Upload
others
View
3
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
3
PATRIMÔNIO CULTURAL E MÍDAS DIGITAIS
Este relatório é referente à bolsa de Iniciação Científica, referência de processo 06/55831-0 – concedida a Lisandra dos Santos Casagrande, aluna regular do
Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da
Universidade de São Paulo (EESC-USP). O relatório tem como objetivo relatar as
atividades de pesquisa realizadas pela bolsista durante os seis segundos meses da referida
bolsa, de maio a outubro de 2007, e apresentar os resultados finais da investigação acerca
de patrimônio e suas aproximações com tecnologia e as mi
dias no auxílio da preservação patrimonial.
O cronograma de atividades inicialmente proposto – vide abaixo – estava centrado,
para a segunda etapa da pesquisa, no aprofundamento o entendimento de terminologias
relacionadas à tecnologia e mídias digitais, assim como estabelecer vínculos entre as
esferas patrimônio e mídias, a partir das três linhas que se desenvolvem nessa intersecção:
a abordagem comunicacional do patrimônio e da patrimonialização; a virtual no patrimônio
e nos museus; e "patrimônio cibernético”. Seu desenvolvimento ficava, assim, vinculado à
pesquisa de fontes secundárias a partir da bibliografia proposta, de informações e material
iconográfico, por meio de mídia impressa, websites, catálogos e publicações, elaboração de
um banco de dados, além da participação em atividades em projetos de pesquisa do grupo
Nomads.usp (Núcleo de Estudos de habitares Interativos).
Como complemento da pesquisa, foram realizados fichamentos periódicos do
conteúdo bibliográfico e biográfico, assim como a disposição desse material no website
(pagina de trabalho) próprio da pesquisa, compreendido na página web do grupo de
pesquisa Nomads.usp.
Com relação ao que foi proposto poucas alterações foram feitas, com
complementações realizadas a partir de indicações do próprio parecerista desta fundação.
4
1. RESPOSTAS AO PARECER (SOBRE O 1º RELATÓRIO)
Com relação ao que foi comentado e sugerido pelo parecerista a respeito do
relatório parcial, seguem as respectivas respostas:
“Creio, portanto, que a bolsista prosseguirá em suas reflexões
quanto a essas dimensões internacionais dos procedimentos
metodológicos de preservação consciente dos limites impostos por
estratégias dos países membros.”1
Com relação aos procedimentos internacionais de preservação patrimonial, em
especial os que lidam com as mídias digitais, são expostos alguns trabalhos pertencentes a
grupos formados por países europeus, sendo em certos casos auxiliados por membros
norte-americanos. A partir de uma leitura mais geral do que vem sendo produzido e
experimentado nestes países, constata-se a crescente importância dessa área no cenário
mundial, em especial no cenário dos países mais abastados que investem grandes
quantias num campo aparentemente muito promissor.
“Creio também que seria oportuno o prosseguimento em
leituras relativas a museus e mídias, tendo em vista a aproximação da
bolsista em relação ao MLP e às dimensões de uso de equipamentos
virtuais para difusão de acervos patrimonializados por museus. (...)
Sugiro, nesse sentido, a leitura de um celebre artigo de
Ulpiano de Meneses, denominado “Do teatro da memória ao
laboratório de história” (...)”.
Neste presente relatório, tenta-se continuar o raciocínio crítico colocado no último,
no sentido de ler as implicações da inserção das mídias digitais no contexto patrimonial.
Para tanto são utilizadas algumas abordagens, em geral de pesquisadores nacionais, que
vêem grandes possibilidades nestas novas ferramentas, mas atentam para o perigo que
também podem proporcionar.
O referido texto foi lido, porém foi utilizado como base uma outra publicação mais
recente, do mesmo autor, Ulpiano de Meneses, que além de abordar a questão dos
museus em sentido mais geral, trabalha o tema Museu Virtual em específico. A escolha foi 1 Comentário Parecerista. São Paulo: Fundação de Amparo À Pesquisa do Estado de São Paulo, 26 jul. 2007.
5
feita no sentido de ter uma visão dos museus como uma das formas possíveis de
preservação patrimonial (uma das mais relevantes, pelo menos até algumas décadas
passadas), mas não a única. São também expostas novas maneiras de preservar a
memória coletiva, para isso são colocados dois exemplos de projetos, um na Espanha e
outro na Austrália, que lidam com o pensar sistêmico, abordagem cibernética, que serão
melhor explicados posteriormente.
2. REUMO DA PROPOSTA DAS ATIVIDADES PARA A SEGUNDA FASE
2.1. Objetivos
2.1.1. Objetivo Geral
Entender de que maneira as Tecnologias de Comunicação e Informação podem
servir como um meio de preservação tanto do patrimônio tangível como intangível de sítios
históricos.
2.1.2. Objetivos Específicos
i. Coletar e sistematizar dados sobre projetos de patrimônio histórico e cultural
digital organizados entre outros pela UNESCO - Organização das Nações
Unidas para a educação, a ciência e a cultura -, e o DigiCult - Digital Heritage
and Cultural Content -, uma linha de pesquisa do programa IST (Information
Society Technologies) da Comissão Européia;
ii. Estabelecer critérios classificatórios para o material coletado; e classificar
iii. Produzir um documento final a ser consultado como referência para outras
pesquisas.
2.2. Metodologia
Os objetivos serão alcançados através dos seguintes procedimentos metodológicos:
1. Consulta a fontes secundárias: Coleta e análise, a partir da bibliografia proposta,
de informações e material iconográfico por meio de mídia impressa especializada, nacional
e internacional, websites na Internet, catálogos, publicações, visando caracterizar
conceitualmente os diversos temas relacionados com a pesquisa.
2. Sistematização, análise do material obtido na fase anterior e produção de banco
de dados.
6
A partir das leituras, serão estabelecidos critérios para seleção de projetos que
estabeleçam um paralelo entre patrimônio cultural e mídias digitais. A princípio, as bases a
serem pesquisadas serão: Digicult e os projetos relacionados com as leituras, assim como
os projetos relacionados aos pesquisadores inseridos nas três linhas comentadas.
A seguir, temos as etapas inicialmente propostas, acompanhadas das respectivas
modificações:
Etapa 5. Complementação da revisão bibliográfica e coleta de dados de fontes
secundárias (projetos que envolvam a preocupação patrimonial com o uso das mídias
digitais)
Etapa 6. Seleção e análise de projetos
Etapa 7. Leituras comparativas, a partir de levantamento de interações,
hipertextualidade (estruturação do conteúdo) e simulações feitas nesta área. Divulgação em
texto e em ambiente Web. Sistematização final do material coletado.
Etapa 8. Elaboração do relatório final e do documento de consulta (banco de
dados).
2.3. Cronograma Proposto
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12
Etapa 1 X X
Etapa 2 X X
Etapa 3 X X
Etapa 4 X
Etapa 5 X X
Etapa 6 X X X
Etapa 7 X
3. ATIVIDADES
Dentro do que foi proposto para a segunda etapa da pesquisa, boa parte foi cumprida,
com algumas modificações já colocadas no tópico 1. RESPOSTAS AO PARECER SOBRE
O 1º RELATÓRIO, ou seja, foi realizada uma leitura da constituição histórica das mídias
7
digitais e da área de confluência desta com o setor do patrimônio, quais as implicações
destas mídias na área da preservação, assim como foi realizado o levantamento de alguns
projetos que lidam com a junção destes dois campos. As leituras comparativas se
estabelecem de maneira mais evidente nos dois últimos projetos abordados, a Galeria
Bunjilaka e o Projeto Extremadura.
Todas as leituras e etapas realizadas foram colocadas no banco de dados e nas
páginas do site da pesquisa, já mencionados no último relato.
3.1. Procedimentos Metodológicos
Os objetivos alcançados tiveram como base os seguintes procedimentos
metodológicos:
2.1.1. Consulta a fontes secundárias: Coleta, leitura e análise, a partir da bibliografia
proposta e complemento bibliográfico indicado pela Fapesp, por meio de mídia impressa
especializada, nacional e internacional, websites na Internet, catálogos, publicações,
visando caracterizar conceitualmente os temas relacionados com patrimônio e mídias
digitais.
2.1.2. Fichamento do conteúdo lido e digitalização do material estudado.
2.1.3. Sistematização, análise do material obtido na fase anterior e produção de
banco de dados.
3.1.1. Consulta a Fontes Secundárias
Esta fase constitui-se da revisão bibliográfica e coleta de dados de fontes
secundárias, propondo uma aproximação com terminologias relacionadas a mídias digitais
partir da tese da professora orientadora Anja Pratschke que reúne os nomes mais
relevantes relacionados com a área, e da leitura de textos que analisam a inserção das
mídias digitais no panorama da preservação patrimonial, com uma abordagem crítica e
clara do papel que tais ferramentas deveriam desempenhar. Além disso, apresenta-se uma
seleção de projetos que lidam com as duas grandes áreas em questão, patrimônio e
mídias. Esta análise abrange uma leitura mais geral de alguns projetos expostos no web
site DigiCult - Digital Heritage and Cultural Content -, uma linha de pesquisa do programa
8
IST (Information Society Technologies) da Comissão Européia e, leitura mais aprofundada
de dois projetos que lidam com a esfera do pensar sistêmico.
3.1.2. Fichamento e Digitalização do Material Estudado
A partir das leituras de livros, revistas e artigos, sendo estes impressos ou digitais,
foram realizados fichamentos nos quais, contem uma breve descrição do conteúdo, e
citações consideradas relevantes acompanhadas de observações e destacamento por
parte da leitora.
Além do fichamento, foram digitalizados alguns artigos e capítulos de livros, muitos
dos quais não se encontram na biblioteca da Escola de Engenharia de São Carlos, EESC-
USP, facilitando o acesso para os internos do departamento, assim como para aqueles que
acessarem a página web da pesquisa ou do banco de dados.
