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Robinson, J. (1953-1954) The Production Function and theTheoryofCapital. ReviewofEconomicStudies,vo\. 21(2), n.° 55, pp. 81-106.
Roe, M. J. (1996) Chãos and Evolution in Law and Economics. HarvardLaw Review, vol. 109, pp. 641-68 <http://www.law.columbia.edu/
center_program/law_economics/wp_listing_l/wp_listing/111_120>.
254 ] Claudia Heller
12Paradigmas e Trajetórias Tecnológicas
RENATA LEBRE LA ROVEREInstituto de Economia,Universidade Federal do Rio de Janeiro
Os CONCEITOS de paradigmas tecnológicos e de traje-
tórias tecnológicas foram desenvolvidos por vários autores a partir da
década de 1970, sendo os mais importantes Richard Nelson & Sidney
Winter (1977), Cristopher Freeman & Carlota Perez (1986) e Ciovanni
Dosi(1982,1988a, 1988b). O desenvolvimento desses conceitos insere-
se na construção da visão neo-schumpeteriana recente* sobre a inovação
e o seu papel no crescimento económico, procurando identificar as cau-
sãs e os impactos estmturais do progresso técnico no sistema produtivo.
Como foi visto no Capítulo 5, Schumpeter defendeu o ponto de vista de
que a mudança tecnológica é o motor do desenvolvimento capitalista,
sendo a firma o locus de atuação do empresário inovador e de desenvolvi-
mento das inovações. Os autores neo-schumpeterianos, também chama-
dos de evolucionistas ou evolucionários, partem dessas premissas para
analisar de que forma as inovações são geradas e difundidas no capitalis-
mo. O processo de geração e difusão das inovações seria o principal fator
determinante dos chamados ciclos longos do capitalismo.
Na época em que esses conceitos foram desenvolvidos, a teoria econô-
mica convencional tratava o progresso técnico resultante da adoção de
' Por visão neo-schumpeteriana recente entende-se o conjunto
dos trabalhos de Christopher Freeman, Carlota Perez, Richard Nelson, Sidney Win-
ter, Ciovanni Dosi, entre outros.
Paradigmas e trajetórias tecnológicas \ 285
inovações como um elemento exógeno ao sistema económico. Nessa
perspectiva teórica, os autores discutiam se o progresso técnico era deter-
minado pelo lado da oferta, principalmente através da dinâmica de ino-
vações determinada pelo avanço do conhecimento científico e pelas ati-
vidades de P&D industriais (technology-push); ou pelo lado da demanda,
através das preferências indicadas pêlos consumidores (demand-pull).
A novidade introduzida pêlos autores neo-schumpeterianos foi mos-
trar que esta divisão entre oferta e demanda era faladosa, uma vez que, na
visão destes autores, o progresso técnico resulta do desenvolvimento de
inovações que dependem não apenas da natureza do setor em que as
inovações são geradas ou adotadas como também de fatores institudo-
nais. Dado um determinado fluxo de inovações, sua adoção irá depender
do ambiente competitivo da empresa, que é um ambiente seletivo, uma
vez que a empresa irá decidir a respeito da adoção de inovações, tendo em
vista a taxa de lucros praticada no ramo industrial no qual ela se situa, das
condições do investimento e das condições de imitação das inovações.
Além disso, características institucionais — tais como o financiamento
às aüvidades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e a estrutura da indús-
fria, afetam as condições de geração e de adoção de inovações. Considera-
se assim a existência um processo defeedback constante na atividade
inovadora, o qual anula a divisão de seus determinantes em fatores de
oferta e de demanda.
Na abordagem neo-schumpeteriana o progresso técnico é, portanto,
considerado como um elemento que afeta o processo de crescimento
económico, ao introduzir transformações nos sistemas socioeconômi-
cos que alteram as estratégias produtivas das empresas. Essas transforma-
coes são condicionadas tanto por aspectos internos, inerentes ao avanço
específico do conhecimento tecnológico adotado, gerando trajetórias e
paradigmas tecnológicos; quanto por aspectos externos, que configuram
o entorno económico, social e político do progresso técnico, constituin-
do paradigmas tecno-econômicos de produção.
