioresàbossa, propriamenteas-sociada ao final dos anos1950.Gil regravou Aos Pés da Cruz

(Marino Pinto e Zé da Zilda), EuSamboMesmo (Janet de Almei-da),OPato (JaimeSilva eNeuzaTeixeira), Tim Tim por Tim Tim(Geraldo JacqueseHaroldoBar-bosa),MilagreeDoralice,deDo-rival Caymmi.Nessa época, diz Gil, amúsica

populartornou-seacessívelpelorádio e pelo disco, e foi quandoa força do samba se revelou.“Essa foi talvez a maior gran-

deza. Porque se ele tivesse serestringido ao repertório do fi-nal da década de 50, talvez nãotivéssemos essa capacidade deexplicação tão abrangente queacabou contida no repertóriodele. Joãoteveessagenialidadede colocar tudo isso e mais oavanço musical de Tom, o De-safinadodeNewtonMendonça,aquela coisano limiteda cançãopopular, já extrapolando para oexperimentalismo moderno.João foi muita coisa e Caetanodiz: a bossa nova é foda”.

Carne e ossoCaetano, que gravou com Gil eJoão Gilberto em 1981 o álbumBrasil, escreve na apresentaçãodeGilbertos Sambaque João foio revolucionário que definiu avida deles. E que quando co-nheceu Gil, já sentia que ele erao “milagre de alguém de carnee osso que podia reproduzir osacordes que João fazia”.“Foi um encantamento tão

forte, tão profundo, quando agente escutou”, lembra Gil. “Otratamento que João deu aocanto, ao violão e à canção che-gavamuitoclaramenteparanóscomo uma entidade nova, umarevolução estética”.A recepção inicial dessa no-

vidade, contudo, não foi nadacool. TomZé lembrou, certa vez,que em Salvador a bossa che-gou a ser apontada como “mú-sica de viado”. O que pode pa-recer impensável para qualificaruma criação.No caso de João, Gil lembra,

a rejeição chegou ao ponto demuitos dizeremque era um can-tor desafinado. “Era tamanha acarga de inovação, de surpresaqueeleeoscolegas fizeram,quea reação mais reacionária foiisso, buscar explicações absur-das, se valer depreconceitos pa-ra rejeitar aquilo, para não serobrigadoacompreenderagran-deza daquilo e, portanto, a obri-gação de incorporar aquilo co-mo linhaevolutivadanossamú-sica e da nossa cultura. Os rea-cionários todos trabalharamcontranesse sentido,desde cha-mar dedesafinadoaté dizer queera música de viado”.No álbum, Gil também regra-

vaDesafinado (Jobim eNewton

Mendonça), Você e Eu (CarlosLyra e Vinicius de Moraes), Des-de que o Samba é Samba (Cae-tano Veloso) e Eu Vim da Bahia(delemesmo, gravada por Joãoem 1972), que revelam desdo-bramentos da influência.“João lançou e possibilitou

uma série de aprendizes e dis-cípulos, fãs tributários do tra-balhodeleequevieramdarumacontribuiçãoenormeparaamú-sica. Até o primeiro disco de Ro-berto Carlos foi influenciado pe-la bossa. A cada cem anos umaparece”, diz ele, citando umverso da inédita Gilbertos, úl-tima faixadodisco,emque tam-bém reconhece que “foi DorivalCaymmi quem nos deu a noçãoda canção como um liceu”.E não é à toa que o CD (que

também tem tiragem em vinil),além das duas músicas de Do-rival,contecomparticipaçõesdeDori (violão) e Danilo Caymmi(flauta) em outras faixas.Em Gilbertos, é como se ele

tratasse da transmissão dessaexcelência. “Nós quederivamosdessa grandeza do João, que

fomos levados a procurar emnósmesmosenonossoentornoessamesmagrandeza,quenun-ca é a mesma, mas sempre umdesdobramento dela já emJoão, em Caymmi e em tantosque nos antecederam, que elatambém permaneça em tantosque venham nos suceder”.Com produção do filho Bem

Gil e deMoreno Veloso (filho deCaetano, comquemjáhavia tra-balhado em Quanta), a própriacontinuidadedessatransmissãoparece assegurada. “Como sãofilhos dos discípulos de João,chamei para entraremna rodaeno processo do cuidado com asucessão”.Gil revela que deixou que “os

meninos” concebessem o discocom a feição deles e que só en-trou, basicamente, com a voz eviolão. “Eles é que cuidaram detudo, os aspectos ornamentais,o sentido da simplicidade no re-pertório, tudo isso foram eles eos amigos que eles trouxerampara participar”. Músicos comoDomenico, Rodrigo Amarante,Nicolas Krassik (violino), Pedro

Sá (guitarra) eMestrinho (acor-deon), entre outros.

Bem suaveA estreia da turnê nacional delançamento deGilbertos Sambaacontece hoje, no Teatro NETRio, e nos dias 16 e 17 de maioo show chega a Salvador, noTeatro Castro Alves.De acordo com Gil, eles vão

reproduzir a atmosfera básicado disco, com violão e voz, “per-cussão leve, não invasiva, bemsuave, paraprestigiar umpoucomais a atmosfera da voz e doviolão que foram gravados deuma vez só, com uma captaçãobem joãogilbertiana”.Alem de todas as canções do

disco, o show inclui sambas co-mo Mancada (do início de suacarreira), Meio de Campo (dosanos 70),Máquina de Ritmo e ainédita Rio Eu Te Amo.O tributo a João é aindamais

mágico, sendo o próprio Gil ummestredamúsicabrasileira, rea-lizando esse projeto aos 71anos. É como se as suas tantase variadas realizações tivessem

na obra de João o que teóricosdo caos chamam de atrator,uma espécie de intenção cós-mica íntima que a anima.“Ainda que na minha capa-

cidade de lidar e tratar amúsicaeutenhasidoatraídopormuitasoutras coisas, por Gonzaga, amúsica do Recôncavo baiano,Caymmi,o jazzeorock,deeuterme entregue a umecletismo va-gabundo de certa forma, em-bora tudo isso conte, talvez semJoão eu não tivesse nem con-seguido me soltar tanto e com-preender tanto as possibilida-des tão variadas de abordagemmusical e liberdade”.E dessa liberdade, algo que é

música e um além da músicatambém se revela: “Joãome fezcompreender muita coisa: a io-ga, as novas leis da fisica, a es-piritualidadedamatéria e ama-terialidadedoespírito. Joãoaju-dou muito ao meu próprio per-curso pela floresta do existen-cial. Não só amim, mas a todosda minha geração: ele é ummestremaiornessesentido.Umgrande iogue”.

O sambadosGGiillbbeerrttooss

Gilberto Gilreverencia, aos71 anos, o mestreJoão Gilberto, “umgrande iogue”

O CD é produzidopor Bem Gil eMoreno Velosoque, para Gil,garantem o“cuidado com asucessão”