3.1.3. Sistematização, Análise do Material e Alimentação da Base de Dados
No banco de dados já citado anteriormente, foram arquivados conteúdos tanto
biográficos e bibliográficos, como iconográficos, obtidos na etapa anterior de fichamento e
digitalização, assim como materiais já digitalizados dispostos na web. Nesta base,
encontram-se arquivos de diversos tipos de documento, como em pdf, html, jpeg, gif, entre
outros, possibilitando uma gama maior de opções para acesso e visualização. Estes
arquivos estão organizados atualmente em três categorias que subdividem o álbum
Patrimônio e Mídias, sendo elas: textos, pesquisadores, e projetos (conteúdos bibliográfico,
biográfico e iconográficos).
Além da base de dados, compreendida na área geral em que esta pesquisa se
insere, os arquivos de fichamento, assim como, imagens das visitas estão também
dispostas na página específica da pesquisa, dentro da partição processo, expondo um
panorama cronológico do que foi desenvolvido no período, e possibilitando o acesso a tais
documentos.
9
4. ANÁLISE BIBLIOGRÁFICA
A partir dos conteúdos relativos a mídias digitais e patrimônio cultural tentou-se
estabelecer uma leitura crítica do que este novo campo de exploração vem significando
para a preservação da memória, sendo que o foco não se pauta apenas na compreensão
dos museus que se inserem nesta nova lógica, mas também na apresentação de projetos
que lidam com a questão da preservação num âmbito mais amplo e global. Chaves estas
que estão diretamente ligadas ao pensar sistêmico, ou seja, ligado à abordagem cibernética
de patrimônio.
4.1. Mídias Digitais – Aproximações
Nesta primeira etapa do relatório, entende-se ser necessária uma familiarização com
certas terminologias pertencentes ao campo específico das mídias digitais, assim como um
entendimento histórico de como estas surgiram e se aprimoraram nas últimas décadas.
As aproximações com tais terminologias específicas da área em questão, assim
como seu desempenho como recurso comunicativo serão feitas a partir da tese da
professora Anja Pratschke, “Entre mnemo e locus: arquitetura de espaços virtuais,
construção de espaços mentais”, que desenvolve uma ampla leitura de pesquisas realizadas
na história destas novas ferramentas.
4.1.1. Realidade Virtual Como meio de Comunicação
Para falarmos deste tema amplo, Realidade Virtual e Comunicação, faz-se
necessária uma introdução do que seria um sistema de comunicação.
Tal sistema pode ser descrito, segundo Pratschke, basicamente como “um
funcionamento combinado de uma interface dominante, canais de transmissão e infra-
estrutura organizacional.”2 Ligado a isso, é colocada o fato de que novas possibilidades de
comunicação estão há algum tempo em curso, reconhecidas como sistema de comunicação
emergente, que se realiza através de novas áreas como “o design de interfaces entre 2 PRATSCHKE, A. Entre mnemo e locus: arquitetura de espaços virtuais, construção de espaços mentais. 2002.
152 f. Tese (Doutorado em Ciências da Computação e Matemática Computacional) – Instituto de Ciências
Matemáticas e de Computação , Universidade de São Paulo, São Carlos, 2002. p.40.
10
diferentes meios de comunicação, a criação de novos canais sensoriais envolvidos no
processo de circulação da informação, e a midiatização da comunicação tanto entre
pessoas, como entre pessoas e máquinas.”3
Como exemplo desta nova fase de sistema comunicacional tem-se a realidade virtual
como exemplo destes novos recursos, como lembra Biocca, citado por Pratschke, mas que
não é tão nova assim, como veremos adiante.
Porém, a respeito da realidade virtual ao ponto que se evoluiu, algumas questões
são colocadas ao nos perguntarmos da potencialidade desta ferramenta ao produzir novas
espacialidades. Estas seriam então o espaço que cabe ao nosso tempo? Como esta nova
espacialidade pode ser usada como uma ferramenta e não mera substituição das noções de
espaços, até poucas décadas, constituídos apenas por elementos físicos? Qual a implicação
de tal substituição?
Tais questões podem ser aplicadas diretamente no campo da preservação
patrimonial, que se utiliza cada vez mais destas novas potencialidades.
4.1.1.1. Origens dos sistemas virtuais: aspectos históricos
A história dos sistemas virtuais não poderia ser entendida como uma sucessão de
meros meios tecnológicos, afirma Pratschke, mas sim a partir de uma leitura da
comunicação que é criada em comunidades virtuais. Para tanto, é definida realidade virtual
como “espaços intermediários que reuniam opiniões ou práticas em comum a pessoas
separadas fisicamente.”4
Baseando-se nas palavras de Sandy Stone, diretora do Laboratório de Tecnologias
de Comunicação Avançadas, da Universidade do Texas, Pratschke nos passa um esboço
do panorama da história das comunidades virtuais, separando-a em quatro partes:
“A primeira começa na metade do século XVII, quando as chamadas
‘comunidades virtuais’ desenvolvem-se em torno de textos. A segunda inicia-
se no século XIX, estendendo-se à primeira metade do século XX, e é
marcada pela invenção do telégrafo, do rádio e, finalmente, da televisão. A
terceira época, mais curta devido à aceleração de transformações na área, vai
de 1960, quando são introduzidas tecnologias da informação, a meados da
3 Idem. p. 41. 4 (p. 42)
11
década de 1980. É somente a partir de 1984, portanto na quarta época
proposta por Stone, que se falará em realidade e ambiente virtuais.”5
A partir desta sucinta leitura histórica, observa-se que há muito tempo a
comunicação não direta existiu, pois a essência está ligada a troca de informação entre
campos separados fisicamente. Porém o que mudou foi o meio pelo qual se opera esta
tarefa.
4.1.1.2. Definindo Realidade Virtual
Antes de entrar na área propriamente dita, é preciso fazer uma diferenciação básica
entre real e virtual, por conta de certa confusão com a expressão real:
“Estamos acostumados ao uso dos termos real e virtual designando situações
antagônicas: real seria tudo o que se passa no mundo físico, enquanto virtual
indicaria eventos em ambientes criados digitalmente com o uso da informática. No
entanto, tal diferenciação terminológica passa a ser questionável quando ambos os
termos se unem em uma única expressão: realidade virtual. Mantidos os significados
iniciais, seríamos forçados a admitir a existência, por oposição, de uma realidade
real, o que seria uma redundância inaceitável.”6
A partir dessa ressalva, usaremos o termo concreto para designar a realidade
relacionada ao mundo físico, e virtual para a realidade imaterial.
Mas essa má interpretação não diz respeito apenas à terminologia, pois ao analisar
as abordagens mais freqüentes de realidade virtual por parte de muitos pesquisadores
ligados ao estudo da informática, a autora enfatiza a limitada interpretação de tal tema.
Segundo ela, a expressão vem usualmente associada à natureza tecnológica simplesmente,
não dando margem a uma definição mais ampla, e colocando erroneamente, virtualidade e
concretude como conceitos supostamente opostos.
Portanto, Pratschke sugere uma definição de realidade virtual “a partir de conceitos
filosóficos, estabelecendo como ponto focal a experiência humana e não as características
5 p.42, apud Stone,1996. 6 PRATSCHKE, A. Entre mnemo e locus: arquitetura de espaços virtuais, construção de espaços mentais. 2002.
152 f. Tese (Doutorado em Ciências da Computação e Matemática Computacional) – Instituto de Ciências
Matemáticas e de Computação , Universidade de São Paulo, São Carlos, 2002. p .16.
12
do hardware.”7 E, ao mesmo tempo, ela lembra que há várias frentes distintas na
abordagem deste tema:
“a simulação, que indica a vontade de criar o mundo virtual
semelhante formalmente à realidade concreta; a interação, que “pressupõe,
obrigatoriamente, a intervenção, a troca, o envolvimento ativo do usuário”;
imersão, que é “a ilusão de se estar em mundos virtuais” através de um
“capacete, um sistema de acústica tridimensional e as luvas” ou até mesmo
dispositivos que possibilitam a reprodução sensorial de toque, peso ou calor
para o corpo todo (imersão completa); telepresença, que diz respeito ao fato
de “estar presente em um lugar, de forma remota” ou seja “estar nele
virtualmente”; e, por último, a comunicação em redes, que permite “a
conectividade de diferentes mundos virtuais” e, “permite também que os
usuários compartilhem eventos e abstrações que não usam necessariamente
palavras ou referências reais”.
Dentre esses campos, ela ressalta a telepresença, pelo fato desta ter “objetivo
comum a designer, usuário e engenheiro, em substituição a uma priorização dos meios – os
dispositivos tecnológicos”8, a partir das palavras de William Gibson, que relatou em 1979
que:
“A presença [telepresença] pode ser entendida como a
experimentação do ambiente físico de alguém, não se referindo ao entorno
deste alguém tal qual ele existe no mundo físico, mas à percepção deste
entorno mediada por processos mentais automáticos e controlados.”9
A partir da telepresença, tem-se então um exemplo de “realidade virtual que parte da
experiência da presença em um ambiente virtual, potencializado em meio de comunicação,
em uma situação de complementaridade entre virtualidade e concretude.”10 O foco dado diz
respeito à experiência humana e não à máquina.