A primeira seção deste capítulo apresenta de forma mais detalhada os
conceitos de paradigmas e de trajetórias tecnológicas desenvolvido pêlos
autores neo-schumpeterianos. A segunda aborda o conceito de paradig-
ma tecnoeconômico introduzido por Christopher Freeman & Carlota
Perez. E a terceira apresenta, a título de ilustração, a constituição do para-
286 | Renata Lebre La Rovere
digma tecnoeconômico atual, denominado por alguns autores de para-
digma das tecnologias da informação.
l. O Conceito de Paradigmas
e de Trajetórias Tecnológicas
Ao discutir a atividade inovadora, Dosi (1988b,p. 222)
a define como um conjunto de processos de busca, descoberta, experi-
mentação, desenvolvimento, imitação e adoção de novos produtos, no-
vos processos e novas técnicas organizacionais. A atividade inovadora
envolve um alto grau de incerteza, dependendo não apenas de atividades
de P&D como também da experiência adquirida e acumulada pelas pes-
soas e organizações. Assim, a adoção e a difusão de tecnologias é um
processo condicionado pela percepção dos agentes económicos das pos-
síveis alternativas tecnológicas e de seu potencial de desenvolvimento.
Conforme foi observado por Freeman (1984), as inovações podem ser
incrementais ou radicais. As inovações incrementais são aquelas que in-
traduzem aperfeiçoamentos em produtos ou processos existentes. As ino-
vações radicais são aquelas que introduzem novos produtos, novos pro-
cessas e novas formas de organização da produção.
Segundo Dosi, a tecnologia é um conjunto de conhecimentos práti-
cos" e "teóricos". Os problemas práticos estariam ligados a problemas
produtivos concretos e às relações entre produtores e usuários dos bens e
serviços. Os problemas teóricos envolveriam know-how, métodos, proce-
dimentos, experiências de sucesso e de fracasso, além da infra-estrutura
física referente aos equipamentos. O paradigma tecnológico, por sua vez, é
definido como um "modelo" ou um "padrão de soluções de um conjun-
to de problemas de ordem técnica, selecionado a partir de princípios
derivados do conhecimento científico e das práticas produtivas (Dosi
1982, p. 152).
Esta definição parte de uma analogia com o conceito de paradigma
científico" proposto porïhomas Kuhn em 1962. Em sua obra, A Estrutu-
ra das Revoluções Científicas, analisou a emergência de uma nova teoria
ou descoberta com padrões completamente opostos à "ciência normal .
A "ciência normal" é a prática da ciência através de um determinado
conjunto de regras e padrões tácitos definido como paradigma científico.
Paradigmas e trajetórias tecnológicas \ 287
O paradigma científico representa na realidade uma estmtura institucio-
nalizada de conhecimentos que coloca os problemas a serem resolvidos
e o método para enfrentá-los. A mudança de paradigma — ou seja, o
surgimento de um problema científico que não pode ser resolvido pêlos
instmmentos existentes — resultaria numa revolução científica.
Enquanto que o conceito de paradigma científico refere-se à produção
de conhecimento científico, o conceito de paradigma tecnológico está
relacionado com a produção de conhecimento tecnológico. Assim, o
paradigma tecnológico inclui uma série de escolhas (trade-offs) técnicas
e económicas, que serão feitas pelas empresas de acordo com as caracte-
nsticas do setor e do ambiente institucional onde elas se situam.
O paradigma tecnológico representa uma heurística seletiva, ou um
conjunto de prescrições, que definem as direções das mudanças tecnoló-
gicas a serem seguidas e aquelas a serem negligenciadas. Como foi obser-
vadoporDosi (1982), o paradigma tecnológico pode ser configurado
tanto por um "objeto exemplar" (como um circuito integrado) que passa
a ser adotado, quanto por um "conjunto heuristico na medida em que
inclui procedimentos para a solução de problemas específicos. A especi-
ficidade dos problemas gera determinadas escolhas entre as possíveis
alternativas de desenvolvimento tecnológico vislumbradas. Essas esco-
lhas, ao estarem contidas num determinado arcabouço técnico-produti-
vo, conformam o que Dosi (1982) denomina de trajetórias tecnológicas:
uma atividade "normal" de solução de problemas técnicos, recorrente
dos padrões produtivos determinados pelo paradigma tecnológico.
