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PÁGINA 8 - MAIO DE 2011 Olha a Unidos de São Miguel aí, gente Cidadão traz à tona a história de uma das mais tradicionais escolas de samba da Zona Leste Luma Carla Da dir. para esq. Dárcio, Maria de Lourdes, Sínthia e componentes da Unidos de São Miguel segurando a bandeira Ao final de cada partida de fute- bol, jogadores amadores se reuniam para a comemoração de mais um jogo com animadas rodas de samba. Foi assim que a GRCES (Grêmio Recreativo Cultural e Escola de Sam- ba), mais conhecida como Unidos de São Miguel, nasceu em 25 de junho de 1977. Uma escola de samba loca- lizada na Vila Curuçá, no bairro de São Miguel. A escola leva o nome do próprio bairro e tem como símbolo maior a igreja de São Miguel Paulista. Após anos de desfile, mesmo com pouca estrutura, a Unidos de São Miguel chegou ao grupo de maior destaque no Carnaval, o grupo especial, em 1994. Depois disso, a escola entrou em decadência, che- gando ao grupo IV, que é o último, e hoje desfila pelo grupo II, tendo como principal objetivo o acesso ao grupo especial. Apesar de o bairro ter muito or - gulho da escola de samba, existe pou- co envolvimento entre os dois, a escola não possui estruturas para elaboração das fantasias e realiza- ção dos ensaios, sendo obrigada a ensaiar debaixo do viaduto Jacu Pêssego. Cerca de 700 pessoas parti - ciparam do desfile desse ano. A renda estabelecida pela prefeitura foi de R$ 60 mil, insuficiente para a realização dos preparativos. “Eu acho que São Miguel deve- ria dar mais apoio, quando vamos para a avenida levamos o nome do bairro e o símbolo maior, que é a igreja de São Miguel. Não temos ajuda da população nem do comércio, as pessoas não vêem o sacrifício que uma escola de samba tem, é com- plicado, mas fazer o que, né? Então, a gente vai levando na raça”, lamenta Maria de Lourdes da Silva, diretora da Unidos de São Miguel. Mesmo com pouca ajuda da MEMÓRIA Bruna Amorim Jéssica Arena Rômulo Magalhães subprefeitura, a escola de samba ainda tinha um envolvimento com a comunidade num trabalho social, onde dava apoio aos analfabetos que desfilavam pela escola, ensinando- os a ler e escrever. “A gente doava materiais, montamos salas de aula, biblioteca e quem era o professor? Era eu”, diz o destaque principal da escola de samba, Dárcio Regis. Além dos gastos, a escola não tem ajuda de colaboradores e a subprefeitura não fornece espaço para meios de divulgação. Apesar de todas as dificuldades sofridas pela escola, seus membros continuam de- dicando seu tempo para a conquista As raízes e influências do Carnaval Caroline Féria A comemoração carnavalesca apa- rece no Brasil com os portugueses, no século XVII, com influência de festas carnavalescas que aconteciam na Eu- ropa. As realizadas no Brasil eram em forma de brincadeira, ora alegre, ora violenta, recebendo o nome de en- trudo (veja box), as pessoas atiravam objetos agressivos umas nas outras. Com o passar do tempo, o Car- naval do Rio de Janeiro começa a se inovar, sendo realizado em 1840 o primeiro baile. Em 1846, surge o Zé Pereira, um grupo de folia de rua com bumbos e tambores. Mais adiante, aparecem os cor- dões, as sociedades carnavalescas, os blocos, os ranchos e os corsos, que se tornaram populares no início do século XX. As pessoas se fantasia- vam e decoravam seus carros, fazen- do grupos para desfilar nas ruas das cidades, dando origem aos carros alegóricos existentes até hoje, sen- do assim todos esses movimentos abrem portas em 1929 à fundação da primeira escola de samba, Deixa Falar, no bairro carioca do Estácio. Meu canto está no ar Pra encantar de novo Vai meu samba, meu tesouro É melodia na boca do povo Olha São Miguel aí Estou feliz, de bem com a vida Vem por cima