Passados 30 anos desde as primeiras experiências com interfaces visuais interativas
de Ivan Sutherland, que criou o primeiro dispositivo de imersão com visão estereoscópica e
Myron Krueger, responsável pelo primeiro sistema de imersão de corpo inteiro sem
utilização de capacete e luva, constata-se que, atualmente:
7 Idem. p. 48. 8 Idem. p. 51 9 STEUER apud BIOCCA, 1995, p.35 10 Idem. p. 51.
13
“(...) não existe um sistema único de realidade virtual ou um só tipo de
ambiente virtual, mas uma diversidade que se viabiliza através da
combinação de componentes e aplicações, cada um capaz de produzir níveis
diversos de experiências sensoriais.”11
Constata-se, portanto, que é uma área de exploração muito vasta, com
possibilidades inúmeras de criação e aplicações. O que veremos mais adiante, neste
presente documento, no entanto, é a posição crítica daqueles que dizem que talvez ainda
não tenhamos explorado o campo da realidade concreta em profundidade e, mesmo assim
partimos para esta nova área, acreditando ter se esgotada aquela.
4.1.1.2.1. Dispositivos de Realidade Virtual
Basicamente, um sistema de realidade virtual, contempla do ponto de vista técnico,
“os dispositivos de entrada/saída, a base de dados de elementos do ambiente virtual, e o
software de realidade virtual que cria ou recria o ambiente virtual.”12
Sintetizando o que seriam os dispositivos de entrada e saída, que “são essenciais
para proporcionar uma ilusão imersiva de presença”, Pratscke define que:
“Os dispositivos de saída são sempre relacionados às características
dos canais sensorimotores, já que ligam o computador aos sentidos humanos,
sempre tendo a presença como objetivo final.”13
Estes dispositivos de saída podem ser visuais, auriculares, táteis, nasais, orais, force
feedback (reação a uma força aplicada), e whole body movement (simuladores avançados
de forças gravitacionais, inertes e de movimento).
Enquanto que os dispositivos de entrada podem ser entendidos da seguinte forma:
“A ilusão de presença pressupõe uma representação acurada do corpo
do usuário no espaço virtual, transformando certos movimentos e ações deste
corpo em comandos computacionais. É esta representação que constitui o
objeto central das atribuições dos dispositivos de entrada, no campo da
realidade virtual.”14
11 Idem. p.55 12 Idem. p. 57. 13 Idem. p. 59. 14 Idem. p. 66.
14
Estes podem ser cinemáticos (traduzem para a linguagem computacional o
movimento das partes do corpo), expressões faciais e movimentos de olhos, entrada de voz
e áudio, objetos do mundo concreto e cenas com shape aquisition câmeras (câmeras de
aquisição, que possibilitam que os mundos virtuais possam ser equipados com imagens
tridimensionais de objetos do espaço concreto).
4.1.1.3. Plataformas de Computador e Arquiteturas de Software
Retomando o sistema de realidade virtual, Pratschke faz a seguinte associação:
“Os dispositivos de entrada e de saída de que tratamos até aqui
podem ser comparados, como também já foi dito, aos sentidos e aos
membros humanos. Já as plataformas do computador e o software poderiam
ser descritos como as vísceras e o cérebro de um sistema.”15
Esta área, no entanto, pelo fato de não haver um modo único de fazer, pode ser
muito dinâmica, pois “cada software engineer acaba desenvolvendo programas e
ferramentas segundo seus próprios critérios, o que dificulta compatibilizações.”16
Para avaliar tais sistemas:
“É de hábito considerar três critérios principais, que dependem
diretamente da combinação entre hardware e software: o grau de
complexidade que oferecem da percepção do ambiente suportado por eles,
sua velocidade de resposta, e o número de usuários que são capazes de
aceitar.”17
Mas o que define a qualidade resultante de um sistema são, sem dúvida, “as
combinações dos diversos componentes construtivos de mundos virtuais – plataforma,
software,dispositivos de entrada e de saída, etc“.18
15 Idem. p.69. 16 Idem. p. 69. 17 Idem. p. 71. 18 Idem. p. 71
15
4.1.1.4. Realidade Virtual Distribuída: O Surgimento de Ambientes Virtuais
Colaborativos
A definição do que seriam os ambientes virtuais colaborativos está associada a
“interesses de pesquisa em realidade virtual e comunidades de Trabalho Cooperativo
Auxiliado por Computador”19.
A importância desses ambientes está na possibilidade de ampliar o diálogo em
conversas de trabalho como as teleconferências, por exemplo, pois permitem que dezenas
ou centenas de pessoas interajam simultaneamente. É um campo muito válido também para
as tecnologias comercializadas utilizadas de forma distribuída, pois possibilitam novas
formas de comunicação, como em jogos multi-player, que se utilizam da rede
computacional.
Mas, se esse ambiente dispõe-nos um grande leque de usos, deve-se fazer uma
ressalva apara o fato de que atualmente,
“(...) a maioria desses sistemas não provê qualquer forma de
interoperabilidade com outros sistemas cooperativos, comportando-se como
mundos fechados, com acesso bastante limitado. Uma razão para essa falta
de cooperação pode ser o ainda pouco conhecimento produzido sobre a
natureza de tais ambientes, o que mostra, mais uma vez, a necessidade de
uma reflexão sistemática sobre modelos espaciais, a serem usados no projeto
de mundos virtuais.”20
4.1.1.5. Considerações
“(...) a viabilização do experimento em realidade virtual é produto de
um pensamento multidisciplinar. Efetivamente, questões diversas se colocam
em relação a esta nova interface de comunicação, concernentes a diferentes
campos: conceitos filosóficos aplicados – por exemplo, a questão da presença
e da tele-presença –, princípios tecnológicos, e uma prática sócio-espacial
que envolve também seu aspecto arquitetural.”21
19 Idem. p. 72. 20 Idem. p. 73. 21 Idem. p. 77.
16
É ressaltada em seguida a importância da comunicação e colocados os
questionamentos sobre como a realidade virtual pode ser útil, justamente o ponto em que
toca nossa pesquisa:
“É verdade: podemos argumentar que todas as aplicações de realidade virtual
são aplicações de comunicação porque envolvem, por um lado, a comunicação
usuário-computador, por outro, a comunicação usuário-usuário. Múltiplas questões
se abrem, como quais seriam, então, estas aplicações de realidade virtual no
domínio tradicional do entretenimento, das notícias, das informações e
telecomunicações.”22
Ou ainda, poderíamos complementar, como se dão suas aplicações e
implicações quando tangem a área da preservação patrimonial? O trabalho com o
campo da memória poderia ser tratado como qualquer outro campo da área da
comunicação, ou pressuporia muito mais cuidado, já que está lidando com a
preservação de conteúdos, de certa forma, constituintes de um povo?
4.1.2. Interface Usuário – Computador
A partir do que foi exposto, partimos, com base ainda na referida tese de Pratschke,
para a elaboração do campo novo criado pelas mídias digitais, ou seja, a interface entre
usuário e computador (entendido aqui não apenas como o personal computer, mas
ampliado às vários equipamentos que lidam com a mesma lógica de tecnologia).
Esta definição de interface, muito conhecida como HCI (Human-Computer
Interaction), é tratada por vários pesquisadores, porém, com pouco sucesso de coerência,
segundo a pesquisadora. O objetivo da HCI, segundo ela,
“(...) é o de construir um mecanismo que permita ao usuário
comunicar-se com a aplicação desejada. HCI é o conector entre uma
aplicação e o usuário. A maioria das ferramentas utiliza HCI, de uma forma ou
de outra. Uma televisão e um videocassete são desenvolvidos usando HCI.
Telefones usam HCI. Comum a esta interação Usuário-Computador é o fato
de que a informação fornecida ou recobrada obedece a um formato e uma
estrutura específicos. O design da interface Usuário-Computador faz parte de
uma área muito mais ampla, conhecida como Interação Usuário-Computador,
ou, em inglês, Human Computer Interaction, HCI.” 22 Idem. p. 77.
17
A HCI, no entanto, é algo de difícil definição até o momento, por se tratar de um tema
relativamente novo, daí a falta de uma definição mais completa do seu significado. Muitas
tentativas de aproximação são feitas por vários pesquisadores nesta área, sendo que cada
um traz um complemento importante para sua definição e a junção destes seria uma boa
aproximação para sua compreensão: reconhecer os três grandes campos disciplinares
envolvidos no estudo da HCI: “o estudo das pessoas e da tecnologia da Computação, e dos
modos como elas se influenciam mutuamente”23 e a necessidade de tratá-los em igual
importância; deve-se ressaltar a importância da interação entre essas partes; deve-se
reconhecer o lugar de destaque que ocupa a HCI dentro das Ciências da Computação,
“lembrando que o assunto está longe de se esgotar e deve, portanto, ser objeto permanente
de pesquisa e discussões”24; e, além disso, não se deve esquecer que a HCI é um campo
multidisciplinar, relacionando áreas de interesse diversos tanto na pesquisa teórica quanto
nas aplicações práticas.
Como área de vasta aplicação e até por isso distante de uma esfera de caráter
didatizante, diante de sua inviabilidade de sistematização, Anja Pratschke cita algumas de
suas áreas de pesquisa e aplicação: “além da mais óbvia delas – a da estrutura de
comunicação entre Usuário e Computador –, estas áreas incluem, ainda, a engenharia de
hardware e software, a caracterização e os contextos de uso de sistemas interativos, a
própria metodologia de design e a inovação no agenciamento de design de novas
aplicações e produtos.”25
No entanto, embora um campo muito aberto, novas exigências são feitas e de forma
cada vez mais rigorosa e seletiva: perfeita performance, capacidade de resposta cada vez
mais veloz, uma margem de erro desprezível ou inexistente, além de interfaces interativas,
pressupondo um fácil uso, mas com qualidade de design.