Dito de outra forma, como foi observado por Nelson & Winter (1977),
a trajetória tecnológica é a direção tornada pelo desenvolvimento tecno-
lógico uma vez que as firmas escolheram determinadas tecnologias vi-
sando à obtenção de lucros. Trajetórias que se caracterizam por um po-
tente conjunto de procedimentos seriam consideradas, por esses autores
como trajetórias "naturais". Este seria o caso, por exemplo, da busca por
economias de escala e pela crescente mecanização da produção, que ca-
racterizaram a dinâmica da inovação no século XX. De fato, essas são
trajetórias tecnológicas características do período fordista, cuja crise le-
vou vários autores, entre os quais os autores neo-schumpeterianos, a se
debruçar sobre a questão da importância do progresso técnico e da inova-
cão no desenvolvimento económico.
288 | Renata Lebre La Rovere
Assim, enquanto o conceito de paradigma tecnológico foi desenvolvi-
do para entender a geração e a adoção de inovações, o conceito de trajetó-
ria tecnológica refere-se muito mais à difusão de inovações. Nelson &
Winter (1977) destacam em seu texto que o objetivo de desenvolver esses
conceitos é fundamentar uma teoria que explique as diferenças intra-
setoriais no crescimento da produtividade, visando à proposição de polí-
ticas de pesquisa e desenvolvimento tecnológico.
2. O Conceito de Paradigma Tecnoeconômico
Os autores neo-schumpeterianos são também chama-
dos de evoludonários, porque na sua visão o processo inovador resulta de
escolhas condicionadas pelo ambiente competitivo. Como será visto no
próximo capítulo deste livro, esses autores consideram que firmas de
diferentes ramos industriais podem ser vistas como organismos em dife-
rentes ambientes ou nichos. Da mesma forma que na natureza, o código
genético mais adequado às condições do ambiente acaba se tornando
predominante, num processo competitivo as firmas adotam determina-
dos procedimentos e rotinas visando a organização das suas atividades,
que acabarão sendo imitados por outras firmas e tomando-se o procedi-
mento ou a rotina predominante. O paradigma tecnológico seria assim o
conjunto de procedimentos e rotinas predominantes. O conceito de tra-
jetória tecnológica, ao ser definido como a direção tornada pelo desen-
volvimento tecnológico, dadas as escolhas constantes do paradigma, su-
gere que as firmas têm um processo de desenvolvimento tecnológico que
é condicionado pelas escolhas passadas que elas fizeram. As firmas se-
riam assim dependentes de sua trajetória (ou estariam numa situação de
path dependence, conforme capítulo anterior deste livro).
Segundo foi observado por Dantas et al. (2002, p. 31) e também por
Pessali & Fernandez no próximo capítulo deste livro, a contribuição da
teoria neo-schumpeteriana ou evolucionária para a teoria da firma con-
temporânea foi a de mostrar que a empresa é um agente que acumula ca-
pacidades organizacionais. As escolhas da firma portanto não seriam base-
adas numa racionalidade maximizadora conforme é proposto pela teoria
económica convencional, mas sim em rotinas que coordenam a sua ati-
vidade interna, baseadas no conhecimento adquirido pela empresa ao
Paradigmas e trajetórias tecnológicas \ 289
longo de sua atividade (radonalidade procedural). Esta visão põe assim
em destaque o papel das competências e da capacidade de geração de
conhecimento tácito e codificado da empresa no processo competitivo.
A análise do processo competitivo, na visão neo-schumpeteriana, re-
quer a compreensão dos conceitos de paradigma tecnológico e de trajetó-
ria tecnológica, uma vez que estes permitem entender a dinâmica da
inovação e da obtenção de ganhos de competitividade. O conceito de
paradigma tecnoeconômico, proposto por Cristopher Freeman & Cario-
ta Perez em 1988, pretende ampliar o escopo do conceito de paradigma
tecnológico, para incluir na análise do processo competitivo outros ele-
mentos além do progresso técnico. Freeman & Perez sugerem que a aná-
lise da inovação deveria adotar com o conceito de paradigma tecnoeco-
nômico ao invés do conceito de paradigma tecnológico. Isto porque este
último restringe as mudanças técnicas a mudanças em produtos e em
processos produtivos, sem levar em consideração mudanças nos custos
associadas a condições de produção e distribuição (Freeman & Perez,
1988, p. 47). O conceito de paradigma tecnoeconômico pretende assim
incluir na análise neo-schumpeteriana da inovação fatores económicos
que não são destacados nas análises de Dosi. Efetivamente, este autor se
concentra mais nas características técnicas da inovação, sem levar em
consideração o fato de que em várias economias, principalmente as eco-
nomias de países em desenvolvimento, diversos fatores institucionais
podem ser determinantes nos processos de inovação e modernização das
empresas (La Rovere, 1990, pp. 12-6).