da canção, seduzir a avenida Tem cantigas de ninar, vem ser criança Deixa o sonho te levar Na escola, em forma de lição No passeio Canta que faz bem ao coração Eu sou cantor, sou o tenor E o meu show é no chuveiro Karaokê sou nota 100 Eu solto a voz e não tem pra ninguém Cantam, apaixonados, enamorados em sedução Cantam, embriagados, desesperados, na solidão Canta o índio, na tribo do Pajé E na religiosidade, adoração e fé Na arquibancada, pra fazer o campeão E no canto pelo seu direito, canta forte o cidadão. Samba enredo 2011 “Quem canta, todos os males espanta” O Carnaval brasileiro é des- cendente do “entrudo” por - tuguês. O dicionário diz que entrudar significa molhar com água, empoar de goma ou talcos, fazer peça. E a farra era esta mesmo. No século 17, os foliões se armavam de baldes e latas cheias de água. E todos acabavam molhados. Até Dom Pedro II se divertia jogando água nos nobres. Acontecia aqui antes do início da Quaresma e durava três dias, do domingo até a terça-feira gorda. Com o passar dos anos, a brincadeira foi ficando mais agressiva. As pessoas jogavam água suja, farinha e talco, lambu- zando as roupas dos brincalhões. Limões, laranjas e ovos eram ati- rados em quem estivesse na rua. Logo, surgiu uma lei proi - bindo o entrudo em diversas regiões. Em 1854, um chefe de polícia do Rio de Janeiro deter- minou que a partir daquela data o entrudo tinha de “ser seco para não estragar as roupas mais cus- tosas e cuidadas e não provocar desordens e confusão”. O entru- do a seco, então, se transformou no Carnaval. O que é o entrudo? Chegando o fim do século XIX, com cantos e danças feitas ao ritmo de percussão e ao som de bandas, é a partir de 1899, com o surgimento do abre-alas, da maestrina Chiquinha Gonzaga, que a folia é animada por composições elaboradas para ela: marcha-rancho, o samba, a marchi- nha, a batucada e o samba-enredo, no Rio de Janeiro; o frevo, de rua ou de salão, em Pernambucano. A escola Deixa Falar foi criada pelo sambista Ismael Silva. Após al- guns anos, a escola passa a se chamar Estácio de Sá e é nesse momento que o Carnaval começa a ganhar um novo formato, surgindo novas escolas de samba no Rio de Janeiro e em São Paulo. Desencadeando assim, os primeiros campeonatos, organizados em ligas, para saber qual escola de samba era mais bonita e animada. No Brasil, o Carnaval é democrá- tico. Enquanto no Rio de Janeiro e São Paulo, os destaques são os bailes de salão e os desfiles das escolas de samba, em Salvador, há o predomínio do som de trios elétricos e blocos afro-brasileiros de afoxé. Em Per- nambuco, a festa fica por conta dos blocos de frevo e maracatu. Isso para citar apenas alguns exemplos por este extenso território da alegria, que é o Brasil durante o Carnaval. Bonecos de Olinda levando humor e descontração para todos no Carnaval em Pernambuco “Eu sou Unidos de São Miguel, sou destaque de grandes escolas, mas minha paixão pela Unidos fala mais alto.” Divulgação de novos títulos. “Eu sou Unidos de São Miguel, eu nasci e me criei dentro de São Miguel, desde meus quatro anos de idade sou da Unidos, eu sou destaque de grandes escolas, mas a minha pai- xão pela Unidos de São Miguel fala mais alto”, diz Regis. Neste ano, a escola foi para a avenida com o enredo “Quem canta, todos os males espanta”. Os diretores da escola esperavam ter bom de- sempenho no desfile para que poder desfilar pelo grupo I em 2012. Maria de Lourdes se emociona ao dizer que sua mãe é uma das fundadoras da escola e, mesmo com tantos problemas, passa o dia inteiro costurando as fantasias para ver tudo na avenida, cheio de brilho e energia. “Agora, eu pergunto, vale a pena tudo isso? Não tenho a mínima dúvida, ninguém consegue explicar qual é a emoção de tudo isso”, conclui.