4.1.2.1. Design, do Ponto de Vista do Arquiteto
Uma comparação bastante pertinente entre computação e arquitetura é sugerida a
partir do ponto que as duas áreas tocam, o design. Ambas trabalham com a criação de
23 DIX et al. apud WANG,1995,p.XIII. In: PRATSCHKE, A. Entre mnemo e locus: arquitetura de espaços virtuais,
construção de espaços mentais. 2002. 152 f. Tese (Doutorado em Ciências da Computação e Matemática
Computacional) – Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação , Universidade de São Paulo, São Carlos,
2002. p. 14. 24 PRATSCHKE, A. Entre mnemo e locus: arquitetura de espaços virtuais, construção de espaços mentais. 2002. 152 f. Tese (Doutorado em Ciências da Computação e Matemática Computacional) – Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação , Universidade de São Paulo, São Carlos, 2002. p. 14. 25 Idem. p. 15.
18
espaços, porém, estão diretamente ligadas à coerência com as particularidades do tempo,
necessitando de reelaboração contínua e trabalhada de maneira interdisciplinar.
O design, tanto na computação como na arquitetura, está intimamente relacionado
com a função que deve desempenhar, idéia que pode ser constatada a partir de teóricos de
séculos anteriores, como o arquiteto Louis Sullivan, da Escola de Chicago, que “em fins do
século XIX, sustenta que a forma do objeto arquitetônico deve ser definida a partir de
imperativos funcionais. Base do pensamento Modernista.” 26 Ou ainda, como lembra
Cristopher Alexander, que:
“(...) dividiu o processo de produção de espaços concretos – sejam
edifícios ou fragmentos urbanos – em um conjunto de etapas, listando
supostas necessidades para cada uma delas, o que equacionaria um
problema arquitetônico a ser resolvido. A partir desta (listagem Pattern
Language, em 1964.), Alexander estudou possíveis ligações entre
necessidades e usuários, atribuindo-lhes graus de importância, de maneira a
agrupá-las segundo uma complicada hierarquia de relações que definiria o
projeto final.(...) crença de que para um problema corretamente formulado
deveria existir uma única resposta arquitetônica correta. Christopher
Alexander percebeu, nos anos 1960, que o então nascente uso da Informática
poderia auxiliá-lo na concepção de espaços concretos(...).”27
Mas, para melhor definir o significado de design em arquitetura devemos nos
referenciar a parâmetros definidos a partir do contexto sócio-econômico no qual a obra se
insere, sendo ela espaço habitável ou um simples objeto. Portanto, se tomarmos à situação
atual preponderante, veremos que o design estará mais próximo do conceito de flexibilidade,
propondo espaços multiuso, que nada mais são do que a possibilidade de sobreposição de
funções, e não a divisão rígida proposta por Alexander. Isto também se aplica à informática,
dada a crescente diversidade de perfis de usuários, e das atividades que eles que desejam
desenvolver.
Mas, quando alisadas as ferramentas gráficas expostas nas interfaces virtuais,
percebe-se que são apresentadas apenas como ferramentas representativas, não
possibilitando ao usuário a escolha de seu design final, pois “limitam-se a auxiliar a fase de
representação das idéias, um estágio do processo criativo em que a concepção
26 Idem. p. 17. 27 Idem. p. 18.
19
propriamente dita já foi elaborada” 28, ou quando isso ocorre é a partir de possibilidades
previamente determinadas.
Desta maneira algumas indagações podem esboçar estas novas problemáticas que
acompanham o desenvolvimento das mídias digitalizadas: como lidar com a crescente
diversidade de perfis dos usuários e de seus modos de vida? Ou ainda, como se dá a
própria concepção vigente de mundo, que se viu frontalmente questionada a partir,
justamente, do advento da banalização do uso da Informática? Como esta está interferindo
na mudança de conceitos, modos de vida e na forma de preservar o que é significativo para
a memória coletiva? Ou ainda, o que é significativo para ser preservado e lembrado, se tudo
pode ser acessível a qualquer momento, com pouco esforço mental?
4.1.2.2. Design da interface Usuário /Computador: Breve Histórico
Fazendo um percurso não linear, propõe-se agora que já temos como pano de fundo
o contexto atual do mundo imaterial da informática, uma digressão a um breve histórico do
design da HCI (interface usuário-computador).
“Na mitologia popular o computador é uma máquina matemática: é
projetada para cálculos numéricos. Mas, além disso, ele é realmente uma
máquina da linguagem: seu poder fundamental está em sua habilidade de
manipular ferramentas lingüísticas – símbolos a partir dos quais foi criado.”29
Os primeiros computadores surgiram por volta dos anos 1940, mas neste momento
seria quase impossível prever os usos aos quais estaria destinado em poucas décadas
depois. Passados 50 anos, o computador deixava de ser uma “máquina destinada
unicamente a resolver cálculos para tornar-se, inclusive, um meio de comunicação
poderoso, possibilitando interação, imersão, e, a partir das suas capacidades, gerar
28 Idem. p. 16. 29 (“In the popular mythology the computer is a mathematic machine: it is designed to do numerical calculations. Yet it is really a language machine: its fundamental power lies in its ability to manipulate linguistic tokens—symbols to which meaning has been assigned.” WINOGRAD apud LAUREL 1990, p. 225. In: PRATSCHKE, A. Entre mnemo e locus: arquitetura de espaços virtuais, construção de espaços mentais. 2002. 152 f. Tese (Doutorado em Ciências da Computação e Matemática Computacional) – Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação , Universidade de São Paulo, São Carlos, 2002. p. 19. 29 Idem. p. 15.
20
reflexões sobre o papel do corpo, sobre a questão da presença, e sobre a própria definição
de espaço.”30
Nos primeiros anos de sua existência, os computadores possuíam uma interação
usuário-computador limitada ao face-a-face, mediado apenas por visores e chaves, como
por exemplo os enormes ZUSE22 e ENIAC. (Vide figuras a seguir)
Computador Zuse./ Computador ENIAC com Operário./ ENIAC do tamanho de uma sala.31
A primeira idéia de interface estava ligada a um conjunto de comandos acionados
por várias pessoas, que eram técnicos treinados para servir a máquina através de
complexas resoluções matemáticas que podiam durar dias.
Já anos 1950, há um pequeno avanço: a substituição dos plugs, mostradores e
chaves pelo uso de cartões perfurados para rodar programas de software. E, nos anos
1960, os usuários externos à área começariam a ter acesso direto aos equipamentos,
“(...) através de workstations em lugar de recorrer a intermediários em
centros integrados de computação. As válvulas deram lugar a transistores,
que por sua vez viram-se substituídos por circuitos integrados. Timidamente
abria-se a área de pesquisa em interfaces, essencial na construção do
diálogo de não-especialistas com a máquina.”32
Por volta desta data, surgiria a primeira interface propriamente dita: Sketchpad era
seu nome, que fora utilizada em computadores do tipo conversational, desenvolvida por Ivan
Sutherland. Era o início de uma comunicação gráfica, mesmo que ainda por linhas simples.
Em 1971, ocorreria então o que poderíamos chamar de revolução da interface, com
o surgimento dos micros:
“O surgimento do microprocessador, em 1971, inaugurou a noção de
personal computer, equipado com interfaces gráficas. Desenvolvidas pela 30 Idem. p.19. 31 Idem. Ibidem. 32 Idem. p. 20.
21
Xerox e usadas, mais tarde, no MacIntosh da Apple, as GUIs, ou Graphical
User Interfaces transformaram para sempre as interações conversacionais
entre usuários e computadores.”33
A partir daí surgem com eles os termos e objetos hoje já muito banais e praticamente
incorporados à vida cotidiana: o mouse (Lisa era um dos primeiros computadores com
entrada para ‘mouse’, em 1993), os displays em bitmap, o sistema de janelas do Windows, a
introdução de metáforas, como, por exemplo, a da mesa de trabalho – a desktop.
Neste processo, sincronizar os tempos de resposta do sistema operacional era
também uma enorme medida de avanço tecnológico. Foram desenvolvidos os dispositivos
de entrada e saída para interfaces, como sincronizadores deste tempo com a resposta da
interação humana, multiprocessando e suportando ambientes de janelas e animação.
Daí para o surgimento de novas áreas, como as Interface Management Systems e
User Interface Toolkits, era apenas uma questão de tempo. A rápida e crescente
banalização do uso de computadores, pessoais ou workstations, provocou como resultado
interfaces de melhor qualidade, aliadas a uma padronização do desenho de interfaces.
4.1.2.3. Usuário, Parte Integrante da Interface
Ao falar de interface, necessariamente estamos levando em conta os dois pólos
então ligados, o ser humano e o computador e, portanto, como diria Alan D. Goodbrand,
para se produzir uma interface com sucesso é necessário entender as capacidades e as
limitações de ambas as partes. Em outras palavras, isso significa dizer que para o bom funcionamento de uma
interface é necessário, antes de tudo, que se estudem “tanto as características humanas
quanto as computacionais envolvidas na comunicação proposta, mas também que se
analise o seu grau de usabilidade, o que incluiria a definição do perfil do usuário de cada
interface projetada, e do contexto em que ela se insere.”34
Neste contexto, partindo do ponto do ser humano, podemos sintetizá-lo a partir de
suas habilidades básicas, como os cinco sentidos, além é claro, da memória, elemento que
o distingue de qualquer outro ser vivo. Sobre esta, é importante lembrar que possui certas
limitações, que devem ser respeitadas para o design da HCI, como o fato de que o cérebro
apenas consegue processar um certo número de informações simultaneamente, como
coloca Goobrand, citado por Pratschke.
33 Idem. p. 21. 34 Idem. p. 23.
22
Outro ponto para início de criação de uma interface seria conhecer minimamente
quem vai usá-la, de que forma, ou seja, conhecer o contexto em que esta irá inserir-se.