A preocupação em definir o conceito de paradigma tecnoeconômico
está relacionada à necessidade percebida pêlos autores neo-schumpete-
rianos de compreender as mudanças que ocorrem ao longo dos ciclos de
crescimento. A ideia, verificada empiricamente por Nicolai Dmitrievich
Kondratiev (1926), de que as economias têm ciclos de crescimento, foi
retomada por Schumpeter, o qual assinalou que a evolução desses ciclos é
condicionada por "ondas de destmição criadora" (Freeman, 1984, p. 497).
Essas ondas, chamadas por Freeman de revoluções tecnológicas, advi-
riam da introdução de conjuntos de inovações radicais e incrementais
que se difundem em todos os setores da economia, mudando as formas
de organização da produção. Segundo este autor, uma revolução tecnoló-
gica caracteriza-se pela introdução de: tecnologias que promovem uma
250 ] Renata Lebre La Rovere
drástica redução nos custos de muitos bens e serviços; e uma dramática
melhoria nas características técnicas de muitos bens e serviços que não
agridem o meio-ambiente e são aplicáveis a diversos setores.
Assim, o paradigma tecnoeconômico é definido por Freeman & Perez
(1988) como uma combinação de inovações de produto, de processo,
técnicas, organizacionais e administraüvas, abrindo um leque de oportu-
nidades de investimento e de lucro. O paradigma tecnoeconômico cons-
titui portanto o resultado de um processo de seleção de uma série de
combinações viáveis de inovações técnicas, organizacionais e institucio-
nais, provocando transformações que permeiam toda a economia e que
exercem uma importante influência no comportamento da mesma (Las-
três & Ferraz, 1999, p. 32).
Cada paradigma tecnoeconômico é caracterizado por um conjunto
específico de insumos. Este conjunto, denominado pêlos autores de fa-
tor-chave do paradigma, tem as seguintes características:
• promove mudanças significativas nos custos relativos, o que leva os
engenheiros e administradores a modificar suas regras de decisão;
• os insumos que o compõem têm oferta ilimitada;
• os insumos que o compõem são utilizados em inovações de produto
e de processo em todas as atividades económicas.
Além disso, um novo paradigma tecnoeconômico envolve uma série
de elementos e tendências, a saber (Freeman&Perez, 1988, p. 59):
— uma nova melhor prática de organização da produção;
— novas qualificações da mão-de-obra;
— novo mix de produtos;
novas tendências nas inovações radicais e incrementais que levam
à progressiva utilização do novo fator-chave;
— novos padrões de investimento à medida que muda a estrutura de
custos relativos das empresas;
— novas infra-estruturas ligadas ao fator-chave;
entrada de novas firmas empreendedoras nos mercados em cresci-
mento devido às oportunidades geradas pela mudança de paradigma;
— aumento da participação de grandes empresas, seja por crescimen-
to ou por diversificação, nos mercados onde o fator-chave é produzido;
— novos padrões de consumo de bens e de ser/iços e novas formas de
comercialização da produção.
Paradigmas e trajetórias tecnológicas \ 291
O Quadro 12.1 é uma versão resumida do quadro apresentado por
Freeman & Perez (1988), listando as principais características dos su-
cessivos paradigmas tecno-econômicos desde a Revolução Industrial.
Pode-se constatar pela análise do mesmo que cada paradigma possui um
conjunto específico de fatores-chave e de indústrias propulsoras do cres-
cimento ou indústrias-chave. As formas de organização industrial e de
competição também mudam.
