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SALVADOR QUARTA-FEIRA 20/11/2013 5FIM DE JOGO PARA O RACISMO ESPECIAL CONSCIÊNCIA NEGRA
ESTILO Penteados exibem desde as tendências mais fortes para os mercados daestética como também discurso político, afirmação e resgate de identidade
Cabelo revela bemmais do que amoda
MAÍRA AZEVEDO
Nem só de dribles precisos egols vivem os jogadores defutebol. Com a espetaculari-zação do esporte, o que osatletas vestem ou a músicaque escutam tem o poder devirar mania. Nos últimos tem-pos, o cabelo também setransformou em espécie decartão de visita.
Se antes entre os jogadoresnegros predominou o cortebaixo, com máquina um ouzero, os fios no estilo étnico–black e trancinhas – parecemestar em alta.
Vagner Love, do ShandongLuneng Taishané (China), é co-nhecidoporcolorirsuastrançascom as cores do clube que de-fende. Zé Roberto, do Grêmio,aderiu ao dread. Jô, do AtléticoMineiro, mantém uma varia-ção do black.
Para o doutor em antropo-logia JocélioTeles,no lugardeuma possível afirmação deidentidade negra há influên-cia de mercado. “O que podeser vendido, define os pa-drões. A estética atende essaregra e não seria diferente nofutebol”, explica.
Agora, o penteado mais po-pular entre jogadores brasilei-ros é o “moicano”. O atacantedo Vitória, William Henrique jáo adotou. O estilo virou modavia Neymar. Para chegar a ele,na maioria dos casos, é precisorecorrer a alisantes.
Empenhado em mantermúltiplas variações do pentea-do, Neymar, inclusive, decla-rouaoEstadodeSãoPaulo,em2010, que nunca havia sofridoracismo “porque não sou pre-to”. No programa de TV de Ma-rília Gabriela, exibido no anopassado, definiu seu cabelo co-mo “muito ruim”.
Black powerNa década de 70, a moda erao black power, um ícone dareafirmação da identidade ne-gra no mundo. Jogadores co-mo Júnior (Flamengo); Edmil-son Pombinho (Bahia); Geral-do Cleofas (Flamengo)– quemorreu aos 22 anos– ; e Jair-zinho (Botafogo) usavam seuscabelos crespos naturais.
Conhecido, além do talento,por manter posições políticasfirmes, Sócrates (1954-2011),além da farta cabeleira, come-morava gols com os punhoscerrados, emreferênciaaogru-po norte-americano PanterasNegras.
Ex-jogador do Bahia e atualcoordenador de Esporte daPrefeitura de Salvador, Edmil-son Pombinho conta que seuestilo de cabelo tinha um pro-pósito político.
“Representava o poder ne-gro. Seguia uma onda que sur-giu nos Estados Unidos e to-mava conta de todo mundo.Usar os cabelos naturais erauma questão de afirmação danossa identidade negra”, ex-plica o ex-jogador.
Segundo Edmilson, enquan-to os jogadores brancos usa-vam cabelos grandes e lisos, osnegros que mantinham blackpower eram criticados.
Já o ex-jogador Júnior dizque mantinha o penteadopara seguir a moda. “Deixeio cabelo crescer porque eracomoagalerausava. Sou fru-to de uma mistura danada:mãe branca, pai mestiço eum avô quase negro. Nãogosto muito de falar sobrequestão racial”.
RaspadinhoA ausência dos cabelos foi opadrão predominante entre osanos 80 e 90. Ronaldo, o Fe-nômeno, e Roberto Carlos fo-ram os expoentes do “estiloraspadinho”, como cantou abanda Chiclete com Banana.
“O futebol é construído pelatradição e o novo. Tal como odrible, o cabelo traz esta pos-sibilidade de ser imprevisível econtestador”, avalia o psicólo-go e mestre em psicologia so-cial, Altair Paim.