Nesta óptica a interface final se revela apenas como “um dos componentes de um sistema
maior, o qual consiste em um produto completo que só pode ser projetado se as finalidades
do próprio produto estiverem claras.”35
No entanto, Pratschke entende que estamos em um contexto particular, muito
propício à revisão desta relação entre ser humano e computador, pois além das novas
necessidades e comportamentos expressos pela sociedade, há um grande potencial
tecnológico ainda pouco explorado. Neste sentido, coloca que é necessário partir de uma
análise diferente da simples categorização de usuários como iniciantes, intermediários e
freqüentes (como é de praxe nas práticas de design de interfaces usuário final-computador),
pois essa entrada impediria qualquer reflexão sobre a estrutura já instaurada, chegando a
uma padronização sem qualquer olhar crítico:
“Neste caso, o que dizer dos muitos autores que defendem que o
processo de design deve iniciar-se pela listagem de características dos usuários,
tais como idade, sexo, habilidades físicas, nível de educação, background étnico
e cultural, motivação, objetivos e personalidade? Os efeitos do uso de tais
métodos nas Ciências da Computação equivalem, em essência, aos efeitos do
uso da Pattern Language, de Christopher Alexander, na Arquitetura.”36
Nesse sentido, demonstra-se que há um amplo campo de atuação possível para
atender as necessidades do usuário como, por exemplo, repensar de que maneira ele
auxiliaria na readequação de uma interface, a partir de um diálogo maior entre designer e
usuário final:“(...) é igualmente importante que o designer mantenha com ele (usuário) uma
relação estreita ao longo de todo o processo de design.”37
Importante é ressaltar que projetar uma interface deve ser visto como um processo
contínuo de avaliação e melhoramento, ou seja, “o ciclo de desenvolvimento de uma
interface se completa com a sua avaliação, o que deve acontecer continuamente, durante
todo o processo de design e de implementação.”38
Além disso, algumas premissas, ligadas principalmente à flexibilidade e clareza de
leitura, são marcas essenciais de uma boa interface, como diria Linda Macaulay, citada por
Pratschke: segundo ela uma resolução com sucesso deve ter “naturalidade (não ser
preciso alterar a maneira de dialogar para ser entendido), consistência (um diálogo com um
35 Idem. p. 24. 36 Idem. Ibidem. 37 Idem. p. 27. 38 Idem. p. 28.
23
desenvolvimento lógico), não-redundância (não colocar informações demais para não se
perder a clareza na comunicação), assistência (uma ajuda ao usuário para fazer funcionar
o sistema em caso de interrupção do diálogo) e flexibilidade (quanto mais o usuário se
familiariza com o sistema, mais sua performance aumenta).”39
A mesma autora pauta cinco formas possíveis (ou disponíveis até então) de diálogo
do computador com o usuário, sendo elas: linguagem de Comando: na qual o usuário final
escreve instruções ao computador através de uma linguagem de comando definida
formalmente. Como dificuldade aponta-se a necessidade de memorizar a linguagem antes
de usar a interface; linguagem Natural: esta é uma linguagem fácil de aprender, pois se
baseia na linguagem coloquial, porém, requer destreza na digitação; sistema de menu:
utiliza menor número de teclas, fácil de ser utilizado por disponibilizar opções de dispositivos
alternativos; diálogos para preenchimento de formulários: campos são preenchidos na
tela com dados, sendo a entrada de dados simplificada, não requerendo treinamento;
manipulação direta da interface: através de ícones e de movimentos de um dispositivo de
apontar, como, por exemplo, um mouse, uma representação gráfica ou icônica de dados.
Ainda na discussão do ponto de vista do usuário, entraremos agora no processo de
design propriamente dito. Para tal Pratschke cita três metodologias básicas, comumente
utilizadas: “a chamada metodologia do design estruturado [SOMMERVILLE, 1989], a
metodologia de prototipagem [SCHNEIDERMANN,1992] , e a metodologia do design
participativo [MUMFORD, 1983] .”40
Explicando com mais cuidado, temos que, na primeira (metodologia do design
estruturado), os modelos de sistema gerados são, em sua maioria, representados através
de diagramas de data-flow. É uma metodologia que não considera o ponto de vista do
usuário durante o processo, exigindo, portanto, que o designer tenha uma excelente
compreensão das demandas e do contexto. No caso da metodologia de prototipagem, que
consiste em “trabalhar desde a fase inicial de conceituação com um modelo – chamado de
protótipo – cujo objetivo é o de testar a interface Usuário Final-Computador” é permitido que
“designer e usuário avaliem a interface em funcionamento, e realizem experimentações com
interfaces alternativas ao mesmo tempo.”41 Já o terceiro caso, ou a metodologia de design
participativo, surgiu nos países escandinavos, em uma época em que se pretendia inserir
todos os trabalhadores em todo tipo de decisão a ser tomada durante o processo de
trabalho. No entanto, “como esta metodologia pede uma participação maior dos atores
envolvidos no processo de desenvolvimento, resulta forçosamente em um processo
39 MACAULAY, 1995, p. 53. In: PRATSCHKE, A. Entre mnemo e locus: arquitetura de espaços virtuais, construção de espaços mentais. 2002. 152 f. Tese (Doutorado em Ciências da Computação e Matemática Computacional) – Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação , Universidade de São Paulo, São Carlos, 2002. p. 26. 40 Idem. p. 26. 41 Idem. p. 27.
24
demorado, como mostra a experiência”42, além do fato de estar atrelado decisões
consensuais, podendo resultar em uma perda de qualidade.
Entende-se, portanto, que integrar o usuário no processo de desenvolvimento de
uma interface é algo muito rico e necessário, porém, fazendo uma analogia aos problemas
enfrentados na disciplina arquitetônica, a decisão não pode vir apenas dos desejos e
vontades de um usuário final. Se partirmos destas, teremos uma obra sempre muito
limitada, pois baseia-se nos pré-requisitos de alguém leigo, com vontades que não são
necessariamente suas, mas muitas vezes baseadas nas opções comuns, expostas, em sua
maioria através de uma cultura de massa. Além disso, coloca-se em cheque até mesmo a
posição e existência de um profissional que lida com a área de maneira mais aprofundada.
Isto não significa, sem dúvida, que suas decisões e conceituações não devam ser
contestadas. Diálogo é uma palavra que resumiria muito bem este assunto, e para que esse
exista, são necessárias pelo menos duas partes, através dos quais as informações são
trocadas.
4.1.2.4. Não-Linearidade – Pano de Fundo Conceitual para a Construção de Interfaces
Quando se fala em não-linearidade no processo de comunicação, fala-se muito
provavelmente a respeito de um termo já bastante comum no campo virtual, ou seja, sobre o
hipertexto.
O termo surge num momento em que novas possibilidades, permitidas através das
do uso das mídias digitais, apresentam-se, favorecendo um formato de linguagem e troca de
informação a partir de uma lógica muito natural em toda existência humana. O ato de falar é
prova disso, pois não se configura de maneira linear e exata como se apresenta a maioria
dos livros (na mídia impressa a não-linearidade também é possível), é composta de
observações, lapsos de lembranças que complementam uma narrativa, ou apenas por
palavras soltas, mas que expressam-se de maneira eficaz. Sobre isso, Bush, citado por
Pratschke, diria de maneira mais clara que:
“A mente humana opera através de associações. Com um item em
suas garras, salta instantaneamente para o próximo, sugerido pela
42 Idem. Ibidem.
25
associação de idéias, de acordo com alguma teia intrincada de trilhas
percorridas pelas células do cérebro.”43
Falando em termos históricos, a expressão hipertexto foi criada por Ted Nelson, no
ano de 1962, com a intenção de englobar a idéia de hiper-espaço. O termo hiper, importado
do vocabulário filosófico-matemático, significa ampliado, generalizado. A partir desta idéia,
ele conseguiu desenvolver a exposição de várias janelas ao mesmo tempo, de forma a
comparar seus conteúdos, simultaneamente.
Ele ressalta que “um dos critérios necessários para uma conexão é que ela seja
inteligível para os outros, e portanto, a individualidade do assunto não pode ampliar-se da
maneira como o faz quando de uma associação livre, enquanto uma parte maior
correspondente é acionada pelo conjunto de concepções comuns a todos.”44 Hipertexto é,
portanto, uma ferramenta que se liga diretamente à noção de conectividade, que como
afirma Wholf, é um importante componente lingüístico porque está diretamente relacionada
à comunicação de idéias.
4.2. Mídias Digitais e Preservação da Memória
Após toda esta aproximação com campo das mídias digitais, tentaremos agora olhar
de maneira mais filosófica como tais ferramentas podem ser incorporadas ao campo
patrimonial. Para esta etapa foram selecionados autores que possuem importante base
teórica na área de patrimônio cultural e memória e que, atualmente, se colocam para analisar
as mudanças ocorridas no setor a partir das novas possibilidades proporcionadas pela
tecnologia digital. Os pesquisadores no qual é baseada a leitura são os seguintes: Jean
Davallon, Michel Van Praet e Daniel Jacobi (já analisados no último relatório), Tereza
Scheiner, Ulpiano de Meneses e Andrea Witcomb.
43 BUSH, V., As we may think, em Multimedia Pioneers -N1.0, http://www.coe.ufl.edu/Courses/EdTech/Vault/Pioneers/mpn1/multimedia%20N1.html. In: PRATSCHKE, A. Entre mnemo e locus: arquitetura de espaços virtuais, construção de espaços mentais. 2002. 152 f. Tese (Doutorado em Ciências da Computação e Matemática Computacional) – Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação , Universidade de São Paulo, São Carlos, 2002. p. 31. 44 “Connection” is important from a linguistic standpoint because it is bound up with the communication of ideas. One of the necessary criteria of a connection is that it be intelligible to others, and therefore the individuality of the subject cannot enter to the extend that it does in free association, while a correspondingly greater part is played by the stock of onceptions common to people. “ [WHORF, 1927. In: PRATSCHKE, A. Entre mnemo e locus: arquitetura de espaços virtuais, construção de espaços mentais. 2002. 152 f. Tese (Doutorado em Ciências da Computação e Matemática Computacional) – Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação , Universidade de São Paulo, São Carlos, 2002. p. 31.