Quadro 12.1. Os paradigmas tecnoeconômicos
Períodos Descrição Indústrias-chave Fatores-chave Organizaçãoindustrial
1770-1840 Mecanização Têxtil, química,metalmecãnica,
Algodão e ferro Pequenas empresas
locais
1840-1890
1890-1940
Máquinas a vapore ferrovias
Motores a vapor,
mâquinas-
ferramenta,
maquinas para
ferrovias
Carvão, sistema de Empresas pequenastransportes e grandes;
cescimento das so-
ciedades anónimas
1940-1980
1980-pen'odo
atual
e elétrica
Fordista
Tecnologiasdeinformação ecomunicação
produtos químicos,armas, maquinas
elétricas
Automobilística, Derivados dearmas, aeronáutica, petróleo
bens de consumo
duráveis,
petroquímica
Computadores, Microprocessadores
produtoseletrônicos,software,
telecomunicações,
novos materiais,
servi cos deinformação
Monopólios eoligopólios
Competiçãooligopolistaecrescimento das
multinacionais
Redes de firmas
Fonte: Freeman & Perez (1988), pp. 50-7.
O Quadro 12.2 mostra as principais diferenças entre os paradigmas
mais recentes, a saber os paradigmas fordista e o das tecnologias de infor-
mação e comunicação. Como mostra o quadro, o paradigma fordista,
apoiado na produção em massa, tinha procedimentos específicos de or-
ganização da produção cuja lógica era a obtenção de retornos crescentes
252 | Renata Lebre La Rovere
de escala e a expansão dos mercados, viabilizada por energia de baixo
custo. Com os choques do petróleo e o esgotamento dos ganhos de escala
nos anos 19 70, tomou-se cada vez mais difícil obter ganhos com base em
produtos padronizados. As empresas passaram então a buscar cada vez
mais mercados globais, a buscar procedimentos de produção mais flexí-
veis e tentar diversificar seus produtos. Esta busca levou à formação de
redes de empresas e à simplificação das estmturas hierárquicas e de pro-
dução das firmas. As firmas começaram também a dar mais ênfase às
aüvidades de serviços relacionados a seus produtos, visando assegurar a
fidelidade de seus clientes. Finalmente, neste novo modelo o papel do
Governo torna-se diferente do modelo fordista.
A medida que o processo de globalização se acelera, os fluxos de capi-
tais e de tecnologia se deslocam com mais rapidez, reforçando a impor-
tânda do papel regulador dos Estados nacionais. O Quadro 12.2 ilustra
como vários elementos da organização da produção variam em função da
mudança do paradigma tecnoeconômico. As tecnologias da informação
e comunicação assumem um papel cada vez mais importante no modelo
de produção pós-fordista, gerando novas formas de organização da pro-
dução, compatíveis com o novo paradigma e novas trajetórias tecnológi-
cãs daí resultantes.
Quadro 12.2: Comparação entre os paradigmas fordista e as tecnologias de
informação e comunicação
Fordista Tecnologias de Informação e Comunicação
Intensivo em energiaPadronização de produtosMix de produtos estávelFirmas isoladas
Organização hierárquica da firma
Produção em departamentosProdutos com serviçosCentralização das informaçõesEspecialização da mão-de-obra
Planejamento EstratégicoControle governamental
Intensivo em informação
Produção sob medidaRápidas mudanças no mix de produtosRedes de firmasOrganização simplificada da firmaProdução integradaServiços com produtosDistribuição de inteligênciaPolivalência da mão-de-obra
Visão Estratégica
Governo como coordenador eregulador
Fonte: Ti gre(199S).
Paradigmas e trajetórias tecnológicas \ 293
Conforme foi observado por Perez (1992), o paradigma tecnoeconô-
mico não é a simples abertura de uma nova e ampla gama de possibilida-
dês técnicas. Na medida em que cada fator-chave requer uma nova infra-
estmtura facilitadora e pode introduzir mudanças organizacionais, há
penados nos quais diferentes paradigmas coexistem. Além disso, um novo
paradigma não apenas propicia o surgimento de novas indústrias como
renova e transforma as indústrias maduras existentes. Um novo paradig-
ma redefine desta forma as condições de competitividade das empresas e
cria oportunidades para países em desenvolvimento reduzirem o hiato
tecnológico que os separa dos países desenvolvidos. O surgimento do
paradigma das tecnologias da informação e comunicação propiciou, por
exemplo, oportunidades produtivas para países asiáücos como a Coreia e
Taiwan, que se especializaram na produção de componentes para equipa-
mentos voltados a esse tipo de tecnologia.