Para ele, a padronizaçãotambém encontra espaço. “É ocontexto que vai impor os pa-drões. A questão racial acom-panha o futebol desde o seusurgimento como esporte eli-tista e branco até a afirmaçãoracial nos cabelos de nossosjogadores”, aponta.
Modismo ou afirmação po-lítica,o cabelo jáalcançou, semdúvida, um lugar de destaqueno universo do futebol.
A tendência de jogadores ado-tarem seus cabelos crespos éuma novidade dos últimosanos. Para o antropólogo Car-los Moore, o fenômeno é re-sultado da globalização cadavez mais intensa do esporte.
Segundo ele, a negação doscabelos crespos é mais comumna América do Sul. “Nos paísesda Europa e nos Estados Uni-dos, os negros fazem questãode manter seus cabelos natu-rais. Nestes locais, o cabelocrespo é associado à virilida-de”, aponta Moore.
Talvez por este aspecto, jo-gadores sul-americanos estão,
em maior número do que emoutros tempos, abandonandoo estilo de manter o cabelo ras-pado ou alisado. “É um mo-mento de transição”, acrescen-ta Moore.
Jogador do Bahia, AndersonTalisca é adepto da tendênciade sempre adotar um visualdiferenciado.
Ele relata que já realizou vá-rias experiências para dar umtoque especial aos seus cabe-los. Mas Talisca disse ter sidovítima de uma reação alérgicaa uma tintura.
“Não gosto de ser igual aosoutros. Por isso, eu mesmo in-
vento minha moda. Já fiz detudo no meu cabelo: raspei umlado, fiz cortes. Quando decidipintar o cabelo de louro, o re-sultado ficou muito feio. Alémdisso, a tinta queimou minhacabeça”, relata o jogador.
AproximaçãoO processo de raspagem dosfios, que predominou nas dé-cadas de 80 e 90, foi, talvez,uma retomada da tentativa deaproximação com o estilo doscolegas brancos e garantia deaceitação, efeito da difícil in-serção negra no futebol.
“A aparência ajuda a deter-
minar espaço. E seguir o mo-delo dominante, para muitos,parece ser a escolha mais acer-tada”, explica o historiador Re-ginaldo Dias.
No elenco da Seleção Bra-sileira, durante a Copa do Mun-do de 1998, por exemplo, jo-gadores como Roberto Carlos,Júnior Baiano, Zé Carlos, Ri-valdo e Dida, adotavam o vi-sual da cabeça raspada.
“Além da cor da pele são oscabelos crespos que identifi-cam a negritude de alguém.Por isso, muitos optam em tiraressa evidência”, diz o antropó-logo Carlos Moore.
Crespos estão voltando a se impor
OPÇÃO PELO ESTILONATURAL
O ponta do Botafogo e daSeleção Brasileira Jairzinhoaderiu ao black power nosanos 70
MAESTRO DIZ QUESEGUIU MODA
Ídolo no Flamengo, Júniorconta que a manutençãodo black não tinhaconotação política
SOLIDARIEDADE AOSPANTERAS NEGRAS
O corintiano Sócratesmantinha cabelo compridoe saudava grupo políticonorte-ameriano
VISUAL CONSTRUÍDOCOM MÁQUINA
Roberto Carlos manteve oestilo “raspadinho”durante a sua carreiracomo jogador
INVESTIMENTONA CABEÇA
O zagueiro Dante é adeptode um vistoso cabelocomprido e no estiloblack power
CABELO VIRAUNIFORME
Vagner Loveenfeita astranças com ascores do clubeque estiverdefendendo
LÍDERDA ONDA
O estilomoicanoadotado porNeymar requeralisantes paraa maioria
O atacante doVitória WilliamHenrique aderiuao penteado noestilo moicano
Raul Spinassé / Ag. A TARDE
Cedoc A TARDE
Cedoc A TARDE
Masao Goto Filho/Folhapress
AFP Photo/Antonio Scorza/01.05.2005
Eduardo Martins/ Ag. A TARDE
AFP Stefan Wermuth/Reuters