26
4.2.1. Comunicação, Educação e Exposição
A partir do texto Comunicação, Educação, Exposição: novos saberes, novos sentidos
Tereza Scheiner explora o poder e a responsabilidade da exposição, que é uma das
ferramentas base do museu. Sobre esta, ela o define como:
“uma poderosíssima instancia relacional, um vigoroso instrumento
mediático que não apenas conjuga pessoas e objetos, mas também – e
principalmente – conjuga pessoas e pessoas: as que fizeram os objetos, as
que fizeram a exposição, as que trabalham com o público, as que visitam o
museu, as que não estão no museu, mas falam e escrevem sobre a
exposição.”45
Portanto, se a exposição está ligada às relações humanas, está ela também aliada
às noções de sentido. É essa a lógica que Scheiner vai buscar e seu apelo é justamente à
percepção deste espaço do museu como o local onde ocorrem “as infinitas e delicadas
nuances de trocas simbólicas possibilitadas pela imersão do corpo humano no espaço
expositivo”46. E vai além: não bastando a constatação deste poder sensitivo, ela ressalta
ainda o caráter afetivo onde, segundo a autora, “se elabora a comunicação: é no afeto que a
mente e o corpo se mobilizam em conjunto, abrindo os espaços do mental para os novos
saberes (...)”47.
Sob esta óptica poderíamos imaginar, em nosso subconsciente, uma aproximação
ou defesa de espetáculos tecnológicos, uso massivo de luzes, máxima exploração de sons,
enfim, milhares de estratégias contemporâneas que tem por objetivo justamente exaltar ou
aguçar os sentidos. Porém, Tereza Scheiner diz justamente o contrário. Ela o faz não de
forma a negar as ferramentas tecnológicas, pois as considera sim como aliadas na busca
que propõem. Ela coloca, no entanto, alguns termos que são muitas vezes esquecidos e
deixados de lado pela não confiança na sua eficácia, como a ponderação, a sutileza, o
mínimo necessário, chegando a fazer uma comparação muito feliz com a culinária, ao
propor uma “degustação” ao invés do mero ato de “engolir”, pois segundo ela:
“(...) toda exposição deveria ser ‘saboreada’ ponto a ponto, passo a
passo, no tempo perceptual de cada indivíduo, possibilitando que todo o seu
45 SCHEINER, Tereza.: Comunicação, Educação, Exposição: novos saberes, novos sentidos. Semiosfera, ano 3, n° 4-5, p. 02. 46 Idem. Ibidem. 47 Idem. Ibidem.
27
ser se impregnasse daquela experiência. É esta ‘impregnação dos sentidos’
que efetivamente mobiliza a emoção e desperta para a mudança.”48
A explicação para tal é dada pelo fato de que o excesso de informação de estímulo
de luz, cor, som, formas, pode causar reações inversas: ‘anestesiar’ os sentidos, usando as
palavras da própria autora.
Aprofundando um pouco mais a idéia de museu, Scheiner o coloca como uma nova
instância do aprendizado, uma forma de conhecimento ligada à “liberdade de experiência”,
ou seja, uma construção através dos sentidos. Assim como qualquer outra entidade ligada
ao saber, Tereza admite a presença de diversas visões de mundo nas exposições
museólogicas, na maioria das vezes relacionadas aos grupos sociais aos quais se insere, ou
seja, sabe-se que as narrativas históricas não são totalmente imparciais. O que importa,
segundo ela, é justamente como ocorre essa representação em cada museu, quais seus
instrumentos de mediação.
Ainda no campo do aprendizado, tal mediação deveria ser dada explorando o caráter
‘ativo’ do visitante, já que o processo de aprender está intimamente ligado ao que os
estudos de Gestalt comprovaram: à “ampla gama de experiências visuais, tácteis, aurais e
emocionais”.
4.2.1.1. A voz do Museu: a Exposição como Linguagem
Na instância da exposição, o papel da linguagem assim como em outras formas
comunicacionais é dado, segundo a semiótica, a partir de “uma relação muito especial entre
quem fala e quem ouve”. E para que esta comunicação seja bem sucedida, no sentido de
propiciar ao visitante algum tipo de experiência ou aprendizado significante para sua
vivência, Scheiner ressalta alguns pontos que devem merecer especial cuidado no processo
de formação de um museu ou exposição. São eles:
• A fala organizada e o espaço de criação:
No tocante ao espaço de exposição e criação, a autora relembra, resumidamente, as
diversas maneiras de abordagem da história nas salas de museu do último século trazendo,
por exemplo, a tendência da aproximação máxima da realidade buscada nos anos 20; ao
mesmo tempo em que ocorria a exploração do museu como obra aberta por parte dos
artistas modernos; dando um salto, têm-se nos anos 60 as teorias de museu integral, onde a
noção de espaço expositivo se amplia, abarcando vilas, casas, fazendas, em que no limite
48 Idem. Ibidem.
28
tudo pode ser objetificado; e, a partir dos anos 90, o advento da exploração dos sentidos,
que pode ser “intensa, verdadeira, intangível, personalíssima”, mas que é “fugaz”49.
Nestas deferentes formas de apresentação do museu, a linguagem e o tipo de
organização que este recebeu estão intimamente ligadas à boa leitura que dele se faz. Para
tanto, Tereza ressalta a importância de se elaborar um discurso “de maneira clara e
compreensível, fazendo uso das diferentes linguagens de comunicação para configurar a
linguagem da exposição - forma específica de discurso, que se fundamenta numa
conjugação muito especial de signos para dar forma às estruturas narrativas.”50
• A estrutura do discurso.
Para este aspecto, Tereza parte do que Lyotard definiu como a ‘metamorfose do
afeto’, ou seja, “à realidade dos fatos sobrepõe-se a interpretação narrativa, que recria os
fatos a partir de operações ideológicas definidas – visando, quase sempre, provocar certos
efeitos emocionais no interlocutor”51. Portanto, segundo ela, à museologia cabe duas tarefas
principais, sendo a primeira justamente “buscar identificar (...) limites éticos de interpretação
da realidade” e, a segunda, “reconhecer, cada vez mais, o visitante como emissor de
narrativas, atuando o museu como um espaço experimental de interpretação.”52.
Sob esses dois aspectos, a autora prega a necessidade de se adotar uma ‘ótica
plural’ por parte dos museus, devido ao seu caráter de memória coletiva que possui, pois do
contrário têm-se como resultado algo desastroso como “a omissão ou não apresentação de
certos fatos ou memórias que são consideradas perturbadoras por alguns segmentos da
sociedade”53. Em vista disso, ela defende sistematicamente “que os museus construam
estratégias narrativas integrando passado e presente, e buscando apresentar os fatos a
partir de uma ótica plural, que permita o máximo possível de interpretações.”54
Seguindo ainda o cuidado que propõe para a estrutura narrativa do museu, Tereza
ressalta mais uma vez o uso ponderado das mídias tecnológicas e adverte sua aproximação
com a linguagem das propagandas e mídias de massa que, segundo ela, é muito distinta da
linguagem do museu, além de ser um perigoso recurso, pois pode limitar as interpretações
como acontece em um noticiário televisivo.
Além disso, ressalta ainda a vitalidade da linguagem, já que o museu utiliza como
ferramenta principal a memória simbólica. Esta poderia ter seu uso efetivo quando o museu
fizesse uso das “novas tecnologias comunicacionais, estabelecendo suas narrativas a partir
de códigos que estejam em pleno uso na sociedade contemporânea”. Segundo a autora, “é
49 Idem, p. 03. 50 Idem, p. 04 51 Idem, Ibidem. 52 Idem, Ibidem. 53 Idem, Ibidem. 54 Idem, Ibidem.
29
a vitalidade das linguagens, e não o acervo em si mesmo, o que torna fascinante qualquer
exposição.”55
4.2.1.2. Museu e Imaginação: a Exposição como Universo Alternativo
Para falar a respeito do processo de formação da memória, Scheiner coloca em
primeiro plano a importância da imaginação:
“A capacidade imaginativa coloca em ação permanente a memória,
como instrumento de elaboração de experiências. É o oposto do hábito, que
atribui valor à permanência. A infinita capacidade imaginante do ser humano
desdobra-se em fluxo continuado, permitindo-nos apreender o real como
poética e desenhar incontáveis percursos entre a mente e os sentidos, como
verdadeiros ‘sonhos de vôo’ - que se iniciam na mente e percorrem todos os
caminhos da memória, em busca do maravilhoso e do desconhecido.”56
Deste aspecto, é demonstrada a dimensão pedagógica do museu que se daria não
pela “via formal das operações didáticas controladas, dependentes do logos”, mas pela que
“permite deixar fluir uma relação espontânea entre a capacidade imaginante do indivíduo e
as muitas linguagens da exposição.”57
Scheineir coloca que “vivenciar é infinitamente mais importante que informar.”,
utilizando-se da Psicologia como suporte. E, além disso, deposita no museu a crença se ser
este um novo meio de se olhar o mundo, de realmente enxergá-lo, diferente do ‘afogamento’
por “notícias e informações assolados por estímulos”. Este novo olhar possibilitaria uma
nova forma de apreensão do mundo, pois permitiria “ver fora das coisas e para além das
coisas, buscando por detrás delas ‘algo oculto, invisível, essencial; e aquém delas, já que ao
invés de ver as coisas o sujeito trata de ver-se a si mesmo’ e acaba por ver também, dentro
de si e para além de si, o Outro.”. Este seria aquilo que o museu poderia proporcionar de
melhor para a sociedade, ou seja, a construção do auto-conhecimento do indivíduo e do
(re)conhecimento daqueles com os quais convive e com o mundo que o cerca.