Um paradigma tecnoeconômico pode ser caracterizado por um ciclo
de expansão e de contração de investimentos, através de quatro períodos
sucessivos (Figural2.1): i) difusão inicial, quando surgem as inovações
radicais em produtos e processos, proporcionando múltiplas oportunida-
dês de novos investimentos e o surgimento de novas indústrias e de novos
sistemas tecnológicos; ii) crescimento rápido (prematuro), quando as
novas indústrias vão se firmando e explorando inovações sucessivas; iii)
crescimento mais lento (tardio), quando o crescimento das novas indús-
trias começa a desacelerar-se e o paradigma se difunde para os setores
menos receptivos; iv) fase de maturação, ou última fase do ciclo de vida
do paradigma, na qual os mercados começam a saturar-se, os produtos e
processos se padronizam, o conjunto de produtos chegam a um ponto de
esgotamento e as inovações incrementais nos processos trazem pouco
aumento de produtividade. Nesta última fase, a experiência acumulada
em cada indústria e no mercado é tal que os novos produtos alcançando
sua maturidade cada vez mais rapidamente (Perez, 1992).
294 | Renata Lebre La Rovere
Figura 12.1. Fases de um paradigma tecnoeconômico
Fase lDifusão Inicial
(+ IV do anterior)
Grau de ^maturação !
(e desdobramento)
Paradigma:'anterior
(fase
Fase IVMaturidade
(mais l do novo)
íConhedmentoáe experiência
ècmca acessive'elhas tecnotogii
;t
privatizaçâo í,'ecimento,
:1a técnica e)w-how ^, conhecimentos
livrementedisponíveis-
Conhecimentos -livrementedisponíveis
novas tecnotogiasespecíficase gengr-ícas)
N O V Oyparadigma(fase! l)
Dupla oportunidade tecnológicaTempo
Fonte: perez^C. Cambio técnico, restruciuración compeiiliva y reforma institucional en los países endesarrollo. ElTrimestre Económico, vol. 61, 1992, p.38.
A Figura 12.1 indica que os conhecimentos na última fase de um
paradigma tecnoeconômico e na fase inicial de um novo paradigma es-
tão livremente disponíveis. Isto porque nesta fase as inovações associadas
ao velho paradigma já se difundiram por toda a economia e as inovações
associadas ao novo paradigma ainda estão sendo geradas. À medida que as
inovações associadas ao novo paradigma se difundem, os agentes econô-
micos vão se apropriando dos ganhos associados a essas inovações, me-
diante a acumulação de conhecimento tácito, e protegendo estes ganhos
recorrendo a medidas de proteção intelectual. Assim, o conhecimento vai
sendo privaüzado ao longo das fases do paradigma. Os países em desenvol-
vimento têm portanto oportunidades de desenvolvimento tecnológico ace-
lerado na fase inicial de um novo paradigma e na última de um anúgo, pois
nestas fases há maior disponibilidade de conhecimentos.
3. O Paradigma Tecno-econômico Atual:
a Importância das Tecnologias da Informação
e Comunicação
A importância das tecnologias de informação e comu-
nicação (TICs) na economia vem aumentando desde a década de 1990,
Paradigmas e trajetórias tecnológicas \ 295
com a sua consolidação como fator-chave do modelo de produção nos
países desenvolvidos. Do ponto de vista da organização da produção nas
firmas, as mudanças descritas no Quadro 12.1 referem-se a três tendên-
cias principais: crescimento do trabalho cognitivo e relacional; mudança
nos padrões de competição resultante da globalização; e redefinição das
relações entre as firmas, com uma diversidade maior de situações. Essas
tendências estimulam e ao mesmo tempo são o resultado de um aumen-
to da difusão de tecnologias de informação e comunicação, uma vez que
estas permitem redefinir relações de trabalho, apoiam as relações entre
as firmas e permitem a sua inserção num contexto global de transações.
Vários estudos têm demonstrado que a difusão dessas tecnologias pode
levar a novas experiências na organização do trabalho, a modelos alter-
nativos de organização industrial e a novos modos de organização econô-
mica regional (La Rovere, 1999).