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PÁGINA 8 - MAIO DE 2011

Olha a Unidos de São Miguel aí, genteCidadão traz à tona a história de uma das mais tradicionais escolas de samba da Zona Leste

Luma C

arla

Da dir. para esq. Dárcio, Maria de Lourdes, Sínthia e componentes da Unidos de São Miguel segurando a bandeira

Ao final de cada partida de fute-bol, jogadores amadores se reuniam para a comemoração de mais um jogo com animadas rodas de samba. Foi assim que a GRCES (Grêmio Recreativo Cultural e Escola de Sam-ba), mais conhecida como Unidos de São Miguel, nasceu em 25 de junho de 1977. Uma escola de samba loca-lizada na Vila Curuçá, no bairro de São Miguel. A escola leva o nome do próprio bairro e tem como símbolo maior a igreja de São Miguel Paulista.

Após anos de desfile, mesmo com pouca estrutura, a Unidos de São Miguel chegou ao grupo de maior destaque no Carnaval, o grupo especial, em 1994. Depois disso, a escola entrou em decadência, che-gando ao grupo IV, que é o último, e hoje desfila pelo grupo II, tendo como principal objetivo o acesso ao grupo especial.

Apesar de o bairro ter muito or-gulho da escola de samba, existe pou-co envolvimento entre os dois, a escola não possui estruturas para elaboração das fantasias e realiza-ção dos ensaios, sendo obrigada a ensaiar debaixo do viaduto Jacu Pêssego. Cerca de 700 pessoas parti-ciparam do desfile desse ano. A renda estabelecida pela prefeitura foi de R$ 60 mil, insuficiente para a realização dos preparativos.

“Eu acho que São Miguel deve-ria dar mais apoio, quando vamos

para a avenida levamos o nome do bair ro e o símbolo maior, que é a igreja de São Miguel. Não temos ajuda da população nem do comérc io, as pessoas não vêem o sacrifício

que uma escola de samba tem, é com-plicado, mas fazer o que, né? Então, a gente vai levando na raça”, lamenta Maria de Lourdes da Silva, diretora da Unidos de São Miguel.

Mesmo com pouca ajuda da

MEMÓRIA

Bruna AmorimJéssica Arena

Rômulo Magalhães

subprefeitura, a escola de samba ainda tinha um envolvimento com a comunidade num trabalho social, onde dava apoio aos analfabetos que desfilavam pela escola, ensinando-os a ler e escrever. “A gente doava materiais, montamos salas de aula, biblioteca e quem era o professor? Era eu”, diz o destaque principal da escola de samba, Dárcio Regis.

Além dos gastos, a escola não tem ajuda de colaboradores e a subprefeitura não fornece espaço para meios de divulgação. Apesar de todas as dificuldades sofridas pela escola, seus membros continuam de-dicando seu tempo para a conquista

As raízes e influências do CarnavalCaroline Féria

A comemoração carnavalesca apa-rece no Brasil com os portugueses, no século XVII, com influência de festas carnavalescas que aconteciam na Eu-ropa. As realizadas no Brasil eram em forma de brincadeira, ora alegre, ora violenta, recebendo o nome de en-trudo (veja box), as pessoas atiravam

objetos agressivos umas nas outras.Com o passar do tempo, o Car-

naval do Rio de Janeiro começa a se inovar, sendo realizado em 1840 o primeiro baile. Em 1846, surge o Zé Pereira, um grupo de folia de rua com bumbos e tambores.

Mais adiante, aparecem os cor-dões, as sociedades carnavalescas, os blocos, os ranchos e os corsos, que

se tornaram populares no início do século XX. As pessoas se fantasia-vam e decoravam seus carros, fazen-do grupos para desfilar nas ruas das cidades, dando origem aos carros alegóricos existentes até hoje, sen-do assim todos esses movimentos abrem portas em 1929 à fundação da primeira escola de samba, Deixa Falar, no bairro carioca do Estácio.