55 Idem, p. 05. 56 Idem, Ibidem. 57 Idem, p. 06.
30
4.2.2. Os Museus na Era Virtual
Muitas das narrativas mais recentes a respeito de museus virtuais, grande parte
delas estrangeira, exaltam o valor da renovação da instituição museu (os virtuais) na época
em que vivemos, sob a óptica de que estamos inseridos num contexto social e cultural
totalmente novo e nada mais coerente que explorar as novas formas de experiência e
aprendizado que as tecnologias mais avançadas possibilitam. Contra essa visão, no
entanto, também não é difícil encontrar os mais conservadores, que temem o novo e
pregam o virtual como eliminador do social, numa visão mais romantizada. A tentativa de
Ulpiano de Meneses, ao discorrer sobre a virtualidade, em seu texto Os Museus na Era
Virtual, desenvolvido a partir do XVI Seminário Internacional “Museus, Ciência e
Tecnologia”/ MHN, assume uma posição tão firme e crítica quanto este segundo grupo, por
acreditar que as ferramentas da materialidade não foram ainda exploradas profundamente,
e no entanto, entra-se diretamente no contexto imaterial, e por perceber que há muitas
falhas e incoerências na aplicação de mídias digitais num sistema de cultura que nunca
chegou a ser integrado entre os próprios museus, no caso nacional, por exemplo. Além de
ressaltar que sua preocupação maior apóia-se na ilusória tentativa dos detentores da cultura
atual priorizarem a informação em detrimento do conhecimento, achando erroneamente que
ambos são semelhantes ou iguais. Porém, não seria correto dizer que ele esteja inserido
num grupo tão extremo, pois acredita sim em novas possibilidades de integração, de
experimentação, e de exposição de conteúdo histórico, porém só aceita uma inclusão digital
se esta estiver ligada a outras formas de inclusão tanto quanto ou mais prioritárias que esta,
como a social, política, econômica e cultural.
4.2.2.1. A lógica do Imaterial
Seguindo uma lógica coerente de aproximação, tendo como foco final a virtualidade
dos museus, Ulpiano de Meneses desenvolve um raciocínio muito mais amplo que o simples
âmbito da exposição museal.
Começa, primeiramente, a partir de uma leitura do que significa a imagem e qual o
seu poder, assunto chave, pois estamos inseridos, antes de tudo, na lógica da cultura do
espetáculo. Neste contexto, a imagem assume um papel próprio, ou como diria André
Parente, citado por Meneses, “a imagem se apresenta como autônoma, independente de
31
um ‘real’, capaz de gerá-lo e, por isso, assumindo uma dimensão ontológica”58. Portanto, se
a imagem em si já carrega uma potencialidade própria na área da representação, muito
mais poderosa se dará quando aplicada segundo os moldes da virtualidade.
A imagem virtual seguiria, neste caso, uma outra função que não a mera
representação do real, mas um mundo paralelo, e mais que isso, com poder de moldar as
formas e conseqüentemente os conteúdos do mundo concreto. Aliado a esse raciocínio é
exposto o pensamento de Laymert Garcia a respeito da realidade virtual:
“A realidade virtual é (...) a geração de um mundo a partir de uma relação
homem-máquina, um mundo criado artificialmente, que o usuário pode ‘habitar’. No
início, ‘apenas’ mentalmente... e visualmente; mas a meta é envolver todos os
sentidos.”59
Seguindo esta linha, Ulpiano ressalta que “como mercadoria, a imagem virtual estará
subordinada aos imperativos da oferta e da demanda, à lógica do investimento/ retorno, às
exigências insaciáveis do mercado.”60
Nesses sentido, a imaterialidade seria a forma mais fácil, atualmente, de detenção de
poder, de dominação por parte do mercado, sendo um dos maiores exemplos o título
financeiro, considerado pelo sociólogo da tecnologia Laymert Garcia dos Santos como a
“mais abstrata, a mais desmaterializada das mercadorias, (...) – propriedade mais fácil de
ser privatizada porque lhe falta a forma substancial natural ou produzida pela máquina.”61.
Portanto, o simbólico passa a tomar cada vez mais força no sistema econômico vigente.
4.2.2.2. Informação e Conhecimento
Esse imaterial surge principalmente no formato de informação, e se intensifica no
excesso dela. A expressão já muito em voga ‘sociedade da informação’ é apenas uma
58 PARENTE, André; Civilização da imagem ou civilização do clichê?; ECO/EFRJ (Rio de Janeiro), n. 1: p. 52-8, 1992., apud MENESES, Ulpiano T. B.: Os Museus na Era Virtual, in: XVI Seminário Internacional “Museus, Ciência e Tecnologia”/ MHN – Rio, 2006. 59 Santos, Laymert Garcia dos; Considerações sobre realidade virtual. In: Politizar as novas tecnologias. O impacto sócio-técnico da informação digital e genética. São Paulo, Editora 34, 2003 a: p. 109-122. Apud MENESES, Ulpiano T. B.: Os Museus na Era Virtual, in: XVI Seminário Internacional “Museus, Ciência e Tecnologia”/ MHN – Rio, 2006, p. 08. 60 MENESES, Ulpiano T. B.: Os Museus na Era Virtual, in: XVI Seminário Internacional “Museus, Ciência e Tecnologia”/ MHN – Rio, 2006, p. 09. 61 61 Santos, Laymert Garcia dos; Considerações sobre realidade virtual. In: Politizar as novas tecnologias. O impacto sócio-técnico da informação digital e genética. São Paulo, Editora 34, 2003 a: p. 115-120. Apud MENESES, Ulpiano T. B.: Os Museus na Era Virtual, in: XVI Seminário Internacional “Museus, Ciência e Tecnologia”/ MHN – Rio, 2006, p. 05.
32
constatação dessa lógica, ou seja, da “lógica do imaterial” que “se apresenta apta a se servir
do trabalho intelectual na expansão do capital intangível dos direitos de propriedade.”
Utilizando-se das palavras de Dwight Read e Nicholas Gessler, Meneses coloca que:
“É no ciberespaço que se tem a possibilidade de um mundo da pura
informação, livre de seu substrato físico, configurável à vontade, infinitamente
accessível, comportando a possibilidade de alterar sensações, novas
percepções e o apagamento da materialidade, ilusão da mente descarnada.”62
Preocupante faz-se, justamente, o excesso desse conteúdo informacional, pois é tão
ou mais danoso que a falta de informação, já que a sobreposição de layers pode causar
vertigem, deixando o indivíduo sem foco, praticamente cego. Em outras palavras, “hoje as
escolhas nos sistemas de comunicação correspondem a uma experiência cada vez menos
compartilhada.(...) Por outro lado, a escala e o volume de informação, a que estamos
sujeitos, redundam em saturação. Hiperinformação provoca desinformação.”63
Num contexto de colagem e fragmentação, a grande dúvida paira em como
proporcionar uma ‘comunicabilidade dos códigos culturais’, como garantir que ainda haja
conhecimento e não apenas informação. É a respeito da comunicação e suas dimensões no
mundo virtual que uma posição firme e crítica é colocada:
“A comunicação inovada pela eletrônica e, em particular, mediada
pelas redes informatizadas, é problemática e, por vezes, agrava as
dimensões já críticas do sujeito e da subjetividade em nossa sociedade.
Assim, é quase sempre impróprio falar-se de interação. Já em relação à
imagem virtual, não há dúvida: o que ocorre é, antes, uma passividade
gestualmente ativa. (...) Mais grave me parece, nessa interação, ver
condições ideais para a aquisição do conhecimento.(...) tais condições são
precárias.(...) sob a aparência da interatividade, continua-se a propor
enganosamente que ver é o melhor caminho do conhecer.”64
62 Read, Dwight W. & Nicholas Gessler, Cyberculture. In: Levinson, David & Melvin Ember, eds., Encyclopedia of Cultural Anthropology. New York, Henry Holt & Co., 1996, v.1: p.306-8). Apud MENESES, Ulpiano T. B.: Os Museus na Era Virtual, in: XVI Seminário Internacional “Museus, Ciência e Tecnologia”/ MHN – Rio, 2006, p. 05. 63 MENESES, Ulpiano T. B.: Os Museus na Era Virtual, in: XVI Seminário Internacional “Museus, Ciência e Tecnologia”/ MHN – Rio, 2006, p. 03. 64 Idem, p. 09.
33
4.2.2.3. Museus
Ainda sobre o excesso de informação, agora em especial no âmbito do museu,
Ulpiano de Meneses coloca a fragilidade que esta entidade carrega já no seu sistema mais
simples de integração:
“Seja como for, quanto aos museus, de forma geral, é preocupante
observar como estão despreparados para agir até mesmo em redes de
simples cooperação operacional – quanto mais em redes cibernéticas, nas
quais, muitas vezes, com maior ou menor competência, simplesmente
despejam informações.”65
Ou ainda, resgatando um pouco da história recente deste lócus da história, há de se
ressaltar que:
“A cultura do museu, infelizmente, não conseguiu liberar-se de uma
série de dicotomias que facilmente conduzem a opções de fé fundamentalista.
Nas décadas de 1960 e 1970, o dilema era: templo ou fórum? documentação,
registro histórico ou produção cultural? Mais tarde a escolha fatal deveria
decidir: informação ou educação? Tais atitudes simplistas revelam falta de
munição e, portanto, vulnerabilidade do museu.”66
É ainda sobre este, que três considerações são feitas, sendo muitas delas relativas a
própria essência desta instituição:
• Primeiro, a partir das palavras de Meneses, há no museu sempre uma
substituição de valores, sendo que, na maioria dos casos, o de uso sede
espaço ao cognitivo, afetivo, sígnico e, atualmente, ao de mercado;
• Segundo, os critérios, objetivos e parâmetros do museu seguem os do capital,
seja por “comodismo e superficialidade, os museus ajustaram seus
procedimentos (e, muitas vezes, objetivos) ao mercado”67;
• Terceiro e último, para o mercado a cultura funciona como um grande
suporte, na era da cultura de massa, sendo esta “não apenas como um álibi
legitimador, mas como um suporte de sublimação.”68.