De fato, as tecnologias de informação e comunicação podem promo-
ver um aumento da troca de conhecimentos entre trabalhadores situados
em plantas produtivas da mesma empresa situadas em diferentes locais;
podem fundamentar a formação de redes de empresas, com sistemas de
comércio eletrônico e de distribuição da produção; e podem simplificar
as relações de comércio exterior e permitir às firmas acesso imediato a in-
formações sobre o mercado mundial. Além disso, no atual paradigma tec-
noeconômico, as empresas estão lidando com produtos cada vez mais
intensivos em conhecimentos e tecnologia, cujos ciclos de vida têm dimi-
nuído e que muitas vezes requerem processos de produção flexíveis. Neste
contexto, é fundamental para qualquer empresa não apenas definir uma
estratégia competitiva adequada como também monitorar constantemen-
te o seu desempenho para realizar ajustes nesta estratégia. As TICs podem
desempenhar um papel importante na construção de sistemas de informa-
cão que alimentam a definição de estratégias competitivas das empresas.
Por exemplo, com o uso de TI Cs as empresas podem integrar as aüvidades
dos seus departamentos de vendas, produção, finanças e recursos huma-
nos, implementando um sistema denominado Enterprise Resource Plan-
ning (ERP). O ERP é um sistema cujo software permite monitorar os pedi-
dos dos clientes e das relações com os fornecedores, coletar informações
sobre os fluxos produtivos que servirão para identificar mudanças nas
demandas dos clientes e responder a estas demandas com mais rapidez.
296 | Renata Lebre La Rovere
A adoção de TICs também pode proporcionar às empresas significati-
va redução de custos, ao diminuir os custos associados à gestão de infor-
mações. Por exemplo, pelo custo de uma página inteira em revistas sema-
nais de grande circulação no Brasil podia-se constmir em 1999 uma
home-pflge com mais de trezentas páginas de informação (Tigre, 1999).
Além disso, as TICs incluem os sistemas de comércio eletrônico, no qual
as firmas podem acessar clientes, fornecedores e estoques eletronica-
mente. Os sistemas de comércio eletrônico, em particular aqueles basea-
dos na internei, permitem a aquisição de vantagens competitivas ao redu-
zir os custos de marketing, distribuição dos produtos e atendimento ao
consumidor, além de melhorar os canais de comunicação com os clien-
tes. O comércio eletrônico também aumenta a competitividade ao per-
mitir uma gestão mais eficaz do conteúdo informadonal do produto ao
longo da cadeia de valor (Cunningham &Tynan, 1993).
Entretanto, os sistemas de comércio eletrônico, principalmente os
sistemas de padrão proprietário, nos quais os usuários precisam pagar
licenças de uso ao produtor do software, podem aumentar as barreiras à
entrada em determinados mercados, na medida em que inttoduzem cus-
tos financeiros e de aprendizado para os usuários. Estes custos aumentam
os custos de mudança das firmas, modificando as relações entre as fir-
mas, seus clientes e fornecedores (Bloch 1996). Por exemplo, a implanta-
cão de um sistema de comércio eletrônico proprietário entre uma grande
empresa e um grupo de pequenas empresas fornecedoras reforça o poder
de negociação da grande empresa. Isto porque, se o sistema de comércio
eletrônico for proprietário, as empresas fornecedoras só poderão utili-
zá-lo para suas transações com a empresa grande, o que pode desestimu-
lá-las a procurar outros grandes clientes como forma de melhorar suas
condições de comercialização. Em outras palavras, as tecnologias de in-
formação e comunicação, ao afetar os custos de mudança das empresas,
modificam suas condições de aprisionamento. Como foi observado por
Shapiro & Varian (1999), esse aprisionamento ocorre quando os custos
de mudança de uma tecnologia para outra são substanciais, e quando os
sistemas de informação costumam prover várias oportunidades para as
empresas alterarem os custos de mudança de seus clientes ou fomecedo-
rés, através de ciclos de aprisionamento. Assim, o desenvolvimento de
sistemas de informação baseados em tecnologias da informação e comu-
Paradigmas e trajetórias tecnológicas \ 297
nicação terá impactos significativos nas transações entre as firmas e seus
clientes. Esses impactos serão contudo diferenciados de acordo com a
natureza da informação, das características setoriais e da oferta de tecno-
logias da informação e comunicação (Brousseau, 1995).
