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VIVÊNCIAS NO ALGARVE - PATRIMÓNIO CULTURAL IMATERIAL
A Festa da Pinha, uma manifestaçãodo património imaterial de Estoi
Fernanda Zacarias
Antropóloga
As festas populares fazem parte da
especificidade cultural das comunida-
des, representam manifestos das suas
vivências, usos e costumes, transmitidos
de geração em geração e são recriadas
ao longo dos tempos por essas mesmas
comunidades.Todos os anos, nos dias 2 e 3 de
Maio, na Aldeia de Estoi, no Concelho
de Faro, é celebrada a Festa da Pinha,uma tradição secular, que segundofontes orais remonta a mais de dois
séculos. Na sua génese podemos en-contrar uma vertente religiosa e outrade carácter pagão.
A Génese
Terão sido os almocreves, parceiroscomerciais do Morgado do Ludo, os
prenunciadores desta festa.
As viagens dos almocreves efetua-das por caminhos hostis e perigosostinham como meio de transporte as
carroças puxadas por mulas ou cava-
los e eram efetuadas entre o Algarvee o Alentejo, tendo como finalidadea permuta de produtos regionais. Do
Algarve levavam frutos secos (figos, al-
farroba e amêndoa), peixe e produtos
importados que chegavam via maríti-
ma aos portos do Algarve. Do Alentejotraziam cereais e cortiça.
Aquando destas viagens, eram con-
frontados com inúmeros obstáculos
que punham em risco as suas vidas:
Salteadores e lobos eram alguns dos
perigos com que muitas vezes se de-
paravam.Segundo rezam os mais antigos, a gé-
nese da festa remonta a tempos ime-
moriais, quando um grupo de almocre-
ves numa das suas viagens de regressoà aldeia pernoitou num acampamento,sendo aqui cercados por uma alcateia
de lobos. Desesperados, rezaram à Nos-
sa Senhora do Pé da Cruz suplicando--lhe auxílio, o que para eles seria ummilagre. A súplica foi atendida e em
agradecimento concretizaram umafesta em homenagem a Nossa Senhora
do Pé da Cruz, a cuja ermida chegaram
já noite cerrada à luz de archotes. Aí,acenderam uma fogueira como formade gratidão para com a sua padroeira.Desde então, a festa passou a fazer par-te de uma tradição que perdura até aos
dias de hoje.Era para o Ludo, lugar onde havia
um importante porto marítimo desig-nado de Farrobilhas, que os almocreves
se deslocavam para acertar contas com
o Morgado do Ludo e festejavam o su-
cesso das transações, comendo, beben-
do e divertindo-se através das abarcas,lutas efetuadas entre duas pessoas em
que o vencedor era aquele que primei-ro conseguisse derrubar o outro.
Ao cair da noite, cumprindo a tradi-
ção, regressavam à aldeia empunhandoenormes tochas de rama de pinheiroacesas. O cortejo terminava junto à Er-
mida do Pé da Cruz, onde faziam umaenorme fogueira em agradecimento à
sua padroeira.
A organização social da festa
A festa que inicialmente era exe-
cutada pelos almocreves, passou em
tempos mais recentes a ser organiza-da, primeiramente por uma comissão
constituída propositadamente parao efeito, após o 25 de Abril, pela As-
sociação dos Jograis António Aleixo
e posteriormente, pela Junta de Fre-
guesia de Estoi.
A Festa da Pinha é um aconteci-mento que marca fortemente o senti-
mento de pertença desta comunidadeàs suas tradições. Nos dias que ante-cedem o evento, começam os prepa-rativos: a ornamentação dos carros e
dos animais que irão fazer parte do
cortejo, com palmas e flores vistosas
e multicolores, em que prima a ori-
ginalidade de cada um. Ao mesmo
tempo, preparam-se os comes e bebes
que irão fazer parte do piqueniqueque terá lugar no sítio do Ludo emAlmancil.
A festa inicia-se pela manhã do dia
2 de Maio, no Largo do Mercado, coma concentração dos participantes do
desfile formado pelos cavaleiros tra-
jados a rigor (calça preta, cinta pretaou vermelha, colete, camisa branca,
lenço vermelho ao pescoço e chapéupreto) à frente e atrás, por carroças,camiões e tratores vistosamente de-
corados, que desfilam para o público,
gritando entusiasticamente: "Viva à
Pinha!". Em seguida, partem em dire-
ção ao Ludo, local onde se irá realizar
o piquenique, formado por diversas
iguarias e bebidas e um convívioanimado por espetáculos de música
e dança.É ao final do dia que se inicia o re-
gresso à aldeia. Nesta altura, já bas-
tante alegres e empunhando enormes
archotes, partem em direção a Estoi,
chegando já noite cerrada. No Largoda Liberdade, frente à igreja matriz,são recebidos por uma enorme mul-tidão e por um espetáculo composto
por música e fogo-de-artifício. Em
seguida, desfilam pela aldeia dando"Vivas à Pinha", até à Ermida do Pé
da Cruz, onde lançam os archotes e
alecrim para uma fogueira acendida
em homenagem à sua padroeira.A festa continua com música, dan-
ça e muita alegria até de madrugada,terminando no dia 3 de Maio, dia de
Vera Cruz, com uma missa de Açãode Graças a Nossa Senhora do Pé da
Cruz.
A festa como promotorade novos contextos sociais,
económicos e culturais
Um dos eventos culturais associados
à Festa da Pinha desde finais da década
de 60 do século XX, é o concurso dos
jogos florais, um concurso dedicado
à poesia, composto por modalidadesdiversas dentro desta temática.
A festa também serviu de motiva-
ção para o aparecimento recente de
um mercado de produtos regionais e
artesanais, permitindo desta forma, di-
namizar mais a freguesia, a nível social
cultural e económico.
Promover e preservar a tradição nocontexto das gerações mais jovens deu
origem a um novo evento festivo: A"Festa da Pinha Infantil", uma recriaçãorecente da festa tradicional, que se efe-
tua habitualmente no dia 25 de Abril e
onde as crianças são os intervenientes.
Cavaleiros trajados a rigor desfilam pelas ruas de Estoi