65 Idem, p. 04. 66 Idem, p. 10. 67 Idem, p. 07. 68 Idem, ibidem.
34
Nesta forte ligação que há entre cultura e mercado, há na estética moderna duas
expressões que sintetizam o que vem ocorrendo neste âmbito, sendo elas o fetiche e o
simulacro, que podem ser mais bem definidas segundo esta citação:
“A fetichização, que desloca os significados das coisas de sua
produção para as coisas (elas próprias), como se fossem atributos imanentes
(...) tem sido o padrão mais recorrente nos museus. Seria dispensável dizer o
quanto os museus praticaram diferentes formas de fetichização de suas
peças.
(...) simulacro é a imagem tão saturada de autenticidade, que não pode ser
real (...) passar a tratá-lo como substitutivo do “real” e não como interlocução
que integra o próprio real, como uma das dimensões possíveis da imagem.
Em suma, mais uma vez, o que se faz necessário não é eliminar o simulacro
de nossas existências (coisa que, aliás, julgo impossível), mas dispor de
elementos para o controle (intelectual, político e social) de sua produção,
circulação e consumo.”69
O fetiche e o simulacro são reconhecidos por Meneses como ferramentas muito
utilizadas nos museus, principalmente nos virtuais. Do simulacro, no entanto, ele faz uma
ressalva, dizendo que sua eliminação além de praticamente impossível é desnecessária,
pois se bem utilizado, pode ser muito vantajoso. Ele é um amplo campo de exploração, de
investigação, de invenção, enfim, diretamente ligado às criações do mundo virtual. No
entanto, é necessário um controle, seja ele intelectual, político ou social, que só ocorrerá
quando houver uma clara distinção entre concreto e virtual, ou seja, quando o virtual for
reconhecido como artificial de fato, e não consumido e aceito como natural. Para
exemplificar os possíveis danos que esta fusão entre duas áreas pode causar, Meneses
conta a estória de um bêbado, que “para escapar dos dois touros que via, procura refugiar-
se em uma das duas árvores que também via. Por infelicidade, subiu na árvore ilusória e o
touro empírico o atacou.”70. Ou seja, sobre o simulacro:
“O único problema grave que ele levanta é ignorar do que se trata, é
não dispor de elementos para situá-lo em sua ordem natural e, portanto,
passar a tratá-lo como substitutivo do “real” e não como interlocução que
integra o próprio real, como uma das dimensões possíveis da imagem.”71
69 Idem, p. 06, e p. 12. 70 Idem, p.13. 71 Idem, p.12.
35
Portanto, das considerações sobre os museus em geral, Meneses reforça a
necessidade de entender e enxergar o museu como “espaço de ficção e não mero espaço
mimético, de duplicação”72, além de laboratório de experimentação da imagem, em que o
simulacro deve ser utilizado como objeto de trabalho e conhecimento. Mas, seguindo o que
já foi exposto sobre simulacro, ele faz um convite inverso ao que se tem explorado até então
no campo virtual nos museus: ao invés da imersão e dissolução no virtual, propõe que deva
haver também um distanciamento, necessário para o discernimento e apreensão do
conteúdo.
4.2.2.4. Museu virtual
Este afastamento proposto pelo autor ocorre na tentativa de proporcionar uma leitura
crítica para os usuários deste novo espaço, agora virtualizado, a fim de fazê-los perceber
que este é sim uma ferramenta muito útil na preservação da memória, porém, não é a única
e nem a substitutiva de outras formas de exposição.
Partindo deste raciocínio, e usando as palavras do livro organizado por Edwards,
Gosden, Phillips em 2006, que trata da passagem abrupta da materialidade para a
virtualidade, praticamente substituindo uma pela outra sem que se tenha aprofundado as
possibilidades da primeira, tem-se que:
“Os museus estão-se transferindo para o ‘imaterial’ por
comodismo e inércia, sem mesmo terem explorado suficientemente as
dimensões de materialidade da vida humana expressa nos acervos
‘tradicionais’”.73
Desta visão, é feito um paralelo com nosso mais recente exemplo nacional de museu
virtual, o Museu da Língua Portuguesa na Estação da Luz (São Paulo), inaugurado em
2005. Para analisar este caso, duas perguntas são feitas, sendo que a imagem do museu
pode ser tanto positiva como negativa, dependendo de qual ponto é focada questão. A
primeira pergunta é pautada na validade de um espaço, como este, reservado para “nos dar
ou aprofundar a consciência (em todas as suas dimensões) do universo físico, sensorial em
72 Idem, p.13. 73 Edwards, Elizabeth; Gosden, Chris & Phillips, Ruth B., eds., Sensible objects. Colonialism, museums and material culture. Oxford, Berg, 2006. Apud MENESES, Ulpiano T. B.: Os Museus na Era Virtual, in: XVI Seminário Internacional “Museus, Ciência e Tecnologia”/ MHN – Rio, 2006, p. 11.
36
que estamos imersos”74. A resposta é muito positiva, pois o local pode ser considerado
legítimo, bem sucedido, atingindo um enorme público de visitantes e muito bem visto pela
maioria deles e dos críticos, embora possua algumas falhas. Alguns exemplos podem ser
levantados, como: “seu próprio horizonte que, afinal, é mais a palavra do que a língua; a
marginalização do enunciado, do ato da fala e suas variáveis, e de toda uma série de
implicações antropológicas fundamentais; os riscos, nas combinações e recombinações que
a informática permite, de desfazer sentidos, atomizá-los caleidoscopicamente ou dificultar
um pensamento crítico, etc.”75 Ou ainda, fazendo mais uma vez um paralelo ao que já foi
discutido na primeira fase desta pesquisa, pode-se destacar os procedimentos de caráter
ideológico que se sobrepõem à complexidade de conflitos existentes num contexto histórico
a fim de gerar uma compreensão mais didática, baseada no nivelamento e harmonia dos
fatos históricos.
Mas, mesmo com tais ressalvas, o museu atende consideravelmente ao intuito de um
novo espaço de experimentação, apreensão e troca de experiência, por sua interatividade.
Agora, quando a pergunta é feita em outro sentido, como por exemplo: pode este ser o
modelo desejável para o futuro, com o intuito de substituir as possibilidades do museu
tradicional?; muito provavelmente a resposta pode ser oposta.
Esta forma de pensamento já trás consigo um pouco da percepção que Meneses
propõe ao tratar do caso específico museu virtual, que é baseada em discernimento e
lucidez, a fim de não cair em polaridades extremas e muito provavelmente danosas. Não
intenta situar-se em campos como o de Jean Baudrillard, para quem “o virtual elimina o
social, numa crítica conservadora muito semelhante à de Platão, a propósito da escrita”,
nem de Pierre Lévy, que “alega nunca ter Baudrillard navegado na Internet, espaço
privilegiado das novas e fecundas formas de sociabilidade, prenunciadoras de um futuro de
sonhos”76.
O que ele ressalta e tenta deixar claro é o fato de que “é preciso fazer do virtual um
território de exploração e não de rendição incondicional ou de sedução consentida.”77 Além
disso, lembra que ao museu está ligada uma característica básica, que é “a dimensão
sensorial da vida humana”, diretamente relacionada com “o estatuto corporal de nossa
condição”78. Tal lembrança é muito coerente, tendo em vista que estamos imersos numa
outra realidade, a da memória extra-corpórea, onde “a eletrônica tornou viável uma memória
infinita”, porém “alocada fora da mente humana, fora do corpo humano”, ou seja, fora de
nosso controle próprio, como pessoas. Uma perda que não pode, ou pelo menos não
74 MENESES, Ulpiano T. B.: Os Museus na Era Virtual, in: XVI Seminário Internacional “Museus, Ciência e Tecnologia”/ MHN – Rio, 2006, p. 11. 75 Idem, p.10. 76 Idem, Ibidem. 77 Idem, Ibidem. 78 Idem, p.14.
37
deveria, ser simplesmente constatada e aceita, pois sem a memória, individual ou coletiva
(mas ainda da mente humana) não ocorre história em seu sentido pleno.
5. ANÁLISE DE PROJETOS
A análise compreenderá, primeiramente, uma abordagem de projetos mais sucinta,
baseada principalmente nos projetos dispostos no web site DigiCult - Digital Heritage and
Cultural Content -, uma linha de pesquisa do programa IST (Information Society
Technologies) da Comissão Européia, no sentido de esboçar algumas aproximações
possíveis das mídias digitais com o campo da preservação patrimonial. E, em seguida, são
expostos dois projetos que expressam uma solução bastante significativa de como
preservar a memória coletiva utilizando-se das ferramentas tecnológicas disponíveis,
associadas a uma visão mais ampla de patrimônio: o pensar sistêmico.
Os projetos escolhidos têm como pano de fundo a idéia de museu integral, citado por
Scheiner anteriormente, ou seja, trata-se aqui da preservação patrimonial sob uma ótica
plural que não se resume apenas às exposições museais encerradas num equipamento
arquitetônico, mas também a outras formas de interface, desde um simples web site até um
trabalho mais complexo com a população local detentora de uma cultura a ser mantida.
5.1. Projetos DigiCult
Os projetos selecionados possuem, em sua maioria, caráter ainda exploratório,
trazendo para a discussão novas possibilidades de aplicação das tecnologias digitais. Feita
tal ressalva, vale colocar, no entanto, que sua análise do ponto de vista das teorias até aqui
desenvolvidas faz-se estritamente necessária. Isso se dá, tendo em vista que a
aproximação a tudo o que é novo e ainda pouco conhecido requer um cuidado especial de
análise e não simples aceitação cega.