Resumindo, asTICs são o fator-chave do atual paradigma tecnoeconô-
mica, e sua difusão tem impactos diferenciados sobre as empresas. Al-
guns autores, como por exemplo Camagni (1991) sugerem que as TI Cs,
ao promover a difusão de conhecimento, reduzem as incertezas associa-
das ao processo de escolha tecnológica, aumentando a capacidade inova-
dora das empresas. Esse aumento da capacidade de inovação das empre-
sãs, associado à difusão deTICs, não é porém um ponto consensual na
literatura. Isto porque a inovação depende não apenas de conhecimento
codificado, ou seja, do conhecimento que pode ser transcrito para um
formato compacto e padronizado, mas também de conhecimento tácito,
que é o conhecimento adquirido pêlos trabalhadores ao longo de sua
experiência de trabalho (Foray& Lundvall, 1996, p. 21). As TI Cs promo-
vem a difusão de conhecimento codificado, o que aumenta as possibili-
dades de educação e qualificação da mão-de-obra, e em certos casos, faci-
litam sua internacionalização (Petit, 2000, p. 4). AsTICs fazem parte
portanto da infra-estrutura necessária para o desenvolvimento de inova-
coes no novo paradigma. Mas na medida em que a atividade inovadora
depende também das competências adquiridas pelas empresas, como
visto anteriormente, não se pode afirmar a prior; que a simples adoção de
tecnologias da informação e comunicação irá melhorar a posição com-
petitiva de determinada empresa.
Conclusão
A introdução dos conceitos de paradigma tecnológico e
de trajetória tecnológica, na análise neo-schumpeteriana teve implica-
coes importantes do ponto de vista da análise da inovação e do seu papel
no crescimento económico. Como foi observado por Nelson (1995, pp.
84-5), a teoria evolucionária prove análises fundamentadas a partir de
um amplo e diversificado conjunto de dados, diferentemente da teoria
convencional, que tem uma tendência à formalização que vai perdendo
poder explicativo à medida que a complexidade do fenómeno analisado
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aumenta. Ao reconhecer que o ambiente competitivo é muito mais com-
plexo do que supõe a teoria convencional, os autores neo-schumpeteria-
nos põem em relevo o conjunto de elementos necessários para compre-
ender de que forma o progresso técnico introduz mudanças que irão
afetar o sistema produtivo e a organização industrial. O conceito de para-
digma tecnoeconômico, ao introduzir as mudanças nas condições de
produção e de distribuição no conjunto de parâmetros da análise da con-
corrência capitalista, permite entender por que determinadas indústrias
são propulsoras do crescimento em determinados períodos e por que as
estratégias competitivas das empresas mudam à medida que inovações
vão sendo geradas e difundidas.
O conceito de paradigma tecnoeconômico enriquece assim a análise
neo-schumpeteriana da concorrência capitalista. Como foi mostrado pelo
Quadro 12.1, a partir do desenvolvimento deste conceito, os autores neo-
schumpeterianos podem identificar o impacto do progresso técnico nas
estruturas produtivas ao longo do tempo, valendo-se dos conceitos de in-
dústria-chave, fator-chave e formas de concorrência. Outra contribuição
importante dos autores neo-schumpeterianos é fornecer uma explicação
fundamentada para a ocorrência de ciclos económicos, destacando o papel
da atividade inovadora neste processo, como mostrado na Figura 12.1.
Finalmente, a análise neo-schumpeteriana permite entender de que
forma o posicionamento das empresas em seus mercados muda à medi-
da que o ciclo de vida dos produtos avança, e por que determinadas indús-
irias são motores do desenvolvimento em determinados períodos. Como
foi visto no Quadro 12.2, no paradigma tecnoeconômico atual, atributos
como produção sob medida, a capacidade de introduzir rápidas mudan-
cãs no mix de produtos, e organização simplificada das firmas conferem
vantagens competitivas às empresas. Ao mesmo tempo em que esses atri-
butos são facilitados pela difusão deTICs, esta difusão modifica as rela-
coes entre as empresas, como foi visto na Seção 3. Portanto, o fato do
novo paradigma tecnoeconômico ser baseado em tecnologias da infor-
mação e da comunicação não implica necessariamente que apenas as
indústrias intensivas em informação têm sucesso na acumulação de capi-
tal. A riqueza da análise neo-schumpeteriana consiste exatamente em
fornecer instrumentos para lidar com a complexidade das formas de
concorrência capitalista.
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