Meu canto está no ar Pra encantar de novoVai meu samba, meu tesouroÉ melodia na boca do povo

Olha São Miguel aíEstou feliz, de bem com a vidaVem por cima da canção, seduzir a

avenidaTem cantigas de ninar, vem ser

criançaDeixa o sonho te levar Na escola, em forma de liçãoNo passeio

Canta que faz bem ao coraçãoEu sou cantor, sou o tenorE o meu show é no chuveiroKaraokê sou nota 100Eu solto a voz e não tem

pra ninguém

Cantam, apaixonados,enamorados em sedução

Cantam, embriagados,desesperados, na solidão

Canta o índio, na tribo do PajéE na religiosidade, adoração e féNa arquibancada,

pra fazer o campeãoE no canto pelo seu direito,

canta forte o cidadão.

Samba enredo 2011“Quem canta, todosos males espanta”

O Carnaval brasileiro é des-cendente do “entrudo” por-tuguês. O dicionário diz que entrudar significa molhar com água, empoar de goma ou talcos, fazer peça. E a farra era esta mesmo. No século 17, os foliões se armavam de baldes e latas cheias de água. E todos acabavam molhados. Até Dom Pedro II se divertia jogando água nos nobres. Acontecia aqui antes do início da Quaresma e durava três dias, do domingo até a terça-feira gorda.

Com o passar dos anos, a brincadeira foi ficando mais agressiva. As pessoas jogavam água suja, farinha e talco, lambu-zando as roupas dos brincalhões. Limões, laranjas e ovos eram ati-rados em quem estivesse na rua.

Logo, surgiu uma lei proi-bindo o entrudo em diversas regiões. Em 1854, um chefe de polícia do Rio de Janeiro deter-minou que a partir daquela data o entrudo tinha de “ser seco para não estragar as roupas mais cus-tosas e cuidadas e não provocar desordens e confusão”. O entru-do a seco, então, se transformou no Carnaval.

O que é o entrudo?Chegando o fim do século XIX,

com cantos e danças feitas ao ritmo de percussão e ao som de bandas, é a partir de 1899, com o surgimento do abre-alas, da maestrina Chiquinha Gonzaga, que a folia é animada por composições elaboradas para ela: marcha-rancho, o samba, a marchi-nha, a batucada e o samba-enredo, no Rio de Janeiro; o frevo, de rua ou de salão, em Pernambucano.

A escola Deixa Falar foi criada pelo sambista Ismael Silva. Após al-guns anos, a escola passa a se chamar Estácio de Sá e é nesse momento que o Carnaval começa a ganhar um novo formato, surgindo novas escolas de samba no Rio de Janeiro e em São Paulo. Desencadeando assim, os primeiros campeonatos, organizados em ligas, para saber qual escola de samba era mais bonita e animada.

No Brasil, o Carnaval é democrá-tico. Enquanto no Rio de Janeiro e São Paulo, os destaques são os bailes de salão e os desfiles das escolas de samba, em Salvador, há o predomínio do som de trios elétricos e blocos afro-brasileiros de afoxé. Em Per-nambuco, a festa fica por conta dos blocos de frevo e maracatu. Isso para citar apenas alguns exemplos por este extenso território da alegria, que é o Brasil durante o Carnaval.Bonecos de Olinda levando humor e descontração para todos no Carnaval em Pernambuco

“Eu sou Unidos de SãoMiguel, sou destaque de

grandes escolas, mas minha paixão pela

Unidos fala mais alto.”

Divulgação

de novos títulos.“Eu sou Unidos de São Miguel,

eu nasci e me criei dentro de São Miguel, desde meus quatro anos de idade sou da Unidos, eu sou destaque de grandes escolas, mas a minha pai-xão pela Unidos de São Miguel fala mais alto”, diz Regis.

Neste ano, a escola foi para a avenida com o enredo “Quem canta, todos os males espanta”. Os diretores da escola esperavam ter bom de-sempenho no desfile para que poder desfilar pelo grupo I em 2012.

Maria de Lourdes se emociona ao dizer que sua mãe é uma das fundadoras da escola e, mesmo com

tantos problemas, passa o dia inteiro costurando as fantasias para ver tudo na avenida, cheio de brilho e energia. “Agora, eu pergunto, vale a pena tudo isso? Não tenho a mínima dúvida, ninguém consegue explicar qual é a emoção de tudo isso”, conclui.